6 minute read

Desenho e Risco

Next Article
Ronaldo Duran

Ronaldo Duran

DESENHO E RISCO

Prof. Fernando Augusto S. Neto

Advertisement

estudado em formato livro no lugar da avaliação convencional. Assim, ao invés dos alunos/alunas apresentarem portfólios em

juntamente com algumas imagens dos exercícios realizados. Trata-se de um processo de avaliação, mas também de criação de um novo trabalho: a organização, mesmo que resumida, dos

imagens, dos textos e a sua consequente apresentação em formato livro, para uma possível publicação, ou mesmo, disponibilização para um público maior. Para isso foi necessário a adesão e colaboração de todos alunos e o resultado é este volume que, certamente estimula o próprio ato de aprender e de ensinar.

Diversos exercícios desenvolvidos em sala são aqui, explicados e ilustrados nas apresentações dos participantes, seguindo o movimento do próprio curso com tentativas, descobertas e riscos pertinentes ao processo criativo e de

permite comparar os trabalhos, perceber relações e o investimento de cada estudante no semestre. Anoto aqui a sequência geral dos exercícios propostos para apontar o que vamos encontrar no livro: Autorretrato (apresentação de si),

pelos participantes, proposição de desenho diário e livro de

sobre o chão que pisamos) Paisagem sonora (desenho de escuta do ambiente), Desenho linear e Desenho pictórico

pelo Espaço negativo, introdução à teoria da Gestalt, Dobras (luz, sombra, tonalidades, criação de volume), Introdução à perspectiva, Desenho de paisagem.

A encadernação manual, costurada, engendra o princípio ‘fazer o próprio Material de trabalho’; o elemento costura subentende a ação de agregar, unir diferentes materiais para formar uma coisa nova, uma ideia, um objeto que se desdobra, de um lado, em um receptáculo de imagens e ideias, neste caso caderno de desenhos e textos; do outro, um procedimento: o de desenhar-escrever com lápis ou caneta, na rua, nos cafés, em salas de espera, encontros, etc.

possível de acontecer no ritmo da vida, segundo escreve Frederico Morais ‘em qualquer tempo e lugar, ontem, hoje amanhã, em um suporte qualquer’, como termômetro do viver.

A proposta autorretrato indica o desenhar se a si mesmo - desenho e texto. Quem somos nós? o que nos trouxe ao curso de arte? Como estamos vivendo nossa vida? O que buscamos? Neste exercício nos abrimos para falar dos nossos rostos, das nossas aspirações, da nossa batalha para estudar, do sentido de fazer arte num momento em que a pandemia e a tortuosa política brasileira tem nos faz perguntar: e agora? Para onde? Ou como dizia Millôr Fernandes: que país é esse? Neste contexto desenhar, escrever é resistir.

“O Desenho do chão” (chão da casa – seguido de texto livre associativo do processo) é um exercício que sempre causa surpresa. Ao invés de desenhar um objeto isolado em cima da mesa, olhamos para baixo, e mais do que isso, para debaixo dos nossos pés, para o nosso quintal, com o propósito de ver, desenhar e travar uma conversar com nosso chão. Outro diferencial é o “Desenho de escuta” ou Paisagem sonora”, uma proposta que convida os estudantes à escuta da seguinte forma: de olhos fechados, devem desenhar os estímulos sonoros do ambiente em linhas não

traço longo, para um ruído curto ou rápido, uma linha curta, para um som forte, uma linha forte, um som distante uma linha distante... e assim por diante. O

representando, camadas de sons, tem a potência de nos envolver e nos levar até próximo ao vazio e pensar outras paisagens.

