Feneis Revista 35

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revista da

Jan-Jul de 2008 • nº 35 ISSN 1981-4615

Novos rumos para os surdos Diretoria define estratégias para a gestão até 2012

Espaço Acadêmico Artigo Libras no Judiciário esclarece direitos dos surdos junto à Justiça



PALAVRA DA PRESIDENTE DIRETORIA DIRETORA-PRESIDENTE Karin Lílian Strobel DIRETOR PRIMEIRO VICE-PRESIDENTE Paulo André Martins de Bulhões DIRETOR SEGUNDO VICE-PRESIDENTE José Arnor de Lima Junior DIRETORA-ADMINISTRATIVA Shirley Vilhalva DIRETOR-FINANCEIRO E DE PLANEJAMENTO Josélio Ricardo Nunes Coelho DIRETOR DE POLÍTICAS EDUCACIONAIS Paulo Roberto Amaral Vieira DIRETORIAS REGIONAIS FENEIS-BH Diretor Regional: Kleber Costa Borges Diretor Regional Administrativo: Carlos Eduardo Coelho Sachetto Diretor Regional Financeiro: Antônio Campos de Abreu FENEIS-SP Diretor Regional: Neivaldo Augusto Zovico Diretor Regional Administrativo: Richard Van Den Bylaardt Diretor Regional Financeiro: Daniel Oliveira Gomes FENEIS-RS Diretor Regional: Marcelo Silva Lemos Diretora Regional Administrativa: Vânia Elizabeth Chiella Diretora Regional Financeira: Carilissa Dall’Alba FENEIS-TOT Diretor Regional: Luciano de Souza Gomes Diretora Regional Administrativa: Sueli Ferreira da Silva Diretora Regional Financeira: Rosenilda Oliveira Santos FENEIS-DF Diretor Regional: Messias Ramos Costa Diretora Regional Administrativa: Edeilce Aparecida Santos Buzar Diretor Regional Financeiro: Amarildo João Espíndola FENEIS-PE Diretora Regional: Patrícia Cardoso Diretora Regional Financeira: Regilene Soares Dias FENEIS - CE Diretor Regional: Francisco Sérvulo Gomes Diretora Regional Administrativa: Mariana Farias Lima Diretor Regional Financeiro: Rafael Nogueira Machado FENEIS - AM Diretor Regional: Marlon Jorge Silva de Azevedo Diretora Regional Financeira: Waldeth Pinto Matos FENEIS – PR Diretora Regional: Elizanete Favaro Diretora Regional Administrativa: Iraci Elzinha Bampi Suzin Diretora Regional Financeira: Márcia Eliza de Pol FENEIS - SC Estão exercendo atividades neste Escritório: Karin Strobel, presidente da Feneis; Shirley Vilhalva, diretora-administrativa; e Marianne Stumpf, coordenadora de políticas internacionais. CONSELHO FISCAL Efetivo 1º Membro Efetivo e Presidente: Luiz Dinarte Faria 2º Membro Efetivo e Secretária: Ana Regina e Souza Campello 3º Membro Efetivo: Antonio Carlos Cardoso Suplentes 1º Membro Suplente: Ricardo Morand Góes 2º Membro Suplente: Daniel Antônio Passos 3º Membro Suplente: Benedito Andrade Neto CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO José Onofre de Souza Sueli da Silva Brito Flores Fernando de Miranda Valverde Max Augusto Cardoso Heeren EXPEDIENTE Revista da Feneis ISSN 1981-4615 Conselho Editorial Karin Strobel e Shirley Vilhalva – Diretoras-executivas Diogo Madeira – Coordenador Editorial e Assessor de Imprensa Editora e Jornalista Responsável Nádia Mello (MT 19.333) Editora-assistente Regina Coeli Diagramação Estúdio Matiz Impressão Gráfica Grafitto

Esperança e expectativas epois de um breve período longe de suas atividades, buscando as melhores idéias para agradar vocês, a Revista da Feneis está de volta, apresentando grandes modificações. A revista está de cara nova da mesma forma que a nova diretoria (2008/2012). Acreditamos que os surdos se encontram cheios de esperança e expectativas de novas conquistas. A partir desse momento, a reformulação passa a ser feita nos campos internos e externos dos escritórios regionais da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis). Aproveitamos a ocasião, para registrar nosso orgulho da modelo surda, Vanessa Vidal, que ficou em segundo lugar no concurso de Miss Brasil deste ano (Página 16). Além disso, outras notícias transformaram as expectativas em conquistas reais, como as novas turmas de Letras-Libras em bacharelado e licenciatura, mais uma nova vitória na luta dos Surdos. Sabemos que a nossa meta é agir com vistas à cultura e à formação de Libras nos Estados do Brasil que ainda não encontraram seu caminho para a educação de surdos pela falta de informação. Como nova presidente da Feneis, gostaria de agradecer a vocês por terem acreditado na nossa chapa. Esta edição traz muitas notícias interessantes e foi elaborada com muito carinho. Esperamos que agrade a todos.

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KARIN STROBEL Presidente


MERC ADO DE TRABALHO Compromisso com o surdo Há 13 anos engajada no trabalho social, a Secretária Municipal da Pessoa Portadora de Deficiência, Leda de Azevedo, revela, em entrevista, a importância das parcerias para o êxito de projetos voltados para a pessoa com deficiência. Pág. 10

NOTÍCIA S REGIONAIS Informática avança As perspectivas e avanços da inclusão digital foram temas do Primeiro Fórum de Surdos na área de Informática, realizado no Rio de Janeiro. Pág. 22 1º Encontro Nacional de Jovens Surdos O evento, que reuniu a juventude surda, em São Paulo, discutiu os direitos sociais do povo surdo. Foram quatro dias depalestras e debates sobre políticas públicas,cultura surda, orientação sexual, empreendedorismo, evolução da história da comunidade surda brasileira, entre outros temas. Pág. 23

PERFIL Ousadia e persistência Essas características da pedagoga Shirley Vilhalva marcaram a sua trajetória profissional. Ela, que desde a infância sonhava em se tornar professora, foi além. Hoje, à frente do projeto Índio Surdo, tem como objetivo mapear as línguas de sinais emergentes das comunidades indígenas do Mato Grosso do Sul. Pág. 34


SUMÁRIO

REPORTAGEM CAPA Em ritmo intenso de trabalho, a nova diretoria da Feneis, presidida por Karin Strobel, não poupa esforços para colocar em prática as propostas apresentadas durante a campanha. “É fundamental honrar os que confiaram seu voto a nós”, declara a presidente, cujo objetivo é investir em atividades que proporcionem maior qualidade de vida ao surdo brasileiro. Pág. 24

PALAVRA DA PRESIDENTE CARTAS DO LEITOR COMUNICANDO EDUCAÇÃO DE SURDO PARA SURDO DESTAQUE NOTÍCIAS REGIONAIS ENTREVISTA

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INTERNACIONAL ESPAÇO ACADÊMICO

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A complementaridade dos gestos nas línguas de sinais

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A língua de sinais e a educação de surdos na educação brasileira

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A importância da escola bilíngüe na constituição psíquica da criança Libras no Judiciário: um débito social

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C ARTA S DO LEITOR

Legenda na TV Reiteramos nossa solicitação quanto à instalação do serviço de legenda Closed Caption na programação das emissoras de televisão. Consideramos fundamental o acesso da Comunidade Surda às informações divulgadas nos programas eleitorais, debates, entrevistas, inclusive de políticos, noticiários e outros programas. Geni Aparecida Fávero Coordenadora da comissão-legenda-na-tv@grupos.com.br e Coordenadora Nacional da Confederação Brasileira de Surdos

Revista da Feneis

FENEIS MATRIZ Rua Santa Sofia, 139 – Tijuca 20540-090 – Rio de Janeiro – RJ Tel(21)2567-4800/Fax (21)2284-7462 DIRETORIA diretoriarj@feneis.org.br Secretaria feneisrj@feneis.org.br Setor de Comunicação comunicacaorj@feneis.org.br Celes celesrj@feneis.org.br Departamento Pessoal dpessoalrj@feneis.org.br Contabilidade contabilidaderj@feneis.org.br Recursos Humanos humanosrj@feneis.org.br Intérpretes interpretesrj@feneis.org.br REVISTA DA FENEIS revistadafeneis@feneis.org.br

Gostaria de sugerir uma reportagem para a Revista da Feneis. A Pastoral de Surdos de Niterói conta com o auxílio de advogados para dar apoio aos surdos nas áreas jurídicas. É mais um espaço para que o surdo faça cumprir sua cidadania nas causas em que seus direitos possam ser desrespeitados. Estou à disposição para esclarecimentos. Antônio Batista – RJ

21 anos de Feneis Não esqueçam que a Feneis representa todas as comunidades surdas brasileiras como associações, federações, CBDS, escolas, clínicas, entre outras instituições de apoio à comunidade. Todos estão de parabéns! Abraços. Karin Strobel Presidente da Feneis

Nesses 21 anos de fundação desejo à Feneis sucesso e desenvolvimento, principalmente nas áreas de Educação, Saúde, Acessibilidade, Inclusão Social e nos demais segmentos em que atua. Abraços a todos. José Arnor 2º Vice Presidente da Feneis

Parabéns pelos 21 anos de luta para construir a Feneis. Cumprimentos a Diretoria, funcionários e à Karin Strobel, atual presidente da entidade. Abraços. Antônio Campos de Abreu Ex-presidente da Feneis

FENEIS PELO BRASIL Feneis – Belo Horizonte (MG) Rua Albita, 144 – Cruzeiro 30310-160 – Belo Horizonte – MG Telefax (31) 3225-0088 feneis@feneis.com.br Feneis – Teófilo Otoni (MG) Rua Doutor João Antônio, 115 – Centro 39800-016 – Teófilo Otoni – MG Telefax (33) 3521-0233 feneistot@bol.com.br Feneis – Rio Grande do Sul Rua Dona Laura, 1.020 sala 111 Bairro Mont¹Serrat 90430-090 – Porto Alegre – RS Tel (51) 3321-4244/Fax (51) 3321-4334 feneisrs@terra.com.br Feneis – São Paulo Rua Padre Machado, 293 – Vila Mariana 04127-000 – São Paulo – SP PABX (11) 2574-9148 Telefax (11)5549-3798 feneis.sp@feneis.org.br Feneis – Pernambuco Rua do Hospício, 194, sala 1304 Ed. Olympia – Boa Vista 50050-050 – Recife – PE Telefax (81)3222-4958 feneispesurdos@hotmail.com feneispesurdos@ig.com.br Feneis – Distrito Federal SCS Qd 01 Edifício Márcia Bloco L – Sala 712 70300-500 – Brasília – DF Telefax (61) 3224-1677 feneisdf@hotmail.com Feneis – Amazonas Avenida Jornalista Humberto Calderaro Filho, 903-B – Adrianópolis 69057-021 – Manaus – AM Telefax (92)3642-4148 Feneis – Ceará Av. Bezerra de Menezes, 549 – São Gerardo 60325-000 – Fortaleza – CE Telefax (85) 3283-9126 feneis.ce@veloxmail.com.br Feneis – Paraná Rua Alferes Poli, 1.910 – Rebouças 80220-050 – Curitiba – PR Telefax (41) 3334-6577 Feneis – Santa Catarina Rua José Boiteux, 53 – Centro 88020-560 – Florianópolis – SC Telefax (48) 3225-9246 feneissc@yahoo.com.br


>>> O Programa Vídeo Treinamento, criado em 1994 pela Polícia Militar de São Paulo, tem por objetivo oferecer momentos fundamentais para uma instrução e preleção da tropa nas diversas cidades e regiões do Estado de São Paulo. A idéia é padronizar procedimentos e condutas no empenho das comissões dos policiais militares envolvidos com depoimentos de autoridades e personalidades importantes do cenário retratado. O vídeo que se refere à Comunidade Surda apresenta o depoimento de um surdo contando a dificuldade de comunicação entre ele e o policial que o abordou. Há ainda imagens de uma criança surda pedindo ajuda ao policial para atravessar a rua. No vídeo, o policial, por saber Libras, entende a necessidade dela. O vídeo também apresenta uma entrevista com o Diretor Regional da Feneis de São Paulo, professor Neivaldo Augusto Zovico, que explica as necessidades de uma boa comunicação entre os policiais e os cidadãos surdos.

Central de Atendimento ao Surdo >>> Os deficientes auditivos já podem contar com

COMUNIC ANDO

Cidadão Surdo e Polícia Militar

um canal de comunicação em tempo real com a Varig. A iniciativa visa inserir os cerca de seis milhões de deficientes auditivos brasileiros, entre os quais 1,1 milhão de surdos totais, no universo de clientes da empresa. O serviço 24 horas funciona todos os dias da semana através do telefone 0800-7271076. Para oferecer esse canal de atendimento, aVARIG investiu na compra de tecnologia, software e equipamentos desenvolvidos pela empresa especializada Koller&Sindicic.As ligações podem ser feitas por meio do TS, sistema telefônico especial instalado nas residências de pessoas com deficiência auditiva, ou a partir dos quase 800 telefones públicos especiais localizados em rodoviárias, aeroportos e shoppings do país.Os computadores possuem um aparelho decodificador que lê o que foi digitado pelo cliente e transforma a mensagem em texto na tela. Assim, os atendentes estabelecem uma comunicação em tempo real com seus interlocutores.

Borboleta colorida >>>

Quem quiser conhecer o dia-a-dia de um surdo pode acessar o site oficial de Luciane Rangel (www.lucianerangel.com). No diário, ela conta como é sua vida desde o nascimento até hoje. Aproveita o espaço para fazer uma auto-reflexão e conta que a surdez não a impediu de buscar a realização de seus sonhos. “Já passei por fases muito difíceis, mas conquistei vitórias e tenho muito orgulho de ser surda”, declara. Luciane Rangel espera que o espaço possa ser compartilhado por famílias de surdos, amigos, colegas surdos, profissionais, ouvintes e demais interessados em interagir com surdos. 7


COMUNIC ANDO

Deficiência em debate >>> A Coordenadoria de Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência de Belo Horizonte promoveu, em abril, o encontro Deficiência em Debate, um fórum de discussão permanente com o objetivo de informar e dar visibilidade às questões relativas aos direitos das pessoas com deficiência. O encontro, que reuniu profissionais, famílias, pessoas com deficiência e entidades representativas, discutiu entre outras questões a isenção de impostos, financiamento de veículos e cadeiras de rodas e a política municipal de habitação.

Encontro de índios surdos >>>

Índios surdos de 20 municípios de Mato Grosso do Sul participaram de um evento que reuniu professores e técnicos em lingüística, durante dois dias na cidade de Dourados, a 220 quilômetros de Campo Grande. A “1ª Roda de Conversa: Índio Surdo e sua Língua de Sinais” aconteceu nos dias 13 e 14 de julho. Esteve palestrando na ocasião a presidente da Feneis Karin Strobel, que expôs sobre Cultura Surda e Arte”

Seminário de Surdez >>> Aconteceu no primeiro semestre, no campus Freguesia, da Universidade Estácio de Sá, o Segundo Seminário de Surdez de Jacarepaguá (RJ). O tema Inclusão é Ação considerou a necessidade de favorecer, na modalidade educação inclusiva, uma atuação mais consciente dos profissionais que atuam nesse segmento, principalmente, o educador. Segundo os organizadores, há uma dificuldade de avaliar, preparar e adequar materiais direcionados ao aluno com necessidade educacional especial. O objetivo é garantir maior qualidade no processo de escolarização. O evento foi promovido pelo Núcleo de Apoio Pedagógico Especializado (NAPES).

O uso da Língua Portuguesa >>> A Identidade do surdo usuário da Língua Por-

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tuguesa; O Ensino da Língua Portuguesa como Segunda Língua para o Surdo; A Cultura e Sociedade Surda; e a Legislação da Língua de Sinais que am-

para a Língua Portuguesa para Surdos foram os temas discutidos na Roda de Conversa “Surdos Usuários da Língua Portuguesa”, realizada em maio na Fundação Casan (Fucas), em Florianópolis (SC). Participaram do evento a pedagoga Ana Cristina Coelho Pereira (UDESC); Emiliana Rosa, mestranda em Educação (UFSC); a presidente da Feneis, Karin Strobel; e Shirley Vilhalva, diretora administrativa da instituição.

