Nº 29>>2012>>R$ 22,90
Pe r n aMbuco: b el eZ a eM eS tad o b ruto
Maracatu Gui PaGanini MoMbojó alto do Moura Silvio Meira SaMico MeStre vitalino rodriGo braGa lourival cuquinha carloS Melo caruaru j.borGeS MaMulenGo SelMa do coco lula queiroGa MeStre Galo Preto Fred Zero quatro naná vaSconceloS Fabio SarraFF laMbe-laMbe roGerio cavalcanti ronaldo FraGa olinda Siba
PernaMbuco
beleZa eM eStado bruto
Nº 29 >> 2012 2
US$ 12,90
€ 6,00
ffwmag! Coleções ‘09
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Camisa Gloria Coelho
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Look total Hugo Boss
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Camisa e palet贸 Hugo Boss
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Vestido Reinaldo Lourenรงo, sapato TalieNK
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Bolero TalieNK
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Look total Ricardo Almeida, cinto Hugo Boss
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Look total Huis Clos
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Look total Gloria Coelho, cinto Tufi Duek
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Look total Carina Duek
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Ela: look total AndrĂŠ Lima Ele: camisa e gravata Hugo Boss, costume Ricardo Almeida
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Look total Huis Clos
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Vestido Gloria Coelho
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Look total Gant
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Vestido e sapato Huis Clos
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Look total Reinaldo Lourenรงo
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Look total Maria Garcia
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Beleza: Robert Estevão (Capa Mgt) Produção de moda: Larissa Lucchese e Juliana Cosentino Assistentes de fotografia: Sergio Nascimento, Fernando Tomaz, Renan Prando Assistente de beleza: Bruno Cardoso Tratamento de imagem: CR2_D2
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sumário 28 Gravado na história Um Cervantes do Nordeste? Aos 83 anos, Gilvan Samico mostra suas gravuras de rei e fala sobre arte, educação, rap, grafite e cores primárias
110 O caixeiro-viajante O fotógrafo Fabio Sarraff viaja a Pernambuco para contar a história de um missionário da moda que veste ocres, vermelhos e marrons
38 Olha o passarinho! Quando chega o Carnaval, uma trupe de fotógrafos mostra a mais surreal face da folia pernambucana no projeto Lambe-Lambe
130 Gigante romance Rogerio Cavalcanti percorre becos, ladeiras e umbrais e flagra dois apaixonados bonecos protagonistas do Carnaval de Olinda
56 “Pernambuco-Performática” “Per” de Pernambuco é também “per” de performático: ffwMAG! foi atrás dos novos nomes da arte que usa e abusa do corpo do artista 62 O Velho Chico O poderoso rio que atravessa estados nordestinos e influencia culturas populares pela ótica do estilista e artista Ronaldo Fraga 68 Os sons da Pernambucália Siba, Naná Vasconcelos, Lula Queiroga, Selma do Coco e outros visionários da música pernambucana relatam suas nobres andanças 78 Para o futuro e avante Para muitos, inatingível. Para o pesquisador pernambucano Silvio Meira, o árduo trabalho do dia a dia. Todos a bordo do futuro! 82 Recife responde Com perguntas nada usuais na cabeça, o artista plástico Jonathas de Andrade fez uma obra de arte às avessas na capital de Pernambuco 90 A rainha Gui Paganini fotografa uma boneca pós-moderna no território dos caboclos de lança do Maracatu Cambinda Brasileira, em Nazaré da Mata
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150 Falando o pernambuquês O ABC da diversidade cultural pernambucana nas mãos do apaixonado dramaturgo, escritor e historiador Adriano Marcena 154 Mestre Vitalino e outros Do barro, Deus criou o homem e, do mesmo barro, os moradores do vilarejo do Alto do Moura criaram a arte dos objetos 162 Da água ao vinho Na Olinda da paz, do amor e da devoção, o espevitado Elias Sultano trocou as usinas de cana-de-açúcar pela obra divina de criar santos 166 Gladiadores do sertão O verdadeiro duelo do sertão une dois bravos repentistas em feira livre para digladiar as delícias e as amarguras do sertão 168 Mão-mole ou... Mamulengo! Dos folguedos ibéricos e renascentistas medievais nasceu o nosso mamulengo, boneco que fala as poucas e boas do sertanejo 172 O portal do agreste Mandioca, batata assada, caju, jabuticaba, guiné, galinha, pato, peru, bode, carneiro, porco... Como não se perder na louca Caruaru? 194 Viva Luiz Gonzaga Pela divina ótica do mapa astral, toda a luz do compositor e cantor pernambucano mais amado de todos os tempos Capa: Blusa, saia e flor usada na cabeça Walério Araújo.
Foto: Rogerio Cavalcanti. Edição de moda: Paulo Martinez. Tratamento de imagem: Regis Panato | PHOTOUCH
renata mein
48 Cordel e anarquia A Chegada da Prostituta no Céu, A Moça Que Virou Jumenta Porque Falou de Topless com Frei Damião e outros top cordéis de J. Borges
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Colaboradores
Adriano Marcena
Afonso Luz
Bruno Moreschi
Professor, escritor e historiador. Foi um conselheiro especial da ffwMag! e é o autor do dicionário de expressões que mostramos na edição. PE: “É a capacidade inventiva dos pernambucanos”. O não óbvio de lá: “Precisamos olhar mais o agreste, a Zona da Mata e o sertão”.
Formado em filosofia pela USP, é crítico de arte e diretor do estúdio Oitavo Andar. Escreveu o texto sobre a arte contemporânea pernambucana. PE: “Adoro a boemia peripatética do Recife na companhia de Paulo Bruscky”. O não óbvio de lá: “Sentir saudades da região ao ouvir o Frevo nº2 na voz de Bethânia”.
Jornalista, artista plástico e mestrando em artes visuais na Unicamp. Viajou para Pernambuco, escreveu sobre a Feira de Caruaru, o Alto do Moura e colaborou no fechamento da edição. PE: “Não há como escapar do sol”. O não óbvio de lá: “La Ursa, um exótico personagem carnavalesco”.
Derlon Almeida
Fabio Sarraff
Gui Paganini
Artista plástico do Recife, autor de obras que unem street art com xilogravura nordestina. Seus trabalhos ilustram toda a edição. PE: “As ruas, a geografia e o diálogo do tradicional com o contemporâneo”. O não óbvio de lá: “O número de artistas visuais cresce cada vez mais nesse Estado que era conhecido apenas pelo artesanato”.
Formado pela RMIT University, especializou-se em fotografia de moda e de publicidade. Fez o ensaio de moda masculina da edição. PE: “Quero voltar para ver Olinda”. O não óbvio de lá: “Impossível saber. Fiquei todo o tempo fotografando no Recife”.
Fotógrafo de moda há quase 20 anos, faz campanhas e editoriais. Para esta edição, fotografou o ensaio de uma rainha nordestina pós-moderna em Nazaré da Mata. PE: “Belas praias, povo forte e rica cultura”. O não óbvio de lá: “A alegria de um povo, que muitas vezes supera grandes dificuldades”.
Ludovic Carème
Rogerio Cavalcanti
Ronaldo Fraga
Francês, transitou na Europa, América e Ásia tirando fotografias. Desde 2007, mora em São Paulo. Viajou para Caruaru e registrou os músicos do Estado. PE: “Fiquei fascinado com os grandes espaços do sertão”. O não óbvio de lá: “A gravura dos pássaros sertanejos de J. Borges e a música do Siba”.
Fotógrafo de moda e um obcecado assumido por imagens. Clicou os bonecos de Olinda vestidos por uma seleção de estilistas brasileiros. PE: “O ar e a luz”. O não óbvio de lá: “As placas de tubarão nas praias do Recife”.
Nascido em Minas Gerais, é um dos grandes estilistas do Brasil. Escreveu o artigo sobre o rio São Francisco. PE: “Um local em que a literatura, o cinema e a arte popular são a extensão da alma de seu povo”. O não óbvio de lá: “O memorial de J. Borges em Bezerros”.