A questão “Luz e sombra” se apresenta como dobra, dobra de

próprio do pensamento: pensar dobrar, combinar e desdobrar formas no tempo e no espaço é criar linguagens. Isso nos permitiu uma abordagem teórica dos conceitos de luz e sombra na religião, na ciência, na arte tradicional e na vida cotidiana. Luz é energia do sol que se recebe e se gasta cada dia, como vê Georges Bataille, mas é também elemento visual, com o qual se brinca, se cria imagens e situações ambientais. O claro e o escuro são elementos que estão nas dobras de um tecido amarfanhado, no corpo humano, na imaginação, no ambiente

Eliasson “The Weather Project” da 50ª Bienal de Veneza (2003), ou nas projeções divertidas de Rashad Alakbarov, artista que, utiliza diferentes materiais e objetos para criar sombras e jogos de luz, que confundem nossa percepção.

“Desenhar o espaço negativo como positivo”, é uma estratégia de observação e procedimento criativo poderosos. Desenhar as coisas pelos seus vazios, pela contra-forma pelos espaços negativos ou pelo contorno, causa estranhamento, pois propõe ver um objeto conhecido como algo estranho e isso não é fácil, é como virá-lo de cabeça para baixo, ou as avessas, mas esse é o caminho. Quando o conhecido se torna engessado, estranhar o já conhecido é fazer viver, é acionar outras capacidades do cérebro, é pensar o outro lado das coisas, o qual muitas vezes não está longe, mas do outro lado da moeda, nos vazios da forma. Trata-se de uma metáfora que está colado no concreto. Um objeto tem vários lados e o lado negativo é um deles. O mais inquietante. Assim, combinar formas pelo seu inverso, embaralhar os conceitos de forma e contra-forma para facilitar percepção e a representação de objetos no espaço é descobrir metáforas e metonímias, onde vazio aponta o cheio e o negativo tem o mesmo valor (ou mais) do positivo.

Acompanhando esses e outros exercícios, leituras de autores como Carolina de Jesus, Fernando Pessoa, Ferreira Gullar, Elias

o ato de desenhar, de escrever, de escutar, de falar, de ver e de expressar. A observação se liga aos processos de livre associação, tanto de imagens quanto de fala. Aí surgem os exercícios “Desenho associativo de observação e de memória”, que propõem desenhar objetos e, à medida em que se desenha, visualizar (escrever e desenhar) os pensamentos involuntários, justapostos e/ou imbrincados com o desenho de observação, seguido da descrição do processo do fazer. Claro que neste caminhar acessamos, certamente o nosso inconsciente, como prevê a psicanálise, fazendo emergir desenhos reveladores e densos. Embora o direcionamento não seja o psicológico, mas o estético, vale lembrar as palavras de Tunga: “Psicanálise é 90% arte”, ou essa bela frase, atribuída à Heidegger: ‘é como poeta que habitamos a terra.’

“Desenho e risco” é um livro experiência. Ele se compõe dos portfólios de avaliação dos alunos tais como foram apresentados, sem uma seleção, revisão ou correção para publicação, por isso mesmo é um livro-risco que, pode parecer

digitação, mas que não perde o seu frescor e o próprio risco de existir, de se fazer descobrindo. É isso que buscamos salvar com esse gesto ousado: o de propor como livro, um processo de aprendizagem verdadeiro, estamos em caminho, mas podemos dizer como Saramago: “até aqui cheguei”. Vamos em frente. Lá na frente talvez, percebamos que o erro, o acerto andam de mãos dadas.

Gosto de imaginar esta publicação daqui a dez ou vinte anos e os próprios alunos, sorrindo ao encontrarem aqui essas tentativas, erros, que os levaram até onde eles se propuseram chegar. Se isso acontecer só posso dizer: foi lindoooo!

Para concluir, deixo aqui, meus sinceros agradecimentos a todos que ajudaram a fazer desta disciplina um curso experiencias e descobertas através do desenho, o qual não termina na sala de aula neste ano de 2022, mas continua cada vez nos lembramos dos exercícios aqui lançados e os colocamos em ação.

Um grande abraço!

Fernando Augusto é artista plástico, professor do departamento de Artes Visuais da Universidade Federal do Espírito Santo-Es.

This article is from: