NEWS 36

Page 1

A REVISTA DO SEGURO DE TRANSPORTE ESPECIAL COVID-19

36

ABRIL/MAIO 2020

LOGÍSTICA EM TEMPOS DE CRISE

A pandemia do novo coronavírus transformou o modo das empresas operarem, trazendo prejuízos, mas também acelerando a digitalização de projetos. Págs.: 08 a 11

ENTREVISTA: Paulo Henrique Cremoneze, diretor jurídico do

CIST, analisa as consequências que a Covid-19 deve trazer ao mercado. Págs. 12 e 13


CIST NEWS | 2


CIST NEWS ED. 36 ABRIL/MAIO 2020

lorem ipsum

PALAVRA DO PRESIDENTE O bimestre passado foi uma época de muitas mudanças para todos nós. Até o começo de março, ninguém parecia acreditar que a pandemia chegaria ao Brasil e nos forçaria ao tal “isolamento social”. Era quase impensável trabalhar apenas de casa e não poder sair para coisas simples, como um café da manhã na padaria ou mesmo um passeio no parque. Ainda assim, cancelamos nosso workshop de março por precaução, decisão que se mostrou acertada, mesmo sem termos ainda a dimensão exata do problema, como temos hoje. Passados quase dois meses, ainda não temos um cenário claro de como será o futuro, mas certamente será diferente depois de tudo o que vimos e passados nesse período. Por isso, decidimos fazer pela primeira vez uma edição especial do CIST News, com foco nos impactos da COVID-19, esse vírus que se espalhou pelo mundo e afetou os negócios não apenas na área de seguro de Transportes, mas em todo o mundo. Nas próximas páginas, você vai ver como as empresas se prepararam para operar a partir do meio digital e as soluções encontradas para continuar trabalhando, mesmo quando não era possível operar à distância. Teremos espaço também para mostrar as ações sociais realizadas para ajudar quem mais precisava; como as pessoas trabalharam de casa, ao lado de seus familiares (e as vezes até com seus animais de estimação) e, claro, o que podemos esperar do futuro. Um dos efeitos que a pandemia causou foi a aceleração de processos que já tinham sido iniciados, como a digitalização. Ainda nesse bimestre realizamos o primeiro webinar da história do CIST. Com o tema “Impactos e considerações da Covid-19 na cadeia de Transporte”, conseguimos atrair a atenção de mais de 300 pessoas, de várias partes do país. Esse número recorde de participantes é prova de que realmente precisamos expandir nossa atuação para atender um segmento ainda carente de informações e compartilhamento de boas práticas. Enquanto essa situação de pandemia não se resolve, aproveite para ficar em casa em companhia da nossa revista. Boa leitura! Salvatore Lombardi, presidente do CIST

Diretoria triênio 2018/2021 Presidente: Salvatore Lombardi Junior, Argo; 1° Vice-Presidente: Paulo Robson Alves, AXA XL; 2° Vice-Presidente: Carlos Suppi Zanini; 3° Vice-Presidente: Alfredo Chaia, Risk Veritas; 1° Tesoureiro: Fernando Pacheco, Pacheco Consultoria; 2° Tesoureiro: Walter Venturi, Venturi Corretora; 1° Secretário: Maria Rita dos Santos; 2° Secretário: Carlos José de Paiva, Paiva Seguros.

Conselho Consultivo Presidente: Mauro Antonio Camillo; Membros Efetivos: Renato da Cunha Bueno, ARX e Adailton Dias, Sompo Seguros; Membros Suplentes: Sergio Caron, Marsh; Aline Watanabe, AXA XL e Thiago Tardone. Conselho Fiscal Presidente: Carlos Alberto Lima, ServAssist; Membros Efetivos: Hélio Jose de Almeida, Starr e Felipe Ruffolo, Maggi Corretora; Membros Suplentes: Domingos Pozzetti, Berkley; Lenadro Emiliano, NATEC e Juarez Pompeu, AXA.

Diretorias especializadas Diretor Técnico Nacional: Valdo Alves da Silva, Tókio Marine; Diretor de Eventos: Marcelo Silva, Transbroker; Diretor Técnico Internacional: Aruã Piton, Swiss Re Corporate; Diretor de Relacionamento Internacional: Jorge Luzzi, Herco; Diretor Comércio Exterior: Samir Keedi, Multieditoras; Diretor Jurídico: Paulo Henrique Cremoneze: MCLG Advogados; Diretor de Meio Ambiente: José Lucio da Silva; Diretor de Benefícios: David do Nascimento, Univida; Diretor de Cursos: Paulo Cristiano Hatanaka, AON; Diretor de Logística: Paulo Roberto Guedes, Ahumas; Diretor de Gerenciamento de Risco: David Anderson da Silva, Servis; Diretor de Resseguro: Rodrigo Guirao; Diretor de Segurança: Daniel Vicente Iugas, Grupo Golden Sat; Diretor de Roubo de Cargas: Juarez Pompeu ; Diretor de Assuntos Estratégicos: Fernando Pacheco, Pacheco Consultoria; Diretor de Relacionamento com o Mercado: Ricardo Guirão, AON; Diretor de Embalagens: René Ellis Vanzulli, Buonny; Diretor Técnico: Odair Negretti, Seguros BC; Diretor de Relacionamento com Corretores: Carlos Alberto de Lima, ServAssist; Diretor Jurídico Internacional: Nelson Faria de Oliveira, Faria de Oliveira – Advogados; Diretor Inovação & Digital: João Zen, Guep; Diretor de Planejamento estratégico: Paulo Rogerio Haüptli, Grupo Fox; Diretor de Infraestrutura e Operações: Andre Moraes Velleda, Moraes Velleda; Diretor Técnico Nacional – Transportador: Wendel de Souza, Argo; Diretor de Áreas de Perícias: Marcelo Anacleto, ALL Cor; Diretor de Sinistros: João Folegatti; Diretor de Tecnologia: Ronaldo Megda, Tracker; Diretor Social: Mayra Monteiro, Grupo Golden Sat; Diretor de Comunicação: Sergio Nobuosuke, ServSeg; Diretor de Marketing: Vanessa Mendonça, Argo; Diretor de Sindicância: Paulo Rogerio Haüptli, Grupo Fox. Produção Revista CIST News Jornalista Responsável: Silmar Rodrigues Batista (MTB 29.213); Comercial: Natalino José Borring - SegNews; Fotos: Douglas Asarian; Projeto Gráfico e Diagramação: Natasha Motta.

