Revista Feneis 46

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Publicação trimestral da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos Nº 46 • Dezembro de 2011 | Fevereiro de 2012 • ISSN 1981-4615

BRASIL DIZ SIM ÀS ESCOLAS BILÍNGUES PARA SURDOS Decreto presidencial reconhece escolas específicas Prefeitura de São Paulo cria seis escolas bilíngues para surdos


PALAVRA DA PRESIDENTE

A escola

bilíngue para surdos é um sonho possível Estão abertas as inscrições para as chapas que concorrerão à eleição para a presidência da Feneis. Os interessados devem consultar o estatuto e o regimento interno da eleição para providenciarem a documentação necessária.

até 1º de março:

inscrição da chapa, a ser protocolada pelo candidato a diretor presidente na sede da Feneis.

02 a 05 de março: análise da documentação das chapas pelo

setor jurídico da Feneis.

06 de março: resultado da análise das chapas pelo setor jurídico. 09 de março: prazo para recorrer da decisão. 31 de março: assembleia de eleição. Todas as informações sobre a eleição podem ser obtidas no site

www.feneis.org.br/novadiretoria

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2012-2016

T

erminamos o ano com duas importantes batalhas ganhas. A primeira, a assinatura do Decreto nº 7.611, em novembro, pela presidente Dilma, nos traz grande alívio. Agora, as escolas específicas voltam a ser uma possibilidade e a matrícula de surdos nas escolas regulares não é mais uma imposição. A segunda vitória vem da cidade de São Paulo, que ganhou um decreto municipal que transforma as seis escolas de surdos em escolas municipais bilíngues, além de estabelecer uma ampla política educacional na qual os surdos terão instrução na sua língua natural, a Libras, e aprenderão o português como segunda língua. Nada mais justo do que trazer na capa deste número os avanços da escola bilíngue no Brasil. A reportagem vem coroar o ano de 2011, ano histórico para a comunidade surda. Ainda nesta edição, a cobertura de um evento inédito no Brasil: o Festival Brasileiro de Cultura Surda, realizado em Porto Alegre. A mostra traz importantes discussões, num momento em que muitas autoridades questionam a legitimidade da cultura surda. Confira também novidades sobre o esporte dos surdos e sobre a mobilização pela escola bilíngue, que merece o reconhecimento público pela incansável luta. Agradeço aos líderes estaduais, que tanto se empenharam na realização do Setembro Azul, e aos diretores da Feneis, que estiveram envolvidos nessas ações.

Terminamos o ano com um saldo positivo. Fizemos uma passeata histórica em Brasília. Pela primeira vez fomos recebidos por ministros, participamos ativamente da elaboração de emendas para o Plano Nacional de Educação (PNE) e mobilizamos o Ministério Público em defesa da nossa causa. Temos muito o que comemorar. Mas a guerra ainda não está ganha. Ainda não temos a garantia da escola bilíngue na versão final do PNE e nem a adesão dos estados ao nosso projeto de educação para surdos. Ainda há muitas lutas pela frente. Que nós possamos, neste novo ano, renovar as energias para continuar em busca do nosso ideal: a escola bilíngue para surdos.

Feliz ano novo!

Karin Strobel

Presidente da Feneis

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DIRETORIA

O Brasil diz SIM à escola bilíngue para surdos. A publicação de um decreto presidencial e a iniciativa pioneira da Prefeitura de São Paulo mostram que a educação de qualidade para os surdos não é apenas sonho.

DIRETORIAS REGIONAIS

Agradecimento

CAPA

A Revista da Feneis e a comunidade surda brasileira agradecem publicamente à Comissão de Formatura do Curso Letras Libras da Universidade Federal de Santa Catarina – POLO INES 2006 (Rio de Janeiro) pelo custeio da reimpressão de dois mil exemplares da Revista da Feneis, edição 46. A publicação foi distribuída no Congresso Nacional para todos os deputados federais e senadores e para os participantes do Encontro Nacional dos Procuradores da República, realizado em Fortaleza-CE. O objetivo foi de divulgar a luta pela escola bilíngue para surdos.

ENDEREÇOS Minas Gerais Rua Albita, 144 Bairro Cruzeiro - Belo Horizonte/MG Cep: 30310-160 Telefax (31) 3225 0088 feneis@feneis.com.br

Feneis Matriz – Rio de Janeiro-RJ Rua Santa Sofia, 139 Bairro: Tijuca - Rio de Janeiro/RJ Cep: 20540-090 Tel: (21) 2567 4800 / 2567-4880 Fax: (21) 2284 7462 Tdd: (21) 2568 7176 Secretaria diretorianacional@feneis.org.br Sede Antiga (Celes-RJ) Rua: Major Ávila, 379 Bairro: Tijuca - Rio de Janeiro/RJ Cep: 20511-140 Tel: (21) 3496-4880 ENDEREÇO DOS ESCRITÓRIOS REGIONAIS Amazonas Av. Jornalista Humberto Calderaro Filho, 903 - B Adrianópolis - Manaus/AM Cep: 69057-021 Telefax: (92) 3642-4148 Ceará Av. Bezerra de Menezes, 549 Bairro São Gerardo - Fortaleza/CE Cep: 60325-000 Telefax: (85) 3283 9126 feneis.ce@hotmail.com

Pernambuco Rua José de Alencar nº 44 Ed. Ambassador - Sala 04 Bairro Boa Vista - Recife/PE Cep: 50070-030 Telefax: (81) 3222-4958 feneispesurdos@hotmail.com feneispesurdos@ig.com.br Rio Grande do Sul Avenida Getúlio Vargas, nº 1181 Niterói - Canoas/RS Cep: 92110-330 Estação do Trensurb: Niterói Tel: (51) 3321 4244 Fax: (51) 3321 4334 feneisrs@terra.com.br São Paulo Rua das Azaléas, 138 Bairro Mirandópolis - São Paulo/SP Cep: 04049-010 Tel: (11) 2574-9148 Fax: (11) 5549-3798 feneis.sp@feneis.org.br

Distrito Federal SCS Qd 01 – Edifício Márcia Bloco L – sala 701 - Brasília/DF Cep: 70300-500 Telefax: (61) 3224 1677 feneisdf@hotmail.com

CONSELHO FISCAL Efetivo 1º Membro efetivo e presidente: Luiz Dinarte Farias 2º Membro efetivo e secretária: Ana Regina e Souza Campello 3º Membro efetivo: Antônio Carlos Cardoso Suplentes 1º Membro suplente: Ricardo Morand Góes 2º Membro suplente: Daniel Antônio Passos 3º Membro suplente: Benedito Andrade Neto CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO José Onofre de Souza Max Augusto Cardoso Heeren Sueli da Silva Brito Flores

REVISTA DA FENEIS ISSN 1981-4615 Imagens

Responsável administrativo

Projeto Gráfico

Avenida Getúlio Vargas, nº 1181 Niterói - Canoas/RS

Assinaturas e distribuição: assessoriafeneismg@feneis.com.br

Sugestões de pauta: revistadafeneis@yahoo.com.br

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Artigos científicos:

revistadafeneis@yahoo.com.br

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Diogo Madeira Fernando Ferreira Luiz Oliveira

Rodrigo Rocha Malta Francisco Coelho da Rocha

Thaís Magalhães Abreu

Coordenação editorial

A2B Comunicação

Editora-chefe Regiane Lucas Garcêz - Mtb 9.815/MG

Diagramação

Revisão de Textos

Lourdes Nascimento

Assessoria de Comunicação

Textos

Rita Lobato – Matriz

Regiane Lucas Garcêz– Mtb 9.815/MG Diogo Madeira – Mtb 7.035/RS

Corag – Imprensa Oficial do RS

Ilustração capa Sérgio Júnior

Comissão científica

03 06 09 14 20 24 25 26 27 31

CULTURA

EXPEDIENTE Gestão e distribuição Escritório Regional do Rio Grande do Sul

Patrícia Luiza Ferreira Rezende

CONTATOS

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Foto: Paulo Henrique Carvalho / Casa Civil

Paraná Rua Alferes Poli, 1.115 Centro - Curitiba/PR Cep: 80230-090 Telefax: (41) 3334 6577 feneis.pr@hotmail.com

Belo Horizonte - MG Diretor regional: Rodrigo Rocha Malta Diretor regional financeiro: Juliano Salomon de Oliveira Brasília – DF Diretor regional: Messias Ramos Costa Diretora regional administrativa: Edeilce Aparecida Santos Buzar Diretor regional financeiro: Amarildo João Espíndola Curitiba – PR Diretora regional: Elizanete Favaro Diretora regional administrativa: Iraci Elzinha Bampi Suzin Diretora regional financeiro: Márcia Eliza de Pol Fortaleza – CE Diretor regional: Francisco Sérvulo Gomes Diretora regional administrativa: Mariana Farias Lima Diretor regional financeiro: Rafael Nogueira Machado Manaus – AM Diretor regional: Marlon Jorge Silva de Azevedo Diretora regional financeira: Waldeth Pinto Matos Porto Alegre – RS Diretor regional: Francisco Eduardo Coelho da Rocha Diretora regional administrativa: Vânia Elizabeth Chiella Recife – PE Diretora regional: Patrícia Cardoso Diretora regional financeiro: Regilene Soares Dias Rio de Janeiro – RJ Diretor regional: Walcenir Souza Lima Diretor Regional Financeiro: Fernando de Miranda Valverde São Paulo – SP Diretora regional: Moryse Vanessa Saruta Diretora regional administrativa: Sueli Okubo Paiva Diretora regional financeiro: Maria Fernanda Parreira Barros

Palavra da Presidente Esporte Mobilização Capa Cultura Homenagem Feneis pelo país Curtas Espaço acadêmico Arte surda

Foto: Diogo Madeira

AGRADECIMENTO

Diretora-presidente Karin Lílian Strobel Diretor vice-presidente José Arnor de Lima Júnior Diretora administrativa Shirley Vilhalva Diretor financeiro e de planejamento Josélio Ricardo Nunes Coelho Diretora de políticas educacionais Patrícia Luiza Ferreira Rezende Secretário Jorge Luiz Martins

Impressão Tiragem

3 mil exemplares

Gladis Perlin – Presidente – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Emiliana Rosa – Secretária – Universidade Federal do Pampa (Unipampa) Flaviane Reis – Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Carolina Hessel – Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Heloíse Gripp – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Mariana Campos – Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

MOBILIZAÇÃO Muito trabalho tiveram as lideranças estaduais do Movimento Surdo em Defesa da Cultura e das Escolas Bilíngues. Com a realização dos eventos do Setembro Azul, a luta incansável acabou colorindo também o restante do ano, que contou ainda com várias ações políticas. Entre elas estão as audiências na Casa Civil e no Ministério Público Federal.

Durante três dias a cidade de Porto Alegre respirou Língua de Sinais. O Festival Brasileiro de Cultura Surda, evento inédito, reuniu cerca de 600 pessoas na capital gaúcha e contou com apresentações artísticas e debates nacionais e internacionais. Confira!

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Resultados Mundial de Futsal de Surdos Masculino

Irã

Rússia

Argentina

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Na trave

EUA

Mundial de Natação de Surdos Guilherme Kabbach

2 medalhas de prata – 100m e 200m livres 1 medalha de bronze – 200m borboleta 4º lugar - 50m borboleta 4º lugar - 100m borboleta

Santos, e Esdras Coutinho, de Brasília, que trouxeram duas medalhas de prata e uma de bronze, além de garantirem o 9º lugar no ranking geral. Os brasileiros também estiveram no Mundial de Ciclismo de Surdos, realizado no Canadá, em junho.

Esdras Coutinho

6º lugar - 50m peito 7º lugar - 50m livre 23º lugar - 50m borboleta

Os três campeonatos foram organizados pelo Comitê Internacional de Esportes para Surdos (ICSD), que conta atualmente com 104 países filiados em todo o mundo. O Brasil participou ainda das eliminatórias do Mundial de Futebol masculino e do Surdolímpico (Olimpíadas mundiais dos surdos), realizadas na Venezuela, em novembro deste ano. Apenas os dois primeiros lugares, Argentina e Venezuela, se classificaram. O Brasil ficou em 4º lugar. A competição foi promovida pela Organização Desportiva Pan-americana de Surdos.