Job: 285882 -- Empresa: Burti -- Arquivo: 285882-24192-for481_pag001.pdf
Registro: 59241 -- Data: 16:58:51 30/11/2011
Publisher Paulo Borges Conselho Editorial Graça Cabral e Paulo Borges Diretora de Criação Graziela Peres Redator-chefe Zeca Gutierres Redator Convidado Bruno Moreschi Editor de Moda Paulo Martinez Diretora de Arte Renata Meinlschmiedt Designers Patricia Teruya e Maria Carolina de Lara Produção Executiva Mauro Braga e Renata Jay Assistente de Produção Tatiana Palezi Produção de Moda Larissa Lucchese e Juliana Cosentino Assistente de Produção de Moda Gabriel Sorribas Produção Gráfica Jairo da Rocha e Daniel da Rocha Revisão Luciana Maria Sanches Tradução Leticia Lima Publicidade Tânia Leone Colaboradores Adriano Marcena, Afonso Luz, Alex Wink, Cecília Macedo, Derlon Almeida, Fabio Sarraff, Gui Paganini, Gustavo Ipolito, Ícaro N. Silva, Jhonatan Chicaroni, João Acuio, Jorge Escudeiro, Juliano Bonamigo, Ludovic Carème, Priscilla Luna, Rogerio Cavalcanti, Ronaldo Fraga, Teo Miranda Agradecimentos Ana Parisi, Erick Castelo Branco, João Arraes, Juliana Santos, Leandro Ricardo, Lilia Santos, Luciana Ribeiro, Marcos Salles, Monica Holanda, Nestor Mádenes, Prefeitura de Caruaru, Prefeitura de Olinda, Prefeitura do Recife, primeira-dama de Pernambuco, Renata Campos, Restaurante La Comedie, Secretário da Setur-PE, Alberto Feitosa, tecidos e estampas Kalimo A ffwMAG! (ISSN 1809-8304) é uma publicação da Editora Lumi 05 Marketing e Propaganda Ltda. Todos os direitos reservados. Fica expressamente proibida a reprodução total ou parcial sem autorização prévia do conteúdo editorial. Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores e não refletem a opinião da revista. Operação em bancas Assessoria Edicase www.edicase.com.br Distribuição exclusiva em bancas FC Comercial e Distribuidora S.A. Pré-impressão Retrato Falado Impressão Ipsis A Lumi 05 não se responsabiliza pelo conteúdo dos anúncios publicados nesta revista nem garante que promessas divulgadas como publicidade serão cumpridas. Lumi 05 Marketing e Propaganda Ltda. Av. 9 de Julho, 4927/4939, Torre Jardim (Torre A) 9º andar, Pinheiros, São Paulo, SP – CEP: 01407-200 – Tel. 55 11 3077-4877 ffwmag@luminosidade.com.br
Job: 285882 -- Empresa: Burti -- Arquivo: 285882-24193-TD320_pag001.pdf
Registro: 59242 -- Data: 16:59:03 30/11/2011
Praias cheias de mucambos de palha Rio Tapado, Rio Doce, Quadro, Conceição, Praia do Janga, Pau-Amarelo. Principalmente Pau-Amarelo onde desembarcaram os holandeses
(Gilberto Freyre)
Paulo Borges Publisher
RENATA MEIN
Pernambuco pode ser observado sob os mais variados pontos de vista. A geografia mostra o Estado como um pedaço de terra esticado e incrustado entre Ceará, Paraíba, Alagoas, Piauí e, por pouco, Sergipe. É banhado pelo Oceano Atlântico numa pequena e poderosa faixa de terra que abriga duas das cidades mais lindas e importantes da região: Recife e Olinda. É cortado por muitos rios bem servidos de água e paisagens, como o Capibaribe e o São Francisco. A história nos conta que o domínio holandês a partir de 1630 encheu ainda mais de DNA europeu o sangue do pernambucano, já banhado pelos povos indígena, africano e, claro, português. Nessa época, Recife foi agraciada com grandes obras de infraestrutura, e o resultado ainda pode ser visto nos lindos palacetes e pontes, símbolos da cidade. Já o português mostra que Pernambuco possui também uma diversidade linguística espetacular. Depois de batido o martelo sobre a edição Pernambuco de ffwMAG!, chegou à redação um livro pesado, daqueles que é preciso ter fome de curiosidade. Chama-se Dicionário da Diversidade Cultural Pernambucana, do historiador Adriano Marcena. Daí em diante o Estado foi se materializando. Mas não parece ser só as disciplinas formais que contam a essência de Pernambuco. Deixemos a geografia, a história e o português um pouco de lado e vamos nos ater ao material humano. Um dos integrantes da equipe que viajou para o Estado contou que uma história sempre se repetia. Quando ele exclamava diante de alguma beleza vista por lá, algum pernambucano o interrompia. Era para convidá-lo para ficar por lá. Para sempre, se quisesse. Trata-se da hospitalidade típica de um povo que se acostumou desde sempre a receber as influências da França, da Ásia, de Portugal, da Inglaterra, da Holanda e, claro, do tripé ameríndios, ibéricos e africanos. Podemos afirmar com orgulho que dissecamos Pernambuco. A música foi um dos temas indiscutíveis nesta edição. Naná Vasconcelos, um de nossos entrevistados na matéria que mostra a diversidade e a inventividade dos músicos pernambucanos, foi genial ao nos lembrar que, na Pernambuco de outrora, a pluralidade da música vem da África que se encontrou pela primeira vez no Brasil. Foram diferentes etnias influenciando um povo – o berimbau veio de um local, a capoeira do outro, e por aí foi. O samba, diz o inventor de sons, é o resultado desses encontros todos. Duas equipes armadas de gravadores e câmeras fotográficas se dividiram entre as vizinhas Recife e Olinda e o agreste, onde estão cidades como Caruaru, com sua feira babilônica, e o vilarejo do Alto do Moura, onde brotou a arte de esculpir objetos a partir do barro. Pernambuco, chegamos à conclusão, é um estado bruto que produz arte legitimamente brasileira, mesmo que influenciada pelos modernismos internacionais e do Sudeste brasileiro, como aconteceu com o manguebeat de Chico Science e Fred Zero Quatro. A moda, dividida em três ensaios, presta homenagem aos caboclos de lança do maracatu, aos poetas de rua e seus estandartes e aos grandiosos bonecos de Olinda, que ganharam roupas especiais criadas por alguns dos estilistas mais cultuados do Brasil. A poesia de cordel pela ótica do grande poeta J. Borges, a arte de criar mamulengos, as fantasias mais surreais dos foliões do Carnaval e a arte do repente também não podiam faltar aqui. E pensando no futuro, porque o Estado também se projeta adiante, ele surge na entrevista com o pesquisador Silvio Meira, nome mais importante do Porto Digital do Recife – sinônimo de inovação no país – e com o artigo sobre três artistas plásticos da nova geração que estão colocando Pernambuco no mapa da arte internacional. Caberia um mundo nesta edição, já que de Pernambuco saíram grandes figuras como Cícero Dias, João Cabral, Manuel Bandeira e Gilberto Freyre, e seu território esconde muitos segredos a serem revelados, mas nos sentimos satisfeitos com o resultado de mais uma edição de ffwMAG! que mostra, com olhar pessoal, um rico Estado brasileiro.
