Campo Neutral - Exposição

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CAMPO NEUTRAL

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A Exposicão “Campo neutral” reuniu trabalhos cujas estruturas de visibilidade e operatividade constituem-se de mecanismos e convenções institucionais característicos do campo curatorial. Realizada entre os dias 5 de junho e 11 de agosto de 2013, no Museu da Gravura Cidade de Curitiba, a exposição teve sua expografia concebida através do diálogo entre o projeto curatorial e o trabalho BASEmóvel, do artista Vitor Cesar. Desenhou-se um espaço expositivo para ser usado pelos visitantes e evidenciar suas estruturas. Este espaço recebeu 15 práticas artísticas e curatoriais: “Arte e esfera pública” (Vitor Cesar e Graziela Kunsch), “BASEmóvel” (Vitor Cesar e Felipe Prando), “Formas de pensar” (Santiago Navarro), “Invernos de um balneário” (Santiago Navarro), “Temporada de Projetos na Temporada de Projetos” (Roberto Winter e Luiza Proença), “Sem título” (“Prefiro não fazer”) (Graziela Kunsch), “Recibo” (Roberto Traplev), “Conversa coletiva” (Ricardo Basbaum), “Projeto A2” (Regina Melim), “Um espaço para a contracultura inglesa” (Graziela Kunsch), “Fórum permanente” (Martin Grossmann), “Café Educativo” (Jorge Menna Barreto), “Projeto Matéria” (Jorge Menna Barreto), “Projeto Mutirão” (Graziela Kunsch) e “Não há nada para ver” (Graziela Kunsch). Durante os 68 dias, foram realizadas oito atividades: Aula Crítico-Etc., uma proposta da artista Milla Jung, Seminário, Oficina de Prática Curatorial, aula do Projeto Matéria, apresentação do Projeto Mutirão e as projeções da vídeo-palestra “A solidão do projeto”, de Boris Groys, e do filme “New York Conversations”, um projeto coordenado por Anton Vidokle, Rikrit Tiravanija e outros. ∆ A prática curatorial teve dois “neutros” como ponto de partida. O primeiro mostrou-se no Tratado de Santo Ildefonso, 1777. Onde hoje são as cidades do Chuí-Bra e Chuy-Uru, as Coroas Porguesa e Espanhola, diante da dificuldade de delimitar a fronteira entre seus territórios, criaram o chamado Campo Neutro, um lugar no qual as fronteiras permaneceram indeterminadas. E o segundo Neutro, o apresentado por Roland Barthes em seu curso1 de 1978, no Collège de France, quando apresentou, de forma aleatória, uma série de figuras (fadiga, silêncio, afirmação, etc.) nas quais o Neutro se faz presente. Este Neutro barthesiano é dissociado da ideia de imparcialidade e indiferença tantas vezes presente na concepção de um 1

Em 1978, Roland Barthes realizou, no Collège de France, o curso “O neutro”, no qual analisa uma série de figuras (a fadiga, o silêncio, a afirmação, etc.) nas quais o neutro se faz presente. As figuras foram apresentadas em ordem aleatória com o intuito de não conferir ao curso um sentido preestabelecido e contrário ao conceito de Neutro, que “[...] não remete a ‘impressões’ de grisalha, de ‘neutralidade’, de ‘indiferença’”, mas a “estados intensos, fortes, inauditos”. Cf. BARTHES, Roland. O neutro: anotações e seminários ministrados no Collège de France, 1977-1978. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

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espaço expositivo que contribui com a construção do conceito de autonomia do objeto artístico. Para Barthes, o Neutro não corresponde “ao Neutro Formal, sem juízo de valor, [mas] ao Neutro Ético (em relação a uma opção)”, pois, ao escapar ao onipresente jogo das oposições binárias e ao princípio de identidade, não trata de uma contradição, e sim do “nem um nem outro” � Neutro. ∆ Ao pensar o que é fazer uma exposição, a primeira ideia que surge é a de criar um lugar para a existência de um conjunto de trabalhos de modo que estes não fiquem culturalmente confinados, o que ocorre, muitas vezes, quando o curador impõe limites em uma exposição de artes ao invés de pedir aos artistas para definirem tais limites2. Na exposição “Campo neutral”, há um desejo de que a prática curatorial seja tomada e contaminada pelas proposições expostas, de modo a criar um lugar de indeterminação e de intersecção entre ambas. Pensada para o Museu da Gravura Cidade de Curitiba, a exposição, construída a partir de 15 proposições artísticas/curatoriais, propõe as conversas, programas de mediação, seminários e publicações um papel central e primário. Este fato faz com que a exposição tenha uma característica processual que problematiza formatos clássicos de exposições de arte. Desse modo, esta exposição, além de ser um período de exibição de trabalhos de arte, é também uma prática artística-curatorial, cuja ação ou gesto produz contextos de recepção, transformando-se num espaço de diálogo, o que torna públicos não apenas as proposições e os espaços expositivos, mas também o sujeito-visitante.

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SMITHSON, Robert. Cultural Confinement (1972). In: FLAM, Jack (Org.). Robert Smithson: The collected Writings. Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 1996.

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CURADORIA Felipe Prando ARTISTAS E CURADORES Vitor Cesar Arte e esfera pública BASEmóvel Traplev Recibo Ricardo Basbaum Conversa coletiva Regina Melim Projeto A2 Santiago García Navarro Formas de pensar Invernos de um balneário Martin Grossmann Fórum Permanente Luiza Proença e Roberto Winter Temporada de Projetos na Temporada de Projetos Jorge Menna Barreto Café Educativo Projeto Matéria Graziela Kunsch Arte e esfera pública Não há nada para ver Prefiro não fazer Projeto Mutirão Um espaço para a contracultura inglesa

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Mediadores - Atendentes do Café Educativo Aline de Lima Moraes Marcos Frankowicz Margit Leisner Coordenação Editorial Felipe Prando Keila Kern Milla Jung Paulo Reis Cobertura Crítica Fórum Permanente: Museus de Arte; entre o público e o privado www.forumpermanente.org Documentação Fotográfica Felipe Prando Lídia Sanae Regina Melim Registro em Vídeo Daniel Yencken Design de Exposição Felipe Prando e Vitor Cesar Design Gráfico Vitor Cesar Assessoria de Imprensa Mariana Sanchez Produção Agência 291

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PROJETOS

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BASEMÓVEL Vitor Cesar em colaboração com Felipe Prando

Projeto de espacialização da exposição Campo Neutral

2013

A “BASEmóvel” surgiu como necessidade da Transição Listrada (Renan Costa Lima, Rodrigo Costa Lima e Vitor Cesar) para dar continuidade às atividades da Base – uma casa localizada próximo ao centro de Fortaleza, que entre 2002 e 2004 acolheu encontros, exposições e debates. O espaço precisou ser desativado, mas a vontade de continuar com as ações gerou a “BASEmóvel”: uma plataforma de encontros e estudos que assume diferentes formas em resposta às questões que emergem nos espaços e situações onde se apresenta. Para cada edição da “BASEmóvel”, um novo desenho é desenvolvido, sempre em parceria com outros artistas. Em parceria com Renan Costa Lima e Rodrigo Costa, a “BASEmóvel”, em 2006, se consistiu numa série de oficinas no interior do Ceará. Em 2009, para a exposição “Campo coletivo”, no Centro Maria Antônia, São Paulo-SP, em colaboração com Graziela Kunsch, foi desenvolvida uma “poltrona namoradeira” que continha uma seleção de livros da biblioteca da Grazi. Em 2011, em colaboração com Enrico Rocha, a “BASEmóvel” participou da Exposição “Conversas”, quando tomou o formato de um outdoor com janela, disposto no espaço interno do Museu da Gravura Cidade de Curitiba, onde foram fixadas diferentes anotações. Ainda com Enrico Rocha, a “BASEmóvel” Levo Mesa B é também uma ferramenta conceitual e prática que, desde 2011, auxilia as ações do Núcleo Experimental de Educação e Arte do MAM-RJ.

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CAFÉ EDUCATIVO Jorge Menna Barreto

Instalação de um café no espaço expositivo, cujo atendimento é feito por mediadores. Acervo do MAM-SP

2007-2014

Consiste na montagem de um ambiente de café dentro do espaço expositivo. O seu diferencial é o atendimento ser realizado por alguém do educativo da exposição. Também funciona como um ambiente de mediação espontânea no qual o público tem acesso a publicações, jornais, revistas, relacionados ou não à exposição. Seu projeto data de 2007, quando foi desenhado para integrar o programa educativo do Paço das Artes. No entanto, sua primeira realização se deu no Centro Cultural São Paulo dentro do projeto Arte e Esfera Pública, 2008. Sua segunda aparição foi no Panorama da Arte Brasileira em 2011 no Museu de Arte Moderna de São Paulo, quando foi adquirido pela instituição, fazendo hoje parte do seu acervo contemporâneo. Em 2012, foi remontado no MAM-SP dentro da exposição Arte e Gastronomia.

� Referências Jorge Menna Barreto – Site http://cargocollective.com/jorgemennabarreto Letter to Jane (investigation of a function), Simon Sheikh SHEIKH, Simon. Letter to Jane (investigation of a function). In: O‘NEILL, Paul; WILSON, Mick (org.). Curating and the Educational Turn. London and Amsterdam: Open Editions and De Appel Arts Centre, 2010.

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MANUAL PARA UM CAFÉ EDUCATIVO Guia para realização da obra O que é O Café Educativo consiste na instalação do ambiente de um café em um espaço expositivo. Além de servir café ou comida, ele funciona como uma ilha de mediação não-diretiva entre a instituição, seu departamento educativo, profissionais do campo da arte e o público. A diferença fundamental entre o Café Educativo e um café comum é que seus atendentes são, além de garçons, guias do departamento educativo, aptos a engendrar conversas sobre a exposição. O projeto é sempre site-specific e varia em formato e função de acordo com as circunstâncias de implementação. Em andamento desde 2007, esta obra foi, em 2011, adquirida pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), acrescentando mais uma camada para sua história e existência. Materialmente, o trabalho parte de um acordo entre o artista e esta instituição e a cada ocasião de execução, o projeto precisa ser atualizado e retrabalhado. Sobre este manual Entendemos que o Café Educativo é um nó que une diferentes instâncias — artistas, exposição, público, instituição de arte — e que se atualiza em cada montagem. Sendo assim, os procedimentos e objetos materiais de execução deste projeto não são o elemento determinante na caracterização desta obra. O que propõe um Café Educativo é o estabelecimento de um espaço de possibilidades que adense a experiência educativa de uma mostra. Nosso objetivo na elaboração deste manual não foi, portanto, de delimitar um “escopo” da obra em elementos constituintes concretos, mas sim o de apontar na direção dela e facilitar novas encarnações da mesma. O presente documento é, assim, um agrupamento de informações relevantes para instrumentalizar aqueles interessados em fazer acontecer mais um Café Educativo. Não se trata de esgotar aqui tudo que a obra pode vir a ser, mas sugerir um caminho de ação possível. Algumas condições necessárias 1.

A instituição hospedeira precisa ter um departamento educativo que participe da realização da obra em todas as suas etapas.

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2.

A instituição se compromete a documentar e, ao final do período de exposição, produzir relatos sobre aquela realização. Essa etapa costuma ser feita pelos próprios educadores que participam mais diretamente das atividades no Café. A história do Café Educativo também é parte constitutiva do Café como obra, de modo que o registro de cada realização torna-se parte dela, que cresce a cada iteração. Essa documentação integra um arquivo em curso, disponível na biblioteca do MAM-SP.

3.

O artista precisa participar do processo de cada nova implementação e, para tal, a instituição hospedeira deve propiciar condições de transporte, hospedagem e cachê para o mesmo. Por se tratar de uma obra site-specific, é importante que aconteça uma visita prévia à abertura da exposição para que se investigue as especificidades locais e se determine a direção que a montagem terá. Para isso, é necessário haver o diálogo com a curadoria, o próprio educativo e o arquiteto(a) responsável pela expografia e montagem.

Versões anteriores 2008 Centro Cultural São Paulo – Projeto Arte e Esfera Pública. Curadoria de Vitor Cesar e Graziela Kunsch. 2011

Museu de Arte Moderna de SP – 32º Panorama da Arte Brasileira. Curadoria de Cristiana Tejo e Cauê Alves.

2012

Museu de Arte Moderna de SP – Encontros de Arte e Gastronomia. Curadoria de Felipe Chaimovich e Laurent Suaudeau.

2013

Museu da Gravura Cidade de Curitiba, Paraná – Exposição Campo Neutral. Curadoria de Felipe Prando.

2014

Museu de Arte Moderna de SP – Exposição 140 caracteres. Curadoria do Laboratório de Curadoria do MAM-SP e Felipe Chaimovich.

2014

Museu de Arte Moderna de SP – Exposição Vestígios: memória e registro da perfomance e do site-specific. Curadoria do Laboratório de Curadoria e Tobi Maier.

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A participação no Arte e Esfera Pública em 2008 no Centro Cultural São Paulo consistiu em uma montagem simples (balcão, mesas e cadeiras) desvinculada de uma exposição e que ocorria a cada vez que o projeto promovia um evento. Nessas ocasiões, o atendimento foi feito pelo próprio artista. A expografia e o mobiliário do Café foram criados pelo artista Vitor Cesar. A participação do Café Educativo no 32º Panorama da Arte Brasileira no MAM-SP em 2011 deu-se a partir de uma provocação curatorial para apresentar uma obra que tivesse relação com o departamento educativo da instituição. Consistiu na instalação de um ambiente-lounge imediatamente na entrada do espaço expositivo principal, contendo uma máquina de café automática, um DVD -Player, livros, revistas e jornais do dia — fornecidos pela biblioteca do MAM. O Café também promoveu um encontro aberto ao público entre os pesquisadores Cayo Honorato e Fátima Freire para discutir o protagonismo que ações educativas têm assumido nas exposições de arte contemporânea. O projeto expográfico da arquiteta Marta Bogea incluiu mobiliário específico para o Café, garantindo a sua aderência ao espaço expositivo e à instituição. Nos Encontros de Arte e Gastronomia em 2012, o Café Educativo aconteceu no final da programação, após todos os encontros já terem sido realizados. Desta maneira, não ocupou um lugar de mediação da exposição, mas sim um espaço de metabolização e reflexão sobre o já ocorrido. A partir de um comentário crítico sobre o evento — que priorizava a gastronomia centrada no paladar — o Café trouxe a ideia do “Alimento no Campo Expandido”, elencando na programação uma oficina e uma refeição que tivessem o foco não apenas no sabor, mas no impacto dos alimentos na saúde e meio ambiente. Foram realizadas, portanto, uma oficina de culinária crua e vegana com as chefs Gabriela Monteiro e Stephanie Audet; e um almoço também vegano e cru pela chef Neka Menna Barreto. Na exposição Campo Neutral no Museu da Gravura Cidade de Curitiba, o Café Educativo ganhou a função de preparar refeições para os artistas e público durante o seminário proposto pela mostra. A partir do cardápio, levantava questões referentes a uma maior consciência ecológica, priorizando opções veganas e orgânicas. Tal posicionamento alinhava a presença do Café à abordagem curatorial, que propunha a configuração do espaço expositivo como um lugar a ser cultivado a partir de encontros, permanências e usos. Na exposição 140 Caracteres, o Café ocupou a zona intervalar entre as duas salas expositivas do MAM-SP. A montagem retomou o modelo do Panorama, no qual havia uma máquina de café automática e publicações da biblioteca do museu. O diferencial dessa versão foi que o atendimento foi realizado pelos curadores da exposição:

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os alunos do curso do Laboratório de Curadoria, que se revezavam na tarefa. Tal proposição de curto-circuitar as funções de curador -atendente também visava aproximar os curadores em formação da recepção da exposição. A participação na exposição Vestígios foi responsável por dar corpo ao desdobramento discursivo do Café. Nela, a documentação sobre a história do Café ganhou o formato de arquivo-em-curso e tornou-se disponível para a consulta pública na biblioteca do museu, local dessa exposição. Pela primeira vez, o Café Educativo não fornece nenhum tipo de alimento, dada a restrição do ambiente

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PROJETO A2 Regina Melim

publicações impressas (offset e serigrafia)

2010-2013

Trata-se de uma exposição no formato de publicação impressa, composta por um conjunto com dez trabalhos propostos por dez artistas: Diego Rayck (SC), Felipe Prando (PR), Paulo Bruscky (PE), Giorgia Mesquita (SP), Fábio Morais (SP), Glória Ferreira (RJ), Maíra Dietrich (SP), Amir Brito (MG), Marilá Dardot (SP) e Raquel Stolf (SC). O título – “Projeto A2” – remete ao tamanho da superfície do papel, proposto como ponto de partida para a construção do trabalho. Considerada como uma exposição múltipla, sua tiragem é de 200 exemplares e com objetivo explícito: circular e dispersar-se em contextos distintos e inimagináveis. Como exposição múltipla, terá sua primeira exibição na exposição “Campo neutral”. Todavia, parte deste projeto (300 exemplares) vem sendo exibido, como trabalho individual de cada artista participante, desde o final de 2010 nos seguintes locais: Feira de Arte Impressa da Tijuana (São Paulo), Turnê (São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte e Rio de Janeiro), SP-Arte/Núcleo Editorial (São Paulo) e Feira de Publicações Independentes/SESC Pompéia (São Paulo).

� Referências Plataforma Parentesis www.plataformaparentesis.com

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ARTE E ESFERA PÚBLICA Graziela Kunsch e Vitor Cesar (editores) verbetes, vinil adesivo

2008

O projeto “Arte e esfera pública” (São Paulo, 2008) proporcionou uma série de debates e oficinas em torno das perguntas: como se constitui uma esfera pública hoje ou, mais apropriadamente, como se constituem e se sobrepõem diferentes esferas públicas, diferentes contextos e diferentes audiências? O mundo da arte pode ser entendido como uma esfera pública? Como o mundo da arte se relaciona com outros mundos/outras esferas? Qual o papel do artista nesta relação? Além dessas questões, foram apresentados e debatidos projetos que repensam as exposições de arte e formas de display: exposições do Group Material, com a presença de Julie Ault; “Arquivo de emergência”, de Cristina Ribas; “BASEmóvel”, então na sua terceira edição, uma colaboração de Vitor Cesar, Graziela Kunsch e o grupo Risco; a biblioteca de Graziela Kunsch, que nesse projeto compartilhou também livros escolhidos de Ricardo Rosas que haviam sido doados à biblioteca do Centro Cultural São Paulo; “Café Educativo”, de Jorge Menna Barreto; “Exposições portáteis”, de Regina Melim; “Projeto Matéria”, de Jorge Menna Barreto; e a exposição “Não há nada para ver”, de Graziela Kunsch. Um aspecto importante do projeto foi articular diferentes espaços na cidade, frequentados por públicos diferentes: o Centro Cultural São Paulo, que acolhe também o “público da arte”; a Casa da Cidade, espaço frequentado por arquitetos, urbanistas e militantes de movimentos sociais; o JAMAC, frequentado por moradores do Jardim Miriam, bairro periférico de São Paulo; e a residência de Graziela Kunsch, onde se hospedaram os colaboradores do projeto não residentes em São Paulo. Houve um deslocamento do público desses espaços, diálogo entre pessoas de experiências/conhecimentos diferentes e a produção de um público único, específico. Atualmente, algumas pessoas que se conheceram nas oficinas do projeto “Arte e esfera pública” estão desenvolvendo projetos em colaboração. No final do projeto, os organizadores Graziela Kunsch e Vitor Cesar começaram a desenvolver um glossário com uma série de termos que foram recorrentes nos debates e nas oficinas como

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“arquitetura”, “arquivo”, “colaboração”, “exposição”, “intervenção urbana”, “público”, “site-specific”, entre outros. Todas as pessoas usavam esses termos como se estivessem se referindo às mesmas coisas, mas havia desentendimentos, e daí nasceu a ideia de construir um vocabulário comum, que, no entanto, acolhesse diferentes vozes. Para “Campo neutral”, foram escolhidos alguns verbetes que diretamente se relacionam com a proposta da exposição.

� Referências Revista Urbânia 3 KUNSCH, Graziela (editora). Revista Urbânia 3. São Paulo: Pressa, 2008. Vitor Cesar – Site http://www.vitorcesar.org/arquivo/aep/

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ARQUIVO O arquivo, na forma do so with a degree of authority. material, é o lugar de guarda, Archives tell truths, but they can sistematização e disposição de also “lie” through omission, or materiais diversos, geralmente mislead. Connecting the dots de teor “documental”. Impresbetween discrete documents sos, fac-símile, digitais, entre and discovering relations betweoutros. Arquivos guardam mate- en pieces of information—proriais de acordo com sua especiducing meaning—is what is at ficidade (lei do arquivo) visando the heart of research. But the a utilização futura que estes “facts” housed within a partipossam ter, agregados de valor cular archive are not necessahistórico. Sua forma conceitual rily systematic. They are often confunde-se com a sua sistemá- fragmentary, disconnected tica, de maneira que um sistema from context, and sometimes de arquivo possa deixar relações even random. Crucial pieces of em aberto, permitindo a coninformation which might answer catenação de novos sentidos a questions, suggest particular partir dos mesmos signos (pránarratives, or unlock mysteries tica discursiva) e, consequenare not necessarily archived. temente, o estabelecimento de Julie Ault. Archives in practice, em novas redes de conhecimento. Cristina Ribas

ARQUIVO 1. Sistema coerente e relacional de documentos. 2. Lugar de reunião e criação de discurso e de sentidos. a. morto: o de sentidos obliterados. a. público: o apropriável (ver público). De lengua a mano

ARQUIVO Specific narratives about people, society, and history take shape from using an archive depending on what is contained therein. Interpretation is influenced by what is looked at or studied, and with what filters and expectations. Because they are repositories of documents or “facts,” archives seem to tell the truth, and they

Interarchive. Archival practices and sites in the contemporary art field. Cologne: Verlag der Buchhandlung Walter König, 2002.