Artigos: são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem a opinião desta entidade. Regulamentação Constituição Federal, art. 5º, IX e art. 220, § 6º - “Art. 5º (...) IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão, e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observando o dispositivo nessa Constituição. (...) § 6º - A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença autoridade.” 3 | de ABRIL/MAIO


SUMÁRIO

3

Palavra do Presidente

6

Fique por dentro Pandemia faz roubos de implementos médicos aumentar na América Latina

12

14

20

24

Entrevista Paulo Henrique Cremoneze, diretor jurídico do CIST, analisa as consequências que a Covid-19 deve trazer ao mercado.

Evento “Impactos da Covid-19” é tema do 1º webinar da história do CIST

CIST NEWS | 4

Reportagem Trabalho durante a pandemia

Reportagem O futuro do mercado

8

Capa

Logística em Tempos de Crise

18

Reportagem Ações sociais

26

Fique em casa


Idoneidade, Conhecimento e Inovação A Risk Veritas tem experiência e soluções para estruturação dos esforços de gestão dos riscos empresariais nos mais diversos segmentos.

Os processos não mais ocorrem sob uma lógica linear. A evolução é exponencial; e reinventar-se para atender à demanda é a regra do jogo no mercado global. Entregar soluções personalizadas requer conhecimento do negócio e do mercado no qual o cliente está inserido.

São mais de 35 anos de experiência em programas de gerenciamento de riscos corporativos. A International Risk Veritas possui um amplo portfólio de serviços e oferece soluções sob medida para o desenvolvimento e implantação de ERM (Enterprise Risk Managment).

- Gestão de Riscos na Cadeia de Suprimentos - Gestão de Riscos em Portos e Aeroportos - Gestão de Riscos Patrimoniais - Gestão de Riscos de Responsabilidade Civil - Gestão de Riscos Ambientais - Programa de Melhoria de Riscos

- Gestão de Riscos da Natureza - Plano de Emergência, Gestão de Crise, BCP - Gestão de Riscos no Agronegócio - Big Data e Analytics para Gestão de Risco *Consulte outros serviços

Oportunidades de Cooperação de forma integrada com Clientes, Corretores, Seguradoras, Resseguradores e Fundos de Investimentos para desenvolver soluções ajustadas às necessidades de cada negócio, em todos os segmentos, até grandes conglomerados no Brasil e no exterior.

ENTRE EM CONTATO contato@riskveritas.com.br +55 (11) 98968-4413

www.riskveritas.com.br /iRiskVeritas

@risk_veritas

/riskveritas


fique por dentro Pandemia faz roubos de implementos médicos aumentar na América Latina

A

pandemia causada pela Covid19 fez com que crescesse muito a demanda por implementos médicos, não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina. A lista dos principais produtos solicitados por governos para hospitais e laboratórios envolvem desde testes da doença, aparelhos de respiração e até equipamentos de proteção para profissionais da saúde, como máscaras e luvas. Com isso, o número de cargas roubadas com esses implementos também aumentou. Em abril, no México, a promotoria anunciou a recuperação de 12 barris com cerca de 200 quilos de gel antibacteriano que haviam sido roubados. Na mesma data, outros 20 equipamentos médicos destinados ao atendimento de pacientes com a Covid-19 e vários ventiladores mecânicos nas instalações do Instituto Mexicano de Seguridade Social também haviam sido roubados. Aqui no Brasil, o caso que mais chamou a atenção foi o roubo de mais de 15 mil testes de diagnóstico e de quase dois milhões de artigos de proteção, como óculos, luvas, gel de álcool e máscaras de segurança no Aeroporto Internacional de

CIST NEWS | 6

Guarulhos, em São Paulo. Apenas três dias depois, a carga foi recuperada e 14 pessoas foram processadas. Um dos motivos que tem contribuído para o aumento desses crimes é que os preços desses produtos aumentaram muito desde o início da pandemia. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o valor dos ventiladores mecânicos triplicou, enquanto o preço das máscaras cirúrgicas cresceu seis vezes. Por outro lado, com a diminuição do tráfego de veículos nas estradas, caíram também os números relacionados a roubo de carga e acidentes nas rodovias federais. De acordo com dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF), os roubos de carga caíram 19%, entre os dias 11 de março e 12 de abril deste ano, na comparação com o mesmo período do ano passado.


Transporte de cargas cresce e companhias áreas se adaptam para aumentar oferta

D

evido as ações de combate à pandemia causada pelo novo Coronavírus, as operações de transporte de carga aérea têm apresentado crescimento significativo. Atenta a essa demanda, o Grupo Latam Cargo realizou a primeira reconfiguração temporária da cabine de um Boeing 777-300ER Como muitas aeronaves estão em solo por falta de passageiros, a ideia é retirar parte dos assentos para permitir que o avião passe a transportar cargas. Dessa forma, a companhia aumenta a capacidade de seus ativos e otimiza recursos. Com capacidade para realizar rotas de longo alcance, a Latam Cargo optou por operar pontualmente com destino ao continente asiático para o transporte de suprimentos médicos. Assim que receber a autorização das autoridades competentes, será necessário modificar também o Centro

de Manutenção de Linha da Latam, que fica em Guarulhos (SP). Outra empresa do setor, a Azul Cargo Express, também ampliou sua capacidade de oferta com a adaptação de parte da frota de aviões da Azul para o transporte exclusivo de cargas. Somente em março, a companhia realizou 12 voos extras para atender a demanda adicional de cargas. Já no cenário internacional, a Azul Cargo vem realizando alguns voos fretados e exclusivos de carga entre o Brasil e os Estados Unidos, incluindo um transporte de vacinas para Fort Lauderdale (EUA). Não à toa, a empresa anunciou elevação de 26% no volume de cargas transportadas em março, na comparação com o mesmo período do ano passado. No trimestre, a receita cresceu 36%, quando comparada aos primeiros meses de 2019.