Venezuela

4º Brasil

Foto: Fernando H. Ferreira

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Alemanha

Eliminatórias de Futebol Masculino

ESPORTE BRASILEIRO ENSAIA REAÇÃO, MAS AINDA ESBARRA NA FALTA DE FINANCIAMENTO.

Também foi a primeira vez que o Brasil participou do Campeonato Mundial de Natação de Surdos, realizado em agosto, na cidade de Coimbra, em Portugal. Estiveram presentes na terceira edição do evento 159 atletas de 28 países. O Brasil foi representado pelos nadadores Guilherme Kabbach, de

Dinamarca

11º Brasil

PARTICIPAÇÃO INÉDITA DO BRASIL EM MUNDIAIS DE SURDOS

M

Guilherme Kabbach e Esdras Coutinho não contaram com patrocínio para participar do Mundial de Natação

Feminino

|Por Regiane Lucas Garcêz

esmo vivendo no país do futebol, os surdos brasileiros jamais haviam participado de um Mundial de Futsal até este ano. A estreia das seleções feminina e masculina aconteceu na cidade de Örebro, na Suécia, entre os dias 18 e 26 de novembro, durante a terceira edição do Campeonato Mundial de Futsal de Surdos. Ao todo, foram 11 times femininos e 16 masculinos, representantes de 20 países. O Brasil, único país do continente americano a participar, alcançou a 11ª colocação, tanto no time das mulheres quanto no dos homens.

Rússia

11º Brasil

Foto: Fernando H. Ferreira

Seleção masculina de futsal no Mundial de Surdos, realizado na Suécia

Turquia

Sem patrocínio, atletas arcam com as despesas dos campeonatos com dinheiro do próprio bolso e permanecem em condições precárias de treinamento, sem recursos para poderem se dedicar exclusivamente ao esporte. Vestir a camisa da seleção brasileira de surdos, em qualquer modalidade, pode significar um grande investimento pessoal. Atualmente, os atletas surdos não contam com nenhum tipo de patrocínio ou investimento oficial. O resultado é o baixo rendimento e a impossibilidade de participar de muitas competições, além da dificuldade de alcançar a categoria profissional. Nas quatro competições internacionais de que participou, a seleção brasileira viajou com recursos dos próprios atletas. Alguns deles conseguiram patrocínio nos seus municípios, com as prefeituras ou empresas. A equipe de futebol masculino custeou, na totalidade, as despesas da viagem para a Venezuela. O Ministério dos Esportes doou os uniformes e materiais esportivos para as duas equipes de futsal. O diretor de esportes da Confederação Brasileira de Desportos dos Surdos (CBDS), Gustavo Perazzolo, explica que o fraco desempenho nos mundiais e a pouca participação se devem à falta de recursos, e consequentemente, à dificuldade de manter um treinamento permanente.

Seleção feminina de futsal no Mundial de Surdos, DEZ 2011 - FEV 2012 | REVISTA DA FENEIS | 7 realizado na Suécia


Seleção masculina de futebol fica em 4º lugar nas eliminatórias para o mundial

MINISTRA DA CASA CIVIL A primeira reunião na Casa Civil contou com a participação das Ministras Maria do Rosário (Direitos Humanos) e Gleisi Hoffmann (Casa Civil). As quatro principais entidades representativas da pessoa com deficiência reivindicaram abertura maior do Mec para o diálogo com a sociedade civil. Foto: Paulo H. Carvalho/Casa Civil PR

Pan-americano no Brasil

A Ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, fez a mediação do diálogo entre o Ministro da Educação, Fernando Haddad, e as organizações da sociedade civil para a elaboração do Decreto nº 7.611, assinado pela presidente Dilma, em novembro.

Arquivo Pessoal: Gustavo Perazzolo

Desde 1999 a CBDS não recebe recursos governamentais diretos e sobrevive das contribuições das filiadas e dos atletas, além de apoios financeiros de parceiros, para realizar campeonatos. Em 2010, o governo federal concedeu 8 bolsas-atleta para surdos, 7 para vôlei de praia e 1 para judô. Este ano, todas as bolsas foram suspensas. Recentemente, as empresas Koller e Allegro firmaram uma parceria com a CBDS para auxiliar na elaboração de projetos de captação de recursos.

Em busca de superação Mesmo com o cenário pouco favorável, os atletas surdos conseguiram se superar. Em campo, nas quadras ou nas piscinas, dez recordes foram quebrados nos últimos quatro anos. Houve aumento no número de filiados e o estabelecimento de parcerias com as confederações das modalidades esportivas. Gustavo Perazollo é otimista em relação ao esporte dos surdos. “As estatísticas de rendimento têm melhorado e os surdos estão se esforçando para se superarem. Acredito que conseguiremos não só criar leis que nos favoreçam, mas também chamar a atenção dos governos para as nossas demandas. Vamos superar mais essa barreira”.

Arquivo Pessoal: Gustavo Perazzolo

Ele enfatiza que a CBDS tem trabalhado para recuperar aqueles atletas que deixaram de treinar e competir, por falta de condições

Foto: Paulo H. Carvalho/Casa Civil PR

“A participação valeu mais pela experiência inédita do que pelos resultados. Além da dificuldade de reunir a equipe para treinar, ainda há uma crescente desmotivação das associações de surdos de manter os treinamentos sem investimentos. As equipes não têm sequer condições de treinar com antecedência”, aponta Gustavo.

Movimento surdo no congresso do INES Foto: Fernando H. Ferreira

A quinta edição dos Jogos Pan-americanos dos Surdos será realizada entre os dias 12 e 24 de junho de 2012, na cidade paulista de Santos. O evento estava previsto para novembro e teria sede, inicialmente, na cidade de Belo Horizonte, e depois em Uberlândia, mas a falta de apoio das prefeituras mineiras fez com que o evento fosse adiado. Já está confirmada a participação de 18 países e de cerca de 1500 atletas. Com as seletivas realizadas durante as competições nacionais, já é possível realizar algumas convocações de atletas, que passaram a intensificar o treinamento por conta do Pan. Segundo Gustavo Perazzolo, que também é coordenador da competição no Brasil, o Pan-americano vai trazer bastante visibilidade para o esporte dos surdos. “Isso vai ajudar a sociedade a entender quem são os surdos e quais as suas demandas”, explica Gustavo. Para engrossar a equipe de organização, o ex-jogador da seleção brasileira de vôlei Mario Xando, companheiro dos tempos de Bernardinho, foi convidado para presidir a organização do evento. Ainda não há recursos disponíveis para a realização do Pan no Brasil, mas a CBDS está com algumas parcerias. O Ministério dos Esportes enviou uma carta que foi lida durante a Assembleia Geral Extraordinária, comprometendo-se a apoiar o evento. A coordenação ainda aguarda o agendamento de reunião com o novo Ministro, Aldo Rebelo.

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RECEBE REPRESENTANTES DA FENEIS

Durante o tradicional congresso do Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES), que ocorreu no Rio de Janeiro entre os dias 14 e 16 de setembro, foi realizada uma mesa sobre o PNE. Participaram a diretora de políticas educacionais da Feneis, Patrícia Rezende, a pesquisadora e linguista Tanya Felipe e o deputado Eduardo Barbosa, representando o relator do PNE, Angelo Vanhoni. Os dados apresentados pelos palestrantes foram semelhantes. O aumento no número de matrículas de pessoas com deficiência nas escolas regulares se deve à transferência dos alunos das escolas especiais. Em números absolutos, os dados revelam que houve, na verdade, diminuição da quantidade de alunos com deficiência nas escolas. O crescimento de matrículas na Educação de Jovens e Adultos revela também o alto índice de evasão nas séries iniciais.

Pílulas bilíngues Os líderes surdos de Mato Grosso, Andrico Moraes e Priscila Moraes, participaram de reunião com a deputada estadual Luciane Bezerra, na qual entregaram as propostas de emendas ao PNE favoráveis às escolas bilíngues. A Câmara Municipal de Porto Velho, capital de Rondônia, realizou em novembro audiência pública sobre a educação de surdos. As lideranças do movimento estiveram presentes. As lideranças do Paraná se reuniram com o vice-governador do estado, Flávio Arns, para propor a criação de escolas bilíngues, com referência na iniciativa da Prefeitura de São Paulo, que cria escolas específicas para surdos.

A terceira reunião realizada na Casa Civil foi solicitada pela Feneis e contou com a participação de Moisés Bauer, presidente do Conade, do deputado Eduardo Barbosa, da linguista Sandra Nascimento e da diretora da Feneis, Patrícia Rezende. Além dos agradecimentos, a Feneis levou propostas concretas de implantação da escola bilíngue para surdos. Foto: Paulo H. Carvalho/Casa Civil PR

O movimento dos surdos enviou quatro propostas de alteração do texto do relatório final do PNE. As sugestões enfatizam que a educação bilíngue para surdos deve ser aquela na qual a língua de instrução seja a Libras e que o português deve ser ensinado como segunda língua. Ênfase também para a priorização de escolas e classes bilíngues para surdos. As lideranças da cidade de Governador Valadares, norte de Minas, participaram de audiência pública na Câmara dos Vereadores sobre educação de surdos. Alem dos vereadores, participaram um promotor de justiça do estado e um procurador da República. Um projeto de criação de escola bilíngue foi apresentado. Em novembro, lideranças cearenses foram convidadas por representantes da Secretaria Municipal de Educação da cidade de Maracanaú para discutirem a educação de surdos. As lideranças de Brasília distribuíram a deputados federais e senadores cerca de duas mil revistas da Feneis cuja capa tratava do desrespeito do Mec em relação aos direitos linguísticos dos surdos. A ação antecedeu a divulgação do relatório do PNE. As revistas da Feneis foram distribuídas também no Encontro Nacional dos Procuradores da República, realizado em Fortaleza, em novembro. O movimento esteve presente nas audiências das assembleias legislativas de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio Grande do Sul, todas com o tema educação inclusiva e realizadas em novembro.

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MOBILIZAÇÃO

financeiras e estruturais. A entidade também tem um projeto de formar atletas de alto rendimento num prazo de dez anos. Para que a meta seja alcançada, a captação de recursos é fundamental. Durante a Assembleia Geral Extraordinária da CBDS, realizada em Brasília nos dias 8 e 9 de outubro, as federações estaduais e a Liga Nordestina se comprometeram a realizar um trabalho permanente de capacitação e treinamento. Participaram 73 pessoas e representantes de 14 entidades filiadas.


MOBILIZAÇÃO

l u z A o r b Setem

Acre

do m durante to ra e d n e st e se e festas, tembro, rdo, 26 de se um período d u e S u o q d o d ia D is a o ários ções d Azul. Muito m dos 26 semin m ro b lé m A As comemora te s. e o S rd o s para su de m origem a olas bilíngue vas no dia 9 sc ti e o mês e dera la s is la g e le p s o ta ia ês de lu nas assemble l de Valorizaçã a ia d d n za u li a esse foi um m M re ia s D ram o e no maioria dele is também tive o Dia do Surd n ra s u lt ta estaduais – a a cu e s ss e a d p a as ativid ram feitas tembro. Outr setembro, fo se e d 0 1 , is a e Sin icipais. das Línguas d mações mun ra g ro p s a n espaço

Seminários estaduais

Minas Gerais, Belo Horizonte

Cerca de 200 pessoas estiveram presentes na passeata realizada no centro de Belo Horizonte no Dia Mundial de Valorização das Línguas de Sinais. No dia anterior, foi realizado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais o seminário estadual, que reuniu cerca de 100 pessoas.

Minas Gerais, Governador Valadares

São Paulo

Cerca de 100 pessoas participaram do seminário realizado em Rio Branco, capital do Acre, que contou a presença de autoridades locais.

Em Pernambuco, o seminário contou com a presença de representantes da Prefeitura de Recife, do Movimento PNE pra Valer, além de assessores de deputados. Cerca de 200 pessoas participaram do evento.

Rio de Janeiro

O

s seminários foram realizados simultaneamente em quase todas as capitais brasileiras. O objetivo foi sensibilizar os representantes locais para a necessidade das escolas bilíngues. Vídeos com especialistas foram gravados e enviados a todas as lideranças, para que a programação fosse padronizada. Participaram das gravações os professores Emiliano Aquino, Gladis Perlin, Marianne Stumpf, Maura Lopes, Patrícia Rezende e Marilena Chauí. Os representantes da Federação Mundial dos Surdos, Colin Allen e Liisa Kauppinem, também gravaram vídeos de apoio à escola bilíngue no Brasil. Além dos vídeos, foi veiculada durante os seminários uma entrevista do professor Fernando Capovilla, concedida a uma rádio de São Paulo.

