Ladeira da Memória: estratigrafia urbana e preservação - Fernanda Bittencourt - TFG FAUUSP
Universidade de São Paulo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Trabalho Final de Graduação
Ladeira da Memória: estratigrafia urbana e preservação
Fernanda Bianchi Neves Taques Bittencourt Orientadora: Beatriz Mugayar Kühl Maio de 2018
Universidade de São Paulo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Trabalho Final de Graduação
Ladeira da Memória: estratigrafia urbana e preservação
Fernanda Bianchi Neves Taques Bittencourt Orientadora: Beatriz Mugayar Kühl Maio de 2018
_sumário Agradeço aos meus pais e meu irmão pelo apoio ao longo de tudo. Agradeço à orientadora Beatriz Kühl por ter sido a pessoa que despertou em mim o interesse pela Preservação e que aceitou (duas vezes) ser minha orientadora. Agradeço à Professora Beatriz Bueno cuja alegria e entusiasmo me ajudaram a enxergar cada vez mais longe nas nossas ideias. Agradeço à Professora Helena Ayoub que é uma força da natureza e por quem tenho muita admiração e estima. Agradeço à Professora Marly Rodrigues por ter gentilmente e prontamente aceitado em participar da minha banca de graduação. Não canso de agradecer e sinto que gratidão foi algo que aprendi ao longo desse processo. Também aprendi, especificamente com o obelisco, que é possível ter os pés firmes no chão, mas sempre apontar para o céu.
_INTRODUÇÃO _APRESENTAÇÃO DA ÁREA _talude/cabeceira de ponte/idílio colonial _obelisco _o jardim secreto _espaço de “memória” _a cidade mutante _demolições, metrô e fluxos _ A LADEIRA NOS ÚLTIMOS TEMPOS __análise crítica do tombamento __zoneamento __esforços de preservação __problemas atuais e possibilidades _CONCLUSÃO _Bibliografia
Praça da República
Ladeira da Memória
_introdução Fazer um trabalho sobre um lugar tão antigo quanto a Ladeira Memória é esbarrar em uma avalanche de bibliografia sobre a História de São Paulo. O objetivo deste trabalho não é, portanto, retomar essa história pincelando aqui e ali como se encaixa o objeto de estudo. A história de São Paulo já foi contada e recontada por muitos autores, de forma muito mais completa do que jamais poderia fazer no presente trabalho. A escolha desse local ocorreu primeiro por uma curiosidade sobre esse local quase misterioso e justamente durante o exercício de busca de informações e com a percepção de que não havia uma única obra que reunisse muitas delas, me vi absorta na busca pelas partes da narrativa por detrás da Memória. Então o presente trabalho busca, através de peças gráficas relevantes, extrair do próprio Largo da Memória o que ele tem a contar. Esse exercício de estratigrafia ou arqueologia urbana requer um certo grau de explicação e contextualizações históricas, mas ele busca fazer isso tendo como palavras de ordem síntese e profundidade. Assim, o caminho de conhecimento dos elementos do atual Largo da Memória serve para, finalmente, discorrer sobre sua preservação com conhecimento de causa e a devida ancoragem nos elementos que o constituem hoje, descartando nostalgia e encarando o ambiente urbano real.
1
Triângulo Histórico
_Observação para os mapas históricos Os mapas históricos a seguir estão dispostos em escala semelhante, independente da sua escala de representação. Para tanto, escolheu-se um recorte que abrange a Praça da República, Ladeira de Memória e o Triângulo Histórico (total ou parcialmente visível). Dessa forma, é possível observar o diálogo entre os lados do Anhangabú ao longo das décadas e a evolução do tecido urbano. MAPAS HISTORICOS E GEGRAN FORNECIDOS PELO CESAD-FAUUSP (creditados nas imagens a seguir)
2
1810_ 3
Planta da Cidade de São Paulo. Rufino Felizardo e Costa. nanquim e aquarela sobre papel. Museu Paulista-USP
_ 1841
Planta da Cidade de São Paulo. Cópia de 1861 do original de Karl Abraham Bresser. técnica mista. Museu Paulista-USP
4
1868_ 5
Planta da Cidade de São Paulo. Carlos Frederico Rath (atribuída). nanquim sobre papel. Museu Paulista-USP
_ 1877
Mappa da Capital da P.cia de São Paulo. Fr.do de Albuquerque e Jules Martin. litografia sobre tecido. Museu Paulista-USP
6
1881_ 7
Planta da Cidade de São Paulo levantada pela Cia. Cantareira de Esgotos. Cópia de Domingues dos Santos. nanquim sobre papel vegetal. Museu Paulista-USP
_ 1890
Planta da Capital do Estado de S. Paulo e seus arrabaldes. Jules Martin. Impressão colorida. Museu Paulista-USP
8
1895_ 9
Planta da Cidade de São Paulo. HUgo Bonvicini. tinta colrida sobre papel. Arquivo Público do Estado de São Paulo
_1905
Planta Geral da cidade de S. Paulo. Alexandre Mariano Cococi e Luiz Fructuoso F. Costa. Impressão colorida. Biblioteca Nacional
10
1913_ 11
Planta da cidade de S. Paulo. Alexandre Mariano Cococi e Luiz Fructuoso F. Costa. Impressão colorida. Arquivo Público do Estado de São Paulo.
_ 1930 1916
Planta da Cidade de São Paulo. sem autor. Impressão colorida. Arquivo Público do Estado de São Paulo
12
1930_ 13
Planta da cidade de S. Paulo. S.A.R.A. Brasil. Impressão colorida. Arquivo Público do Estado de São Paulo.
_ 1951
Planta da Cidade de São Paulo. sem autor. Impressão colorida. Arquivo Público do Estado de São Paulo
14
1970_ 15
Planta da cidade de S. Paulo. GEGRAN. Impressão PB. EMPLASA.
_ 2006
Mapa Digital da Cidade. Prefeitura de São Paulo com adição do desenho do Largo da Memória pela autora. CESAD-FAUUSP
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Teatro Municipal Praça Ramos de Azevedo
Shopping Light R.
Biblioteca Mario de Andrade
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Ed. Mattarazo
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_ Vista 1 o largo visto da descida da Rua Quirino de Andrade
Vista 3
Vista 2
Mapa Digital da Cidade. Prefeitura de São Paulo com adição do desenho do Largo da Memória pela autora. CESAD-FAUUSP
0
50
100
200m
_ Apresentação da área O Largo da Memória é um espaço livre público que se situa na extremidade sudoeste do Vale do Anhangabaú, adjacente à estação de metrô homônima. O largo tem uma forma triangular definida pelas Ruas Xavier de Toledo e Quirino de Andrade (parcialmente pedestrializada) e pela própria Ladeira da Memória. O local de estudo se encontra em cota inferior a Rua Xavier de Toledo, sendo dessa forma, ladeado por um longo muro de arrimo, o chamado Paredão do Piques. Largo da Memória no Google Maps: https://bit.ly/2jhFjj7
_ Vista 2 o largo visto da Rua Formosa
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_ Vista 3 foto panorâmica apartir do calçadão da Quirino de Andrade
18
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imagem ilustrativa da Ladeira no início do século XIX. Volumetrias das edificações estimadas a partir do mapa de 1810
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_ talude/cabeceira de ponte/idílio colonial chafariz, tropas e mercado de escravos A localização da Ladeira da Memória tem uma topografia propícia para o início da subida ao Morro do Chá e também, ao espigão da paulista. O início da ladeira e a parte plana que a antecede, perto ao rio Anhangabaú, abrigaram um famoso ponto de convergência de estradas e de parada de tropas. Esse traçado viário se preservou durante muito tempo no Largo do Piques ou Largo da Memória, até a consolidação das obras da Av. 9 de Julho e demais modificações viárias que o transformaram no Terminal Praça da Bandeira. O primeiro passo na direção da construção de um traçado viário de proporções metropolitanas pode ser a abertura da chamada Av. Anhangabaú (mais tarde Av. 9 de Julho), que pode ser observado iniciando-se em 1930. O platô no final do Anhangabaú era a confluência de muitos caminhos, alguns deles bem antigos. O braço viário que abrange a Ladeira é parte da estrada que ligava Santos, São Paulo, Pinheiros, Sorocaba e até o Rio de la Plata. Caracterizando dessa forma uma longa rota de comércio. A Ladeira do Piques era tanto entrada como saída de quem passava por São Paulo seguindo essa rota. Esse local pode ter sido usado como ponto de passagem desde muito antes do período colonial, mas a primeira documentação que se refere diretamente a ele como local de importância é de de 17941, quando iniciaram-se as obras da Ponte do Piques ou Ponte do Lorena. Nesse momento a Ladeira existe em função da sua utilização: da passagem de tropas e possivelmente da presença de uma bica ou
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1 MARTINS, Antonio Egydio. PORTA, Paula (coord). São Paulo antigo : 1554 a 1910. São Paulo, Paz e Terra, 2003. p136
Largo do Piques e Ponte do Lorena_ 1810
Largo da Memória e a Av. Anhangabaú em início de realização_ 1930
Obelisco da Memória e Terminal Bandeira_ 2006
ponto de água. A instalação de um chafariz no local segue essa lógica e a referência mais antiga a ele data de 18082. É importante salientar, porém, que o local não pode ser lembrado somente como idílio rural da época dos tropeiros: “O Piques era um local de parada e de abastecimento de tropas, pois aí existiam o chafariz, o Largo e diversos estabelecimentos de vendas de gêneros, entre os quais um que era conhecido como Loja dos Tropeiros. Além disso, no Largo eram realizados os mais importantes leilões de escravos da cidade.” SIMÕES JUNIOR, José Geraldo. 2004. p. 25 Por ser um entreposto em uma rota comercial de peso, algumas fontes3 afirmam que era também local de venda de escravos. Há um certo grau de incerteza nessa afirmação pois muitos textos sobre a história de São Paulo não se detiveram na análise das práticas espaciais relacionadas às minorias.
2 TOLEDO, Benedito Lima de. Anhangabahú. São Paulo, FIESP, 1989. p.31 3 além de José Geraldo Simões Júnior, duas notícias de 1972 veiculadas no Estado de São Paulo e anexadas no processo de tombamento do CONDEPHAAT nas páginas 52 e 54 fazem menção ao Largo como local de vendas de escravos
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imagem ilustrativa da Ladeira em meados do século XIX. Volumetrias das edificações estimadas a partir das fotografias de Militão Augusto de Azevedo 23
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_obelisco
_desenho de `Miguelzinho` Dutra (1847). (BENEDITO 1989. fig.19)_ O chafariz , o obelisco com embasamento semi circular e muros limítrofes
A construção do Obelisco da Memória, amplamente conhecido por Pirâmide do Piques, se deu em 1814 pelas mãos do engenheiro militar Daniel Pedro Muller então encarregado de calçar a Estrada do Lorena. O monumento foi feito com pedra de cantaria. Dessa forma nasceu o primeiro monumento, entendido no sentido etimológico, de elemento de rememoração, construído em São Paulo1. O propósito mais aceito da sua construção é “em memória” do final do governo triunvirato. A imagem do que teria sido essa paragem com a adição do obelisco é imortalizada por Wasth Rodrigues no mural de azulejos do frontão da fonte no projeto de Dubugras. Dele podemos depreender um chafariz em meio a uma turba de viajantes. Os mapas históricos não trazem uma representação gráfica significativa e não fazem menção explícita ao monumento nas suas legenda, apesar do seu porte considerável para uma cidade que, no início do século XIX, tinha como edifícios mais altos prédios de 3 andares, igrejas e suas torres. As imagens mais representativas do período são as fotografias de 1862 de Militão Augusto de Azevedo que mostram a Ladeira e sua conformação por completo. além delas há o desenho de Miguel Arcanjo Benício
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1 Toledo, Roberto Pompeu de. A capital da solidão : uma história de São Paulo das origens a 1900. Rio de Janeiro, Objetiva, 2003. p.302
8m
_mapa turístico de 1877, abaixo as denominações que a Ladeira da Memória e imediações já tiveram
Dutra de 1847. Esse desenho mostra um embasamento em meia lua para o obelisco e uma mureta perpassando o terreno, ambas as construções podem não ter sido meramente decorativas, mas podem corresponder respectivamente ao duto e tanque de abastecimento. Esse trecho desnivelado onde foi implantado esse insuspeito monumento viu, ao longo do séc. XIX, a ascensão de São Paulo de capitania secundária para potência agricultora com a introdução do café e aclimatação da cana. Com essa nova conjuntura financeira a cidade iniciou seu processo de reinvenção. O que era em 1808 o portão da Chácara do Barão de Itapetininga seria a esquina da Rua da Palha2 com a Rua do Paredão e poucas décadas depois a esquina da Rua 7 de Abril e da Rua Xavier de Toledo. O próprio paredão seria refeito quatro vezes (1808, 1814, 1848, 18763) antes de atingir sua configuração atual, presumivelmente assumida em 1919. No mapa turístico ilustrado de 1877 se encontra finalmente um pequeno obelisco acompanhado pela indicação da presença de um chafariz. Ao longo do séc XIX a famosa vitalidade do Largo vai esmaecendo conforme ele deixa de ser a principal forma de transposição do vale nas imediações. Já antes disso, a introdução do modal ferroviário transfere as atenções para o Campo da Luz na ponta Norte do triângulo histórico. Uma 2 TOLEDO, Benedito Lima de. Anhangabahú. São Paulo, FIESP, 1989. p.31 3 idem
_ 1810 _ 1841 _ 1868 _ 1877 _ 1881 _ 1897
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_Militão Augusto de Azevedo (1862). (BENEDITO 1989. fig.22) Vista da antiga Rua do Paredão (atual Xavier de Toledo) para a Ponte do Lorena dobre o Rio Anhangabaú e mais ao fundo o Largo do São Francisco forte evidência desse movimento é a remoção do chafariz do Largo em 1872 e sua transferência para as imediações da Estação da Luz4. Há poucas informações sobre o Largo na bibliografia relacionada ao final do século XIX. Nesse momento a São Paulo cafeeira explode com a “epidemia da urbanização”5 que ocorre tanto nas imediações do triângulo histórico quanto acompanhando a linha de trem e suas estações, abrindo os primeiros precedentes para a ocupação cheia de vazios e urbanizações incongruentes entre si.