CONVERSA Capacidade individual ou grupal dos sujeitos para “colocarem-se em relação”. Nesse processo de troca presentificado ou a distância – em que ocorrem oposição ou concordância: de modo articulado e contraditório –, confluem a oralidade, a gestualidade e a escuta para instaurar, genericamente, o ato comunicativo. De outra forma, e de modo sofisticadamente popular: é conversando que se (des)entende. Alexandre Mate

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DOCUMENTO Um documento é um veículo, pode-se dizer. Sua atribuição é em parte traduzir uma informação e transportarlhe por meio de sua materialidade intemporal. Um documento pode ser de qualquer ordem, desde que estejam associadas a ele, para definir-lhe como tal, as noções de registro, de gravação, de atestado. A verdade de um documento só pode ser provada em relação a uma realidade específica, responsável por valorar este documento, e averiguar sua fidelidade. Cristina Ribas

DOCUMENTO Ponto de referência ou objeto formalizador de memória que possa servir como testemunha ao discurso. (“Virgília é que já se não lembrava da meia dobra; toda ela estava concentrada em mim, nos meus olhos, na minha vida, no meu pensamento – era o que dizia, e era verdade”. Machado de Assis em Memórias póstumas de Brás Cubas). De lengua a mano

EDUCAÇÃO Paulo Freire encontrase entre os mais importantes educadores mundiais. Nascido em Pernambuco e propondo uma (des)ordem na relação de troca entre aquele que supostamente sabe e aquele que (tábula rasa) aprende, o educador nordestino, na década de 1950, dá início a uma nova espécie de

maiêutica. Sob mangueiras ou cajueiros, tetos de escolas ou a céu aberto, Paulo Freire estimula pescadores e camponeses, homens e mulheres, segregados e ilustrados, a um ato de troca solidária. Intercâmbio de saberes, repertórios, apreensões e sonhos, transformando falas em palavras escritas, ressignificadas socialmente. Preconizando a ousadia como um procedimento libertário dos oprimidos, o ato educativo, fundamentado no diálogo destituído de todas as formas de arrogância, caracteriza-se em instrumento de formação do espírito, da consciência e da possibilidade da transformação social. Alexandre Mate

EDUCAÇÃO Paulo Freire nunca se contentou com os objetivos da educação tradicional. Ao invés disso, desenvolveu uma abordagem educacional que procurou ensinar uma consciência crítica, aprender a partir dos alunos, redefinir as relações de poder entre professor e aluno, promover o diálogo através das fronteiras entre a economia, a política e a educação que dividem a sociedade, e inspirar para a ação as classes mais baixas. Ele via as raízes da opressão não somente no analfabetismo e na pobreza, mas também na “cultura do silêncio” entre os oprimidos. Seus objetivos educacionais não se centravam em um único problema, mas abordavam uma

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arena social mais ampla, dentro da qual o problema existe. Tom Finkelpearl, em Dialogues in Public Art. Cambridge Ma: MIT Press, 2001. p. 277.

EDUCAÇÃO O homem deve ser o sujeito de sua própria educação. Não pode ser o objeto dela. Por isso, ninguém educa ninguém. Paulo Freire, Educação e mudança. São Paulo: Paz e Terra, 1979.

ENDEREÇAMENTO Um trabalho é uma entrada imediata na dimensão pública (mesmo quando isso acontece durante muito tempo no isolamento do ateliê) [...] A arte é original e constitutivamente mostra, exposição, comunicação, envio, endereçamento, partilha [...]. Não há nada menos solipsista do que a arte. NANCY, Jean-Luc. “Jean-Luc Nancy/Chantal Pontbriand, uma conversa”. In: Arte & Ensaios nº 8. Rio de Janeiro: EBA-UFRJ, 2001. p. 147-8.

ENDEREÇAMENTO Arte é endereçamento, pedido de partilha a um outro. Ela o chama, ainda que o ignore, ainda que ele não responda, ainda que esse outro talvez não exista. Ela solicita o julgamento, o olhar e a palavra, a recompensa de seu dom. Como, porém, esperar consenso quando aquilo que recebe o nome “arte” parece desamparar

nossa sensibilidade e pensamento? Como chamar “arte” a imprecisão de uma nomeação? Ou será nessa imprecisão, nesse desamparo, que a arte vem acontecer? Como transitar a um outro aquilo que tocou minha sensibilidade? Não é a doação desse toque – em seu desamparo, em seu desconcerto – e sua acolhida por um outro a condição de existência da arte? A arte é indissociável de uma dimensão comum que envolve desde nossas projeções da alteridade às figuras sonhadas de totalidade. Um “nós” que implica e interroga desde a relação a dois até a mais vasta comunidade. A própria noção de humanidade está em questão nessa partilha. Marisa Flórido Cesar, “Como se existisse a humanidade”. In: Arte & Ensaios nº 15. Rio de Janeiro: EBA-UFRJ, 1999. p. 17.

EXPOSIÇÃO A visibilidade das artes visuais desde o séc. XVIII, junto ao público e à crítica mais especializada, é dada através das exposições. Das movimentações do final do séc. XIX às vanguardas históricas do começo do séc. XX, as exposições desempenharam um papel importante na construção da própria arte moderna. A exposição é o momento pelo qual a história da arte, pensada como trajetória de desdobramentos formais das linguagens plásticas, circunscreve-se num circuito maior, o 37

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espaço social. Alguns elementos constitutivos deste espaço de existência da obra de arte são: o local escolhido para a exposição, a ambientação dos trabalhos e a presença ou ausência de catálogos ou textos críticos. Além destes, a recepção do público, a afirmação de programas experimentais de linguagem e os embates com a política e a sociedade são reveladores da trama no qual as obras de arte ganham visibilidade e tornam-se efetivos objetos da cultura. (Exposição anos 60.) Duas exposições organizadas por artistas foram fundamentais para a construção de um conceito de vanguarda brasileira nos anos 1960. Foram elas: “Propostas 65” e “Nova Objetividade Brasileira”. A primeira, organizada por Waldemar Cordeiro, Sérgio Ferro e Flávio Império e mostrada na FAAP (1965), superou a discussão entre figuração e abstração através do conceito de realismo e assim tornou possível estabelecer uma trajetória histórica, e não uma ruptura, entre concretismo, neoconcretismo e figuração de vertente pop. A segunda, organizada por Hélio Oiticica, Rubens Gerchman, Pedro Escosteguy, Maurício Nogueira Lima e Hans Haudenschild e mostrada no MAM/RJ (1967), estabeleceu um programa da vanguarda nacional de caráter experimental e, ao mesmo tempo, engajado social e politicamente. Paulo Reis

EXPOSIÇÃO Espaço que se instaura como uma estrutura aberta e distributiva, deflagrador de um movimento participativo e de ação do espectador, afirmando que uma proposição artística possui muitas maneiras de se constituir e construir. E, igualmente, expressado de muitas maneiras, é um espaço que se apresenta efetivamente como um processo coletivo ao invés de uma experiência individual. (Exposição portátil) Espaço móvel que pode circular indefinidamente. Que amplia a participação e cria novos circuitos além dos espaços de museus e galerias. No formato de publicações, busca deslocar o que sempre esteve vinculado como informação secundária ou registro de uma exposição, para tornar-se, ela própria, a publicação, o veículo primário das proposições artísticas que ali se inserem. Regina Melim

EXPOSIÇÃO A noção de que o conteúdo pode ser simplesmente inserido nas formas existentes de exposição e display como se essas formas fossem neutras ou se como a produção artística fosse genérica é bastante problemática. A arte corre o risco de ser confinada por sua apresentação mais que expandida e apropriadamente contextualizada. Julie Ault, Widely spaced at eye level.

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EXPOSIÇÃO A relação entre os trabalhos de arte e a audiência criada pela exposição é de posicionalidade, e como tal a posição de quem fala é algo que deve ser tornado visível pela exposição e seus modos de display. A exposição deve estabelecer um espaço social, isto é, um espaço onde significados, narrativas, histórias, conversas e encontros são ativamente produzidos e colocados em movimento. Simon Sheikh

REGISTRO Índice, memória, documento, transcrição. Raquel Garbelotti

REGISTRO Ato ou efeito de produzir documentos. De lengua a mano

apresentação ou representação dos lugares ou das ações realizadas no espaço das cidades. Interessadas em expandir o costumeiro papel documental que lhes é reservado, parte dessas imagens incide como repertório junto aos processos de apreensão dos trabalhos. São imagens que fazem parte da ação e que mantêm com o local uma dialética muito eficaz, fazendo com que, na maioria dos casos, uma não possa ser entendida sem a outra. Transformadas em “dilatadoras” das experiências propostas, essas fotografias passam a indicar a ocorrência de um desbordamento dos trabalhos e a confirmar a existência de um campo situado além de seus contornos que as envolve e passa também a lhes pertencer. Rubens Mano

REGISTRO Documento. Algumas vezes, torna-se tão inseparável da ação que o gerou, que suas qualidades e seus significados se apresentam impressos na conexão que existe entre ambos. Parte do processo é explícito em afirmá-lo como elemento constitutivo da obra, desalojando a crença que a fundamenta como um objeto autônomo. Regina Melim

REGISTRO Certas fotografias geradas no interior de projetos não funcionam apenas como 39

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FORMAS DE PENSAR Santiago García Navarro / Francisco Ali Brouchoud / Ricardo Basbaum / Nicolás Guagnini / Karin Schneider / Carla Zaccagnini Exposição

2004

Na exposição “Campo neutral”, foram apresentados registros (textos e fotografias) da exposição realizada entre os dias 25 de fevereiro e 5 de abril de 2004, no Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires, Malba, Buenos Aires, Argentina.

“Formas de Pensar” reúne uma tanto na tarefa do artista como na série de documentos, objetos e do teórico e do curador. Distintos ações relativos às práticas que meios que se usam na arte – fotoum grupo de argentinos e bragrafia, cinema, vídeo, instalação sileiros desenvolve, simultanea- – são mecanismos e resultados de mente, nos campos da curadoria, uma edição, e o que se edita e da crítica, da teoria, da educação, apresenta em um projeto expodo desenho, da produção edito- sitivo é o que, de um modo ou de rial, da gestão de espaços e, em outro, construímos como real. A geral, da escrita. fotografia, historicamente, habiPoderíamos enumerar elemen- lita o gesto editor de Duchamp, e tos de época para tal recorrência: a esta dupla matriz a sucedem a conceitualização/desmaterializa- arte conceitual e as novas prátição das práticas (artísticas e, em cas curatoriais. termos gerais, de tudo aquilo que, Quem produz arte e quem prono contexto da pós-modernizaduz teoria, por sua vez, desenham ção econômica, se conhece como (um espaço, um texto, uma ação). “trabalho social”); ocupação do O desenho ganha terreno à custa espaço expositivo pela reflexão do valor do ofício, e este devir teórica; emprego do texto escrito multiplica os lugares de encontro em variadas possibilidades inven- entre os diversos criadores: sotivas; generalização, no campo mos, no século XXI, uma comunida chamada arte contemporânea, dade de projetistas respaldados da diluição dos limites entre a pela tecnologia. produção artística e as múltiplas Segundo esta trama de relaformas de teorização e gestão. ções e competências, os atoNeste marco, edição e deseres do sistema da arte perdem nho são procedimentos habituais exclusividade em suas funções; o

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avanço sobre territórios consagrados como estrangeiros estimula o desenvolvimento de produtos, práticas e mentalidades híbridas; as relações de poder entram em crise. Questiona-se a figura do crítico e/ou curador como produtor exclusivo do discurso teórico – do sujeito produtor de sentido – e a do artista como receptor destes discursos, objeto de taxonomias ou outras formas de controle. A situação de quem pensa importa como tal, quer dizer, especificamente. Parafraseando conceitos da Filosofia Política, poderíamos dizer que não se trata de perseguir, a partir da margem da prática ou da teoria, um paradigma ou um centro – a subjetividade artística –, mas de assumir “uma afirmação subjetiva que transforma a dispersão em multiplicidade”1. Há, portanto, um novo mapa. Podemos considerá-lo como um todo e buscar as rotas de acesso ou imaginar nossos mapas possíveis a partir daquele. “Formas de Pensar” não pretende concentrar a atenção em uma coordenada histórica, e sim expor o que seus participantes decidem fazer ao atravessar fronteiras e se afirmar num lugar próprio: pegamos do mapa o que queremos, e o que queremos é nos construirmos na

prática de pensar. Não obstante as distâncias físicas que separam seus membros – Scheneider e Guagnini vivem em Nova York, Basbaum no Rio de Janeiro, Zaccagnini em São Paulo, Ali Brouchoud em Posadas, e o autor deste texto, em Buenos Aires – e as limitações que surgem desta e de outras circunstâncias, “Formas de Pensar” é um projeto coletivo. O trabalho em colaboração leva a lugares gozosos mais além da disciplina maior, que é a disciplina do sujeito. Quem escreve estas linhas atua como coordenador de uma tarefa da qual participam seis curadores. Mas nosso trabalho comum não é resultado de existir para os outros como curadores, artistas ou críticos, mas da possibilidade de desenvolver entre todos experiências de pensamento-ação. O que quer dizer, estritamente, que este é um projeto sem curador. Assim, antes de postular novas questões em torno da ontologia da arte, surgem perguntas para cada um: como se é quando se desenvolve tal prática (singular, concreta)? Que caminhos se abrem a cada nova forma de pensar? Como se faz pensando, e como este fazer-pensar transforma-se em uma tarefa coletiva?

Santiago García Navarro, 2004 1 Cf. Colectivo Situaciones. 19 e 20. Apuntes para el nuevo protagonismo social. Buenos Aires: De mano en mano, 2002.

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NÃO HÁ NADA PARA VER Graziela Kunsch

Folder impresso, foto geral da sala e registros em vídeo das conversas com Francisco Iñarra, Genílson Soares, Mario Ramiro, Jorge Menna Barreto e Vitor Cesar Exposição

2007

O projeto “Não há nada para ver” consistiu em uma pequena biblioteca, uma área de estudos e na mediação de quatro conversas: “Apropriação e transformação do museu”, com Genílson Soares e Francisco Iñarra, que nos anos 1970 formaram a dupla Arte e ação; “Vilém Flusser e a Bienal de São Paulo como laboratório”, com Mario Ramiro; “‘Projeto Matéria’ ou o artista como mediador”, com Jorge Menna Barreto; e “‘BASEmóvel’ ou conversa como lugar”, com Vitor Cesar. A biblioteca era parte da biblioteca pessoal da artista e trazia documentos/catálogos do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP) nos anos 1970, quando o museu foi usado como espaço de criação e experimentação, e livros sobre práticas artísticas processuais e discursivas. Havia em uma das paredes uma pequena coleção de fotografias/quadrinhos de projetos onde “não há nada para ver”, que exigem outras formas de aproximação, como a biblioteca de Martha Rosler e o “Arquivo de emergência”, entre outros.

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Quando me convidaram para desenvolver um projeto com ênfase no processo e não no resultado da obra, pensei, uma vez mais, em abrir parte da minha biblioteca pessoal para o público e organizar conversas no espaço expositivo. Não se trata de deslocar meu espaço de trabalho para a instituição, mas de compartilhar meus estudos com outras pessoas e, principalmente, de debatê-los, de constituir uma pequena esfera pública de aprendizado e discussão. As minhas primeiras experiências neste sentido começaram em 2001, quando eu acolhia residências de artistas, exposições e debates dentro da casa onde eu morava [Casa da Grazi], passando por projetos que pensavam a arte como prestação de serviço [“Hotel”, com Jorge Menna Barreto, em 2004, e “Restaurante”, em 2005] e pela exposição “Um espaço para a contracultura inglesa”, por ocasião do 8º Cultura Inglesa Festival em 2004. Esta exposição, baseada na obra do escritor inglês Stewart Home, autor de Assalto à cultura, compreendeu, além de projetos em vídeo, uma série de debates, uma equipe de tradução de textos de Home e a coordenação da edição brasileira de seus livros Greve da arte e Manifestos neoístas, em parceria com a Conrad Editora. No caso específico da exposição “Transitivos”, o processo aberto não é apenas uma forma, mas conteúdo. Por isso, preparei uma pequena programação que retoma o MAC1 dos anos 1970, quando o museu foi usado como espaço de criação e de experimentação; que revela as ideias visionárias de Vilém Flusser para a Bienal de São Paulo (coincidentemente, Ivo Mesquita acaba de ser nomeado curador da próxima Bienal e afirmou que não pretende expor obras de arte); e que apresenta dois projetos recentes que abrem mão do espaço de exposição e de contemplação, exigindo uma outra forma de aproximação. No artigo “O presente-ausente da arte dos anos 70”, disponibilizado na biblioteca do projeto “Não há nada para ver”, a pesquisadora Cristina Freire pergunta qual o sentido de retomarmos, hoje, os anos 70. Espero que as nossas leituras sejam bastante férteis e que consigamos encontrar uma resposta para esta questão. Graziela Kunsch São Paulo, 13 de novembro de 2007

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Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, MAC-USP.

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Ficha Técnica Exposição Transitivos Curadora Margarida Sant‘Anna Curadora de Processo Cecília Salles Artistas Graziela Kunsch, Marcelo Cidade, MOM – Morar de outras maneiras e Mônica Nador Design gráfico do folder da “Não há nada para ver” Vitor Cesar Agradecimentos a toda equipe do SESC Pinheiros e a Maria Olímpia Vassão [Arquivo Multimeios do Centro Cultural São Paulo], por ter me apresentado ao Genílson Soares, em função da pesquisa para o projeto “Performing the city: actionist art in urban space 1960s and 1970s”, de Heinz Schütz.

ENCONTRO 1

São Paulo (em 1973, 1975, 1977, 1979 – Genílson esteve também na Bienal de 1983) e terem sido premiados na JAC Conversa com Francisco Iñarra e 72 e nas Bienais 73 e 77, estes artistas Genílson Soares: “Apropriação e nem sempre são lembrados. Mas é transformação do museu” nas lacunas, nas falhas do discurso, naquilo que foi reprimido pelo tempo Nos anos 1970, o Museu de Arte Con- e pela história que toda uma nova temporânea da Universidade de São significação é capaz de ser elaborada. Paulo [MAC-USP], dirigido por Walter ENCONTRO 2 Zanini, catalisou e abrigou uma série 5 de dezembro, quarta-feira, de experimentações artísticas. Cris19h30 tina Freire ressalta que “[...] naquele Conversa com Mario Ramiro: “Vilém momento o MAC-USP se configurava Flusser e a Bienal de São Paulo como como um dos poucos locais onde os Laboratório” experimentos envolvendo, não raro, as imposturas em relação à noção No final dos anos 1960, Vilém Flusser instituída de arte eram aceitos”, e é recebe um convite, assinado por aí que se localizam alguns projetos da Radhá Abramo, para participar do dupla Arte Ação. debate “A arte na IX Bienal de São Francisco Iñarra e Genílson Soares Paulo”. Em 1971, Flusser apresenta são artistas. Eles trabalharam juntos uma intervenção junto à Associação entre 1971 e 1979 na Equipe Três, com Internacional de Críticos de Arte Lydia Okamura e como a dupla Arte (AICA), tendo por tema a reformulaAção, apropriando-se de obras do ção da Bienal. As suas várias tentaacervo do MAC-USP e dando a elas tivas de coordenar um projeto de um outro sentido. Apesar de terem reformulação da estrutura da Bienal participado de quatro Bienais de de São Paulo, nas décadas de 70 e

28 de novembro, quarta-feira, 19h30

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80, demonstram a sua vontade de desmaterialização do objeto artísintegrar o Brasil na cena internacio- tico: conceitualismo”, com Cristina nal, transformando a “periferia” em Freire; 2. “Especificidade: para quê? modelo para o mundo. Em todos os O site-specific deslocado”, com Ana momentos em que se envolveu com Maria Tavares; 3. “A escuta do lugar: o assunto, Flusser concebeu a Bienal táticas de mapeamento – O CCSP de São Paulo como um laboratócomo site”, com Tatiana Ferraz; 4. “O rio mundial para a criação de uma cultivo do lugar: formas de pertenverdadeira “cultura de massas”. Seu cimento”, com Raquel Garbelotti; 5. primeiro projeto, elaborado nos anos “O artista-professor: a oficina como 1970, pretendia aglutinar artistas, intervenção”, com Ricardo Basbaum; teóricos e especialistas em comuni- 6. “A sala de aula: espaço de percação num trabalho de pesquisa cria- formação”, com Regina Melim; 7. “O tiva, na concepção de um setor da texto crítico e o texto como obra”, Bienal que, segundo ele, poderia “ter com Carla Zaccagnini; 8. “Registro, a sua importância sempre aumentada documentação e responsabilidade”, até transformar-se talvez na própria com Graziela Kunsch. Bienal”. Jorge Menna Barreto é artista, Mario Ramiro é artista multimídia e formado pela Universidade Fedeprofessor do Departamento de Artes ral do Rio Grande do Sul e mestre Plásticas da Escola de Comunicação em Poéticas Visuais pela Escola de e Artes da USP. Foi integrante do gru- Comunicação e Artes da USP. Tem po de intervenções urbanas 3NÓS3 e pesquisado sobre a relação do participante ativo do movimento da trabalho de arte com o seu contexto arte e tecnologia no Brasil nos anos e os possíveis desdobramentos da 1980. É mestre pela Kunst-hochschu- prática site-specific na atualidade. le für Medien Köln, na Alemanha. Muitos de seus trabalhos convidam o espectador a interagir diretamente. É ENCONTRO 3 integrante dos grupos Laranjas e Re12 de dezembro, quarta-feira, jeitados. Atualmente, trabalha como 19h30 coordenador do Grupo de Educação Conversa com Jorge Menna Barreto: Colaborativa do Paço das Artes. “Projeto Matéria ou o artista como mediador” ENCONTRO 4 O “Projeto Matéria” foi desenhado por Jorge Menna Barreto como sua exposição individual para o Programa de Exposições do Centro Cultural São Paulo em 2004. O artista instaurou um ambiente de sala de aula no espaço expositivo, onde ocorreu uma série de conversas sobre práticas artísticas contemporâneas: 1. “A

15 de dezembro, sábado, 15h

Conversa com Vitor Cesar: “BASEmóvel ou conversa como lugar”

Entre 2002 e 2004 a Transição Listrada (Renan Costa Lima, Rodrigo Costa Lima e Vitor Cesar) acolheu pessoas, exposições e debates na Base, a casa do grupo, em Fortaleza. Aos poucos, o grupo foi percebendo

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que seu lugar não era simplesmente a casa, mas seus encontros com outros artistas, com diferentes públicos e as conversas que derivavam desses encontros. Fecharam a casa, fundaram a BASEmóvel e realizaram uma série de oficinas no interior do Estado do Ceará, levando em uma maleta que se transformava em mesa e cadeiras todo o material que fora coletado nos dois anos de existência da Base – uma pequena biblioteca, fotografias e vídeos –, disponibilizando-os para consulta. Vitor Cesar é artista, formado em Arquitetura e Urbanismo pela UFC e mestrando em Poéticas Visuais na Escola de Comunicação e Artes da USP. Suas ações na cidade são por ele chamadas de “urbanismo 1:1”. É integrante da Transição Listrada e da BASEmóvel. Co-organizador do projeto “Arte e esfera pública”, que ocorreu em São Paulo em 2008.