Job: 285882 -- Empresa: Burti -- Arquivo: 285882-24194-tri398_pag001.pdf
Registro: 59243 -- Data: 16:59:42 30/11/2011
Cata-corno por Derlon Almeida
B Bocomoco (ô) 1. Pessoa ou o que está fora de moda; ultrapassado. Cafona, careta. 2. Pessoa idiota, tola, boba; tapada. Escreve Deonísio da Silva que bocomoco é “de origem controversa” e aventa a hipótese que “pode ter sido formado a partir de bocó e mocorongo, regionalismo para designar indivíduo parvo, ou ser variação de boboca, formado a partir de boca oca, indicando sujeito sem dentes e portanto socialmente desqualificado. Já mocorongo pode ser junção de mocó, do tupi mo’kó, designando um roedor, e do dialeto africano ocidental ongolo, ongolo, pássaro de bico dentando. O vocábulo popularizou-se a partir do anúncio de um refrigerante, o guaraná Antarctica, veiculado no primeiro semestre de 1971: ‘Boko-Moko, apareça se for homem’. Passou a designar pessoa que fala, se veste ou se comporta em desacordo com as normas de coesão social”. Borocoxô (ô) 1. Estar desanimado; sem coragem, aborrecido; cabisbaixo. 2. Pessoa manca; capenga. Antônio Houaiss assinala que borocoxô é de “origem controversa; para {Antenor} Nascentes, vocábulo expressivo; para Nei Lopes, do quicongo boloko’to ‘o que caminha devagar e penosamente’; os dois vocábulos borocotó e borocoxô teriam a mesma origem onomatopeica, com ênfase em acepções divergentes: em borocotó focaliza-se o ‘ruído dos passos e o caminho cheio de pedras e paus’, em borocoxô destaca-se o ‘deslocamento lento e penoso em caminho cheio de pedras e paus’”.
C Cabuloso (ó) Pessoa chata, irritante, maçante, desagradável, antipática. A filha de Ricardo é uma cabulosa da peste. Antônio Houaiss assinala etimologia procedente da junção de “cábula + -oso”. Cambada Grupo de pessoas amigas; turma. Cata-corno (ô) Ônibus que demora muito a passar no ponto.
D Danou-se! 1. Interjeição. Danou-se! Com a chegada de João, a merda vai virar boné! 2. Sair apressado. Desligou o celular e danou-se na carreira! Dragão 1. Termo indelicado e machista para denominar uma mulher considerada feia. Vasta sinonímia popular extremamente grosseira e discriminativa: alcaide, assombração, bagulho, baiacu, baygon, baranga, bicha-feia, bolo, bonde, bonde virado, bonitinha de longe, bonitinha de touca, bruaca, bruca, bucho, canhão, cão, catirina, couro, cruaca, de longe é uma uva, de perto é uma pitomba, Diabo-sem-rabo, dragonífera, dragonilda, goriba, juntando dez não dá um travesti, libroína, mocreia, moléstia, monga, mulher-com-tudo-em-cima, onça, paia, saberé de franja, sutruba, tricongate, dentre muitos outros. 2. Dragão é a mascote do Centro Limoeirense de Futebol.
E Estambocar o Oco do Mundo (ó-ô) Ir embora, sair. Sinônimo: ganhar o oco do mundo. Estampô! Estampô vem de estupor, doença muito comum na América portuguesa e, conforme Pereira da Costa, “o estupor, a cujos doentes aplicavam fumegações de incenso e de mirra, e banhos adstringentes mui quentes, era mui freqüente enfermidade”. Segundo o historiador, era palavra empregada pelo povo “para designar a paralisia, isto é, a conseqüência da hemorragia ou derramamento do sangue”. Aurélio Buarque de Holanda registra estupor como “Estado em que, estando a consciência desperta, o doente não reage nem a perguntas, nem a estímulos externos, permanecendo imóvel, numa só posição”. Percebemos o sentido figurado que a população do Nordeste brasileiro ainda mantém com termo estampô a partir da enfermidade, ou seja, por extensão, criou o sentido de “imobilidade súbita diante de algo que não se espera; grande surpresa, espanto, assombro”, conforme Antônio Houaiss, por isso que ainda permanece saltando das bocas seu caráter de interjeição. Estopô é variante muito corrente. Sinônimos: estampô maligno, estampô malino, estampô balaio.
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reprodução: Helder Ferrer
A Árvore da Vida e o Infinito Azul, 2006 ffwmag! nº 29 2012
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“Não sei se Samico será um Cervantes
(Ariano Suassuna)
Gilvan Samico é o resumo do artista nordestino. Fala de sua terra. E o mundo inteiro entende por Bruno Moreschi e Zeca Gutierres
Olhar os trabalhos de Gilvan Samico é se deparar com obras de arte que colocam em evidência a contradição aparente entre um artesão e um artista. Samico possui a técnica precisa da xilogravura de um homem do artesanal. Mas também escolhe com cuidado as cores, preferindo sempre as primárias, uma limitação consciente e conceitual, o que lembra o típico artista contemporâneo. Ao misturar esses dois mundos (ou seriam um mesmo?), Samico cria trabalhos repletos de personagens bíblicos, narrativas do Nordeste e animais fantásticos. Mas há uma diferença fundamental entre ele e tantos outros artistas nordestinos que misturam as múltiplas referências do Nordeste brasileiro. Diferentemente da maioria, há uma atmosfera soturna nas xilogravuras de Samico – característica que o artista aprendeu com um dos mais impressionantes
gravuristas brasileiro, Oswaldo Goeldi, professor do artista em 1958. Samico foi um dos integrantes do Movimento Armorial, um grupo formado no início da década de 1970, no Recife, que incluía nomes como o poeta Ariano Suassuna. Juntos, os artistas queriam valorizar a cultura popular do Nordeste em oposição à americanização da cultura brasileira. E conseguiram. Nascido no Recife, Samico possui obras no acervo do MoMA, já recebeu prêmios na Bienal de Veneza, mas... É preciso tomar cuidado com aquele costume caipira de achar que boa arte brasileira é só aquela que invade os museus e as bienais gringas. Samico é assumidamente do Nordeste. Ao tratar de seu mundo chamado Pernambuco, o artista atinge o universal. Aos 83 anos, o autodidata economiza nas palavras, não contextualiza os assuntos e vai direto ao ponto.
O Senhor do Dia, 1986. Ao lado, A Chave do Ouro no Reino do Vai-Não-Volta, 1969
“O que faz um verdadeiro artista é a honestidade no seu trabalho, que vai ao encontro de seu temperamento. E bom artista é aquele que não se dá a aventuras, que não dão em lugar nenhum.” “Na minha opinião, o ganho do Movimento Armorial está no fato de eu ainda encontrar alguém que queria que a arte brasileira tenha mais importância no Brasil.” “Não há o que escrever sobre arte. O que está dito está na coisa feita, na obra de arte em si. A própria palavra já é outro procedimento, outra arte, e, pensando assim, cabe ao público aceitar ou não o trabalho de um artista. Uma combinação entre artista e público.” “Ao longo do tempo eu trabalhei com gravura em metal, a litografia mas, fazendo um balanço, o que me agrada mesmo é a boa xilografia, gravura sobre madeira.” “Não é que faltem museus no Nordeste, falta por parte do poder público aproximar o cidadão comum dos espaços culturais. Você acha que um operário vai atravessar aquelas portas de vidro dos museus para levar os filhos? Na Europa isso acontece com mais naturalidade, é um processo que precisa ser estimulado no Brasil.”
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reproduçÕes: Helder Ferrer
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Rumores de Guerra em Tempos de Paz, 2001 32
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reproduçÕes: Helder Ferrer
A Espada e o Dragão, 2000
A Conquista do Fogo e do Gr達o, 2010
reproduçÕes: Helder Ferrer
O Diálogo, 1988
A Criação das Sereias, 2002. Ao lado, A Virgem dos Cometas, 1991
“Mais que arte, falta nas escolas ‘manualidade’, o ato de trabalhar com as mãos. Antigamente havia mais arte nas escolas, e essas práticas deveriam voltar ao ensino básico e médio.” “Eu não sou pessimista como aqueles que acreditam que o brasileiro não sabe valorizar a arte daqui, mas acho que deveria haver mais interesse nacional de mostrar a cara do Brasil, mesmo vivendo em um mundo com meios de comunicação tão rápidos.” “Sempre usei mais cores primárias no meu trabalho porque, ao contrário dos gravadores de metal, que usam tons mais sombrios como dourado e neutros, na madeira as cores puras combinam melhor. Minha gravura é naturalmente mais clara.” “Não sei nem o nome desse movimento de músicos que cantam falando, mas acho americano demais. Mas gosto da ideia de Pernambuco ser um Estado no qual os artistas misturam de tudo, ideias regionais com o novo, como o próprio rock.” “Entendo o grafite, mas acho abominável essa pichação indiscriminada, inclusive aqui em Olinda. São sinais não claros, não dá pra entender se é um símbolo ou o próprio nome do pichador...”