Educação de HIV/AIDS >>> As Associações e Movimentos Surdos de Pernambuco e do Nordeste participaram do Segundo Fórum de Prática de Projeto com o tema Educação de HIV/AIDS, em março, em Recife. O Fórum foi realizado com o objetivo de apresentar o projeto que tem por meta capacitar um grupo de pessoas surdas para atuar como agentes multiplicadores na educação e prevenção do HIV. Esse grupo atuará dentro da comunidade de pessoas com deficiência e analfabetos da capital e do interior do Estado. O objetivo é diminuir a taxa de infecção da doença. O encontro também contou com a presença de Shinji Sato, representante da Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA), que veio conhecer a Comunidade Surda de Pernambuco.

Fim da barreira no Detran >>> Uma parceria entre a Feneis e o Detran do Paraná está beneficiando os surdos paranaenses que enfrentavam grande dificuldade para conseguir a habilitação. Os surdos que pretendem tirar a carteira de motorista já podem contar com um intérprete na hora da prova. O acordo foi firmado devido à falta de compreensão das expressões utilizadas no exame. O português, ainda que essencial, é de difícil compreensão por grande parte dos surdos, que têm a Libras como primeira língua. “É certo que as dificuldades dos surdos não se sujeitam aos limites territoriais deste Estado. Esperamos que contratos em termos similares sejam firmados com os demais Detrans ou com o governo Federal para efeitos em âmbito Nacional”, defende Iraci Elzinha Bampi Suzin, diretora Administrativa da Feneis/PR.


Ordem dos Advogados do Brasil organizou um importante debate sobre Educação Inclusiva, no primeiro semestre deste ano, na Praça da Sé, em São Paulo. A Mesa de Debate contou com a participação de representantes da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação de Surdos de São Paulo, Secretaria Especial de Pessoas Deficientes, e especialistas nas áreas de Educação e de Saúde. Neivaldo Zovico, diretor da Feneis/SP, defendeu o direito da criança surda ter acesso a Educação Exclusiva. Ele explicou que a criança poderá construir sua própria identidade surda e ter garantido seu pleno desenvolvimento cognitivo desde a infância até o ensino fundamental. “Não somos contra a Educação Inclusiva, mas essa é uma questão lingüística. Um professor de sala regular do Estado não sabe Libras uma vez que freqüentou apenas uma oficina de 30 horas. A Libras é uma língua como qualquer outra e seu ensino tem a duração de três ou quatro anos, mesmo tempo que se leva para aprender a língua inglesa ou outra língua estrangeira”, salientou acrescentando que um professor de escola regular não está preparado para receber um surdo em seu grupo. Destacou que ainda

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foras não podem ser traduzidas ‘ao pé da letra’ ou apenas acompanhando o português”. O professor argumentou que a Libras foi oficializada pelo Governo Federal apenas em 2002 pouco tempo para que sejam finalizadas as pesquisas gramaticais. A pedagoga Maria Teresa Mantoan, da UNICAMP, contestou a tese de Educação Exclusiva e disse Neivaldo Zovico defende o acesso da que a comunidade surda está quecriança surda à educação exclusiva rendo separar-se da sociedade. Ela defendeu que o surdo aceite a Eduque tenha preparo será difícil lidar cação Inclusiva para todos e argucom um surdo e mais 40 alunos em mentou que os professores farão uma mesma sala. Outra questão le- cursos que contribuirão para a mevantada pelo professor foi quanto lhoria da educação da comunidade. Já o presidente da Associação aos prejuízos que sofrerá a criança surda em sua formação se não tiver dos Surdos de São Paulo, Paulo Vieira, contestou a posição de Mauma escola direcionada para ela. Neivaldo Zovico também ques- ria Teresa e justificou sua opinião. tionou o aproveitamento do profes- “É um trabalho teórico de quem sor surdo formado para atuar na não conhece a realidade”, enfatizou educação de surdos. “Na Educação e defendeu a idéia de que os surdos Inclusiva, o professor surdo não po- precisam ter identidade surda. Resderá dar aula, pois ele usa Língua de saltou ainda a importância da culSinais para se comunicar com seus tura e do esporte para o surdo. Paulo Vieira também responalunos surdos e alunos ouvintes. Sendo assim, o que acontecerá com deu às palestrantes ouvintes que os professores surdos formados em acusaram os surdos de não particicursos como Pedagogia, Letras, Ma- parem de debates nem das diversas reuniões realizadas pelos conselhos temática e História?”, indagou. Ele ainda abordou as dificulda- municipais, estaduais, e federal por des na tradução, por exemplo, do falta de intérprete. “O governo não Hino Nacional da cultura ouvinte paga os intérpretes. Assim é difícil para a cultura surda. “Suas metá- participar de reuniões”, rebateu.

EDUC AÇÃO

Debate sobre Educação Inclusiva

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MERC ADO DE TRABALHO

Levando o trabalho do surdo a sério Em entrevista à Revista da Feneis, Leda de Azevedo, secretária municipal da Pessoa Portadora de Deficiência, fala a respeito do programa desenvolvido com os deficientes, das parcerias, e do relacionamento com a Feneis e os surdos.

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Revista da Feneis: A Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência é uma iniciativa recente? Leda de Azevedo: Sim. O projeto de lei da criação da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência foi aprovado em 20 de setembro de 2007 e, no dia 21, quando se comemora o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, tivemos a grata satisfação de ver essa iniciativa publicada no Diário Oficial do Município. RevistadaFeneis:Oqueissomudaem termos práticos? Como fica o tratamentocomapessoacomdeficiência? Leda de Azevedo: Na verdade, essa Secretaria é oriunda de uma Fundação muito antiga, a Funlar-Rio. Depois surgiu a Secretaria Extraordinária Deficiente Cidadão, que funcionou por um período de dois anos e, como o próprio nome diz, foi uma experiência. A Funlar, que atende em sua história todos os tipos de deficiência, foi então incorporada à Secretaria. Com a Feneis a Funlar tem aproximadamente 15 anos de parceria. Em nível de mercado de trabalho, a Funlar de Vila Isabel e de Campo Grande oferece


emprego a surdos, que trabalham com manutenção e limpeza, graças a um convênio com a Feneis. Mais recentemente firmamos um convênio com a Feneis junto à Secretaria de Turismo visando à capacitação em Libras para a Rede Hoteleira e de Restaurantes. Revista da Feneis: Isso significa o compromisso com a divulgação da Libras? Leda de Azevedo: A missão desta Secretaria é a inclusão social da pessoa com deficiência na cidade. Revista da Feneis: Existem parcerias com outras instituições não-governamentais, Conselhos, secretarias? Leda de Azevedo: Trabalhamos de forma integrada com Educação, Esporte e Lazer. As vilas Olímpicas, por exemplo, estão preparadas para receber pessoas com diferentes deficiências. Revista da Feneis: De fato, não há como ser um trabalho isolado... LedadeAzevedo:Faço o trabalho social há 13 anos e não consigo imaginá-lo de forma “carreira solo”, na qual se pode fazer um trabalho muito bonito, muito bom, mas isolado. E como diz a música, “a gente não quer só comida, a gente quer diversão e arte!”. Não dá para pensar e cuidar muito de uma só área, como por exemplo, da saúde. O indivíduo precisa de Educação, Esporte, lazer, cultura, trabalho. Revista da Feneis: A criação da Secretaria parte mesmo de atender a essa

“O objetivo é que a Língua Brasileira de Sinais esteja presente em todos os locais, como a Rede Hoteleira” demanda? Como o município atendia antigamente a essas pessoas? Leda de Azevedo: Através da Funlar, que existe há 25 anos. Revista da Feneis: Mas não existia uma Secretaria? Leda de Azevedo: A Funlar estava ligada à Secretaria da Assistência Social. Antes, o que existia é o que existe até hoje, instituições como Apae, Pestalozzi... Não existia uma política de atenção à pessoa com deficiência, uma política de inclusão da pessoa com deficiência. Para existir uma política você tem que ter uma rede, vários setores integrados atendendo a diferentes deman-

das. Na Semana Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, criamos a Comissão Permanente de Acessibilidade, da qual participam pessoas do Governo (Secretaria de Transporte, Urbanismo, Saúde) e da área não-governamental (Universidade, CVI, o Crea). Essa Comissão, vai lidar com essas questões. Por exemplo, se um turista surdo chega à cidade, como ele se comunicará? Sua opção é não viajar? Não. Sabemos que em países mais desenvolvidos essas pessoas têm um atendimento diferenciado porque possuem uma característica que precisa ser atendida. O objetivo é que a Língua Brasileira de Sinais esteja presente em todos os locais, como por exemplo a Rede Hoteleira. Revista da Feneis: Com o reconhecimento e a regulamentação da Libras isso se torna mais do que uma luta, mas uma exigência real... Leda de Azevedo: A Lei é fundamental. No entanto, mais importante ainda é a cultura porque a gente tem aí uma mudança de cultura. Existem tantas leis no país que, na prática, não funcionam. Então é preciso mudar uma cultura para que essa Lei seja naturalmente incorporada bem como promover algumas mudanças da própria sociedade. Um bom exemplo é esse da área de Turismo. Porque agora a área de Turismo está tão preocupada com essa acessibilidade? Essa foi uma iniciativa da Secretaria porque a gente trabalha a questão do atendimento universal. Cada vez mais recebemos turistas da Terceira Idade, que querem viajar, eles têm uma

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MERC ADO DE TRABALHO

aposentadoria e não têm que cuidar mais de filhos. Então temos que ter uma cidade preparada para essas pessoas. Revista da Feneis: A secretaria já tem uma base de programas para implementar? Leda de Azevedo: A base de programas é a que já temos implementada através da Funlar e que agora passa a ter uma projeção maior. Revista da Feneis: A Funlar atua com todas as deficiências? Leda de Azevedo: Sim. Temos hoje 16 unidades, além de um programa que funciona dentro das comunidades, que se chama Reabilitação Baseado na Comunidade. Estamos em 632 comunidades com grupos de profissionais interdisciplinar (fonoaudióloga, psicóloga, assistente social, terapeuta ocupacional e fisioterapeuta). Essa equipe vai à residência onde há uma pessoa com deficiência e faz o trabalho com essa pessoa e a família. Estamos nas comunidades, nas unidades e na cidade trabalhando a acessibilidade, a mudança de cultura, transporte, e na questão da cidade pronta para receber as pessoas. Revista da Feneis: Houve muita crítica com relação ao Parapan e quanto ao que os Jogos deixaram para o deficiente...

“Estamos nas comunidades, nas unidades e na cidade trabalhando a acessibilidade, a mudança na cultura, no transporte, e na questão da cidade pronta para receber as pessoas”.

Leda de Azevedo: O grande legado do Parapan foi o impacto que ele causou nas pessoas ao assistirem competições nas quais pessoas com tantas limitações eram capazes de superá-las, de ganhar medalhas, de brilhar... Esse foi o maior legado; o de mexer com a consciência, com a cultura, com o olhar das pessoas para esse segmento da população que tem algum tipo de deficiência. Revista da Feneis: Como é o relacionamento do Município com o Estado e o Governo Federal? É um trabalho bem articulado? Leda de Azevedo: Como uma Secretaria Municipal as articulações acontecem movidas pelos próprios gestores. Não adianta constar no papel que a Secretaria Municipal tem que se articular com a Secretaria Estadual. Os gestores é que fazem esta articulação e nós temos hoje uma facilidade muito grande. Por exemplo, temos uma ótima articulação com a Coordenação da Pessoa com Deficiência, órgão do Governo Federal, ligado a Secretaria dos Direitos Humanos. Com o Governo do Estado a articulação tem que crescer mais até porque trabalhamos numa região metropolitana atendendo pessoas de outros municípios. Então tem que ser uma coisa mais compartilhada. Esperamos que os gestores caminhem nesse sentido.


Surdez leva ex-jogador de futebol a investir em projetos para a criança surda eu nome é Júlio César de Souza, sou ex-jogador de futebol. Atuei em clubes como Palmeiras, Corinthians e joguei também na Bélgica, onde permaneci por um ano. Vi meu sonho tornar-se realidade ao jogar no Corinthians ao lado de Sócrates, Casagrande, Zenon, Zé Maria, Biro Biro e Leão. E mais: fui campeão paulista pelo Corinthians em 1982.

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Sou chileno de nascimento – nasci em Viña Del Mar – mas brasileiro de coração. Aos dois anos de idade vim morar em São Paulo com meus pais. Aos seis, ao ver o Brasil conquistar a Copa doMundo de 70, me encantei com o futebol, particularmente com o goleiro Félix. A atuação dele naquele time marcou minha trajetória de vida.

Entre as várias experiências que tive, uma foi inesquecível. Fui convidado para fazer minha despedida dos gramados num jogo entre as seleções de Máster do Brasil e do Chile, em Santiago, partida que também marcaria a despedida do chileno Mário Sotto. Ao chegar ao aeroporto, o goleiro Félix também estava lá. Ele seria o goleiro da nossa seleção. Félix... o mesmo que havia

DE SURDO PARA SURDO

Mais qualidade de vida através do esporte

Júlio César comemora os resultados apresentados pelo projeto Educação Integral do Surdo através do Esporte

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DE SURDO PARA SURDO

dado rumo em minha vida há 20 anos agora não seria meu ídolo, mas meu companheiro de equipe. Outra emoção foi jogar no Estádio Nacional de Santiago, o mesmo em que meus pais viram o Brasil consagrar-se bicampeão mundial. E agora eu estava ali defendendo a mesma seleção que meus pais viram se tornar campeã quando eu nem havia nascido.

Projetos para crianças

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Fora dos gramados trabalhei na área de vendas por 10 anos. Nessa época, comecei a perder a audição – causada por um tratamento rigoroso à base de cálcio, ao qual minha mãe se submeteu, durante a minha gestação. Nasci normal, porém o tratamento causou Otosclerose, que calcifica os ossos do ouvido médio (Estribo, Bigorna e Martelo), interrompendo a passagem do som. Nessa ocasião, juntei-me a outros craques do esporte para realizar um sonho: fundar a Cooperesportes, uma cooperativa com o objetivo de criar escolas de futebol para crianças carentes, a fim de tirá-las da rua. Entre esses atletas estavam, Aurélio Miguel (Judô), Maguila (Boxe), Xandó (Vôlei), Leivinha, Dudu, Ademir da Guia, Joel, Dorval, Mengálvio e Coutinho. O projeto foi tão bem aceito que fomos contratados pela Secretaria de Esportes de São Paulo para implantálo nas escolas. Além disso, levamos para a Cohab de Carapicuíba, onde atendemos mais de 500 crianças. O tempo foi passando, e ao final de um período de 12 anos,

minha surdez tornou-se profunda. Nessa época, me envolvi em um projeto para crianças surdas nas escolas. Aprendi Libras com os alunos e comecei a anotar as dificuldades das crianças surdas como coordenação motora, aproveitamento da visão periférica, resposta visual motriz, entre outras. Percebia que chegavam tristes ao projeto por não terem espaço na sociedade, mas se transformavam quando jogavam futebol de campo. Meu objetivo, porém, era investir no desenvolvimento científico – educar através do esporte, oferecendo qualidade de vida ao surdo com as habilidades que ele desenvolvia em aula. O projeto passou a fazer parte da grade curricular de educação física. Criei exercícios que estimulassem as habilidades que o surdo precisava para se tornar uma pessoa mais capacitada. Os resultados foram ótimos. Após dois anos treinando no projeto, o aluno surdo torna-se mais preparado para a vida, pois desenvolve habilidades necessárias para seu cotidiano.

Livro e palestras retratam experiência Após anos de estudo e comprovação, o projeto, denominado Educação Integral do Surdo através do Esporte, foi publicado e reconhecido pela Secretaria Estadual de Educação como único trabalho de educação do surdo através do esporte que se tem notícia no Brasil. Minha luta é para que cada escola tenha seu professor de edu-

cação física contratado para dar aula todos os dias na semana. Minha experiência e trajetória de vida resultaram em um livro. Intitulada Jogadas da Vida, a obra será publicada pela editora Phorte, com distribuição no Brasil, Europa e África. No livro, falo sobre a comunidade surda e nossas diferenças com a comunidade ouvinte. Por intermédio desse trabalho, quero que o ouvinte conheça mais nossas necessidades e respeite as diferenças. Para isso, também precisamos nos preparar para interagirmos cada vez melhor com o mundo. Temos que nos esforçar para diminuir a distância entre nós e o ouvinte. Porém, precisamos ver respeitada a nossa comunidade e cultura surda. Nas palestras que apresento em empresas, a fim de promover a inclusão social, levo ao conhecimento de milhares de ouvintes informações sobre como agimos, o que queremos e como é nossa cultura. Nessas ocasiões, utilizo e distribuo o dicionário de Libras. Meu objetivo é incentivar os ouvintes a aprenderem a língua, pois ainda que seja o básico será uma maneira de se comunicar com o surdo.

