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ALVO COMUM PROGRAMA PORTUGUÊS “STOP INFECÇÃO HOSPITALAR!” QUER REDUZIR PELA METADE A TAXA DE INFECÇÃO HOSPITALAR NO PAÍS. NO BRASIL, A ANVISA TAMBÉM TRABALHA POR REDUZIR INDICADORES Por Felipe César

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e acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), as Infecções relacionadas à assistência à saúde (IrAS) afetam 10% dos pacientes nos países desenvolvidos, e 15% nas nações em desenvolvimento. No Brasil, estima-se que 14% dos pacientes internados contraem algum tipo de infecção após a admissão no hospital. As IrAS elevam as taxas de mortalidade e prejudicam o sistema de saúde como um todo, pois aumentam o tempo de permanência no leito e elevam custos de tratamento. Só nos EUA, segundo o Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC), os custos causados por IH no país são estimados em mais de US$30 bilhões/ano.1 Para enfrentar esse cenário, países como Brasil e Portugal têm promovido programas focados na redução de infecções hospitalares. O objetivo é o mesmo: proporcionar mais segurança ao ambiente hospitalar e diminuir o impacto causado nos custos da hospitalização.

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CONTROLE DA INFECÇÃO HOSPITALAR NO BRASIL As primeiras Comissões de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) surgiram no Brasil na década de 1960, mas foi somente em 1988 que o Programa Nacional de Controle de Infecção Hospitalar foi instituído por meio de portaria do Ministério da Saúde. Em 1999, com a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o programa foi transferido do Ministério da Saúde para a agência reguladora, que passou a definir as diretrizes e estratégias para o controle das infecções hospitalares no Brasil. No ano de 2013, a Anvisa lançou o Programa Nacional de Prevenção e Controle de Infecção Relacionada à Assistência a Saúde (PNPCIRAS), que estabeleceu como meta a redução de 15% da taxa de infecção primária de corrente sanguínea associada a cateter venoso central nos pacientes hospitalizados em unidades de terapia intensiva (UTI), e também de infecções em cirurgias cesarianas. Esses dois


tipos de infecção apresentam altos índices de eventos e mortalidade nos hospitais brasileiros, segundo a agência. O resultado desse programa está previsto para o ano de 2016, com dados referentes ao período 2013-2015. Além da meta traçada, o objetivo do PNPCIRAS visa também: • Reduzir Infecções do Sítio Cirúrgico (ISC); • Estabelecer mecanismos de controle sobre a Resistência Microbiana (RM) em Serviços de Saúde; • E aumentar o índice de conformidade do PNPCIRAS, segundo os critérios da OMS.

INICIATIVA QUE DEU CERTO Enquanto o Ministério da Saúde e a Anvisa desenvolviam um programa para diminuir as IH no Brasil, o Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas (IOT-HC), em São Paulo, também iniciou um programa na mesma direção. Após quase duas décadas de trabalho intenso da equipe da Subcomissão de Controle de Infecção Hospitalar (SCCIH) da

unidade, o resultado atual é a taxa de 1% de infecção em cirurgia ortopédica, uma das menores do país. Ao longo dos anos, a SCCIH realizou diversas ações com o objetivo de diminuir as taxas de infecção na unidade. A incidência de infecção por fratura exposta grave, por exemplo, passava de 50% nos anos 1990. Atualmente, ela está em 12%, devido ao treinamento da equipe multidisciplinar para tratar a fratura o mais rápido possível com segurança e à utilização de tecnologia mais avançada. “Várias ações foram feitas junto aos ortopedistas e demais profissionais para a diminuição progressiva da IrAS O treinamento contínuo da enfermagem e uma remodelação do IOT foram muito importantes para alcançar os índices atuais”, diz a Profª. Drª. Ana Lucia Munhoz Lima, infectologista e presidente da SCCIH-IOT. Ela explica ainda que, antigamente, a unidade tinha enfermarias com capacidade para abrigar até 15 pacientes, todos no mesmo ambiente, e a chance de contaminação de um paciente para outro era enorme. Durante a década de 1990, uma ampla reforma foi feita, e as enfermarias passaram a ter dois pacientes por sala. “Houve o treinamento das equipes cirúrgicas, remodelação do centro cirúrgico e da central de material esterilizado, foi todo um processo que conquistamos até chegar a esse ótimo índice de infecção em fratura exposta.”

‘STOP INFECÇÃO HOSPITALAR!’ É UMA PARCERIA ENTRE MINISTÉRIO DA SAÚDE DE PORTUGAL, IHI E FUNDAÇÃO GULBENKIAN. DOS 30 HOSPITAIS QUE SE CANDIDATARAM, 12 FORAM SELECIONADOS

COMO FOI FEITO Priscila Rosalba Domingos de Oliveira, médica-assistente da SCCIH-IOT, explica que o treinamento das equipes multidisciplinares é o ponto-chave e deve ser contínuo. “Não adianta você programar uma ação de capacitação que acontecerá 1 ou 2 vezes por ano, colocar todo mundo no anfiteatro e falar com as pessoas. Deve haver uma política continuada de treinamento, seja para prevenção de infecção de sítio cirúrgico, higienização das mãos, ou para prevenção de infecção em cateter. Aqui no IOT, nós vamos até a unidade de internação, falamos com o profissional no

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NO IOT, A TAXA DE INFECÇÃO POR FRATURA EXPOSTA GRAVE PASSOU DE 50%, NOS ANOS 1990, PARA ATUAIS 12%

horário de trabalho dele, formamos grupos pequenos e adequamos a linguagem de acordo com o tipo de profissional, porque é assim que funciona.” A professora Ana Lucia é ainda mais enfática: “A CCIH não pode ficar parada, analisar dados e determinar ordens não funciona. A CCIH tem que estar dentro das enfermarias, tem que conhecer a realidade e o dia a dia da assistência ao paciente e tem que ter meta. Deve ser claro o objetivo proposto, senão você se perde no meio do caminho. O desafio é o trabalho contínuo que exige mudança de postura e comportamento na assistência, esse é o pior entrave que o controle de infecção hospitalar tem, e a mudança só é possível com treinamento contínuo e ação multifacetada, aí você chega lá.”

META DE PORTUGAL – O DESAFIO GULBENKIAN Na Europa, Portugal é o país que possui uma das maiores taxas de IrAS, com média de 10,6% de prevalência, enquanto a média dos países europeus é de 5,7%, segundo relatório do Ministério da Saúde de Portugal. Para colocar um fim nessa diferença, o Ministério da Saúde resolveu aceitar um desafio proposto pela Fundação Calouste Gulbenkian: em três anos,

PORTUGAL: METAS DO PROGRAMA COM SUSTENTABILIDADE FINANCEIRA >>> Reduzir a incidência das infecções hospitalares – baixar as taxas atuais de 12 hospitais pela metade em três anos. >>> Conter o crescimento da incidência de diabetes – em 5 anos, evitar que 50.000 pessoas desenvolvam a doença. >>> Ajudar o país a tornar-se um exemplo na saúde e no desenvolvimento dos primeiros anos de infância – com melhorias quantificáveis nos indicadores de saúde e bem-estar das crianças. >>> Redução da morbidade – prevenção das doenças e diminuição do tempo de enfermidade. >>> Aplicação eficaz das evidências científicas e adoção da melhoria contínua da qualidade, com o objetivo de diminuir o desperdício em saúde. >>> Mudança da infraestrutura do sistema de saúde. Fonte: Relatório “Um Futuro para a Saúde – todos temos um papel a desempenhar” – Fundaação Calouste Gulbenkian.

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diminuir em 50% a incidência de IrAS em 12 hospitais portugueses. Foi lançado então o projeto ‘STOP Infecção Hospitalar!’, uma parceria entre o Ministério da Saúde, o Institute for Healthcare Improvement (IHI) e a Fundação Gulbenkian. No primeiro semestre de 2015, 30 hospitais se candidataram para participar do programa, e 12 foram selecionados. “Entre os anos de 2013 e 2014, a Fundação Gulbenkian convidou um conjunto de peritos internacionais e nacionais para estudar o sistema de saúde de Portugal, com o objetivo de elaborar um relatório2 que fizesse uma caracterização da saúde no país (público e privado) e que elencasse três áreas prioritárias para propor um programa em forma de desafio”, explica Paulo Sousa, professor e coordenador do mestrado em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa (ENSP-UNL) e membro da comissão executiva do ‘STOP Infecção Hospitalar!’. Dessa forma, os três desafios propostos foram: reduzir as infecções hospitalares em 50%, diminuir a carga de diabetes no país e tornar a saúde infantil um benchmarking mundial.

COMO VAI FUNCIONAR Foram selecionadas as quatro áreas de atuação mais responsáveis por eventos adversos relacionados a IrAS nos hospitais portugueses: infecção do sítio cirúrgico, infecção associada ao cateter venoso central, infecção associada a ventilação mecânica e infecção associada ao cateter vesical. Cada um dos hospitais definiu equipes de três profissionais de saúde para cada serviço (UTI, cirurgia geral, ortopedia e clínica médica) composta por médicos e enfermeiros. As equipes são as responsáveis por disseminar toda a aprendizagem adquirida em suas áreas de atuação dentro dos hospitais. Cada hospital definiu também um líder local que integra uma equipe de três indivíduos. Essa equipe de liderança é fundamental, pois ela é o canal de comunicação entre a Gulbenkian/IHI, a equipe


assistencial que está na linha de frente do atendimento e o conselho de administração da instituição. “Também é de extrema importância o envolvimento e compromisso do conselho de administração dos hospitais para reajustar custos e mover barreiras. O conselho deve estar disposto a participar ativamente do programa e ter em mente que a redução dessas infecções acresce valor, ou seja, traz ganhos”, ressalta Sousa.

PROCESSO DE APRENDIZAGEM São três ações que compreendem o processo de melhoria das equipes assistenciais: sessão de treinamento promovido pelo IHI baseada na metodologia ‘Ciência da Melhoria’3, visitas técnicas da comissão executiva do programa e membros do IHI aos hospitais (após a sessão de treinamento) e reuniões virtuais em que as equipes podem tirar dúvidas e relatar dificuldades de implementação de algum processo, para que um especialista do IHI possa propor uma solução.

REFERÊNCIAS

A sessão de treinamento, um dos pontos mais importantes do programa, terá periodicidade semestral. Serão cinco eventos de capacitação em três anos, com mais de 240 profissionais presentes nos encontros. “São momentos especiais em que as equipes de todos os hospitais estarão juntas para compartilharem informações, aprender uns com os outros e abordar junto com o IHI e a Gulbenkian sobre a Ciência da Melhoria, ou seja, como podemos aplicar iniciativas e soluções que deram resultados em outros hospitais, como é que vamos medir sistematicamente as atividades em nossas plataformas, como os profissionais levam essa aprendizagem para seus hospitais nos serviços e enfermarias e como envolvem os outros serviços de forma a contagiar todo o hospital”, comenta Paulo Sousa. A ideia é que, ao final dos três anos, esses 12 hospitais sirvam de exemplo para toda a rede do sistema de saúde de Portugal.

A CCIH TEM QUE ESTAR DENTRO DAS ENFERMARIAS, TEM QUE CONHECER A REALIDADE E O DIA A DIA DA ASSISTÊNCIA AO PACIENTE E TEM QUE TER META

1. http://www.cdc.gov/HAI/pdfs/hai/Scott_CostPaper.pdf 2. Relatório “Um Futuro para a Saúde - todos temos um papel a desempenhar” - Fundação Calouste Gulbenkian. Disponível em http://www.gulbenkian.pt/mediaRep/gulbenkian/files/institucional/FTP_files/pdfs/FuturodaSaude2014/RelatorioFuturodaSaudePT2014/index.html 3. Metodologia do Institute for Healthcare Improvement. Disponível em http://www.ihi.org/about/Pages/ScienceofImprovement.aspx Outros links úteis: • Boletim Informativo da Anvisa sobre indicadores nacionais das IRAS. Disponível em http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/1 335a2004863a0b38cbf8d2bd5b3ccf0/BOLETIM+III.PDF?MOD=AJPERES • Programa Nacional de Prevenção e Controle de Infecções Relacionadas à Assistência a Saúde. Disponível em http://portal.anvisa. gov.br/wps/wcm/connect/814e7d80423556f89181b96d490f120b/PNCIRAS+12122013.pdf?MOD=AJPERES • Manuais da Anvisa relacionados a IRAS: http://portal.anvisa.gov.br/wps/content/Anvisa+Portal/Anvisa/Inicio/Servicos+de+Saude/ Assunto+de+Interesse/Aulas+Cursos+Cartazes+Publicacoes+e+Seminarios/Controle+de+Infeccao+em+Servicos+de+Saude/Manuais • Manuais de Infecção Hospitalar: http://www.cve.saude.sp.gov.br/htm/cve_ihb.html

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