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PROJETO MATÉRIA Jorge Menna Barreto

Exposição no formato de uma oficina prático-teórica.

2004

O “Projeto Matéria” foi o trabalho apresentado por Jorge Menna Barreto como sua exposição individual para o Programa de Exposições do Centro Cultural São Paulo (2004). O artista utilizou o seu espaço para instalar um ambiente de sala de aula onde ocorreram uma série de aulas sobre práticas artísticas contemporâneas, com ênfase no site specificity. Cada encontro propunha um tema e contava com a presença de um convidado especial. Entre eles, Cristina Freire, Ana Tavares, Tatiana Ferraz, Raquel Garbelotti, Ricardo Basbaum, Regina Melim, Carla Zaccagnini e Graziela Kunsch. Na exposição “Campo neutral”, foi realizada uma nova aula na Escola de Música e Belas Artes do Paraná – EMBAP dia 20 de junho de 2013. Nesta ocasião, a aula “Matéria invertida: sala de aula na exposição - exposição na sala de aula” debateu os trânsitos entre produção acadêmica e circuito de arte, esfera de exposição e de formação, artista-pesquisador e curador-pesquisador.

� Referências Jorge Menna Barreto – Site http://cargocollective.com/jorgemennabarreto

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“PREFIRO NÃO FAZER” Graziela Kunsch 2011

� Referências Carta de não participação imersiva aqui por uma tentativa de preferir não lá / Beatriz Lemos LEMOS, Beatriz. “Carta de não participação imersiva aqui por uma tentativa de preferir não lá”. In: RIBAS, Cristina (ed.). Vocabulário político para processos estéticos. Disponível online em: <http://vocabpol.cristinaribas.org/vocab/cartade-nao-participacao-imersiva-aqui-por-uma-tentativa-de-preferir-nao-la/>. Acessado em 3 de novembro de 2014. Publicação impressa no prelo.

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TEMPORADA DE PROJETOS NA TEMPORADA DE PROJETOS Luiza Proença e Roberto Winter

Projeto enviado ao edital Temporada de Projetos 2009; folder de divulgação da exposição; livro Não-participantes; documentação de palestra.

2009

Documentação de projeto curatorial realizado no edital Temporada de Projetos no Paço das Artes, São Paulo, em 2009, que apresentou 151 projetos de artistas e curadores e realizou uma série de palestras e oficinas.

� Referências Temporada de Projetos na Temporada de Projetos http://projetosnatemporada.org/ Temporada de Projetos na Temporada de Projetos – Fórum Permanente http://forumpermanente.org/rede/temporada-de-projetos-na-temporada-deprojetos

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RECUSA Nº 16 T 11/12/2008 Convite “Temporada de Projetos na Temporada de Projetos” Olá, Você deve ter acabado de receber uma mensagem do Paço das Artes informando que infelizmente não foi um dos artistas selecionados pelo júri para participar da Temporada de Projetos 2009. No entanto, por meio de nossa proposta de curadoria, selecionada no edital, temos o prazer de convidá-lo para participar de uma outra exposição que ocorrerá dentro da Temporada de Projetos em 2009. A intenção dessa curadoria, denominada “Temporada de projetos na Temporada de Projetos”, é realizar uma exposição com todos os projetos enviados para o edital. Assim, a sua participação é indispensável! Para isso, você deve retornar a autorização anexa na mensagem da equipe do Paço das Artes. Além de acreditarmos que, expondo o seu projeto, você estará participando da Temporada, nos interessa também podermos pensar juntos sobre etapas da criação artística, sua inserção, seu público, os processos curatoriais envolvidos e outros temas. Procuramos criar condições para efetivar ao máximo esses debates, não só por meio da própria exposição, mas também por outras plataformas como palestras e workshops. Você já pode começar a participar de uma dessas plataformas visitando o site: http://projetosnatemporada.org/ e entrando em contato direto conosco. Pedimos que você considere o nosso convite à luz das ideias que desenvolvemos nos textos que disponibilizamos no site, e também levando em consideração a importância da sua participação. Nos dispomos desde já a esclarecer qualquer dúvida, por isso não hesite em encaminhá-las. Muito obrigado, Luiza Proença e Roberto Winter “Temporada de projetos na Temporada de Projetos” http://projetosnatemporada.org/

14/12/2008 Re: Convite “Temporada de projetos na Temporada de Projetos” Cara Luiza, caro Roberto, Escrevo para agradecer o convite e enfatizar que não autorizo o uso de meu projeto na exposição “Temporada de projetos na Temporada de Projetos”. Um abraço,

T 1/6/2009 participação (Convite “Temporada de projetos na Temporada de Projetos”)

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Caro , Muito obrigado pelo retorno. Você se importaria em nos dizer qual foi o motivo que a levou a optar por não aceitar o convite? Estamos tentando saber os motivos que levaram as pessoas a decidirem não participar e ficaríamos muito gratos se você pudesse compartilhar conosco o seu ponto de vista. Muito obrigado, Luiza e Roberto

2/6/2009 Re: participação (Convite “Temporada de Projetos na Temporada de Projetos”) Caros Luiza e Roberto, Obrigado pelo interesse. Em primeiro lugar, não aceitei o convite porque não concebi meu projeto como peça de exposição. Ele é uma proposta de exposição e cumpria – se cumpria – as funções de uma. Ele se direcionava a um público específico – uma comissão –, dando ou tentando dar uma ideia do que é meu trabalho e fazendo imaginar como seria uma determinada exposição. Agora, vocês podem pensar que esse não é um argumento tão forte. Fiz o projeto para uma coisa, e por que não o usar como parte de outra proposta? Porque a proposta em questão contraria algumas de minhas convicções. Faço arte porque acredito na obra de arte, num embate que existe entre ela e o público. Não falo em nenhum sentido místico ou romântico – acredito apenas que a obra de arte propõe uma experiência. Se a reduzirmos a um dado, a um verbete, estamos ignorando boa parte dela: e sua porção mais importante. Nossa formação em arte (como brasileiros, criados num país com museus fracos) se dá muito através de reproduções em livros, e me parece que por isso as pessoas tendem a confundir uma coisa com a outra ou a acreditar que uma coisa substitui a outra. Ou ainda a acreditar que o discurso de arte é o mesmo que uma obra de arte. Minha convicção é que não é. Muitas obras de arte (ou todas, se quiserem) falam de arte, mas um discurso sobre arte não é, necessariamente, arte, e menos provavelmente, ainda, arte que me interesse. Desculpem a vulgaridade da comparação, mas ler sobre sexualidade é uma coisa, ver fotografias pornográficas é outra, e ter uma experiência sexual é uma terceira. Costumamos fazer as três coisas, mas só a última dá sentido às duas anteriores. A “Temporada de Projetos na Temporada de Projetos”, como a última Bienal de São Paulo (ou ainda mais que esta), é mais uma ideia de exposição de arte sem arte. Um exercício de narcisismo da curadoria. Um modo dos curadores se livrarem dessa coisa ambígua e escorregadia que é uma obra de arte, que é uma coisa aberta, que é uma coisa dos outros, para se restringirem às suas ideias ou sacadinhas. Desculpem, mas ideias de curadoria em si não me interessam, por mais espirituosas que possam ser; interessam-me obras de arte. Não estou, aqui, querendo fazer menos do papel do curador (ou de vocês). Ou da teoria. Apenas criticando o que acredito que seja a curadoria fazendo menos do papel do artista ou da arte. Um abraço,

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T 4/6/2009 Re: participação (Convite “Temporada de Projetos na Temporada de Projetos”) Olá , Muito obrigado pela sua resposta que, já adianto, me parece muito sensata (ainda que um pouco rancorosa aqui e ali). Vou tentar me posicionar em relação a ela e devolver algumas provocações (e, como você, tentar fazê-lo da maneira mais saudável possível) para continuar a conversa. Em primeiro lugar, não aceitei o convite porque não concebi meu projeto como peça de exposição. Ele é uma proposta de exposição e cumpria – se cumpria – as funções de uma. Ele se direcionava a um público específico – uma comissão –, dando ou tentando dar uma ideia do que é meu trabalho e fazendo imaginar como seria uma determinada exposição. Agora, vocês podem pensar que esse não é um argumento tão forte. Fiz o projeto para uma coisa, e por que não o usar como parte de outra proposta? Exatamente. Não se trata de achar que não seja um argumento forte, ele é perfeitamente válido (você não teria sido o primeiro a dá-lo); mesmo assim, certamente ficaríamos querendo a resposta a essa pergunta que você mesmo fez. Não por acharmos que ele será usado como parte de uma outra proposta, mas sim por achar que ele pode se apoiar e ser apoiado em outro contexto. Mas vamos à sua resposta: Porque a proposta em questão contraria algumas de minhas convicções. Faço arte porque acredito na obra de arte, num embate que existe entre ela e o público. Não falo em nenhum sentido místico ou romântico – acredito apenas que a obra de arte propõe uma experiência. Se a reduzirmos a um dado, a um verbete, estamos ignorando boa parte dela: e sua porção mais importante. A primeira coisa que me vem à mente é: será que os “dados” não podem propor uma experiência? Uma obra como “Composition 1960 #10” do La Monte Young, que nada mais é que a frase “Desenhe uma linha reta e siga-a”, não propõe uma experiência? Uma partitura de uma música é uma obra de arte ou a obra de arte é quando a música é executada? Tocar a música é uma obra de arte ou é o som que é a obra de arte?... [Descarto aqui uma outra pergunta que me interessa muitíssimo: o que é um “dado” (ou “informação”) em oposição à “experiência”? E não a descarto por achá-la irrelevante, pelo contrário, é tão relevante quanto a complexidade de respondê-la, e sei por experiência própria que respondê-la pode requerer um desvio muito grande.] Acho que vale esclarecer que não coloco essas questões para ridicularizar ou diminuir seu ponto de vista, pelo contrário: trata-se de embates nos quais eu mesmo me vejo caindo de novo e de novo e que, de alguma forma, também levaram à proposta enviada ao Paço. Não digo nem acredito que toda obra de arte tem que ser vista como um “dado” e aqui talvez esteja o ponto crucial. As maneiras por meio das quais as diferentes obras de arte se propõem – e se tornam, ou não – experiências são muitíssimo variadas (talvez tanto quanto as experiências em si); mesmo assim, o mecanismo “projeto” (em suas variadas acepções) parece ser uma etapa pela qual todas elas vêm sendo obrigadas a passar para poderem de fato se efetivar, e é esse o ponto que queremos levantar e discutir com nossa proposta de curadoria. Por isso pergunto-lhe ainda: será que, ao mostrar determinados projetos (ou “dados”) por meio dos quais não é possível remeter à experiência

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de uma obra de arte, estaremos: colocando a nu a incapacidade destes projetos ou apontando problemas de todo o mecanismo de produção (e que exige a produção) destes projetos? Será que apontar para isso não seria uma primeira etapa para uma compreensão mais clara do que você chama de “redução” (não só para artistas ou para o público, mas também para todo o aparato institucional que o suporta e, me parece, realmente acredita nessa “redução”)? Nossa formação em arte (como brasileiros, criados num país com museus fracos) se dá muito através de reproduções em livros, e me parece que por isso as pessoas tendem a confundir uma coisa com a outra ou a acreditar que uma coisa substitui a outra. Concordo que nossa formação por meio de reproduções pode levar a essa tendência. Mesmo assim, me pergunto se o fato de sermos brasileiros realmente pode ser apontado como a origem desta confusão. Por que é que tantas outras instituições em todo o mundo também trabalham a partir de livros, verbetes e projetos? Quando abre-se uma chamada para projetos – e são muitas as chamadas deste tipo em todo o mundo –, não se está fazendo uma afirmação de que o júri (que não por acaso você chamou de “público específico”) poderá ser capaz de substituir uma coisa pela outra e, ao julgar o projeto, julgar a obra em si? O que dá ao júri essa capacidade? Será que não é possível identificar essa tendência também na maioria dos outros tipos de produção da vida contemporânea? Será ainda que essa tendência a acreditar na substituição da realidade por informação é não muito mais generalizada do que pode parecer?... Além disso, eu arriscaria dizer que o fato da formação se dar por meio de reproduções em livros é muito mais internacionalizado do que costumamos bradar; ou seja, ocorre em qualquer país. Você não concordaria que, na verdade, a maioria das publicações sobre arte é feita fora do Brasil, e mais: justamente nos lugares onde há muitos museus? Aponto até uma razão para isso. A quantidade de artistas produzindo arte hoje e a diversidade de locais onde essa produção acontece ultrapassam enormemente a capacidade de qualquer pessoa de acompanhar presencialmente tal produção, como resultado temos então websites, blogs, revistas, livros, jornais, debates, críticas, discussões, conversas e todo tipo de “suporte” para a disseminação de arte que (mesmo que seja totalmente dependente de objetos ou contato direto) simplesmente não pode mais dispender deles. Ou ainda a acreditar que o discurso de arte é o mesmo que uma obra de arte. Não é à toa que muita arte que vai nesse sentido não tenha surgido no Brasil, nem mesmo em países com “museus fracos”, eu arriscaria dizer que de fato o que ocorreu foi o contrário. Minha convicção é que não é. De novo: eu não diria que qualquer discurso sobre arte é em si uma obra de arte, mas que alguns possam ser, para mim não há dúvida. E isso não resulta de um posicionamento ideológico em relação à arte, mas sim de uma constatação histórica, ou seja, me parece que há um consenso em considerar, por exemplo, os trabalhos de Mel Bochner para páginas de revista como arte (e fato é que eles são, sim, discursos sobre arte). Mais ainda, me parece claro que, por mais contraditório que seja, esse discurso se pauta na ideia modernista da autonomia da arte, da arte pela arte. Muitas obras de arte (ou todas, se quiserem) falam de arte, mas um discurso sobre arte não é, necessariamente, arte, e menos provavelmente, ainda, arte

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que me interesse. Concordo, mas acho que devemos ter claro que o fato de não te interessar não vale como argumento para corroborar a sua convicção: eu não me interessar por prostitutas, para utilizar o contexto que você sugeriu adiante, não diminui nem um pouco a existência delas. Desculpem a vulgaridade da comparação, mas ler sobre sexualidade é uma coisa, ver fotografias pornográficas é outra, e ter uma experiência sexual é uma terceira. (Não se preocupe com a vulgaridade, foi um ótimo exemplo!) Novamente, eu concordo com você, mas... Costumamos fazer as três coisas, mas só a última dá sentido às duas anteriores. Dependendo do que você queira dizer com “dar sentido”. Te pergunto: será que a pornografia pode revelar, questionar ou aprofundar uma experiência sexual (mesmo ela se dando depois de tal experiência)? Você entende o que quero dizer? Será que fazer uma exposição de projetos, ainda que eles em si não sejam arte, não poderia ser uma possibilidade de pensar a arte (e até a arte que estes projetos estejam projetando)? Não estamos, de maneira nenhuma, querendo sugerir com a nossa proposta que se deixe de fazer arte para que se façam somente projetos de arte, mas sim tentando estabelecer um debate público e aberto sobre até que ponto a produção de projetos está interferindo na produção de arte (e não descartamos que talvez resulte desse debate justamente a sugestão diametralmente oposta: uma consciência da necessidade de não se fazerem projetos de arte). A “Temporada de Projetos na Temporada de Projetos”, como a última Bienal de São Paulo (ou ainda mais que esta), é mais uma ideia de exposição de arte sem arte. Um exercício de narcisismo da curadoria. Acho que existe uma diferença muito grande entre uma coisa e outra (entre não haver arte e o “narcisismo”). Concordo (quase) plenamente que a “Temporada de Projetos na Temporada de Projetos” é uma exposição sem arte (digo “quase”, pois, até para a minha surpresa, alguns artistas consideram, sim, os seus projetos como arte em si e também, pois alguns palestrantes que convidamos consideram, desde já, que suas falas serão obras de arte). O que importa é: quantas exposições “sem arte” já não houve? Qual o problema que há com isso? Mais: quantas outras exposições, sem arte, não foram capazes de contribuir diretamente para a arte? (Como exemplo, basta pensar em qualquer exposição sobre temas que servem aos debates da arte, desde, digamos, uma exposição sobre um filósofo a uma sobre um determinado lugar). (Desculpe, mas me recuso a entrar nos méritos da Bienal. Acho que se trata de uma discussão completamente diferente e que passa por problemas que não valem a pena serem abordados; principalmente, por terem relação muito tênue com o contexto aqui, isto é, uma discussão sobre um modelo institucional diferente daquele com o qual lidamos na nossa proposta.) Me parece que, ao mesmo tempo em que nunca se falou tanto em curadoria, existe um certo rancor em relação à figura do curador. E olha que nem me considero “curador” para dizer isso. O curador e a curadoria servem à arte das mais variadas formas, desde a realização de exposições de obras de arte até – por que não? – à colocação (direta ou indiretamente) de fatores que podem inclusive envolver a sua prática (já que ela se circunscreve no conjunto de práticas ligadas à arte), você não acha? Um crítico não pode fazer uma crítica

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sobre a própria crítica de arte? (Por sinal, ainda neste exemplo do crítico, arrisco até dizer que, na atual situação, isso é exatamente uma das coisas de que precisamos!) Um modo dos curadores se livrarem dessa coisa ambígua e escorregadia que é uma obra de arte, que é uma coisa aberta, que é uma coisa dos outros, para se restringirem às suas ideias ou sacadinhas. Sinceramente, acho que lidar com 323 projetos de artistas e os artistas que os propuseram não é de maneira nenhuma se livrar de lidar com suas obras, até por que esses projetos são projetos para obras de arte! Mais ainda – além de acreditarmos que, ao expô-los, estaremos abrindo-os –, eles são algumas vezes muito mais “ambíguos”, “abertos” e “escorregadios” que obras de arte. E talvez aí esteja o problema: são realizados por pessoas que, na maioria, não são “projetistas” e sim artistas, e nisso há uma contradição fundamental para que possamos compreender com clareza a produção de arte hoje e os mecanismos dos quais ela se vale. Você acha mesmo que a nossa proposta é só uma “sacadinha”? Qual? Desculpem, mas ideias de curadoria em si não me interessam, por mais espirituosas que possam ser; interessam-me obras de arte. Novamente, eu não entendo. Como é que você vê a nossa proposta como ideia de “curadoria em si”? Você não acha que assim você diminui enormemente o fato de que os projetos são projetos de obras de arte todos criados por artistas? Em tempo, nos interessa sim um debate sobre a curadoria, entre outras coisas, por, como disse, não me considerar um “curador”, mas como me vi buscando atuar dentro dessa prática, me pareceu importante procurar uma reflexão sobre o surgimento dessa necessidade (inclusive para esclarecer a todos o que quero dizer com “não sou um ‘curador’”). De qualquer forma, quem mais nos interessa atingir são exatamente as pessoas interessadas em arte (quer sejam curadores ou artistas, médicos, filósofos, dentistas, faxineiros...). Não estou, aqui, querendo fazer menos do papel do curador (ou de vocês). Ou da teoria. Apenas criticando o que acredito que seja a curadoria fazendo menos do papel do artista ou da arte. Acho a sua crítica perfeitamente válida e saudável, e é a partir de críticas como a sua que pretendemos estabelecer a nossa proposta e efetivar o debate público do qual falamos. Mas, sinceramente, me surpreende muito você dizer que fazemos menos do papel do artista e da arte: você não acha que fazer menos do papel do artista (ou da arte) é obrigá-lo a se colocar numa situação em que a sua obra deve se sujeitar a um formato alheio a ela (como acontece em um edital para projetos)? E depois disso ainda descartar esse projeto completamente e sem nenhuma explicação mínima? Fazer menos do trabalho incomensurável que vai na produção de milhares e milhares de projetos ano após ano? E sem que sobre isso haja sequer uma possibilidade de uma discussão, uma abertura, uma colocação ou uma troca efetiva (como a que, finalmente, fazemos aqui)? Agradeço novamente pela sua resposta e espero que você se sinta à vontade para colocar desdobramentos do seu ponto de vista. Um abraço, Roberto

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4/6/2009 Re: participação (Convite “Temporada de Projetos na Temporada de Projetos”) Olá, Roberto, Fiquei contente em receber seu e-mail. Confesso que eu estava preocupado em parecer arrogante ou insolente em minha resposta. Isso é o que eu não quero ser. No entanto, acreditava (acredito) ser importante deixar clara minha opinião e, no caso, uma opinião divergente. Acho que concordamos quanto à falta de debates em nosso meio, e lamento que muitas vezes opiniões diversas são confundidas com oposições pessoais ou falta de respeito com o interlocutor. Por isso, não vejo nenhuma de suas colocações como tentativas de “ridicularizar ou diminuir” meu ponto de vista, pois acho que meu ponto de vista foi levado em conta, até para você ter se dado ao trabalho de comentar meu e-mail ponto por ponto, de maneira tão meticulosa. Eu entendo isso como respeito. Tanto que me empolguei com sua mensagem e decidi escrever uma resposta assim que a li. Portanto, ignore eventuais erros de digitação. Começo com a história dos “dados”. Porque eu falei de uma tendência que vejo em pensar a arte como um “dado” em oposição à arte como “experiência”. Uma tendência que vejo em curadorias, em textos sobre arte e mesmo em muitas obras. Vi alguma coisa disso em sua proposta de exposição, embora, quando a compare com a última Bienal, eu o faça apenas neste aspecto. Concordo com você quanto ao caráter espinhoso da tarefa de definir o que vem a ser um dado em oposição a uma experiência, e corro o risco de não estar me expressando bem – até porque não me considero um homem da teoria. Mas vamos lá. Eu diria que há uma tendência em confundir arte e história da arte. Em confundir a ideia da aspirina com a sensação de se livrar da dor de cabeça. Você pode dizer que sem a aspirina ou mesmo sem a noção de aspirina não há o seu resultado. Claro. Mas uma coisa é diferente da outra. Você pergunta se dados não podem nos proporcionar uma experiência. Se quisermos pensar nisso ao pé da letra, digamos que sim, lógico, tudo nos leva a uma experiência. Comprar uma aspirina é uma experiência. Muita obra de arte, sobretudo na década de sessenta, é constituída dessa forma: por um dado, uma instrução, uma frase, uma medida. Não conhecia essa obra de La Monte Young, mas, interessante, ao ler esse parágrafo, pensei em Mel Bochner, ao qual você faz referência mais tarde. Aliás, ele me veio à cabeça quando li a proposta da “Temporada de projetos na Temporada de Projetos”. Não acho que “desenhe uma linha reta e siga-a” proponha uma experiência. Ou melhor, ela propõe uma experiência tanto quanto o faz a palavra “compre” escrita numa vitrine. “Não digo nem acredito que toda obra de arte tem que ser vista como um ‘dado’ e aqui talvez esteja o ponto crucial. As maneiras por meio das quais as diferentes obras de arte se propõem — e se tornam, ou não — experiências é muitíssimo variada (talvez tanto quanto as experiências em si); mesmo assim, o mecanismo ‘projeto’ (em suas variadas ascepções) parece ser uma etapa pela qual todas elas vem sendo obrigadas a passarem para poderem de fato se efetivarem, e é esse o ponto que queremos levantar e discutir com nossa proposta de curadoria”. Por isso pergunto-lhe ainda: será que ao mostrar determinados

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projetos (ou ‘dados’) por meio dos quais não é possível remeter à experiência de uma obra de arte estaremos: colocando a nu a incapacidade destes projetos ou apontando problemas de todo o mecanismo de produção (e que exige a produção) destes projetos? Será que apontar para isso não seria uma primeira etapa para uma compreesão mais clara do que você chama de ‘redução’ (não só para artistas ou para o público, mas também para todo o aparato institucional que o suporta e, me parece, realmente acredita nessa ‘redução’)?” Nós pensamos de forma parecida em vários pontos. Eu concordo com você quanto à inadequação do formato “projeto de exposição” (sou pintor, e acho que meu trabalho perde muito em reproduções - não sei se é uma opinião muito suspeita, mas acho que pinturas são as mais prejudicadas nesse formato - em comparação com fotografias, por exemplo). Só não acho que esse argumento justifique a exposição. Não acho que a exposição de projetos seja o modo mais apropriado para discutir essa questão, não creio que a ela teria esse resultado de colocar esse problema em debate. Ela, na minha opinião, mais “espetaculariza” o problema do que o coloca em pauta. “Concordo que nossa formação por meio de reproduções pode levar à essa tendência. Mesmo assim, me pergunto se o fato de sermos brasileiros realmente pode ser apontado como a origem desta confusão. Por que é que tantas outras instituições em todo o mundo também trabalham a partir de livros, verbetes e projetos?” Aí você tem razão, essa é uma tendência não só brasileira. Mas acho - e confesso que aqui estou especulando - que aqui isso acaba adquirindo contornos mais perversos. A metáfora talvez não seja das melhores, mas por enquanto fiquemos com ela: se crescemos sem acesso aos livros, mas apenas às orelhas; é bem provável que mais tarde nos tornemos escritores de orelhas que de livros. “Quando abre-se uma chamada para projetos — e são muitas as chamadas deste tipo em todo o mundo — não se está fazendo uma afirmação de que o júri (que não por acaso você chamou de “público específico”) poderá se capaz de substituir uma coisa pela outra e, ao julgar o projeto, julgar a obra em si? O que dá ao júri essa capacidade? Será que não é possível identificar essa tendência também na maioria dos outros tipos de produção da vida contemporânea? Será ainda que essa tendência a acreditar na substituição da realidade por informação é não muito mais generalizada do que pode parecer?...” Sim, sim. Você tem toda razão. Acho que aí está o ponto principal. E, sim, nesse aspecto não importa se estamos no Brasil ou em qualquer lugar do mundo. “Além disso eu arriscaria dizer que o fato da formação se dar por meio de reproduções em livros é muito mais internacionalizado do que costumamos bradar; ou seja, ocorre em qualquer país. Você não concordaria que na verdade a maioria das publicações sobre arte é feita fora do Brasil, e mais: justamente nos lugares onde há muitos museus? Aponto até uma razão para isso. A quantidade de artistas produzindo arte hoje e a diversidade de locais onde essa produção acontece ultrapassa enormemente a capacidade de qualquer pessoa de acompanhar presencialmente tal produção, como resultado temos então websites, blogs, revistas, livros, jornais, debates, críticas, discussões, conversas e todo tipo de ‘suporte’ para a disseminação de arte que (mesmo que seja totalmente dependente de objetos ou contato direto) simplesmente não pode mais dispender deles.” Desculpe, mas aí eu discordo. Se, por exemplo, na Espanha se faz mais

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livros com reproduções de obras de arte isso não quer dizer que lá as pessoas tenham menos contato com as obras originais. Se eles fazem mais livros, isso não significa que eles fiquem apenas com os livros.Websites, blogs, revistas, livros, jornais, debates, críticas, discussões, conversas sobre obras de arte vêm depois delas, não em substituição a elas. “De novo: eu não diria que qualquer discurso sobre arte é em si uma obra de arte, mas que alguns possam ser, para mim não há dúvida. E isso não resulta de um posicionamento ideológico em relação à arte, mas sim de uma constatação histórica, ou seja, me parece que há um consenso em considerar, por exemplo, os trabalhos de Mel Bochner para páginas de revista como arte (e fato é que eles são sim discursos sobre arte). Mais ainda, me parece claro que, por mais contraditório que seja, esse discurso se pauta na idéia modernista da autonomia da arte, da arte pela arte.” “Concordo, mas acho que devemos ter claro que o fato de não te interessar não vale como argumento para corroborar a sua convicção: eu não me interessar por prostitutas, pra utilizar o contexto que você sugeriu adiante, não diminui nem um pouco a existência delas.” Acho que o que faz de uma obra de arte uma obra de arte algo mais controverso do que o que faz de uma prostituta, prostituta, não? Podemos pensar na teoria institucional, tudo que está no espaço de arte é arte e pronto. Constatamos historicamente, como você disse. Mas eu estava sendo mais pessoal: falava sobre o que eu acredito ser uma obra de arte e o que me interessa em obras de arte. Afinal, o que estava em jogo, creio, não é o que a História com H maiúsculo chama de arte, mas a razão de eu não querer incluir meu projeto na exposição. A “Temporada de Projetos na Temporada de Projetos” acontecerá no espaço de arte, portanto será arte, se você quiser pensar assim. Mais tarde, isso será uma constatação histórica. É isso que faz uma obra de arte ser uma obra de arte? Se for dessa forma, para que discutir, não é mesmo? “... Dependendo do que você queira dizer com “dar sentido”. Te pergunto: será que a pornografia pode revelar, questionar ou aprofundar uma experiência sexual (mesmo ela se dando depois de tal experiência)? Você entende o que quero dizer? Será que fazer uma exposição de projetos, ainda que eles em si não sejam arte, não poderia ser uma possibilidade de pensar a arte (e até a arte que estes projetos estejam projetando)?” Acho que aqui você superestima a pornografia e os projetos. “Concordo (quase) plenamente que a “Temporada de Projetos na Temporada de Projetos” é uma exposição sem arte (digo ‘quase’ pois, até para a minha surpresa, alguns artistas consideram sim os seus projetos como arte em si e também pois alguns palestrantes que convidamos consideram, desde já, que suas falas serão obras de arte). O que importa é: quantas exposições “sem arte” já não houve? Qual o problema que há com isso?” Quantos shows de rock já aconteceram no Maracanã? Qual o problema com eles? Nenhum, se o estádio de futebol continuar abrigando jogos de futebol. No caso, se não me engano, o único projeto de curadoria de exposição aceito no Paço das artes é uma exposição sem arte. Desculpe, mas nesse caso, acho um problema, sim, e me parece inevitável comparar com a Bienal de arte quase sem arte. “Me parece que ao mesmo tempo em que nunca se falou tanto em curadoria, existe um certo rancor em relação à figura do curador. E olha que nem me considero ‘curador’ para dizer isso. O curador e a curadoria servem à arte das mais

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variadas formas, desde a realização de exposições de obras de arte até — por que não? — à colocação (direta ou indiretamente) de fatores que podem inclusive envolver a sua prática (já que ela se circunscreve no conjunto de práticas ligadas a arte), você não acha? Um crítico não pode fazer uma crítica sobre a própria crítica de arte? (Por sinal, aina neste exemplo do crítico arrisco até dizer que, na atual situação, isso é exatamente uma das coisas que precisamos!)” Desculpe, posso ter me expressado mal. Acho importante o trabalho do curador. Tenho ressalvas com curadores (não estou falando de você aqui, por favor) que tomam as obras dos artistas como ilustrações para o próprio discurso. Não estou me opondo ao curador ter um discurso, mas ao discurso se sobrepor às obras que, cada uma, tem sua própria inteligência. No caso da exposição de projetos, acredito que a ideia da exposição termina por se sobrepor às obras até porque, por mais interessantes que os projetos dos artistas possam ser (e você me garantiu que são), certamente carregam muito menos complexidade que suas obras. “(...) você não acha que fazer menos do papel do artista (ou da arte) é obrigá -lo a se colocar numa situação em que a sua obra deve se sujeitar a um formato alheio à ela (como acontece em um edital para projetos)? E depois disso ainda descartar esse projeto completamente e sem nenhuma explicação mínima? Fazer menos do trabalho incomensurável que vai na produção de milhares e milhares de projetos ano após ano? E sem que sobre isso haja sequer uma possibilidade de uma discussão, uma abertura, uma colocação ou uma troca efetiva (como a que, finalmente, fazemos aqui)?” Roberto, continuo sem querer participar do projeto (ao qual ainda me oponho, pelas mesmas razões que já coloquei, bem ou mal), mas admito que você termina muito bem esse e-mail. Um abraço,

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RECIBO Traplev

Publicação de artes visuais

2002-2013

“Recibo” surgiu em Florianópolis, Santa Catarina, com um grupo de artistas financiando seu primeiro número e sendo lançado em 2002 na ocasião do Projeto Schwanke de Arte Contemporânea em Jaraguá do Sul – SC. Nesta primeira edição, foram produzidos 2 mil exemplares, distribuídos para várias regiões do Brasil. O segundo número só foi aparecer em 2006 como desdobramento da residência de Traplev na Argentina, com isso, a produção editorial de recibo foi sendo retomada aos poucos, variando suas tiragens de 50, 120, 2 mil, 3 mil até chegar a 10 mil exemplares nas seis edições financiadas pelo Programa Cultura e Pensamento – MINC (2010-2013). Traplev sempre esteve à frente do projeto editorial também convidando colaboradores para pensar os projetos editoriais e gráficos. Já tendo passado pela cidade do Rio de Janeiro, hoje “Recibo” é editado da cidade do Recife – PE. “Recibo” tem como princípio publicar projetos e ações relacionadas às práticas artísticas de análise crítica, circulação e dispersão de ideias.

� Referências Recibo http://issuu.com/recibo

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UM ESPAÇO PARA A CONTRACULTURA INGLESA Graziela Kunsch Foto geral da sala Exposição

2004

Esta exposição individual, baseada na obra do escritor inglês Stewart Home, autor de Assalto à cultura, compreendeu três projetos em vídeo (“Pornô”, “Autobiografia” e “Eu sou ele assim como você é ele e eu sou você e nós somos todos juntos”), uma biblioteca, uma videoteca, uma discoteca com discos raros de punk, uma série de debates, uma equipe de tradução de textos de Home e a coordenação da edição brasileira de seus livros Greve da arte e Manifestos neoístas, em parceria com a Conrad Editora.

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on-to-many; one-to-one Grazi leu um livro de Stewart. Mobilizada, procurou o escritor. Ao enviar um fax para Stewart, após ter lido seu livro, Grazi sigulariza a relação entre escritor e leitor, que geralmente fica oculta. Assim, inverte a equação, pois escreve para o escritor e torna-o também seu leitor. Desanonimiza a relação. Inverte um fluxo de fala e devolve-o para seu emissor. Contrafluxo. Quantos escritores conhecem seus leitores? Sabem do seu rosto? Do que pensam? Onde estão? Em que circunstância leram o livro? Que tipo de reação isso causou? Qual a combustibilidade do que escrevem? Creio que são poucos os escritores que têm esse conhecimento. Até porque livros escritos por uma pessoa atingem milhares de outras. E talvez ficasse inviável para o escritor dar conta de tamanha produção. Contraprodução. Assim, esse público torna-se um número, uma estatística mercadológica: tantas cópias de tal livro foram vendidas. No entanto, é justamente nessa equação de uma para muitos que Grazi atua, ao torná-lo um-para-um. Isso gera responsabilidade. Desachata o público. Cria singularidades. Desmassifica. Desnumeriza. Os livros deveriam sempre conter o contato de seus autores para colocá-los numa posição de escuta ativa, vulnerabilizá-la e tornar a sua relação com seu leitor mais íntima. Com certeza, isso aumentaria a responsabilidade de ambos. O que vemos nessa exposição é a fertilidade desse terreno que foi criado entre Grazi e Stewart, pois ele respondeu ao fax dela, o fax gerou e-mails e perguntas, e provocações, e um encontro e um vídeo… Ambos pactuaram de cultivar o que se constituiu entre eles: relação absolutamente peculiar, não geográfica, amorosa, criativa, misteriosa, intraduzível. Grazi e Stewart cultivaram esse terreno que se formou entre eles. Que tipo de cultura se deu ali? Não é possível especular. Não nos pertence. Os códigos escapam. Mas existem frutos que são compartilháveis. E hoje esses frutos estão sendo generosamente disponibilizados em forma de vídeo, livros, traduções e outras produções. Desse território único para todos nós. Oneto-many. Frutos de uma cultura. Ou seriam contrafrutos? Jorge Menna Barreto jorgemennabarreto@gmail.com

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CONVERSAS COLETIVAS Ricardo Basbaum

madeira, tecido, espuma, arquivo de áudio, player, fones de ouvido, texto

2013

Esta peça, apresentada pela primeira vez em “Campo neutral”, procura demarcar um local particular de escuta para arquivos de áudio pré-gravados em situações diversas, instaurando uma região limite entre escuta individual e emissão coletiva de fala – em paralelo com as linhas de contato exteriorizantes entre grupo e indivíduo. Produz-se o encontro transitório daquela região em que se é um e outro, indivíduo e grupo, no trânsito incessante através das linhas que regulam estas espacialidades – em exercício de áudiodesenho. Os áudios disponíveis foram realizados a partir de três workshops acontecidos no evento ¡Afuera! (Córdoba, 2010) e na 30ª Bienal de São Paulo (2012): (1) ouvido de corpo, ouvido de grupo: com Carina Cagnolo, Juan Gugger, Guillermina Bustos, Huenu Peña, Manuel Molina, Mara Maldonado, Marcela Bacigalupo, Marina Perren, Ricardo Basbaum, Victoria Liguori; (2) fala, som, texto: com Pedro Esquerra, Anderson Vital, Gustavo Torrezan, Mirian Steinberg, Rafael Amambahy, Dalila D‘Cruz, Reuben da Cunha Rocha, Laura Uchôa, Tamara e Costa, Thiago Roberto, Artur Kirchenchtejn, Brandon LaBelle, Yiftah Peled, Alexandre Fenerich, Raquel Stolf, Ricardo Basbaum; (3) grupo, coletivo, experiência: com Leandra Lambert, Isabel Carneiro, Nena Balthar, Luiza Crosman, Juliana Solimeo, Mayra Martins, Vicente Martos, Ricardo Basbaum, Bojana Piškur, Tulio Tavares, David Sperling, Mariana Marcassa, Ana Cláudia Lopes.

� Referências Ricardo Basbaum: textos, entrevistas, documentos http://rbtxt.wordpress.com/ Counter-Production: exhibition publication http://foundation.generali.at/en/info/archive/2012-2012/publications/counterproduction-part-3.html collective-conversation: re-projecting (london) http://theshowroom.org/re-projecting/# conjs., re-bancos*: exercícios&conversas / Ricardo Basbaum BASBAUM, Ricardo. conjs., re-bancos*: exercícios&conversas – Ricardo Basbaum = conjs., re-blanches*: exercises&conversations. In: MARQUEZ, Renata (Org.). Ricardo Basbaum. Belo Horizonte: Museu de Arte da Pampulha, 2012.

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PROJETO MUTIRÃO Graziela Kunsch desde 2007 A artista Graziela Kunsch, responsável por esta proposição, gerou um arquivo com uma série de vídeos de ações coletivas de transformação do espaço urbano. A maioria dos vídeos produzidos até aqui foram gravados pela própria artista, mas há também excertos de outras pessoas, e a ideia é seguir aumentando a coleção. Desde 2007, ela leva esse arquivo para contextos/públicos os mais diferentes – pode ser um museu de arte, uma escola para crianças, um assentamento rural, uma ocupação de sem-teto, um festival de cinema, uma universidade, uma aldeia indígena, etc. A cada vez, ela escolhe alguns vídeos do arquivo para mostrar e começar uma conversa junto ao público presente. Cada vídeo do projeto é rigorosamente formado por um único plano cinematográfico, sem edição. Graziela chama esses planos de “excertos”. Alguns excertos duram somente trinta segundos; outros, dois minutos; outros podem durar mais; o importante é que todos refletem um momento escolhido de uma gravação bruta. Cada excerto pode ser entendido como uma pequena peça, parte de um processo maior, carente de articulação. As conversas do “Projeto Mutirão” são momentos em que se busca articular esses excertos ou, em outras palavras, articular as ações urbanas de lutas por mudanças sociais e espaciais que se encontram muitas vezes isoladas. Todas as conversas do projeto são registradas em vídeo e excertos reflexivos dessas atividades incorporados no arquivo e, consequentemente, nas próximas conversas. A primeira vez que o projeto aconteceu dentro de uma exposição de arte foi em 2010, na 29a Bienal de São Paulo. Ali foi montado um mobiliário que ora acolhia conversas, mediadas pela artista ou por educadores da Bienal, ora mostrava alguns excertos permanentemente, tendo em mente as pessoas que não tivessem participado de nenhuma atividade presencial. Do outro lado da estrutura, encontrava-se um computador com o arquivo do projeto em construção [projetomutirao.org, posteriormente abandonado, por um interesse da artista em valorizar os encontros presenciais] e aproximadamente 300 livros escolhidos da biblioteca pessoal de Graziela sobre utopias, projetos de cidades, autogestão e educação. Um grupo de estudos funcionou no local. O mobiliário foi desenhado em colaboração com o coletivo alemão Kooperative für Darstellungspo-

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litik [Cooperativa para políticas do display], formado pelos arquitetos Andreas Müller, Anita Kaspar e Jesko Fezer. Durante a montagem da obra, algumas alterações foram feitas com a colaboração da dupla de artistas Julie Ault e Martin Beck. As conversas do Projeto Mutirão dentro da 29a Bienal também aconteceram nos “terreiros” “A pele do invisível” (destinado a projeções de cinema), “Eu sou a rua” (destinado a debates) e “O outro, o mesmo” (performances). Em 2011, o projeto foi apresentado na exposição “Conversas”, em Curitiba, na forma de uma conversa e uma oficina de oito horas de duração, sem deixar nenhum material no espaço expositivo; e nos três momentos da exposição “All that fits: the aesthetics of journalism (1. The speaker, 2. The image, 3. The militant)”, em Derby/ Inglaterra. Em 2013, na exposição “Blind field”, Urbana-Champaign/ Estados Unidos, uma sessão de uma hora de excertos era projetada três vezes por dia no espaço expositivo, com hora marcada, e Graziela realizou conversas na Universidade de Illinois nas aulas de quatro disciplinas que tocavam em diferentes aspectos do projeto: Ecologies of Collaboration, Time-Based Art, Latin American Art and Crisis e Art & Institution. Neste momento, a obra está no MAR – Museu de Arte do Rio, na exposição “O abrigo e o terreno”. Ali foi montada uma sala de projeção de vídeo com colchões e almofadas. No entanto, a sala de projeção fica desligada, com exceção das terças-feiras, dia de visitação gratuita ao museu, quando são feitas quatro projeções com hora marcada. Nos demais horários, a sala pode ser usada para descanso, conversas informais, etc. No ano passado, antes da abertura da exposição, Graziela registrou a medição de casas marcadas para serem demolidas no Morro da Providência e começou a coletar vídeos feitos por moradores locais. Em 2013, ao longo dos cinco meses da exposição, a artista esteve viajando ao Rio para realizar conversas e novos registros nas comunidades do entorno do museu afetadas pela operação urbana Porto Maravilha e para realizar entrevistas com diferentes agentes envolvidos na construção/gestão coletiva do MAR e agentes críticos ao museu. Ao término da exposição, será montada e apresentada uma sequência de excertos específica do Rio de Janeiro. Para a exposição “Campo neutral”, foi imaginada uma sessão única de excertos do projeto, com duração de uma hora, sem a presença da artista. Essa sessão será debatida pelos presentes e registrada em vídeo.

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� Referências Grand Domestic Revolution Handbook CHOI, Binna; TANAKA, Maiko (orgs.). Grand Domestic Revolution Handbook. Utrecht: Casco, 2014. All that fits: The Aesthetics of Journalism CRAMEROTTI, Alfredo; SHEIKH, Simon (eds.). All that fits: The Aesthetics of Journalism. Derby: Quad Publishing, 2011. 29ª Bienal de São Paulo / Catálogo DOS ANJOS, Moacir; FARIAS, Agnaldo (orgs.). 29ª Bienal de São Paulo. Catálogo. Fundação Bienal de São Paulo, 2010. Revolution without movement: exhibition journal FISCHER, Berit; KENDEROVÁ, Dorota; VARGA, Jaro (eds.). Revolution without movement: exhibition journal. Bratislava: Galeria HIT & tranzit.sk, 2014. Projeto Mutirão KUNSCH, Graziela. Projeto Mutirão. Dissertação de Mestrado. Orientação do Prof. Dr. Rubens Machado Jr. ECA-USP, 2008. Projeto Mutirão: um filme não-realizável, uma prática documentária _____. Projeto Mutirão: um filme não-realizável, uma prática documentária. Texto apresentado no 13º Encontro Socine, 2008. Resumo expandido disponível em <www. socine.org.br/anais/interna.asp?nome=graziela%20kunsch>. Blind Field MOSAKA, Tumelo; SMALL, Irene (org.) Blind Field. University of Washington Press, 2013.

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INVERNOS DE UM BALNEÁRIO Santiago García Navarro

Fotografias digitais e film stills com texto, em formato final vídeo

2013

“Invernos de um balneário” é um projeto de escrita ficcional e ensaística, produção visual e edição, ambientado durante a baixa estação na cidade balneária de Mar del Plata (Argentina). Baseia-se em um arquivo de aproximadamente 11.000 documentos, que García Navarro reúne e edita desde 2008. O projeto, ainda em andamento, consiste em um conjunto de cinco livros, dentro dos quais diversos tipos de material (fotografias, reproduções de obras visuais, peças, filmes, textos, material audiovisual e sonoro, gráfica, postais e outros tipos de documentos) estabelecem entre si relações de interpretação, invenção e projeção. Os textos incluem relatos, crônicas, ensaios e resenhas, tanto de autores reais como ficcionais. Os autores ficcionais são quatro personagens criados por García Navarro, que debatem entre si e com textos e obras de autores reais. “Invernos de um balneário” já foi parcialmente apresentado em julho 2010 no Teatro de Arena, de São Paulo, como parte do ciclo de palestras e exposições organizado pelo Capacete no quadro da XXIX Bienal de São Paulo. Em 2013, participou, com novo formato, da exposição “Contra-escambos”, curada por Beto Shwafaty e Leandro Nerefuh no Palácio das Artes, Belo Horizonte (abril-maio), e no espaço Fonte (maio-junho), Recife.

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FÓRUM PERMANENTE: MUSEUS DE ARTE; ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO Plataforma de ação e mediação cultural

Martin Grossmann (idealizador e curador-coordenador) desde 2003

“Fórum Permanente” é uma associação cultural que opera como uma plataforma para a ação e mediação cultural, nacional e internacionalmente, em diferentes níveis do sistema de arte contemporânea. Sua estrutura é baseada em uma rede de parcerias com diversos agentes atuantes nos campos das artes e da cultura. Em operação desde 2003, as principais iniciativas do “Fórum Permanente” incluem a curadoria de eventos discursivos e dialógicos; a organização de oficinas sobre curadoria e outras formas de mediação crítica; a coordenação de pesquisas; a organização de publicações especializadas – como sua coleção de livros que explora criticamente o sistema da arte; a divulgação, o registro e a transmissão de eventos relacionados com arte contemporânea e instituições de arte; streaming online das atividades e a publicação de relatos críticos sobre essas atividades. O site www.forumpermanente.org é uma interface cultural e, portanto, se constitui, de forma híbrida e simultânea, como uma ágora, um museu-laboratório e um centro de documentação e memória – e, desde 2012, também é formado pela revista digital Periódico Permanente, que tem como principal estratégia a publicação de conteúdos que disparam e repotencializam o arquivo do site.

� Referências Grupo de Pesquisa Fórum Permanente: Sistema Cultural entre o Público e o Privado http://www.iea.usp.br/pesquisa/grupos/forum-permanente Revista Periódico Permanente O Periódico Permanente surge para organizar e reorganizar editorialmente os diversos conteúdos arquivados na plataforma forumpermanente.org ao longo de seus nove anos de existência. Com periodicidade trimestral, a publicação traz à luz textos, registros em vídeo e relatos críticos de eventos presenciais documentados no website sob diferentes amarrações curatoriais. http://www.forumpermanente.org/revista

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Coleção de Livros Fórum Permanente Museu Arte Hoje Martin Grossmann e Gilberto Mariotti (Org.) Esta coletânea traz importantes contribuições para o entendimento do papel e missão do museu de arte no Brasil e no globo, tendo como ponto de partida o projeto do MASP de Lina Bo Bardi inaugurado em 1968. Participam deste debate gestores, curadores, arquitetos, artistas, entre eles, Paulo Herkenhoff, Marcelo Araújo, Moacir dos Anjos, Marcelo Ferraz e Ricardo Basbaum. O livro demonstra que, apesar das recorrentes crises institucionais, a trajetória do Museu de Arte no Brasil é ímpar ao lançar e promover novas ideias e novos modos de operação sociocultural. Relatos críticos: seminários da 27a Bienal de São Paulo Ana Letícia Fialha e Graziela Kunsch (Org.) A prática de redação e publicação de relatos sobre palestras, oficinas e debates presenciais vem sendo cultivada pelo “Fórum Permanente” desde as suas primeiras atividades. Este livro reúne alguns dos primeiros relatos produzidos sobre os seminários internacionais da 27a Bienal de São Paulo, constituindo uma “documentação crítica” dos eventos de 2006. Entre as autoras dos relatos, estão Fernanda Pitta, Paula Braga e Paula Alzugaray. O livro inclui o texto de apresentação geral dos seminários, de Lisette Lagnado. Modos de representação da Bienal de São Paulo Vinícius Spricigo Este livro apresenta parte dos resultados da pesquisa de doutorado realizada na ECA-USP dedicada à trajetória recente da Bienal de São Paulo, em particular as edições de 1998, 2006 e 2008. Em foco, estão as transformações ocorridas nas práticas curatoriais e na esfera institucional da arte. O autor analisa o projeto político e cultural da Bienal buscando entender as mudanças nos modos de representação adotados pelas suas recentes edições. Pautado por sua atuação como editor associado do “Fórum permanente” (2006 e 2008), Vinícius problematiza as práticas curatoriais, fornecendo subsídios conceituais para uma discussão crítica a respeito da mediação cultural no contexto das exposições globais de arte contemporânea.

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COMO GARRAFAS LANÇADAS AO MAR1 Regina Melim

1. Certa vez, em uma conversa2 com Hans Ulrich Obrist, Christian Boltanski referiu-se à distribuição da publicação point d’ironie como uma espécie de garrafas lançadas ao mar. Qualquer pessoa pode encontrar ou receber. É algo que viaja por toda parte, e não sabemos onde e a quem chegará. Na maioria das vezes, pode ir para o lixo, mas também você nunca saberá quem a fixou em uma parede. Uma exposição num espaço de museu e galeria, sabemos mais ou menos quem vai visitar. Uma exposição dentro de uma publicação é algo que está sempre se movendo, encontrando e criando novos públicos. Por isso, sua distribuição ou circulação demanda a mesma importância que a sua produção. Além disso, a iniciativa de estabelecer uma publicação como um lugar possível para a produção de uma exposição acentua a forma expandida de pensar um trabalho de arte. Existe uma quantidade expressiva de trabalhos que não precisam, necessariamente, de paredes, pois são proposições cujo lugar mais adequado para serem mostrados são as páginas de um livro ou de uma revista, em folhas avulsas ou em cartões, entre outros, como exposições impressas. São múltiplos ou trabalhos que, dentro dos impressos, encontram seu lugar e que requerem, da parte do espectador, um tempo e um modo diferenciado para serem apreendidos. Esse foi, seguramente, um dos propósitos que levou Seth Siegelaub, notório realizador de exposições impressas, no período de 1968 a 1972, a publicar uma série de exposições em catálogos3. Galerista aos 23 anos de idade, em suas primeiras investidas cura1

Uma versão resumida deste texto foi publicada em ALVES, Cauê et al. Itinerários, Itinerâncias: 32o. Panorama da Arte Brasileira. São Paulo: Museu de Arte Moderna, 2011. p. 261-267. 2 Conversa realizada no período da exposição point d’ironie no Centro Internacional de Artes Gráficas (MGLC), em Liubliana (Eslovênia), em 13 de janeiro a 29 de fevereiro de 2004. Disponível em: <http:// www.mglc-lj.si> 3 November (1968), de Douglas Huebler, Statements (1968), de Lawrence Weiner, Xerox Book (1968), January 5-31 (1969), March (1969), July, August, September (1969), Studio International, July, August (1970), como editor, convidando seis críticos e curadores para que cada um realizasse um exposição no espaço de oito páginas da revista, e Aspen Magazine (1971), entre outros projetos.

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toriais não se limitava simplesmente a dispor obras no espaço físico de sua galeria. Queria mais que isso. Sobretudo, fugir dos clichês ou fazer paródia de si mesmo, evitando repetições ou situações curatoriais cômodas. No pouco tempo de sua existência, do outono de 1964 à primavera de 1966, a Seth Siegelaub Contemporary Art realizou exposições nas quais as pessoas eram convidadas, muito mais que passar pelos trabalhos expostos, a discutir sobre eles, num ambiente criado para que estes pudessem ser visualizados adequadamente. Se alguns catálogos de exposições são possibilidades de prolongar o tempo de visitação de uma mostra, visto que trazem de volta uma experiência, para Siegelaub um catálogo poderia se converter no objeto de referência de um acontecimento efêmero de que é feita uma exposição ou ser o verdadeiro espaço da exposição. Na organização da exposição January 5-314 (1969), por exemplo, Seth Siegelaub desloca procedimentos usuais estabelecidos no sistema de arte, invertendo a relação usual entre os trabalhos expostos e o catálogo. Assim, o ponto focal do projeto foi uma sala comercial, alugada especialmente para essa mostra, e ocupada apenas por uma mesa com vários exemplares do catálogo. O catálogo como espaço expositivo tornava-se o dispositivo capaz de prolongar a efemeridade do tempo da exposição. No formato de uma publicação, suas dimensões espaciais e temporais passavam a ser traduzidas como número de páginas. Permitindo, ainda, deslocar o que sempre esteve vinculado como informação secundária ou registro de uma exposição para, ela própria, a publicação, tornar-se o veículo primário das práticas artísticas que ali se instalavam. Em Xerox Book5 ou Livro das cópias6 (1968), Seth Siegelaub já havia legitimado este formato de exposição. Visitar essa mostra consistia, e perdura até o presente, em um ato de folhear e encontrar proposições artísticas que se prolongam nas 175 páginas da exposição impressa, e não mais em um número de dias de exibição7. Embora o Livro das cópias não tenha sido fotocopiado integralmente, e sim apenas a sua matriz, pelo alto custo que isto significava na época, o projeto sinalizava a reprodução como meio constitutivo da exposição e dos trabalhos que ali se inseriam. Meio, esse, que alargava profundamente a audiência de uma proposição artística e 4 5 6 7

Participaram dessa exposição: Douglas Huebler, Joseph Kosuth, Lawrence Weiner e Robert Barry. Participaram dessa exposição: Carl André, Douglas Huebler, Joseph Kosuth, Lawrence Weiner, Robert Barry, Robert Morris e Sol LeWitt. Denominação que Seth Siegelaub prefere adotar a fim de que ninguém tenha a impressão errada de que o projeto tem alguma coisa a ver com a empresa Xerox. Uma versão fotocopiada denominada The Xeroxed Book, com uma tiragem de 200 cópias, foi lançada em 2010 pelo artista Eric Doeringer.

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alterava a forma convencional de circulação e, principalmente, de sua recepção. Ao utilizar e enfatizar o meio de reprodução como estratégia crítica da unicidade e autenticidade de um trabalho de arte, o Livro das cópias ecoa no formato semelhante àquele utilizado por Mel Bochner, em 1966, quando realizou a exposição Working drawings and other visible things on paper not necessarily meant to be viewed as art, na School of Visual Art, em Nova York, reproduzindo, a partir de fotocópias, uma série de trabalhos dos artistas participantes dessa mostra. Ressalta-se, contudo, outras questões levantadas por Mel Bochner nesta exposição, como a presença de um outro tipo de objeto de arte (a publicação), de um outro conceito de trabalho artístico (a exposição) e de um outro conceito de autoria (a exposição como sendo seu próprio trabalho artístico).

2. Em 1977, no MAC/ USP, foi realizada uma exposição denominada Poéticas visuais, endereçada à exibição de múltiplos que se valiam da imagem e da palavra. Durante um mês, o público que ia ao museu poderia, não apenas conviver com trabalhos enviados pelo correio por aproximadamente duzentos artistas, mas fotocopiar grande parte do que estava sendo ali exposto. Walter Zanini, diretor dessa instituição e também organizador da mostra junto com Julio Plaza, escrevia em seu texto As novas possibilidades o quão decisiva era a presença de publicações de artistas com essas investigações e de como não mais se submetiam aos condicionamentos da obra tradicional. Julio Plaza complementava, em seu texto Poéticas visuais, como essas ações anartísticas, espécie de fenômeno samizdat8, eram fáticas na comunicação, promoviam trocas e possibilitavam reproduções de uns para os outros. Como uma exposição portátil, denominação utilizada por Walter Zanini no seu referido texto, o catálogo dessa mostra reproduzia todos os trabalhos que foram enviados pelos artistas e continua até hoje sendo fotocopiado entre pesquisadores e artistas.

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Prática de copiar e enviar clandestinamente livros e bens culturais produzidos durante o regime comunista nos países que compunham o Bloco Oriental.

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3. Ainda que tenha dito “Isso é muito mais do Seth do que meu” 9, Lucy Lippard realizou projetos que, sem dúvida, se configuravam como exposições dentro de publicações. O catálogo de fichas soltas10 para 557.087 (Seattle, 1969), 955.000 (Vancouver, 1970), 2.972.453 (Buenos Aires, 1971) e C. 7.500 (Valência e itinerância por outras seis cidades, 1973), bem como o livro Six years of dematerialization 1966-1972 (1973), podem ser tratados como importantes exposições. Seu livro, seguramente, é um projeto curatorial disposto na forma de um grande arquivo, contendo exposições, ações, proposições, publicações e projetos que aconteciam de modo desmaterializado e em locais inesperados: dentro de revistas, livros, ateliês, livrarias e uma série de espaços alternativos não institucionalizados. Lucy Lippard estava levando a sério a afirmação de Robert Barry quando, em 1968, disse: “Durante anos, as pessoas estiveram preocupadas com o que acontecia dentro da moldura. Talvez tenha alguma coisa acontecendo fora da moldura”11. E é nesse contexto e com essas ideias que, por volta de 1975, Lucy Lippard e um de seus maiores interlocutores, o artista Sol LeWitt, além de outros artistas12, iniciaram um dos mais interessantes projetos curatoriais daquele período, inaugurado em 1976, e que permanece até o presente momento: a Printed Matter13.

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Declaração feita em entrevista concedida ao curador Hans Ulrich Obrist. In: OBRIST, Hans Ulrich. Uma breve história da curadoria. São Paulo: Bei, 2010, p. 254. Seth Siegelaub declarou em uma entrevista que foi muito difícil para convencer os livreiros, porque eles não queriam se comprometer com esse tipo de publicação, uma vez que não era encadernada e a possibilidade de extravio ou roubo das fichas era quase certa. Lucy Lippard comentava que gostava da ideia de que o leitor pudesse jogar fora as fichas de que não gostasse, fazendo um paralelo com o viés antigosto de toda a exposição. Lippard, Lucy. Six Years of dematerialization 1966-1972. Berkeley: University of Califórnia Press, 1997, p. 40. Edit deAk, Irena von Zahn, Mimi Wheeler, Pat Steir, Robin White e Walther Robinson. Carl Andre juntou-se ao grupo pouco tempo depois. Atualmente localizada no Chelsea,195, Tenth Avenue, Nova York. No mesmo período, em Nova York, a artista Martha Wilson cria em seu próprio apartamento a Franklin Furnace Inc., um espaço também destinado a publicações de artistas. Considerado um dos maiores acervos do gênero, em 1994 foi vendido ao MoMA. Um ano antes, em 1975, um outro artista, Ulises Carrión, em parceria com Aart van Barneveld, cria em Amsterdã a Other Books and So. Considerada a primeira livraria especializada em publicações de artista na Europa. Em 1979, transforma-se em Other Books & So Archive. Em 1974, em Toronto, o Grupo General Idea cria a Art Metrópole. A. A. Bronson, integrante desse grupo, atuou durante um longo período junto à Printed Matter.

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4. Em 1993, uma conversa e uma lista de artistas fazem surgir o projeto Do it. Bertrand Lavier, Christian Boltanski e Hans Ulrich Obrist eram os protagonistas deste projeto curatorial que, durante aproximadamente dez anos, existiu no formato de mostras que percorreram vários lugares na Europa. Em 2004, após a realização de uma versão para televisão e outra para a internet, foi lançada a versão impressa com proposições de 174 artistas. “A exposição, a partir de então, pode ser encontrada em estantes de casa, cabeceira de cama, etc., num tempo que só é limitado pela durabilidade do material e pelo cuidado com a edição”14. Em 1997, outra conversa, dessa vez entre Christian Boltanski, Hans Ulrich Obrist e agnès b, faz surgir o projeto point d’ironie, exposição itinerante feita de múltiplos impressos. Com uma tiragem de aproximadamente 100.000 exemplares, esses múltiplos são distribuídos gratuitamente em várias partes do mundo. Encontrados, geralmente, em museus, bibliotecas e lojas da rede agnès b., muitos deles, conforme ressaltou Boltanski, realmente devem ir para o lixo. Mas há, também, uma grande parcela que, desde então, vem habitando os lugares mais distintos e improváveis, desde acervos públicos e privados a exposições, em paredes de um estúdio ou de um restaurante, como papel de embrulho ou como tema de pesquisa nas universidades.

5. Desde 1997, com denominações que variavam de Espaço P, Espaço Purplex, Capacete Projects e, finalmente, CAPACETE Entretenimentos, Helmut Batista tem instaurado na cena artística contemporânea um modo diverso de pensar a arte e seus contextos. Trata-se de contínuos agenciamentos de práticas híbridas e colaborativas empreendidas com diferentes artistas. Em 2002, convidado a participar da edição da 25a Bienal de São Paulo, Helmut Batista chama os artistas Marie-Ange Guilleminot e Marssares para dividirem essa experiência com a galeria ou escritório móvel, conhecido como Banca. Tratava-se de um projeto-obra que, além do compartilhamento e agenciamento, trazia também incluída uma prática curatorial. Muito semelhante ao espaço de uma banca de jornal, a Banca foi transformada em uma estrutura dobrá14

SCHULTZ, Vanessa. Lugar publicação: artistas e revistas. Dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Ceart/ Udesc, Florianópolis, SC, 2008.

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vel para ser transportada em carros de passeio e poder ser montada em diferentes locais15. Marie-Ange Guilleminot ocupou o espaço com uma biblioteca composta somente de publicações de artistas. Durante este período em que a Banca esteve montada no interior do edifício da Bienal de São Paulo, qualquer visitante da exposição poderia sentar e, calmamente, folhear, ler e conhecer o material ali exposto. Já Marssares ocupou o espaço com um trabalho sonoro com a Banca montada no espaço exterior, no Parque Ibirapuera, acessível a qualquer pessoa que por ali estivesse caminhando. A Banca, conforme assinalava Helmut Batista, foi criada também como um organismo que deveria estabelecer uma série de vínculos de informações quando montada em algum lugar. Sobretudo, porque a ideia geral era que funcionasse no espaço público, em áreas não habituais, tornando possível alcançar uma audiência que tem pouco ou nenhum contato com arte contemporânea. Uma maneira de apresentar outros formatos possíveis de exposição, de modelos curatoriais diferenciados, de uma noção um pouco mais distendida daquilo que se presume como sendo uma galeria. De questionar essas instâncias e propor espaços expositivos que se integrassem de forma mais efetiva com a cidade e seus habitantes. A essas distintas montagens da Banca, a intensificação do deslizamento dos códigos estabelecidos era feita a partir da realização de catálogos, vídeos ou publicação das conversas com os artistas envolvidos. Segundo Helmut Batista, “Era de fundamental interesse representar e possibilitar uma continuidade não somente de linguagem, como servir de plataforma na construção do próprio histórico do artista, documentando sua produção e trazendo-a ao alcance do público. O agenciamento era seu próprio conteúdo”16. Esse foi, provavelmente, um dos motivos para a criação, em 2001, do jornal denominado Planeta Capacete. Com uma tiragem de 15

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A primeira versão do projeto A Banca foi criada como um protótipo, em 1999, montada em um parque e na praia, no Rio de Janeiro. Para a 25a Bienal de São Paulo, foi criada uma segunda versão e, a princípio, conta o artista, havia sido planejada para acontecer a partir de múltiplos deslocamentos. Assim, semanalmente, poderia estar tanto no espaço interno do edifício da Bienal como também no espaço externo, no Parque Ibirapuera. Além disso, a ideia é que pudesse ser ocupada por diferentes artistas. Todavia, este projeto, recusado pela direção da Bienal, foi composto da participação apenas dos dois artistas mencionados. (NAVARRO, Santiago García (org.). El pez, la bicicleta y la máquina de escribir: un libro sobre el encuentro de espacios y grupos de arte independientes de América Latina y el Caribe. Buenos Aires: Fundación Proa, 2005, p. 33. In: ZAHM, Olivier. Rio, cidade superexposta. Rio de Janeiro/Londres: Capacete Entretenimentos/Gasworks, 2003, s/p.

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5.000 exemplares, distribuídos gratuitamente para várias regiões do País, o Planeta Capacete, durante todo o seu período de existência, entre 2001 e 2004, convidou artistas para projetarem cada número publicado. A liberdade para criar o periódico da forma que melhor lhes conviesse foi sempre uma constante: o formato e até mesmo, se assim o desejassem, interferir no corpo editorial. A única limitação era o material, que deveria ser de baixo custo, possibilitando a grande tiragem, assegurando, dessa forma, uma maior distribuição no processo de sua circulação.

6. Art & Project foi uma galeria criada por Adriaan van Ravesteijn e Geert van Beijeren em Amsterdã, em 1968. Nos primeiros anos, a galeria era situada na própria casa dos pais de Geert van Beijeren e era aberta somente à noite e nos finais de semana. Quando abriu, além de ocupar um espaço nada usual para uma galeria, esse espaço era extremamente pequeno. Foi então que surgiu a ideia de publicar algo no formato de boletim a fim de dar mais informações sobre as exposições que iriam acontecer ali. O impresso, distribuído gratuitamente, tornou-se a extensão daquele pequeno espaço. Chamava-se Art & Project Bulletin e, no período de setembro de 1968 a novembro de 1989, foram produzidos um total de 156. Mas, também, muitos dos Art & Project Bulletin foram impressos independentes da realização de exposições, como um trabalho de arte ou uma exposição realizada diretamente na superfície impressa. Em 1970, esse espaço expositivo impresso participou da exposição Information, no MoMA, onde foram expostos como um conjunto-obra.

7. Quando realizei a primeira exposição dentro de uma publicação, em 2006, denominada pf17, muitos desses exemplos que acabei de citar me acompanhavam como importantes referências. Se, no início, chamei esta primeira iniciativa curatorial de espaço portátil, não tardou para que me apropriasse do termo exposição portátil, proposto por Walter Zanini no texto do catálogo da exposição Poéticas visuais, uma vez que a ideia que rondava todo o projeto era a de que essa exposição pudesse ser transportada facilmente. 17

Com essa exposição portátil, surge a par(ent)esis – uma plataforma independente que criei em Florianópolis, em 2006, para pesquisar, produzir e publicar projetos artísticos e curatoriais no formato de publicações impressas.

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A portabilidade foi, portanto, algo que comecei a perseguir nessas iniciativas curatoriais dali em diante. Parte desse assunto, devo dizer, aprendi com Lucy Lippard. Quando fiz a segunda exposição, amor: leve com você em 2007, o subtítulo tinha o objetivo expresso de potencializar essa ação de poder transportá-la para os mais distintos lugares. Do tamanho de um passaporte, essa exposição foi pensada para ser carregada dentro do bolso. Quando já estava em circulação, li uma entrevista em que Lucy Lippard falava a Hans Ulrich Obrist sobre uma exposição que havia realizado, com pouquíssimos recursos, e que havia sido muito fácil de transportar, pois cabia dentro de uma caixa18. Coleção, uma publicação realizada com carimbos, foi a exposição seguinte, em 200819. Paulo Bruscky era a referência mais imediata. Em 2003, na exposição Imagética realizada em Curitiba, enquanto observava na Casa Romário Martins (um dos locais desta mostra) uma vitrine repleta de carimbos de Bruscky, não tive dúvida: saí da exposição segura de que aqueles carimbos só fariam sentido se pudessem ser utilizados e imaginei o quanto seria interessante poder levar as folhinhas impressas com os seus trabalhos. Dois anos antes, havia tido uma experiência na exposição Collaborations with Parkett – 1984 to Now, em Nova York, com um carimbo que estava entre a série de múltiplos dessa revista. Tratava-se da proposição de Lawrence Weiner, realizada para o número 42 da revista Parkett e que, generosamente, estava disponível, junto a uma pilha de papéis, para qualquer um dos visitantes da mostra carimbar. Sair do MoMA, naquela tarde de abril de 2001, com uma folhinha carimbada foi, no mínimo, uma experiência fora do comum. Algum tempo depois, o livro/exposição de Hervé Fischer, Art et communication marginale: Tampons d’artistes, publicado em 1974, foi agregado como outra preciosa referência. Desde 2010, esse projeto pertence ao Museu da Gravura, conhecido também como Solar do Barão, em Curitiba, PR. Como proposta aberta e flexível, a ideia é que o próprio museu crie outros mecanismos e desdobramentos para a sua exposição e circulação. 18

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Trata-se da exposição c. 7500, realizada em 1973 em sete localidades diferentes. Cada trabalho enviado tinha que caber dentro de um envelope para documentos. Essa exposição também é conhecida como “mostra internacional de arte conceitual apenas para mulheres”, indo de encontro ao fato de que, até então, não constavam artistas mulheres em nenhuma mostra de arte conceitual. Participaram: Adrien Piper, Bernadette Mayer, Christine Kozlov, Laurie Anderson, Martha Wilson, Mierle L. Ukeles, Nancy Holt, entre outras. Cada artista era representado por um ou mais carimbos, confeccionados mediante suas instruções, uma almofada com tinta de impressão e um bloquinho de folhas destacáveis, cujo verso continha as indicações sobre o trabalho e o propositor. Expostos sobre uma mesa, os carimbos ficavam à disposição do público para a realização de sua própria coleção, que, uma vez construída, poderia ser levada para a casa.

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Em 2009, iniciei outro projeto de exposições que denominei de Conversas, cujo formato é o de entrevista ou de trocas de correspondências, e onde trato o texto e a fala do artista como um trabalho de arte20. Motivações suficientes para publicar, pouco tempo depois, dois textos que participavam de uma mesma exposição: ARTE E MUNDO APÓS A CRISE DAS UTOPIAS: assim mesmo, em CAIXA ALTA e sem notas de rodapé, de Fábio Morais e Daniela Castro, em 2010, e Pourquoi o mal?, de Jorgen Michaelsen, em 201121. Em 2013, um outro texto-obra, Site Specific, um romance22, de Fábio Morais, foi agregado à plataforma par(ent)esis. E em 2014, Inventário de destruições23, de Éric Watier, e Livros mobiliam uma sala, mesmo24, de Lawrence Weiner. Pequenos textos, esboços, desenhos, imagens e projetos, traduzidos como escritura em processo, passaram a ser objetos para a criação de outra série, realizada entre 2010 e 2013, e que intitulei de Arquivo A2, assim designada pelo tamanho do papel que foi oferecido a cada artista, apresentado de diferentes modos e formatos, a partir dos cortes e das dobras realizadas neste espaço expositivo25.

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Foram publicados: Tudo pelo Ben (2009) – conversa entre Ana Paula Lima e Ben Vautier, blá blá blá (2009) – troca de e-mails entre Fábio Morais e Marilá Dardot, e Flying Letters Manifestos (2013) – troca de cartas entre Alex Hamburger e Ricardo Basbaum. Ambos estavam expostos na exposição El mal de escritura: un proyecto sobre texto e imaginación especulativa, curadoria de Chus Martinez, no Centro de Estudos e Documentação do Museu de Arte Contemporânea de Barcelona, no período de 20 de novembro de 2009 a 25 de abril de 2010. Trata-se de sua dissertação de mestrado, defendida em julho de 2013, no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, na Universidade do Estado de Santa Catarina. Inventário de destruições é um trabalho inacabado por definição. Foi iniciado em 1999 e editado em 2000 pela Éditions Incertains Sens, em Rennes. Em 2002, uma versão ampliada foi traduzida para o inglês por Simone Manceau e editada pela Boabooks, Londres. A tradução para o português, realizada por Fábio Morais, utilizou a edição francesa, a tradução inglesa e ainda o site http://linventairedesdestructions.tumblr.com/, acessado em 11/12/2013. Livros mobiliam uma sala, mesmo: Lawrence Weiner sobre livros de artista foi traduzido por Amir Brito Cadôr e Jorge Menna Barreto, da versão publicada pela Umbrella The Anthology, editada por Judith A. Hoffberg, Umbrella Editions, 1999, p. 140-141. Trata-se de uma apresentação realizada por Lawrence Weiner no Symposium on Artists’ Books, patrocinado pela Dia Foundation e pela Printed Matter, em Nova York, em 1989. Participaram desse projeto Diego Rayck, Felipe Prando, Paulo Bruscky, Giorgia Mesquita, Fábio Morais, Glória Ferreira, Maira Dietrich, Amir Brito Câdor, Marilá Dardot e Raquel Stolf.

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8. Não sabemos, de antemão, quais os itinerários ou percursos que uma publicação vai percorrer, porque são muitos. Sua mobilidade e seus desvios de trajetória, talvez, sejam suas mais instigantes qualidades. São, mesmo, garrafas lançadas ao mar e que qualquer pessoa pode encontrar ou receber, levar consigo e estender a sua duração, ativando-a e compartilhando-a em outros contextos. Como múltiplos que se propagam, cuja força está na circulação e na expansão do circuito da arte.

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O ANTIMUSEU1 Martin Grossmann, Liverpool, junho de 1989

It is always a question of proving the real by the imaginary, proving truth by scandal, proving the law by transgression, proving work by the strike, proving the system by crises, and capital by revolution, as for that matter proving ethnology by the dispossession of its object (The “preservation” of the Tasadays tribe in the Philippines in 1971) – without counting: Proving theatre by anti-theatre proving art by anti-art proving pedagogy by anti-pedagogy proving psychiatry by anti-psychiatry, etc… etc… […] To seek new blood in its own death, to renew the cycle by the mirror of crises, negativity and anti-power: this is the only alibi of every power, of every institution attempting to break the vicious circle of its irresponsibility and its fundamental non existence of its déjà-vu and its déjà-mort. Servindo-nos da lógica de Baudrillard2, como podemos imaginar a razão de ser do museu? Que conceito de antimuseu poderia ser formulado visando à manutenção e à continuidade do que entendemos por museu? Os museus, como praticamente todas as instituições que nos cercam, estão vivendo em um permanente estado de crise. O museu vem se debatendo entre dois polos opostos desde que suas portas foram definitivamente abertas ao público, como Muschamp coloca em seu artigo “Chez Muse”, The American Museum Scene: “a dúvida da musa”: subir a escadaria de mármore para o Olimpo ou estender definitivamente suas mãos para a rua? 3, 1

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GROSSMANN, Martin. Antimuseu. In: Revista de Comunicações e Artes, São Paulo, v. 24, p. 5-20, 1991. Também disponível no Periódico Permanente (Revista eletrônica do Fórum Permanente) v. 1, n. 1, 2012 <http://www. forumpermanente.org/revista/numero-1/museu-ideal/martin-grossmann/oanti-museu> The precession of simulacra. In: TUCKER, M. (org.). Art after Modernism. New York: The New Museum of Contemporary Art, 1984. p. 266. MUSCHANP, M. The American Museum scene. In: Lotus International, n. 53, 1/1987.

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ou como Levin sugere em relação ao seu design: museu templo ou como showroom?4 Se acatarmos a sugestão de Piaget, ao afirmar que contradição é a máquina do desenvolvimento (não no sentido de progresso, mas como necessário elemento na construção de novos esquemas que vão estabilizar novamente o balanço entre os fatores positivos e negativos)5, ainda poderemos sugerir – apesar da visão apocalíptica que Baudrillard tem de nosso tempo (que muitas vezes é notavelmente pertinente) – que o museu vem tentando sobreviver. A forma em que o museu historicamente vem tentando sobreviver – como um espaço aberto ou como instituição pública – pode ser considerada como a razão de sua sobrevivência. O museu vem a ser definitivamente considerado como instituição pública na segunda metade do século XVIII, quando a configuração de uma consciência social dava seus primeiros sinais. Sendo assim, o ato de abrir as portas do museu para o grande público pode ser considerado o ponto de partida do museu moderno. À parte alguns poucos casos, este simples e generoso ato (a abertura de portas para a grande maioria) foi – e ainda é muitas vezes – considerado suficiente para manter o museu como uma instituição social e também como cumpridora de suas responsabilidades educativas. Infelizmente, esta não foi a melhor maneira de se iniciar um novo estágio de vida, isto porque, desde o início, o principal dilema desta nova situação – “estar relacionado ao Olimpo versus estar relacionado à rua” – esteve sobrepujado pela tradição de uma desdenhosa consciência social. Usando a Revolução Francesa como ponto de referência, pode-se dizer que, desde então, com o desenvolvimento de uma consciência social e a subsequente emergência das Ciências Sociais, “a alta cultura” vem sendo alvo de permanente revisão e análise. No entanto, uma significativa pressão crítica enfocando a noção tradicional de museu ou, de uma maneira geral, questionando os valores da cultura tradicional ocorre somente um século depois com a jovem crítica de arte francesa e com as novas manifestações artísticas na segunda metade do século XIX. Isto é, com os ensaios de Baudelaire e com os primeiros movimentos de vanguarda, aqueles que forneceram as necessárias bases para o surgimento do que denominamos como Arte Contemporânea, como o Realismo, Naturalismo e Impressionismo. Em outras palavras, uma crítica de peso em relação ao museu e o que ele representa apenas floresce com a consolidação de uma 4 5

LEVIN, M. D. The modern museum: temple or showroom? Tel Aviv: Dvir Publishing House, 1983. PIAGET, J. Recherches sur la contradiction. In: Les differents formes de la contradiction. Paris: Press Universities de France, 1974.

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consciência moderna – Modernidade. Modernidade é um conceito que flutuou entre atitudes, pensamentos e obras entre as mais polêmicas celebridades da nossa história moderna. Berman6, por exemplo, associa este conceito a autores como Goethe, Marx, Nietzsche e Dostoievsky: no entanto, foi Baudelaire quem definitivamente introduziu: “La Modernité, c’est le transitoire, le fugitif, le contigent, la moitié de l’art, dont l’autre moitié est l’éternel et l’immuable”.7 Em Frisby, encontramos uma sucinta e esclarecedora maneira de pontuar o que se entende por modernidade: Qualquer leitura das teorias sociais que considere a sociedade moderna que elas delineiam como sendo um estado fixo e definitivo (desenvolvimento e “progresso” apenas existindo até o presente) irá falhar em notar a natureza transitória do “novo”, e muitas vezes até em reconhecer o considerado “novo” como já condenado. Assim, é importante lembrar que esta natureza transitória do novo em relação às noções de modernidade esteve associada a mudanças cruciais na consciência temporal e principalmente como desafio à noção linear de progresso de maneira que o estudo da modernidade tornasse a ser “o reconhecimento de um domínio desconhecido, que traz consigo o risco do imediato, do imprevisto, de confrontações conflitantes” (Habermas). Uma possível implicação foi a de observar a sociedade e as relações sociais em um estado de fluxo, em movimento, em contínua ação.8 A existência do museu não sofreu grandes questionamentos entre o decreto francês de 30 de agosto de 1792 – que declara os museus propriedades da comunidade – e o testamento definitivo de uma consciência moderna com Baudelaire por volta da metade do século passado. Este período de aparente estabilidade do nome do museu como fonte de informação, certamente foi beneficiado pelos ideais românticos apaixonadamente proclamados e adotados durante este período histórico. Os especialistas ligados à instituição “museu” – historiadores, connaisseurs e assim por diante – concordavam, cinicamente, que os museus em geral deveriam ser acessíveis ao grande público, mas, por outro lado, mantinham 6 7 8

BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. C. BAUDELAIRE. O pintor da vida moderna. In: A Modernidade de Baudelaire. São Paulo: Paz e Terra, 1988. Textos selecionados. FRISBY, D. Fragments of modernity: theories of modernity in the work of simmel, Kracauer and Benjamim. Cambridge: Polity Press, 1985, p. 13.

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o entendimento da arte como um produto de uma sensibilidade especial, passível de ser adquirida somente por via de um conhecimento a priori e certo grau de educação. Ainda que se concorde em parte com essa ideia, é importante enfatizar que praticamente nada foi feito para reduzir essa lacuna existente entre dois estados distintos de conhecimento (o da considerada alta cultura e o da genérica ideia de comunidade). Em outras palavras, nenhum esforço educativo específico foi efetivamente aplicado durante este período. “Portas abertas” por si só já era considerado suficiente como propósito educativo. Como resultante direta deste pensamento, os museus preservaram, por um longo período, suas organizações e apresentações originais, mantendo seu privilégio distinto, considerado o mesmo quando estes pertenciam a uma identificável elite. Museus com políticas culturais indefinidas, ausência de programas educativos, exposições em permanente desordem; em resumo, um ambiente estático: nada mais que o depósito da “riqueza do passado”. Estavam ali à disposição, no entanto não de uma maneira simpática ou atrativa: um benefício apenas para poucos. Atualmente, apesar de algumas dramáticas mudanças, os museus ainda apresentam problemas no seu relacionamento com o público. Os seus “sagrados” espaços arquitetônicos (palácios?) estão sendo visitados como nunca o foram anteriormente, porém a ausência de entendimento ou até de compreensão da arte e a consideração do papel educativo do museu continuam praticamente os mesmos. No entanto, para analisar apropriadamente a atual condição do museu de arte se faz necessário primeiramente rever algumas das mais importantes tentativas visando a fortalecer uma imagem e ação em sua moderna existência.

O NOVO MUSEU O nascimento do “novo museu”, na primeira metade deste século nos Estados Unidos, é uma reação das mais significativas contra a “trajetória do museu para a morte”. Os Estados Unidos modernizaram a condição do museu de arte: é aqui que a conservadora ideia do “museu como tempo” vem a ser substancialmente revisada. O projeto “O museu do amanhã”, de Stein, reflete o glorioso momento desta manifestação de vanguarda. Mesmo que este projeto siga ainda a ideia iluminista do museu como enciclopédia9, claramente objetivada pela magnitude de seu design, ele demonstra, com propriedade, o interesse dos estadunidenses em adaptar o 9

Esta ideia, hoje em dia, está definitivamente descartada, como já afirmava M. Brawne em The new museums. London: [EDITORA?] 1965, p.15.

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museu para a sociedade moderna. Searing está absolutamente certa quando afirma que o museu do amanhã ainda se mantém fiel aos padrões da arquitetura clássica10, mas, de qualquer forma, a novidade se apresenta na maneira em que o arquiteto aborda a questão do design do museu baseada numa intenção educativa. Stein faz uso da concepção de que o museu do amanhã deve continuamente incrementar suas facilidades principalmente no que tange ao desenho interno, tendo em vista a satisfação do visitante casual, como ele mesmo comenta: O museu hoje em dia possui um número sem fim de coisas a serem vistas. Quando por fim encontramos a saída, as recordações que nos envolvem são as de infinitas vistas através de marcos de portas; da sequência sem fim de galerias e paredes lotadas de antagônicos objetos estéticos: séries e séries de molduras douradas e quadros, exércitos de brancas estátuas, milhares de vitrines empoeiradas, um quarto de milhão de cerâmicas, e todas as cadeiras que o Mayflower trouxe em centenas de travessias – e nunca nem sequer uma vista para um pedaço de natureza. O museu do amanhã, por sua vez, exibirá ao visitante um limitado e selecionado número de suas posses. Cada objeto estará cuidadosamente localizado visando acentuar a sua beleza individual. O visitante irá ver o quanto e o que ele quiser, e encontrará o que procura sem nenhuma dificuldade.11 O “museu-ideal” de Stein confirma a maturação de uma nova visão, que se concretiza em outro ambicioso projeto americano: o Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova York. O MoMA em Nova York, fundado em 1929, é, sem dúvida, o paradigma da era do “novo museu”, um projeto de vanguarda, não apenas em relação ao seu design moderno (de acordo com Levin, o primeiro projeto arquitetônico de museu de arte a incorporar a ideia do “museu como showroom”), mas também no que se refere à sua organização e conceituação. É o primeiro a injetar significativas modificações e novidades na tradicional concepção museológica, como Searing comenta: Orientado pelo seu influente primeiro diretor, Alfred H. Barr Jr., o Museu de Arte Moderna trouxe formas de arte antes 10 11

SEARING, H. New american art museums. New York: Whitney Museum of American Art, 1982, p. 47-49. STEIN, C. S. The art museum of tomorrow. Architectural Record, v. 67, jan. 1930, p. 5.

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rejeitadas, como fotografia, filmes e desenho industrial contemporâneo, para o interior do “sagrado bosque da musa”. As suas econômicas exposições itinerantes não apenas colocaram os estadunidenses de todas as partes do País em contato com os mais sofisticados exemplos de Arte Contemporânea, como também requereram ao já impaciente “museu recipiente” espaços próprios para exposições temporárias. Mesmo que estas exposições itinerantes fossem relativamente modestas se comparadas às mostras espetaculares de hoje, elas foram importantes na formulação de novas ideias de planejamento. O Museu de Arte Moderna estendeu as atividades sociais e culturais dos museus mais longe do que nunca através de conferências, debates, filmes, programas radiofônicos e uma estonteante sucessão de chiques e memoráveis “vernissages”.12 Sendo assim, o museu já não é mais considerado apenas como mero depósito, mas também como um agente cultural, provocando e representando a produção das artes contemporâneas. O MoMA é um marco na história dos museus: o fim de uma passiva absorção e indiscriminada coleta e início de uma dinâmica pesquisa e ativa participação no mundo cultural e artístico. Ele é, portanto, um paradigma; todos os novos museus de arte moderna nos Estados Unidos, na Europa, na América Latina, no continente africano e nos países do Oriente que emergiram desde sua inauguração vêm seguindo seus princípios. Da mesma maneira, é impossível ignorar este “efeito estadunidense” no desenvolvimento da arte contemporânea. Grande parte da produção de arte do pós-guerra nasceu sob a influência deste museu ou, então, ao redor do mesmo Zeitgeist que o originou. Se a arte ainda pode ser caracterizada, entre outros modos, como uma poderosa expressão de seu tempo13, Expressionismo Abstrato, Pop Art, Hiper-Realismo, Arte Conceitual e Minimal Art são perfeitos testamentos da condição “pós-1945”. A matéria dos drippings de Pollock demonstra não só a vigorosa contraposição entre a interioridade do artista e a exterioridade da pintura (um dos grandes debates da arte moderna), mas também representa uma tentativa de entendimento diante da crescente descaracterização da sociedade contemporânea. As “repetições” e os “duplos” de Warhol absorvem, ironicamente, a falência do ideal da arte como alguma coisa especial à parte do sistema, neste sentido, 12 13

SEARING, H. New american art... op. cit. p. 49. Além de ser um documento de seu tempo, este poderoso imaginário e sua expressão (a arte) pontuam e pensam “o agora” (inclusive ela mesma), como também é capaz de delinear o presente subsequente.

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provando que a arte depende inevitavelmente do mercado (capital), isto é, os “objetos” de Warhol (difíceis de serem encaixados dentro das tradicionais concepções de “pintura” ou “escultura”) asseguram que não há mais espaço para a ingenuidade no mundo contemporâneo. Se, por um lado, a “cadeira” de Kosuth indica a relatividade na conceituação da arte, por outro, ela demonstra que as tentativas de entender a arte, mais do que nunca, necessitam do suporte de um conhecimento específico, o conhecimento da arte (a arte dependente das potencialidades intelectuais e abstratas). Em outras palavras, a arte também está vivendo, como a nossa sociedade, em um constante dilema/luta existencial: a descaracterização das referências versus a sobrevivência e preservação das singularidades. Minimal Art, a “realização total” da previsão de Greenberg para a Arte Moderna: “[...] cada arte deveria tornar-se ‘pura’ e em sua ‘pureza’ encontrar a garantia de seus padrões de qualidade, bem como de sua independência”14 – e o colapso dela. Neste momento, o “projeto moderno” mostra quão finito ele é, um cul-de-sac. Finalmente, o Hiper-Realismo e todos os “ismos” estadunidenses são simplesmente representantes do ambiente em que foram originados: No fundo, os Estados Unidos, com todo seu espaço, seu refinamento tecnológico, sua boa consciência brutal, inclusive nos espaços que eles abrem para a simulação, constituem a única sociedade primitiva atual. E o fascínio está em percorrê-los como a sociedade primitiva do futuro, a da complexidade, da hibridez e da maior promiscuidade, a de uma ritual feroz, mas belo em sua diversidade superficial, e de um fato metassocial total de consequências imprevisíveis, cuja eminência nos empolga, mas sem passado para refleti-la, portanto fundamentalmente primitiva... A primitividade é transmitida a esse caráter hiperbólico e inumano de um universo que nos escapa, e que supera de longe sua própria razão moral, social ou ecológica [...] Os Estados Unidos não são sonho nem tampouco realidade. Eles são uma hiper-realidade. Hiper-realidade porque é uma utopia que desde o início foi vivida como realizada.15 Os Estados Unidos são o primeiro país a alcançar a Modernidade em peso e a responder, além de confirmar, a “era eletroeletrônica” traçada por McLuhan. De acordo com McLuhan16, o desconforto, a tensão, as confu14 15 16

GREENBERG, C. A pintura moderna. In: BATTCOCK, G. A nova arte. São Paulo: Perspectiva, 1975, p. 97. BAUDRILLARD, J. América. Rio de Janeiro: Rocco, 1986, p.12 e 26. MCLUHAN, M. The Gutenberg galaxy, the making of typographic man. London:

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sões e indecisões tão naturais à atual sociedade pertencem a um período de grandes mudanças, problemáticas interações e culturas contrastantes. Este período de tempo em que vivemos, de complexo entendimento – o que certamente depõe a favor do conceito de Modernidade realçado há pouco –, pode ser considerado como uma passagem entre dois modos diversos e singulares de se “experienciar o mundo”. Em outras palavras, a contemporaneidade provavelmente se encontra entre duas eras principais (ou civilizações?): a tipográfica e mecânica e a eletroeletrônica17 ou, talvez, mais próxima da segunda. A primeira baseia-se integralmente na ordem tipográfica: a linha reta, a folha impressa. Pode ser considerada como um sistema fechado, metódico, cartesiano, simétrico: a literatura e o livro; o ponto de fuga renascentista; a música compassada e melódica. Ou, de modo alternativo, a representação em seu mais completo sentido: imagem/espelho de uma “realidade ordenada”. A “era eletroeletrônica”, por sua vez, representada simbolicamente pelo círculo, vem se movendo ou se instalando rapidamente. A sua proporção, o seu sistema, difere enormemente em relação aos precedentes. O círculo, como símbolo, advém da ideia visual que se faz dos raios ou ondas emitidas por fontes tecnológicas modernas diversas como as luminosas, sonoras, radioativas, entre outras. Sendo assim, não mais pertencentes a “sistemas fechados”, antes, interações entre a “mídia”, informação intensa e permanente circulação. Ou, melhor ainda, como pontuado pelo próprio McLuhan: Foi o método de Gutenberg de segmentação homogênea, para o qual séculos de exercício da capacidade de ler e escrever foneticamente prepararam a base psicológica, que evocou os traços do mundo moderno. A copiosa galáxia de eventos e produtos, fruto daquele método de mecanização do trabalho manual, é meramente acidental em relação ao método em si. É o método do ponto de vista fixo ou especialista que insiste na repetição como o critério para a verdade e praticabilidade. Hoje, nossa ciência e método esforçam-se, não em direção a um ponto de vista, mas em descobrir como não ter um ponto de vista; não o método do fechamento e da perspectiva, mas o do “campo” aberto e o da sentença suspensa. Este é, portanto, o único método viável frente às condições elétricas de movimento de informação simultânea e total interdependência humana.18 17 18

Routledge & Kegan Paul, 1962. Ibidem. Ibidem, p.276. McLuhan não está sozinho ao defender esse ponto de vista.