Quer conhecer mais sobre a Cooperesportes acesse: www. craquesdesempre.com.br

Contatos com Júlio César através do e-mail: juliojogadasdavida@ig.com.br


de círculo necessário para expressar outro sinal e demonstra a finalidade didática. A lâmina, realizada em tinta sépia sobre fundo ocre nunca foi exibida publicamente, mas acredita-se que pode ter sido mostrada no outono europeu coincidindo com a publicação do boletim do Museu Del Prado de um trabalho seu (de Gastón) sobre esta lâmina.

Falar “com as mãos” oya era surdo e isto não é novidade. Sua surdez fez com que o Regente Godoy impusesse a criação da primeira aula para surdos na Espanha. O curioso é que tiveram de fazer a lição de um pintor real que incentivou este fato porque o primeiro alfabeto para surdos foi inventado pelo espanhol Juan Pablo Bonet (15731632), em 1628. Os historiadores espanhóisAntonio Gascón e Ramon Ferrerons realizavam estudos sobre Bonet quando se depararam com dados referentes a uma lâmina de Goya, que representava de forma didática o alfabeto manual e que, em sua opinião, permitia reconstruir a evolução da linguagem para surdos na Espanha. “Pensava-se que esta lâmina era um estudo artístico de mãos, mas na realidade tratava-se de um desenho pedagógico para ensinar a comunicar-se com as mãos”, afirma Gascón. O fato é que nesse desenho o artista indica, em alguns sinais com traços grossos, o movimento

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“Se falava da surdez de Goya como se fora a falta de um dedo ou algo parecido,mas é algo muitíssimo mais sério,agravado pela situação da época”, comenta Ferrerons. Ele lembra que, geralmente, a maioria dos surdos era tratado como loucos e não tinha acesso a nenhum tipo de educação nem sequer religião.“Esta lâmina demonstra que Goya conhecia a linguagem das mãos”. O artista adoeceu em 1792, um ano antes de começar “Os caprichos”, famosa série de gravuras. De resultado restou-lhe uma surdez profunda e permanente. Em março de 1794, Goya escreveu uma carta a seu amigo Zapater, que em uma recente reunião com Godoy, havia aprendido a falar “com as mãos” para poder comunicar-se com ele. De fato, a surdez de Goya animou Godoy a interessar-se pelos problemas dos surdos e, em 1802, foi criada, na Espanha, a primeira escola para surdos. Durante estes anos aparecem diversos elementos que dão conta da

gravidade da surdez de Goya que o obrigou a renunciar a direção da pintura da Real Academia de San Fernando. Goya desenhou a lâmina “As configurações de mãos”, em 1812 na residência dos Duques de Alba. Ferrarons e Gascón explicam que este desenho apresenta algumas variações a respeito do alfabeto divulgado quase 200 anos antes por Bonet, como a ausência do século X e a presença de diferenças na configuração manual e ou a orientação na palma como o“c”com o“q”. Porém, em sua opinião, “esta contribuição é fundamental para a história da Língua de Sinais porque põe a verruga primitiva do sinal alfabético, diferente do atual, situado antes do pescoço e na parte superior do tórax de forma que o orador possa captar simultaneamente a expressão do rosto”. Nos séculos precedentes, os sinais alfabéticos se executavam no espaço da altura da cintura. “A lâmina é importante porque permite ver a evolução das letras e realizar um estudo cronológico da sua evolução”, explica Gascón. Temos que levar em conta que se trata de um alfabeto manual que representa letras, a diferença do sinal, que é muito provável, ainda que não seja demonstrado, é que Goya acabara adaptando a língua de sinais por ser mais rápido. (Diário “El País”, Dr. Julio Kanfman)

DE SURDO PARA SURDO

Inspirados por Goya

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Diogo Madeira

Nasce uma Estrela Surda Modelo vira exemplo artístico para a Comunidade Surda

anessa Vidal poderia ser apenas mais uma modelo no meio das centenas que tentam “um lugar ao sol”. Mas não é. Ela é Surda? Perguntam alguns surpresos. Sim, e a conquista do segundo lugar no Concurso Miss Brasil 2008 a fez virar estrela. O País inteiro assistiu à beleza da simpática cearense, que desfilou e chamou a atenção dos espectadores da TV Bandeirantes, que transmitiu Closed Caption para atender ao pedido da estrela Surda. Para Vanessa, os principais requisitos para uma Miss são carisma, beleza e inteligência, atributos que lhe garantiram o segundo lugar no concurso de beleza mais importante do Brasil. Antes, para poder representar seu Estado, venceu o Miss Ceará e entrou para a história dos surdos brasileiros. “Durante a semana

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que antecedeu o concurso, vi algumas concorrentes comentando que seria difícil uma surda representar o Brasil. Mas, com o segundo lugar, me tornei uma referência no meio dos deficientes”, afirmou a moça ao Jornal Extra, do Rio de Janeiro.

Carreira começou aos 14 anos Os primeiros passos da estrela foram dados na associação de Surdos do Ceará, onde foi eleita Rainha. A convivência na ASCE ajudou a definir sua identidade e contribuiu para sua ascensão na profissão que escolheu. Suas fotografias estampam outdoors, campanhas de moda, sites, catálogos, desfiles, matérias de jornais e revistas. As entrevistas na televisão e até em rádios acontecem com a participação do intérprete de Libras.


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Revista da Feneis: O que representou para a família ver Vanessa desfilando no Miss Brasil 2008? Expedito Vidal: A cada etapa vencida um turbilhão de emoções tomava conta de nós. Sentimos uma alegria incontida e um imenso orgulho. Para a mãe, que acompanhou tudo ao vivo, foi uma enorme emoção. Eu e grande parte da família assistimos pela tevê. Os telefones não paravam de tocar. Todos em total sintonia torcendo e se solidarizando. Foi emocionante. Foi indescritível o sentimento de um pai ao ver sua filha fazer história com transmissão em rede nacional e para parte do exterior. Passada a euforia veio aquela gostosa sensação de um profundo e saudável orgulho, independente do resultado. Revista da Feneis: Quando sua filha iniciou a carreira de modelo? Expedito: Seu ingresso na Associação de Surdos do Ceará (ASCE), coincide com o período de estudo no ensino médio. Nessa época, ela já se destacava por sua beleza ao vencer um concurso na escola. Na ASCE, foi eleita “Rainha” e, posteriormente, “Rainha Norte e Nordeste” das associações de surdos.

“É indescritível o sentimento de um pai ao ver uma filha fazer história com transmissão em rede nacional e para parte do exterior” Nesse mesmo período, começou a surgir a modelo. Vanessa se preparou e se profissionalizou de forma meteórica. Revista da Feneis: A surdez gera grandes limitações para Vanessa? Expedito: Que deficiente nunca enfrentou barreiras? Com Vanessa não foi diferente. Mas seu diferencial foi jamais desistir de qualquer transposição. Na verdade, as limitações de um surdo, e de muitos outros deficientes, estão muito mais

no imaginário popular do que na real capacidade pessoal dele enquanto deficiente. Vanessa idealiza a realidade dela ao limite. E sabe muito bem que impossível é apenas o que ninguém ainda fez. Mas quem disse que ela não pode fazer? Revista da Feneis: Já imaginou que sua filha é um grande exemplo para os Surdos? Expedito: Com certeza. Seria leviano e hipócrita afirmar que ela é perfeita e que jamais cometeu erros nessa árdua jornada tão cheia de barreiras. Porém, nada conseguiu ofuscar-lhe o brilho ou ser superior ao seu talento e sua extrema força de vontade. Bons exemplos devem ser seguidos. Vanessa é, sem dúvida, um excelente exemplo de superação e sucesso. Em agosto de 2000 escrevi um poema intitulado Meus queridos filhos. Um dos trechos diz: “Vanessa, entretanto, chama atenção pelo seu encanto. O diferencial é que ela é respeitada pelos mais velhos, admirada pelos de sua faixa etária e um ídolo para os mais novos. Com um detalhe: Ela é surda”. Hoje, digo que Vanessa não está apenas fazendo sucesso, ela está fazendo história. Além da beleza ela tem grandeza. Todos que a conhecem sabem de sua luta pelo pessoal e pelo coletivo. O que está acontecendo é a coroação de uma grande guerreira por uma enorme e justa causa de inclusão social. Isto é apenas o glorioso capítulo de uma extraordinária história. No livro desta vida ainda há muito a ser escrito.

DESTAQUE DESTAQUE

xpedito Vidal é literalmente um“pai coruja”e não faz questão de esconder seu orgulho com a filha famosa. Foi para falar dela e da emoção que sentiu ao vê-la concorrendo em igualdade no mais importante concurso de beleza do País que ele concedeu uma rápida entrevista a Revista da Feneis.

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NOTÍCIAS REGIONAISNOTÍCIAS REGIONAIS Participação ativa e qualidade na formação

ladis T.T. Perlin é surda. Mestre e Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é professora adjunta no Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) desde 2004 e professora no Curso a Distância Letras/LIBRAS/UFSC,

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que visa à formação de professores de Língua de Sinais. Durante 10 anos participou ativamente no Núcleo de Políticas Educacionais para Surdos (NUPES/ UFRGS), na época sob a coordenação de Carlos Skliar. Atualmente, coordena o Grupo de Estudos Surdos GES/UFSC e é autora de textos,

artigos e capítulos sobre identidade, cultura, alteridade e diferença do ser surdo editados em publicações nacionais e internacionais. Coordenou projetos de pesquisa sobre o tema Levar a língua de sinais aos educandos surdos no interior, com financiamento FAPERGS; e Surdos: por uma pedagogia da diferença, com financiamento FUNPESQ. Desde 1993 participa ativamente na Feneis, onde as principais conquistas são a oficialização da Língua de Sinais e o Decreto Federal que regulamenta a Língua de Sinais no Brasil. Orienta dissertações de mestrado e co-orienta teses de doutorado na linha de Pesquisa, Educação e Processos Inclusivos do Programa de pós-graduação do CED, que buscam desenvolver Estudos Surdos.

Curso de Extensão em Libras Faculdade Victor Hugo, em Minas Gerais, iniciou mais uma turma do Curso de Extensão em Libras com alunos de diversas cidades da região. Para a professora Leila Rubinsztajn Direzenchi, diretora pedagógica da instituição, o curso, que é gratuito para o surdo e para um membro de sua família, tem por objetivo ampliar a política de inclusão de alunos com necessidades especiais em

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todos os segmentos da sociedade. Além das aulas práticas, a Faculdade possui todo o material sobre Libras em sua biblioteca. Segundo a professora, diversos alunos da Faculdade Victor Hugo, que hoje estão no segundo ou terceiro módulo do curso, já foram contratados pelo Estado para atuarem como Intérpretes em Escolas da Cidade e Região.


NOTÍCIAS REGIONAISNOTÍCIAS REGIONAIS FENEIS/SP faz sucesso na REATECH 2008 Feneis/SP participou no primeiro semestre deste ano da VII Feira Internacional de Tecnologia em Reabilitação e Inclusão (REATECH). Este ano a entidade pôde comparecer com um stand maior, de 40 metros quadrados, graças ao apoio de empresas como Gênia, Cartão1 e UPnGO Training. No stand, foi criado um espaço para o surdo, no qual ele recebia uma pequena orientação sobre a nova tecnologia de comunicação “celular para surdos”. No mesmo local, a loja da Feneis atendia pessoas que desejavam informações sobre cursos, intérpretes de Libras, kit Libras é Legal e todo material voltado para a Comunidade Surda. O stand recebeu um público expressivo entre educadores, educadores de Libras, psicólogos, fonoaudiólogos, assistentes sociais, empresários, familiares de deficientes e pessoas interessadas em conhecer as novas tecnologias e materiais sobre cada deficiência. Para esse trabalho a Feneis/SP contou com o apoio de alunos do curso de Libras, que aproveitaram a ocasião para ter mais contato com a Comunidade Surda e aprimorar sua comunicação através da Língua de Sinais. Cerca de 35 mil pessoas visitaram a REATECH 2008, consi-

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derada a terceira maior feira do setor no mundo. Algumas presenças ilustres passaram por lá como a Miss Ceará, Vanessa Vidal, segunda classificada no concurso Miss Brasil 2008. Ela premiou os jogadores surdos que disputaram jogos amistosos de Futebol de Salão. O espaço da Feneis recebeu a visita de Shirley Vilhalva, diretora administrativa da Feneis; Paulo Vieira, diretor de Políticas e Educação; Marcelo Lemos, ex-vicepresidente da federação; e da vereadora Mara Gabrilli. A Feira contou com a presença de diversas entidades ligadas à comunidade surda como a Associação dos Surdos de São Paulo, Clube dos Surdos de Jundiaí, Associação Pró Surdo, Grupo Brasil de Surdo Cego, Surdo.ong.br, Steno do Brasil. A programação incluiu palestras gratuitas como a do diretor-regional da Feneis-SP, professor Neivaldo Augusto Zovico, sobre o tema Acessibilidade de Comunicação e Visual para pessoas surdas.“Este ano superamos nossas expectativas referentes à feira”, avaliou o professor Neivaldo Augusto Zovico. A VIII Reatech já está programada para o período de 2 a 5 de abril de 2009.

Miss Surda visita Libras é Legal na REATECH 2008 stand do Projeto Libras é Legal literalmente “bombou” com a visita registrada fotograficamente da Miss Brasil Surda 2008, Vanessa Vidal. Aproximadamente 5 mil pessoas entre educadores de libras, instrutores, profissionais liberais como psicólogos, fonoaudiólogos, assistentes sociais e especialistas de RH; empresários, familiares e surdos visitaram o stand interessados em se aprofundar no conhecimento de Libras e acessar os novos materiais.

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NOTÍCIAS REGIONAISNOTÍCIAS REGIONAIS Seminário mobiliza Comunidade Surda no Paraná om o tema Direitos Humanos, a Secretaria de Estado da Educação do Paraná realizou, no final do ano passado, em Faxinal do Céu, o Quarto Seminário Paranaense de Surdos, que ainda está na lembrança da comunidade surda paranaense. Mais de 600 pessoas participaram do evento, das quais 75% eram profissionais e estudantes surdos paranaenses. As atividades desenvolvidas estavam relacionadas à discussão dos direitos educacionais, lingüísticos

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e culturais que envolvem a situação de bilingüismos das comunidades surdas no mundo todo. O seminário representou um marco para a mobilização da comunidade surda paranaense, uma vez que abriu espaço para a discussão das necessidades e desafios impostos pela educação bilíngüe para surdos, política implantada oficialmente pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná, há dez anos. A parceria entre a SEED/DEE com a Federação Nacional de Edu-

cação e Integração de Surdos (Feneis-PR), desde sua primeira edição em 2003, é uma prática que fortalece a ação conjunta do poder público e da sociedade civil na resolução de problemas sociais que envolvem a inclusão escolar dos alunos surdos. O seminário é o evento mais aguardado pela comunidade surda paranaense. Além dos surdos, mobiliza diferentes segmentos sociais, com destaque para os professores do ensino regular, e especial, intér-

Seminário sobre Direitos Humanos discutiu as necessidades e desafios da educação bilíngüe


NOTÍCIAS REGIONAISNOTÍCIAS REGIONAIS Como em todos os anos, foi possível conferir o potencial e talento dos alunos e profissionais surdos do Estado nas apresentações artísticas e culturais e na Mostra de Arte dos grupos de arte surda, oriundos de escolas para surdos e classes bilíngües do Estado.

A Libras foi a língua oficial do Seminário pretes e familiares, que participam com o objetivo de conhecer, debater e aprofundar conhecimentos acerca da Libras e de manifestações artísticas e culturais visuais dos surdos. Esse espaço de formação e debates legitima a proposição de políticas públicas para a inclusão social e escolar, conferindo destaque às diferenças lingüísticas e culturais dos surdos. A Libras foi a língua oficial do Seminário, havendo tradução apenas nas palestras principais, já que todos os docentes, oficineiros e artistas convidados, de diferentes regiões do país, são profissionais surdos que se destacam em suas áreas de atuação. Paulo André Bulhões, Nelson Pimenta, Fernanda Machado e Rosana, Myrna Salermo Monteiro (RJ); Rimar Ramalho e Alexandre Melendes (SP) e Marcelo Lemos (RS) foram os convidados que, junto com os profissionais do Paraná, deram brilho ao evento

com suas palestras e apresentações culturais. Como em todos os anos, foi possível conferir o potencial e talento dos alunos e profissionais surdos do Estado nas apresentações artísticas e culturais e na Mostra de Arte dos grupos de arte surda, oriundos de escolas para surdos e classes bilíngües do Estado. A possibilidade de imersão na cultura visual dos surdos foi uma experiência que mereceu o destaque dos participantes do evento. O Seminário Paranaense de Surdos integra o programa de capacitação da SEED/DEE. Junto a outros eventos de formação continuada, propostos pela SEED, como cursos de Libras à comunidade escolar, formação de intérpretes e instrutores surdos, reafirma a política de educação bilíngüe para surdos (LibrasLíngua Portuguesa) no Estado do Paraná.