_Militão Augusto de Azevedo (1862). (BENEDITO 1989. fig.67) Vista do São Francisco para a Memória, abaixo ampliação para ao chafariz e obelisco com direito a tropa de muares e detalhe da mureta decorada com losângulos que provavelmente abrigava o canal que trazia água do Tanque do Reúno para o Chafariz
_Desenho de Landseer (1826) . (BENEDITO 1989. fig.23) feito de vista análoga a foto anterior, valorizando, porém o desnível tomado por vegetação abundante no Vale do Anhangabaú
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4 TOLEDO, Benedito Lima de. Anhangabahú. São Paulo, FIESP, 1989. p.31 5 SEGAWA, Hugo. Prelúdio da metrópole : arquitetura e urbanismo em São Paulo na passagem do século XIX ao XX. 2. ed.. São Paulo, Ateliê Editorial, 2004. p.72
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imagem ilustrativa da Ladeira no início do séc. XX. Volumetrias das edificações estimadas a partir das fotografias históricas e mapas 29
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_o jardim secreto
_acima: Perspectiva da proposta de Samuel das Neves. (SEGAWA, 2000. p.89.)
_acima: mapa de 1913, demarcação fabril na área; fotografia de 1919 (BENEDITO 1989. p.103), logo antes da reurbanização de Dubugras 96
Eudes Campos afirma que remonta a 1888 a iniciativa de murar e gradear o Largo da Memória, que sem um chafariz funcional se tornara local abandonado e de despejo de lixo1. Esse local cuja importância agora minguava, abrigava no seu entorno um certo número de repúblicas estudantis, já que era adjacente à Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Conta o relato que, em uma noite de 18282, os estudantes arrancaram uma cruz do Largo do Bexiga (atual Riachuelo). Ela foi encontrada perto da Ponte do Lorena dentro do Rio Anhangabaú e foi abrigada em uma capela improvisada em uma residência no Piques até que se decidisse o que fazer com ela. Esse eixo estudantil entre São Francisco e Memória atravessava também a Rua Líbero Badaró, que sabemos, era os “fundos” do centro e tinha entre seus usos frequentes bordéis e cortiços3. Essa informação serve para ver com olhos críticos o séc XIX, talvez naquele tempo como hoje, o Largo fosse testemunha de coisas e situações não tão inocentes quanto se sugere no cândido mural de Washt Rodrigues. O final do séc XIX traz mudanças como o advento do Viaduto do Chá. A sua primeira versão foi construída em 1892 e introduziu a transposição do vale em nível. A motivação para sua construção se encontra no
31
1 CAMPOS, Eudes. A cidade de São Paulo e a era dos melhoramentos materiaes - Obras públicas e arquitetura vistas por meio de fotografias de autoria de Militão Augusto de Azevedo, datadas do período 1862-1863. Anais Museu Paulista vol.15 no.1 São Paulo Jan./ June 2007 2 MARTINS, Antonio Egydio. PORTA, Paula (coord). São Paulo antigo : 1554 a 1910. São Paulo, Paz e Terra, 2003. Coleção São Paulo. p136 3 SEGAWA, Hugo. Prelúdio da metrópole : arquitetura e urbanismo em São Paulo na passagem do século XIX ao XX. 2. ed.. São Paulo, Ateliê Editorial, 2004. desapropriação líbero
contexto de expansão da cidade para o Centro Novo, como loteado pelo Marechal José Arouche de Toledo Rendon, sendo limitado inicialmente pela atual Praça da República, Av São João, Vale do Anhangabaú e Rua Sete de Abril4 (abrangendo o Morro do Chá e a antiga Chácara do Barão de Itapetininga). A ladeira posicionada ali de velha, ficaria em parte, à margem das discussões paisagísticas acerca do Vale do Anhangabaú, como será analisado a seguir. Nas primeiras décadas do século XX, a cidade com aspirações cosmopolitas estava em ebulição com planos para transformar o Vale do Anhangabaú em um parque urbano com ares planejados e europeizados. Poucos planos mencionam a Ladeira da Memória como área verde a ser integrada ao novo projeto, representando-a muitas vezes como um espaço em branco. Um dos planos que menciona o Largo e propõe modificações no seu entorno é o de Samuel das Neves. Ele lista como primeira de suas propostas o chamado “Viaducto da Memória”, que seria uma ponte pênsil5 ligando a Ladeira da Memória ao Largo do São Francisco. O desejo por superar o vale com múltiplas conexões em nível entre centro velho e novo aparece em basicamente todos os outros planos gerados na época (Projeto Alexandre Albuquerque, Freire-Guilhem, litogravuras de Jules Martin), mas a proposta de Samuel das Neves se destaca pelo forte impacto que poderia ter tido sobre o Largo. A vista em perspectiva não dá dicas do que 4 CAMPOS, Eudes (org). CALIL, Carlos Augusto (apres). Arquivo Histórico Municipal Washington Luis (São Paulo, Brazil). Arquivo Histórico de São Paulo: história pública da cidade. São Paulo, Imprensa Oficial, 2011, DPH, Prefeitura de São Paulo. p56 5 SEGAWA, op. cit. p.83
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_acima: perspectiva da proposta de Victor da Silva Freire e Eugênio Guilhem. [SEGAWA, 2000. p.78.], em destaque a área de intervenção e a exclusão do Largo
92 94
_acima: planta da proposta de Samuel das Neves onde se destacam o viaduto projetado entre o Largo da Memória e São Francisco e a “grande avenida projectada” no fundo do vale. [LEMOS, 2001. p.16.] _abaixo: planta geral que acompanhava o relatório elaborado por Bouvard. [SEGAWA, 2000. p.94.]
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poderia ter acontecido, mas em planta se faz ver que a construção fora planejada, literalmente para deixar o Largo somente na memória. Considerando que esse pequeno triângulo na malha urbana não era mais do que uma praça selvagem com um obelisco (já quase centenário em 1911), se Samuel das Neves tivesse conseguido levar seu projeto a cabo provavelmente não encontraria objeções em destruir a praça em prol do seu sonho urbanístico. Mesmo porque, naquele momento, a memória colonial não estava plenamente afinada aos interesses políticos, sociais ou urbanísticos. Como sempre, no centro do furacão, mas marginalizado das discussões, o Largo murado e cercado, como era costume na República Velha, passa incólume pelo furor urbanístico de 1911 permanecendo fechado criando dentro de si uma densa vegetação. Para entender melhor o tipo de cenário no qual se deram essas propostas urbanísticas e como era o entorno da Ladeira da Memória nesse período vale lembrar que no terreno do Teatro Municipal se encontrava logo antes uma serraria e perto dela, no Vale do Anhangabaú, estava a fábrica cervejeira Antártica, usos que não se imagina nesse novo cenário cosmopolita sonhado em 1911. Um retrato mais específico do nosso entorno pode ser intuído analisando os registros do AHSP6. A busca foi feita tanto por termos de época, quanto pelas toponímias atuais. O recorte temporal deste arquivo abrange o período entre 1890 e 1915, correspondendo ao período de consolidação da ocupação do Centro Novo. As tipologias encontradas mostram um padrão de ocupação variado e tipologicamente homogêneo. Os tipos de requerimentos reforçam essa percepção de variedade, inclusive no que diz respeito ao seu uso, 6 amostral dos arquivos online digitalizados e disponibilizados pelo projeto SIRCA, consultado em 03/01/2018
Fig.87 Planta geral que acompanhava o relatório elaborado por Bouvard.
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rua xavier de toledo/rua do paredão: rua sete de abril: datas dos registros: 1881, 1899, 1906, 1908, 1909, datas dos registros: 1906, 1908, 1909, 1910, 1911, 1910, 1912 1912, 1913 tipologias: térreo com porão, t+1, t +2 tipologias: térreo com porão, t+1 requerimento: adição de platibanda, construção requerimento: aumento residência, divisões inarmazém ou lojas, adição de cozinha, subdivisão de ternas, novo alinhamento de quadra, subdivisão e construção existente expansão de construção existente, forno de pizza/ pão, nova edificação, reconstrução rua quirino de andrade: Piques: datas dos registros: 1908, 1909, 1912 datas dos registros: 1907, 1909 tipologias: térreo + porão, t+1 tipologias: chaminé e barracão requerimentos: divisão de construção existente, requerimento: fundação chaminé, transformar abertura de janelas, barracão para oficina de marce- quarto em cocheira neiro, novo edifício, reforma, reforma fachada
observando que se vêem poucos requerimentos para residências e mais requerimentos como o da chaminé, forno de pizza e oficina de marceneiro. O mapa de 1913 mostra em adjacência imediata ao Largo, uma fábrica de chapéus grande o suficiente para receber nomenclatura e destaque gráfico. Essa ocupação era a que caracterizava o centro novo nessa virada de século: usos comerciais nem sempre nobres, manufaturas e residências misturadas a esses usos comerciais. Esse cenário seria paulatinamente ocupado por novos paradigmas. Um dos desenhos mais elaborados dentre os achados no SIRCA é justamente, de uma construção mista com térreo e mais dois pavimentos no No 44 da Rua Xavier de Toledo. Esse projeto de 1910 traz no seu tratamento estético o tipo de requinte que seria o padrão para as novas ocupações propostas dali em diante, consonantes inclusive com o próprio teatro municipal, arauto dessas mudanças no Morro do Chá. _página seguinte: 1909_requerimento para fundação de chaminé no Piques AHSP. OP1909_001897_ PR002
1910_requerimento para barracão para oficina de marceneiro na Rua Quirino de Andrade, 55 AHSP. OP1910_002125_ PR001 35
1910_requerimento para edifício residêncial com armazém no térreo na Rua Xavier de Toledo, 44 AHSP. OP1910_002936_ R001 1911_requerimento para forno de pizza/pão na Rua Sete de Abril, 50 AHSP. OP1911_003353_ PR001 36
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imagem ilustrativa da Ladeira no primeiro quartel do séc. XX. Volumetrias das edificações estimadas a partir das fotografias históricas e mapas
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_espaço de “memória”
(BENEDITO 1989. acima p.104 página seguinte p.118 e 119)
“Quem se lembra do que era o Obelisco há cerca de um ano, e vê hoje o embelezamento do local, não pode deixar de louvar a feliz iniciativa do ex-prefeito, graças a qual esse trecho abandonado e esquecido se tornou um dos mais interessantes da cidade.” O
Estado de São Paulo, 11 de janeiro de 1921. in SEGAWA, 2004. p. 105
_imagens do dia da inauguração em 1919. Acima encostado no obeslico está Victor Dubugras e sentadas nos bancos sua esposa e filha. Abaixo um ângulo raro permite ver a volumetria da Rua do Paredão, à época sobrados, através da copa rala da figueira que existe ali até hoje.