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Retornando aos Estados Unidos, eles são sem dúvida uma “novidade histórica”. Nenhuma outra nação ou império, na história, construiu tão rapidamente sua própria riqueza, poder e círculo de influência. Agora, mesmo tendo apresentado em seu background recentes e vergonhosos equívocos mundialmente conhecidos (Cuba, Vietnã, Watergate, Irã e assim por diante), esta milagrosa terra ainda preserva a sua peculiar e mágica atração, a sua imagem de “reino do futuro”. Apesar de uma certa unanimidade a este respeito, os Estados Unidos também são centro de controvérsias e foco de intensos ataques e críticas. No Irã de hoje, como extremo oposto, eles são considerados o Mal. Os europeus, por sua vez, em uma mistura de inveja e orgulho, os veem como uma ingrata mas bem-sucedida filha, que no entanto precisa ser mantida sob crítica permanente; ou eventualmente, esta imagem sofre mudanças dramáticas de acordo com a crença ideológica de quem a observa. Estes sentimentos que normalmente se debatem entre o ódio e a fascinação só podem ser resultantes de um singular “modo de ser”. Esta existência estadunidense (ou não-existência?) se desenvolveu, certamente, fortemente relacionada à trajetória da Modernidade, portanto, perfeitamente “aberta” (capaz) para absorver e desenvolver uma nova situação, um novo sistema: a nova era traçada por McLuhan. Os Estados Unidos vêm sendo construídos e preservados como uma entidade histórica desde seus primeiros passos como colônia, graças especialmente ao “espírito moderno” presente durante este processo. Neste sentido, os Estados Unidos são uma vanguarda, talvez a mais bem-sucedida: eles se instalaram em uma perspectiva completamente nova (sem um ponto de fuga fixo), como o ponto de partida de uma nova era na história (sua própria história), tendo como premissa “não olhar para trás”, antes, visar o futuro, sempre. Nas palavras de Paz: A grande originalidade histórica da nação norte-americana e, ao mesmo tempo, a raiz de sua contradição, está inscrita no ato mesmo de sua fundação. Os Estados Unidos foram fundados para que seus cidadãos vivessem entre eles e consigo mesmos, livres finalmente do peso da história e dos fins metafísicos que o Estado estabeleceu às sociedades do passado. Foi uma construção contra a História e seus desastres, face ao Encontra-se o mesmo tipo de enfoque em outros pensadores, como o de V. Flusser. A filosofia da caixa preta, 1985, e R. Barilli, L’Arte Contemporanea: Cézane alle ultime Tendenze, 1984.

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futuro, essa terra incógnita com a qual eles se haviam identificado. O culto ao futuro se insere com naturalidade no projeto norte-americano e é, assim dizendo, sua condição e seu resultado. A sociedade norte-americana se fundou por um ato de abolição do passado. Seus cidadãos, ao contrário dos ingleses ou japoneses, alemães ou chineses, mexicanos ou portugueses, não são os filhos, mas o começo de uma tradição. Não continuam um passado: inauguram um tempo novo. O ato (e a ata) de fundação – anulação do passado e começo de algo distinto – se repete sem cessar em toda a sua história: cada um de seus episódios se define não frente ao passado, mas ante o futuro. É um passo adiante. Para onde? Para um nowhere que está em todas as partes, menos aqui e agora. O futuro não tem rosto e é mera possibilidade...19 Praticamente, toda a iniciativa estadunidense se desenvolveu sob esta “forma” original (estado) de ser, onde se encaixa perfeitamente a empresa do “museu moderno estadunidense”. Efetuado e definitivamente estabelecido como algo pioneiro no que tange à renovação da concepção museológica, a ideia do “novo museu” lançada pelos estadunidenses necessita, no entanto, ser revista e discutida criticamente, ou melhor, é próprio neste momento do texto lançar uma tentativa de desconstrução conceitual deste momento histórico do museu de arte.

PARADIGMA: O MUSEU ESTADUNIDENSE A iniciativa estadunidense foi, e ainda é, um modo positivo de enfrentar “a trajetória do museu para morte”, como já se comentou anteriormente, mas a questão de considerá-lo como paradigma para um “novo” museu de arte onde quer que seja deve ser cuidadosamente analisada. Os Estados Unidos são, certamente, algo singular, como certificado por Baudrillard e Paz. Em outras palavras, é uma situação particular no tempo e no espaço (uma coisa em si mesma?). Mesmo que se possa considerá-los como o início de uma nova era, e neste sentido uma espécie de modelo ou protótipo, eles não deveriam ser apontados como a forma definitiva desta era. Seguindo, portanto, esse pensamento, é correto afirmar que o simples ato de transferência de alguns conceitos e ações lançados pelos estadunidenses para um outro lugar (Europa, América Latina, Oriente Médio e assim por diante...), sem ao menos estabelecer 19

PAZ, Octavio. Tiempo nublado. Barcelona: Seix Barral, 1986, p.38.

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uma distância crítica neste processo, pode ser considerado um engano, especialmente quando situações econômicas e sociais e valores históricos e culturais são significativamente diversos. Os Estados Unidos exorcizam a questão de origem: não cultivam a origem ou autenticidade mítica, não têm passado nem verdade fundadora, por não terem conhecido uma acumulação primitiva de tempo, vivem num eterno presente. Por não terem conhecido uma acumulação lenta e secular do princípio de verdade, vivem numa simulação perpétua, na atualidade perpétua dos sinais. Não possuem território ancestral [...] os Estados Unidos não têm problemas de identidade.20 A Europa, por exemplo, nunca alcançará o mesmo grau de modernidade que os EUA, mesmo que continue tentando, incansavelmente. Isto é bem descrito por Baudrillard, quando ele afirma que a Europa, com seu passado histórico, nunca vai ser moderna, no sentido próprio do termo. Assim sendo, o desejo europeu pela igualdade (não explicitamente demonstrado, mas facilmente detectado) ou até mesmo a intenção de restaurar a sua supremacia original (os EUA são sem dúvida e pelo menos o “centro excêntrico” do mundo ocidental) estão praticamente descartados. Esta incompatibilidade encontra-se, certamente, na questão histórica. Octavio Paz está correto ao afirmar que a razão para que os estadunidenses concentrassem seus esforços na construção de uma outra história à parte da História foi uma tentativa de não repetir as mesmas vicissitudes enfrentadas pelos povos europeus. Por sua vez, a Europa não pode simplesmente “desligar” a sua mais poderosa e polêmica herança, História, como os estadunidenses o fizeram. Estes últimos foram felizes principalmente porque encontraram um amplo e “vazio” espaço a ser colonizado, proporcionando-lhes a oportunidade ideal para dirigir as suas energias para a construção de um verdadeiro mundo novo. Neste sentido, nem os índios foram tidos como um empecilho, pois, como Paz comenta, estes sempre foram vistos como parte da natureza. Por ouro lado, a História vem passando por um período de intensos questionamentos provocados principalmente pelos efeitos do “multiativo/eletroeletrônico vírus” da Modernidade. As suas bases vêm sendo completamente revisadas, e a sua noção linear de tempo assume, definitivamente, a sua relatividade; entretanto, é impossível observar a Europa sem ter como referência próxima a História. O Velho Mundo é História, está vivendo sobre ela, criou-a e a “desen20

BAUDRILLARD, J. América. Op. cit., p. 66.

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volveu”, e vai estar sempre sob seu domínio. “Eles fabricam o real a partir de ideias, nós transformamos o real em ideias ou em ideologia. Aqui nos Estados Unidos, só tem sentido o que se produz ou se manifesta; para nós, só tem sentido o que se pensa ou se esconde.”21 É o peso da metafísica que prevalece na existência europeia. Não há saída para tal “realidade”, e esta condição iguala-se com a da pobreza que determina os países que são incorretamente denominados de Terceiro Mundo.22 Sendo assim, é correto afirmar que o que une a Europa aos países como o Brasil ou Chile, ou o Japão e a Coreia, é exatamente o fato de que eles dividem a mesma impossibilidade de alcançar a modernidade original conquistada pelos estadunidenses. É esta diferença com os Estados Unidos que deveria ser vista como uma característica universal ou como um ponto de partida para uma reavaliação da atual situação do museu de arte. Por outro lado, é óbvio que esta referência não é suficiente para uma profunda avaliação desta matéria, mas certamente é útil como um catalizador de ideias, cujo objetivo seja o retrabalhar o museu através de um intercâmbio entre o conceito e a forma. Ao se frisar esta intenção, pretende-se excluir da discussão central deste texto a análise de casos específicos, estejam eles no Brasil, na Grã-Bretanha ou em outro lugar qualquer. Assim, o objetivo central deste texto, que vem tomando forma neste momento, é o de construir um “novo” conceito para o museu de arte, que parta da característica comum da não-similaridade com a condição estadunidense, mas que, no entanto, tenha sempre em mente este absoluto exemplo de modernidade.

O EFEITO MUSEU They (museums) bulked so large in the nineteenh century and are so much of our lives today that we forget they have imposed on the spectator a wholly new attitude towards the work of art [...] Until the nineteenh century a work of art was essentially a representation of something real or imaginary, which conditioned its existence qua work of art. [...] The effect 21 22

Ibidem, p. 73. Novamente, Octavio Paz (p.162-62): “Por mais de dois séculos acumulam-se os equívocos sobre a realidade histórica da América Latina, nem sequer os nomes que pretendem designá-la são exatos: América Latina, América Hispânica, Iberoamérica, Indoamérica? Cada um destes nomes deixa de lado parte da realidade. [...] Mais vaga ainda é a expressa: Terceiro Mundo. A denominação não só é imprecisa como enganosa [...]. Mas apenas afirmamos que somos uma prolongação ultramarina da Europa, saltam à vista as diferenças. São numerosas e, sobretudo, decisivas.

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of the museum was to suppress the model in self in almost every portrait (even that of a dream-figure) and to divest works of art their functions. It did away whith the significance of Palladium, of Saint and Saviour; ruled out associations of sancity, qualities of adormment and possession, of likenes or imagination. Each exhibition is a representation of something differing from the thing itself, this specific difference being its raison d’être. In the past a Gothic statue was a component part of the Catedral; simillarly a classical picture was tied up with the setting of its period, and not expected to consort with works of different mood and outlook. Rather, it was kept apart from them, so as to be the more appreciated by the spectator. True, there where picture collections and cabinets d’antiques in the seventeenth century, but key did not modify that attitude towards art of which Versailles is the symbol. Whereas the modern art-gallery not only isolates the work of art from its context but makes it forgather with rival or even hostile works. It is a confrontation of metamorphoses. Antes de iniciarmos a formulação de um “outro” conceito para o museu de arte, faz-se necessário primeiramente analisar sucintamente o papel exercido por este espaço arquitetônico no desenvolvimento da arte. Citar Malraux23 neste momento nos é bastante útil, pois ele mostra com precisão o efeito causado no entendimento da arte pelo “enclausuramento desta no interior de quatro paredes”. Ele inicia o seu famoso ensaio “Museu Imaginário” (“Museum without walls”) com uma análise do que pode ser denominado como o processo de descontextualização da arte. É justamente esta questão que será debatida cuidadosamente nesta segunda parte, antes de retomarmos o conceito do antimuseu. A arte moderna é “arte de museu”, uma arte produzida especificamente para estar em museus, portanto podemos denominá-la de “arte limitada”, pois se encontra restrita por “quatro paredes e um teto”. A ideia de criação de museus surgiu em mentes e sob o poder de indivíduos como reis, papas, conquistadores, burgueses etc., isto é, colecionadores. Eles desenvolveram e ampliaram a singular obsessão humana (ocidental) de coletar bibelôs, lembranças, formalizando desta forma o que é hoje em dia entendido como uma das principais funções do museu: a de reunir e preservar o que é considerado como valor intrínseco a gostos e crenças de pessoas 23

MALRAUX, A. Museum withouth walls. In: The voices of silence. London: Secker & Warburg, 1954, p.13-14.

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ou grupos que foram ou são “produtores de cultura” (a oficial ou a reinante). Consequentemente, fragmentos culturais que foram considerados valiosos ou expressões supremas dentro do ou para o contexto da época foram retirados de seus sítios originais e transportados para edifícios onde foram armazenados e eventualmente exibidos. Este processo de seleção, deslocamento, agrupamento e armazenamento veio a ser formalizado como o ideal do museu: o espaço próprio para conservar “o que é considerado de valor ou representativo” (tesouro) por certa raça, religião, reino, etc. ou por uma determinada cultura ou história. Este processo de descontextualização, entre outros fatores, motivou o surgimento de objetos que hoje rotulamos como arte. Ao isolar certa peça expressiva de seu ambiente original, ela certamente vai perder suas características naturais e adquirir novas ou outras. Neste sentido, Malraux é de grande ajuda quando nos relembra que uma estátua gótica foi um componente de uma catedral. Imaginando assim a impressionante presença criada por este conjunto arquitetônico – não apenas em relação a seu rico interior, mas também ao efeito produzido nos arredores (na vizinhança, a paisagem, do campo e da cidade) –, podemos nos dar conta das enormes diferenças existentes entre “o estar” de uma escultura em seu lugar natal e sua existência dentro de um ambiente artificial. Coleções são obviamente escolhas parciais, por serem uma espécie de espelho de um gosto, conhecimento, cultura, crença e poder particulares, e especialmente por estarem limitadas por restrições de ordem espacial. Isto é, os objetos anexados a uma coleção são selecionados de acordo com uma determinada intenção qualitativa/quantitativa e conforme as condições espaciais, obedecendo a limitações de armazenagem ou de exibição (padrões, dimensão, etc.). Desta maneira, o que certamente conta na seleção de um colecionador são a dimensão da peça escolhida e sua “adequação” aos “padrões” estabelecidos por ele. Assim sendo, arte no interior de coleções são partes ou fragmentos de arte. Essa ideia segue a proposição de Malraux a respeito do efeito causado pela fotografia na avaliação e no estudo da arte e também aponta um ligeiro erro em seu pensamento. Se ele confirma que “a reprodução criou o que pode ser nomeado como arte ‘fictícia’ ao falsificar sistematicamente a escala dos objetos”, porque não aplicar a mesma lógica ao museum effect? É claro que o museum effect possui uma outra amplitude em relação à da fotografia, mas certamente o primeiro também está “falsificando” a noção do todo ao enfatizar o fragmento: “No domínio

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daquilo que eu denominei como artes fictícias o fragmento é rei.”24 Consequentemente, “os (impostos?) fragmentos” como a pintura e a escultura vêm sendo considerados, sob a égide do museu, como rei e rainha; e o desenho e a gravura, como príncipe e princesa. Seguindo o mesmo pensamento, por que não arriscar en passant que este poderoso efeito pode ser indicado como um dos mais influentes e decisivos na criação e manutenção da histórica disputa/divisão entre arte e arquitetura? Esta divisão vem ocorrendo ou vem sendo necessária desde a “canonização” do museu, porque o que se insere dentro das especificações “das quatro paredes e um teto” é arte, e o que não se encaixa, devido às limitações espaciais principalmente, é automaticamente relacionado ao universo arquitetônico. O museu sempre esteve à mercê desta limitação física, e de fato, ao “embrulhar objetos valiosos”, ele contribuiu e influenciou enormemente o desenvolvimento da arte. Sendo assim, pode-se dizer que a arte desde os museus vem sendo determinada, à parte outros fatores, pelas limitações que o museu, como um espaço arquitetônico e como conceito, vem impondo ao longo de sua existência. Originalmente os objetos foram selecionados e instalados em espaços (residências, palácios, etc.) que, mais tarde, em sua grande maioria, foram transformados ou denominados como museus. Tais locais, com o passar do tempo, abarrotaram-se, necessitando consequentemente de constante reorganização. Esta necessidade, em favor de certa ordem física/espacial, certamente influenciou o surgimento e o desenvolvimento de sistematizações intelectuais. Este desenvolvimento de “pensar o museu” pode ser considerado como progressivo, e segue sem dúvida os caminhos da ordenação alfabética, portanto encaixa-se perfeitamente na ideia de McLuhan a respeito da “era de Gutenberg”: “A invenção do alfabeto, como a invenção da roda, foi a tradução ou a redução de um complexo, interação orgânica de espaços em um único espaço”.25 Seguindo este mesmo enfoque e igualando-se mais uma vez o conceito de Malraux – photography effect – como o museum effect, pode-se confirmar esta ideia de progresso: Também, desde o surgimento da reprodução (por que não do alfabeto?), embora esta não seja a causa da nossa intelectualização da arte, mas o seu instrumento principal, os dispositivos da fotografia moderna (e outros fatores do acaso) (museus) tendem a empurrar esta intelectualização ainda mais longe.26 24 Ibidem, p. 24. 25 MCLUHAN, M. Op. cit., p.45 26 MALRAUX, A. Op. cit., p. 21.

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Foi Duchamp, através da sua inteligente e mordaz ironia, quem descreveu sucintamente e com exatidão esta obsessão ocidental de colecionar e seus resultados. Segundo ele, fomos nós que inventamos o que identificamos como arte, selecionando, rotulando e catalogando expressões/ações; isto é, intenções ou “manias” do homem ocidental que ele considera como “um tipo de masturbação”.27 Desta maneira, é razoável sugerir que as limitações físicas e conceituais impostas pelo museu nutriram o monopólio da “cultura especializada”, que por sua vez foi reforçada pela lógica alfabética, e como McLuhan aponta (em referência ao alphabet effect), estas circunstâncias encorajaram uma absorção militante e a inevitável transformação e até a extinção de outras culturas: Um outro modo de se colocar isto é salientando que qualquer sociedade, ao dominar o alfabeto, pode traduzir qualquer outra cultura adjacente para o modo alfabético. Mas este é um processo unilateral. Nenhuma cultura não alfabética pode dominar outra que seja alfabética, pois o alfabeto não pode ser assimilado, ele pode ser apenas liquidado ou reduzido. No entanto, na idade eletrônica talvez sejamos capazes de descobrir os limites da tecnologia do alfabeto.28

ARTE DE MUSEU O “efeito museu” na descontextualização da arte sofreu uma transformação significativa no século XVIII. Desde o nascimento de sua filosofia própria (Estética, de Baumgartem, 1750), as Belas Artes tornaram-se capazes de estabelecer suas próprias convenções ou seus próprios testamentos. Por outro lado, a arte contemporânea começa a receber uma atenção nunca antes vista, não só através da criação de exposições especiais, como também através do surgimento de uma crítica especializada (iniciada por Diderot e definitivamente estabelecida por Baudelaire). Esta tendência certamente surge sob a influência da(s) filosofia(s) do Iluminismo, que, como Venturi afirma, procuram localizar a razão dos fatos através da análise destes mesmos fatos.29 Tal empresa requereu novos procedimentos e posturas analíticas, o que veio a provocar também um deslocamento de interesses. Sendo assim, uma parte da atenção contemporânea despendida no estudo e análise da arte antiga e de seus artistas foi 27 28 29

ABANNE, P. Marcel Duchamp, o engenheiro do tempo perdido. São Paulo: Perspectiva, 1987, p.169-170. MCLUHAN, M. Op. cit., p.50. VENTURI, L. História da crítica de arte. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

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transferida para a observação da produção contemporânea. Acrescentando-se estas questões ao museum effect, temos como resultante um crescente, novo e revolucionário desejo: arte moderna. Este desejo (tão intensamente incorporado no espírito da Modernidade) apropriou-se em definitivo, direta e indiretamente, do museu como o seu ambiente natural e levou esta apropriação até as últimas consequências. Portanto, ele praticamente pôs fim ao processo de descontextualização da arte, ao assumir que o museu era o lugar próprio e ideal para a arte. Sendo assim, por que não chamá-la de arte de museu? Se este é o caso, A pintura moderna, de Greenberg, é certamente o mais explícito testamento para uma estética moderna, e os ready-mades, de Duchamp, o paradigma e a sabedoria de uma crítica ou postura moderna. Por quê? Porque, e antes de mais nada, trabalhos emergentes das teorias críticas de Greenberg (cf. Morris Louis, Kennet Nolland, e o puro minimalismo) e os próprios ready-mades e trabalhos que seguiram sua tradição recente foram concebidos e produzidos para “existirem” no museu, isto é, ambas as “vertentes” (a da pintura moderna e a de Duchamp) só podem “sobreviver como arte” sob a custódia deste espaço arquitetônico ou de suas extensões.30 Os dois foram, ou continuam sendo, sem dúvida alguma, pura arte de museus, no entanto diferem significativamente. Os ready-made parecem ser a principio somente resultantes de intenções provocadoras – disparates (uma opinião comum em relação à arte moderna). Mas, na verdade, seu mérito, encontra-se por detrás desta sua fachada irreverente: estes objetos “fáceis” e sem sentido são críticos em essência. Mesmo que o ready-made continue condicionado pelo museum effect, ele o transcende por ser extremamente contraditório: ao mesmo tempo, sua presença nos interiores deste espaço tradicional rejeita a linearidade temporal moderna e assim rejeita também a si mesmo, colocando em xeque todo o sistema de pensamento que circunda a questão do museu. Se a proposição de Piaget continua sendo correta, podemos sustentar que esta transgressão, por ser uma verdadeira contradição, vai forçar a criação de novos esquemas e referências, que por sua vez vão dar vida a outros “modos de ver” e valores. Sendo assim, o ready-made representa perfeitamente este mais importante componente moderno, a crítica, como talvez os trabalhos de um Michelangelo ou de um Rafael o fizeram no período da “arte como representação”. É novamente Paz que aponta, com precisão, esta singularidade moderna: 30

As extensões do museu são todos os espaços especialmente projetados e adaptados para exibir obras de arte.