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Ensino de Informática para Surdos registra avanços Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos do Rio de Janeiro (Feneis) e a Faculdade Gama e Souza, entidade que busca a inclusão digital para pessoa Surda, promoveram, em junho, o Primeiro Fórum de Estudos Surdos na área de Informática (FESAI). O objetivo do evento foi promover a reflexão, discussão e sensibilização da comunidade surda no âmbito da informática despertando-a para um maior envolvimento com o setor. O fórum discutiu temas como A importância da Libras como língua de instrução para o Ensino de áreas específicas; Uma experiência na produção de Materiais Digitais Bilíngües (Libras/Língua Portuguesa); Desenvolvimento de Língua de Sinais na área de informática e Informática Educativa para Surdos. Os grupos de trabalho abordaram as novas perspectivas e avanços para atuação de surdos no contexto

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da inclusão digital. Foram analisadas as questões que envolvem a criação e padronização de sinais na área de informática, o apoio e incentivo a pesquisas no setor, além das metodologias específicas no ensino voltado para pessoas surdas. Ao final do evento, ficou definido que os professores deverão aprender os sinais específicos da área. Assim, darão ênfase à exemplificação dos conteúdos ministrados, conceituando os termos da linguagem para que surdos e profissionais não sofram com uma explosão de códigos aleatórios, que dificultam o entendimento e a aprendizagem. O projeto Feneis, realizado em parceria com a Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), também mereceu atenção.A discussão girou em torno da dificuldade de implantação desse trabalho no Brasil, especificamente, no Rio de

Janeiro, e apontou as abordagens observadas nos dicionários elaborados, metodologias e livros editados. A FESAI, iniciativa pioneira da Feneis do Rio Grande do Sul, possibilitou a implantação de novas vertentes para a atuação de surdos na área de informática. O projeto foi idealizado pelas professoras Camila Guedes, que iniciou o trabalho em Porto Alegre; e Andrea Geovanella, que apresentou o projeto à Feneis no Rio de Janeiro. O primeiro Vice-Presidente da instituição, Paulo André, também participou do evento. Ele ressaltou a política de desenvolvimento em todas as áreas de atuação da Feneis e enfatizou o interesse em promover novos fóruns de informática. A organização do fórum considerou o encontro positivo principalmente no que diz respeito à padronização dos sinais que constam no dicionário de Libras para informática.


Jovens surdos discutem direitos sociais Juventude quer expandir a luta pela inclusão do surdo na sociedade

ideranças jovens participaram, em São Paulo, do I Encontro Nacional de Jovens Surdos. O encontro teve por objetivo expandir a rede nacional de ativistas que lutam pela inclusão dos surdos em todos os segmentos da sociedade. O evento foi promovido pela Feneis com o apoio da Coordenadoria Estadual de Programas para a Juventude, órgão ligado à Secretaria de Relações Institucionais, da Secretaria Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência.

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Metas e estratégias Mariana Montoro Jens, da Coordenadoria Estadual de Juventude,

enfatizou a importância do desenvolvimento dos jovens brasileiros. “Ações como essa,articuladas e bem fundamentadas, visando especificamente uma parcela da população com necessidades tão particulares, representam a espinha dorsal de políticas públicas amplas e eficazes”, explicou. Nos quatro dias de encontro os jovens participaram de palestras e debates sobre políticas públicas, cultura surda, orientação sexual, empreendedorismo, evolução da história da comunidade surda brasileira, entre outros temas. O presidente da Feneis em São Paulo, Neivaldo Zovico, falou sobre

a acessibilidade de comunicação. Segundo ele, a escolha dos temas visou à formação dos participantes. Ao final do evento foi elaborado um documento com propostas, metas e estratégias para o movimento juvenil surdo no País. No início de julho, o Senado Federal ratificou a convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os direitos das pessoas com deficiência.A inclusão dos surdos – que no Estado de São Paulo representa um contingente de 480 mil pessoas – será discutida com base nessa convenção da ONU. Extraído do site do Governo do Estado de São Paulo

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Nádia Mello

Ritmo de trabalho e mudanças onrando seus votos, a nova diretoria da Feneis tomou posse em ritmo de muito trabalho. Desde que foi eleita em 22 de março, a chapa que assumiu a Diretoria da Feneis, presidida por Karin Lílian Strobel, não faz outra coisa a não ser se reunir e criar estratégias para colocar em prática todas as propostas apresentadas no decorrer de sua campanha. Segundo a nova presidente da Feneis, trata-se de uma questão de

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honrar os que confiaram a ela o seu voto e também dar início a atividades que podem elevar a qualidade de vida da pessoa surda em nosso país. Tendo vencido com uma diferença de apenas um voto (12 votos contra 11 da chapa concorrente), Karin Strobel e toda diretoria presente à posse demonstraram em breves discursos a disposição e a garra para o trabalho. “Faremos o que estiver ao nosso alcance pelos surdos”, ressaltou a presidente.

A nova diretoria estará à frente da Feneis de 2008 a 2012. A cerimônia de posse na sede da instituição no Rio de Janeiro, foi marcada por muita emoção e homenagens. Estiveram presentes representantes de associações de surdos, de instituições, e de empresas conveniadas, organizações governamentais e não-governamentais, além de amigos e funcionários da instituição. Na ocasião, a Feneis foi contemplada com a possibilidade de uma


verba federal para ser aplicada em projetos envolvendo cursos e capacitação. A notícia foi levada pessoalmente pelo Deputado Federal, Otávio Leite, que também esteve presente na ocasião. Otávio Leite há muitos anos, vem construindo uma história de parceria com a Feneis na luta em prol do surdo. Foi idealizador de projetos de leis e teve outras iniciativas que beneficiaram o surdo. Otávio Leite ressalta que é preciso mais acesso à educação, meios de reabilitação, e perspectivas de que a vida possa fluir tal qual a das outras pessoas. “Por isso que as leis têm que, às vezes, tratar desigualmente desiguais e oferecer oportunidades. A Feneis sempre foi uma vanguarda nas instituições de deficientes, mais organizada”. De acordo com a diretora-administrativa, Shirley Vilhalva, na caminhada houve muitas mudanças para a vida do surdo. “Poucos surdos eram formados. Na própria diretoria poucos tinham formação para estarem auxiliando no desenvolvimento da Feneis”. Hoje, ela acredita, que uma visão mais ampla ajudará na expansão das conquistas para a pessoa surda. Daremos continuidade ao que foi feito até agora, mas com novo enfoque, novos objetivos, maior aproveitamento da questão da profissionalização, maior dimensão da Libras e ampliação de atendimentos. Valéria de Oliveira Silva, que além de professora, lingüista e mãe de surdo, é do Conselho Estadual da Pessoa com Deficiência

À esquerda, antigos e novos diretores se confraternizam durante a festa de posse, na sede da Feneis/RJ. Acima, Paulo Bulhões, Karin Strobel e Shirley Vilhalva recebem o deputado Otávio Leite

(CEPDE), no qual a Feneis tem representação através de Walcenir Souza Lima e da psicóloga Valéria Fantesia, como suplente, destacou que tem uma expectativa grande com relação à nova diretoria. “Fiquei muito feliz de perceber na fala da nova diretoria a preocupação com Educação. Acho que ainda falta muita coisa na Educação de Surdos, mas nos satisfaz saber que temos uma diretoria preocupada com esse assunto”. Márcio Pacheco, da Comissão Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que também esteve presente, disse que a parceria com a Feneis tem sido muito importante porque toda a questão legislativa, tudo que demanda a inclusão da pessoa surda em nível municipal passa

também por orientação da Feneis. “Ela nos ajuda a colocar dentro da grade legislativa projetos que possam se adequar à realidade do município”. Esteve também na cerimônia de posse representando a Fiocruz, um dos convênios mantidos pela Feneis para a inserção do surdo no mercado de trabalho, Jorge da Hora, que declarou esperar com expectativas a atuação da nova direção.

Mensagens de sucesso As mensagens de desejo de sucesso para a diretoria empossada foram entregues através do discurso do presidente em exercício na ocasião, Marcelo Silva Lemos, que atuou no final do período da última gestão substituindo o ex-presidente

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Antônio Mário Sousa Duarte. A princípio, ele fez um breve resumo do último mandato, destacando que a história da direção anterior foi de muita luta e muitos avanços também. Ele enfatizou que houve êxito no trabalho da diretoria anterior, dando como exemplo a aproximação com a WFD e as parcerias e novos convênios feitos durante a gestão. Mas declarou-se também muito feliz com a eleição de Karin como presidente, por já conhecer há bastante tempo o trabalho dela. Depois de parabenizá-la, disse que é preciso muita união e apoio ao trabalho da Feneis para que cada vez mais ele se desenvolva em todo o Brasil. E, em nome da diretoria anterior, acrescentou que os ex-diretores não estarão se afastando,

mas colocando-se à disposição para auxiliar a nova diretoria. A nova presidente da Feneis, Karin Strobel, falou em seguida, agradecendo a presença de todos e demonstrando alegria de estar à frente da Feneis a partir daquele momento. Também contou um pouco de sua vida e sua história de trabalho ao lado dos surdos. Falou que desde muito jovem sentia o desejo de estar junto com os surdos, participando de associações. Lembrou também o período em que ela, bem mais jovem,foi convidada para estar na diretoria da Feneis, ao lado do Antônio Campos, ganhando muita experiência. “Agora é muito bom poder contribuir com a educação dos surdos.Como presidente da Feneis vou desenvolver projetos que

Quem é a nova Diretoria? Karin Strobel Presidente Paulo Bulhões 1º Vice-Presidente José Arnor 2º Vice-Presidente Shirley Vilhalva Diretora-Administrativa Josélio Coelho Diretor-Financeiro e de Planejamento Paulo Vieira Diretor de Políticas Educacionais

Os diretores da Feneis com Jorge da Hora, representante da Fundação Oswaldo Cruz


A equipe de trabalho da Feneis, no Rio de Janeiro, recebe com alegria os novos diretores

possam garantir a formação de um número maior de surdos”. Muito emocionada Karin ainda falou como é importante acompanhar as mudanças, desenvolver e aperfeiçoar os trabalhos com novas propostas e projetos. “É bom abrir a visão, atuarmos para crescermos em diversas áreas, como a de saúde e intérpretes. A troca, o trabalho em conjunto e a união são o que fazem a Feneis” Paulo André, vice-presidente, disse também que é muito bom estar trabalhando ao lado de Karin Strobel. “Nós já trabalhamos no passado junto com surdos em

associações, como voluntários, sempre ajudando para ver os trabalhos crescerem. “E hoje estou muito feliz por estar na direção da Feneis. Sinto que há um trabalho muito grande pela frente, mas juntos nós vamos conseguir”. Shirley Vilhalva, diretora-administrativa, declarou também estar emocionada. Na ocasião, pediu para que fizessem uma reflexão sobre a administração passada da Feneis, e agradeceu a todos que têm trabalhado pela instituição e às diretorias anteriores, que enfrentaram grandes dificuldades. “Eu já tive diversos cargos na Fe-

neis e me surpreendi quando me chamaram pouco antes da eleição para fazer parte da chapa como diretora-administrativa. A proposta foi um presente para mim”, comentou. Segundo ela, as antigas diretorias deram uma base forte para a Feneis e, agora, esta nova diretora, deverá ampliar esta base. Hoje, de acordo com ela, são mais de 5 mil municípios no Brasil que precisam conhecer a Feneis e desenvolver mais a questão da Libras. “É preciso levar essa divulgação para fora, para que mais pessoas tenham acesso às informações e

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Discurso de Shirley Vilhalva no momento de posse dos novos diretores

aos serviços da Feneis. Há muito trabalho pela frente. E os surdos e ouvintes precisam assumir uma postura de união. Prometemos trabalhar muito”, disse agradecendo a confiança de todos. Ao final da cerimônia de posse, Marcelo Lemos voltou a agradecer o trabalho de todos que atuaram na gestão passada, destacando o

Representando a gestão anterior, Marcelo Lemos homenageia a nova presidente

ex-presidente Antônio Mário, intérpretes, voluntários e funcionários, diretor Max Heeren, que se esforçou tanto pela nova sede,e a toda comunidade surda. “E que a partir de agora, com a nova diretoria, possa haver mais novidades, mais progresso e melhorias de políticas que fortaleçam a comunidade surda e o seu desenvolvimento.

Em seguida, Karin Strobel foi homenageada com a sua foto na sede da Feneis. A foto foi colocada na sala da Diretoria, ao lado dos demais presidentes que passaram pela entidade. Segundo Marcelo Lemos, as fotos ajudam a lembrar e reconhecer o trabalho dos que estiveram à frente da Feneis.

Ex-diretores, amigos e voluntários compareceram à posse da nova diretoria

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Um ambiente acolhedor contribuiu para um clima de alegria e harmonia na ocasião

Amigos e voluntários da Feneis com a presidente e o vice-presidente

Intérprete de Libras auxilia surdocega durante discurso de posse

O coquetel de posse da nova diretoria reuniu muitos amigos e profissionais ligados à área de surdez

Amigos, intérpretes, crianças e o assessor de imprensa da nova diretoria, Diogo Madeira, à direita: todos atentos aos discursos de posse

O deputado Otávio Leite, auxiliado por intérprete, conversa com Karin Strobel e Shirley Vilhalva


Nádia Mello

Os surdos em primeiro lugar Com uma experiência de muitos anos na luta em prol dos surdos, a presidente Karin Strobel chega com bastante fôlego e, ao lado da nova Diretoria, traz esperança de mais conquistas para os surdos brasileiros. Nesta entrevista, ela fala de propostas, das preocupações e dos desejos dos que estarão à frente da 30

Feneis até 2012.

arin Strobel é a nova presidente da Feneis. Residente em Florianópolis (SC), ela é surda e formada em Pedagogia. Já foi professora de surdos e fez parte da Secretaria de Educação do Paraná. É doutora pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde também é tutora do Curso Letras-Libras. Não foram poucas as barreiras enfrentadas por Karin. “Em cada pedacinho das várias fases de minha vida chorei, enxuguei as lágrimas e continuei caminhando com mais firmeza”, revelou recentemente a um site. A superação das limitações impostas pela sociedade, que muitas vezes considera a pessoa surda como deficiente, foi ultrapassada, em grande parte, com o apoio e amor da família. Esse amor a impulsionou a buscar o auto-conhecimento, fazendo-a vencer os seus medos e obstáculos, conquistando assim o seu espaço.

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Durante os 12 primeiros anos de vida, Karin estudou numa escola para surdos, que utilizava o método verbotonal (oralista). Conseqüentemente aprendeu a falar, mas não sabia se comunicar adequadamente e nem expressar todas as idéias e emoções que sentia. Preocupada com a revolta e a tristeza da filha, a mãe passou a pesquisar muito e foi nessa busca que ela encontrou uma comunidade surda. Lá, Karin teve seu primeiro contato com a Língua de Sinais. “Isto me abriu muitas portas para o mundo e me permitiu construir a minha identidade, não só como surda, mas como Karin!”, afirma. Uma forte defensora da Língua de Sinais, Karin acredita que a Libras é uma porta para o mundo dos surdos.“A formação de professores de Libras ficou mais valorizada no Brasil, graças à metodologia transmitida pela Feneis, em parceria com o MEC. O projeto Libras em Contexto aboliu a meto-


sora de ensino ao surdo nas escolas. Além disso, fui diretora vicepresidente dos Profissionais da Área, na Feneis, e diretora Regional da Feneis-PR. Também atuei na área desportiva dos surdos. Com isso, fui percebendo as dificuldades de comunicação e social do surdo em diversas esferas da sociedade e, cada vez mais, me envolvendo com a luta dos surdos. Fiz magistério e depois pedagogia. Como profissional tive um olhar diferenciado a respeito de algumas questões relacionadas às necessidades dos surdos. No total, são 25 anos de experiência com o surdo, especialmente na área de Educação.