7 | ABRIL/MAIO


capa

LOGÍSTICA EM TEMPOS DE CRISE

E

la chegou silenciosa, quase sem fazer alarde. As notícias que davam conta de sua força vinham de longe, do outro lado do mundo, e acabamos não dando a devida atenção. Por aqui, ainda estávamos na agitação do Carnaval quando alguns casos começaram a aparecer na Europa. No mês seguinte, a Covid-19 fez sua primeira vítima no Brasil. Dali para frente, as coisas nunca mais foram as mesmas por aqui. Passamos a adotar o chamado “isolamento social”, que obrigou as pessoas a ficarem em casa, mudou a forma das empresas operarem e um “novo normal” surgiu. Uma série de mudanças precisou ser implementada para diminuir a chance de contágio e a consequente superlotação dos hospitais. Escolas, estabelecimentos comerciais e fábricas foram fechadas por todo país, ficando abertos apenas aqueles negócios considerados essenciais para o dia a dia das pessoas, como restaurantes, farmácias e postos de combustíveis. A redução repentina do comércio e da indústria por conta da pandemia causaram impacto direto nos transportadores. Já em março, no primeiro mês da crise, 53% das empresas registraram reduções superiores a 60%, sendo que 28% delas apontaram queda superior a 80%. Segundo um levantamento realizado no começo de abril pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), os impactos causados pela pandemia atingiram mais de 90%

CIST NEWS | 8

das 776 empresas do setor pesquisadas. Em todos os modais de transporte, os principais problemas relatados foram a queda drástica de demanda e de receita; e as restrições à sua movimentação; entre outras dificuldades operacionais. Mais de 70% das transportadoras que responderam à pesquisa enfrentam sérios problemas de caixa, a ponto de declarem dificuldade para manter em dia sua folha de pagamentos e quitar dívidas com fornecedores. Cerca de 54% delas disseram que possuem recursos para, no máximo, um mês de operação; sendo que 28,2% não vão aguentar 30 dias sem apoio financeiro adicional. Sete em cada dez empresas disseram acreditar que os efeitos da crise continuarão sendo sentidos por mais de quatro meses. Ao longo das últimas décadas, várias outras crises de saúde pública ou desastres naturais já haviam acontecido, mas sempre de forma localizada. No âmbito internacional, a epidemia de SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave), na China, em 2003; e o tsunami que atingiu a cidade de Fukushima, no Japão, em 2011 (depois causando um acidente na usina nuclear local) são alguns exemplos. Aqui no Brasil, períodos de recessão, hiperinflação, greves prolongadas e aumentos pontuais da criminalidade nunca haviam causado tantos impactos antes. “Por isso, considero a atual crise sui generis, sem precedente no Brasil”, diz Adailton Dias, diretor Executivo


de Produtos e Resseguro da Sompo Seguros. “A pandemia atual é uma situação que, em primeiro lugar, envolve a saúde pública de forma global. Depois, não há um tempo certo para acabar. Pode ser amanhã, pode ser dentro de dois, três ou mais meses”, avalia. Como resultado, o mercado enfrenta dificuldades para entregar as mercadorias, algumas inclusive tiveram de retornar ao ponto de origem porque os compradores, por determinação de seus estados e municípios, estavam com as suas portas fechadas. As interdições de vias e rodovias sem critérios adequados e disformes por estados e municípios, a falta de programação das indústrias, e mesmo o pouco apoio aos caminhoneiros, dificultam as coisas ainda mais neste momento. “Os prejuízos com essas devoluções são enormes na perda do valor do frete, na agravação dos riscos para os seguradores pelo acúmulo de responsabilidade, pela manipulação

constante, pela armazenagem em locais inadequados, devido à falta de proteção contra incêndio, roubo, invasão de locais e inúmeras outras deficiências”, lembra Odair Negretti, sócio proprietário e diretor Técnico da Seguros BC. Para Simone Ramos, conselheira da Associação das Mulheres do Mercado de Seguros (AMMS) e especialista em Portos, Terminais e Logística, o gerenciamento dos riscos das operações logísticas, especialmente no atual cenário, é justamente um dos maiores desafios a serem superados nesse momento. “O acúmulo de mercadorias em trânsito em um porto ou armazém pode exceder o limite de mercadorias armazenadas permitido pelo contrato de seguro, enquanto os estoques ficam parados aguardando seu próximo destino. Além de atrasos e/ ou suspensão das operações portuárias. É necessário ficar atento aos prazos e limites dos contratos de seguros”, alertou. 9 | ABRIL/MAIO


Segundo um estudo realizado pela consultoria KPMG, o setor de cadeia de suprimentos e operações teve como principais impactos a restrição da capacidade produtiva; dificuldades operacionais para manter as rotas logísticas; rupturas de estoque de insumos e produtos; falta de visibilidade da cadeia de Supply Chain; queda no volume de vendas por inexistência de canais de venda online; disputas judiciais pelo não atendimento dos requisitos contratuais com fornecedores; entre outras questões. Para contornar esse cenário de crise, as empresas tomaram medidas como o mapeamento de toda malha logística para estabelecer novas rotas e modais alternativos; reavaliar os níveis de estoque de matérias-primas; estabelecer planos de curto prazo com os operadores logísticos; operacionalizar as vendas por meio de plataformas digitais; e a criação de um comitê logístico para mapear a localização dos materiais em trânsito e informar o status ao cliente. Porém, nem todo o setor foi prejudicado. O segmento de delivery, por exemplo, registrou forte expansão. Nos Estados Unidos, a Amazon teve que reforçar a equipe de colaboradores e anunciou a contratação de 100 mil funcionários. Aqui no Brasil, o iFood, a maior plataforma de entregas no país, chegou a registrar crescimento de até 73% em alguns pedidos, como itens alimentícios de padaria; produtos como sorvetes e açaí; além de alguns congelados. Já o Rappi, startup colombiana que também atua com entregas sob demanda, obteve um aumento em torno de 30% no número de pedidos na América Latina. Outras indústrias também registraram aumento no comércio online. A consultoria Ebit/Nielsen apurou que, já no final de março, as vendas pela internet no setor de supermercados cresceram 96%, enquanto a Associação Brasileira de Comércio CIST NEWS | 10