Pernambuco

Ceará

Mato Grosso do Sul A mostra cultural realizada em Campo Grande contou com peças teatrais e outras atividades culturais, além da realização do Seminário Estadual em Defesa das Escolas Bilíngues para Surdos. Participaram cerca de 600 pessoas.

Cerca de 170 pessoas participaram do seminário em Fortaleza. Estiveram presentes o deputado federal Artur Bruno, o deputado estadual Teodoro Menezes e o vereador Guilherme Sampaio, todos da pasta de educação.

Bahia Em Salvador, nem a chuva parou a passeata, que percorreu as principais vias da capital e terminou na porta da Câmara dos Vereadores da cidade. Os batuques dos tambores e a presença de deputados e vereadores marcaram o evento, que contou com cerca de 600 pessoas.

Em Governador Valadares, norte de Minas Gerais, a passeata foi feita em parceria com a associação de surdos (ASUGOV), no dia 7 de setembro. Cerca de 130 pessoas estiveram no cortejo que saiu da Praça dos Esportes e passou pela Prefeitura e pelos ministérios públicos federal e estadual.

Rondônia Em Porto Velho, capital de Rondônia, o seminário realizado na Assembleia Legislativa contou com a presença de cerca de 100 pessoas. O deputado Jean Oliveira esteve presente.

Na capital paulista a passeata foi realizada no dia 26 de setembro. A concentração em frente à Prefeitura reuniu cerca de 800 participantes, que seguiram para o Teatro Municipal, onde os líderes tiveram algumas falas (acima). O cortejo passou ainda pela Secretaria de Estado da Educação e pela Câmara dos Vereadores. O seminário estadual, realizado no dia 12 de setembro na Assembleia Legislativa, contou com cerca de 200 pessoas.

“Os movimentos sociais são o coração de uma democracia. São justamente aqueles que propõem a afirmação, a criação e a garantia de novos direitos. O movimento dos surdos coloca exatamente nessa condição, pois possui o conhecimento das condições reais dos surdos e por isso não pode, de maneira nenhuma, ser atropelado pelo governo, pelo Estado ou pelo Ministério da Educação, por melhores que sejam as intenções do Ministério”.

Na capital carioca, o seminário aconteceu na Assembleia Legislativa, no dia 9 de setembro, com a participação de cerca de 200 pessoas. No dia seguinte, foi realizada uma manifestação na praia de Copacabana em comemoração pelo dia Mundial das Línguas de Sinais.

Rio Grande do Sul A presidente da Câmara dos Vereadores de Porto Alegre, Sofia Cavedon, abriu o seminário gaúcho, juntamente com Francisco da Rocha, diretor regional da Feneis/RS, e Cláudio Silva, presidente da Faders, entidade das pessoas com deficiência do estado, na ocasião representando o governador Tarso Genro. Participaram cerca de 300 pessoas.

Marilena Chauí (Professora de filosofia da Universidade de São Paulo)

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Carta-denúncia

MOBILIZAÇÃO

A principal delas foi realizada na Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, em Brasília.

A

s lideranças do movimento em defesa da educação e cultura surda entregaram aos ministérios públicos federais de todo o país uma carta-denúncia contra o Ministério da Educação. O principal argumento do documento é o de que a atual política de educação inclusiva está provocando a evasão dos surdos das escolas e desrespeitando os seus direitos linguísticos e culturais. Ao todo, foram cerca de 40 MPs visitados simultaneamente, no dia 26 de setembro, incluindo todas as capitais e as cidades de grande porte. A ação mobilizou os procuradores da República, que organizaram audiências para reunir informações e definir a atuação

A diretora de políticas de educação especial do Mec, Martinha Clarete, acredita que existem divergências sobre como implementar o Decreto nº5.626. Ela propõe que seja feita uma nota técnica conjunta entre Mec e sociedade civil para orientar o sistema de ensino brasileiro em relação à educação bilíngue de surdos.

do Ministério Público na área de educação de surdos. Foram realizados eventos estaduais nos ministérios públicos de Santa Catarina e do Ceará, além de uma audiência nacional, no dia 1o de dezembro, na Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), em Brasília. O evento nacional contou com a participação de representantes do Mec e de procuradores federais de Goiás, Santa Catarina, Ceará e Rio de Janeiro.

Existe uma interpretação equivocada e uma manipulação da convenção e do Decreto nº 5.626 que estão contidas na Nota Técnica nº 5 do Mec, publicada neste ano. O Mec viola sim os direitos culturais e linguísticos dos surdos, porque nega a existência de uma cultura e identidade surda e secundariza a Língua de Sinais. Isso está expresso no material produzido pelo Mec e distribuído para professores de todo o país que atuam no AEE. Isso não seria um desrespeito à própria convenção da ONU que fala dos direitos linguísticos e culturais dos surdos? (...) Isso é uma afronta, um etnocídio cultural dos surdos

Não puderam estar presentes os representantes da Frente Parlamentar de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência e da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que também foram convidados.

Patrícia Rezende Diretora de políticas educacionais da Feneis

“ Foto: Ascom - MPF/SC

Foto: Joaquim Albuquerque - PGR/CE

A audiência pública realizada no Ministério Público Federal, em Fortaleza, reuniu cerca de 300 surdos.

O representante do INES, Valdo Ribeiro, relatou o histórico de resistência da instituição frente ao anúncio de fechamento do colégio aplicação pelo Mec. Já o presidente do Conade, Moisés Bauer, criticou a ausência de diálogo entre a sociedade civil e o Mec e a falta de compromisso do Ministro Haddad, que não

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Joiram Medeiros Coordenador geral de políticas educacionais do Mec

Percebo o quão pouco os anseios e angústias dos surdos são efetivamente ouvidos e respeitados. Mesmo com a excelente articulação do movimento dos surdos, em especial conduzido pela Feneis, encontramos ainda muitas resistências. Temos um grupo de pensadores e gestores na política educacional deste país que têm uma concepção dogmática sobre o tema. (...) Não é porque eu estou dentro de uma secretaria tratando de educação especial que eu sei todas as verdades. (...) Os surdos, quando pedem escolas bilíngues, não estão defendendo o segregacionismo, mas a educação de qualidadade

Debate O principal ponto de debate girou em torno das diferentes interpretações que são feitas dos termos “educação bilíngue para surdos” e “educação especial” e o resultado disso na prática. A diretora de políticas educacionais da Feneis, Patrícia Rezende, apresentou os principais aspectos legais que amparam a reivindicação pelas escolas bilíngues e que foram a base da carta-denúncia. Já os representantes do Mec apresentaram as ações do ministério voltadas para os surdos, tais como Prolibras, Letras Libras, produção e distribuição de material didático e investimentos no atendimento educacional especializado, realizado no contraturno.

Nós não podemos definir cultura senão em uma visão antropológica. Não é uma visão apenas calcada em uma minoria linguística. Porque assim, fazendo um comparativo, nós teríamos uma identidade aleijada ou torta a partir da minha, enquanto pessoa. Eu criaria uma identidade aleijada dentro desse princípio de definição de cultura. Mas, numa visão antropológica, cultura é toda manifestação humana. Estamos em um arcabouço de pessoas que vivem em comunidade

Moisés Bauer - Presidente do Conade Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência

cumpriu a promessa de realizar um seminário no Conselho Nacional de Educação sobre o tema. Entre os promotores e procuradores que tiveram assento à mesa, a discussão abordou os aspectos legais gerais sobre a educação das pessoas surdas e com deficiência. A íntegra da audiência está registrada no blog: audienciapublicaeducacaoinclusiva.blogspot.com

Em relação ao INES e ao IBC, instituições visitadas por mim e colegas da procuradoria, além de possuir toda a infraestrutura adequada para bem cumprir a missão de educar crianças (...), trata-se de instituições de ponta, de referência para a America Latina, onde se produz muito mais que educação, se produz pesquisa, cursos de capacitação, material didático e pedagógico. Se produz, sobretudo, experiência. Esses institutos necessitam manter um corpo discente para que tudo isso que lá se produz não pare no tempo e não se restrinja apenas a gerar contribuições teóricas desassociadas da prática

Foto: Anderson Ueslei/PGR

Foto: Anderson Ueslei/PGR

desencadeia audiências em Ministérios Públicos

O assessor do INES, Valdo Ribeiro, acredita que “existe um grande crescimento da educação inclusiva, mas é questionável se no caso dos surdos ela é eficiente e se oferece uma educação verdadeiramente bilíngue. Com certeza, sequer utilizam a Libras como língua de instrução”.

Carta-denúncia A carta-denúncia é fundamentada nos dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e nas legislações vigentes, tais como Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, regulamentação da Libras (Decreto nº 5.626/2005), Declaração Universal dos Direitos Linguísticos e Declaração de Salamanca. Além de definir o que é educação bilíngue, a cartadenúncia aponta também que a atual política do Mec faz uma interpretação equivocada da lei na teoria e na prática, provocando evasão escolar. A partir de um modelo homogêneo, que enfatiza a matrícula na escola mais próxima de casa, o Mec aposta no atendimento educacional especializado complementar como sinônimo de educação bilíngue. Considerado insuficiente e falho na opinião dos pesquisadores de educação de surdos, esse modelo mantém o ensino na língua portuguesa traduzido para a Libras. (ver pág. 19)

“Queria registrar o protagonismo dos surdos e das surdas ao demandarem ao Ministério Público de todo o país o reconhecimento de seus direitos. Isso me sensibilizou bastante, porque vocês têm lutado por seus direitos, como sempre fazem as minorias nesse país. Isso é fantástico. Como procuradora eu me regozijo, porque isso significa que o nosso país está indo para frente, que vamos dar passos largos, pois estamos sensibilizando os entes políticos, a União, o estado e o município para que eles implementem os direitos” Gilda Carvalho Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão

Maria Cristina Manela Coordenadora do Grupo de Trabalho Educação da PFDC

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CAPA

S A L O C S E S À M I S Z I D L I S A BR S O D R U S A R A P S E U G N Í L I B Legislação brasileira volta a considerar as matrículas de surdos nas escolas específicas e devolve aos pais a oportunidade de escolher entre escola regular ou especial |Por Regiane Lucas Garcêz

a educação para surdos prioritariamente em classes ou escolas bilíngues.

Os pais de crianças surdas que utilizam o sistema público de ensino não serão mais obrigados a matricular seus filhos em escolas regulares. Aqueles que optarem pelas escolas específicas estarão amparados pelo Decreto nº 7.611, assinado pela presidente Dilma no dia 17 de novembro durante o lançamento do plano Viver sem Limite. A nova legislação revoga o Decreto nº 6.571, de 2008, que obrigava a dupla matrícula de surdos e outras deficiências na rede regular e no atendimento educacional especializado (AEE). O sistema público de ensino deve incluir no orçamento o financiamento também para as escolas especiais.

A medida interrompe o progressivo fechamento dessas escolas, que viviam em constante ameaça. Para muitas delas, mesmo aquelas mais tradicionais, a lei chegou tarde. Ou foram fechadas ou transformadas em AEE. É o caso, por exemplo, de quatro escolas de surdos da região da Grande São Paulo, nas cidades de Osasco, São Caetano do Sul, Cotia e Diadema. Ao contrário do que vem acontecendo nas cidades vizinhas, a maior cidade brasileira instituiu, também em novembro, as seis primeiras escolas bilíngues para surdos do país. Por meio de um decreto municipal, a prefeitura de São Paulo transformou as seis escolas especiais de surdos já existentes em espaços onde a Libras é a língua de comunicação e instrução.