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reproduçÕes: Helder Ferrer
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Eu já perdi você de vista tua alma meu Deus levou agora só resta uma foto que o retratista deixou
(Otto)
Quando chega o Carnaval, o Lambe-Lambe surge em Pernambuco. No menor teatro ao ar livre do mundo, o registro de um povo multifacetado por Zeca Gutierres
O ano era 1995 e as ruas de Olinda estavam tomadas por foliões em mais um Carnaval marcado pelos blocos de rua, os bonecos de estatura monstruosa e os mascarados e fantasiados dos mais diversos estilos e procedências. Foi então que cinco amigos vindos do fotojornalismo tiveram uma pequena grande ideia: registrar em polaroide, em fundo infinito, as fantasias mais originais da capital da festa da carne de Pernambuco. Da rua também veio o nome do projeto, Lambe-Lambe, e a famosa Treze de Maio, na Cidade Alta, foi o ponto escolhido por Breno Laprovitera, Jarbas Júnior, Roberta Guimarães, Fred Jordão e Daniel Berinson para registrar as faces mais originais da festa pagã. Mal sabiam eles que a ideia, por mais simples que parecesse, seria uma forma artística de registrar a felicidade de um povo que tanto ama a folia. Isolados do contexto, tendo como fundo tecidos pintados por artistas locais, eles trouxeram à tona um mundo de sonhos e criatividade dos grupos, troças, blocos e agremiações que ali passavam. A própria Treze de Maio – em frente ao Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco – se tornou local de concentração de foliões e blocos carnavalescos. Milagre criativo: o LambeLambe passou a integrar o calendário do Carnaval do Estado. Virou febre levar para casa a polaroide em forma de crachá, impermeável, e também esperar ansioso pela divulgação das imagens do projeto audiovisual que a trupe promovia todo ano, ali mesmo na rua, no
fotos Lambe-Lambe
dia do aniversário de Olinda, poucos dias depois do Carnaval. Chico Science e Jorge du Peixe (Nação Zumbi), Ariano Suassuna, Fred Zero Quatro, o artista plástico Joelson, Lenine, o bonequeiro Sílvio Botelho e muitos e muitos outros artistas da cena pernambucana entraram na dança. Até na mostra londrina Batmacumba, do Institute of Contemporary Arts, em 1997, o Lambe-Lambe foi parar. Daí por diante o projeto só cresceu e reforçou seu traço itinerante visitando Recife e outras cidades do Estado. Isso tudo só fez aumentar o potencial do Lambe-Lambe de catalogar o próprio espírito do Carnaval pernambucano. Veio também o livro Projeto Lambe-Lambe – A Fotografia do Carnaval de Pernambuco, mas a trupe não parou por aí: mais fotógrafos entraram no coletivo, e a Praça do Arsenal, no Recife, virou a nova morada do grupo. Jarbas Júnior explica: “Nesses anos todos reunimos um arquivo impressionante, e os filhos dos foliões já dão continuidade à ideia. Temos muitos planos, inclusive um site que possa levar o formato além, talvez imagens em 360 graus, mas nosso foco sempre foi e será a imagem impressa, em polaroide, que serve também como souvenir para os foliões que entram na brincadeira. Trata-se de um documento importante da nossa cultura popular e, além dos fotógrafos, temos os outros tantos profissionais que fazem parte do coletivo, como os artistas plásticos. O Lambe-Lambe remete ao circo e ao teatro. É o retrato do exorcismo que é o nosso Carnaval”. ffwmag! nº 29 2012
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vendeu a própria mulher pra jogar na Mega-Sena ( J . B or g es )
Uma revisão dos best sellers escritos pelo cordelista mais famoso de Pernambuco por Bruno Moreschi / retrato Ludovic Carème / fotos Renata Mein
J. Borges ensina: uma boa história sempre pode ser resumida num título. “É o segredo do sucesso”, ele explica. Em seguida, apresenta os três cordéis mais vendidos no seu ateliê, em Bezerros, interior de Pernambuco. Em terceiro lugar, O Valor Que o Peido Tem possui um humor essencialmente escatológico. Diferentemente da maioria dos outros cordéis, este não traz uma história de fato, mas, sim, uma espécie de tratado filosófico sobre pum e afins. Borges conta: “Quando tive a ideia, apareceu um bando de gente chata achando o assunto de mau gosto. Na hora concluí com tristeza que o politicamente correto enfim chegara ao agreste. Mas não cedi. É um assunto universal que merece um cordel. Ou você não peida?”. Mantive-me em silêncio. Com a capa mostrando um rapaz que não se segura e uma moça logo atrás tampando desesperadamente o nariz, o cordel em questão não poupa nem mesmo o presidente do Senado:
Peidar é um dom profundo isso não há quem esconda agora, você responda: quem não peida neste mundo? peida o rico, o vagabundo Zé Sarney peida também No mundo não há ninguém que possa me contestar se assim for, não sabe dar
O VALOR QUE O PEIDO TEM A última frase foi escrita por Borges assim mesmo, em colossais letras MAIÚSCULAS e se repete a cada estrofe. Quando alguém reclama da repetição, Borges logo responde: “Cordel bom é cordel que gera polêmica”.
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Outro sucesso editorial de Borges, o segundo cordel mais vendido, é o de título mais extenso e que consegue a incrível façanha de juntar um mamífero perissodáctilo, seios humanos à mostra e um frade italiano radicado no Brasil. A obra-prima se chama A Moça Que Virou Jumenta Porque Falou de Topless com Frei Damião e conta a história de uma moça sem-vergonha que ousou tirar a camisa em plena missa do religioso mais famoso do Nordeste. Minutos antes do acontecimento que chocaria Aracaju, seus pais tentaram convencê-la a não desrespeitar Frei Damião. Ela respondeu:
Mas eu faço é anarquia daquela barba crespenta Só digo que é poderoso Nesta era de 80 Se ele fazer eu correr Virada numa jumenta E foi de fato o que aconteceu. A moça virou uma jumenta errante que mordia quem visse na frente. Entretanto, apesar do jumento pornográfico, não há cordel que venda mais na oficina de Borges do que A Chegada da Prostituta no Céu. O autor justifica o motivo de ter criado o cordel: “As prostitutas do Brasil merecem uma homenagem. Não há coisa mais difícil do que a vida de puta”. Para Borges:
Falar sobre prostituta é um caso muito sério que é um ser sofredor sua vida é um mistério e para sobreviver sempre usa o adultério 54
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O problema foi que, quando chegou ao céu, a prostituta continuou sem pudores. Dançou com São Expedito, levou um não de São Brás, namorou com São Carlito e, no fim da festa, foi dormir com São Benedito. O único ignorado foi o Santo Oscar, um habitante celestial barbudo demais para os gostos da moça. Vingativo, Oscar foi contar para Jesus que o céu tinha virado cabaré. Mas o filho de Deus não cedeu. E ordenou que deixasse a pobre coitada em paz: “Se na terra sofreu tanto, como vai ser castigada?”. Borges começou a fazer cordéis e xilogravura em 1966, quando jovem. Com 20 anos, escreveu um primeiro livrinho, mostrou para um amigo e recebeu elogios. Continuou o trabalho e, por sorte, um dos cordéis caiu nas mãos de Ariano Suassuna. O escritor nordestino adorou o que leu e passou a intitular Borges como o melhor cordelista do agreste. Hoje, Borges trabalha num ateliê espaçoso e se recupera da retirada de um tumor na perna direita. Já teve xilogravuras de sua autoria vendidas por US$ 30 mil num leilão dos Estados Unidos. O dinheiro, infelizmente, ficou com o colecionador gringo. Isso faz Borges concluir: “Não sou rico de dinheiro. Sou rico de filhos”. Tem 18 deles. Todos nordestinos. Um povo que, para o autor, não se importa em pegar no barro. Como se estivesse escrevendo um cordel saudosista de sua terra, ele garante num quase grito: “Se procurar no Nordeste inteiro não tem ladrão, só artista”. Artista, jumento, prostituta, todos unidos pelo “dom profundo” que Borges ousou colocar em letras bem garrafais.