Para Karin Strobel estar à frente da Feneis é uma grande responsabilidade. Ela defende mais investimentos na área de formação e especialização profissional

dologia tradicional do ensino da Língua de Sinais e hoje estamos ampliando com o Curso de Letras-Libras em muitas universidades brasileiras”, explica. O crescimento desse curso, segundo Karin, é uma vitória para o povo surdo, não só pela difusão da Língua, mas pela valorização da cultura surda. Recentemente empossada, Karin Strobel pretende presidir a Feneis com o objetivo de “abrir muitas portas na educação, saúde, acessibilidades (legendas, intérpretes, professores bilíngües, etc),

associações de surdos, políticas públicas, e muitas outras necessidades para os surdos”. Revista da Feneis: Que experiências anteriores podem lhe ajudar hoje como presidente da Feneis? Karin Strobel: Sempre trabalhei como voluntária ao lado de associações e também de forma profissional com os surdos. Participei de diversos movimentos em prol da pessoa surda e conheci bem a realidade dos surdos através da minha experiência como profes-

Revista da Feneis: E politicamente? Além da Feneis, que outras participações você teve e quais as suas preocupações? Karin: Atuei na área de Educação do Paraná por 10 anos como assessora pedagógica. Viajei pelo interior de todo o Estado, ministrando palestras e cursos. O que eu vi e fiz no Paraná foi o que me levou a tentar fazer pelo Brasil e me fortaleceu para que eu viesse candidata à presidência da Feneis. O meu desejo é expandir para todo o Brasil as conquistas que os surdos obtiveram em diversas áreas no Paraná. Também percebo que muitas pessoas têm dificuldades de entender a realidade e cultura surda. É preciso ajudar os que ainda não entendem que nós temos uma cultura diferente. Trata-se de uma questão intercultural. Surdos devem respeitar a

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cultura dos ouvintes e vice-versa. Essa troca é muito importante. Revista da Feneis: Que propostas você tem defendido para a Feneis neste início de gestão? Karin: Uma delas é na área de formação. É necessário mais cursos e treinamentos. Precisamos crescer na questão da especialização, fazendo com que os surdos façam diversos cursos de aperfeiçoamento. Temos conseguido muito na área da Educação, e ela está bem encaminhada. Tenho preocupações também com outras áreas, como a surdocegueira por exemplo. Gostaria de incentivar mais este segmento, fazendo com que sua luta seja menos isolada. Da mesma forma que fizemos com a Libras, proponho também um curso de instrutores multiplicadores para guias-instrutores e intérpretes envolvidos com a comunidade surdocega. Também quero dar uma atenção às questões que envolvem saúde. Defendemos a Língua de Sinais, mas precisamos respeitar também os que fazem a opção pelo oralismo e pelos implantes. Precisamos de propostas em todas as áreas.

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Revista da Feneis: E na área de mercado de trabalho? Alguma novidade? Karin: Iremos buscar novos convênios. Na verdade, queremos criar várias coordenadorias. A Diretoria é composta por apenas seis pessoas. É impossível dividir o trabalho. A idéia é que contemplemos também outras áreas como, por exemplo, a de família. Cada

coordenador vai ser responsável por uma área de necessidade do surdo. Para isso, contaremos com voluntários. Revista da Feneis: Como você se sente à frente da Feneis e trazendo propostas de mudanças após tantas gestões sob a mesma presidência? Karin: Percebo que as pessoas estão com esperanças de que a nova diretoria possa ajudá-las. Vejo que é muita responsabilidade. A minha vida, antes privada, agora mais do que nunca é pública. Preciso pensar nos surdos em primeiro lugar. Fico muito emocionada quando penso nesta confiança depositada na minha presidência.

formação de novos profissionais, entre eles intérpretes e professores surdos. A Lei e o decreto abriram espaço para a formação desses profissionais. A partir daí surgiu também a exigência de novos cursos, envolvendo diretamente a pessoa surda. Um exemplo é a formação superior em Letras-Libras. Para a elaboração desses projetos houve a participação direta dos surdos. E com a extensão do curso LetrasLibras percebemos a necessidade da Pedagogia Surda, que é diferente de outras porque envolve o jeito do surdo ensinar. Acreditamos que a criança surda aprende melhor com o professor surdo e vamos lutar por isso.

Revista da Feneis: Vocês pretendem buscar novas parcerias? Karin: Estamos tentando junto a organismos públicos e outras instituições. Também me preocupo com as associações de surdos e as instituições filiadas à Feneis de um modo geral. Tenho visitado essas instituições com o objetivo de interagir, verificar o que é importante. Queremos conhecer a realidade de cada grupo para depois fazer. Este ano é um período de conhecimento e troca para depois começarmos a executar novos trabalhos.

Revista da Feneis: Que mensagem você deixa para os surdos brasileiros neste início de mandato? Karin: É um desejo da nova diretoria que os surdos sejam mais independentes. Hoje, ele não tem vergonha. O surdo tem potencialidade e capacidade de estar inserido nessa sociedade. É preciso que haja cada vez mais respeito à língua e cultura do surdo, que é diferente e não deficiente. Sonhamos também com surdos cada vez mais politizados e participativos. Isso é muito importante.

Revista da Feneis: E quanto ao ingresso no Ensino Superior? Esta é uma das bandeiras levantadas pela nova Direção? Karin: Para nós é fundamental. A questão da valorização da Libras, após a regulamentação da Lei 10.432/02, veio ajudar também na

Quem desejar entrar em contato com a nova presidente da Feneis pode fazer isso através do e-mail kstrobel@uol.com.br ou do blog http://karinfeneis.blogspot.com.


INTERNACIONAL

Federação Mundial dos Surdos destaca conquistas em todos os países ENTREVISTA MARKKU JOKINEN por Nádia Mello

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Revista da Feneis: Qual a sua impressão sobre o trabalho do surdo no Brasil? Markku: Estou feliz com as conquistas e desenvolvimento da Feneis bem como das instituições que atuam no segmento. A formação de muitos instrutores de Libras e a criação da Faculdade de LetrasLibras, que está sendo uma nova tendência no País, é uma vitória. Para mim, foi uma grata surpresa constatar o crescimento e o desenvolvimento da Libras no Brasil. Revista da Feneis: Comoéotrabalho da Federação Mundial junto a outros países? Markku: A Federação Mundial de Surdos não tem apoio financeiro.

desenvolve esses trabalhos junto a outros países.

Feneis

m visita ao Rio de Janeiro, por ocasião do último aniversário da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), Markku Jokinen, membro da Federação Mundial dos Surdos deu a seguinte entrevista à Revista da Feneis.

Para Markku Jokinen crescimento da Libras no Brasil é uma grata surpresa

A própria entidade luta para conseguir recursos e desenvolver os trabalhos nesses países. No mundo todo sempre tem membros ordinários que às vezes ajudam a Federação Mundial com verbas. A Federação e a Associação de surdos na Finlândia contam com grande apoio, inclusive de voluntários. Um de nossos escritórios

Revista da Feneis: O Brasil tem buscado trabalhar em parceria com a Federação Mundial. Qual é a experiência junto ao Brasil? Markku: A Federação dos Surdos, filiada à Federação Mundial, tem trabalhado juntamente com o Brasil. A Federação Mundial dos Surdos busca atuar em cada canto do mundo. Na América do Sul, conta com cerca de 10 países trabalhando em parceria com a Federação Mundial e os seus Escritórios. Revista da Feneis: Quais os avanços dos surdos no mundo todo? Markku: Uma das grandes metas da Federação Mundial de Surdos é a inclusão da Língua de Sinais em todos os países. Esse trabalho, realizado incansavelmente junto à Unesco há 17 anos, faz com que os governos desses países respeitem a Língua de Sinais. Outra conquista é a Língua de Sinais na educação de surdos.

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PERFIL

Dedicação e trabalho pela causa do índio surdo hirley Vilhalva é surda, formada em Pedagogia, com Pós-graduação em Metodologia de Ensino. Nascida em Campo Grande (MS), deixou sua cidade natal e foi para Santa Catarina investir em mais uma etapa de sua carreira: o Mestrado em Lingüística na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Lá, desenvolve o projeto Índio Surdo, que tem como objetivo mapear as línguas de sinais emergentes das comunidades indígenas do Mato Grosso do Sul. Em sua trajetória profissional atuou como diretora de Escola Estadual de Surdos (CEADA), foi segunda vice-presidente da FENEIS e Conselheira do CONADE. Atualmente, é Professora Tutora do Pólo UFSC e diretora-administrativa da Feneis.

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Revista da Feneis: Fale-nos um pouco sobre sua infância? Shirley Vilhalva: Minha infância foi cheia de descobertas e desafios. Foi mais uma aventura lingüística do que social. Em casa, convivia com três línguas sem saber quais eram. Apenas via a diferença através da articulação de quem falava.

Tive uma infância disciplinada e fui alvo da dedicação de minha família, o que me motivou na trajetória rumo ao desconhecido. Revista da Feneis: Qual foi a causa de sua surdez? Shirley: Minha surdez é hereditária. Tenho nove familiares surdos.

Em grau de surdez poderia dizer que é neurossensorial, bilateral, severa e profunda. Revista da Feneis: Como foi a descoberta de sua surdez? Shirley: Minha tia Carmen, que é professora, foi quem levantou a suspeita de minha surdez. Quanto

Shirley Vilhalva: Preocupação com a Língua de Sinais nas reservas indígenas


à descoberta não me recordo, pois era muito pequena. Porém, posso dizer que a busca da cura é desgastante. A família sofre buscando nas igrejas, nas curandeiras, nas benzedeiras, nas promessas, nos médicos, nas vizinhanças. Revista da Feneis: Em que tipo de escola estudou? Shirley: De início com professor particular. Por muito tempo numa sistemática de aprendizagem com ênfase mais na língua escrita, sem cobrança da fala. Na escola regular contei com o apoio de minha irmã, Ângela, que atuava como uma espécie de intérprete. Através da leitura labial ela me colocava a par de tudo o que acontecia na sala de aula. Hoje, comparo o que ela fazia com o trabalho do intérprete da Libras. Meu sonho, no entanto, sempre foi estudar em escola de surdo por considerar que ali eu não seria surda já que estaria com meus pares. Revista da Feneis: E como isso se realizou? Shirley: Quando fui aceita como estagiária do magistério. Foi o começar de uma nova vida. Revista da Feneis: Como decidiu se tornar professora? Shirley: Sempre sonhei me tornar professora de surdos, palestrante e também almejava ser escritora e pesquisadora. Considero os professores nobres guerreiros que têm mais influência que um político na vida das pessoas, pois passam pelo menos 200 dias letivos em contato

“O surdo é um novo surdo depois da Lei 10.436/02. Está mais

falta.Adquiri isso quando fui participar na CBDS. Na Feneis, encontrei apoio e incentivo de surdos líderes como Antonio Campos. Como falo a língua portuguesa isso, às vezes, era um entrave na comunicação e aceitação. Mas isso foi em 1986. Hoje, os surdos mais politizados têm aceitado melhor os surdos falantes da língua portuguesa oral.

direto com elas. Tive excelentes professores que hoje são meus colegas de trabalho e tenho a honra de dizer que cada um me motivou. Na caminhada, existem dificuldades, mas estas são menores quando temos um nobre professor construindo o alicerce em nossa vida.

Revista da Feneis: Quais as principais dificuldades que encontrou ao ingressar na universidade? Shirley: Para começar, fiz diversos vestibulares, pois na época não havia intérpretes. Dei muito trabalho para os professores e tivemos que negociar com os colegas que não seria possível muita troca de grupo devido às dificuldades de compreensão que apresentava. Assim, tive um único grupo e por incrível que pareça éramos apoio um para o outro. Eu sempre fui copista e na faculdade era assim também, pois não dava tempo de ler a boca do professor e escrever o que ele ditava. Enquanto a colega ouvia e escrevia eu copiava simultaneamente. Somente depois procurava ler para entender o assunto. Foi nesta época que iniciei o Curso de Libras dentro da faculdade.

Revista da Feneis: Na sua opinião, qual a importância dos professores surdos nas escolas especiais para surdos? Shirley: Considero realmente de suma importância, pois como não tive professor surdo, e era professora de alunos surdos, sentia muita

Revista da Feneis: Por que decidiu fazer o mestrado em Santa Catarina? Shirley: Tentei mestrado na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) e não fui aprovada. Então recorri ao Ministério da Educação questionando meus direitos por ser a única pessoa

pensante e mais atuante depois do Decreto 5.626/05”

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PERFIL

surda da seleção. O MEC respondeu que não havia amparo legal e sugeriu que eu fizesse as provas na UFSC. Segundo o Ministério, é a universidade que está mais habilitada a atender mestrandos e doutorandos surdos. Há esperanças que outras universidades, como já aconteceu com a Universidade Federal da Bahia (UFBA), abram suas portas também. Revista da Feneis: Como surgiu a idéia de publicar o livro Despertar do Silêncio, de sua autoria? Shirley: O material foi publicado com o objetivo de registrar uma fase de minha vida que estava encerrando. Busquei em meu diário o que gostaria que as pessoas soubessem e mostrei que tinha novas metas para seguir. Escrevi o livro quando deixei a direção da escola de surdos, em Campo Grande, e fui trabalhar como Técnica Pedagógica na Secretaria de Educação de Mato Grosso do Sul. Terminei uma trajetória como diretora de escola de surdos e segui para o Projeto Índio Surdo. Desde 1991 busco contato com indígenas visitando aldeias.

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Revista da Feneis: Já que falamos em índios, explique seu projeto de mestrado em Lingüística Aplicada. Já existem resultados de pesquisa que possam ser compartilhados conosco? Shirley: Estou trabalhando com direcionamento para o mapeamento das línguas de sinais emergentes das comunidades/reservas indígenas do Mato Grosso do Sul. Não é um assunto muito fácil. Ainda estou con-

quistando espaço e lideranças a fim de ter mais acesso às escolas e comunidades indígenas. Ainda há vários caminhos a percorrer até conseguir os resultados que gostaria. Revista da Feneis: Como surgiu seu interesse pelos indígenas surdos? Shirley:Em 1987,Antonio Campos, hoje professor de História, fazia palestras em Libras e aparecia a seguinte pergunta nas transparências: Onde estão os Índios Surdos? Na época, eu não levava muito a sério. Porém, em 1991, tive a oportunidade de conhecer os Xavantes, junto com outra militante surda, a escritora Ronise Conceição de Oliveira. E em 2002, o próprio Antonio Campos lançou o desafio ao me pedir que colocasse em prática o Projeto Índio Surdo já que eu trabalhava na Secretaria de Educação do Mato Grosso do Sul. Revista da Feneis: Como foi o trabalho de implantação do projeto? Shirley: Comecei indo para o interior conquistar as secretarias municipais. São elas que têm acesso às comunidades onde estão localizadas as escolas indígenas e têm carro para nos levar até lá, já que às vezes é difícil o acesso a essas localidades. De dia ia para a aldeia e à noite palestrava para professores sobre Educação de Surdos, Libras e Orientações Familiares. Na verdade, eu fazia qualquer negócio para ir para as àldeias. No Acre, tive a ajuda de Helena Sperotto, do CAS, e sua equipe, que buscaram o apoio da Secretaria Estadual de Educação quanto ao táxi aéreo, carro e barco.

Revista da Feneis: Que conselho você daria para quem deseja desenvolver temas na área de Línguas de Sinais e Educação de surdos? Shirley: Que considere a necessidade de quem espera. Os surdos esperam, os ouvintes esperam, os índios esperam, os surdocegos esperam e os demais deficientes esperam. Mas, esperam o quê? Esperam educação de qualidade, bom atendimento na saúde, abrangência no mercado de trabalho e, de modo geral, que haja acessibilidade em todas as áreas. O surdo é um novo surdo depois da Lei 10.436/02. Está mais pensante e mais atuante depois do Decreto 5.626/05. Revista da Feneis: Atualmente, quais são as áreas mais promissoras para a pesquisa? Shirley: O campo promissor hoje é a área da educação de surdos, da tecnologia, educação à distância, a lingüística que vem com futuros profissionais, que serão formados pelo Letras-Libras. Os profissionais surdos e ouvintes poderão dizer: falamos a mesma língua. Isto é, se forem professores de Libras. Mesmo que a prioridade seja para os profissionais surdos, pois se trata de ensino de uma língua e não de quem ouve mais ou ouve menos. A Libras é visual, não importa os ouvidos. Na minha percepção, aponta para muitos ganhos tanto para os surdos como para os ouvintes.