Sinal verde para a garantia de escolas bilíngues públicas para surdos. A nova lei também ratifica o Decreto nº 5.626, que, além de regulamentar a Lei da Libras, define Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

“Os limites não estão determinados no momento do nascimento. Eles são estabelecidos na sociedade. Viver sem limites é uma meta para nós do governo, que devemos retirar as barreiras e a invisibilidade pelas quais as pessoas com deficiência foram submetidas ao longo de tantos anos”. Maria do Rosário

ministra da Secretaria dos Direitos Humanos

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Plano

Viver sem Limite

“Este é um momento em que vale a pena ser presidente”. Com essas palavras a presidente Dilma começou o seu discurso emocionado no lançamento do Plano Viver sem Limite, o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Estão previstos, até 2014, investimento de R$ 7,6 bilhões até 2014 para a inclusão dessas pessoas. Serão beneficiados os 45 milhões de brasileiros que possuem algum tipo de deficiência, quase 24% da população. O direito à autonomia e o foco nas situações de extrema pobreza são os grandes princípios que norteiam o plano. As ações estão divididas em quatro eixos: educação, saúde, acessibilidade e inclusão social. De iniciativa da própria presidente, a elaboração do plano mobilizou todos os ministérios. Ao todo, 15 órgãos do governo estão envolvidos na implementação de novas ações e na consolidação de outras já existentes. Foi criada ainda a secretaria de acessibilidade, de responsabilidade do Ministério das Cidades. Segundo o presidente do Conselho Nacional da Pessoa com Deficiência, Moisés Bauer, o plano marca um diálogo inédito entre a presidência e a sociedade civil: “A grande conquista é a barreira atitudinal que esse governo rompeu. Nós temos certeza que a autonomia e o respeito à escolha estão em dar oportunidade para que as próprias pessoas com deficiência digam ao governo o que precisam”.

Viver sem Limite

Benefícios

para os surdos

Contratação de 1.296 professores e tradutores intérpretes de Libras em instituições públicas. Financiamento de produtos com tecnologia assistiva. Casas acessíveis no programa Minha Casa Minha Vida. Criação de 27 cursos de Letras/Libras, com 2.700 vagas/ano. Criação de 12 cursos de Pedagogia Bilíngue, com 480 vagas/ano.

O HISTÓRICO DAS ESCOLAS DE SURDOS A maioria das escolas específicas para surdos possui um histórico muito parecido. Foram criadas em meados do século passado, adotaram a metodologia oralista e eram chamadas de escolas especiais. Vivenciaram o período do oralismo e passaram pela metodologia da Comunicação Total. Hoje, aquelas que não fecharam ou estão em transição ou já se tornaram bilíngues, mas muitas mantêm a nomenclatura de escolas especiais, conforme prevê a lei. A herança oralista fez com que, até hoje, muitas dessas instituições ainda tenham como foco a deficiência e não a língua. Segundo a diretora da Escola Municipal de Educação Bilíngue para Surdos Helen Keller de São Paulo, Mônica Amoroso, essa é uma história que não se pode negar. “Foi um processo. Começamos a ver que o conhecimento ficava restrito, pois ao mesmo tempo a escola precisava ensinar os conteúdos e a fala. Por termos tido essa percepção é que mudamos o enfoque para o bilinguismo e só então tivemos a consciência de que os surdos são sujeitos linguísticos”. A escola foi criada em 1952, nos tempos áureos do oralismo, e hoje é uma das primeiras escolas bilíngues públicas do país. A professora Eleny Gianini, uma das fundadoras da EDAC (Escola de Audiocomunicação Demóstenes Cunha Lima), que fica em Campina Grande na Paraíba, explica que apesar de todos os esforços, o oralismo não dava respostas edu-

cacionais. A escola, criada em 1983, passou também pela Comunicação Total onde era usada a fala ao mesmo tempo que os sinais. “Só quando o bilinguísmo chegou no Brasil é que começaram a aparecer os primeiros resultados positivos. Acredito que as escolas bilíngues contribuem efetivamente para a inclusão social dos surdos ao proporcionar desenvolvimento da linguagem, identidade e aprendizado escolar”, explica Eleny, que também é professora da Universidade Federal de Campina Grande. O oralismo era visto como aquele capaz de integrar os surdos à sociedade, mas falhava como método de escolarização. “As crianças surdas chegam à escola sem língua na maioria das vezes. Só quando começam a descobrir que podem se comunicar pela língua de sinais é que despertam o interesse pelo aprendizado. Sem aprendizado não há inclusão dos surdos na sociedade”, explica Mônica Amoroso.


PRIMEIRO MUNICÍPIO A DECRETAR AS ESCOLAS BILÍNGUES métodos. Do porteiro ao diretor, todos sabem Libras. Essa é uma verdadeira escola bilíngue, modelo adotado pela prefeitura de São Paulo como uma das opções para a educação de surdos. O Decreto municipal nº 52.785, de 10 de novembro de 2011, transformou as seis escolas especiais de surdos existentes em Escolas Municipais de Educação Bilíngue para Surdos (EMEBS).

O que muda na prática?

Antes de publicar o decreto das escolas bilíngues, o secretário municipal de educação de São Paulo, Alexandre Schneider, fez algumas visitas às escolas de surdos da cidade.

A parceria com a sociedade civil O secretário Alexandre Schneider explica que o decreto é fruto de um trabalho que começou ainda em 2007. Foi realizada uma ampla discussão que envolveu os professores de surdos da rede de ensino, os gestores de educação, os pais e os movimentos sociais. “Esse é um projeto coletivo construído a partir da escuta daqueles que estão preocupados com o desenvolvimento da criança surda. Muito mais do que decretos, o importante é a ação da prefeitura de implantar algo que é resultado do acúmulo de conhecimentos”.

Segundo o secretário municipal de educação de São Paulo, Alexandre Schneider, estão garantidos para 2012 cerca de R$ 17,5 milhões. O recurso será investido na capacitação de professores e funcionários, contratação de professores de Libras, intérpretes e guiaintérpretes, reestruturação das EMEBS, identificação e implementação das escolas polo e compra de equipamentos e materiais didáticos. “O objetivo é que todos os funcionários das escolas polo e bilíngues recebam formação em Libras. Não adianta o aluno entender uma aula, se as pessoas que o cercam não estão preparadas para dialogar com ele”, afirma o secretário.

A EMEBS Helen Keller possui 380 alunos, dos quais 40 têm outras deficiências associadas. Muitos deles são de municípios da Grande São Paulo, onde as escolas específicas foram fechadas. Atende também alunos surdocegos com a metodologia de comunicação por Libras tátil e escrita Braile. São 45 professores, sendo dois surdos, e outros 25 funcionários, todos fluentes em Libras. O ensino vai da educação infantil, a partir de três anos, até o fundamental, além da educação de jovens e adultos. A novidade é que a escola está se preparando para receber bebês surdos em 2013, possibilidade também aberta pelo decreto. Durante todo o ano serão feitas obras de infraestrutura para garantir o atendimento por meio de estimulação precoce.

Mudança também na rotina dos alunos. A diretora conta que é um desafio transformar tudo o que está no quadro para a Libras, mas que essa prática deixa os alunos mais confiantes. Além disso, questões culturais passarão a ser mais valorizadas no processo de ensino e aprendizagem: estímulo à produção e compartilhamento, pelos próprios alunos, de vídeos em Libras, palestras ministradas por surdos adultos, festivais culturais, entre outros. “Essas iniciativas já existiam desde 2007. Entretanto, devem se intensificar, pois agora está escrito na lei que a cultura e a língua são importantes nesta escola. Não é algo clandestino como era antes”, defende a diretora. A formatura de 2011, por exemplo, foi toda realizada em Libras e traduzida para o português, o que, conforme Mônica Amoroso, traz outro significado para os alunos.

O professor de matemática da escola, Neivaldo Zovico, que é surdo, acredita que, com o decreto, a tendência é aumentar o número de profissionais surdos na escola. “Esperamos que as cidades do Brasil sigam a iniciativa de São Paulo. Caso não tenham escolas públicas bilíngues, que as criem, respeitando os direitos dos surdos”. A diretora Mônica Amoroso acredita que serão contratados mais instrutores de Libras para dar apoio aos professores e ensinar a língua aos pais e alunos.

Ele conta que só foi possível adotar a política de educação bilíngue depois de compreender as especificidades dos surdos e de ver de perto a realidade a partir de visitas às escolas. “Nós entendemos que o aluno surdo precisa ser alfabetizado em Libras e em português com uma metodologia própria. Ele não tem, como o aluno ouvinte, algumas referências. Por isso, não podemos simplesmente jogá-lo na escola regular”. O pedagogo surdo e militante paulista Alexandre Melendez acredita que o diálogo foi essencial: “antes, as autoridades acreditavam que a escola bilíngue era segregacionista. Foi preciso elaborar propostas e argumentar sobre os benefícios desse modelo. Sem a abertura da prefeitura seria impossível”.

Foto: Bruna Ancheschi/ SME-SP

Foto: Sandra Farah

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Em cada uma das regiões da cidade será criada uma escola de referência, com ênfase nas classes bilíngues. Essas escolas serão implementadas em unidades polo já existentes que não são exclusivas para surdos, mas por terem muitos deles matriculados, passarão a ser a referência da região. Duas delas já estão em funcionamento nos Centros Educacionais Unificados de São Rafael e Capão Redondo e contam com 35 alunos, cada. Já nas escolas regulares, que hoje possuem cerca de 700 estudantes, o atendimento é feito com intérpretes de Libras. Nas EMEBS são, ao todo, 1.300 alunos surdos.

EMEBS Helen Keller

Segundo a diretora da EMEBS Helen Keller, Mônica Amoroso, com o decreto, não foi só o nome da escola que mudou, mas o conceito. Ela explica que existe uma valorização da Língua de Sinais e da cultura surda como essenciais no processo de aprendizagem. Isso acontece porque a lei deixa claro que o português deve ser ensinado como segunda língua e que a Libras não é língua de segunda categoria. “Quando um aluno surdo recebe um diploma de escola bilíngue se sente mais valorizado, pois o foco sai da deficiência e se volta para a valorização linguística”, observa a diretora.

Foto: Sandra Farah

Foto: Sandra Farah

Desde o primeiro bom dia dado na escola até a despedida no final da aula, toda a comunicação na escola bilíngue para surdos é feitam em Libras. Alunos aprendem ciências, história, matemática e outras disciplinas com professores fluentes na Língua de Sinais. Estratégias de ensino baseadas em recursos visuais e o português como segunda língua fazem parte do currículo. Professores surdos e ouvintes interagem na busca dos melhores

Na maior cidade brasileira, os pais das crianças surdas vão poder escolher qual modelo educacional querem para seus filhos. O decreto da prefeitura de São Paulo prevê não só a transformações das antigas escolas especiais em EMEBS, mas também uma ampla política educacional baseada no tripé: escolas bilíngues, escolas polo e escolas regulares.

Foto: Sandra Farah

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Oportunidade de escolha

SÃO PAULO

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Arquivo pessoal: Eleny Gianini

RESISTÊNCIA BILÍNGUE NO SEMIÁRIDO

PARAIBANO A EDAC (Escola de Audiocomunicação Demóstenes Cunha Lima) pode ser considerada o símbolo da resistência bilíngue. A escola, que fica em Campina Grande, semiárido da Paraíba, recebeu em 2011 o comunicado de que deixaria de ser escola para ser transformada em espaço de atendimento educacional especializado para surdos. A forte mobilização dos surdos, principalmente com o Setembro Azul, fez as autoridades recuarem. (ver págs 11 e 12) A escola foi fundada em 1983 pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) para servir de campo de estágio para os alunos do curso de pedagogia com habilitação em audiocomunicação. Em seguida, passou a ser de responsabilidade do estado e do município e a universidade ficou por conta da assessoria pedagógica. Atualmente conta com cerca de 220 alunos, muitos deles vindos de 15 municípios vizinhos.

Escolas de surdos na Paraíba Campina Grande (Edac) - 220 alunos - criada em 1983. Aroeira - 30 alunos - criada em 2007.

Gado Bravo - 25 alunos - criada em 1992.

Arquivo pessoal: Eleny Gianini

Sumé - em fase de implantação, com matrículas abertas para 2012.

Segundo a professora da UFCG Eleny Gianini, fundadora da escola, existem problemas comuns a todas as escolas públicas brasileiras, como falta de professores e infraestrutura adequada, mas o principal deles é a ausência de uma política bilíngue oficial. “A manutenção da Edac é muito mais um movimento de resistência do que de grandes avanços. Não é fácil implantar um modelo bilíngue, mudar a representação que se tem da surdez e introduzir a perspectiva cultural, mas acredito que o decreto da Dilma vai ajudar bastante”, explica a professora. A UFCG também presta assessoria à outras três escolas de surdos da Paraíba, localizadas no Cariri, por meio de formação permanente dos professores e reuniões quinzenais. Essas escolas reúnem estudantes das cidades vizinhas, que em geral estão despreparadas para atender esse público. Eleny acredita que nas cidades menores a interlocução com as prefeituras viabiliza o modelo bilíngue.