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A arte moderna não é somente a filha da idade crítica como também é crítica de si mesma. O novo não é exatamente o moderno, salvo se for portador de uma dupla carga explosiva: ser negação do passado e ser afirmação de algo distinto [...]. Paixão crítica: amor sem moderação, passional, pela crítica e seus mecanismos de desconstrução, mas também crítica enamorada de seu objeto, crítica apaixonada por aquele mesmo que nega. Enamorada de si mesma e sempre em guerra consigo mesma, não afirma nada permanentemente nem se agarra a nenhum princípio: a negação de todos os princípios, a perpétua mudança é seu princípio.31 Todavia, este “outro” moderno tornou-se um dos instrumentos essenciais na construção da atual conexão entre a “Era Gutenberg” e a “eletroeletrônica”; ou um meio útil para a sobrevivência na contemporaneidade. Por sua vez, A pintura moderna deixa claro que para o bem da arte faz-se necessário enfatizar o que é peculiar a cada arte. Conforme Greenberg, o único meio possível para alcançarmos tal objetivo (a “pureza” de cada arte) é através da autocrítica. No entanto, esta autocrítica greenberguiana não se aprofunda suficientemente para rejeitar a linearidade histórica, na qual ela está fortemente arraigada; ao contrário, ela enfatiza perversamente esta antes inquestionável racionalidade ocidental, ao considerar-se uma de suas máximas. Ao enfocar e sustentar esta questão, esta “corrente” de arte moderna “patrocinada” por Greenberg, ela está reforçando a fragmentação de algo mais amplo (que pode ser nomeado despretensiosamente como arte ambiental). Neste sentido, esta “versão” de arte moderna pode ser considerada como a extrema e mais poderosa expressão do período de arte “desde os museus”. A proposição de Greenberg, de acordo com Wallis, viu o Modernismo: “Como a realização das promessas lançadas pelo iluminismo, onde as determinações racionais organizariam o conjunto de todas as disciplinas e todas as áreas de conhecimento em distintas áreas de competência – e isto envolve a ciência, a filosofia, a história, bem com a arte”.32 Esta visão segue a mesma ideia que o Marxismo vem fazendo de si mesmo, como um resultante “lógico” de uma história linear, progressista e racional, e em cujas premissas também estava embasada boa parte dos movimentos de vanguarda. Do mesmo modo que a Ciência Moderna atualmente já não é mais 31 32

PAZ, Octavio. Los hijos del limo. Barcelona: Seix Barral, 1974. p. 16-20. WALLIS, B. What’s wrong with the picture. In: TUCKER, M. (org.). Art after modernism..., op. cit., p. xii.

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fervorosamente considerada um corpo total e racional capaz de determinar e dominar tudo que envolve a humanidade, a tradicional ideia de uma linear e progressiva história também vem sofrendo significativas reconsiderações. Deste modo, a proposição de uma possível arte “pura” pertence definitivamente a um sonho do passado.

UMA OUTRA MOLDURA Todavia, este processo de descontextualização que o museu impôs – a saber, the museum effect e seus resultantes – não pode ser visto parcialmente como Valéry o fez ao considerá-lo a morte da arte, e tampouco como Proust, opostamente, ao enfatizar o museu como fonte de “alegria embriagadora”.33 A princípio, este ato de colecionar precisa ser considerado como uma significativa expressão (mas não necessariamente positiva) da cultura ocidental, parte inseparável da civilização europeia (um elemento da Era de Gutenberg), de seu “estilo de vida” ou de sua “razão de ser”. Por outro lado, é impossível, nas atuais circunstâncias (já discutidas anteriormente), continuar mantendo o museu e o que ele representa como valores superiores ou como verdades inquestionáveis. Deste modo, ao analisar o ato de colecionar e a questão do museu na atualidade, o que deve prevalecer não é um discurso apaixonado, tampouco um lamento resignado, mas antes uma intenção crítica. Os pontos de vista das vanguardas em relação a esta questão são indiscutivelmente pioneiros, pois é no interior deles que se encontram as primeiras efetivas críticas em face desta herança chamada museu. Esta afirmação é sem dúvida uma contradição, porque, como já foi dito anteriormente, a arte moderna ainda necessita do museu como o seu suporte, mas, opostamente, as vanguardas, de uma maneira geral, questionaram frontal e abertamente o papel que esta instituição vem tendo ao longo da civilização ocidental. Todavia, a contradição é o combustível moderno, é o que vem proporcionando energia à “máquina” da arte moderna desde suas primeiras manifestações. Os futuristas italianos proclamaram morte aos museus, e praticamente todo o movimento de arte moderna concordou com que o museu simbolizava poderosamente o passado falido que tanto combatiam. A principal arma usada por estas vanguardas sempre foi a crítica. Esta pode ser claramente identificada com a criação de um salão independente pelos impressionistas, alcançando seu extremo 33

ADORNO, T. Museo Valéry-Proust. In: Prismas, la crítica de la cultura y la sociedad. Barcelona: Ariel, 1962, p.199-200.

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com o “manifesto futurista” e, finalmente, em seus últimos degraus radicais (“revolucionários”), identificada com as manifestações da “arte conceitual” durante as décadas de 1960 e 70. Estas manifestações estavam combatendo o que pode ser denominado de “instituição da arte”, em outras palavras, o sistema da arte e todo o seu mecanismo. O museu certamente foi e ainda é a “cabeça” desse sistema, o seu ponto mais alto, aquele que possui a palavra final na decisão do que deve ser considerado in e out, e assim, consequentemente, o que “merece posteridade”. Todavia, este tipo de radicalismo moderno vem provando que pensamentos, atitudes e ações revolucionárias resultam normalmente em outros erros, às vezes mais danosos do que os cometidos no passado. De qualquer modo, tem-se como quase certo hoje em dia que a melhor maneira de perturbar o sistema da arte é agindo (interferindo) em seu interior – como fez a Pop Art (certamente influenciada por Duchamp) –, ao invés de agir como um “corpo estranho” (outsider), como a maioria das vanguardas fez. Desta forma, a arte do passado recente e a atual vêm alcançando melhores resultados, metaforicamente falando, ao fazerem uso de “táticas de guerrilha” (arte como instrumento) do que quando elas se consideram algo “à parte” e muitas vezes superior, acreditando consequentemente que são capazes de provocar e enfrentar uma guerra aberta com o sistema (arte como agente). Certamente, o rótulo “pós-moderno” é a confirmação de que o tempo presente requer uma outra consciência, nesse sentido não mais comandada por um fervor moderno para com a ruptura, mas, de preferência, por uma intenção baseada na sugestão de que o que deve ser alcançado não é um “futuro perfeito”, mas antes a preservação de um estado de equilíbrio dinâmico. No entanto, para ser relevante, esta “outra” – muito mais que “nova” – intenção necessita adaptação e avaliação constantes, na qual a “autocrítica” e a crítica possuem um papel fundamental. A significativa diferença entre estas duas consciências é que a última não almeja algo “novo” ou muito diferente do passado ou até mesmo do tempo presente, principalmente por estar ciente da ineficiência de grande parte das revoluções e rupturas modernas. Em outras palavras, o “objetivo” contemporâneo não se baseia mais no sonho precedente (o moderno) de um futuro sólido e ideal, mas muito mais na ideia de sobrevivência. Sobreviver, aqui, está baseado no conceito de Piaget: o modo pelo qual o organismo interage com o ambiente, onde as iniciativas partem geralmente do primeiro. Adorno é provavelmente um dos primeiros a sugerir isto em relação ao museu:

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Não se pode fechar os museus, nem sequer seria desejável fazê-lo. Os gabinetes de história natural do espírito têm transformado propriamente as obras de arte em um cifrado hieroglífico da história, e têm insuflado nelas um novo conteúdo enquanto se consome o antigo. Mas frente a isso não é possível oferecer um conceito de arte puro emprestado do passado e, para o cúmulo, inadequado a ele [...] Assim é certo que os museus exigem insistentemente o que já exige em segredo cada obra de arte: algo de contemplador.34 A citação a seguir, de Barthes, mesmo que não seja relacionada à questão do museu, aproxima-se à de Adorno, reforçando-a: [...] está mais para a natureza de um deslize (glissement) epistemológico do que para uma ruptura (coupure) real. A ruptura é frequentemente enfatizada, e conquista seu espaço no século passado, com o surgimento do Marxismo e do Freudismo: desde então, não houve ruptura significativa, portanto, pode-se dizer que, de certo modo, por cem anos estamos vivendo em repetição. O que a história nos permite atualmente é apenas deslizar, variar, exceder, repudiar. Assim como a ciência einsteiniana exige que a relatividade do sistema de referências seja incluída no objeto estudado, assim também o faz a ação em conjunto do Marxismo, Freudismo e Estruturalismo na literatura, ao reivindicar a relativização das relações entre escritor, leitor e observador (crítico). Acima e contra a tradicional noção de trabalho, que por muito tempo foi e ainda é concebida de uma maneira newtoniana, existe hoje a demanda de um novo objeto, obtido ao se deslizar ou revolver categorias anteriores. Este objeto é o Texto.35

O ANTIMUSEU EM FORMAÇÃO O “espírito” de provar-se a si mesmo através da “negatividade e do antipoder” (Baudrillard) pode ser encontrado especialmente no interior dos movimentos de vanguarda, mas suas raízes, como já foi apresentado anteriormente, localizam-se na segunda metade do século XVIII. Logo, esta prática ou “espírito” do antimuseu é originalmente uma reação moderna; ela vem se formando ao longo da modernidade, principalmente no interior do “sistema da arte”, mas 34 35

Ibidem, p. 85. BARTHES, R. From work to text. In: TUCKER, M. (org.). Art after modernism... Op. cit., p. 169-70.

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também parcialmente como um “corpo estranho” (outsider). Este “espírito” tem sua gênese em um ato de registro – o próprio decreto francês de 1792. Este documento estabelece o irreversível fato de que os museus pertencem à comunidade, isto é, são em princípio patrimônio público. Neste sentido, desde a Revolução Francesa os museus e subsequentemente a “alta cultura” representada por eles não possuem outra alternativa senão a de estarem subordinados à (ou dependentes da) sua condição pública. Desta forma, o fator comum à nossa referência básica é, sem dúvida, a necessária disposição do museu em relação ao público. De qualquer modo, um dos primeiros “sintomas” de antimuseu surge sete anos antes da Revolução Francesa, através da iniciativa de um cidadão estadunidense. Descrito atraentemente por Hudson em sua História social dos museus36, Charles Wilson Peale conduziu, primeiramente em sua residência e mais tarde em uma galeria especialmente projetada para tal fim, uma coleção que desde seus primórdios esteve voltada ao interesse do público em geral. Esta empresa distingue-se muito mais pelo caráter “ingênuo” do que, provavelmente, por uma intenção, fruto de um conhecimento superior ou especializado; deste modo, ela é, sem dúvida, um exemplo isolado em meio às primeiras iniciativas museológicas modernas: um dos primeiros passos em direção ao “moldar-se” o museu de acordo com os desejos populares. Em outras palavras, o Museu de Peale foi um espaço singular de coleção e exposição de objetos diversos, organizado conforme as necessidades e curiosidades do público – uma atitude não usual neste estágio do desenvolvimento museológico. Além de fazer uso dos jornais como um meio para ampliar sua audiência, o Museu de Peale foi também pioneiro em outro tipo de “ação museológica”: a criação de cenários especiais que tentavam recriar o meio ambiente de alguns grupos de animais. Mesmo tendo sido considerada durante muito tempo uma iniciativa de caráter amador (própria de um cabinet de curiosité), tal procedimento museográfico veio afinal ser explorado e utilizado amplamente como um instrumento educativo pelos “grandes museus” neste nosso século. O Palácio de Cristal, de Paxton (1851), é um outro importante elemento na composição do conceito de “antimuseu”. Além de ter abrigado a 1ª Exposição Universal – fato em si de suma importância para a modernização do mundo ocidental, pois relaciona-se diretamente à sua história política e econômica –, esta imensa “estufa” 36

HUDSON, A. A social history of museums: what the visions thought. London: Macmillan Press, 1975, p. 33-36.

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(também uma fronteira da moderna tecnologia de construção civil) simboliza os primeiros passos de uma ação prática visando à socialização do conhecimento (proclamada pela Revolução Francesa). O Palácio de Cristal foi um “evento” que se voltou ao grande público, erguido não sob a égide do mármore, de pomposas estilóbatas ou de pórticos e frontões, mas sim um “espaço aberto” (encorajador), um showroom (Levin), ou melhor, um “espaço transparente” onde as pessoas transitavam em meio aos (ou interagindo com os) produtos/objetos em exposição. O público foi parte integrante deste ambiente arquitetônico e não mero espectador ou apreciador. Este, o primeiro “circo tecnológico” da modernidade, veio a influenciar o surgimento de outros intrigantes projetos arquitetônicos contemporâneos, tais como o “Beaubourg”, em Paris, ou o “Domo de Fuller” sobre Manhattan.37 Esta impressionante novidade estrutural pesou significativamente no surgimento de uma nova percepção e entendimento do espaço arquitetônico. Esta imensa estrutura de ferro e vidro tornou “universal” a ideia de construção em arquitetura não necessariamente como substituição ao tradicional conceito de modelar/esculpir, mas antes como uma opção criativa e funcional diante dos avanços da sociedade moderna.38 Notável foi o efeito causado à noção dos limites do espaço arquitetônico. Mesmo que ainda possa ser descrito como uma “[...] tradução ou redução de um complexo, interação orgânica de espaços em um único espaço”39, o Palácio de Cristal ultrapassa esta condição ao produzir com sua gigantesca presença (ou não-presença?) de ferro e vidro um imprevisível distúrbio no tradicional confinamento do espaço introduzido e mantido pelos “edifícios de pedra”. Neste sentido, o Palácio de Cristal introduziu uma nova noção de espaço, logo, não é difícil entender por que as estações de trem passaram a ser consideradas, a partir da segunda metade do século passado, as catedrais do futuro. No mesmo sentido, esta imensa “estufa” lançou por acaso, ou mais precisamente, não conscientemente, o desejo moderno pela “forma pura”40, o Palácio de Cristal iniciou definitivamente na ar37

O progressivo desenvolvimento dos meios tecnológicos favoreceu iniciativas voltadas ao entretenimento, como a Disneylândia, que se transformou em paradigma para qualquer centro moderno de lazer. Só recentemente os museus ou centros culturais começaram a fazer uso de algumas das ideias e efeitos lançados e desenvolvidos pela empresa de Disney. La Vilete, em Paris, ou o pequeno Jorvik Viking Centre, em Nova York, são exemplos. 38 Os paralelos com o desenvolvimento da escultura pós-Rodin são óbvios. Neste campo, principalmente Picasso e os construtivistas dividem o mesmo “mérito” que o Palácio de Cristal, de Paxton, possui na Arquitetura. 39 MCLUHAN. The Gutenberg galaxy... Op. cit., 1962. 40 Este desejo pela “forma pura” em arquitetura pode ser encontrado na grande

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quitetura a tendência moderna de se enfatizar o que “[...] é único e irredutível em cada arte em particular” (Greenberg). Esta foi um das primeiras arquiteturas “despidas” – que expressa simultaneamente transparência e corporalidade –, um produto da autocrítica da modernidade. Mesmo que não tenha sido uma autocrítica intencional, esta arquitetura brincou com esta característica moderna ao ser um produto de um engenheiro. Em outras palavras, ao ser imaginada por um não-arquiteto, esta construção questiona frontalmente a razão de ser da arquitetura e suas verdades. Não há dúvidas de que esta questão continua recheada de contradições, portanto totalmente moderna. De qualquer maneira, todas estas circunstâncias desestabilizaram profundamente outros conceitos e entendimentos “solidificados”, entre eles o do museu. Uma outra notável referência é a ideia que o arquiteto sir John Soane faz do museu de arte. Esta concepção, além de produzir a primeira galeria de arte pública da Grã-Bretanha, a Dulwich Gallery (1815), também originou um outro projeto, a sua Casa-Museu, em Lincoln’s Inn Field, Londres – uma “arquitetura em processo” (1801-1810). Esta ideia merece um enfoque distinto, pois é, sem dúvida, única, não só em relação à história da arte e dos museus, mas, igualmente, em relação à arquitetura. Soane esteve totalmente envolvido e movido por um desejo obsessivo de criar um ambiente artístico total que deveria ser pedagógico em si mesmo. Este projeto demonstra claramente que não só a preocupação de Soane em refletir o seu papel e identidade como arquiteto, como também sua intenção em oferecer um legado artístico (arte+arquitetura) e educativo para sua família. No desenvolvimento deste projeto em particular, Soane perseguiu obstinadamente a ideia de iniciar uma “raça de artistas” ou uma “família de artistas”, cabendo à Casa-Museu o papel principal: algo como um eterno marco ou suporte ou, melhor ainda, um eterno berço para a realização de tal desejo. Este ideal pode ser considerado como oposto aos caminhos tomados pela arquitetura de museus desde seus primórdios. A linguagem clássica vem predominando ao longo da história. A existência dos museus sempre esteve ligada à arquitetura grega e romana – especialmente desde o Neoclássico –, mantendo assim uma espécie de padronização “universal”. Isto também se aplica aos edifícios institucionais como um todo. A linguagem clássica que o poder da Era de Gutenberg41 cultivou foi a expressão própria ou o espelhamento de uma autoridade lógica e racional dominante em todo

41

maioria dos movimentos de vanguarda do século XX: a Máquina Gigante dos futuristas, ou o Estilo Elementarista Construtivista de Bauhaus, a Arquitetura Plástica do Stijol e finamente o Estilo Internacional com um todo. Seja este poder proveniente do clero, seja da monarquia ou da burguesia.

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o percurso da história ocidental. A arquitetura clássica simboliza totalmente este poder, sua “nobre simplicidade e serena grandiosidade” (Winkelmann) facilitam sua “inquestionável” razão de ser. Os modernistas começaram a desconstruir essa “suprema” expressão arquitetônica, de certa maneira, eles rejeitaram tal tradição ao realçar seus conceitos básicos. A “redução ou síntese de um complexo” desenvolvido por muitos dos famosos arquitetos deste século levou até as últimas consequências as premissas da arquitetura da Era Gutenberg. Neste sentido, eles tentaram superar o Classicismo ao oferecer sua mais pura forma. A “máquina de morar”, de Le Corbusier, pode ser vista sob este ângulo, mas certamente com limitações. Entretanto, é o “menos é mais” de Mies van der Rohe que representa inteiramente este desejo moderno. A sua “Neue Nationgalerie”, em Berlin (1962-67), é provavelmente o ponto mais alto de um “puro” projeto arquitetônico: redução e síntese da linguagem clássica. Isto é pertinentemente observado por Frampton42, quando ele compara o projeto de van der Rohe com o da “Alte Pinacothek” (1823-30), de Schinkel (um paradigma para o design de museus). Se a Arquitetura Neoclássica padronizou o design dos edifícios institucionais, o Estilo Internacional, por sua vez, fez o mesmo ao considerar todo tipo de edifício como uma “caixa funcional”.43 O Estilo Internacional foi uma espécie de síntese da arquitetura como conhecimento histórico, mas ao se transformar rapidamente em um mecanismo, uma generalização de ideias e conceitos, veio provocar mais enganos do que soluções para uma tão almejada arquitetura do futuro. A demolição de muitos edifícios modernos e empreendimentos urbanos demonstra claramente o fracasso deste esperançoso pensamento. No entanto, a arquitetura do pós-guerra não pode ser responsabilizada isoladamente pelos erros modernos e contemporâneos e, igualmente, não pode ser vista como uma iniciativa totalmente negativa.44

42 43 44

FRAMPTON, K. Modern architecture: a critical history. London: Thames & Hudson, 1985, p. 225-237. Este é um dos principais focos da crítica de Charles Jencks em relação à arquitetura moderna. Como na Inglaterra, o príncipe Charles vem futilmente fazendo e explorando ultimamente.

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UM DESLIZE: O ANTIMUSEU O conceito de “antimuseu” que vem sendo desenvolvido neste texto não é uma novidade, tampouco uma surpresa, nem mesmo um ponto de vista radical. Consequentemente, ele não deve ser encarado como uma reação moderna ou algo próximo a um exaltado discurso de vanguarda. Este, entretanto, pode ser considerado original ao ser uma “outra”, entre muitas “outras” interpretações do que vem acontecendo em torno da arte e dos museus (“alta cultura”), no passado recente e no presente momento. Em outras palavras, este “antimuseu” em particular é uma tentativa de ler e nomear um fenômeno: certas atitudes, posturas e empreendimentos presentes ao longo da modernidade, que dividem certas similaridades entre si ou que podem ser agrupadas por via interativa. Esta intenção pode ser considerada, em princípio, um jogo, que soma uma manipulação da relatividade dos conceitos com o prazer que tal exercício pode proporcionar; no entanto, não se trata de um jogo despretensioso, mas, mais exatamente, de uma proposição consciente visando a oferecer uma base para a discussão e entendimento do papel do museu de arte na contemporaneidade.

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CAMPO NEUTRAL Editor-curador Felipe Prando Artistas e curadores colaboradores Vitor Cesar, Santiago Garcia Navarro, Roberto Winter, Traplev, Ricardo Basbaum, Regina Melim, Paulo Reis, Milla Jung, Martin Grossmann, Luiza Proença, Keila Kern, Jorge Menna Barreto, Graziela Kunsch, Felipe Querette Projeto Gráfico Estúdio Permitido: Vitor Cesar. Assistente: Deborah Salles ISBN: 978-85-918436-0-2 Curitiba, 2014 Distribuição gratuita

Projeto desenvolvido com o apoio do Fundo Municipal da Cultura Programa de Apoio e Incentivo à Cultura, Fundação Cultural de Curitiba e da Prefeitura Municipal de Curitiba

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