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Este corpo de lama que tu vê É apenas a imagem que sou Este corpo de lama que tu vê É apenas a imagem que é tu Que o sol não segue os pensamentos Mas a chuva muda os sentimentos
(Chico Science)
S e m n a c i o n a l i s m o s , m a s c o m u m Es t a d o t o d o d e c o n t a m i n a ç õ e s , a “Pernambuco-Performática” invade as artes visuais do mundo pelo corpo de três talentosos artistas contemporâneos por Afonso Luz
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Dois momentos de Desejo Eremita, da série fotográfica realizada em 2009, por Rodrigo Braga: performances meticulosamente construídas que dão vida ao bestiário de seres mistos
Pernambuco é performático. As três primeiras letras que dão nome a esse Estado também definem o estado de ânimo da arte que pulsa em seu território. Essa identidade “per” faz ver terrenos imateriais, posição geográfica imaginária na qual a cidadania performático-pernambucana se projeta no mundo. Artistas de lá vivem a grande fronteira contemporânea, perímetro da produção simbólica global, muitos deles de maneira sublime, desconhecendo limites e continentes. Dos anos 1990 para cá, na acelerada urbanização convertida em pujança econômica regional, ganharam espaço e visibilidade, consolidando suas referências. Esse Pernambuco de agora faz diferença no Brasil acostumado a ser Rio e Sampa e mostra ao mundo maneiras de fazer-se “brasileiro” repletas de potenciais críticos. Paulo Bruscky é pioneiro na afirmação desse universo. Já nos anos 1960 alargou o conceito de arte nas redes internacionais de experimentação, situado na neovanguarda da comunicação virtual e na apropriação dos dispositivos tecnológicos. Hoje podemos sentir sua verve revigorada em outras gerações: Lourival Cuquinha, Rodrigo Braga ou Carlos Melo, artistas que exploram o ímpeto criativo da performance além de horizontes históricos. Ao observá-los, precisaríamos inverter lentes: não apenas ver Pernambuco aos olhos do mundo, mas partir dali e ver o mundo no óculo lúcido que nos oferecem. Então, criemos olhos para essa indelicada beleza, apresentada de maneira incisiva, sem descuidar da virulência da imagem. No exercício de ver trabalhos aparentemente polêmicos, animamos singular senso poético e deciframos operações que não se esmeram em fugir da existência grotesca e
da violenta aparência do orgânico. A precariedade ressaltada nas feias fissuras se acentua nas partes malditas e transpira o que somos: seres investidos de sensação alterada. Catadores de caranguejo do mangue, guerreiros de maracatus, passistas de frevo etc., etc., na desenvoltura do vocabulário coreográfico, fizeram-se personagens móveis e marcantes na cultura local. Paradoxalmente, partilham do universo simbólico da arte global que surge quando se transpôs os limites da pintura e da escultura. O gênero “performance” é, nesse momento, a forma de dizer que o artista é a própria arte, gesto inclusivo que traz para o campo estético todo o mundo da vida. Para o artista alemão Joseph Beuys, dos fundadores desse estado de coisas, era profecia de que um dia todos seríamos artistas. Nessa altura dos acontecimentos, o corpo passou a ser suporte privilegiado no enfrentamento do mundo, consigo mesmo, das instituições culturais, com o público e as linguagens legadas pela tradição. A vontade desse corpo que é espaço se impõe como ambiente perceptivo; realiza a topologia permeável de novas relações e a estratégia de novos paradigmas no “contemporâneo”. Do happening dadaísta até os dias atuais, a performance se generalizou e arrisca, ironicamente, a se ossificar como estrutura permanente para o enquadramento da produção contemporânea. Mesmo banalizada na retórica e nas associações fáceis com o tempo presente, a performance é uma importante forma de diálogo e de intercâmbio das artes visuais com a dança e o teatro, e também com a moda. A reflexão dessa estética corporal, ainda significativa, afirma horizontes de liberdade, de gozo e de subjeti-
Elemento da exposição O Corpo Barroco (2011), de Carlos Melo
vidade, assim como redireciona impulsos mórbidos de violência, de frustração e de controle que se aplacam sobre nossas carnes. Nos anos 1970 e 1980, o espaço privilegiado das passarelas se converteu em uma grande arena de performances. O pensador francês Roland Barthes via inaugurar-se aí, com Jean Paul Gaultier, um ambiente em que a multiplicidade dos corpos, suas bizarras presenças, a relativização do feio e das desenvolturas urbanas marginais ganhariam força poética e fixariam na história aquela inusitada extravagância desenhada por suas roupas. Recentemente, Paulo Herkenhoff, curador de reputação internacional, usou a expressão “contrapensamento selvagem” para definir a potência performática brasileira, na contramão da beleza ocidental. A mostra, que faz trocadilho com o título de um dos mais importantes livros do antropólogo Claude Lévi-Strauss, ícone intelectual do século 20 recentemente falecido, virava do avesso o espaço expositivo do Itaú Cultural. Nesse acontecimento, Pernambuco destacava sua órbita de flutuação. Herkenhoff nos mostra uma natureza que se expressa como diferenciação, desajuste simbólico e, no limite, certo mal-estar cultural face às formas racionais e a ordens claras legadas pela cultura europeia. O Ocidente tangencia este Pernambuco sem penetrar totalmente em seu terreno, preservando a diversidade brasileira inscrita em certa plasticidade da 58
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cosmologia primitiva, evocações de mitos fundadores e de singularidades ambientais próprias. A leitura é feita sem “nacionalismo” algum, este também posto ali como marca dos regimes fechados que nos colonizaram. O efêmero e o precário seriam, assim, positividades nossas, códigos abertos na linguagem da arte global, em que o visceral e o heterogêneo querem construir espaços adequados a essa métrica dos excessos.
Entre ficção e realidade, latidos em Rodrigo Braga Outro artista marcante na paisagem cultural e no deslocamento contemporâneo de Pernambuco é Rodrigo Braga. Mas nele o território sensível é convertido ao campo insólito do mito. Foi Fantasia de Compensação que lhe destacou com a construção fotográfica de seu próprio rosto recebendo implantes de um cachorro, o focinho e a carcaça de mandíbulas costurados como máscara. A operação imaginária e física o fez encarnar o semblante animal, com pálpebras e orelhas cirurgicamente transplantadas. Entre ficção e realidade, a imagem é assombrosa, faz pensar em algo como um ritual de passagem, no qual o mundo dos humanos e o dos animais se tocam. Volta-se sempre a essas transmutações em seus trabalhos, mesmo quando seu dorso nu está imerso na terra, como em Do Prazer Solene. Rodrigo Braga se veste de um êxtase de animalidade,
arquivo do artista
partes recobertas de outras partes, corpo através de outros corpos, animais em animais, são intensas reverberações que, em Alegorias Perecíveis os excessos vivem seu gozo. Essa metamorfose da carne contamina o registro fotográfico e deixa ver a estranha beleza: performances meticulosamente construídas que dão vida ao bestiário de seres mistos, pedra-árvore, homem-bode, madeira-ossos. As imagens cheias de fantasia suscitam também certa brutalidade carinhosa, despertando-nos para cosmologias ancestrais desse Pernambuco indócil e rural. Assim, predador e presa se alternam indefinidamente, dando vazão ao mundo mágico em que os contrários se perseguem, nesse Desejo Eremita. A operação nesse campo é mais do que a cópula aberrante ou um sonho surreal, parecem “pinturas rupestres” inscritas no imaginário da transgenia atual, algo como seu antídoto burlesco. Há também algo de cômico nesses resíduos sonâmbulos – estamos mais acordados do que nunca. Nosso olhar disseca a imagem vista, imita o mito no gume cortante das pupilas. As fotos realçam aspectos cirúrgicos da própria máquina fotográfica, que reaparece como instrumento de taxidermia. Rodrigo parece dizer que toda monstruosidade é enigma, o que nos rodeia pede decifração. Se há em nós uma vontade de amputar imperfeições e a organicidade desconfortável que nos cerca, é por vivermos o terror da decom-
Registro da performance de Paulo Bruscky O que é a arte? Para que serve?, realizada em 1978 no Recife
posição de nossa própria imagem. Não podemos nos esquivar do retorno incontrolável de nós mesmos. Todo sopro primitivo se mostra aqui pouco domesticável em minerais, vegetais e bichos. Essa imagem vinda de Pernambuco nos faz refletir sobre os relacionamentos horizontais e as permutas constantes entre nós e nossa própria animalidade.