ACIMA, DA ESQUERDA PARA A DIREITA: SIMONE RAMOS, ADAILTON DIAS ABAIXO, DA ESQUERDA PARA A DIREITA: ODAIR NEGRETTI, YUVAL NOAH HARARI

Eletrônico (ABCOMM) revelou que a compra de medicamentos e materiais de saúde pela internet subiu 124%. Entre perdas e ganhos, o fato é que, como em qualquer crise, a pandemia obrigou as companhias a buscarem soluções para seguirem em frente, apesar de todas as dificuldades que surgiram de forma inesperada. Muitas das empresas que atuam no setor de transporte de cargas agilizaram o processo de digitalização, acelerando em até cinco anos iniciativas que estavam apenas em planejamento. O interesse em novas tecnologias que proporcionem maior agilidade na condução dos negócios - como Internet das Coisas e internet 5G – seguirá em alta, segundo alguns especialistas. Para Yuval Noah Harari, professor de História da Universidade Hebraica de Jerusalém e autor do best-seller

internacional “Sapiens: Uma breve história da humanidade”, ainda é cedo para prever o que vai mudar, mas é fato que as epidemias mudaram a história. “Muitas medidas de emergência aceleram processos históricos. Decisões que em tempos normais poderiam exigir anos de deliberação são aprovadas em questão de horas. Quando escolhermos entre alternativas, precisamos nos perguntar também que tipo de mundo vamos habitar quando a tempestade passar. Sim, a tempestade vai passar, a humanidade vai sobreviver, a maioria de nós ainda vai estar vivo — mas vamos habitar um mundo diferente”, concluiu.

11 | ABRIL/MAIO


Paulo Henrique Cremoneze é especialista em Direito do Seguro pela Universidade de Salamanca (ESP), Mestre em Direito Internacional, e possui forte atuação em Direito dos Transportes. É ainda Membro da Academia Nacional de Seguros e diretor Jurídico do CIST.

entrevista CIST News: Na sua opinião, como será o futuro do mundo após a pandemia? Paulo Cremoneze: Acredito que a pandemia antecipou um processo de redesenho social que já estava em curso. Alguns o chamam de “Quarta Revolução Industrial”. Ao que parece muitos setores adotarão como regra o sistema home office. A educação à distância ganhará ainda mais fôlego. E mesmo as universidades mais tradicionais adotarão uma nova mentalidade. O transporte aéreo de pessoas será afetado; os passageiros business, podendo reunir-se pela internet, diminuirão significativamente. Creio que nem o setor público escapará de profundas mudanças. Teremos um mundo de oportunidades, mas para um grupo cada vez menor de pessoas especializadas, naquele resíduo de atividades indispensavelmente humanas. C.N.: O processo de globalização corre o risco de ser revisto, de alguma forma? P.C.: Não creio. Aliás, ao contrário do que se pensa, a globalização não é fenômeno novo. CIST NEWS | 12

Na Europa medieval, as pessoas transitavam livremente por reinos e principados, sem empecilhos burocráticos. As grandes navegações dos portugueses, espanhóis, holandeses e, depois, britânicos continham algum espírito de globalização, ainda que de modo diferente do atual. O Novo Mundo nasceu assim. O que talvez ocorra é uma colaboração maior entre os diferentes governos no trato com planos de contingenciamento de riscos. A entrada e a saída dos países talvez passem a ser mais cuidadosas, com necessidade de certificados de vacinação, procedimentos mais rigorosos de higiene. C.N.: Falando sobre o meio jurídico, quais devem ser as principais mudanças que a pandemia deve trazer? Por que? P.C.: A digitalização dos processos judiciais já é uma realidade. E será ainda mais robustecida. Audiências por videoconferências se farão ver em maior número, e até mesmo as sustentações orais, ao menos de casos menos complexos e espinhosos, também


serão virtuais. Acredito que isso democratizará ainda mais a prestação jurisdicional, diminuindo custos e aumentando a agilidade dos processos. Acredito que, de forma geral, tomados os devidos cuidados, a Justiça passará por uma melhora com a pandemia. O Tribunal de Justiça de São Paulo publica mensalmente sua produção geral, que aumentou significativamente nos meses de março e abril. C.N.: No caso das empresas que obrigaram seus colaboradores a trabalhar durante a pandemia, mesmo contrariando pedidos e advertências das autoridades (governo do Estado e OMS, por exemplo), em caso de falecimento, a família do trabalhador pode acionar os proprietários na justiça por exposição ao risco ou por algum outro motivo? Se sim, as multas podem sem milionárias? P.C.: Não sendo empresa prestadora de serviço ou fornecedora de produtos essenciais, agindo assim contrariam o que determinou grande parte dos estados e municípios. Estarão sujeitas ao pleito de reparação de danos a vir de familiares das vítimas: danos pessoais, materiais e morais. Sanções administrativas também são possíveis; diretores e sócios poderão até mesmo responder processos criminais. Mesmo as empresas autorizadas a funcionar precisam tomar os devidos cuidados. Caso contrário poderão ser civilmente responsabilizadas. As multas poderão ser milionárias. Há quem torça o nariz e nisso enxergue uma possibilidade de avanço do Poder Público sobre garantias e direitos fundamentais dos indivíduos. Eventuais abusos e erros, claro, devem ser coibidos; mas, de

forma geral, diante da necessidade imposta pela situação, as medidas não me parecem ter ultrapassado a linha do razoável. C.N.: Muitas seguradoras que atuam no ramo de vida optaram por incluir indenização por morte causada pela Covid-19, mesmo sendo um risco excluído. Como o senhor avalia essa situação? P.C.: As seguradoras elevaram ao máximo o princípio da boa-fé objetiva. São dignas de elogio. Juridicamente creio que aplicaram o conceito de capitalismo humanista ou solidário, que fez com que o Ministro Paulo Dias Moura Ribeiro (STJ) fosse indicado ao Prêmio Nobel da Paz deste ano. A rigor, mortes por pandemia são risco expressamente excluído das condições gerais das apólices. Logo, elas não teriam exatamente o dever de indenizar. Mas, levando em consideração outros valores e a extraordinariedade do momento, adotaram posição igualmente extraordinária. C.N.: Especificamente sobre o setor de seguros de Transporte, quais devem ser as mudanças nas leis? Por que?

assim que a poeira baixar, os profissionais do mercado segurador se reunirão para rever conceitos e repensar os seguros, adequando clausulados aos novos cenários. C.N.: Fique à vontade para acrescentar algo que gostaria e não foi perguntado anteriormente. P.C.: Enfrentamos um tempo difícil. Mas por mais que se fale em guerra contra o coronavírus, o que temos é uma grande adversidade. Muitos sofreram ou sofrerão revezes econômico-financeiros e alguns a perda de um parente ou de um amigo. Mas temos de buscar como grande aliada a resiliência, essa coragem sábia e paciente, para nos orientar a uma mais exata compreensão das coisas. Não há espaço para o abatimento, para reclamações, para fraqueza. A crise exige espírito de grandeza, gestos de solidariedade e força de caráter. O momento é desconfortável, mas não é o fim. Winston Churchill disse certa vez: “se você estiver atravessando o inferno, continue caminhando”. Tenhamos isso em mente. E sejamos maduros, destemidos, fortes e alegres na agonia.

P.C.: O mundo, mais do que nunca, percebeu a importância dos transportes de pessoas e coisas. Muito se discute a respeito dos riscos dos profissionais e trabalhadores de transportes, e creio que as apólices de seguro ligadas ao setor passarão a levar pandemias mais em conta. Confesso não ter conseguido fazer ainda a leitura mais concreta das mudanças legislativas que poderão se dar em relação ao setor de transportes e, consequentemente, aos seguros que dele tratam. Sei, porém, que 13 | ABRIL/MAIO


reportagem

TRABALHO DURANTE A PANDEMIA

M

anter a rotina de trabalho durante a pandemia da Covid19 foi um grande desafio. No caso das empresas que atuam direta e indiretamente com o transporte rodoviário de cargas - modal responsável por mais de 60% da movimentação de mercadorias no país – havia ainda uma necessidade de não interromper as operações, já que uma crise de abastecimento pioraria ainda mais a situação de toda a sociedade nesse momento. A grande maioria das empresas não tinha um plano de contingência para esse tipo de ocorrência e até conseguirem encontrar formas de manter tudo funcionando normalmente, mesmo à distância, muitas medidas paliativas foram tomadas. Inicialmente, praticamente todas disponibilizaram álcool em gel em vários pontos da empresa; promoveram ações de conscientização da necessidade de distanciamento

CIST NEWS | 14

social; dispensaram para trabalhar de casa o máximo possível dos colaboradores; e fizeram a desinfecção do local de trabalho. A AT&M, que atua com processo de averbação do seguro da carga, chegou a produzir um vídeo institucional para veicular nos pontos de relacionamento comum, e criou uma estrutura de comitê de gestão de crise seguindo o Compliance estabelecido. “Como já possuíamos um plano de continuidade de negócios, estávamos preparados para trabalhar com as equipes de maneira remota”, garantiu Thiago Marques, diretor de Operações. Como nem todo mundo pôde trabalhar em home office, outras ações complementares foram feitas, como a realocação das pessoas internamente para que houvesse uma distância considerável entre elas; e a distribuição de máscaras para todos os colaboradores. A Buonny, por exemplo, empresa gerenciadora


ELIEL FERNANDES

THIAGO MARQUES

de riscos em transporte e logística, precisou se adequar rapidamente à situação para permitir que as operações continuassem, sem prejudicar milhões de brasileiros que dependem do seu trabalho para receber produtos de higiene e limpeza, além de alimentos e medicamentos. “Não podíamos deixar nossos clientes desassistidos e ainda tínhamos de cuidar do bem-estar e da saúde dos nossos 900 colaboradores, que possuem famílias e também estavam muito preocupados”, lembra Eliel Fernandes, vice-presidente do Grupo Buonny. Apesar de ter transferido a maior parte do efetivo para atividades em home office, muitos profissionais permaneceram online e à disposição, em todos os canais de atendimento. Para que isso fosse o mais seguro possível, além das medidas citadas anteriormente, a empresa implantou também um sistema de revezamento de equipes e alterou os horários de trabalho para que os

colaboradores evitassem o uso do transporte público em horários de pico. “Pessoas são sempre fundamentais em qualquer processo. Assim, seguimos prestando os nossos serviços, tanto que tivemos várias recuperações de cargas roubadas, em regiões bem perigosas do país. Seguimos comprometidos com a segurança e a saúde dos nossos clientes, parceiros e colaboradores; monitorando os acontecimentos e atentos às novas medidas que se fizerem necessárias”, garante Eliel. Na Argo Seguros, seguradora especializada em Transportes, o processo de transição para o regime de home office foi rápido. Ao contrário de muitas empresas que ainda utilizam desktops, a maioria dos computadores da multinacional americana eram notebooks, o que facilitou muito nesse momento. Mesmo o atendimento de sinistros, uma área bastante sensível em qualquer seguradora, conseguiu se manter

100% operacional, mesmo durante a pandemia. “Toda a comunicação do sinistro, a coleta da documentação, a vistoria remota e o pagamento de indenizações sem a necessidade de presença física são diferenciais que nos permitem operar de forma tranquila, mesmo com toda a equipe trabalhando de casa”, afirma Rafael Fragnan, diretor de Sinistros da Argo Seguros. Uma das ferramentas que torna isso possível é a vistoria remota, que permite às seguradoras atender seus clientes de forma prática, sem a necessidade de envolver fisicamente a atuação de um vistoriador. Após a comunicação do sinistro na Central de Atendimento e havendo a necessidade de uma vistoria, o cliente irá receber um link para ativar o acesso remoto em seu celular e seguirá as orientações de um prestador de serviço para a realização dos trabalhos. De forma online, o segurado conversa e já mostra ao prestador

15 | ABRIL/MAIO


RAFAEL FRAGNAN

ALEX BARBOSA

todo o problema ocorrido, o que reduz bastante o tempo de operação. Em casos extremos, de difícil acesso ou que possam trazer risco à integridade física do vistoriador, é possível ainda utilizar drones. Porém, a questão da distância torna essa operação mais complexa e pontual. Nos casos em que não foi possível fazer a vistoria remota, as seguradoras também adotaram medidas de prevenção. Na Argo Seguros, foram implantadas ainda algumas medidas para preservar da saúde dos prestadores de serviço. “No atendimento de sinistros de acidente rodoviário, por exemplo, realizamos a desinfecção do veículo transportador e tomamos todo o cuidado para que a necessidade do serviço não exponha ninguém a um risco, especialmente neste momento”, explicou Fragnan. Na Guep, empresa de tecnologia voltada ao transporte, seguros e gerenciamento de risco, não foi diferente. A empresa, que já empregava o regime de home office ocasionalmente para algumas áreas como marketing ou vendas, precisou mudar rapidamente para um regime de full home office com todo o time. Porém, para algumas áreas foi necessário tomar medidas adicionais de segurança CIST NEWS | 16

no acesso remoto a aplicações e dados de clientes, por exemplo. “Não se tratava de simplesmente colocar um computador e um acesso à Web na casa das pessoas. No caso dos times de desenvolvimento, teste, homologação e suporte precisamos adotar recursos adicionais de segurança, como VPNs para assegurar a integridade e sigilo de informação, por exemplo”, explica Alex Barbosa, gerente de marketing da Guep. A empresa, que não tinha esta cultura, precisou mudar com agilidade seu modo de gestão, o que, claro, trouxe desafios. Foi elaborada uma cartilha com dicas de como manter a produtividade no home office, evitando distrações ou outros “ladrões do tempo e da produtividade”, ao mesmo tempo em que usos de ferramentas de colaboração e videoconferências explodiu. “Coisas que não acreditávamos ser possível fazer no home office, nos surpreenderam tão positivamente, que agora passa a ser algo que avaliamos manter mesmo após o fim da pandemia”, concluiu o executivo.


17 | ABRIL/MAIO


reportagem

AÇÕES SOCIAIS

A

mesma pandemia que nos obrigou a tomar medidas de distanciamento social, também despertou muitas ações de solidariedade para com aqueles que mais precisavam de apoio nesse momento. As iniciativas de empresas e organizações do setor foram direcionadas para diversas pessoas, mas especialmente para aqueles que estão atuando diretamente no enfrentamento da pandemia. A Buonny, gerenciadora de riscos em transporte e logística, ajudou motoristas de caminhões. Em parceria com Ecopistas, Sindicam, Fetrabens e a Revista Caminhoneiro, a empresa distribuiu alimentos e kits de higiene. “Se a vida deles já não é fácil normalmente, então imagine agora. Como eles podem se alimentar, se o

CIST NEWS | 18

comércio e restaurantes nas rodovias estão fechados?”, explicou Eliel Fernandes, vice-presidente do Grupo Buonny. Aproveitando o período da Páscoa, a Tokio Marine entregou seis mil chocolates aos funcionários do Hospital das Clínicas, em São Paulo. A ação, de reconhecimento e agradecimento pelo trabalho dos profissionais de saúde durante a pandemia, foi realizada em parceria com o Instituto Cacau Show. “É comovente o esforço heroico dos profissionais de saúde em prol da sociedade brasileira. Fizemos um pequeno gesto para agradecer e tornar um pouco mais leve a Páscoa dos funcionários de uma instituição tão relevante quanto o Hospital das Clínicas. Esta foi uma forma de agradecimento a todos que estão atuando nesta frente de batalha no País para vencer a pandemia”, afirmou o


Presidente da Tokio Marine, José Adalberto Ferrara. A Seguros SURA anunciou a isenção da cobrança de prêmio de seguro de transporte para mercadorias que ajudam no enfrentamento a pandemia, como álcool em gel, máscaras e respiradores hospitalares. “Estamos constantemente intensificando os nossos esforços para criar ações para auxiliar nossos clientes, ajudar a população e minimizar os impactos da crise para todos”, disse Thomas Batt, CEO da empresa no Brasil. Já a Argo Seguros continuou apoiando a Casa Ondina Lobo, instituição sem fins lucrativos, que acolhe cerca de 70 idosos que não possuem recursos pessoais e estrutura familiar de sustentação que permita sua manutenção. Como se trata de um público extremamente afetado por esta pandemia, a seguradora passou a doar também álcool em gel para

a instituição, além de dar continuidade em outras ações, como a entrega de ovos de Páscoa e arrecadação de sabão em pó. “As ações que promovemos confirmam a grande identificação que as pessoas dentro da companhia têm em abraçar causas que impactam positivamente a vida do outro. Aqui, acreditamos que juntos somos mais fortes e que podemos fazer a diferença”, destaca o CEO e presidente, Newton Queiroz. O IRB Brasil RE, por sua vez, doou R$ 1 milhão para ajudar nas pesquisas voltadas à eficácia de tratamentos contra a Covid19. O valor foi destinado ao fundo emergencial de enfrentamento ao novo coronavírus da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