Pouco tempo depois dos acontecimentos de 1911, já em 1919, se iniciou a grande obra de remodelação do Largo. O então prefeito Washington Luís tinha dentro de seu projeto político uma ativação da memória paulistana como forma de busca identitária. No seu livro Anhangabaú, Benedito Lima de Toledo transcreve da notícia da época veiculada no Estadão: “O Dr. Washington Luiz, o verdadeiro Presidente do Centenário, tem mostrado o seu alto espírito de patriota e de erudito, promovendo a conservação e restauração dos velhos monumentos históricos, dando assim à nossa Pátria um alto exemplo cívico do Culto ao Passado. Os clichês supra reproduzem o obelisco da memória no Largo do Piques como era antigamente e como está sendo ornamentado. Será uma das belas obras de arte da cidade e um altar elevado a memória dos antigos paulistas.” TOLEDO,
Benedito Lima de. Anhangabahú. São Paulo, FIESP, 1989. p.115 O Largo, fazendo parte do antigo eixo de caminhos entre o interior e o mar, é abarcado em um circuito de obras comemorativas do 39
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(BENEDITO 1989. p.104) Centenário da Independência comissionadas pelo prefeito, que seria mais tarde governador e continuaria fomentando a arquitetura Neocolonial como expressão arquitetônica nacionalista e da identidade paulista1. O arquiteto escolhido para projetar o novo Largo foi o francês formado em arquitetura na cidade de Buenos Aires: Victor Dubugras. O projeto do Largo teria mantido o obelisco no seu local original, criando um projeto que trabalha ao seu redor, como uma moldura. A topografia pré-existente no terreno é um pouco difícil de determinar. Nas fotos de Militão Augusto de Azevedo (1862) a encosta parece já constar com dois estágios, mas nos registros mais próximos à 1919, data do projeto, a vegetação abundante impede de determinar a natureza da topografia, cujo nível parece não coincidir com o da Rua Quirino de Andrade. Como mostra a pequena escada de acesso no encontro da Ladeira da Memória e dessa rua, nas fotos de 1911. Seja como for, é inegável atribuir a Dubugras o corte no terreno que permite a instalação do sistema de escadas que ocupa grande parte da praça. Esse elemento de circulação vertical que pode parecer incômodo e que frequentemente traz grande dor de cabeça na prática de projeto é aproveitado por Dubugras com grande habilidade e grau de atenção aos detalhes. Os arremates de cada um dos corrimãos, o encontro das escadas com seus patamares, a compatibilização das escadas com a inclinação do terreno, todos esses são elementos sutis, mas significativos. Além disso, ele aproveita parte da vegetação presente no local na sua composição paisagística. Nesse sentido Benedito Lima de Toledo observou: “Seu sentido escultural, que valorizou grandemente o Obelisco, sua hábil articulação com o espaço urbano, numa região de topografia difícil, e a alta qualidade de sua execução colocam o Largo da Memória como a Praça mais bem projetada da Cidade.” BENEDITO
LIMA DE TOLEDO, 1989. P. 114 in herenu Os detalhes do projeto vão além das suas características esculturais. A sua implantação tira partido do seu formato triangular, usando os vértices como acessos e ocupando bem sua superfície com seu programa de circulação, criando ainda nesgas protegidas para o estar. Também é de se observar que o aproveitamento do terreno, estabelecendo um eixo de simetria central, permite um projeto com ampla visada. E o posicionamento em destaque do obelisco, combinado a outros elementos compositivos forma um todo coerente.
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1 CAMPOS, Candido Malta. Os rumos da cidade : urbanismo e modernização em São Paulo. São Paulo, Editora SENAC, 2002. (Doutorado) p. 200
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_arremate do paredão _vaso em vasca
_arremate do paredão
_vaso em vasca
_bancos no guarda-corpo
_arremate corrimão
_êxedra com vaso
_encontro das escadas e muro da êxedra, encontro escada principal e êxedras, conformação escada com inclinação do terreno
_êxedra com vaso 0
_terminal de corrimão
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50m
_bancos no guarda-corpo _eixo de simetria
_ visada ampla
_espaços de estar
_encontro das escadas e muro da êxedra, encontro escada principal e êxedras, conformação escada com inclinação do terreno 43
_posição obeslico
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_o frontão de azulejos criado por Wasth Rodrigues, pixado desde março de 2018. Ao lado o frontal com as máscaras cromáticas que ajudam a distinguir a representação dos tipos sociais Observando as dimensões dos planos de circulação e dos elementos compositivos compreendemos que a escala dessa intervenção conversa muito mais com um desdobramento de circulação do que propriamente de uma praça. Os planos horizontais representam superfície muito menor do que das escadas. A interação entre os elementos compositivos não cria espaços livre para ocupação. A dimensão mais interpretativa nesse sentido é a distância entre o tanque d’água e o obelisco. Ela se mostra quase pequena o suficiente para tocar os dois aos mesmo tempo com braços abertos, medindo por volta de um metro e meio. Como elementos compositivos principais temos a colunata com frontão de azulejos, o obelisco, o chafariz, as escadas, as êxedras e até mesmo o paredão. De certa forma todos esses elementos têm um caráter vertical que compõe uma sucessão de planos visuais. A consequência é um resultado com apelo de profundidade típico da cenografia, já que a profundidade do espaço não existe de fato. No caso das êxedras o aspecto vertical é ressaltado pela presença dos azulejos decorados e exacerbado pelo seu formato, com os muros que o circundam fazendo aprox. 1,5m o meio de campo com a escadaria que envolvem esses elementos. Talvez eles tenham até mesmo uma certa função estrutural, dado sua robustez. No frontão da colunata encontra-se um painel em azulejos brancos 45
_primeira utilização do brasão de São Paulo em uma obra pública
e azuis desenvolvido por Wasth Rodrigues onde se vê o chafariz do Piques em uma idealização da sua configuração primitiva, animada pelo desenrolar de uma cena urbana com tipos sociais de época e até galinhas. A representatividade desses tipos sócias é ressaltada com as máscaras coloridas na imagem. Em primeiro plano, quatro homens brancos viajantes e seus muares; em segundo plano duas escravas, dois mestiços e um soldado e dominando a paisagem o chafariz na sua configuração que conhecemos entre 1847 e 1862. Arrematando o plano de fundo é possível adivinhar o muro do talude médio do barranco e até mesmo uma pequena parte da base do próprio obelisco. É razoavelmente seguro afirmar que essa composição tem sua intencionalidade. A valorização maior da cena urbana frente a paisagem seria consoante as ideias do idílio colonial e da busca identitária que se expressa no estilo neocolonial. Louvando principalmente a reinvenção das figuras empreendedoras e desbravadoras dos bandeirantes e até dos tropeiros. Além deste painel, as êxedras trazem superfícies ladrilhadas com o brasão de São Paulo, configurando o primeiro uso desse símbolo gráfico em uma obra oficial e reafirmando a ideia do neocolonial como estilo que remonta à raízes e que diz respeito às origens de São Paulo. 46
imagem ilustrativa da Ladeira ao longo do séc. XX. Volumetrias das edificações estimadas a partir das fotografias históricas e mapas 47
48
_1881
_1895
_1930
_1951
_a cidade mutante
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Talvez a longevidade do projeto de Dubugras e do próprio Largo se devam à sua posição simultaneamente marginal e central e também ao seu formato e topografia inconvenientes para edificações. Ali, à beira de uma das artérias mais representativas de São Paulo, o Vale do Anhangabaú, mas ao mesmo tempo ligeiramente deslocado de seu eixo e confinado pelos traçados viários que geraram seu formato, ele se encontra há décadas ao mesmo tempo à vista e escondido. Mesmo com o Viaduto do Chá abarcando a maioria dos pedestres que transitavam entre a cidade nova e velha, o Largo continuava sendo uma passagem importante relacionada ao Vale. Também de subida do trânsito proveniente do Piques (confluência de estradas na cabeceira Sul do Anhangabaú) ou Praça da Bandeira. Isso se refere também, por exemplo, à importante função de ponto de ônibus do corredor Norte e Sul convenientemente desenvolvida embaixo do próprio Viaduto do Chá. As transformações nos sistema viários se intensificam à partir de 1910 e mudaram de escala conforme São Paulo foi superando a si mesma. A Ladeira da Memória, como veremos, teve seu entorno fortemente modificado, tanto vias quando construções, mas seu aspecto geral surpreendente conservou-se desde a reforma de 1919. Um acontecimento que poderia ter mudado essa situação foi
_acima a esquerda (déc. 50) ponto de ônibus sob o Viaduto com o Palacete Prates ao fundo (Cadernos de Fotografia IMS). Direita superior, a área livre do Piques, 1942. Direita inferior: o Piques reencarnado como Praça da Bandeira, um espaço de lazer (ambas PORTELA, 2004 p.237)
_abaixo esquema relativo ao Plano de Avenidas, mostrando o Viaduto São Francisco encontrando a Rua Xavier de Toledo, presumivelmente no Largo da Memória (CAMPOS, 2002. fig.20)
o Plano de Avenidas (1929) que trouxe à baila, mais uma vez, o projeto de um viaduto ligando a Memória e o Largo do São Francisco, cujo impacto como sabemos, poderia ser severo no Largo da Memória. Não muito mais tarde do que isso (em 1944) um chafariz neocolonial na encosta do Carmo1, contemporâneo e semelhante ao projeto de Dubugras na Memória, foi obliterado para a abertura de novos traçados rodoviários, provando mais uma vez que a preocupação com a preservação não foi, ao menos nessa época, um fator central para a sobrevivência da Ladeira da Memória. Para tratar dessas mudanças de forma mais sintética foi organizada, a seguir, uma exposição sobre as tipologias presentes no tecido construído atual, remontando aos seus extratos históricos e seus respectivos contextos. O estudo das tipologias presentes Na frente de estudo da Rua Xavier de Toledo temos a esquina da 1 “[falando de sítios] semelhantes aos do Largo da Memória: chafariz, painel de azulejos, terraço e um belvedere dominando a Várzea. (...) O arranjo neocolonial (1926) para o paredão do Carmo seria demolido por sua vez na gestão de Prestes Maia” CAMPOS, Candido Malta. Os rumos da cidade : urbanismo e modernização em São Paulo. São Paulo, Editora SENAC, 2002. P. 328
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_página anterior: fachadas da Rua Quirino de Andrade e parte da João Adolfo _acima lado par da Rua Xavier de Toledo
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2 CAMPOS, Candido Malta. Os rumos da cidade : urbanismo e modernização em São Paulo. São Paulo, Editora SENAC, 2002. p. 440? 3 CAMPOS, Candido Malta. Os rumos da cidade : urbanismo e modernização em São Paulo. São Paulo, Editora SENAC, 2002. p.218 4 idem. p. 417
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Rua Sete de Abril, antiga Rua da Palha. Nela ambos os edifícios fazem esquinas chanfradas e têm gabarito fixo em 11 andares correspondendo às limitações de 1920 reforçadas no código sabóia, correspondendo dessa forma a ocupações entre (1929 e 1934)2 . O prédio mais antigo nessa frente de estudo é o número 150/156, que está presentemente abandonado e lacrado, excetuando o térreo. Apesar de parecer muito particular, dentre as tipologias mais atuais que o cercam, ele tem exemplares quase idêntico na rua de traz e na Rua Líbero Badaró. Todos caracterizam uma tipologia de época: térreos comerciais, sobreloja de escritório e demais andares originalmente residenciais. Morfologicamente, além do gabarito baixo há a fachada tripartida com tratamento diferenciado no topo (frontões e platibandas), além da presença de varandas, mesmo que singelas. Seu pequeno gabarito de 6 pavimentos corresponde ao código de posturas da década de 1920/1929. Ele enuncia que na zona central edifícios de qualquer uso tem altura máxima de 2 vezes à largura da rua para rua menores do que 9m e 2,5 para ruas de 9m à 12m. Considerando o pé direito mínimo de 3m da época (reduzidos após revisão do conceito de que insolação e ventilação adequadas superam a cubagem própria do cômodo3 ) a altura do edifício no 150 da Xavier de Toledo seria 18m, medida razoavelmente próxima à do MDC que informa 19,94m de altura. Seria possível datar o edifício então somente através dessa proporção, mas a Rua Xavier de Toledo sofreu alargamento na gestão de Firmiano Pinto (1920-1926)4 e, enquanto à altura de quase 20
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LEGENDA Vias Vias pedestria lizadas Logradouros Relevantes
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_canto superior esquerdo: Rua Líbero Badaró, 480; Rua Conselheiro Crispiniano, 97; Rua Xavier de Toledo 150; metros excede o gabarito para ruas até 9m, ele é demasiadamente tímido para a faixa seguinte que poderia comportar gabarito de 22.5m até 30m. De qualquer forma, sabemos que o edifício provavelmente foi construído em finais de 1910 ou até meados de 1920, quando o Centro Novo, com o recém construído Teatro Municipal (no terreno da Serraria Sydow), se consolidava e abrigava uma série de moradores ilustres como Dr. José António Saraiva (presidente da província que incentivou o arruamento do centro novo e foi um dos primeiros moradores da rua 7 de abril5). O paredão de fachadas quase contínuas do lado ímpar da Xavier de Toledo tem volumetria muito homogênea, representado no recorte de estudo, pelo gigante Edifício Condominial Santa Mônica cuja empena com arranjo cromático serve de rebatedor de claridade para o Largo, mas também dá a pista do escalonamento em direção ao centro do lote que o prédio possui, adicionando 5 andares à fachada principal de 12 andares. Na cota do Largo, na frente de estudos da Rua Quirino de Andrade, temos três tipologias de habitação de alta densidade representada pelos edifícios Iporá, 135 e Maracanã. Os caixilhos metálicos delgados e varandas mais amplas sugerem que sejam de 1950. Um outro elemento que corrobora com essa datação, mas que não se sabe se é contemporâneo à construção do Ed. Iporá é uma representação em granito preto de uma coluna V como a da Galeria Califórnia (1951 - Carlos Lemos e Oscar Niemeyer). Na esquina com a Rua João Adolfo (aberta em 1920) há uma construção de 6 andares que se encontra tão descaracterizada que é quase impossível determinar sua origem. Uma pista é dada, porém no interior,
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5 MARTINS, Antonio Egydio. PORTA, Paula (coord). São Paulo antigo : 1554 a 1910. São Paulo, Paz e Terra, 2003.