Fonte: blogvendovozes.blogspot.com


Grupo de Estudos Surdo alcança meta Diogo Madeira

correu o fórum “O que os Surdos querem”na Universidade Católica de Pelotas, no dia 19 de abril deste ano. Estiveram quase 70 pessoas assistindo à palestra do mestre André Reichert e participando das oficinas, com quatro temáticas diferentes, como, por exemplo, a prática diferenciada na avaliação para concursos públicos e a melhora da Educação de Surdos. As oficinas e a palestra foram suficientes para atrair o público considerado fechado. O evento aconteceu no período da tarde. A programação organi-

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zada por comissão foi bem proveitosa e produtiva. Segundo a professora Clarisse Siqueira Coelho, coordenadora do Grupo de Estudos Surdos, o problema, que era a necessidade de elaborar um documento com a ajuda da comunidade surda presente, foi solucionado pelos participantes, que se pronunciaram com sugestões junto aos representantes das oficinas. “A palestra de André Reichert foi excelente, apesar de o palestrante ter feito uso de uma linguagem acadêmica que não faz parte da realidade da maioria.

Entretanto foi extremamente válida como experiência”, comentou uma mãe de surdo durante a e ntrevista. A palestra de André Reichert apresentou a realidade explícita sobre o fortalecimento da Política Surda e documentos de Acessibilidade e Direitos Humanos dos Surdos aos participantes. Depois da palestra, houve debate entre as pessoas presentes e o próprio palestrante. O próximo evento, para dar a continuidade nas propostas apresentadas, deverá ser realizado no segundo semestre deste ano.

Participantes discutem o fortalecimento da política para os surdos durante fórum em Pelotas (RS)

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Feneis defende o direito ao ensino superior Plano Nacional de Educação Brasileira já previa em 2001, a inclusão da Libras nos currículos de Ensino Básico nas escolas de Surdos. O decreto que regulamentou a Lei de Libras garante a inclusão da Libras como disciplina obrigatória, nos cursos de formação de professores, fonoaudiólogos e pedagogos. A Universidade Federal de Santa Catarina deu o primeiro passo nessa defesa garantindo o Curso EAD-Letras Libras em 2006. O curso tem como públicoalvo os instrutores surdos de Libras, surdos fluentes em língua de sinais (para o curso de Licenciatura) e ouvintes fluentes em língua de sinais que tenham concluído o ensino médio (para o curso de Bacharelado) em 2008. O curso de Licenciatura e Bacharelado em Letras-Libras tem por objetivo a formação de profissionais (professores e tradutores-intérpretes) na língua de sinais brasileira. O desafio de capacitar Instrutores Surdos para ensinar e difundir a Libras em todo o território nacional se dá tendo em vista que a língua através da qual o surdo se expressa e compreende com facilidade é a língua de sinais. É no-

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tória a extrema carência de professores com formação em Libras e, conseqüentemente, a formação de intérpretes. Seus professores, mesmo os especialistas na área da Educação de Surdos, necessitam estudá-la para utilizá-la em sala de aula. Estamos certos de que os profissionais de Libras compreendem que neste momento trabalhamos com prioridades de área. Apoiamos quando o edital de concurso de vestibular garante a prioridade na licenciatura aos surdos e o bacharelado aos intérpretes. O Decreto 5.626/05 prevê que esta é uma conquista do povo surdo. Consideramos a prioridade aos surdos no curso de licenciatura; enquanto no bacharelado não há prioridade. Está aberto para todos. Entendemos que é urgente capacitar pessoal e produzir material didático que atenda a esta nova demanda de ensino. A Feneis apóia a proposta que está sendo garantida pela UFSC em parceria com: UFSM, UFAM,UFBA, UnB, USP, UFC, CEFET/GO, INES/RJ, UFPE, UEPA, CEFET/RN, UFGD, UFES, CEFET/MG, UNICAMP, UFPR e UFRGS. Karin Strobel Presidente da Feneis


ESPAÇO ACADÊMICO


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A COMPLEMENTARIDADE DOS GESTOS NAS LÍNGUAS DE SINAIS Rosemeri Bernieri de Souza Correa

interesse pelo estudo dos gestos tem início ainda na antigüidade românica quando Quintiliano os estudava como articuladores performáticos adicionais à prática da retórica (Fuselier-Souza, 2004; McNeill, 2000). Segundo Rector e Trinta (1985, p. 28), um dos primeiros estudos sobre a linguagem dos gestos – realizado em 1870 por W. Wundt – conserva o dualismo ou a separação entre gesto (símbolo) e idéia, assim como entre processo sensório e conteúdo psíquico. Em 1941, Efron estudou os gestos espontâneos que ocorriam com discurso, mas, segundo McNeill, (2000 pp. 8-9), os gestos, como objeto de estudo, tiveram investigação vigorosa somente a partir de Kendon em 1972. Desde o remoto início, privilegiou-se o estudo dos gestos na interação humana usados nos discursos das línguas orais. Atualmente, os estudos dos gestos têm ampliado seu escopo a partir das pesquisas das Línguas de Sinais, iniciadas há mais ou menos quarenta anos por Stokoe. Se Eco (1978) está correto quando diz que signo é tudo aquilo quanto possa ser assumido como um substituto significante de outra coisa qualquer, defendemos que os gestos são signos, pois carregam em si valores semânticos capazes de trazer significação, sejam eles dependentes do contexto narrativo, sejam eles componentes lingüísticos. Se um processo de significação só se verifica na existência de um código enquanto sistema de significação que une entidades presentes e entidades ausentes, nossa análise confirmou que o sistema gestual é um código que permite

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a correlação entre significado e significante. Os signos modificam-se e entrecruzam-se para veicular a comunicação.

Estudos Cinésicos Para classificar a modalidade das línguas de sinais, foi utilizado o termo cinésico-visual. O emprego desse termo é justificado pela possibilidade de descrever todos os níveis envolvidos na recepção, canal e produção, na simultaneidade de sua realização. Assim, para abranger o modo de produção dos elementos lingüísticos das LSs ou dos elementos do sistema gestual, pareceu coerente adotar a abordagem dos estudos cinésicos que, segundo Eco (1976), é entendido como o estudo dos gestos e dos movimentos corporais de valor significante convencional. Poyatos (1977) define a cinésica mais detalhadamente como “o estudo sistemático de movimentos corporais baseados psicomuscularmente e/ou as suas posições resultantes, quer aprendidas ou somatogênicas, de percepção visual, visual-acústica e táctil ou cinestésica que, isolados ou combinados com as estruturas lingüístico-paralingüísticas e com o contexto situacional, possuem valor comunicativo, seja consciente ou inconscientemente.” (Rector; Trinta, 1985 p. 56). Os estudos sobre cinésica foram iniciados em 1952, por Birdwhistell. Essa data marcou o começo de uma série de pesquisas sistemáticas dos gestos corporais, como uma ciência que trata dos aspectos comunicativos do comportamento aprendido e estruturado do corpo em movimento.


As contribuições Semióticas para a análise desenvolvida na dissertação de mestrado A abordagem semiótica que inserimos em nossa análise nos permitiu: > delimitar as diferenças dos sistemas; > identificar a plasticidade e as possibilidades de misturas de códigos resultantes das funções sígnicas; > classificar o sistema gestual; > esclarecer o potencial da iconicidade; > verificar que os códigos estão condicionados à significação e à cultura. Com relação às diferenças dos sistemas, concluímos que os gestos podem ser comportamentos comunicativos que dependem do contexto e comportamentos simbólicos que transcendem o contexto (como a língua). Por isso, uma construção icônica pode estar apenas inserida numa semiótica comunicativa quando ela é apenas um recurso comunicativo de um indivíduo apenas, em contrapartida, se um grupo convenciona o seu uso, ela se insere, além disso, a uma semiótica da significação. Por uma função sígnica, um gesto global – que pode ser entendido como um sinal comunicativo – pode se transformar em signo, pois veicula um conteúdo semântico – o significado. Por isso, uma construção classificadora se torna signo quando a relação de um elemento da expressão e um elemento de um plano de conteúdo é convencionado numa comunidade lingüística. Um exemplo disso foi a ocorrência a seguir empregada pelos três sinalizantes:

SEGURAR-cachorro-no colo seqüência 013 seqüência 111 seqüência 058

Embora as marcações faciais sejam diferentes, e haja algumas variações na forma, todos os sujeitos ocuparam o mesmo espaço para representar a ação de segurar o cachorro no colo, usando-se da forma dos braços em semi-arco para representar o objetodiscursivo, cachorro. De certa forma, há aqui uma aceitação social de designar a ação percebida, e isso parece estar condicionado a juízos semióticos do que pode ser aceito para esta situação comunicativa.

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Assim, segundo Eco, os comportamentos se tornam signos graças a uma decisão por parte do destinatário (educado por convenções culturais) ou a uma decisão por parte do emitente de estimular no destinatário a decisão de entender comportamentos como signos. (1976 p. 14).

Tipologia gestual ou tipologia de produção sígnica? Alguns gestos foram classificados segundo os seguintes critérios e nomenclaturas: Representacionais (Gr) (representam os atributos, as ações ou relações aos objetos e personagens). Podem ser de quatro tipos: > icônicos > pantomímicos > emblemáticos > metafóricos As pantomimas são identificadas segundo os seguintes critérios: > o corpo todo do narrador é o corpo do personagem; > são descrições das cadeias de eventos concretos globais, usando recursos abstratos como elementos ausentes na descrição; > utiliza o ponto de vista dos personagens; > dão vida aos objetos e animais. Os gestos icônicos são classificados segundo os seguintes critérios: > a mão representa outro referente ou outra parte do corpo ou outro objeto; > geralmente utiliza o ponto de vista do observador. Emblemas são gestos estabilizados culturalmente em que já foi convencionado um significado específico. É um tipo de empréstimo comunicativo proveniente das línguas orais, mas que, inserido no contexto sinalizado corresponde, muitas vezes, a itens lexicais das LSs. Os gestos metafóricos são gestos que não têm um significado muito claro, são adjungidos aos

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enunciados e necessitam do conhecimento contextual prévio ou das informações simultâneas para serem interpretados. Eles representam ‘imagens’ de conceitos abstratos. No entanto, para Eco (1976: 137) “uma tipologia dos signos deverá ceder lugar a uma tipologia dos modos de produção sígnica, mostrando uma vez mais a vacuidade da noção clássica de ‘signo’, simulação da linguagem cotidiana cujo posto teórico é ocupado pela noção de função sígnica como resultado de diversos tipos de operação produtiva”. A teoria do código gestual, que começamos a construir, propõe um número limitado de categorias que têm uma plasticidade em produzir funções sígnicas, ou seja, o estímulo gestual representa o plano da expressão e o efeito previsto, o plano do conteúdo, obedecendo a uma aparente regra, são combinados entre si e também com os elementos lingüísticos. Por fim, os semas e o código não podem resultar de uma decisão individual, eles resultam de uma convenção, implícita ou explícita, condicionada ao uso de uma comunidade que tem um juízo das possibilidades nas situações comunicativas. A significação, embora de ordem psicológica, é convencional e, como complementa Buyssens (1972, p. 85),“este caráter convencional faz com que qualquer semia seja incompleta, inclusive o discurso (verbal); a qualquer momento completamo-lo recorrendo a outras semias” (grifo nosso). Assim, uma semiótica da cultura

leva em consideração que um “sujeito é a soma de suas interações com os códigos semióticos em funcionamento nas comunidades de que participa” (Motta-Roth; Heberle, 2005 p. 15).

Referências Bibliográficas BUYSSENS, E. (1972) Semiologia e Comunicação Lingüística. Tradução Izidoro Blikstein. São Paulo, Cultrix. CORREA, R. B. S. (2007) A complementaridade entre língua e gesto nas narrativas de sujeitos surdos. Dissertação de mestrado apresentado ao Curso de PósGraduação em Lingüística. Florianópolis, UFSC. ECO, U. (1976) Tratado de Semiótica Geral. Tradução: Antonio de Pádua Danesi e Gilson César Cardoso. São Paulo, Ed. Perspectiva. FUSELLIER-SOUZA, I. (2004) Sémiogenèse des Langues des Signes: Étude de langues des signes primaires (LSP) pratiques par des sourds brésiliens. Université Paris 8. MCNEILL, D. (2000) Language and Gesture. University of Chicago, Cambridge University Press. MOTTA-ROTH, D.; HEBERLE, V. (2005) O conceito de “estrutura potencial do gênero” de Ruqayia Hasan. In: MEURER, J. L. et al (orgs) Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Pararábola Editorial. RECTOR, M.; TRINTA, A. (1985) Comunicação Não-Verbal: a gestualidade brasileira. Petrópolis, Ed. Vozes.

Rosemeri Bernieri de Souza Correa Mestre em Lingüística e Doutoranda em Lingüística (UFSC).

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A LÍNGUA DE SINAIS E A INCLUSÃO DE SURDOS NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA E UM PANORAMA DA EDUCAÇÃO NA SUÉCIA Ana Paula G. S. A. Antunes Maryualê Malvessi Mittmann Rosana de Cássia Ribeiro

o início de um novo milênio, a questão chave imposta é como vivermos uns com os outros reciprocamente e como desenvolvermos juntos habilidades diferentes. Fazer inclusão é perceber que incluir é tratar igual as pessoas diferentes. É importante ter em mente que as línguas gestuais utilizam princípios gerais similares aos das línguas orais. As Línguas de Sinais possuem níveis de estrutura gramatical similares aos das línguas orais, elas apresentam os sistemas fonológico, morfológico e sintático. A utilização dessas duas línguas pelas pessoas ouvintes e surdas gera transformações intrínsecas tanto no parâmetro individual como no coletivo.

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Língua de Sinais: sua estrutura e seu reconhecimento pela sociedade ouvinte no Brasil Analisar as Línguas de Sinais é perpassar por experiências visuais. O importante no ver é estabelecer que as relações visuais criem significados com representação na linguagem gestual que contém os significados. O contato dos pais surdos com os seus bebês usando a direção do olhar e as mãos para marcar as relações entre as partes que formam o discurso é um fato comum nas famílias surdas. Estas Línguas de Sinais possuem níveis de estru-

tura gramatical similares aos das línguas orais, porque apresentam os sistemas: > Fonológicos: elementos básicos e distintivos na formação dos sinais – envolvem a forma e movimentos da mão. > Morfológicos: regras de formação e estruturação interna das palavras. > Sintático: a combinação e a ordem de palavras na formação de frases, envolve a expressão da face e a direção do olhar (QUADROS; KARNOPP, 2004). Não é possível transliterar uma língua falada para uma língua de sinais palavra por palavra ou frase por frase, pois suas estruturas são diferentes (SACKS, 1998). Brito (1995) analisa os parâmetros primários que se combinam para a formação de sinais na Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), parâmetros estes comuns às línguas de sinais de outras comunidades surdas. a) Configuração das Mãos (CM) – forma como estão posicionados os dedos, a maneira como estão as mãos (conforme o sinal). A LIBRAS apresenta 46 configurações de mão, e elas variam muito quanto às posições dos dedos, desde a mão com os dedos todos abertos até os dedos fechados. b) Ponto de Articulação (PA) – posicionamento das mãos no espaço em frente ao corpo ou em um ponto específico do corpo. O sinal em LIBRAS pode ser reali-

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zado na região do espaço diante ao corpo, próximo a cabeça, ao tronco, braços, pernas ou na própria mão. c) Movimento (M) – é realizado pelas mãos ou pelo movimento dos dedos quando o sinal é produzido. Em LIBRAS alguns tipos de movimento seriam abrir e fechar da(s) mão(s), descrever movimentos circulares com a(s) mão(s), iniciar o sinal com a(s) mão(s) em um ponto e terminar em outro. A inclusão social se tornará uma realidade nacional a partir do momento que a sociedade ouvinte compreender a comunidade surda como sendo aquela detentora de uma forma de comunicação com sistemas lingüísticos elaborados com características próprias e estrutura gramatical; uma língua cujo reconhecimento e utilização deveria ser equivalente à utilizada pelos ouvintes. Fazer com que minorias sejam incluídas na vida de toda a sociedade nos planos social, político e cultural perpassa obrigatoriamente pelo processo educacional.

A educação dos surdos na Suécia

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A educação na Suécia é norteada pelo Ato Educacional (Education Act), o qual estabelece que todas as crianças devem possuir igual acesso à educação, e que todas as crianças devem usufruir desse direito, independentemente do gênero, local onde mora ou fatores sociais e econômicos. Apoio especial deve ser fornecido aos estudantes que têm dificuldades nas atividades escolares (NATIONAL AGENCY FOR EDUCATION, 2006a). Segundo dados da Gallaudet Encyclopedia, em 1986 a Suécia possuía uma população de cerca de 8 mil pessoas surdas, as quais utilizam a Língua Sueca de Sinais como língua materna, e sueco escrito como segunda língua, e mais 200 mil pessoas com algum tipo de déficit auditivo (GALLAUDET UNIVERSITY LIBRARY, 2006). Muitos daqueles que têm perdas apenas leves ou moderadas da audição também são usuários da língua sueca de sinais. A surdez é diagnosticada, na maior parte dos casos, através dos check-ups regulares feitos nas crianças. Entretanto, a técnica de screening precoce deve se tornar o método padrão de diagnóstico num futuro próximo (ANGERBY, 2005).