corpos barrocos ou transes eróticos de carlos melo No terceiro elemento dos recortes que dão corpo a essa descrição da geografia imaginária de uma “Pernambuco-Performática” seria difícil estabelecer suas relações com o local. Todavia, percebemos o trabalho ascético de Carlos Melo sobre esse mapa simbólico, justo quando sua poética prima pela desautomação do corpo como “instrumento social”, uma reflexão acentuada e rigorosa sobre os gestos. Na busca incessante por segredos da codificação do corpo em atitudes ordinárias, observamos o redesenho dessa linguagem, seus sotaques e acentos cotidianos. Se no Nordeste os ideais de virilidade, a escola das facas e os trejeitos de combate, fora da arte, ganham crueldade cotidiana nos crimes da honra, em O Corpo Barroco ele nos mostra outros signos dessa convivência com a mutilação. Diria que sua estratégia cunha o reverso da moeda na qual o cangaceiro enumera seus valores, face incógnita da paga desmedida, avessos
caos e efeito - itaú cultural / Rubens chiri
Vista da obra Old Glory Financial Art Project, de Lourival Cuquinha, e também entrada da exposição Contrapensamento Selvagem, de 2011, com curadoria de Paulo Herkenhoff em colaboração com Clarissa Diniz, Orlando Maneschy e Cayo Honorato
da iconografia do sertão que está em toda parte. Melo afirma vulnerabilidades muitas vezes insuportáveis a quem se julga travestido de couraças e se oculta na tocaia de empunhaduras cortantes: estamos sempre desarmados diante de todo revés. Sua performance Sintoma expunha o transe erótico da mortificação provisória, algo que consistia em tomar soníferos e se entregar aos olhos dos convidados para o vernissage. Com sua carne desnudada à contemplação do público presente, apenas o corpo inerte embalado pela droga realizava um objeto visível no espaço. Ausência expressiva e suspensão de ânimos marcavam inversões de códigos em nossa alardeada sensualidade, ali convertida em natureza-morta. Por fim, a silhueta fotografada do corpo nessa suspensão do espírito artístico foi impressa como gravura na bula do remédio. O conjunto nos prescreve ressonâncias do vazio que rondam a arte. Se a performance é um princípio ativo, a cura para o museu de hoje, o efeito colateral é a intensificação da afasia na qual se encontra mergulhada no século que chega cheio de incertezas aos valores. Variadas vezes a eloquência de um silêncio sacerdotal é plenitude à devoção corpórea, como se seu trabalho reverberasse um antigo signo sagrado da pintura, a Vanitas. Tal palavra latina é motivo que figura a passagem do tempo, simboliza um vácuo existencial e indicia a futilidade do cotidiano na distância do eterno. A “vanidade”, por assim dizer, aparece aqui sutil ou explicitamente, 60
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evocando ícones primitivos de nossa cultura cristã. Lembremos Shakespeare, a mão erguendo o crânio como símbolo do inessencial, do transitório, todo inglório na vaidade... Em outro ótimo trabalho, flagram-se ostensivos microfones postos diante de um corpo em suspensão, em lugar do rosto do locutor caricato, vemos na foto os pés calçados e fragmentos de roupas pretas de um suposto luto apresentando-se à fala, como se da gastura das palavras pudesse surgir o silêncio essencial. Habitante de Pernambuco nascido em Riacho das Almas, Carlos Melo fez seu batismo na contemporaneidade quando um acaso londrino o pôs diante da estridente geração sensation. Voltando a si em sua terra natal, já encharcado do desejo de arte, tornou-se cidadão discreto do mundo contemporâneo que decifrara além-mar. Sua última exposição na galeria Moura Marsiaj é a demonstração de que nada de anedótico pode hoje desfazer a consistência da cena contemporânea que se ergueu no Nordeste do Brasil. Antídoto para os envenenados indícios de que tudo aqui é alegoria do eterno Carnaval.
Transgredir, sequestrar e especular com Lourival Cuquinha Ponto forte desse conceito de “brasilidade” proposto é o pernambucano Lourival Cuquinha. Ele é o caos formativo evocado por “contrapensamento selvagem”, figura que surge com filmes, desenhos
Momento do sequestro do Parangolé, de Lourival Cuquinha, performance incidental ocorrida no MAM-RJ, em 2002, e instalação de 2007
e instalações registrando acontecimentos desencadeados por suas “tramoias”. No verbo dessa arte embebida de contracultura está o “concurso internacional do Mickey feio” promovido pelo pernambucano no centro do Rio de Janeiro, para a população competir por uma passagem de “ida sem volta” para a Disneylândia. A promoção dá curto-circuito na fantasia e revela insuficientes padrões de beleza, um tanto estranhos naquele contexto. Seu famoso sequestro do Parangolé, de Hélio Oiticica, no MAM-RJ foi feito apenas saindo do prédio com a obra vestida no próprio corpo, circulando 24 horas pela cidade antes de negociar sua devolução – e tudo ocorreu sem que fosse notado pela instituição. Tal obra é somente a “transgressão amistosa” da fronteira do possível, imperativamente definida ali, um furto que devolveria o “bem precioso” a seu ambiente pleno, a cidade ao ar livre, contra a monumentalidade da ocasião. Hoje cotada em alguns milhares de dólares no mercado internacional e transformada em fetiche supremo da contemporaneidade brasileira, a capa vestível de Oiticica nas mãos de Cuquinha é reinvestida de seu sentido de pele usável, tecido vivo, objeto vestível, habitado novamente pelo corpo do espectador, verdadeira restauração de seu fôlego originário. Ação mais recente, a bandeira dos Estados Unidos costurada com notas de dólares e estrelas de origami no papel-moeda ganhou o nome Old Glory Financial Art Project, concretizando uma “performance geopolítica”. É parte de uma série de símbolos nacionais que
o pernambucano tem desenvolvido transnacionalmente, por meio de operações-empréstimos com seus “sócios” internacionais. As pessoas aderem ao projeto passando notas de dinheiro ao artista para que ele costure a bandeira e, com isso, cada sócio ganha seu “título de rentabilidade”, o que lhe garante um percentual do mercado futuro que a obra terá daqui a alguns anos. Realizada pela primeira vez com a flâmula inglesa cerzida em Pounds (obra recentemente exposta no Panorama da Arte Brasileira, no MAM-SP, com curadoria de Cristiana Tejo e Cauê Alves), sua ideia surgiu quando em residência artística em Londres ele enfrentava a escassez de recursos materiais. O trabalho é uma transação-compartilhada, bandeira para a comunidade sem fronteiras que habita o universo da arte, desejo de uma economia reinventada por seus cidadãos. Revela também a natureza esquartejada dos territórios simbólicos atuais, como se a adesão a universos de valor e a ambientes nacionais, a lugares identificados e quantificados, tivesse algo de desconjuntado e anômalo. Um sentimento de colcha de retalhos no nosso coração de Frankenstein para os dias de hoje. Talvez, ali no Reino Unido, ele seja mais pernambucano do que em Pernambuco, como sempre aqui fomos os “desterrados na nossa própria terra”. rodrigobraga.com.br lourivalcuquinhajackpound.blogspot.com
Aqui, o rio da festa e devoção numa chuva de cruzes caindo do céu, parte da exposição itinerante Rio São Francisco, um Rio Brasileiro, de 2010, sobre o Velho Chico, que continua visitando o Brasil em 2012
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O velho Chico p o r Ro n a l d o F r a g a
Foto: Marcelo Soubhia/AgFotosite
Tutu Marambá, uiara, caboclo-d’água, Pirapora, Petrolina, Juazeiro... Essas palavras que ilustram a lousa da minha memória desde a infância. Meu pai, um apaixonado pelo velho Chico, foi quem me deu esse rio de presente. O rio que mais desperta afeto nos brasileiros. Ao longo de suas águas, que cruzam cinco Estados brasileiros, gente, história, lendas, música e bichos formam uma coisa só. Formam o mundo mágico do Rio São Francisco do Brasil!
Todas as vezes, em suas horinhas de descanso, era para suas margens que meu pai viajava. Além dos peixes gigantes e brinquedos de arte popular, trazia consigo aquilo que eu mais amava: as assustadoras lendas do rio. Surubim gigante, a passadeira, o curupira, a cachorrinha d’água... Só já adulto vim a descobrir que esses seres oriundos de histórias indígenas cumpriam a função de manter as crianças bem longe das águas do rio, aprendendo desde cedo a respeitá-lo. Até hoje me pergunto onde foram parar esses velhos guardiões, deixando o velho Chico à mercê dos mandos e desmandos em nome do progresso... Adiei em muitos anos o meu primeiro encontro com o São Francisco. Temia que a realidade desfizesse o rio da minha memória afetiva. Entre 2007 e 2008, no auge da discussão em torno da polêmica transposição do São Francisco, resolvi que era o momento de encontrá-lo. Iniciei a viagem pela nascente de Casca d’Anta, na Serra da Canastra, onde de pingo em pingo se faz o mar. Na sequência, Pirapora, a cidade dos bordados no sertão de Guimarães Rosa. A volta ao Chico de outros tempos, navegando com o Benjamin Guimarães, único barco a vapor movido a lenha ainda em atividade no mundo. Manga, Januária, Pandeiros... Bom Jesus da Lapa e seus romeiros, a sala de ex-votos, as quermesses. Imagens do rio da festa e da devoção. Paulo Afonso, Sobradinho e as cidades submersas. E a disputa passional de duas velhas senhoras pelo amor do velho Chico: Petrolina e Juazeiro. A primeira, na margem pernambucana, a segunda, do outro lado, na margem baiana. Piranhas, Lajedo... E o encontro do rio com o mar. Neste lugar, impossível não se lembrar da eloquente carta enviada por Américo Vespúcio ao rei de
Portugal descrevendo o momento da descoberta do rio, em 1501. Dizia que muito mais absorto do que com o volume de água vindo do continente, estava ele com o fato de que a 200 milhas oceano adentro a água era doce. Hoje o rio vive o inverso, com o mar salubrizando suas águas. O rio real, embora padecendo em muitos trechos, era, sim, o rio das minhas memórias. Em meio a tantas lendas, não me esqueço de uma história real contada por meu pai, a da pernambucana Ana das Carrancas. A menina que ainda criança fazia de barro os seus brinquedos e bonecas. Aos 7 anos começou a fazer panelas e potes para ajudar a mãe, que há muito já confeccionava utilitários de barro para vender na feira e garantir assim o sustento da família. Ana se casou muito cedo, teve duas filhas e logo ficou viúva. Em virtude das dificuldades de sobrevivência, mudou-se para Petrolina em busca de melhoria de vida. Por ser devota de São Francisco das Chagas, pediu ao santo que lhe mostrasse uma forma de sustentar as filhas. Certo dia, às margens do São Francisco, colhendo barro para fazer suas panelas, parou diante da imensidão das águas daquele rio e sentiu algo diferente ao ver as carrancas multicoloridas das barcaças aportadas na outra margem. Ainda no rio confeccionou com o barro sua primeira carranca. Levou-a pra casa e todos gostaram do novo objeto. Daí em diante, largou os potes para fazer as carrancas do barro do velho Chico. O segundo marido, seu José, era o grande parceiro na confecção das peças. O novo ofício trouxe à família uma vida mais farta. Até ali, não se tinha notícia de ninguém que tivesse feito de barro as carrancas do São Francisco. Ela dizia que todo o processo da retirada do barro no leito do rio, passando pelo cozimento, a modelagem das peças, exigia dela uma relação de amor com as águas. As carrancas de Ana eram reconhecidas como únicas. Traziam formas simples, com um detalhe inconfundível que viria a ser sua assinatura: tinham os olhos vazados. Era a forma que ela havia encontrado para que o seu José, cego, se reconhecesse nas peças que mudaram a vida deles. Conhecidas internacionalmente, as peças de Ana das Carrancas ultrapassaram a linha do artesanato para serem consideradas obras de arte. Dona Ana faleceu aos 85 anos, em 2008, nas margens do velho Chico. Esta e outras histórias me inspiraram na pesquisa da minha coleção desfilada no SPFW em 2009. Em 2010, montei a exposição itinerante Rio São Francisco, um Rio Brasileiro, que, depois de passar por Belo Horizonte e São Paulo, está em cartaz no Rio de Janeiro até fevereiro de 2012. Na sequência segue para Brasília e Recife. Foi como ouvi de um ribeirinho: “Quando se bebe a água do velho Chico, ele nunca mais sai de você”. ronaldofraga.com.br
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Foto: Marcelo Soubhia/AgFotosite / ao lado: croquis ronaldo fraga
Croquis da coleção O Rio São. Ao lado, garrafas de “cachaça” com rótulos de xilogravura que estampam o nome de cidades ao longo do rio, da nascente à foz. O conteúdo são águas de diversos trechos do São Francisco
Foto: Gianne Carvalho / acima: Marcelo Soubhia/AgFotosite
Acima, instalação com vídeo dirigido pelo ator Wagner Moura retratando a saída das últimas famílias da cidade baiana de Rodelas, submersa nos anos 1970. Abaixo, instalação Ex-votos de Bom Jesus da Lapa
ludovic carème
( L u la Q u e i r o g a )
Cabe um mundo de sons na vastidão que é a música pernambucana: maracatu, ciranda, coco, rock, eletrônico, hip-hop. Encontramos Naná Vasconcelos misturando música clássica com os batuques do sertão, Selma do Coco e Mestre Galo Preto resgatando a energia da roda de coco, DJ Dolores m i s t u r a n d o g ê n e r o s n a s p i c k - u p s , M o m b o j ó a c e l e r a n d o o s BPM s , S i b a c a n t a n d o o a n t i g o e o n o v o , Lula Queiroga lançando gêneros e Fred Zero Quatro na santa paz do manguebeat por Zeca Gutierres
SIBA_ o discreto charme pernambucano O maracatu de baque solto nasceu na Microrregião da Mata Setentrional. O ritmo é forte em Nazaré da Mata e surgiu no fim do século 19 com influência indígena e africana. Simboliza as fortes nações que mantiveram suas tradições contra o poderio dos colonizadores. Seus caboclos de lança são personagens característicos do folguedo, seres enfeitados, cheios de brilho, daí o nome africano “maracatu”. Ciranda é uma dança de conotação social, ritmada e alegre que, de infantil, como se conhece no Sudeste e no Sul, não tem nada. O frevo, manifestação mais popular de Pernambuco, teria nascido na segunda metade do século 19. Seus passos e manobras são radicais e acredita-se que o nome venha do verbo ferver, o “fervo!”. Combina maxixe, tango brasileiro, quadrilha, galope, dobrado e a polca-marcha. E o coco-de-roda, ah, o coco-de-roda a gente confere na entrevista com Selma do Coco e Mestre Galo Preto... Com exceção do frevo, todos os gêneros de Pernambuco (coloque ainda neste caldeirão o baião e o caboclinho) influenciam a carreira de Siba, ex-líder da banda Mestre Ambrósio. Com o disco Fuloresta do Samba, de 2002, recheado de cirandas e maracatus, Siba (apelido de Sérgio Veloso, 42 anos) inicou uma promissora carreira solo. Gostava de rock nos anos 1980, quando vivenciou os anos dourados do gênero em seu Estado. O músico e instrumentista nos recebeu e nos serviu um café feito por ele (e bom!) no apartamento em que vive, em Perdizes. “Todos os músicos pernambucanos que começaram a produzir nos anos 1990 beberam da fonte dos anos 1980. Começou com o Chico [Science], Fred [Zero Quatro], depois veio a leva do Cordel do Fogo Encantado e depois, a terceira fase, com o Mombojó nos anos 2000”, diz. O menino Siba, então com 7 anos (ele cresceu no Recife, mas os antepassados vêm do Agreste), ganhou da mãe um curso de flauta na escola. A paixão pela música nasceu aí e, depois de alguns anos de abandono em troca do surfe, a música o fisgou de volta. E lá fomos nós em busca de uma definição do estilo do artista. “Difícil esta pergunta porque eu lido com muitas informações. Tenho uma relação forte e visceral com a música do meu lugar, popular, de rua. Tudo que faço tem a ver com os sons de Pernambuco, em especial os da Zona da Mata