_acima esquera: Ed. Condominial Santa Mônica e sua empena com painel artístico. Em seguida: Galeria Califórnia e colunas em V. Em seguida: Ed. Iporá e sua coluna-postiça V em granito que tive oportunidade de visitar. Nesse hotel, possivelmente adaptado de alguma função mista, escritórios ou mesmo residencial, os banheiros tem piso elevado e dimensões incomumente pequenas. Essas pistas apontam para consideráveis adaptações posteriores, hipótese apoiada pela fachada privada de suas janelas originais e de qualquer forma de ornamento (exceto uma balaustrada que parece ser recente). Esse tipo de medida de empobrecimento da construção original é um paradigma para corte de custos de manutenção, mesmo porque muitas vezes não há mão-de-obra acessível e disponível que saiba trabalhar com ornamentos e acabamentos de época. Além das construções residenciais na Rua Quirino de Andrade e do hotel temos 4 tipologias de escritórios, com em média 12 pavimentos. A observação das tipologias remanescentes revelam várias camadas de tempo e paradigmas de ocupação do solo. Mas as camadas mais antigas não existem mais tendo cedido espaço para os empreendimentos imobiliários vorazes do século XX.
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imagem ilustrativa da Ladeira desde a construção do metrô até hoje. Volumetrias das edificações estimadas a partir das fotografias históricas e mapas 55
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_demolições, metrô e fluxos Ao longo das décadas o Largo teve seu entorno completamente modificado assim como seu próprio significado e sua função. Ele atravessou ameaças de demolição, sofreu com abandono e continuou década após década recebendo novos fluxos de todos os modais que circularam pelas ruas da cidade. Com o passar das décadas e o avanço das transformações viárias o tipo e porte de fluxos na ladeira foi mudando também. Infelizmente algo que não mudou foi o abandono da área. Em 1968 a Prefeitura, tendo essa questão em vista comissionou junto ao arquiteto Luiz Saia um projeto de reforma para o local1. O partido de projeto era eliminar as escadas do largo e criar um platô na cota do Obeslico. O arquiteto justifica esse objetivo apontando que as escadas são vestígios funcionais e por estarem obsoletas não há porque não demoli-las. A introdução do artigo que veiculou o projeto trata da questão ética de intervir na obra de outro arquiteto, mas a sua chave de percepção faz um juízo muito estreito da obra de Dubugras. A sua dimensão de testemunho histórico, tanto do seu estilo arquitetônico ou do fazer projetual do seu arquiteto, seu porte, seus elementos compositivos, tudo isso passa despercebido por Saia, que se considera dotado de ferramental racional para fazer melhor o projeto “provinciano” de Dubrugras. Em artigo de jornal de fev
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1 SAIA, Luiz. Nos desvãos da ética profissional - A propósito do remanejamento do Largo do Memória. Revista Acrópole. São Paulo. 1968. n353. p.30-33
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de 19692 Benedito Lima de Toledo aponta que a melhor opção seria um restauro “de acordo com o original”, orientação essa também que tem suas polêmicas, dado que ele aponta para a remoção de elementos de outras épocas, mas isso mostra que a perspectiva de Saia não tinha unanimidade e talvez por isso não tenha seguido em frente. Na década de 1970 uma grande mudança poderia ter ressignificado a praça. A desapropriação do miolo de quadra da Rua João Adolfo e do casario na Ladeira da Memória , em benefício do metrô, prenunciou a possível entrada desse importante recanto marginal numa nova etapa da cidade: a metroviária. O metrô demoliu o casario com fachada ativa na Ladeira e uma parte considerável das fachadas para a Quirino de Andrade, tirando parte da dinamicidade que o Largo tinha nas suas frentes diretas (levando em conta que à Xavier de Toledo fica em cota superior). As demolições realizadas entre 1971 e 1977 expuseram “os fundos caóticos dos prédios da Rua Formosa e Xavier de Toledo”3, levando a crer que o Edifício Condominial Santa Mônica foi construído após esse período, escondendo novamente essa visada do intra-quadra. Seja como for, esse novo espaço na Ladeira e no miolo de quadra da João Adolfo era destinado à receber o que seria a Estação Anhangabaú. A possibilidade de incluir o Largo na mais nova rede de transporte de grande porte seria uma oportunidade imensa para
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2 Relatório DPH. OBELISCO e LARGO DA MEMÓRIA. 2014. Pasta 04A.021 a e b /STLP 3 Maragliano, Luciana de Barros. Espaços Livres de Uso Público - à Ladeira da Memória. TGI-I. 1977. São Paulo. FAU-USP. p.5
_topo da pagina: panoramicas dos resultados das desapropriações do metrô: a empena cega cinza da ladeira e o vazio infestado de ratos onde desemboca a passarela saindo do Terminal Bandeira _acima: mapa GEGRAN (1970) com lotes que foram desapropriados em benefício do metrô
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_pagina anterior: fotos das fachadas ativas na Ladeira ao longo das décadas: 1931, 1953, 1966 (acervosdacidade.prefeitura.sp.gov.br) e 1977 (fau, setor iconográfico. slide 9A8151-3). É possível observar como elas arrematam a obra de Dubugras, emprestando-lhe a vida e fluxos do comércio.
devolver sua vitalidade. Porém, apesar das expectativas otimistas, a estação do metrô Anhangabaú inaugurada em 1983 manteve um grau de interface mínimo com o espaço público adjacente. O projeto inclui duas saídas principais: à da Rua Xavier de Toledo e do Vale do Anhangabaú, à Rua Formosa. À saída da Rua Xavier de Toledo entrega o pedestre diretamente à cota dessa rua, da qual, em realidade, não se vê o Largo. À saída do Vale por sua vez entrega o passageiro para uma visual que não inclui o Largo, um muro cinza bloqueia a visão direita de quem sai. Essa saída tem relação direta com à entrada da Passarela do Terminal da Bandeira, mas perde a oportunidade de agregar o Largo como ponto de referência. À única ligação com a Ladeira da Memória se configura numa pequena praça que sai transversal ao eixo de ligação Xavier de Toledo/Rua Formosa. Essa praça não tem mobiliários de permanência e sim equipamentos de serviços (lixeiras e orelhões), o que a configura em realidade como uma passagem. A única explicação de utilidade para essa passagem seria como entrada do metrô para o fluxo que atravessa o Largo da Memória em diagonal, advindo ou se dirigindo para a Av. Nove de Julho, Bexiga e Bela Vista. Mas essa função não parece ter vingado na medida em que não há placas ou totens indicando tal entrada e o portão permanece, ao que parece, a maior parte do ano fechado. A imagem do Google Street View datadas de agosto de 2017 mostram a passagem aberta e sendo utilizada. Mas ao longo das visitas de campo iniciadas em dezembro de 2017 a passagem não tem estado aberta. Independente disso, o projeto do metrô, com seu alto grau de redundância ou simultaneidade com relação ao Largo (competição do eixo Xavier-Formosa, praças terraceadas, divisão por muro), não mostra nenhuma intenção de interação ou valorização do logradouro em questão, mas antes da sua negação. Em 1983 a historiadora Sheila Schuarzman escreve: “A ligação dos novos tempos deve ser meteórica, mesmo que em
_ fluxo Viaduto do Chá _ fluxo descida consolação
praça fechada
_ fluxo para o Bexiga e Bela Vista
_ metrô
_ subida da Ladeira da Memória
_saída terminal Dom Pedro II _acima: o binário de fluxos de entrada e saída do Terminal Bandeira e Metrô Anhangabaú e os fluxos menores que circulam pela ladeira e arredores. _ao lado: entrada fechada da praça terraceada ao lado do Largo. A grade de alumínio ao fundo dá acesso as escadas rolantes do metrô, mas também permance fechada.
sacrifício da própria vida ali instalada durante séculos. O Largo e a Ladeira contíguos que fazem a mesma ligação se tornam objetos de contemplação: objetos do passado. A escada rolante desagregou a Ladeira da vida moderna. Esta que fora concebida como passagem ou lugar de parada, transforma a parada em coisa de outros tempos. O passante não tem mais tempo para parar, também não tem mais o que olhar.
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A proximidade entre o Largo da Memória e a Estação do Metrô coloca em destaque a própria dualidade da vida moderna: entre um espaço concebido para muitos indivíduos, e outro para a massa. Para existir em sua plenitude, o chamado mundo moderno aliena, expulsa e desaloja o passado, incômodo de se conviver e por isto mesmo visto não como um elemento ativo e inerente, mas como pela de museu, exilado da vida.” SCHUARZMAN, Sheila. Da Ladeira à escada
rolante. Folhetim (Folha de S.Paulo), 25.12.1983. Pág. 10. in Relatório DPH. OBELISCO e LARGO DA MEMÓRIA. 2014. Pasta 04A.021 a e b /STLP p.12 No seu Doutorado, Pablo Emilio Hereñú discorre com grande propriedade sobre a forma como o metrô implanta suas estações e cita especificamente o caso da memória, diz ele:
“A implantação da estação Anhangabaú provocou grandes alterações na área da Ladeira da Memória, ao destruir os bares, papelarias, oficinas de pintura de faixas e painéis, chaveiros, enfim,
“Em São Paulo, após quatro décadas de experiências concretas,
uma série de pequenos estabelecimentos de serviços diversificados
a Companhia do Metropolitano ainda não se mostrou capaz de
que se abriam para a ladeira e que, apesar do aspecto decadente,
desenvolver uma maneira integrada de inserir suas estações na
conferia vida e um caráter próprio ao lugar”. BARTALINI (1988) p. 79
cidade que, não só deixam de qualificar o entorno imediato como por vezes contribuem para sua degradação. O acesso à Estação
República (inaugurada em 1982) pela Rua do Arouche é um
projeto dessas estações, pertencentes à primeira geração de
exemplo nítido dessa situação. Situado num lote de esquina com
empreendimentos do Metrô paulistano, poderia eventualmente
frente para a Praça da República, o acesso divide o térreo de uma
justificar esses equívocos caso não tivessem sido recentemente
edificação de dois pavimentos com áreas comerciais e um espaço
concluídas estações da Linha 4 - Amarela como a Fradique Coutinho
de bilheteria e espera de um serviço de ônibus para os aeroportos.
e Paulista. Nos dois casos, com configurações de acessos muito
Recuada da calçada, eleva-se uma torre de ventilação do Metrô.
similares, os projetos parecem ignorar seu entorno e desprezar o
A edificação demonstra um desprezo total pelo entorno, como se
valor do solo urbano que ocupam.” HEREÑU. 2016. p. 124
estivesse implantada em meio a um pátio suburbano de serviços e não em uma esquina de uma das áreas mais significativas do centro. Na solução dada à Estação Anhangabaú (inaugurada em 1983) não apenas desperdiçou-se a oportunidade de desenhar um edifício que arrematasse a empena cega vizinha, “remediada” por meio de uma pintura encomendada ao artista Maurício Nogueira Lima, e que desfrutaria de visuais privilegiadas do bairro, como foi completamente negligenciado seu perímetro de contato com a Ladeira da Memória, criando praças carentes de
O argumento da falta de experiência quando do
Um projeto de estação de metrô que tivesse intencionalidade de integração com o Largo poderia ter sido umas das maiores contribuições na direção da sua preservação, o que infelizmente não aconteceu. Mesmo assim no ano da inauguração da estação, em 1983 o Grupo Rumo4 inclui no seu célebre álbum “Diletantismo” a composição “Ladeira da Memória” de Zé Carlos Ribeiro, talvez não por acaso, um arquiteto. Desde então a música, que homenageia o Largo, foi interpretada por inúmeros artistas, entre eles Chico Buarque5. A letra é como segue:
sentido e permanentemente vazias (quando não são fechadas por portões) que desqualificam o passeio adjacente e a própria Ladeira.
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4 O Grupo Rumo é um grupo musical brasileiro formado em São Paulo em 1974. 5 link para a música interpretada por Chico Buarque: https://www.youtube.com/ watch?v=4PRWRAu7-Ic
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Olha as pessoas descendo, descendo, descendo Descendo a Ladeira da Memória Até o Vale do Anhangabaú Quanta gente! Vagando pelas ruas sem profissão Namorando as vitrines da cidade Namorando, andando, andando, namorando O céu ficou cinza e de repente trovejou E a chuva vem caindo, caindo, caindo
_ao lado: decupagem de cenas interessantes presentes no clipe. O largo não protagoniza a produção, mas entre as tomadas do mesmo vemos os fluxos nas escadas e jovens reunidos no chafariz. Além disso, vê-se cenas cotiadianas como as lojas, pessoas circulando e moradores de rua.