De acordo com a decisão parlamentar de 1988, relacionada a um novo programa de treinamento de professores, todos os professores de escolas regulares devem receber o equivalente à metade de seu tempo de formação em educação especial. Os professores que, após o seu tempo de formação acadêmica mínimo, se especializam em surdez, podem oferecer aos professores regulares apoio e orientação no ensino de estudantes com dificuldade auditiva, o que pode ser realizado tanto dando aulas a toda classe, ou para uma parte da classe, ou apenas para os alunos que necessitam tutelados de forma compensatória. Os diretores de escolas são responsáveis por estabelecer um programa de ação, consultando os pais ou responsável pelo aluno (NATIONAL AGENCY FOR EDUCATION, 2006a). No período de 2003-2004 estavam matriculados 545 alunos nas escolas especiais, e 528 no período de 20042005, estes números têm caído devido às baixas taxas de natalidade e aos implantes cocleares (NATIONAL AGENCY FOR EDUCATION, 2005). A educação em escolas especiais para surdos corresponde àquela oferecida nas escolas regulares na medida do possível, sendo ajustada às necessidades de cada aluno individualmente, é compulsória e tem um programa com 10 anos de duração (NATIONAL AGENCY FOR EDUCATION, 2003). Na pré-escola e no ensino de primeiro grau há cerca de 20 mil alunos abaixo dos 16 anos. Este número inclui crianças com implantes e cerca de 70% das crianças com surdez severa e profunda que nascem atualmente recebem implantes. Tão logo a perda de audição é identificada, é oferecido suporte através de conselhos municipais e a família decide que tipo de apoio medicinal quer. Além dos cuidados médicos, a família pode receber orientação de psicólogos, assistentes sociais e professores. Os pais recebem cursos de língua de sinais que completam 240 horas antes da criança atingir a idade escolar (6-7 anos), os cursos são gratuitos e os participantes são compensados por perdas de rendimentos durante as semanas gastas nos cursos a cada ano. Os irmãos também podem receber aulas de língua de sinais, incorporadas ao currículo escolar regular, e freqüentemente também em acampamentos de verão (ANGERBY, 2005).


Respeito às diferenças A sociedade brasileira é composta por um “todo social”, do qual fazem parte as chamadas “minorias”, nas quais se incluem os surdos, que são observados essencialmente em suas diferenças, não havendo o reconhecimento de suas subjetivações. Pais surdos ensinam a comunicação para seus filhos surdos através de sinais e expressões faciais, levando-os desde a mais tenra idade a conhecerem a Libras, língua genuinamente criada pelos surdos. Sem compreender a importância da língua brasileira de sinais é impossível pensar em uma sociedade mais justa respeitadora dos diversos segmentos sociais. Somente havendo o respeito pelas diferenças é que haverá o acesso a uma qualidade educacional condizente aos diferentes educandos das escolas regulares. O interesse de transformar o surdo em um cidadão reflexivo e crítico perpassa pelo conhecimento acadêmico e o respeito à sua língua, no caso brasileiro a Libras. Esta língua possui níveis de estrutura gra-

matical equivalente à língua, oral brasileira. A Libras, portanto, é uma língua que deve ser conhecida e utilizada por todos que convivem e ensinam aos surdos. O desafio da escola inclusiva é o de estimular o respeito às diversidades da realidade dos alunos surdos e ouvintes. Não se pode considerar o processo de transformação sócio-educacional apenas avaliando resultados acadêmicos. Os professores devem ser agentes do processo educativo e a escola o veículo de formação sócio-educacional. Quando avaliamos a situação da educação inclusiva dos surdos em países como a Suécia, onde as políticas educacionais voltadas para a educação especial estão bastante avançadas, e a grande maioria dos estudantes freqüenta as escolas regulares, aprendendo tanto a língua de sinais quanto o sueco escrito, chegamos à conclusão de que uma realidade inclusiva é possível. Entretanto, é necessário que haja a implementação não apenas de políticas, mas de ações concretas que a viabilizem. Iniciativas como a criação de novos cargos, como o do professor-intérprete; formação continuada de educadores efetivos em Libras bem como o quadro de funcionários administrativo; qualificação de um maior número de profissionais como os professores surdos e intérpretes bilíngües para atuarem dentro das salas de aula em todos os níveis educacionais e apoio por parte da coordenação escolar seriam de grande ajuda no processo da inclusão educacional. A inclusão educacional é uma meta mundial que vem se aprimorando a partir do final do século XX. É visada uma sociedade respeitadora de todos os cidadãos independente de suas deficiências ou da língua que utilizem. Para que isso seja alcançado, é fundamental abordar questões relativas à linguagem utilizada na escola, ambiente o menos restritivo possível. Os professores que convivem com alunos surdos percebem as dificuldades que estes possuem para se integrarem lingüisticamente no universo oralizado. Deste modo, a língua brasileira de sinais concomitantemente com o português escrito pode fazer com que os alunos trabalhem não apenas de forma individual como também coletiva, compartilhando conhecimentos e experiências, criando uma ajuda mútua e partici-

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A maior parte dos alunos com deficiência auditiva ou de fala na Suécia recebe sua educação através de tutores especiais nas escolas de ensino compulsório regular. Apenas os alunos com deficiências severas são atendidos em escolas especiais, e constituem um grupo muito pequeno no sistema educacional sueco. Os relatórios governamentais disponíveis em inglês na página da Agência Nacional de Educação da Suécia não apresentam dados específicos relativos aos números de alunos com deficiência auditiva atendidos nas escolas regulares, apenas daqueles que freqüentam as escolas especiais em centros de referência do país (NATIONAL AGENCY FOR EDUCATION, 2003). Há uma escola nacional e cinco escolas regionais para surdos e deficientes auditivos. A agência governamental responsável por estas escolas é a Agência Nacional das Escolas Especiais para Surdos e Deficientes Auditivos (National Agency for Special Schools for the Deaf and Hard of Hearing) (NATIONAL AGENCY FOR EDUCATION, 2006b). Mais informações sobre alunos surdos no sistema escolar sueco se encontram em anexo.

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pação nas atividades sócio-educacionais. O trabalho em conjunto entre o quadro de funcionários da escola e alunos possibilita a desmistificação da idéia que a deficiência atrela a si um indivíduo menos capaz.

Referências ANGERBY, Karin. (2005) Deaf education in Sweden. Disponível em: <http://www.batod.org.uk/index.php?id=/public ations/on-linemagazine/models/sweden.htm>. Acesso em: 12 jan 2006. BRASIL (2002) Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências. Disponível em <http://www.mec.gov.br/acs/pdf/Lei10436.pdf>. Acesso em: 12 jan 2006. BRITO, Lucinda Ferreira (1995). Por uma gramática de línguas de sinais. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro/UFRJ. GALLAUDET UNIVERSITY LIBRARY (2006). Deaf Statistics. Disponível em <http://library. gallaudet. edu/dr/faq-statistics-deaf-other.html>. Acesso em: 12 jan 2006.

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Ana Paula G. S. A. Antunes Mestre em educação pela Universidade do Oeste Paulista (Unoeste), Presidenten Prudente, São Paulo . Maryualê Malvessi Mittmann Mestre em lingüística pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Santa Catarina. Rosana de Cássia Ribeiro Professora e Intérprete de Libras de Londrina, Paraná.

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A IMPORTÂNCIA DA ESCOLA BILINGÜE NA CONSTITUIÇÃO PSÍQUICA DA CRIANÇA SURDA Maria Cecília de Moura Ana Cristina Camano Passos

EMEE Anne Sullivan é uma escola especial para surdos. Ela também recebe crianças surdas com outros comprometimentos físicos, neurológicos e psicológicos associados à surdez como por exemplo deficiências visuais, físicas, mentais, alterações psíquicas (autismo, psicose), etc. Quando recebemos um aluno surdo ou com múltiplas deficiências, recebemos um sujeito com uma história, um sujeito que se constituiu na relação com o outro, um sujeito único, assim como deveriam ser considerados todos os alunos nas mais variadas instituições. Nós, educadores de surdos, temos que nos constituir interlocutores da Libras, para promover o desenvolvimento lingüístico, cognitivo e social do surdo pois a língua de sinais desempenha um papel importantíssimo na comunicação entre os surdos no estabelecimento de significações compartilhadas com o grupo. O surdo, filho de pais ouvintes, muitas vezes chega à escola sem compreender seu mundo porque a língua que lhe é exposta, a oral, não lhe traz nenhum sentido. A criança surda, no convívio com falantes da língua oral, perde o acesso a maioria das informações que são veiculadas em seu meio social . Não percebe se alguém falou alguma coisa para outra pessoa, se estiver de costas para os interlocutores, como também perde a fala que é dirigida a outros adultos, se os mesmos conversam ao mesmo tempo.

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O surdo, imerso no discurso visual pictórico da linguagem, presencia a dinâmica nas relações sociais, tem a percepção que alguma informação está sendo transmitida ao outro, faz a leitura do sentimento que está aflorado na relação discursiva, mas não participa das informações, das metáforas e das sutilezas metalingüísticas na fala dos interlocutores. O discurso oral veiculado nos desenhos animados, filmes, tele-jornais, novelas, futebol, corridas de Fórmula 1, entre outros programas televisionados, também não são acessíveis aos surdos. Constantemente eles perguntam a seus familiares o que está sendo comentado nos jogos de futebol, narrado na Fórmula 1 ou explicado nos noticiários. Os pais, na maioria das vezes, não usuários da Libras tentam relatar a seus filhos o discurso que é veiculado pela televisão por meio da fala, da mímica ou por códigos estabelecidos no grupo familiar, porém o que observamos é um relato curto e reduzido, que sintetiza um pensamento, uma informação ou mesmo uma ação. Dessa forma, os pais, por desconhecerem a Libras, terminam condensando e omitindo informações para seus filhos pela dificuldade de compartilhar uma mesma língua. Portanto,o surdo que está exposto ao gênero discursivo da fala não se beneficia com isto porque a sua forma de comunicação é visual e não auditiva. A escola especial oferece curso de Libras aos pais colaborando assim com o desenvolvimento da interação discursiva na família e, consequentemente,

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com o desenvolvimento lingüístico, cognitivo e social da criança. A linguagem pictórica visual por si só, assim como a fala, não dá conta das informações orais que circulam nas relações sociais daí a importância da convivência social com outros surdos para que as crianças se apropriem da Língua de Sinais e da cultura surda. É nesse sentido que entendemos a escola especial como um referencial na aquisição e no desenvolvimento da Língua de Sinais bem como na apropriação da cultura. A escola assume um papel de inscrição social da criança na cultura. É na escola que a criança convive com seus pares e passa a assumir um outro lugar social,compreendendo o seu lugar em relação às normas sociais e aos discursos que nos organizam socialmente. A escola bilíngüe e multicultural é um espaço de descobertas, de produção de conhecimento, de formação de laços sociais onde a criança surda e aquela com outros comprometimentos convivem com outros surdos, se apropriam da língua de sinais, da função social da escrita, compreendendo-se bilíngüe na relação com seus diferentes interlocutores. A proposta bilíngüe considera a Língua de Sinais como a língua natural do surdo e o português escrito como sua segunda língua (MOURA, 2000). Assim, desenvolvemos na Anne Sullivan, dentro da proposta bilíngüe que a escola acredita, um trabalho de inserção e consolidação da Libras, nas séries iniciais do ensino fundamental, para garantir o desenvolvimento lingüístico, cognitivo, social e afetivo no aluno surdo e apresentamos o português escrito como segunda língua para que ele possa ter acesso e participar da cultura ouvinte majoritária. É na escola especial que a família recebe orientações referentes a surdez, a Língua de Sinais, como opção de comunicação com seu filho; encontra novos laços afetivos que possibilitam troca de experiências e mudanças de paradigmas. Os surdos, há anos vêem reivindicando respeito pela sua língua, pela qual compreendem e interagem com o mundo, um lugar na educação com acesso ao conhecimento e a integração social, enquanto indi-

víduos diferentes, assim como acesso a educadores que conheçam e utilizem a Libras no seu discurso, perpetuando a história e a cultura surda. A comunidade escolar precisa ter acesso a história, a Língua, e as conquistas de cidadania do Surdo como forma de incluir outros pares na sua comunidade, tornando a escola um lugar multicultural. No momento em que a escola socializa o discurso social da diferença ela desmistifica o preconceito. Cabe ao educador apurar o seu olhar, humanizarse, sensibilizando,-se na sua práxis a uma “escuta visual” transformadora, que acolhe e impulsiona o ser criança em formação a um sujeito em processo de constituição. Acreditar nas potencialidades desse ser que está em formação é fundamental tanto para o educador quanto para o educando. A partir do momento em que o educador acredita que seu trabalho educativo tem efeitos transformadores, ele assume um lugar de implicação no despertar do desejo do outro. Quatro anos após ter sido reconhecida oficialmente, segundo o decreto que regulamenta a lei 10.436, de abril de 2002, a Libras passou a ser considerada disciplina obrigatória em cursos de formação de professores como também no currículo das licenciaturas e dos cursos de Fonoaudiologia, Pedagogia e Educação Especial. O surdo pode estudar em escola regular ou em instituições especiais com direito a instrução em Libras. Porém, apesar de todo aparato legal que a Librasconquistou através das reivindicações dos próprios surdos que desejavam iniciar os seus estudos em escolas regulares, ou mesmo daqueles que almejavam prosseguir em nível superior, a língua de sinais deveria nascer na relação da mãe com seu filho. Os pais precisam ser esclarecidos de que a língua permeia a relação de identificação e comunicação com o outro. Quando a criança surda é filha de pais surdos, por exemplo, a comunicação flui mais facilmente porque a língua que ela utiliza é compartilhada pelo seu grupo familiar. Ser fluente na língua de sinais facilita a constituição psíquica da criança surda, na relação da mãe com o bebê; porém ela por si só não dá conta da constituição do sujeito. O su-


contribui para a ampliação do repertório lingüístico, e para a identificação com a comunidade surda, elementos que considero estruturante e constitutivos para a identidade da criança.

Bibliografia

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jeito se constitui na relação com o outro, na interação com seus pares e com a cultura. A subjetividade vai se formando a partir da interação entre o funcionamento psíquico do sujeito com os elementos que são oferecidos pelo outro e pela cultura. Pela via da escolarização, a família também se beneficia passando a assumir um outro lugar social. Ter um filho com necessidades especiais incluído na instituição transforma o estigma de incapacidade e deficiência em possibilidades. A possibilidade de conviver com educadores bilíngües e alunos surdos inseridos na língua de sinais

Colli, F. e Kupfer, M. C. (org). Inclusão Escolar: Travessias. SP: Casa do Psicólogo, 2005. Moura, M. C. O Surdo: caminhos para uma Nova Identidade. R. J. Revinter Ltda, 2000 Colli, F. Uma ponte para a inclusão. In ABC EDUCATION, 2006

Maria Cecília de Moura Professora Titular da Faculdade de Fonoaudiologia da PUCSP e Doutora.em Psicologia Social. Ana Cristina Camano Passos Professora Titular do Ensino Fundamental da PMSP, docente na Escola Municipal de Educação Especial ANNE SULLIVAN, de São Paulo, graduada em Pedagogia (Educação para o Deficiente da Áudio-Comunicação) pela PUCSP. Especialização em Psicopedagogia e Arteterapia, em nível de pós graduação.