Escola de surdos é criada na região do Cariri

A cidade de Sumé, que fica a 260 km de capital paraibana João Pessoa, vai receber uma escola municipal com abordagem bilíngue para surdos ainda neste ano. Antes os surdos estavam nas escolas regulares sem intérpretes. Não havia sequer comunidade surda. Muitos nem língua tinham. A professora Shirley Barbosa das Neves Porto, da UFCG, explica que foi feito um mapeamento dos surdos e 26 estão em idade escolar ou se interessam em voltar para os estudos. Serão cerca de 17 municípios atendidos na região do Cariri Ocidental. As prefeituras apoiaram o projeto e vão disponibilizar transporte para Sumé. A tendência é que muitos surdos que viajam até 3 horas em condições precárias para chegar na escola de Campina Grande, façam viagens menores. Inicialmente, pretende-se trabalhar mais o desenvolvimento da língua e a percepção deles próprios como sujeitos linguísticos. Será um ano de sondagem tanto linguística quanto de conteúdo, explica a professora Shirley. “Grande parte do nosso trabalho aprendemos com os surdos. É um movimento que se reatroalimenta entre a escola e a pesquisa. A medida em que a escola se desenvolve, aprendemos junto e viceversa”, destaca a professora.

BOAS PRÁTICAS BILÍNGUES EM FORTALEZA Assim como a maioria das escolas de surdos, o Ices (Instituto Cearense de Educação de Surdos) também começou com o ensino oralista, em 1961. Mudanças profundas ocorreram de lá pra cá. Hoje, a escola é bilíngue e seu projeto político-pedagógico (PPP) passou por uma ampla reformulação para se adequar à nova proposta. A diretora da escola, Juliana Brito, explica que uma das principais metas do projeto, elaborado em 2009, era a de que a educação infantil fosse feita por pedagogos surdos, para facilitar a aquisição da língua de sinais o mais cedo possível e construir um modelo de referência para o aluno. Em 2001 a meta foi ampliada para as turmas do 1º ao 4º ano, que passaram a ter dois professores: um surdo, para Libras, história e geografia, e outro ouvinte, para português, matemática e ciências. Outra mudança inclui a oficialização da disciplina de Libras no currículo escolar, a formação periódica dos professores em Libras e a padronização das provas e currículos.

Ela explica que a escola só não funciona em período integral porque não pode se inscrever nos programas federais. Esses programas exigem que a instituição seja avaliada pela Prova Brasil e pelo Censo Escolar, mas escolas especiais são impedidas de passar por essas avaliações. Mesmo assim, o Ices está pleiteando um prédio maior e mais adequado para a educação integral, já que tem apoio da secretaria. Com o novo decreto, será possível oferecer também atendimento educacional especializado, principalmente para as crianças com deficiências associadas.

A ameaça de fechamento sempre rondou a instituição, até que em 2008, a partir de uma reunião com a Secretaria Estadual de Educação, foi possível apresentar as especificidades do ensino para surdos. “Esta reunião foi um marco significativo. Hoje o Ices encontra-se em plena expansão, sendo reconhecido e respeitado pelo trabalho que realiza”, afirma a diretora.

A escola tem hoje 515 alunos surdos, alguns deles com outras deficiências associadas. É ofertado o ensino infantil, fundamental e médio, educação de jovens e adultos e cursos profissionalizantes, de esportes e artes. Ao todo estão envolvidos 92 profissionais, todos fluentes em Libras, mas com níveis de proficiência diferenciados. Dentre os 67 professores, 12 são surdos.

Política do Mec deixa milhares de surdos fora das escolas O aumento do número de matrículas de surdos na escola regular não significa necessariamente um crescimento de surdos nas escolas, de modo geral. Dados do INEP (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), revelam que houve queda de 8% no total de matrículas de surdos e pessoas com deficiência auditiva, o equivalente a 5.481 surdos

fora das escolas. O levantamento faz parte dos argumentos que fundamentaram a carta-denúncia da Feneis entregue aos Ministérios Públicos Federais. A partir de 2009, o Inep passou a não divulgar esses números detalhadamente, separados por tipo de deficiência, o que inviabilizou a atualização do levantamento. Associada à diminuição de surdos ma-

Matrículas de alunos surdos e com deficiência auditiva

Matrículas de alunos surdos

2006- 2008 7.999

13.496

nas escolas específicas

2.518

nas escolas regulares

5.481

alunos surdos e com deficiência auditiva fora das escolas

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2005- 2008

nas escolas específicas

407

nas escolas regulares

13.089

alunos surdos fora das escolas

Números levantados por Emiliano Aquino com base nos dados do INEP/MEC

triculados, há também uma gradativa tendência de fechamento de classes e escolas específicas. No município gaúcho de Camaquã, aproximadamente 25 crianças surdas foram realocadas em turmas regulares a partir deste ano. Em Guaíba, no mesmo estado e em milhares de cidades no país a situação é a mesma.

Matrículas de alunos com deficiência na educação infantil Censo escolar

2008- 2010

30.297

nas escolas específicas

6.441

nas escolas regulares

23.856

alunos com deficiência fora das escolas


CULTURA

pinta Porto Alegre de azul

Elas explicam que o contexto de produção, circulação e consumo da arte e cultura surdas é bastante promissor. Os surdos brasileiros vêm produzindo seus artefatos culturais há varias décadas, mas a circulação ficava restrita aos encontros presenciais. Com as novas tecnologias e com a oficialização da Libras no país, as possibilidades de circulação e consumo estão bastante ampliadas. “O consumo da cultura surda não está mais restrito às pessoas surdas, à suas famílias e a seus espaços comunitários e educacionais”.

|Por Diogo Madeira e Regiane Lucas Garcêz

Colorido de azul:

Entre espetáculos e debates

Durante os três dias, os participantes puderam assistir a 5 mesas-redondas, 13 minicursos, 4 peças teatrais e 14 exposições de obras artísticas, entre desenhos, fotografias, vídeos, filmes, poesias e crônicas, tudo produzido por integrantes da comunidade surda. Foram convidados artistas e pesquisadores de diferentes regiões brasileiras e do exterior: Argentina, Inglaterra, Estados Unidos, Portugal e Austrália. As atividades foram divididas em quatro eixos temáticos: cinema/mídias, literatura, artes visuais e teatro. Segundo as coordenadoras, a intenção não era promover um evento acadêmico, nos moldes tradicionais: “Pretendíamos um evento de encontros, de trocas, de celebração da Cultura Surda”. Alguns dos pontos altos do festival foram as apresentações de encerramento, com o espetáculo Bichi Cletta & Maravilla, da companhia argentina Arte e Señas, e com o show do comediante australiano Rob Roy. Participaram da programação

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Madalena Klein, Lodenir Karnopp e Márcia Lunardi Coordenadoras do evento

Thomas K. Holcomb, dos Estados Unidos, é professor de cultura surda, é filho de surdos e autor do clássico Deaf Culture, Our Way, que traz histórias bem humoradas sobre as diferenças culturais entre surdos e ouvintes. Durante o festival, ele ministrou o minicurso Desmistificando a Cultura Surda, além de fazer uma palestra sobre literatura.

os artistas brasileiros surdos Fernanda Machado, Germano Dutra, Claudia Hayakawa, Bruno Ramos, Fabiano Rosa e Tatiana Martins da Silva. Foto: Diogo Madeira

J

á na primeira noite do evento, logo depois da cerimônia de abertura, a alegria tomou conta da plateia. O ator paulista Sandro Pereira e os palhaços da Companhia de Teatro Mãos Livres, todos surdos, foram os responsáveis por arrancar gargalhadas do público.

Foto: Diogo Madeira

assim foi o primeiro Festival Brasileiro de Cultura Surda, realizado em Porto Alegre entre os dias 13 e 15 de novembro. A cor símbolo do movimento surdo esteve estampada por todos os cantos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde aconteceu o evento. Ao todo, foram 660 inscritos, número que surpreendeu a organização. Segundo as coordenadoras Márcia Lunardi, Madalena Klein e Lodenir Karnopp, a diversidade dos lugares de origem dos participantes também foi uma surpresa.

“Quem esteve presente no festival com certeza compartilha conosco da alegria em ver tantas pessoas reunidas, mãos e corpos em movimento, rostos expressando sentimentos de admiração, curiosidade e interesse. A cultura surda vibrou nos espaços da UFRGS nos dias do festival”

As coordenadoras acreditam que o pensamento de alguns grupos incrédulos em relação à existência da cultura surda, como algumas pessoas do Ministério da Educação (Mec), é um pensamento de poucos e não corresponde ao conjunto da sociedade brasileira. “Os surdos estão aí, a cada dia, produzindo artefatos em que compartilham de sua língua de sinais,

que emergem de suas

Foto: Diogo Madeira

Cultura Surda

de uma segunda edição do evento, já que o festival faz parte de um projeto a ser encerrado em 2012. “O que almejamos é que as comunidades surdas em nosso país se animem a promover encontros para que se possa divulgar estes e tantos outros trabalhos. É isso que esperamos: que esses encontros se multipliquem e que os surdos se sintam motivados a mostrar e qualificar suas produções”, defendem as coordenadoras.

A companhia argentina Artes & Señas foi criada em 1999 e desde então desenvolve trabalhos de teatro, intervenções performáticas, vídeocontos e traduções e adaptações de clássicos da literatura argentina. O objetivo do grupo é trabalhar ações artísticas e pedagógicas de maneira inclusiva e experimental, por meio da Língua de Sinais.

experiências visuais e que (re)constroem significados que lhes posicionam como sujeitos participantes de uma comunidade rica em manifestações culturais”, explicam Lodenir, Márcia e Madalena.

O projeto O Festival Brasileiro de Cultura Surda é uma das ações previstas no projeto de pesquisa “Produção, Circulação e Consumo da Cultura Surda Brasileira”, do Gipes (Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Educação de Surdos). O grupo é composto por pesquisadores das universidades federais do Rio Grande do Sul (UFRGS), de Santa Maria (UFSM) e de Pelotas (UFPel). As três instituições atuam na área de Educação de Surdos por meio de projetos de pesquisa, de ensino e de extensão. Mapear as produções culturais da comunidade surda brasileira e montar um acervo que sirva de referência para pesquisas são as metas do projeto. O objetivo é dar visibilidade para essas produções e potencializar o intercâmbio entre os envolvidos na produção, circulação e consumo dos artefatos da cultura surda. Além de fazer parte da divulgação dos resultados parciais da pesquisa mais ampla, o festival foi uma grande oportunidade de encontro entre artistas surdos. Muitos dos convidados foram conhecidos com o decorrer das incursões de pesquisa a várias regiões do país.

A Companhia de teatro Mãos Livres, de Belém do Pará, abriu a programação do festival arrancando gargalhadas na plateia. Também ministrou o minicurso O corpo como princípio, mostrando técnicas de encenação e improviso e o processo de criação com o objetivo de motivar outros grupos.

Patrimônio da cultura surda As coordenadoras Márcia Lunardi, Madalena Klein e Lodenir Karnopp acreditam que o saldo do evento é bastante positivo. “A qualidade das apresentações artísticas e dos debates nas mesas demonstrou que a cultura surda vem sendo intensamente produzida e que ela circula em diferentes espaços de nosso território nacional e fora dele”. Não há previsão para a realização

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Educação e Literatura surda Literatura surda é toda literatura feita por e para surdos. Em geral, são criações que tratam da temática dos surdos e da Língua de Sinais, traduções ou adaptações de clássicos. Prioriza os materiais em vídeo, em escrita de sinais e em desenhos de sinais e é utilizada como meio de alfabetização e letramento dos surdos. Retrata o modo como os surdos percebem o mundo e busca difundir os registros da cultura surda. Segundo Marta Morgado, professora surda e escritora portuguesa, a diferença entre a literatura surda e aquelas baseadas nas línguas orais é que na primeira o enfoque está nas imagens e na relação visual que o leitor estabelece. “A literatura surda destaca a imagem, a literatura dos ouvintes destaca o texto. Sou educadora de crianças surdas há quatorze anos e percebo que quando elas têm acesso à literatura surda há grande sucesso no seu desenvolvimento”.