_0:01
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Prendendo as pessoas nas portas, nos bares Na beirada das calçadas Quanta gente! Com ar aborrecido olhando pro chão Pro reflexo dos edifícios e dos carros Nas poças d’água E pros pingos, pingando, pingando, pingando Olha as pessoas felizes, felizes, felizes Felizes por que a chuva que caía agora pouco Essa chuva que caia agora pouco já passou
GRUPO RUMO. Ladeira da Memória. In.: Diletantismo. Lira Paulistana/ Continental. Gravações Elétricas S.A. 1983. 1 CD. faixa 2. (2min39) Em entrevista, Zé Carlos Ribeiro conta que a letra busca elementos vividos por ele no centro: as vitrines, o footing, em suma a vivência daquele ambiente. Nesse sentido a Ladeira da Memória evoca, para o autor, uma memória positiva desse lugar de consumo que era o Centro da Cidade onde todos iam em busca da felicidade, mesmo que ilusória. A música é acompanhada de um vídeoclipe6, gravado na mesma época que serve também como um rico registro visual daquela área do centro. A década de 80 e a construção do metrô são a última modificação considerável no tecido envoltório da Ladeira, retirando basicamente o pouco da sua função original de passagem que ainda exercia.
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https://www.youtube.com/watch?v=H20t4nn_t54
A LADEIRA NOS ÚLTIMOS TEMPOS
_análise crítica do tombamento O processo de tombamento foi aberto em 1971 a pedido do próprio poder público. Ele se encaixa em um contexto subsequente à fundação do CONDEPHAAT (1968) quando emergiam nas discussões de preservação os movimentos de resistência à transformações urbanas destruidoras da cidade existente. Nesse sentido, as ações de preservação no centro estavam diretamente ligadas a passagem do metrô1 e as suas possíveis consequências aos bens históricos. No processo consta como interessada (em nome do poder público) Lúcia Piza Figueira de Mello Falkenberg (a então presidente do conselho) e como técnico responsável Carlos Lemos. Não há um estudo precedente ao tombamento e seu modo de requerimento é bastante sucinto alegando que a preservação do mo numento “se impõe por si mesmo”2. Esse curso de ação pode se encaixar nesse contexto de um órgão de patrimônio recém-criado agindo simultaneamente às iniciativas e obras de infra-estrutura transformadoras (nem sempre para a melhor) do espaço urbano e buscando apartar uma grande quantidade de bens ainda sem proteção legal no quadro de disputas da cidade. Na mesma época de início do processo de tombamento há em proposta uma reforma, buscando reverter o grande abandono da área. A elaboração desse projeto coube ao Departamento de Parques e Jardins da Prefeitura. Essa atribuição não passou em branco pelo CONDEPHAAT cau-
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1 JOSÉ, Beatriz Kara. A instrumentalização da cultura em intervenções em intervenções urbanas na área central de São Paulo - 1975 - 2000. Dissertação de Mestrado. FAU-USP 2004. p. 14-15 2 CONDEPHAAT, Processo de tombamento 0044/71, p.5
_CONDEPHAAT TOMBAMENTO. 1971. p.5
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_CONDEPHAAT TOMBAMENTO. 1971. p.10
_desenho comparativo entre tipologias de luminárias, antigas e previstas no projeto de 1971
_CONDEPHAAT TOMBAMENTO. 1971. p.12
71
sando Carlos Lemos a iniciar uma longa série de correspondências tentando intervir nesse processo. Segundo o Memorial de Restauro anexo ao tombamento, o projeto visava substituir peças originais danificadas além da possibilidade de reparo e propunha algumas novidades: iluminação sub-aquática do chafariz, muretas para os canteiros ajardinados, calçamento com pedra portuguesa do trecho da Rua Quirino de Andrade, remoção das luminárias antigas e inserção de luminária disco voador e postes altos de quatro lâmpadas3 e o detalhe mais polêmico: a grade que substituiu a balaustrada de pedra. Anexo ao tombamento há também uma série de correspondências entre o CONDEPHAAT, o Secretário de gabinete do Prefeito, o Departamento de Parques e Jardins e até com o presidente da Cia do Metropolitano de São Paulo (responsável pelas obras do metrô). Nelas Carlos Lemos busca ajuda do secretário do gabinete do prefeito para agir junto ao Dpto. de Parques e Jardins. Não é possível depreender dessas correspondências até que ponto isso ocorreu, mas sabemos que após a conclusão do projeto, em visita técnica, Carlos Lemos observou certas irregularidades na obra concluída e passa os próximos dois anos tentando convencer a Prefeitura a retificá-las4. Outros anexos relevantes do processo são os artigos de jornais que nos dão pistas sobre a percepção do momento sobre o tombamento e as obras. A notícia de 9 de janeiro de 19725 (“Largo da Memória vai ser reformado”) veicula que num prazo de 50 dias a Ladeira voltará a sua glória pregressa, lastimas seu abandono e diz que a queda d’água que sempre esteve no escuro receberá iluminação. Já cinco meses depois em 4 de 3 CONDEPHAAT, processo de tombamento 0044/71, p.34 plantas de pontos de água e luz 4 idem. p. 63,66, 67 (ofício SE80/72),70, 71 (oficio SE44/74) 5 idem. p.59
72
_CONDEPHAAT TOMBAMENTO. 1971. p.52
junho de 19726 o tom muda na reportagem “Desfiguração de um Largo Tradicional de São Paulo” que ataca o projeto, taxa a iluminação da fonte de “brega” e aponta a insatisfação com a situação da obra que um grupo de arquitetos tratará de denunciar. Coincide com essa declaração a denúncia de irregularidades feita pelo então conselheiro do CONDEPHAAT, Luiz Saia7 no dia 26 do mesmo mês. Se por um lado o projeto realizado pelo DPJ tinha seus problemas, no Memorial vemos algumas soluções de projeto que tinham intenções de contribuição com aquele ambiente. É o caso das chamadas muretas-banco que aparecem em duas versões: mureta-banco de alvenaria e tijolos e banco curvo de concreto. Elas serviriam como arremate para os canteiros ao longo da Ladeira, constituindo limites que poderiam evitar o pisoteamento da vegetação dos canteiros e também proporcionar assentos. Uma idéia de melhoria também diz respeito ao escoamento de água pluviais na Ladeira da Memória feito através de grelhas ao longo da sua descida. É muito provável que o projeto de reforma/restauro anexado ao tombamento tenha sido somente a versão inicial, pois esses bancos e outras mudanças propostas nunca foram realizados. Em resposta de Carlos Lemos ao secretário executivo sobre esse problema ele diz: “Nos dias de hoje no projeto de restauração talvez não devêssemos cair nos erros originais do autor do projeto, ainda mais que o afluxo de pessoas pelo local é enorme e insuspeitado nos tempos do prefeito Washington Luiz, e o que o rebaixamento da Rua Lateral é irreversível. Uma coisa é certa: se o gramado de toda a metade inferior do conjunto não tiver uma proteção, os transeuntes cruzaram o local sem disciplina alguma e o ajardinamento perecerá rapidamente.” CONDEPHAAT, Tombamento 0044/71. Ladeira
da Memória p.54 A situação de atravessamento espontâneo dos pedestres pelo canteiro pisoteando as mudas de amendoinzinho (Arachis hypogaea) perdura até hoje. Apesar da intenção de melhoramento podem ter existido diferenças na sua estética. Os bancos propostos eram inicialmente de concreto, um material que poderia ser tratado para se integrar à obra majoritariamente de granito. Em carta de 6 de dezembro de 1971 ao Secretario Executivo Ruy de Azevedo, Carlos Lemos aponta que os bancos ao longo da jardineira que desce quase até a R. Formosa deveriam ser
73
6 idem. p.62 7 idem p.65
74
_CONDEPHAAT TOMBAMENTO. 1971. p.40 e 41
75
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_CONDEPHAAT TOMBAMENTO. 1971. Levantamento Planialtimétrico p.30
feitos, mas revestidos com granito cangicado e lages do mesmo material, correspondente ao projeto de Dubugras. Nesse caso, a sugestão de Lemos poderia ter repercusões mais drásticas do que o banco de concreto cinza do projeto proposto, uma vez que sendo o mesmo material usado por Dubugras e ainda com mesmo tratamento (granito cangicado) poderia causar confusões na linha da criação de um falso histórico. Essa sugestão de modificação drástica de material representa um grande aumento de custos, o tipo de coisa que pode inviabilizar um projeto, principalmente em se tratando de uma obra pública, sujeita a toda sorte de morosidades e burocracias. Ainda na mesma correspondência o técnico sugere que esse canteiro seja profusamente arborizado, como fora anterior “a essa urbanização neo-colonial”8. Essa sugestão parece transparecer, de certa forma, a polarização entre o estilo neo-colonial e o moderno, evidente desde o Congresso Pan-Americano de Arquitetos em 19309. Independente dessa questão de afinidade estilística a ideia de respeito ao projeto original permeia todas as sugestões de Lemos, o que se nota inclusive pela ideia de substituição neutra dos azulejos irreparáveis, em oposição a produção mecanizada de réplicas, justificada pelos princípios da Carta de Veneza10. Mesmo com esses princípios de preservação em alta conta, a ideia de interação entre bem e entorno não figura de forma representativa no processo de tombamento, salvo em uma correspondência. Nela, Lemos escreve ao Presidente da Cia do Metropolitano de São Paulo (o metrô), notificando-o que a demolição de bens na Ladeira da Memória era sujeita a aprovação do CONDEPHAAT. Ele o faz em resposta ao artigo de jornal “A viagem de Geisel do Jabaquara a
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8 CONDEPHAAT, processo de tombamento 0044/71, p.54 9 CAMPOS, Candido Malta. Os rumos da cidade : urbanismo e modernização em São Paulo. São Paulo, Editora SENAC, 2002. p.434 10 CONDEPHAAT, processo de tombamento 0044/71, p.55
_a vegetação morta pelo pisoteamento constante
Santana” publicado no jornal O Estado de São Paulo em fevereiro de 1975, que anuncia tais demolições em favor da passagem do metrô, cuja viagem inaugural seria feita pelo Presidente da República de então11. Essa passagem exemplifica o tipo de desafio que o CONDEPHAAT estava sujeito nos primeiros anos da sua criação, com as grandes obras de infra-estrutura agindo sobre a cidade. Uma observação válida é que a Planta Planialtimétrica12, discrimina os pontos de soleiras na Ladeira da Memória, mas o resto do projeto não apresenta mais esses dados. Apesar dos esforços de preservação da Ladeira com seu efetivo tombamento em 1975 a preservação da sua ambiência não ocorreu. Permitir as demolições requeridas pelo metrô foi um voto de boa fé que se provou equivocado. O fim das fachadas ativas na Ladeira, o vazio do miolo de quadra da João Adolfo, a passarela desembocando em um espaço entre dois muros cegos, vários fatores contribuíram para o cenário de desorganização atual com elementos desarticulados entre si. Todas essas modificações poderiam ter sido feitas de formas diferentes. Essa sensação, penso, não é exclusiva dessa situação. A atuação inconsistente ao longo dos anos, sem interação entre instituições, com falta de recursos financeiros e humanos com sensibilidade para projetar gerou e gera todo tipo de anomalia no ambiente urbano. 11 A CHEGADA DO METRÔ. notícia de 11/09/2017.Jornal Zona Sul 12 CONDEPHAAT, processo de tombamento 0044/71, p.30
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_zoneamento
LADEIRA DA MEMÓRIA
O mapa 1 anexo da Lei 16.402/2016 de Uso e Ocupação do Solo enquadra praticamente toda a área interna ao anel viário e Parque Dom Pedro na qualidade de “Zona Centralidade”. Essa categoria diz respeito a áreas cuja promoção de atividades é de “usos não residenciais, com densidades construtiva e demográfica médias, à manutenção das atividades comerciais e de serviços existentes e à promoção da qualificação dos espaços públicos(...)13”. Essa classificação de Zona que se encaixa dentro da Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana tem diretivas que visam a dinamização das ocupações com itens como incentivo a térreos comerciais/fachadas ativas e porcentagens máximas de vedação por muros em lotes grandes, tentando evitar a repetição de paradigmas de ocupação que não contribuem para a vitalidade das vias lindeiras. Apesar do seu tombamento em duas instâncias (CONDEPHAAT em 1975 e CONPRESP em 1991), a Ladeira da Memória não se encontra assinalada no mapa 2 que localiza as ZEPECs. A caracterização das Zonas Especiais de Preservação Cultural é abrangente, contemplando uma série de objetos passíveis de preservação: “Art. 21. As Zonas Especiais de Preservação Cultural (ZEPEC) são porções do território destinadas à preservação, valorização e salvaguarda dos bens de valor histórico, artístico, arquitetônico, arqueológico e paisagístico, constituintes do patrimônio cultural do Município, podendo se configurar como elementos construídos, edificações e suas respectivas áreas ou lotes, conjuntos arquitetôni-
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13 Artigo 9, Capítulo II, Lei 16.402/2016 de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo. 22 de março de 2016
cos, sítios urbanos ou rurais, sítios arqueológicos, áreas indígenas, espaços públicos, templos religiosos, elementos paisagísticos, conjuntos urbanos, espaços e estruturas que dão suporte ao patrimônio imaterial ou a usos de valor socialmente atribuído.” Artigo 21,
Capítulo II, Lei 16.402/2016 de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo. 22 de março de 2016 De certa forma, a espacialização dessa Lei é uma pista para a percepção que a preservação toma ao ser adaptada dentro do planejamento urbano. O Anhangabaú, por exemplo, não é tombado em si. Sua resolução de tombamento pelo CONPRESP inclui 258 edificações no seu entorno, classificadas em 4 níveis de preservação: _NP1_bens de excepcional interesse histórico _NP2_bens de grande interesse histórico _NP3_bens para preservação externa _NP4_manutenção da volumetria 80
LADEIRA DA MEMÓRIA
Do Vale propriamente a resolução não faz menção direta no sentido de diretrizes de preservação. Por se tratar de uma área bastante alterada desde sua criação e complexa nas interações com a cidade seu tombamento poderia de fato criar questões de difícil resolução, mas esse não é o caso da Ladeira da Memória e, de fato ela é tombada. A criação das ZEPEC demonstra uma busca de interação entre preservação e planejamento urbano, ainda que a proteção dos bens se mantenha atrelada fundamentalmente ao tombamento. Tanto na LPUOS/2016 quanto no Plano Regional da Subprefeitura da Sé aponta-se para os órgãos de preservação como moderadores dos parâmetros ativos para modificações em imóveis dessas áreas. Como instrumento de fomento principal vemos a transferência de potencial construtivo e apenas ela14, não são apontados incentivos tributários ou isenções. De diretrizes ou medidas específicas que pudessem afetar a Ladeira da Memória o item b. do título III enuncia: “implantar a Trilha Histórica no Centro de São Paulo, como medida de valorização dos logradouros e edifícios de interesse histórico do Município;” 15Se essa iniciativa está em curso, não se sabe.
Algo que se aproxima da criação de um percurso são as placas de indicações para pedestres introduzidas em 2016 para a Copa do Mundo, mas somente uma delas indica a localização da Ladeira. Todas essas inconsistências são paradigmáticas na não adoção da preservacão integrada e patrimônio ambiental urbano. Esse último tema aliás apesar de ter protagonizado as discussões da preservação décadas atrás, nos anos 60 e 70, ainda merece ser mencionado. Ao longo dessas décadas de discussão o tema tomou vários significados, como a percepção da ambiência urbana e conforme se ampliava para uma noção alargada de bem cultural. Mas essas discussões como sabemos16 não chegaram a ser operacionalizadas e convertidas em metodologias de ação e consequen-
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14 Anexo IX - Livro IX Plano Regional Estratégico da Subprefeitura Sé. p. 11 15 idem, p.7 16 TOURINHO, Andrea de Oliveira; RODRIGUES, Marly. PATRIMÔNIO AMBIENTAL URBANO: UMA RETOMADA. Revista CPC, São Paulo, n.22, p.70-91, jul./dez. 2016.
temente nunca chegaram às práticas dos orgãos de preservação e planejamento urbano. Quando se aponta a mudança da cidade como fator de modificação do entorno de um bem há de se lembrar que ele ocorre pois os parâmetros urbanísticos vigentes permitem que isso aconteça. Com isso em mente, pode-se dizer que o fim do tecido cuja escala se relacionava à gênesis do projeto de Dubugras começa a ser desmontado na déc. de 20 (com o Código Sabóia) e nos planos subsequentes, com o progressivo aumento de gabarito. Vale lembrar que o ideal almejado para a cidade de São Paulo, desde 1930 a quase 1980, se orienta por dois termos: verticalização e rodoviarismo. No mapa da página seguinte as cores frias representam as construções feitas sob zoneamentos de gabaritos menores e sob as cores quentes estão as edificações feitas sob a égide da verticalização. Em verde novamente os espaços livres e nesse caso também terrenos vazio. Então, de certa forma a ambiência que circundava a Ladeira na época da atenção ao Patrimônio Ambiental Urbano já era muito diferente da original, mas suas dinâmicas ainda poderiam ter sido preservadas (fachadas ativas na Ladeira etc). Se o termo preservação tivesse de ser encaixado numa lista de prioridades ele não entraria nas dez primeiras antes da década de 1960, se mantendo, mesmo assim no final da lista, talvez até hoje. 82
Mapa Digital da Cidade. Prefeitura de SĂŁo Paulo. CESAD FAUUSP. Levantamento gabaritos disponĂvel na base georreferenciada fornecida pelo CESAD FAUUSP 83
0
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_ ao lado o eixo de ligação entre o Largo do São Francisco e da Memória em três momentos 1900 com o Piques como espaço livre na cabeceira Sul do Anhangabaú (acervosdacidade.prefeitura.sp.gov.br); 1977 (fau, setor iconográfico. slide 9A8151-2) com o Viaduto Dr. Eusébio Stevaux, já obstruindo o eixo e finalmente em 2018 com o Terminal Praça da Bandeira, a passarela e a vegetação tampando a visada do eixo São Francisco-Memória.
_ esforços de preservação A Ladeira da Memória, segundo relatório de 2014 do DPH1, já passou por diversas vistorias e algumas obras de restauro. O relatório estabelece uma cronologia das intervenções já realizadas no local, descrevendo brevemente sua natureza e o órgão responsável. A cronologia se inicia em 1919, o que é consonante com a idéia da criação dessa memória por Washington Luiz. E também porque a construção do projeto de Dubugras sob os auspícios comemorativos do Centenário da Independência colocou o Obelisco no mapa da memória da cidade, contextualizando o obelisco com uma dose modesta de monumentalidade. A partir dessa ocasião a cronologia passa a elencar os anos em que ocorreram eventos significativos como matérias de jornal sobre a Ladeira, projetos, vistorias, propostas de restauro e obras propriamente ditas. As notícias de jornal são um registro válido da percepção social da Ladeira e desde 1953 falam do abandono do local. Não por coincidência pouco antes, em 1941, a cronologia aponta obras na ponta inferior da Ladeira, adjacente a Rua Formosa em decorrência de intervenções no Anhangabaú realizadas na gestão de Prestes Maia. Essas intervenções correspondem às obras viárias sonhadas por Prestes Maia que iniciaram a obstrução definitiva do binário histórico São Francisco-Memória com a criação da Avenida Anhangabaú. Outra intervenção desse tipo afetou esse mesmo ponto da Ladeira em 1963, indicada como supressão da êxedra no encontro das Ruas Quirino de Andrade e Formosa substituindo-a por um lance de escadas.
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1 Relatório DPH. OBELISCO e LARGO DA MEMÓRIA. 2014. Pasta 04A.021 a e b /STLP
A cronologia do DPH é bastante esclarecedora na medida em que traz excertos de artigos e opiniões acerca da situação da Memória. Por exemplo, vale a pena mencionar novamente o projeto de remanejamento da Ladeira da Memória feito por Luiz Saia a pedido da Prefeitura de São Paulo. Que a partir de uma análise bastante anacrônica do projeto de Dubugras e de uma postura de com visão estreita sobre manifestações válidas de épocas precedentes, propõe mudanças radicais em prol da ideia de que a criação de mais espaços de estar e inserção de iluminação mudariam o quadro social de usuários da praça. Acredito que ao propor essas mudanças Luiz Saia tinha boas intenções, baseado na sua capacidade técnica e nos saberes de então, mas apesar do seu discurso, que acusa Dubugras de não ter a dimensão social do espaço em mente, muito menos ele mostrou tê-la. No ano seguinte, em 1969, a cronologia cita o artigo de Benedito Lima de Toledo no Suplemento de Turismo do jornal O Estado de S. Paulo sugerindo à prefeitura um restauro à original, removendo muretas improvisadas e reestabelecendo o fluxo no chafariz. A próxima obra que seria realizada na Ladeira ocorreu em 1972, em virtude do aniversário de 150 anos da Independência. Essa intervenção corresponde àquela anexada no processo de tombamento do CONDEPHAAT, feita pelo Dpto. de Parques e Jardins e já analisada em capítulo precedente. Em 1975, além da conclusão do processo de tombamento há a entrada do pedido de demolição do casario da Ladeira e do miolo de quadra com frente para a Rua Quirino de Andrade em favor do metrô. Nesse mérito, em artigo do Jornal da Tarde2, Benedito Lima de Toledo expressa a sua preocupação com a descaracterização do Largo citando a carta da UNESCO de 1968: que “exige que o poder público, antes de tocar em qualquer coisa na área que deseja mexer, apresente um projeto de 2 Jornal da Tarde, 15.4.1975
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como ficará o local depois das obras. Esse projeto tem que ser aprovado pelos órgãos do patrimônio para que as obras sejam iniciadas”. Essa afirmação apesar de aparentemente óbvia diz respeito às metodologias de preservação ainda em desenvolvimento na época. Foi necessário um cenário de ameaça para que essas determinações fossem seguidas: “Na ocasião [do anúncio das desapropriações] o CONDEPHAAT comunicou à Prefeitura que o local era tombado, por ser considerado um bem cultural, e houve até ameaças de embargo das obras do Metrô, caso não fosse feito um pedido oficial de autorização para demolição dos prédios, porque havia o perigo de prejuízo do conjunto visual da paisagem em torno do monumento…”
Relatório DPH. OBELISCO e LARGO DA MEMÓRIA. 2014. Pasta 04A.021 a e b /STLP. p.12
Esse episódio mostra a luta do órgão de preservação para conseguir se inserir nas dinâmicas urbanas. E também mostra o caráter inci piente da percepção do Patrimônio Ambiental Urbano3, dizendo inicialmente da caracterização da Ladeira como bem cultural e logo em seguida que a demolição de parte do entorno poderia afetar o conjunto visual, perspectiva que retorna a visão do patrimônio como monumento no espaço e não considera sua paisagem social ou cultural. As obras do metrô se alongaram de 1975 até 1983, quando foi inaugurada a estação. Ao longo desse período foi necessário desmontar parte da escadaria da Rua Xavier de Toledo e logo antes da inauguração o
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3 TOURINHO, Andrea de Oliveira; RODRIGUES, Marly. PATRIMÔNIO AMBIENTAL URBANO: UMA RETOMADA. Revista CPC, São Paulo, n.22, p.70-91, jul./dez. 2016. p.83. Nesse trecho as autoras apontam para a não adoção do Patrimônio Ambiental Urbano como foco de preservação no CONDEPHAAT
relatório registra uma obra de restauro completo4. Apesar disso já em 1984 um relatório de vistoria acusou danos na estrutura do obelisco. Em 1992 com o fim das obras de reurbanização do Anhangabaú ocorrem obras na Ladeira novamente, a única observação presente é a substituição dos azulejos brancos no assentos das êxedras por granilite. Após a obra de 92 três vistorias foram realizadas na década de 90 (1995, 1998 e 1999)5. Todas apontam para as mesmas necessidades: remoção de pichações e sujeiras, revisão das instalações hidráulicas e elétricas, revisão do paisagismo e reforma de rejuntes. Necessidades que poderiam integrar um plano periódico de manutenção que poderia encaixar-se na ideia de restauro preventivo como conceituada por Brandi6, e com os devidos cuidados metodológicos e visão crítica da própria ação, como forma de evitar a necessidade de grandes intervenções emergenciais que podem facilmente gerar anomalias e outras questões associadas à má execução (como a limpeza a jato de areia que apagou os dizeres do obelisco). Ao longo dessas vistorias é registrado que o Largo passou a
4 Relatório DPH. OBELISCO e LARGO DA MEMÓRIA. 2014. Pasta 04A.021 a e b / STLP. p.12 5 idem p.13 6 vide capítulo 8 “A Restauração Preventiva” in Brandi, Cesare. Kühl, Beatriz Mugayar (trad). Carbonara, Giovanni (apres). Cordeiro, Renata Maria Parreira (rev). Teoria da restauração. Cotia, Ateliê, 2004. Artes & Ofícios. p.98-109
_topo a esquerda: vista panoramica do Largo em 1997 criada a partir das fotos anexadas ao tombamento do CONDEPHAAT nas páginas 90 e 92. _topo direita: CONDEPHAAT. Tombamento 1971. p.87 _ abaixo a direita: foto com muretas de paralelepípedo na Ladeira da Memória. CONDEPHAAT. Tombamento 1971. p.20
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_capturas de tela da reportagem da TV Gazeta de 31/10/2014 sobre o Bicentenário do Obeslico. _ao lado as ocupações silenciosas da Ladeira: moradores de rua e camelôs
ser ponto de encontro de pichadores, sendo usado também como suporte para a prática do picho. Essa apropriação cultural, socialmente margina lizada, leva a determinação da presença de policiais da Guarda Civil Municipal buscando desencorajar os pichadores. A situação chegou ao seu maior momento de tensão nos anos 2000 quando os pichadores passaram a ameaçar os funcionários da empresa terceirizada de limpeza Engelimpe7. Com o obelisco saturado de pichações foram realizados testes com máquinas de limpeza para pichações, avaliando-se o possível dano causado ao monumento. Desde a limpeza feita pela subprefeitura da Sé em 2001 a atividade parece ter se desmobilizado nos últimos anos8. Outra apropriação do espaço era feita pelos camelôs, aparelhados com barracas. Em 2009 a sua retirada massiva do local9 parece ter sido a medida definitiva contra esse tipo de ocupação comercial informal. As últimas obras realizadas foram restauros em 2005, dentro do escopo do programa Programa Adote Uma Obra Artística. E em 2014 em virtude do bicentenário do obelisco, em parceria com outras empresas privadas. Na ocasião do bicentenário vemos uma iniciativa cultural sendo realizada paralelamente ao restauro. Na data de aniversário do monumento foram programadas atividades culturais, mas que seriam classificadas pelo professor Ulpiano, possivelmente como uso cultural da cultura10, aquele descolado do cotiano que encerra a cultura numa esfera elevada, separada da vida habitual. Os espetáculos de música, dança e teatro ocor-
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7 Relatório DPH. OBELISCO e LARGO DA MEMÓRIA. 2014. Pasta 04A.021 a e b /STLP. p.14 8 A foto de 2002 anexada ao tombamento mostra uma situação bastante crítica, mas as fotos dos anos seguintes (2012, 2014 e 2018) mostram um número menor de pichações. 9 Associação Viva o Centro. Portal de notícias. Ladeira da Memória sem ambulantes. 04/05/2009. Consultado em 07/05/2018. <http://www.vivaocentro.org.br/not%C3%ADcias-do-centro/not%C3%ADcias/ladeira-da-mem%C3%B3ria-sem-ambulantes.aspx> 10 MENESES, Ulpiano Bezerra Toledo de. A Cidade como Bem Cultural in MORI, Victor Hugo; SOUZA, Marise Campos de; BASTOS, Rossano Lopes; GALLO, Haroldo (Orgs.). Patrimônio: atualizando o debate. São Paulo, Iphan, 2006. p.38
reram, mas é difícil mensurar se tiveram alguma contribuição para estabelecimento de memória afetiva com os passantes, um público fugaz. Dessa forma, não constam esforços de natureza cultural (no seu sentido social e cotidiano) ao longo dos anos. Todas as reformas e intervenções tiveram seu foco em manter a integridade física do monumento, esquecendo-se do seu âmbito sócio-cultural. Oportunamente pode-se trazer à tona, então o assunto espinhoso dos moradores de rua. É interessante que sua presença parece ser pouco registrada ou mencionada nas vistorias técnicas, relatórios e as vezes nem mesmo nas matérias de jornal. Muitas vezes eles são transmutados metonímicamente em “dejetos”, “sujeira” ou “sujidade”, afinal se há urina e fezes humanas ali é porque algum humano as produziu. Dessa maneira, a omissão deles dos relatórios e do foco de atenção dos órgãos de preservação levanta mais uma vez a falta de abordagem metodológica das interações sociais nos espaços protegidos. Nesse sentido, a reflexão fundamental não é como trazer movimento e “animação” àquele espaço (ambos termos usados frequentemente como forma de dizer que seria ideal que outros tipos de pessoas, que não os moradores de rua, ocupassem o espaço), mas sim que cenário social produz a situação que hoje lá se encontra? Essa reflexão parte do argumento fundamental que o Professor Ulpiano desenvolve11 da cidade como produto das interações sociais e como campo de forças de disputas sociais. Não é por ser espaço de passagem que a Ladeira é degradada. A Praça da Sé, por exemplo, mesmo com todo seu espaço livre de estar e jardim de esculturas é muito mais degradada que a Ladeira. Recentemente uma nova matéria sobre abandono e pichação na 11 MENESES, Ulpiano Bezerra Toledo de. A Cidade como Bem Cultural in MORI, Victor Hugo; SOUZA, Marise Campos de; BASTOS, Rossano Lopes; GALLO, Haroldo (Orgs.). Patrimônio: atualizando o debate. São Paulo, Iphan, 2006. p. 33-77
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_ ao lado foto de Edilson Dantas para O Globo com a pichação “Olhai por Nóis” feita em Abril de 2018 _na página seguinte a matéria de Leão Serva para a seção “Cidade a Pé” da Revista da Folha de Abril de 2018
Ladeira da Memória12 foi publicada e nesse mesmo mês ocorreu a polêmica pichação: “Olhai por Nóis” na parede principal do Pátio do Colégio13. Esse evento desencadeou discussões sobre temas que apesar de afetarem barbaramente o espaço urbano, raramente são discutidos; como o falso histórico Pátio do Colégio, pichações, os moradores de rua e a desigualdade social abismal em São Paulo. No caso da Ladeira, não se tratando de um falso histórico, mas também sendo de certa forma uma memória inventada, todos os temas também se aplicam. Menciono novamente o projeto de remanejamento da Ladeira da Memória feito por Luiz Saia para a Prefeitura de São Paulo. Buscando reverter o quadro social de usuários através da criação de um grande recinto de estar e novo projeto de iluminação. Medidas que sabemos, não bastam para enraizar laços afetivos e novas práticas culturais cotidianas. E nesse sentido a pichação “Olhai por nóis” no Pátio do Colégio se faz relevante novamente, como alerta das lutas sociais veladas no Centro.
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12 SERVA, Leão. Ladeira da Amnésia. Revista da Folha. São Paulo. 8 a 14 de abril de 2018. p.66. 13 NEVES, Deborah. Precisamos falar sobre monumentos e sua simbologia. Ou sobre a pixação no Pátio do Colégio. Drops, São Paulo, ano 18, n. 127.05, Vitruvius, abr. 2018 <http://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/18.127/6947>
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_ problemas atuais e possibilidades
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Entrando então na questão dos usos atuais da Ladeira é necessário analisar que espécie de Uso e Ocupação do Solo se desenvolve no seu entorno. O mapa de usos do solo na página seguinte abrange um recorte que busca reconhecer o binário das duas margens do Anhangabaú como diretamente ativo na área de estudos, o que se justifica pela sua trajetória histórica e divide os usos em combinações entre usos do térreo e uso predominante do corpo do edifício. A saber: comercial, edifício exclusivamente comercial podendo ser inclusive corporativo; estacionamento, uso de estacionamento podendo ter as morfologias de prédio de garagens, terrenos vagos ou ocupação do térreo de edifício ocioso com vagas; institucional, tanto cultural quanto de serviços; área livre, independente de ser espaço verde ou não, áreas que sejam espaços livres públicos; metro, separado em uma categoria para destacar-se no mapa; misto comercial/ residencial, representa uso misto entre residências e comércio (o amarelo ajuda a contrastar no mapa); misto comercial, edifícios com usos de comércio ativo no térreo e comércio ou corporativo no resto do edifício; residencial; vazio, edificações ociosas ou terrenos vazios. Existe um número de outras formas e outras possíveis categorias, mas assim se pode ter um panorama mais simples do tipo de ocupação atual da área. Observando a disposição das categorias descritas acima algumas leituras podem ser feitas. A principal aborda os usos predominantes sendo a maioria visualmente forte o misto comercial seguido da minoria expressiva de misto comercial/residencial. Também se vê que há usos institucionais de caráter cultural importantes na área como a Biblioteca Mário de Andrade, a Praça da Artes e o próprio Teatro Municipal, além de serviços
_do topo direito em sentido horário: pedras faltantes no paredão entre Rua Quirino de Andrade e Xavier de Toledo; áreas danificadas do mosaico português da Quirino de Andrade; vegetação no muro de arrimo; novas pixações no frontão de azulejos; danos na balaustrada da Xavier de Toledo; partes faltantes na êxedra da Rua Formosa institucionais como a unidade paulista da Gerência Executiva do INSS e a unidade central do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. É uma ideia consolidada nos estudos de requalificação de centros urbanos (não só históricos) que habitaçao funciona como ancoragem de uma população de convívio cotidiano com o ambiente. Essa condição serviria dessa forma, como a adição de indivíduos ou de um coletivo que funciona como os olhos do lugar, como conceituou Jane Jacobs, que mitigam o índice de abandono e situações propícias à violência e depredação. Nesse sentido, a Ladeira é privilegiada por ter logo em seu entorno imediato três edifícios de habitação. Essa condição favorável porém não é o suficiente no caso da Memória. As habitações imediatamente vizinhas não se articulam a outros pontos de ocupação cotidiana, dado que seu entorno é cercado por prédios corporativos e o núcleo habitacional mais próximo está na Av. São Luís e a ocupação residencial só volta a ter vulto no entorno da Praça da República e na região de Santa Cecília e Vila Buarque, a centenas de metros de distância da memória. Os usos não-residenciais do entorno também afetam as dinâmicas na escala da Ladeira. Por estar em uma das pontas de acesso do triângulo, isso ainda favorece a presença de estacionamentos para automóveis1, ali na própria Quirino de Andrade há um bolsão demarcado para motos pela CET. Os moradores de rua e usuários das motos, as vezes sem opção, usam a parte de trás da colunata do chafariz da Memória como banheiro, esse 1 COTELO, Fernando Cardoso. Padrões espaciais de ociosidade imobiliária e o Programa Morar no Centro da Prefeitura de São Paulo (2001-2004) in Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 11, n. 22, pp. 615-635, jul/dez 2009. p. 623
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Mapa Digital da Cidade. Prefeitura de SĂŁo Paulo.CESAD FAUUSP. Levantamento de usos realizado em campo pela autora entre 23.01. 2018 e 19.04.2018 95
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_Vista da chegada da passarela sobre a Av. 9 de Julho. Ao lado direito o terreno vazio do metrô na Quirino de Andrade, ao lado o muro limitrofe do respiro do metrô e ao centro a banca de jornal uso diminuiu com a poda da vegetação desse canteiro, mas a prática se mantêm. Apesar de serem desencorajados por rondas da PM os camelôs por vezes se instalam na Ladeira. Com caixotes de madeira ou de papelão eles montam seus tabuleiros, que podem desaparecer dentro de sacolas com o mínimo alerta da presença da polícia. A prefeitura instituiu um tablado com 10 barracas de lona vendendo comidas como tapioca, doces caseiros e sanduíches, mas ele se encontra na calçada da Rua Formosa de onde mal se vê a Ladeira. Outro tipo de apropriação do espaço público são as mesas na calçada de dois estabelecimentos na parte pedestrializada da Quirino de Andrade. Encerrando as ocupações de caráter comercial encontram-se duas bancas de jornal nas imediações, uma ao lado da saída do metrô e outra na saída da passarela sobre a Av. 9 de Julho. Essa última banca funciona como elemento essencial de inserção de vida nessa passagem, que prensada entre dois muros, tem uma implantação muito erma para o pedestre. A permanência dos moradores de rua ocorre principalmente nas êxedras, onde geralmente eles dormem, descansam e socializam. Esses levantamento dos usos e dinâmicas sociais atuais não pode ficar completo sem uma menção ao estado físico do monumento. Apesar do recente avanço de pichações2, do chafariz inoperante há somente alguns danos físicos aos azulejos das êxedras e pedras faltantes no calçamento e muros. Talvez o elemento mais danificado do conjunto seja a balaustrada da Rua Xavier de Toledo que tem partes faltantes, destruídas e partes com armadura exposta. Levando em conta todas as observações expostas nos últimos dois capítulos, pode-se dizer que a situação da Ladeira reflete em sua micro escala os problemas macro da escala urbana. A falta de políticas sociais e políticas de habitação efetivas. Também a falta de políticas extensivas de transporte. Há de se refletir que o ambiente urbano, funcionando em rede de articulação de diferentes escalas submete seus espaços às próprias
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2 entre as visitas a campo de 22.03.2018 e 19.04.2018 ocorreram pichações no frontão do chafariz e algumas no corpo do obelisco.
_USOS E DINÂMICAS PRESENTES
_pontos de camelôs _barraquinhas de comida _ mesas na calçada _bancas de jornal _bolsão de motos _atravessamento do canteiro _pontos de ônibus e cabines de viação _permanência de moradores de rua _deposição de dejetos
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PROGRAMA
AÇÕES LOCAIS
Essa Ação é sua
projeto recuperação de calçadas
Objetivo
_ficha de procedimento para “Projeto de Recuperação de Calçadas” no escopo do programa Ação Local, parte da Associação Viva o Centro. Tentativa objetiva de metodologia cotidiana de iniciativa de intervenção civil no espaço?
• Recuperar a calçada da microrregião para que ela proporcione conforto ao pedestre e aos portadores de deficiências.
Como começar? •
Definir os trechos que precisam ser reparados.