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LIBRAS NO JUDICÁRIO: UM DÉBITO SOCIAL Ricardo Tadeu Marques da Fonseca

s pessoas com deficiência auditiva não tiveram, até o presente, consolidado o seu direito básico de livre expressão e, em decorrência, uma série de outros direitos tampouco lhes é garantida. O direito à educação, o direito ao trabalho, o direito de acesso à justiça, bem como a própria constituição da vida familiar independente dos surdos, ou a convivência com as demais pessoas em sociedade; todos esses direitos findam por se fragilizar em razão da falta de comunicação plena e hábil dos surdos entre si e deles com os que ouvem e falam. Em geral as pessoas com deficiência sentem essa defasagem no exercício de seus direitos. A história do convívio das pessoas com deficiência em sociedade pode ser descrita em quatro períodos que não se excluem: 1) extermínio; 2) exclusão caridosa; 3) integração; 4) inclusão. Esses períodos se entrelaçam, como numa espiral, porque a história não evolui de forma retilínea. Inicialmente havia leis que autorizavam o extermínio de bebês nascidos com deficiências, tal como se dava em Esparta ou na própria Roma Antiga. Ainda hoje, há países em que se autoriza o chamado aborto preventivo, quando se observa no feto a possibilidade de incidência de doenças incapacitantes, ou quando esse nasce com menos de 25 semanas, como ocorre na Nova Zelândia. Isso demonstra que o extermínio ainda é institucional, mas é claro que acontece com menos freqüência com que no passado. Durante a Idade Média, certamente por influência do Cristianismo, cessou a profusão de leis de extermínio, mas iniciou-se uma exclusão civil caridosa das pessoas com deficiência, que passaram a ser destinadas a viver em asilos para cegos, para seqüelados pela

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Hanseníase ou para loucos, por exemplo. Os surdos, aliás, eram frequentemente confundidos com loucos e também asilados. A exclusão caridosa buscava amparo no dogma religioso de que a deficiência, via de regra, resultava do pecado da pessoa que se tornara deficiente ou dos pais cujos filhos nasciam com essa característica. A remição do pecado dar-se-ia com a caridade dos não deficientes e com a aceitação submissa de uma condição inferiorizada por parte das pessoas com deficiência. Percebeu-se, todavia, que se fazia necessária a superação desses guetos, para se propiciar, inicialmente, a integração dessas pessoas à vida em sociedade, por meio da busca de métodos que garantissem a adaptação da pessoa aos desafios do meio social. Essa foi a terceira fase histórica, quando se esperava da pessoa com deficiência a superação de seus limites para o exercício da vida social. Mesmo assim, sempre se obstava o crescimento civil e profissional das pessoas com deficiência a partir da constatação da incompatibilidade da deficiência com os processos e métodos preexistentes no exercício das atividades civis e profissionais. Posteriormente, avançou-se para a idéia de sociedade inclusiva, que marcha em sentido oposto ao da integração, pois consiste no desenvolvimento de uma sociedade que, reconhecendo suas deficiências para acolher todos, cria métodos visando supri-las, estendendo os canais de acesso aos direitos civis para as pessoas com deficiência. Convivemos, porém, simultaneamente com situações de extermínio, exclusão caridosa, integração e inclusão, sendo de mister sublinhar que os ordenamentos jurídicos nacionais e o próprio Direito Inter-


Direito Internacional O Direito Internacional é rico em instrumentos jurídicos para a tutela dos Direitos Humanos das pessoas com deficiência. Nesse momento, todavia, querse sublinhar apenas a Convenção da Guatemala, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto Presidencial nº 3.956, de 8 de outubro de 2001 e do Decreto Legislativo nº 198, de 13 de junho de 2001. A norma em questão fez-se lei no Brasil e embasou a nossa legislação, conforme se verá adiante, para que o acesso à Justiça seja assegurado às pessoas com deficiência, tal como prescreve o art. III, 1 “a”, daquele instrumento. Deve ser ainda lembrado o recente e histórico fato que é a adoção, pela Assembléia Geral da ONU, em dezembro de 2006, da Convenção Internacional de Direitos da Pessoa com Deficiência, já subscrita pelo Brasil em março de 2007, encontrando-se em processo de ratificação. Inicialmente, faz-se mister um comentário sobre o contexto em que se insere a importante ocorrência. A leitura do preâmbulo, que a muitos pareceria supérflua, é na verdade fundamental para a compreensão do alcance do texto da norma internacional e para a compreensão da circunstância política que o gerou. A produção normativa da Organização das Nações Unidas iniciou-se após a Segunda Guerra, logo após a fundação do próprio organismo internacional e o registro daquelas normas é reiterado no preâmbulo aqui comentado. Assim é que o item ”d” do preâmbulo enumera-os, o que se reiterará para facilitar a argumentação. São os seguintes: Pacto Interna-

cional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial; a Convenção sobre Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção Internacional para Proteção dos Trabalhadores Migrantes e suas Famílias. Também à guisa de reforço argumentativo, retomam-se alguns itens do preâmbulo, quais sejam os das letras “a”, “b” e “c” para sublinhar, desta feita, que a principal força motriz da atuação da ONU é a preservação da dignidade inerente da família humana e da paz mundial, bem como a relevância dos direitos e liberdades atinentes aos pactos internacionais patrocinados pela Organização das Nações Unidas; tudo para garantir a universalidade, a indivisibilidade, a interdependência e a inter-relação dos Direitos Humanos. O direito ao trabalho é um Direito Humano universal assegurado desde a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1789. Esse direito só se realiza plenamente, porém, com a implementação de outros inerentes à liberdade, à educação, à moradia, à alimentação, à saúde, à habilitação e reabilitação, por exemplo. Trata-se da mencionada inter-relação e interdependência dos Direitos Humanos, que são, por isso mesmo, indivisíveis. Não há liberdade sem igualdade, tampouco esta sem aquela e ambas jamais prosperarão se medidas relativas à fraternidade humana não se implementarem. Por outro lado, observa-se que há Convenções voltadas a minorias ou grupos vulneráveis como mulheres, crianças, negros, imigrantes, etc. É que logo se percebeu que uma lei votada pela maioria pode oprimir minorias, tal como se deu com a eleição de Hitler e as leis por ele propostas. Desse modo, a função da Convenção em comento é a de assegurar todos os Direitos Humanos a esse grupo vulnerável: as pessoas com deficiência, que em razão de barreiras físicas e atitudinais, não alcançaram, até o presente, direitos mínimos inerentes às liberdades e à dignidade humana. Sublinhe-se o artigo 13 daquela Convenção, que

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nacional marcham resolutos para a sociedade inclusiva, ou seja, desde os anos 50 forjam-se direitos em prol de minorias, justamente para legitimar a maioria democrática, garantindo-se, com o respeito à diversidade, a depuração da democracia. Esse estudo tratará do direito de acesso ao Judiciário das pessoas surdas, uma vez que sua deficiência de comunicação deve ser suprida para que se lhes garanta um processo justo e a certeza de que sua vontade foi devidamente expressada perante o Juiz, quando atuam como sujeitos processuais ou quando se dirigem ao Judiciário para simplesmente obter informações sobre os processos.

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propugna pela criação de instrumentos processuais que assegurem o efetivo acesso à Justiça para as pessoas com deficiências, inclusive auditiva, fazendo-as sujeitos ativos para a manifestação de sua vontade, adotando-se, para tanto, medidas de capacitação da Justiça para recebê-las. Embora essa norma ainda não tenha assumido status de lei, apresenta absoluta relevância porque é a última palavra da ONU, havendo, no Brasil, forte movimentação para a sua imediata ratificação, inclusive, eventualmente, com força de norma constitucional, a partir do que permite a Emenda 45.

Ordenamento Jurídico Brasileiro e acesso à Justiça

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É cediça a necessidade de facilitar o acesso ao Judiciário para todos e não foi por outra razão que se criaram os Juizados Especiais de Pequenas Causas, rompendo-se os obstáculos econômicos. Não foi por outra razão, outrossim, que vieram a se incorporar ao ordenamento jurídico pátrio dispositivos constitucionais e legais que forjaram os caminhos de inclusão das pessoas com deficiência, inclusive auditiva. A grande conquista dos surdos fez-se inicialmente em 2000, quando a Lei nº 10.098 determinou, no artigo 17, que “o Poder Público promoverá a eliminação de barreiras na comunicação e estabelecerá mecanismos e alternativas técnicas que tornem acessíveis os sistemas de comunicação e sinalização às pessoas portadoras de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação, para garantir-lhes o direito de acesso à informação, à comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer”. Regulamentou a questão o artigo 6º, §1º, III, do Decreto nº 5.296 de 02 de dezembro de 2004, que assim se lê, in verbis: Art. 6º - O atendimento prioritário compreende tratamento diferenciado e atendimento imediato às pessoas de que trata o art. 5º. § 1º O tratamento diferenciado inclui, dentre outros: (...) III - serviços de atendimento para pessoas com deficiência auditiva, prestado por intérpretes ou pessoas capacitadas em Língua Brasileira de Sinais (Libras) e no trato com aquelas que não se comuniquem

em Libras, e para pessoas surdocegas, prestado por guias-intérpretes ou pessoas capacitadas neste tipo de atendimento. Posteriormente a vitória civil dos surdos cominou com o reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais (Libras), como língua oficial no Brasil. Tal se deu pela edição da Lei 10.436/02. O art. 1º sacramenta a Libras como meio legal de comunicação e expressão dos surdos, oficializando esta forma de comunicação, tornando a sua observância obrigatória no país, desde que necessária ou eleita por pessoas surdas ou deficientes auditivas, ao seu alvitre. Pelo parágrafo único deste dispositivo: “Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil”. Logo, trata-se de língua oficial do Brasil, expressa por sinais visuais de forma organizada com vocabulário e estrutura gramatical própria. Não se trata de mímica, tampouco de gestos aleatórios. É língua complexa e gramaticalmente ordenada. Por se tratar de língua oficial, compete ao Poder Público difundir o seu uso, conforme preceitua o art. 2º da mesma lei, vazado nos seguintes termos: “Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais - Libras como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil.” O apoio em questão não é mera exortação, implica respeito e aplicação prática, de modo a assegurar ao cidadão surdo o direito de livre expressão e de comunicação, estabelecendo a ruptura das fronteiras atitudinais que separavam, até então, a comunidade surda brasileira da nação brasileira. Essa comunidade compõe-se de cidadãos brasileiros surdos que, até hoje, porém, não exercem plenamente sua cidadania, porque a nossa sociedade era deficiente no sentido de estabelecer uma interlocução plena com eles, capaz de lhes assegurar os direitos humanos fundamentais decorrentes da livre expressão do pensamento, que se perfaz apenas com a comunicação. Assinale-se, que o


dição por meio da Libras, não se lhes garante um Juiz que seguramente conheça a demanda ou que seguramente entenda a sua defesa, sequer o contraditório e a ampla defesa por falta de comunicação entre o surdo e o seu advogado, muito menos uma atuação coerente do Ministério Público incapaz de ir em direção às demandas da comunidade surda brasileira a fim de defendê-la, quando necessário for. Também o art. 3º da Constituição impõe ao Estado medidas eficazes para que construamos uma sociedade livre, justa e solidária, promovendo o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

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Decreto Regulamentar da Lei em foco, Decreto 5.626, de 22 de dezembro de 2005, nos artigos 26, 27 e 28 fixa os parâmetros da conduta da Administração Pública, para materializar-se o apoio em estudo. Assim é que o artigo 26 do referido Decreto lança o prazo de um ano, contado da publicação que ocorreu em 23 de dezembro de 2005, para que o Poder Público, as empresas concessionárias de Serviços Públicos e os órgãos da Administração Pública Federal, direta e indireta efetivamente garantam às pessoas surdas o uso e a difusão da Libras, incumbindo-se também da tradução e da interpretação da Libras para a Língua Portuguesa, atividades estas que devem ser realizadas por pelo menos 5% dos servidores e empregados devidamente habilitados. Prevê, ainda, o acesso às tecnologias de informação, conforme disposto pelo Decreto 5.296/04 (refere-se aqui a telefones com legenda, intérpretes eletrônicos de Libras para computador, etc..). Exortam-se, também, no mesmo dispositivo, os órgãos das Administrações Estaduais, Municipais e do Distrito Federal, sem fixar prazo para tanto, eis que, não o caberia ao Executivo Federal, o qual, no entanto, exerce o seu poder regulamentar da Lei Federal, para, legitimamente, empreender a exortação de que ora se cuida. Os artigos 27 e 28 estabelecem mecanismos administrativos para o controle de qualidade e satisfação dos usuários e, acima de tudo, conforme determina o artigo 28, seja incluída, nos orçamentos anuais e plurianuais, dotação orçamentária destinada a viabilizar a formação de servidores e à aquisição de tecnologia assistiva. Os artigos 29 e 30 referem-se ao modus operandi da Administração dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, sem impor prazo, por óbvio. Ressalte-se, por importante, que o prazo em questão está superado, sendo premente que o Poder Judiciário e o Ministério Público garantam o acesso à Jurisdição em Libras. Devemos dizer o direito em Libras a partir do que os surdos nos disserem com os sinais visuais, sem o que não se lhes prestará legalmente o direito de acesso ao Judiciário e, em conseqüência, à Jurisdição. Aos surdos aplica-se, é claro, o artigo 5º da Constituição em todas as suas nuances, mas na medida em que se lhes negue o acesso à Juris-

Clamor em Concreto O Doutor Cássio Colombo Filho, Juiz Titular da 18ª Vara do Trabalho de Curitiba, deparou-se com uma reclamação trabalhista (18RT 4897/07) movida por E.J.S. em face de C.P.I.C.. Ao constatar que o autor era surdo e estava acompanhado de seu pai, que se comunicava rudimentarmente com o jovem por meio de mímica, o Juiz trocou com o reclamante os seguintes bilhetes, que foram anexados à contra-capa dos autos:

Juiz: _“VOC CONHECE LINGUAGEM UNIVERSAL DE SINAIS P/ SURDOS-MUDOS?” (sic) Autor: _ “SURDOS”“ILZA”“LIBRA” (sic) _ “IVA”“BURRO”“SABIA” (sic) Juiz: _ “PRECISO DE INTÉRPRETE DE LIBRA P/ VOC . NÃO BASTA O PAI, ENTENDE? (sic) Autor: _ “SÃO JOSE PAINHA” “PROFESSORA” (sic) Juiz: _ “VOU CHAMAR O INTÉRPRETE E MARCAR OUTRO DIA PARA VOC VOLTAR. QUANDO VOC PODE?” (sic) Juiz: _ “NÃO ACHEI INTÉRPRETE LIBRAS. VOC PODE VOLTAR 4ª FEIRA? (02-MAIO) (sic)

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ESPAÇO ACADÊMICO

A conseqüência desse diálogo foi a suspensão do processo e a nomeação de uma intérprete de Libras do Juízo, por intermédio da qual, em uma próxima audiência, pôde-se apurar que o reclamante havia se afastado da empresa porque ficara, por longo período, sem comunicação adequada com o superior, o qual alterava constantemente as funções do obreiro, não permitindo o desempenho pleno de sua atividade profissional – operador de máquina. Apurouse, também, divergência entre o salário pago e o anotado em CTPS. Foi, então, determinado o aditamento da petição inicial, que apenas mencionara pedido de demissão, sem qualquer alusão aos fatos descritos, uma vez que, conforme bem interpretou o Juiz, inexistira plena comunicação entre o autor e seu advogado. O caso se encerrou por acordo judicial na terceira audiência e os honorários da intérprete foram suportados pelo erário, em razão de assistência judiciária reconhecida. Os fatos descritos até aqui, todavia, revelam a importância fundamental do intérprete oficial, o qual deve ter inclusive noções de termos técnicos jurídicos para que o Juiz possa se comunicar adequadamente e dar a Jurisdição plena e hábil a ser compreendida pelo cidadão surdo.

Conclusões I – Superou-se, por força da Constituição e dos instrumentos internacionais contemporâneos, a exclusão caridosa das pessoas com deficiência. Sendo

assim, faz-se premente a implantação da sociedade inclusiva para todos, que se traduz na eliminação das deficiências sociais que impediam o pleno exercício dos direitos fundamentais. II – O art. 1º da CF garante aos surdos a dignidade inerente à comunicação, como corolário do direito à livre expressão. III – O art. 3º, também da Constituição Federal, legitima a adoção de medidas proativas, em favor da eliminação da discriminação e do preconceito. IV – A ratificação da Convenção da Guatemala milita em favor de ações que compensem as dificuldades de todos os segmentos da população, a fim de lhes garantir a fruição dos direitos fundamentais, inclusive aqueles concernentes ao exercício do direito de ação, tal como se dá também na própria Convenção Internacional de Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada em dezembro/2006 pela Assembléia Geral da ONU e já subscrita pelo Brasil. V – A Lei 10.436/02 e o Decreto Regulamentar 5.626/05 fazem cogente a adoção emergencial de intérpretes de LIBRAS, tanto para dar suporte aos sujeitos do processo, quanto para as informações administrativas, restando revogado o art. 819, § 2º da CLT, uma vez que o custeio do intérprete de Libras deve ser sempre suportado pelo Estado, até para que se garanta a isenção que se legitima pela fé pública inerente aos atos dos servidores públicos. VI – Finalmente, a Jurisdição para o surdo deve “ouvir e se pronunciar” em Libras, tendo em vista o caráter oficial desta língua no Brasil, sob pena de o Judiciário não lhe dizer validamente o direito.

Ricardo Tadeu Marques da Fonseca Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, Procurador Regional do Ministério Público do Trabalho – 9ª Região, Especialista e Mestre em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo e Doutor pela Universidade Federal do Paraná.

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