Karin Strobel As imagens do outro sobre a cultura surda (2008)

Para Barbara Gerner de Garcia, professora da Gallaudet University e contadora de histórias para crianças surdas, infelizmente as escolas ainda não estão preparadas para incluir a cultura surda no ensino. No minicurso “Direitos da Criança Surda à Língua de Sinais”, a linguista apontou que ainda existe uma grande influência nas ideias de Alexandre Graham Bell nas escolas norte-americanos, o que gera uma permanência agressiva das escolas ditas inclusivas nos Estados Unidos. Ela defende que é necessário pensar em formas de influenciar o discurso e a opinião pública para reverter isso.

CULTURA

Pela primeira vez em Minas Gerais, uma exposição conta com um arte-educador surdo e visitas guiadas em Libras

A

Interesse pela arte

saga dos grandes imperadores de Roma, recontada por meio de mais de 300 objetos de arte, também foi narrada em Libras. A exposição “Roma – A Vida e os Imperadores”, realizada na Casa Fiat de Cultura de Belo Horizonte, contou com um arte-educador surdo e uma intérprete de Libras, que se prepararam especialmente para receber os surdos. O estudante Felipe de Castro, de 18 anos, assumiu o desafio de fazer as visitas guiadas com os surdos e já na primeira delas se deparou com surpresas. “Eles ficaram encantados com a exposição e relataram que, mesmo já tendo visitado outras, essa parecia ter sido a primeira vez. A iniciativa amplia as possibilidades de comunicação, a cultura e o conhecimento, além de quebrar barreiras”, conta Felipe, que trabalha em parceria com uma intérprete de Libras.

Felipe sempre gostou de arte. As preferências vão de Van Gogh a Picasso, passando por Leonardo da Vinci, esculturas em geral e arte japonesa. O talento foi logo percebido pela professora Vera Lúcia Souza e Lima durante a iniciação científica, feita em um projeto de manual e glossário de desenho arquitetônico em Libras. A responsável pelo projeto, que também é coordenadora do Polo Cefet-MG do Letras/Libras da UFSC, não pensou duas vezes: indicou o aluno logo que soube da proposta da Casa Fiat de Cultura. Ele participou do projeto de pesquisa durante um ano, além de ter feito o curso de desenho arquitetônico para surdos com outros 23 alunos, também organizado pela professora Vera. O Programa de Bolsas de Iniciação Científica Júnior (BIC-Jr) do Cefet-MG é voltado para a iniciação à pesquisa de estudantes do ensino médio. Uma das parceiras é a Escola Estadual Maurício Murgel, onde Felipe estudou. Foi a primeira vez que surdos participaram de pesquisas científicas na instituição.

A coordenadora do programa educativo da Casa Fiat de Cultura, Mailine Bahia, explica que, na primeira vez em que recebeu alunos surdos, foi preciso uma grande preparação da equipe de arte-educadores. Eles desenvolveram um trabalho com objetos e com os intérpretes da escola. “Foi nessa oportunidade que descobri que os surdos têm dificuldade de leitura e percebi o quanto ainda precisávamos conhecer esse público”, explica Mailine, que reformulou, então, toda a proposta de acessibilidade para surdos. Na exposição sobre Roma, todos os 36 arte-educadores têm aulas sobre Libras e cultura surda uma vez por semana.

Acessibilidade em Museu de São Paulo

O projeto foi realizado durante essa exposição, aberta ao público entre 21 de setembro e 18 de dezembro. Foto: Luiz Oliveira

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Cultura surda é o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá-lo a fim de torná-lo acessível e habitável, ajustando-o com suas percepções visuais, que contribuem para a definição das identidades surdas e das “almas” das comunidades surdas. Abrange a língua, as ideias, as crenças, os costumes e os hábitos do povo surdo.

Roma em sinais

Vera Lúcia Souza e Lima e Felipe de Castro, durante a exposição

O Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) também oferece monitores surdos. Por meio do projeto Aprender para Ensinar, os jovens são preparados para guiar as visitas de escolas em Língua de Sinais. A acessibilidade é oferecida durante todo o calendário de exposições. Basta entrar em contato com o MAM e agendar a visita. Outra opção é o vídeoguia, vídeos em que depoimentos de curadores e artistas são traduzidos para Libras e disponibilizados gratuitamente. Informações pelo e-mail acessibilidade@mam.org.br DEZ 2011 - FEV 2012 | REVISTA DA FENEIS | 23

Foto: Luiz Oliveira

CULTURA O projeto é financiado pelo Ministério da Cultura por meio da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), mas a realização do festival contou também com recursos das inscrições dos participantes e das universidades envolvidas no projeto. Cerca de 70 pessoas, entre pesquisadores, alunos da graduação e da pós-graduação, monitores e tradutores/intérpretes, participaram da organização do evento.

Foto: Diogo Madeira

A professora Rachel Sutton-Spence, da Universidade de Bristol, na Inglaterra, ministrou um curso sobre poesia dos surdos e os significados poéticos extraídos dessas produções a partir das analogias visuais, expressividade, olhares e antropomorfismos,

Marta também é proprietária de uma editora de livros para surdos, a Surd´Universo, que funciona desde 2004 e tem atuação internacional. Os livros, antes de serem aprovados, são testados por crianças surdas e, se forem adequados à cultura surda e à idade, são publicados. Durante o minicurso realizado no festival sobre literatura surda, Marta falou sobre as várias possibilidades de produção e circulação de materiais.


Telasco

Pereira Filho |Por Francisco Buzar - Cientista social Universidade Federal do Maranhão

É

difícil falar em um espaço tão curto de um grande homem. Um homem de poucas palavras, mas de grandes ações. De inesquecíveis sinais, de rara inteligência e ética exemplar. Telasco era surdo congênito e tinha 75 anos de pura vitalidade. Sua mãe descobriu sua surdez dois dias depois de ele ter nascido. Ao voltar da fazenda, o pai encontrou a mãe triste, que lhe fez o comunicado. O pai, contrariamente, ficou muito alegre e disse: “Eu estava preocupado com Zizi ficar sozinha no mundo sem comunicação, agora ela ganhou um companheiro.” Assim, chamou Zizi, irmã mais velha, que também era surda, e disse: “Ele é surdo igual a você. Agora é como se fosse seu filho.” Ela tinha treze anos. Daí por diante começou a cuidar dele. Zizi ensinou-lhe a escrever, a ter educação, a se comportar. Ele tinha por ela um amor incondicional. Em 1945, seu pai levou-o para o Rio de Janeiro para estudar no Instituto Nacional de Educação de Surdos-Mudos (INSM) (atualmente conhecido por INES - Instituto Nacional de Educação de Surdos). Ao chegar lá, surpreendeu seus professores pela inteligência e capacidade de aprendizagem. Até então, Zizi tinha sido sua única professora. Telasco também se destacou no mercado de trabalho. Nesses locais, teve que provar o seu talento para o desenho e para a estética e conquistou todos com sua personalidade maravilhosa. Depois, ficou no Rio e começou a marmorizar e pintar bolos nas festas de artistas, jogadores, políticos, entre outros. Adquiriu fama e saiu em jornal. Foi diretor da Associação dos Surdos do Rio por mais de 20 anos. Era querido por todos. Inventava muitas coisas, brincadeiras, peças teatrais. Dirigiu, fez o figurino e o cenário da primeira peça de teatro da Associação: A dama das camélias mudou o nome para A dama das flores. Foi um sucesso. Todos choravam no final. Silvia (sobrinha de Telasco e Zizi), preocupada com eles, pediu que fossem morar em São Luís. Mudaram-se em 1999. Ela cuidou de Telasco até a hora de sua morte e, até hoje, cuida com carinho de Zizi. Na gestão do ano de 2000 da Associação de Surdos do Maranhão (ASMA), foi convidado por Luís para ser Diretor Social. Na eleição direta do Centro de Apoio aos Surdos (CAS), em 2003, foi eleito para Diretor Adjunto na chapa junto com Edeilce Buzar. Tinha uma preocupação enorme com a vida dos surdos, com a família, com a educação, com as associações, com o trabalho, com a língua, com o acesso à informação. Dizia que o CAS de São Luís parecia com a FENEIS, pois ajudava os surdos.

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“Em certas comunidades africanas ágrafas, quando morre um líder ancião, costuma-se dizer que junto com ele vai todo um saber comunitário. Tenho certeza que com Telasco vai uma biblioteca bilíngue: em Língua Brasileira de Sinais e em Língua Portuguesa. Telasco foi generoso comigo ao me possibilitar adentrar em sua história, conhecer seus bastidores, suas emoções, seu percurso. Sinto-me honrado por ter podido vivenciar esse momento. Até qualquer dia amigo.”

Francisco Buzar Foi reeleito para um segundo mandato como diretor adjunto do CAS em 2005, juntamente com Edeilce. Quando Edeilce saiu do CAS para morar em Brasília, Telasco ficou como DiretorGeral do CAS. Primeiro diretor-geral, surdo, do CAS do Brasil.

É uma pena morrer este líder tão forte. Ele conseguiu lutar contra os opressores maranhenses... Que Deus Surdo o leve em paz! Abraços sinalizados.

(Ana Regina Campello – professora da UFSC) Na paz Telasco, seu legado foi unir os surdos no trabalho, na educação e nos diferentes segmentos religiosos surdos dentro da associação e demais instituições no Maranhão, vencer as barreiras e ser o primeiro Diretor surdo dos 27 CAS no Brasil e até o momento foi o único líder que conseguiu esse cargo, os demais surdos estão chegando no cargo de Coordenador Pedagógico que vale ser vice-coordenador devido seu grande exemplo. Você foi sábio nos ensinando que os grandes líderes são os multiplicadores e não os centralizadores! Siga em Paz!

Shirley Vilhalva – Diretora Administrativa da FENEIS Olá, pessoal.Estou em uma tristeza só! Todos sabem o quanto Telasco era meu amigo. Eu o amo demais!!! Sentirei muita falta! Não sei quando o meu coração vai parar de doer!!! (...)Beijos a todos.De um coração partido

Edeilce Buzar – Diretora Administrativa da FENEIS/DF Meus sentimentos a Edeilce e ao povo surdo brasileiro! (...) Telasco representa a educação de surdos neste País! Amém!

O dia 26 de setembro, reconhecido pela Lei nº 11.796, de 2008, como Dia Nacional dos Surdos, foi comemorado em todo o país. A programação do Dia dos Surdos na Feneis-MG foi organizada para agradar a todos os públicos: crianças e adultos. No dia 24 de setembro, sábado, foi realizada uma manhã de palestras, que contou com a presença da professora Elidéa Bernardino, com o tema “Educação Bilíngue”, e do vice-presidente da Feneis, Paulo Bulhões, que falou sobre o Movimento Surdo em defesa da educação bilíngue. Diversão garantida para quem saiu do auditório da OAB-MG, local das palestras, e se surpreendeu com a Rua de Lazer, organizada logo em frente. Piscina de bolinhas e pula-pula animaram a tarde da criançada. Barracas de orientação sobre saúde, educação e meio ambiente foram montadas. O evento contou com o apoio da Polícia Militar, OAB Cidadã, Vias do Saber, Unifenas, Bombeiros, Cotbel Arte Educadora e Hemoservice. Participaram cerca de 350 pessoas.

de que tenham oportunidades. “Além disso, o contato humaniza as relações entre as pessoas e esse é o grande ganho de natureza imaterial que os servidores desta Casa adquiriram”, explica Deoclecia Amorelli.

No Tribunal Regional do Trabalho, onde trabalham 152 surdos contratados pela Feneis, foi realizada a tradicional cerimônia em homenagem ao Dia dos Surdos, em 26 de setembro. Estiveram presentes representantes da Feneis, juízes, diretores, assessores e servidores e a presidente do TRT da 3ª Região, desembargadora Deoclecia Amorelli. Durante os cinco anos de convênio, o número de funcionários contratados quadriplicou, o que, segundo a desembargadora, reflete que os surdos podem mostrar suas potencialidades, des-

Parceria Fiocruz e Feneis A Fiocruz realizou no dia 14 de outubro o evento “Surdos: Ser capaz”, destinado aos funcionários da Feneis alocados na unidade Farmanguinhos, do Rio de Janeiro. O evento faz parte do Projeto Social da empresa e tem como objetivo discutir a cultura e a identidade surdas e o potencial dos surdos no mercado de trabalho. Segundo a assistente social Jennifer Welte, o evento reafirma a parceria de 17 anos entre a Feneis e a Fiocruz, que tem como projeto um olhar baseado na diferença e não na deficiência. Também é fruto dessa parceria a Festa de São João, realizada em agosto deste ano, que contou com a presença de cerca de 150 pessoas, entre as quais surdos funcionários da Feneis alocados nas várias unidades da Fiocruz, ouvintes e familiares. A festa contou com barracas e comidas típicas, além de brincadeiras interativas.

