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Luciano Belcavello
from Desenho e Risco
Meu nome é Luciano Belcavello. Tenho trinta e nove anos. Nasci em Nova Venécia e desde 2001 moro em Vitória. Sou graduado em Ciências Biológicas, com mestrado e doutorado em Biotecnologia em Saúde, pela Universidade Federal do Espírito Santo. Atualmente sou professor do Instituto Federal do Espírito Santo. Meu interesse em cursar Artes Plásticas se deu em 2020, com a leitura do livro A História da Arte, do Ernst Gombrich. Minha educação básica em Artes foi precária, mas isso não me desmotiva, ao contrário, me estimula a
dado no novo caminho que estou trilhando. Como escreveu o poeta espanhol Antonio Machado,
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Caminhante, são tuas pegadas ocaminho e nada mais; caminhante, não há caminho, ocaminho se faz ao caminhar.
Escrever sobre nós mesmos não é tarefa fácil. Tendemos a expor nossas qualidades e conquistas e esconder nossos fan-
fácil depois da leitura de Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus. É inspirador saber que mesmo em meio às piores condições, o ser humano ainda pode encontrar um motivo para tole-
escrita. Escreveu o que via e o que pensava, lindamente: “Não sei dormir sem ler. Gosto de manusear um livro. O livro é a melhor invenção do homem.” e "Eu cato papel, mas não gosto. Então eu penso: Faz de conta que eu estou sonhando.” Talvez, a minha escolha pela Arte seja o meu motivo para buscar beleza em um mundo tão difícil de entender.
Neste trabalho apresento os exercícios que desenvolvi a partir de três temáticas trabalhadas na disciplina de Desenho II: o chão, a paisagem sonora e a paisagem de natureza. O primeiro tema pode gerar estranheza, porém, o exercício do desenho do chão é, antes de tudo, um exercício de percepção. Ele possibilita que voltemos nosso olhar para algo que, à primeira vista, não desperta interesse, mas a observação cuidadosa revela formas e texturas curiosas e um intrincado jogo de luzes e sombras que nos instigam a desenhar. O primeiro chão é o da sacada onde estudo e o segundo é o chão da orla de Camburi, em Vitória, onde costumo caminhar.
Desenhei o chão pela primeira vez. E gostei. Gostei especialmente de pensar sobre a palavra: chão. Tem um som bonito e
colhe ou o chão da rua em que caminho e vejo pessoas dormindo. Poderia ser o chão do prédio onde trabalho ou de qualquer outro local por onde minha mente levar. Mas o chão do meu desenho é o da minha casa, para ser mais preciso, o da pequena varanda onde estudo. Abaixo deste meu chão existem mais cinco chãos particulares e acima, mais um, que me avisa que acima de mim tem uma família agitada durante o dia, mas em silêncio à noite. O chão da minha varanda é de um piso cerâmico simples, o que eu acho particularmente feio. Há cinco ou seis anos repito, sempre que o vejo: vou trocar esse chão! Aqui a palavra ganha sinônimo de piso. Ele não é só feio; ele está rachado e um som oco denuncia que um bloco se soltou da base. Mas não há nenhuma interferência minha em consertá-lo. Parece que ele não merece. O chão me lembra também o lugar para onde os olhos dos inseguros se voltam quando confrontados. Já andei muito com meus olhos voltados para o chão. Hoje não. Resta-me cada dia menos a insegurança que já tive. Isso me faz pensar: será que Carolina Maria de Jesus andava com os olhos
Achei isso: “sm. superfície de qualquer natureza que pode ser pisada pelos seres vivos e que serve de apoio para coisas e objetos. Lugar de origem ou em que se está acostumado a viver; -
mond:
“O chão é cama para o amor urgente amor que não espera ir para a cama Sobre tapete ou duro piso, a gente compõem de corpo e corpo a úmida trama. E para repousar do amor vamos à cama.”
Hoje desenhei o chão. E gostei.
O segundo tema, paisagem sonora, é um exercício de escuta. A proposta é registrar no papel a percepção dos sons ao redor. Na tarde do pós-Natal, por cerca de 10 minutos, sentado em frente à Praia da Guarderia, na Praia do Canto, registrei alguns dos muitos sons que eu percebia. São burburinhos de pessoas ao longe, gritos dos banhistas, latidos de cães, cantos de pássaros, ruídos incômodos dos veículos, o vento passando... O lápis traduzia em linhas e pontos o que eu ouvia. Linhas e pontos gros-
curtos para os agudos e breves. O resultado lembra uma paisagem vista à distância. Uma paisagem sonora.
O próximo exercício foi realizado na varanda de minha casa. Ventava muito e uma régua de metal trepidava na mesa, à minha esquerda. Ao longe, crianças de uma pré-escola gritavam. Ouvia poucos pássaros, e as motocicletas faziam um barulho constante. Alguém martelava numa obra e uma serra elétrica também era ouvida. A régua continuava batendo em uma lupa dentro de uma lata metálica. O vento contribuiu com a maior parte da paisagem.
O terceiro tema, marinha, é um subgênero da paisagem. Apesar de ser recorrente no desenho e na pintura, eu ainda não o havia praticado. Assim, a escolha foi motivada pela minha curiosidade em experimentar a temática como exercício. A principal referência artística para este tema é o desenhista brasileiro Francisco Faria (1958-). O
suas paisagens são uma fonte de admiração e inspiração.
A disciplina de Desenho II me possibilitou o aprendizado de diversas técnicas de desenho, e, para além disso, considero que o mais importante foi o desenvolvimento de habilidades essenciais para a formação de um artista: o exercício de percepção, o aprendizado do olhar e da escuta, a leitura de textos e imagens que estabelecem conexões entre as diversas áreas do conhecimento humano, da literatura à psicanálise freudiana, o incentivo à participação dos alunos levando em consideração o seu questionamento crítico e contribuições e o estímulo a praticar e a falar sobre o desenho. Uma das atividades mais prazerosas foi o desenho da paisagem sonora, que é ao mesmo tempo, um exercício de escuta e de conexão com o ambiente ao redor. Também destaco como ponto positivo da disciplina a leitura do livro Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus, que nos apresenta, sem enfeites, a dura realidade social, econômica, política e ambiental do Brasil. A escrita de Carolina serviu de inspiração para escrever sobre mim e para desenvolver um projeto de Escultura. Considero que meu aprendizado e dedicação à disciplina foram satisfatórios. Ainda que os meus exercícios apresentem algumas fragilidades, acredito que avancei muito, já que há menos de um ano eu não me arriscava a desenhar. Esse aprendizado me dá segurança para testar outros materiais, como o carvão e giz pastel e desenvolver traços mais expressivos e gestuais.