19 | ABRIL/MAIO


eventos

“IMPACTOS DA COVID-19” É TEMA DO 1º WEBINAR DA HISTÓRIA DO CIST CIST NEWS | 20


O

primeiro webinar da história do CIST aconteceu em abril e foi um grande sucesso. Em parceria com a Escola Nacional de Seguros (ENS) e com apoio da Buonny Gerenciamento de Riscos; Grupo FOX; GUEP e Munich Re; mais de 300 pessoas se inscrevem para acompanhar o tema “Impactos e considerações da Covid-19 na cadeia de Transporte”. O assunto foi debatido por Salvatore Lombardi Jr, presidente do CIST, e pelo board diretivo da entidade, formado por Paulo Robson, Alfredo Chaia e Carlos Suppi Zanini. Na abertura, Salvatore agradeceu a todos pela presença e fez uma breve explicação sobre a escolha do formato e do tema. “Com tudo o que está acontecendo, o assunto não poderia ser outro e como temos um compromisso com nossos associados para manter os encontros mensais, resolvemos

fazer nesse formato online. A escolha se mostrou acertada, não apenas pelo número de inscritos, mas também porque temos recebido pedidos constantes para nos apresentarmos em outras cidades do país. E nesse modelo, conseguimos falar para o Brasil todo”. Dito isso, começou a abordar os impactos macroeconômicos da pandemia. A partir de alguns gráficos, foi possível perceber a queda na economia de países desenvolvidos e emergentes, e o colapso na confiança da população. As estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI) também reforçaram o cenário de caos, apontando para uma recessão global de -3,3%, muito abaixo das previsões otimistas do começo do ano, que sugeriam um crescimento médio de 3%. Se tudo isso se confirmar, será o pior desempenho mundial desde a grande depressão de 1929. Depois foi a vez de Zanini abordar especificamente sobre

o mercado de seguros de Transporte. Utilizando dados da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística, ele apresentou a variação de demanda de carga em geral. Nas últimas semanas de março, quando já havia casos não apenas na China, mas também em diversos outros países do mundo, inclusive o Brasil, a redução média foi superior a 26%. Já na primeira quinzena de abril, a demanda de carga caiu ainda mais, chegando 43,9%. “Os efeitos da pandemia na demanda doméstica deverão se refletir mais a partir das importações de abril. Os desembarques continuarão a ser afetados não somente pelo efeito do isolamento social na demanda interna, como também pelo impacto de perda de renda sobre o consumo”, explicou. Com dados da Tendências Consultoria, Zanini mostrou que a projeção da balança comercial

21 | ABRIL/MAIO


ALFREDO CHAIA CARLOS SUPPI ZANINI

PAULO ROBSON

SALVATORE LOMBARDI

Outro aspecto positivo foi a sensação de que essa inesperada interrupção global contribuiu também para remover décadas de inércia da cadeia de suprimentos

CIST NEWS | 22

ainda é de superávit, em torno de US$ 45 bilhões, resultado de queda mais intensa nas importações, fruto também da alta do dólar. As exportações devem cair 6,8% em relação a 2019, enquanto as importações devem ter redução de 7%. “Com a retomada do Transporte na Ásia, e com os EUA e Europa já fazendo planos para reabertura, acredito que teremos um crescimento gradativo das operações e da economia em breve”. Por outro lado, a pandemia também forçou muitas empresas a encontrar soluções para continuarem operando. O varejo, por exemplo, reorganizou parte da sua estratégia de distribuição e passou a utilizar os estoques de lojas físicas fechadas para atender a demanda do online. Alguns transferiram estoques de lojas de shoppings para unidades de rua, passando direcionar os produtos para vendas pelo comercio eletrônico. Assim,

o segmento de delivery vem apresentando um crescimento expressivo em diversas áreas. Outro aspecto positivo foi a sensação de que essa inesperada interrupção global contribuiu também para remover décadas de inércia da cadeia de suprimentos. Ainda assim, a interrupção dos negócios gera danos e consequencias, com implicações nas transferências de risco, por exemplo. “Embora seja difícil ver a Covid-19 como o principal risco que causa perda ou dano físico a bens e mercadorias seguradas, em alguns casos é possível entender a quarentena impactando as cargas e causando grandes interrupções nas cadeias de suprimentos globais”, lembrou Alfredo Chaia. Para o especialista em riscos, como regra geral, as apólices de seguro de carga não cobrirão prejuízos decorrentes de perda de mercado ou outras perdas


O fato é que o Brasil sabe lidar com crises financeiras e o mais importante é termos resiliência para enfrentarmos esse momento de transição

indiretas e/ou consequentes decorrentes de um risco segurado. “As seguradoras ainda aplicarão esse princípio, dada a natureza da pandemia de Covid19”, disse. Entre os possíveis impactos que esse coronavírus pode trazer ao seguro de Transportes estão a alteração dos limites embarcados (durante o transporte e/ou armazenadas durante o trânsito); e os acúmulos de cargas superiores ao do contrato de seguros; a permanência das cargas em armazéns, portos e aeroportos, com prazos acima aos estabelecidos na apólice (cuidado especial para cargas perecíveis e com controle de temperatura). Cabe ainda alertar para as recomendações das Gerenciadoras de Riscos e tomar atenção quanto às novas Regras de Gerenciamento de Riscos (quando aplicáveis), frente ao novo comportamento do risco em trânsito ou armazém inclusive seus contratados e subcontratados. “A mudança de comportamento do risco (redução do número de viagem x elevação do valor em risco); a alteração das mercadorias com atratividade para roubo; a logística prejudicada por conta da quarentena; e a elevação do nível de inadimplência;