Já na matriz da Feneis, no Rio de Janeiro, foi realizado o seminário intitulado “Educação de Surdos: Políticas e Propostas Educacionais”. Com cerca de cem participantes, o evento foi realizado no auditório da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro).

Confraternização dos funcionários da Feneis-MG Cerca de 200 pessoas estiveram presentes no 3º Encontro dos Funcionários da Feneis-MG, realizado no dia 9 de dezembro no auditório da OAB-MG. A confraternização teve como objetivo apresentar um balanço das atividades da regional durante o ano e comemorar, juntamente com os funcionários, as conquistas da gestão. O diretor regional Rodrigo Malta fez uma síntese das atividades realizadas durante o ano e falou sobre o Plano de Cargos e Salários (PCS), que já aguarda a aprovação do Ministério Público do Trabalho para entrar em vigor. A previsão é maio de 2012. O PCS foi elaborado por uma equipe composta pelos funcionários e gestores da Feneis e tem como base os critérios de pontualidade, iniciativa e inovação. Depois das palestras foram sorteados 41 presentes, dentre cestas natalinas, livros, cursos de legislação e outros. O evento foi encerrado com um coquetel.

Patrícia Rezende - Diretora de Políticas Educacionais da Feneis

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FENEIS PELO PAÍS

HOMENAGEM

Dia do Surdo na Feneis

Homenagem póstuma a


CURTAS

Câmara dos Vereadores de Goiânia homenageia mulheres surdas Foto: José Ednilson Junior

Nova diretoria já escolheu também os cinco diretores regionais e o conselho fiscal

Por ocasião do Dia Nacional do Surdo, a Câmara dos Vereadores de Goiânia realizou uma sessão especial para homenagear pessoas e empresas que contribuíram para os direitos humanos dos surdos. A iniciativa foi da vereadora Cidinha Siqueira, que prestou homenagem especial à presidente da Associação das Mulheres Deficientes Auditivas e Surdas de Goiás, Vera Balbino Machado, e ao presidente da Associação dos Surdos de Goiânia, Marcus Calixto. Foram homenageadas também as surdas Thaís Fleury Avelar, Renata Rodrigues de Oliveira, Núbia Guimarães Faria, Shirley Vilhalva e Janilda Guimarães de Lima. Na categoria personalidade, a vereadora Cidinha Siqueira foi a menção honrosa. Seis empresas também receberam a homenagem.

Fortaleza sediará o primeiro concurso nacional de miss surda A cidade de onde saiu a primeira surda a chegar a uma final do Miss Brasil é também o lugar onde será realizado o concurso nacional de miss surda, inédito no país. Fortaleza vai sediar o 1º Concurso Miss Surda Brasil, entre os dias 22 e 25 de março. A modelo Vanessa Vidal é a coordenadora do evento. As candidatas estaduais interessadas em participar devem se inscrever até o dia 30 de janeiro, pelo site www. misssurdabrasil.com.br.

Provas de vestibular em Libras Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2.542, que prevê a obrigatoriedade da realização das provas de vestibular e concursos públicos também em Libras. Se for aprovado, o projeto prevê multa para quem descumprir a lei. A proposta é de autoria da deputada Erika Kokay.

FEV 2012 2012 26 | REVISTA DA FENEIS | DEZ 2011 - MAR

|Tanya Felipe 1

ESCOLAS ESPECIAIS GARANTIDAS PELO DECRETO nº 7.611/2011

2

Arquivo pesoal : Shirley Vilhalva

F

oi eleita no dia 13 de novembro de 2011 a nova diretoria da Federação Brasileira das Associações dos Profissionais Tradutores, Intérpretes e Guiaintérpretes de Língua de Sinais (Febrapils). A eleição foi realizada durante a Assembleia Geral Ordinária, em Porto Alegre. A chapa única, encabeçada por Gildete Amorim, do Rio de Janeiro, teve a unanimidade dos votos. Também participam da diretoria o cearense Ernando Pinheiro, como vice-presidente, Flávia Medeiros e Sônia Marta de Oliveira, como primeira e segunda secretárias, e Patrícia Santos e Juliana Fernandes, como primeira e segunda tesoureiras. Estiveram presentes na eleição representantes das seguintes associações estaduais: São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Ceará, Pará e Distrito Federal.

Atendimento Educacional Especializado (AEE): os discursos contraditórios das políticas educacionais inclusivas

Shirley Vilhalva, Renata Rodrigues de Oliveira, Vera Balbino Machado, Marcus Vinícius Calixto, Núbia Guimarães Faria e Thaís Fleury Avelar

Da esquerda para a direita:

Escola bilíngue de surdos vence concurso de teatro Era uma vez uma cidade perfeita, onde até as placas e semáforos são felizes. Até que um dia aparece um jovem motorista que desafia todas as leis de trânsito, mas acaba aprendendo uma dura lição. Essa é a história da peça de teatro Trânsito Surdo, campeã do II Festival Temático de Trânsito de Mato Grosso do Sul (Fetran), na categoria infanto-juvenil. Inspirados em Charles Chaplin, os alunos surdos do Centro Estadual de Atendimento ao Deficiente da Audiocomunicação (Ceada) concorreram com 56 escolas e levaram também o prêmio de melhor atriz e melhor figurino. A equipe foi premiada com datashow, máquinas fotográficas digitais, notebook e videogames. O festival tem como objetivo estimular a produção teatral estudantil e promover a reflexão sobre o papel de pedestres e motoristas no trânsito. O Ceada é uma escola estadual de surdos e surdocegos que fica em Campo Grande. Atualmente oferece ensino fundamental, atendimento educacional especializado e inserção profissional e utiliza a metodologia de ensino bilíngue.

ESPAÇO ACADEMICO

Federação Brasileira dos Intérpretes de Libras tem nova diretoria

E

stamos vivendo um período em que as mobilizações da sociedade civil organizada têm, em muitos países, exigido mudanças políticas, reivindicado direitos e combatido as injustiças sociais. Além de manifestações nas ruas, um fator importante a ser destacado para essas mobilizações e organizações são as redes sociais na internet, que têm propiciado uma articulação que ultrapassa as fronteiras locais, regionais e internacionais. Por isso, aqui no Brasil, após o fechamento de várias classes e escolas para surdos, este ano de 2011 será lembrado como o ano das mobilizações dos surdos que se organizaram nacionalmente para lutarem por escolas bilíngues, por meio do Movimento Nacional dos Surdos, nas ruas e nas redes sociais. Esse Movimento surgiu devido ao fato de que, há mais de uma década, políticas inclusivas vêm sendo implementadas no Brasil, mas anteriormente havia alternativas. No entanto, a partir da última gestão da Secretaria de Educação Especial (SEESP), que foi extinta neste ano de 2011, o processo de inclusão tornou-se truculento e impositivo, o que obrigou muitas secretarias de educação municipais e estaduais a adotarem um único modelo de inclusão sem estarem devidamente preparadas, o que desencadeou mobilizações nacionais por parte das APAEs, APADAs, professores, pais e várias ONGs. No mês de novembro, essas mobilizações obtiveram sua primeira vitória por meio do Decreto nº 7.611, assinado no dia 17 pela presidenta Dilma Rousseff, na ocasião do lançamento do plano “Viver sem Limites”, que contém diretrizes para políticas de inclusão educacional e social, representando uma conquista dos segmentos da sociedade que se sentem respeitados enquanto cidadãos, uma vez que esse plano oferece alternativas de serviços de educação, saúde, habilitação, reabilitação, informação, lazer, cultura, entre outros direitos humanos e sociais. O Decreto nº 7.611 revogou o Decreto nº 6.571 , de 2008, que tratava do “atendimento educacional especializado” numa perspectiva de apoio e complemento aos serviços de educação inclusiva e que impunha um único modelo educacional. Assim, atendendo às reivindicações dos atores sociais diretamente envolvidos, esse decreto permitiu alternativas educacionais que realmente possam atender às necessidades educacionais específicas, como vem acontecendo em outros países.

Tomando como base a Constituição Federativa do Brasil de 19884 , artigo 206, os princípios norteadores desse novo decreto são a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola e o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas. Assim, o Ensino Básico poderá acontecer em instituições públicas e privadas de ensino e em instituições filantrópicas, como Apaes, ADAPAS e outras.

O Decreto nº 7.611 revogou o Decreto nº 6.571, de 2008, que tratava do “atendimento educacional especializado” numa perspectiva de apoio e complemento aos serviços de educação inclusiva e que impunha um único modelo educacional. Assim, atendendo às reivindicações dos atores sociais diretamente envolvidos, esse decreto permitiu alternativas educacionais que realmente possam atender às necessidades educacionais específicas, como vem acontecendo em outros países. Esse decreto, garantindo o ensino básico às escolas especiais, está também em consonância com a Declaração de Salamanca5 , de 1994, item 19, página 7. Segundo essas orientações, para os surdos, “Políticas educacionais deveriam levar em total consideração as diferenças e situações individuais. A importância da linguagem de signos como meio de comunicação entre os surdos, por exemplo, deveria ser reconhecida e a provisão deveria ser feita no sentido de garantir que todas as pessoas surdas tenham acesso à educação em sua língua nacional de signos. Devido às necessidades particulares de comunicação dos surdos e das pessoas surdas/cegas, a educação

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ESPAÇO ACADEMICO

deles pode ser mais adequadamente provida em escolas especiais ou classes especiais e unidades em escolas regulares”. Outra questão importante é que, como esse decreto foi criado concebendo as instituições de atendimento educacional especializado como escolas, está prevista manutenção de financiamento para ensino especial também com atendimento para ensino básico, ou seja: as escolas especiais poderão ter atividades em dois turnos, sendo um turno para o ensino básico e outro para o atendimento educacional especializado. A partir de um trabalho coletivo, esse decreto vem minimizar e evitar os equívocos da última gestão da extinta SEESP, que, agindo autocraticamente e com imprudência, não teve tempo de perceber a complexidade das questões relacionadas à Educação Especial e, por isso, não conseguiu planejar ações que realmente pudessem reverter o quadro atual da educação brasileira em termos de resultados qualitativos. Esse fato foi comprovado pelos dados dos Censos Escolares. Segundo o Censo Escolar de 20096 , dos 639.718 alunos da Educação Especial, apenas 252.687 estavam ainda matriculados em 5.590 estabelecimentos especializados ou em classes especiais e correspondiam a 39,5% da matrícula total; os demais 387.031 alunos já estudavam em classes comuns do ensino regular e da educação de jovens e adultos. No entanto, foram implementadas apenas 1.722 salas de recursos multifuncionais para o AEE, o que equivaleria a 225 alunos por sala, caso elas estivessem distribuídas proporcionalmente em todos os municípios brasileiros. Em 2010, foram “incluídos” 532.620 alunos, segundo o Censo Escolar de 20107 , mas foram implantadas apenas 3.750 salas de recursos multifuncionais para o AEE, de acordo com o Relatório de Avaliação do Plano Plurianual 200820118 , continuando vários municípios sem AEE, uma vez que essa implementação também não foi proporcional em todo o território brasileiro, e, somando os alunos de 2010 com os novos alunos incluídos, bem como as salas multifuncionais existentes, a proporção de aluno/sala multifuncional continua indicando que a maioria dos alunos “incluídos” está simplesmente frequentando as classes regulares, embora eles estejam sendo contados como dupla matrícula. Portanto, é possível constatar, por meio das tabelas e dos gráficos apresentados nos relatórios dos censos escolares dos últimos dez anos, que houve diminuição de matrícula e de escolas, mesmo com o fato de a população de alunos em desvantagem no atendimento escolar estar aumentando; além disso, as salas de recursos multifuncionais para o AEE, já implementadas, não dão conta do quantitativo de alunos que foram forçados a serem “incluídos”, o que está causando também a evasão desses alunos, que estão se sentindo em desvantagem no sistema de ensino por não estarem em equidade com relação aos demais alunos. No censo de 2010 não há menção à implementação de salas de recursos multifuncionais para o AEE e, com relação à educação para surdos, não há dados sobre cursos de Libras para a comunidade escolar, ensino de Libras como primeira língua – L1 e ensino de português como segunda – L2, o que caracteriza, no mínimo, uma transgressão ao Decreto nº 5.626/2005; ou seja:

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1. a maioria dos surdos “incluídos” está sem intérpretes em salas de aulas; 2. os surdos apenas assistem às aulas de professores que não conseguem se comunicar em Libras; 3. esses professores trabalham com o mesmo currículo e material didático-pedagógico utilizado para os alunos ouvintes e ensinam português como L1; 4. quando existe o contraturno para esses alunos, na maioria das escolas, esse não está acontecendo todos os dias e, pelas próprias orientações nos documentos oficiais, os profissionais que estão trabalhando com o AEE, nas salas multifuncionais, não estão conseguindo realizar um trabalho de maneira adequada e eficaz. Esses dados comprovam que o processo para implantação de uma política inclusiva foi tão acelerado que nem as escolas nem o próprio Ministério da Educação (MEC) tiveram tempo suficiente para se organizarem e é possível verificar, a partir das publicações disponíveis no site do MEC, que existem ainda duas propostas educacionais inclusivas, o que causa questionamento e induz a escolha, embora não seja esse o objetivo ao se manterem duas propostas que são antagônicas.

houve diminuição de matrícula e de escolas, mesmo com o fato de a população de alunos em desvantagem no atendimento escolar estar aumentando; além disso, as salas de recursos multifuncionais para o AEE, já implementadas, não dão conta do quantitativo de alunos que foram forçados a serem “incluídos”, o que está causando também a evasão desses alunos, que estão se sentindo em desvantagem no sistema de ensino por não estarem em equidade com relação aos demais alunos. COMENTÁRIOS SOBRE AS PROPOSTAS INCLUSIVAS NO SITE DO MEC Com base na análise das duas propostas de política de inclusão, no site do MEC, pode-se constatar que o modelo de política inclusiva da última gestão da extinta SEESP foi elaborado de forma autocrática e não representa uma proposta discutida a partir de um processo coletivo em que todos os atores envolvidos — diretores de escolas, professores, alunos,

funcionários e pais de alunos — tenham participado efetivamente. Assim, no próprio site do MEC é possível encontrar uma proposta de 20069 , elaborada por atores sociais envolvidos com a educação especial, e outras duas propostas, uma de 200710 e outra de 201011 . Estas duas últimas propostas são iguais e foram elaboradas pelo mesmo grupo da última gestão da SEESP, que impôs uma única proposta educacional sem a participação dos principais atores sociais envolvidos e, por isso, estas propostas poderão ser revistas, por meio do Decreto nº 7.611/2011, elaborado a partir das reivindicações dos principais atores sociais e suas organizações representativas que se mobilizaram e exigiram mudanças urgentes. No modelo atual de inclusão, todos os alunos são obrigados a estar em salas regulares e, em contraturno, deveria haver, em salas multifuncionais, o atendimento educacional especializado. Por isso, os documentos norteadores para esse trabalho complementar apresentam três momentos didáticopedagógicos para o AEE. Com relação aos “alunos com deficiência auditiva”, nessas duas últimas propostas, os alunos surdos voltaram a ser denominados e divididos a partir da perspectiva da área da saúde apenas e não a partir de suas potencialidades psico-linguístico-sociais relacionadas à área da educação, assim, seu AEE está com orientações para:

a) O Atendimento Educacional Especializado em Libras na Escola Comum Esse atendimento exige que um superprofessor surdo tenha domínio de todas as áreas para poder ensinar de fato, em Libras, tudo que o aluno não aprendeu na sala comum e, como a própria publicação admite,“no decorrer do Atendimento Educacional Especializado em Libras, os alunos se interessam, fazem perguntas, analisam, criticam, fazem analogias, associações diversas entre o que sabem e os novos conhecimentos em estudo (AEE, 2007, p. 31).” Isso caracteriza outra contradição dessa proposta, porque comprova a inadequação de aulas com professores que não têm domínio da Libras e demostra uma incoerência na própria proposta que determina inclusão desde a creche. As perguntas que ficam também são: Por que nessa proposta inclusiva não há professores surdos, desde a educação infantil, nas classes regulares, ministrando aulas para os ouvintes? Por que o professor surdo ficará apenas em sala multifuncional? Por que a “inclusão” é apenas de uma das partes — o “aluno com deficiência” — que tem que se enquadrar ao padrão dos “normais” e que, no caso dos surdos, está sendo obrigada a estar em salas com alunos ouvintes e com professores ouvintes que não dominam a Libras, sem intérpretes e sem terem também domínio da Língua Portuguesa, tanto na modalidade oral quanto na modalidade escrita?

b) O Atendimento Educacional Especializado para o ensino de Libras

Segundo o Decreto-Lei nº 5.626/200512 , a disciplina Libras é obrigatória em todas as séries do Ensino Básico, no entanto, ela, até hoje, não está sendo oferecida enquanto disciplina obrigatória para os surdos, não está sendo oferecida também para a comunidade escolar, não há pesquisa, produção de material didático-pedagógico para ensino de Libras como L1 e como L2. O ensino da Libras ficou confinado ao AEE, mas não ao ensino da Libras de fato porque, nesse momento, está destinado mais para a “criação” de sinais, o que é uma proposta totalmente equivocada e que desrespeita as comunidades surdas, uma vez que dois professores inventam sinais para conceitos trabalhados em disciplinas específicas nas classes regulares. Dicionário terminológico é um trabalho altamente especializado que exige a coordenação de lexicólogos, já que se trata de uma área de conhecimento específica, com vasto material bibliográfico (lexicologia e lexicografia). Portanto é, no mínimo, uma imprudência, orientar que cada escola crie seu glossário terminológico, quando esse trabalho deveria ser uma pesquisa nacional, coordenada e organizada por pesquisadores dessa área e com professores das áreas específicas, além de vários usuários da Libras que criariam os sinais. O exemplo, no documento do MEC, com o desenho do aluno, ao contrário do que foi dito, não demostrou entendimento do conceito de “civilização”, que é muito mais amplo do que apenas a civilização egípcia! Como o professor que criou o sinal, juntamente com uma instrutora de Libras, não conseguiu transmitir a amplitude do conceito “civilização”, o sinal ficou limitado ao conceito de civilização egípcia apenas, o que não mostra entendimento e apropriação do conceito “civilização”. O fato de os alunos terem sempre que consultar um sinal em um caderninho, como foi também relatado, comprova que o conceito não foi, de fato, assimilado pelos alunos.

c) O Atendimento Educacional Especializado para o ensino da Língua Portuguesa Na exposição desse momento, há muitos equívocos que demostram que a proposta não parte do pressuposto de que o ensino de português é ensino de segunda língua e que é diferenciado do ensino de português como primeira língua para ouvintes. A proposta é trabalhar com o mesmo material didático e, portanto, não é ensino de L2. Também segundo o Decreto nº 5.626/2005, a Língua Portuguesa deveria ser ensinada como segunda língua, mas os surdos ainda estão sendo obrigados a ficar na sala de aula com os ouvintes quando do ensino de português como primeira língua e são obrigados a utilizar e realizar as mesmas atividades propostas no material didático para ensino dessa língua para os ouvintes. De maneira geral, a incoerência desse modelo de política inclusiva está no fato de que a condição sine qua non para a inclusão é ter um AEE, mas estão se fechando as escolas e classes para surdos sem se oferecerem as salas de recursos multifuncionais para o AEE. O modelo atual de inclusão, ao impor uma única proposta

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O modelo atual de inclusão, ao impor uma única proposta educacional, transgride a Constituição nacional, que assegurou o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino

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Notas: em Linguística pela UFRJ e Estágio Doutorado Sandwich na University of Rocherter – USA. Consultora e coordenadora do GPLibras da Feneis. Consultora nas áreas de Linguística aplicada à Libras e Educação de Surdos. 2 Decreto nº 7.611/2011. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7611.htm>. 3 Decreto nº 6.571/2008. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Decreto/D6571.htm>. 4 Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao. htm>. 5 Declaração de Salamanca. Disponível em: <http://portal.mec. gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf>. 6 Censo da Educação Básica 2009. Disponível em: <http:// download.inep.gov.br/download/censo/2009/TEXTO_DIVULGACAO_EDUCACENSO_20093.pdf>. 7 Resumo Técnico – Censo Escolar 2010. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_basica/censo_escolar/ resumos_tecnicos/divulgacao_censo2010_revisao_04022011. pdf>. 8 Conferir: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_ docman&task=doc>. 9 Apostila Saberes e Práticas da Inclusão <http://portal.mec. gov.br/seesp/arquivos/pdf/surdez.pdf>. 10 Atendimento Educacional Especializado – Pessoa com Surdez (2007). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/ arquivos/pdf/aee_da.pdf>. 11 Atendimento Educacional Especializado – Pessoa com Surdez (2010). Disponível em: <http://portal.mec. gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_ download&gid=7106&Itemid>. 12 Decreto nº 5.626/2005. Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5626. htm 13 Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. 14 LDB. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola/leis/lein9394.pdf>. 15 Lei da Libras. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/2002/L10436.htm>. 16 Declaração Universal dos Direitos Linguísticos — UNESCO. Disponível em: <http://penclube.no.sapo.pt/pen_internacional/dudl.htm>; <http://www.unesco.pt/cgi-bin/cultura/docs/ cul_doc.php?idd=14>. 17 Conferir: <http://maclama.blogspot.com/2006/08/qu-o-quinera-procusto.html>. Ler no artigo de Macla “¿Qué o quién era Procusto?”, publicado em 2006: “Hay quien cuenta que en realidad lo que sucedió es que cuando se implantó la democracia en Atenas, el Areópago encargó a Procusto investigar, mediante instrumentos psicométricos y fisiométricos, la posible desigualdad de los atenienses. Para llevar a cabo su investigación construyó como instrumento de medida el famoso lecho, al que adaptó (cortando o estirando sus cuerpos) a todos los sujetos objeto de su investigación. Dicen también, que al concluir su tarea comunicó el resultado de su experiencia diciendo: “todos los atenienses son igual de grandes” Unos opinan que este mito simboliza el empeño de adaptar la realidad al deseo, o a los intereses particulares, o a un modelo teórico establecido; otros defienden que se usa para aludir a situaciones en las que alguien es víctima de la violencia y del tormento o a los que acaban siendo víctimas de la violencia que provocaron; los más ven una defensa homogeneidad en detrimento del respeto a la diversidad…”.

Maurício Damasceno Souza

1 Doutorado

ARTE SURDA

ESPAÇO ACADEMICO

educacional, transgride a Constituição nacional, que assegurou o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, artigo 208, inciso III) . Esse direito é reforçado pela LDB de 1996, que promulgou: “Atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino” (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, artigo 4º, inciso III)14 . Portanto, preferencialmente não é obrigatoriamente e, com relação ao alunado surdo, por legislação, esse grupo, em desvantagem no atendimento educacional do sistema de ensino, constitui uma minoria linguística que tem “como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais – Libras” (Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, artigo 1º)15 e, por isso, os surdos têm seus direitos individuais inalienáveis, ou seja: o direito a ser reconhecido como membro de uma comunidade linguística e o direito ao uso da língua em privado e em público, garantido também por esse decreto e pela Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, 1996 — UNESCO)16 . A negação dessa visão endógena dos próprios surdos representa uma imposição exógena, colonizadora, de não aceitação da diferença e de seus direitos linguísticos e culturais. Esse modelo de escola, baseado no princípio de que todos os alunos devem estar na mesma sala de aula, não leva em consideração que há diferentes formas de ensinar e de aprender a partir das especificidades dos sujeitos que não podem simplesmente ser obrigados a se deitar no Leito de Procusto17 .

Sérgio Júnior

Maurício Damasceno Souza é desenhista profissional, designer

gráfico e graduado em Letras Libras pela UFSC. Mora em Salvador, onde trabalha como professor de Libras. E-mail: mauricio.damasco@gmail.com.

Sérgio Júnior é ilustrador e graduado em Letras Libras pela UFSC. Mora em Goiânia e atualmente é proprietário de uma empresa de arte e propaganda. E-mail: pegaip@hotmail.com.

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