• Elaborar um projeto executivo de reforma e submetê-lo à avaliação da Subprefeitura da Sé e/ou Secretaria da SUBS. • Verificar com a Subprefeitura da Sé o que ela poderá providenciar (guias, sarjetas, alinhamento, arborização etc). • Elaborar um projeto de arquitetura com orçamento das obras, a ser apresentado às empresas e condomínios da rua ou praça (o patrocinador poderá divulgar sua marca em uma placa fixada no proprio piso da calçada). • Mobilizar a comunidade para ver o projeto, apresentando-o em reunião aberta a todos em algum espaço conseguido na própria microrregião. • Mostrar aos presentes, durante essa reunião, que o custo rateado de recuperação do piso de uma calçada por um condomínio, por exemplo, não sairá alto e o ganho será de todos (nessa reunião fazer lista de presença e pegar a assinatura de todos, esta solicitação precisa ser devidamente documentada, 2/3 (dois terços) dos moradores e lojistas devem estar de acordo).
Como a Associação Viva o Centro pode contribuir? •
Divulgando o processo e, ao fim, mostrando a conquista.
Contatos Secretaria Municipal de Coordenação das Subprefeituras R. Líbero Badaró, 425 - Tel.: 3101-5050 Subprefeitura da Sé Rua Álvares Penteado, 49 - Tel. 3397-1200 Calçadas Novas Regras (site) http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/calcadas/index.php?p=37439 Associação Viva o Centro Rua da Quitanda, 96 - 3° andar - Centro - São Paulo - Brasil - CEP 01012-010 Fone: 3556-8999 - www.vivaocentro.org.br.
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dinâmicas sociais reforçando sua natureza de produto social e até certa medida de produtor social. Dessa maneira, é impossível culpar a cidade pelos males sociais sem voltar a atenção para as causas principais que produzem esse efeito. A ocorrência recente do incêndio da ex-sede da Polícia Federal no Largo do Paissandú coloca vários desses problemas urbanísticos a baila, como a falta de políticas urbanas de habitação social no centro, a morosidade das políticas existentes para atender imóveis ociosos, a falta de conhecimento das situações de segurança nas ocupações atuais, mas principalmente a dificuldade em aplicar instrumentos urbanísticos como o IPTU progressivo que desafia proprietários e mercado. No seu artigo na Folha3, Leão Serva aponta a possibilidade de compra de edifícios no centro pela Prefeitura como opção viável e pouco explorada, mas há de se lembrar que as formas de avaliação de preços de mercado feita pela Receita Federal, como no caso da Ocupação Prestes Maia4, trabalham com valores altamente especulativos e que esses “imóveis parados e em risco de desvalorização” como dá a entender Serva, na verdade não estão aí a preço de banana esperando a colheita, mas se enquadram numa disputa ferrenha entre direito à propriedade e sua função social. Sabemos, então, que a Ladeira se encontra sujeita às dinâmicas urbanas macroscópicas da cidade das quais é impossível se isentar. Ao mesmo tempo existem possibilidades de intervenção para a Ladeira que podem ajudar a dinamizar seus usos e aumentar a qualidade da permanência no espaço, sem exclusão dos seus ocupantes mais carentes, os moradores de rua. O programa Ação Local vinculado à Associação Viva o Centro tem 3 SERVA, Leão. Tragédia revela todas as mazelas da habitação de que sofre a maior cidade do país. Folha de São Paulo. Cotidiano. B4. Quarta-feira. 2 de maio de 2018. 4 https://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/09/politica/1455015637_003155.html; https://www.cartacapital.com.br/especiais/infraestrutura/familias-do-prestes-maia-aguardam-transformacao-do-predio-desapropriado;
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A Combined Research Approach By applying Gehl Studio’s method of design ethnography and the J. Max Bond Center’s _diagrama esquemático de valores dos consultores parte‘Just City’ values, this project cipantes no desenvolvimento da metodologia do escritório Gehl. A ideiaseeks de “Urban Justice” manifestação dowhether Direito tocomo answer the a Cidade nos princípios urbanísticos atuais. impact _ao lado: listagem dos valoresof ativosdesign na proposição da on me urban todologia e observação dos espaços justice cande intervenção be measured.
Gehl & JMBC Project Indicators & Measurement Frameworks
• Land Use • Mobility Patterns
Within each value, a combination of Centro percebeu que a participação organizada e efetiva da comunidade local era public life (how people use space and imperativa para a requalificação da região Central. (...) Cada Ação Local tem como who they are), public space (quality objetivo exercer intensa vigilância sobre as condições urbanas de sua área específica, and design of the space) indicators and registrando os problemas,(human denunciando-os aos órgãos públicos competentes e deles urban justice indicators health, cobrando soluções. A Açãoaesthetic, Local deve também economic, civic, culture, and encaminhar às autoridades sugestões environmental were included. e projetos parawellbeing) melhorar os serviços da microrregião. A Ação Local fundamenta-se no pleno exercício da cidadania, por isso a participação é gratuita, voluntária e de
The combined looks in de more caráter civico,approach rigorosamente isenta conotações político-partidárias, de credo ou detail at not only what’s happening in doutrina. (...)” O QUE O PROGRAMA AÇAO LOCAL. Site Viva o Centro. 2013 a space, but at who is there and how access, use, movement, and ownership depending Além dason informações acerca da missão e objetivos do Programa o differs design, geography, site dispõe de uma série demographics. de sessões informativas, como eventos, notícias e and local socio-economic planos. A maioria dessas sessões se encontra desatualizada ou desativada. FourMas methods were used to observe a sessão “Documentos Básicos”5 mostra formulários e fichas que functionality, conditions, andde behavior: revelam uma metodologia ação. Seja como for, a Ladeira da Memória intercept surveys, é um dos únicosobservational “Ação Local” quesurveys, conta com um breve relatório sobre as desktop research, and interviews. We 6 sugestões para o local . Além das demandas tradicionais, como limpeza
engaged directly with users about their experience, researched the local socio5 nessa seção encontram-se uma série de fichas e formulários como os da sessão “sugdemographic and land use context, and estões de projetos fáceis de implantar” que inclui “Reforma de calçadas”, “Coleta Seletiva” interviewed plaza stakeholders e “Acompanhamento de varrição”. and http://www.vivaocentro.org.br/programas-e-projetos/programa-a%C3%A7%C3%B5es-lomanagers to understand the history and cais/documentos-b%C3%A1sicos.aspx goals of each plaza. 101
6 http://www.vivaocentro.org.br/programas-e-projetos/programa-a%C3%A7%C3%B5es-locais/conhe%C3%A7a-cada-a%C3%A7%C3%A3o-local/ ladeira-da-mem%C3%B3ria/plano-de-a%C3%A7%C3%A3o.aspx
• AESTHETICS • CLIMATE • HUMAN SCALE
• Seating Opportunities
• Plaza Design
• Quality Criteria
• Plaza Edge
• Commute Time
• Cost
propostas formuladas para o local desde a sua gestão de 2012/2013. Esse programa busca integrar usuários, moradores locais e empresas locais, a The JMBC saber: Just City values were used as the overarching indicator “O Programa Açõesframework. Locais nasceu em 1995 quando a Associação Viva o
DELIGHT
PUBLIC SPACE
& Rates
PROTECTION
• VEHICULAR TRAFFIC • CRIME • SENSORY
COMFORT
• WALKING • STAND / STAY • SITTING • LOOKING • HEARING / TALKING • PLAY
Public Life • Pedestrian Volumes
• Ownership
• Age
• Social Connectivity
• Gender
• Who: Income
• Safety
• Who: Race/
• Time Spent Outside • Stewardship
Ethnicity *
URBAN JUSTICE • Equity
• Beauty
• Choice
• Creative Innovation
• Access
• Health and Wellness
• Connectivity • Diversity • Ownership • Participation • Inclusion / Belonging 102
* Metrics added for this project
_fotografias comparativas da área de intervenção adjacente ao Largo do São Francisco, que antes era gradeada e desocupada e recebeu faixa de pedestres enfatizada, tablado, ponto de Wifi e mobiliário. de pichações, retrabalho dos rejuntes, revisão de pedras faltantes nos muros etc o relatório coloca algumas sugestões válidas como: a inserção de uma boca de lobo para o fluxo pluvial que advêm da Rua 7 de Abril e acaba varrendo as escadarias da Memória; a sinalização do local como ponto relevante da cidade; a redemarcação da faixa de pedestres na Rua João Adolfo e inserção de cavaletes redutores de velocidade para prover mais segurança aos pedestres; revisão do mobiliário urbano; instalação de câmera de vigilância ligada a Guarda Civil Municipal e sinalização informativa da vigilância. Algumas outras sugestões como a instalação de jatos de água com jogos de luz “como acontece no Parque do Ibirapuera”7, o pedido de tombamento da figueira, que é uma das árvores mais antigas de SP, e colocação de corrimão centrais nas escadas talvez não sejam necessariamente pertinentes. Parte dessas medidas, como a sugestão de um ponto de Wifi lembram iniciativas de sucesso existente como a do “Centro Aberto” que a partir de avaliação metodológica do potencial de terrenos residuais vazios da Cidade previu a inserção de mobiliário, iluminação, um ponto de apoio com monitores e a introdução de atividades didáticas cotidianas como um tabuleiro de xadrez gigante. Tive oportunidade de acessar a metodologia usada pela SPUrbanismo8 e criada pelo escritório dinamarquês de urbanismo Gehl9. A metodologia de pesquisa utilizada pelo escritório Gehl foi
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7 Plano de Ação. Programa Ação Local. Gestão 2012/2013. Associação Viva o Centro p.4 8 Centro Aberto - Experiência na escala humana. Prefeitura de São Paulo. SMDU. Abril 2015. 9 Public Life & Urban Justice in New York Citie`s Plazas. Gehl Studio NY. J. Max Bond
_fotografias comparativas da área de intervenção no Largo do Paissandú adjacente a Igreja Nosaa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, antes um canteiro com vegetação esparsa que recebeu pedrisco, um tablado com mobiliário, um ponte de informações e mobiliário lúdico. reestudada e dimensionada para o porte buscado na programa Centro Aberto resultando em transformações não menos positivas do que as realizadas em Nova Iorque. No caso da Ladeira da Memória, o desafio reside em integrar uma estrutura existente novamente nas dinâmicas urbanas de fluxos e permanência, não se encaixando exatamente no tipo de intervenção realizada pelos Centros Abertos até agora. Duas possibilidades de ativar esse aspecto da Ladeira poderiam ocorrer com a construção compulsória no terreno do miolo de quadra da joão adolfo e com uma reforma da estação do Metrô, devolvendo térreos ativos á ladeira.
Center on Design for the Just City. November 2015.
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_página com ilustrações “Caixa de Ferramentas Centro Aberto”, discorre sobre os elementos físicos e programáticos que podem ser usados no escopo de intervenção do Programa Centro Aberto.
_Conclusão O presente trabalho não teve a pretensão de esgotar o assunto da Ladeira da Memória, nem na sua estratigrafia histórica e muito menos no âmbito da sua preservação. Porém, os esforços em reunir informações sobre esse local, costurando sua narrativa pulverizada, me pareceram válidos na medida em que produziram um quadro mais unificado sobre a Ladeira da Memória e também reuniram bibliografia relevante para a continuidade de pesquisas correlatas. Além do mais, a pesquisa oferece uma leitura daquele espaço urbano, como estruturado no tempo, permitindo uma apreensão mais ampla de suas características e peculiaridades, inclusive no que diz respeito às suas formas de utilização e apreensão hoje; e esses são dados essenciais para poder intervir naquela realidade.
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_BIBLIOGRAFIA Brandi, Cesare. Kühl, Beatriz Mugayar (trad). Carbonara, Giovanni (apres). Cordeiro, Renata Maria Parreira (rev). Teoria da restauração. Cotia, Ateliê, 2004. Artes & Ofícios. p.98-109 CAMPOS, Eudes (org). CALIL, Carlos Augusto (apres). Arquivo Histórico de São Paulo: história pública da cidade. São Paulo, Imprensa Oficial, 2011, DPH, Prefeitura de São Paulo. CAMPOS, Candido Malta. Os rumos da cidade : urbanismo e modernização em São Paulo. São Paulo, Editora SENAC, 2002. (Doutorado) CAMPOS, Eudes. A cidade de São Paulo e a era dos melhoramentos materiaes - Obras públicas e arquitetura vistas por meio de fotografias de autoria de Militão Augusto de Azevedo, datadas do período 1862-1863. Anais Museu Paulista vol.15 no.1 São Paulo Jan./June 2007 COTELO, Fernando Cardoso. Padrões espaciais de ociosidade imobiliária e o Programa Morar no Centro da Prefeitura de São Paulo (2001-2004) in Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 11, n. 22, pp. 615-635, jul/dez 2009. HEREÑU, Pablo Emilio Robert Arquitetura da mobilidade e espaço urbano / FAUUSP-DOUTORADO. -- São Paulo, 2016 JOSÉ, Beatriz Kara. A instrumentalização da cultura em intervenções em intervenções urbanas na área central de São Paulo - 1975 - 2000. Dissertação de Mestrado. FAU-USP 2004. TAUNAY, Afonso de E.. História colonial da cidade de São Paulo no século XIX. São Paulo, Divisão do Arquivo Histórico, 1956. Coleção Departamento de Cultura. TOLEDO, Benedito Lima de. Anhangabahú. São Paulo, FIESP, 1989.
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