e das tentativas de fraude (B.O. Eletrônico, CNH vencida etc) são outros riscos associados a esse momento, em especial”, lembra Paulo Robson. O executivo lembrou ainda que alguns prejuízos não são indenizáveis, como aqueles expressamente convencionados nas Condições Especiais, que fazem parte integrante e inseparável da apólice. É o caso, por exemplo, daqueles citados na Cobertura Básica Ampla, que especifica que o seguro não cobre, em hipótese alguma, as perdas, danos e despesas, consequentes, direta ou indiretamente, de atos ilícitos do segurado, beneficiários e/ou de seus representantes; vício próprio ou decorrente da natureza do objeto segurado; atraso, mesmo que este atraso seja causado por risco coberto; poluição, contaminação e perigo ambiental causados pelo objeto segurado; e ato terrorista, independentemente de seu propósito, quando reconhecido como atentatório à ordem pública pela autoridade competente. Antes do encerramento, houve tempo ainda para debater algumas considerações quanto às tendências que essa crise pode trazer. Não está claro ainda, por

exemplo, se o protecionismo irá prevalecer sobre a globalização. Da mesma forma, talvez ocorra uma diminuição da dependência da China enquanto fornecedora de diversos produtos e uma busca por países menores ou em desenvolvimento nesse sentido. Por outro lado, está cada vez mais nítido que nos próximos meses as pessoas provavelmente irão priorizar primeiro a recuperação financeira. “Acima de tudo, acredito que haverá uma mudança de perfil, com mais serviços sendo digitalizados”, lembrou Salvatore. Atualmente, mais de 4,5 bilhões de pessoas em todo o mundo já estão online e, até o final deste ano, é possível que mais de 5,8 bilhões de dispositivos e máquinas B2B estejam conectados à Internet das Coisas (IoT). Se isso se confirmar, certamente novos desafios surgirão para construção de uma cadeia de suprimentos verdadeiramente conectada. “O fato é que o Brasil sabe lidar com crises financeiras e o mais importante é termos resiliência para enfrentarmos esse momento de transição”, concluiu.

23 | ABRIL/MAIO


reportagem

O FUTURO DO MERCADO

C

om todas as incertezas que a pandemia causada pela Covid19 trouxe, é inevitável pensar em como será o futuro do mercado após tudo isso terminar. O ‘novo normal’ já causou uma série de mudanças, como a digitalização de processos e o trabalho remoto. Porém, o que mais acontecerá nos próximos meses ou anos? Na tentativa de nos ajudar a entender os reflexos no futuro, alguns especialistas do mercado de seguros de Transporte também deram sua opinião a respeito. Para Odair Negretti, sócio-proprietário e diretor Técnico da Seguros BC, o mercado deverá reagir, não só porque precisa, mas porque os consumidores irão exigir novas ofertas de coberturas necessárias à sua própria proteção, de seus bens e responsabilidades. “Nos seguros de transportes, as revisões das cláusulas e condições pela Susep (Superintendência de Seguros Privados), muitas vezes reclamadas por nós, fazem-se

CIST NEWS | 24

necessárias não é de hoje, porque estão desatualizadas e deixam de acompanhar às necessidades do mercado operador e consumidor. Quem sabe, agora, poderemos fazer isso, incluindo no bojo das alterações cláusulas e condições que viabilizem a concessão de coberturas para perdas e danos decorrentes da ‘demora’ e da ‘perda de mercado’, além, obviamente, de outras que possam ser sugeridas”. Adailton Dias, diretor Executivo de Produtos e Resseguro da Sompo Seguros entende que o mercado de Logística & Transporte deve passar por um período de transformação para atender as indústrias que vão estabelecer meios de garantir o fornecimento da cadeia de suprimentos. “Isso deve envolver a flexibilização das operações, diversificação do portfólio de fornecedores que, em alguns casos deve incluir um mix entre grandes redes ou empresas estrangeiras e o pequeno fornecedor local, entre outras medidas”. Para ele, tudo isso pode trazer novas


ODAIR NEGRETTI

ADAILTON DIAS

necessidades de cobertura para as quais as seguradoras estão atentas. “Ainda é cedo para afirmar categoricamente eventuais mudanças que possam acontecer. Porém, cada vez mais, os segurados estarão expostos a riscos climáticos e de outras ordens para os quais as seguradoras devem apresentar soluções. Podem até não ser coberturas específicas. Podem ser recursos de inteligência ou gerenciamento de risco, um sistema de monitoramento ou qualquer ferramenta que traga mais segurança e minimize os riscos para operação logística”, concluiu. O certo é que, com o fim da pandemia, as empresas precisarão repensar seus negócios de forma mais profunda. A necessidade de desenhar cenários futuros deve

PAULO GUEDES

fazer com que as companhias vão além daqueles aspectos geralmente analisados, como estratégia de mercado, racionalização operacional, equilíbrio financeiro etc. Qual será o novo posicionamento da empresa no mercado, outrora estabilizado, organizado e integrado às suas redes de fornecedores e de clientes? E seu produto (ou serviço), caberá nesse ‘novo’ mercado? Qual será a velocidade de retomada? Quais as reações, as motivações e o próprio comportamento de clientes, funcionários e colaboradores e/ ou fornecedores? Para Paulo Guedes, sóciodiretor na Ripran Consultoria e Conselheiro Consultivo da Associação Brasileira de Operadores Logísticos (ABOL),

diante desse cenário, é de se imaginar que o setor de gerenciamento de riscos e seguros, assim como todos os demais, precisará ser repensado. “Mesmo que o caminho ainda não esteja ‘traçado’, uma providência, além de urgente, posta-se como essencial. Todas as empresas precisarão desenhar cenários de futuro e desenvolverem, para cada um deles, planos de negócios que contemplem este novo mundo, diferente, incerto e ainda muito desconhecido”, concluiu.

25 | ABRIL/MAIO


fique em casa

PROFISSIONAIS TRABALHANDO EM HOME OFFICE CIST NEWS | 26


CIST E SINCOR-SP

JUNTOS PELA QUALIFICAÇÃO EM SEGUROS DE TRANSPORTES

O CIST oferece condições especiais para corretores de seguros associados ao Sincor-SP participarem de seus eventos. Não perca a oportunidade de empreender neste ramo promissor. Confira a programação pelo site e usufrua desse benefício.

cist.org.br

www.sincorsp.org.br

27 | ABRIL/MAIO


CIST NEWS | 28


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.