AMAZテ年IA Desenhos
Fernando Augusto
UMA VIAGEM DESENHADA Fernando Augusto S. Neto Não viajamos para chegar, viajamos para viver (Goethe) Entre 11 e 23 de janeiro, subi o Rio Madeira, de Manaus a Porto Velho, em um navio da Marinha brasileira, acompanhando o trabalho de atendimento médico que a marinha faz à população ribeirinha com o propósito de conhecer um pouco da Amazônia e de exercitar uma prática muito presente na formação de nossa cultura: a do artista viajante. Denominei o projeto de “Desenhando as comunidades ribeirinhas com os Navios da Esperança’’. Artistas viajantes são aqueles cuja criação encontra-se ligada ao ato de viajar e cuja produção, de cunho documental, comunica deslocamentos no espaço, descobertas de paisagens e tipos humanos. Eu vim para responder o que é desenhar viajando? Que possibilidades tem o desenho hoje nesta senda que ele próprio ajudou construir, face à fotografia digital e às novas tecnologias? Na Amazônia, maior floresta tropical do mundo, a natureza assume aspectos desconcertantes: atrai e distancia, acolhe e expulsa. O cenário grandioso, constituído de verdes intensos e muita água, abriga uma população resistente, que vive à beira dos rios à mercê das enchentes e vazantes e das intempéries da floresta. Para dar assistência a esta população, o governo, através da marinha, criou, há alguns anos, o projeto Navios da Esperança, que uma vez por ano visita algumas dessas comunidades levando médicos e remédios. Na manhã do dia 11 de janeiro, partimos da Estação Naval Rio Negro, destino Porto Velho, Rondônia. No navio tudo é novo para mim, assim como o é para a tripulação um artista à bordo. O trabalho do médico, do enfermeiro, do dentista são compreensíveis, mas como explicar o papel do artista ali? A marinha, ao aprovar o meu projeto, aceitou colocar a questão. A tripulação, volta e meia, me pergunta qual é o objetivo do meu trabalho, para que eu desenho? Dizem admirar a minha habilidade e paciência. Perguntam como é retratar uma paisagem usando somente o grafite. Eu também me pergunto isso e talvez por esta razão é que desenhe o tempo todo: objetos, pessoas, árvores, o céu e a água. Encontro no desenho um elemento que anima a vida e uma maneira de pensar as coisas e o tempo. Para desenhar estou aqui. Passo horas sentado à proa olhando os reflexos da luz na água, tentando ver bem aquelas formas ondulantes que nunca se deixam identificar. O que é desenhar esta água que não é mais a mesma em um piscar de olhos, assim como as árvores, o céu? O exercício de desenhar lentamente essas coisas, de observá-las me coloca de frente ao fenômeno do ser, do instante vivido e me leva pensar o desenho mais como vivência do que como representação.
Observo admirado a água barrenta do rio e o seu movimento ininterrupto. O sol faz sombras nas ondas criando um tapete de texturas. Pequenos triângulos escuros que contrastam com o brilho da água, e mudam de tamanho e de forma com tal rapidez que a vista não pode acompanhar nem a memória pode guardar. Como desenhar essa água? Ou melhor, que desenho posso fazer a partir dela? Fico longo tempo nessa observação. Para ver estou aqui. O brilho da água é mais intenso à distância e lá, a sombra da floresta, à contra luz constrói seu perfil, um perfil verde escuro interminável que ora se aproxima, ora distancia. Aqui, acolá, divisa-se uma, duas, três casas de ribeirinhos, às vezes com uma distância considerável uma da outra. Como é morar e viver aqui? Como as pessoas vieram parar aqui? Pergunto. Mas nada está parado. As mesmas perguntas eles devem fazer de lá para cá. O aparecimento tem o mesmo peso do desaparecimento. Baixo Rio Madeira, AM 12.01.2012
Nas várias comunidades onde descemos, as pessoas aceitam posar para minha câmara e para sessões de desenhos à beira do rio. São momentos de concentração e também de conversas sobre eles próprios e sobre a vida na floresta. De uma forma geral, eles se divertem com a situação e sorriem ao se verem retratados. Em Mirari, D. Gracinha, viúva, fala do marido que foi seringueiro; em Bom Retiro, “seu” Raimundo conta que teve de construir quatro vezes sua casa, mudando cada vez para o alto em função do alargamento do Madeira; em São Carlos converso quase toda a tarde com a família de Josimar. Fotografo e desenho membros da família dele. Conversa vai, conversa vem, ele e o vizinho me contam como tem sofrido com dor na coluna e me mostram os remédios que foram buscar no posto de atendimento. Eu, como há anos tenho problema de coluna, e faço fisioterapia, explico-lhes que remédio para dor não basta para quem sofre da coluna e faço com eles uma longa sessão de fisioterapia, no alpendre da casa. Eles memorizam a sequência de exercícios e prometem fazê-los sempre. Combino de enviar-lhes as fotos que tirei deles, mas ninguém sabe o endereço. Uma conta d’água nos dá a informação correta. Eles me presenteiam com uma bonita graviola, castanha-do-pará e carambola. Despedimo-nos com sentimentos de amizade.
Ao embarcar de volta para casa, olho da janela do avião a paisagem amazônica lá embaixo, com um misto de alegria e saudade. O rio Solimões brilha com a luz do sol e se bifurca como os dedos de uma grande mão. É uma visão extraordinariamente bela! Observo até onde a vista pode alcançar e me pergunto, onde estive ali? Sigo os rios até eles se perderem em meio aos diferentes verdes da floresta. E penso, parece-me que nunca estive ali, parece-me que os vejo pela primeira vez e que a floresta continua desconhecida, continua virgem e me convida a retornar. Manaus 25.01.2012
Fernando Augusto, 1960 Pintor, desenhista, fotógrafo, trabalha o desenho como uma maneira de pensar a pintura, a fotografia, o espaço e o próprio desenho. É a partir do desenho que constrói toda sua obra. O artista trabalha buscando lançar luz sobre cotidiano pesoal, as relaçoes interpesoais, a cultura, a tradição artística e cenas da vida brasileira. Ao lado do desenho ele se utiliza também da fotografia e da literatura, interferindo em livros diversos e criando livros de artistas Fernando Augusto, nasceu em Medeiros Neto, Bahia em 1960. Graduado em artes na Escola de Belas Artes da UFMG, Belo Horizonte-MG, Obteve o titulo de mestre em Communicação e Semiótica na Pontifícia Universidade Católica de Sao Paulo-SP. Realizou seu Doutorado no mesmo programa, sendo este último em intercâmbio com a l’Université de Paris I, Sorbonne – França, onde residiu por um ano, tendo obtido o título D.E.A. Diplôme des Étude approfundies – l‘Uuniversité Paris I Sorbonne. Livros publicados: “Diário de Passagem – Uma poética do desenho”. Londrina-PR. Ed. Eduel. 1996 “Linguagem Gráfica”, Vitória-ES, Edufes, 2009 “Desenho e Experiência”. Vitória-ES, Edufes, 2010(Disponível em Ebook) Realizou exposições em diversas exposições no Brasil e no exterior, Tendo sido premiado em diversos certames de arte brasileiros. Atualmente é professor do Departamento de Artes da Universidade Federal do Espírito Santos (UFES), vive e trabalha em Vitória-ES Sites: www.fernandoaugusto.art.br www.muvi.advanti.com.br Contato: fa_augusto@yahoo.com.br