Norte”, explica – lembrando que a Zona da Mata é composta por 43 municípios, abrangendo 8,9% do território estadual. “Venho do rock e ainda gosto do estilo, e também tenho uma relação forte com a música pop africana a partir dos anos 1960 e com a poesia rimada do Nordeste. Não tenho preocupação em retratar de onde venho. Fujo de estéticas específicas. Tentaram forçar a barra do manguebeat como um estilo, mas nunca foi isso. Na verdade, ninguém entende direito o que é a música do meu Estado”, diz. Por essas e outras que é difícil explicar a origem da energia e inventividade dos artistas locais. “Não consigo responder por que faço parte disso. Difícil avaliar e não sou de levantar bandeira. O Estado é rico e manda uma mensagem confusa, codificada, para se criar rótulos.” A banda atual de Siba, Fuloresta, carrega tradição e funciona como o lado A. “Ela tem forte ligação com a cultura da Mata Norte”, explica – formada por músicos tradicionais de Nazaré da Mata, a Fuloresta fez história na cidade de 30 mil habitantes, a 65 quilômetros do Recife. Siba a criou quando fez uma imersão na cultura da cidade. “Fui passar seis meses em Nazaré da Mata para produzir um disco, há dez anos, e por lá fiquei alguns anos. Troquei tudo pelo cenário cultural de lá, a tradição de poesia.” Foram anos de “ensino superior”, e o resultado aparece também no projeto que vai deixar a agenda do músico abarrotada em 2012. “O disco Avante, meu projeto solo, tem uma pegada muito pessoal nas letras, tem essa jogada de lidar com fatos, situações e sentimentos. E meu ponto de partida é a letra porque tenho esse vínculo com a poesia rimada”, diz ele, que usa em seus shows elementos visuais como dança, cortejo, encenação e vestuário. “É como se a rua invadisse o palco.” Independente, o disco parece ser o lado B do músico. “Ele tem uma pegada mais rock, elétrica, já que reúno um quarteto com guitarra, bateria, tuba, vibrafone e, às vezes, teclado.” São 11 faixas, com letras e músicas assinadas por Siba. Ah, e algum pernambucano ficou de fora, Siba? “Temos o Roberto Corrêa, com quem criei o disco Violas de Bronze, Fernando Catatau, que produziu meu novo disco, Lirinha e a banda Devotos.” myspace.com/sibaeafuloresta
ludovic carème
mombojó_ independência ou morte Eles têm menos de 30 anos, começaram a tocar adolescentes e desde 2008 trocaram Recife por São Paulo. Felipe S (vocal), Vicente ou Vivi (bateria) e Marcelo Machado (guitarra), do Mombojó, nos receberam no sobrado que alugaram na Pompeia, onde moram e montaram um estúdio improvisado para dar vazão aos sons roqueiros que emitem, com referências que vão da Nação Zumbi e do Mundo Livre S/A ao franco-italiano Stereolab. Só faltou mesmo conversar com um integrante, Chiquinho (teclados), que não conseguiu participar da entrevista, mas que aparece nesta imagem da banda. Para começo de conversa, Mombojó quer dizer... Exatamente nada! “A gente queria um nome que não existisse”, conta Felipe. Foi por meio dos festivais de música da escola, em 2001, que eles fundaram a banda, fugindo dos ritmos locais e da percussão. “Preferimos um jeito novo, pautado pelo rock”, completa Vivi. Um show com a Nação Zumbi e a banda de hardcore recifense Devotos abriu os caminhos para outros shows, mas foi em Sampa que a coisa se profissionalizou, com a entrada da Trama na parada. Nascido em uma escola de Olinda, onde eles e mais dois integrantes estudavam (um dos “mombojanos”, o Rafa, faleceu, 70
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e o outro, que fazia par com ele nos instrumentos acústicos, Marcelo Campello, saiu em seguida, assim como o baixista Samuel), o Mombojó se adaptou bem a São Paulo, onde preferem trocar as baladas pelas partidas de futebol society e o videogame. Hoje sem gravadora, preparam um disco comemorativo de dez anos de formação, com as nove principais faixas da história da banda mais uma inédita. “A princípio vamos lançar esse material gratuitamente em nosso site, mas não descartamos um disco prensado, mas isso depende de uma gravadora que acredite em formatos mais modernos de lançamento.” Independentes e mais preocupados em manter o padrão musical e estético, os meninos do Mombojó dependem dos shows para se manter na estrada, e isso não parece ser problema. Mais jovem que o Mombojó, a Banda de Joseph Tourton é a dica do grupo como os novíssimos nomes da cena recifense. E do que mais eles sentem falta de Pernambuco? “A família a gente ainda dá um jeito, falando por telefone e tal, mas a praia não tem como, né?”, suspiram. mombojo.com.br
RENATA MEIN
GALO PRETO_ onde os mestres ainda cantam Um galo preto, que ficou sem cantar durante décadas, decidiu levantar a crista no alto de seus 76 anos e volta a ciscar no terreiro da música popular pernambucana. Tomaz Aquino Leão, o Mestre Galo Preto, ficou conhecido nos anos 1970 – frequentou os programas do Chacrinha e de Flávio Cavalcanti e fez parceria com um monte de gente famosa, até com Dercy Gonçalves. Sumiu por décadas até voltar ao batente com o retorno do coco-de-roda na cultura do Estado em que nasceu. “O Jackson do Pandeiro já cantava o coco, assim como Luiz Gonzaga. Mas agora o gênero voltou a se tornar popular e aproveito esta boa fase para mostrar minha arte”, diz o senhor muito bem-vestido, na estica, simpático e cheio de memórias para contar. Mas como o povo do Sudeste reconhece o tal coco? “Para começo de conversa, o coquista não é um homem culto. Ele aprende a cantar em rodas espalhadas pelo interior do Estado e trabalha em cima da improvisação. E o coco, propriamente dito, é uma dança, uma das tantas brincadeiras do nordestino, como a ciranda, o maracatu e o caboclinho”, ensina. Galo Preto, que não gosta do título de “mestre” (“prefiro ser aluno, porque estou sempre aprendendo”), vem de uma
família de repentistas e recebeu o apelido do irmão mais velho, quando tinha 6 anos. “Eu quis brigar com ele, que retrucou: ‘Este galo preto tá bravo demais...’.” Começou a inventar música aos 12 anos, já com o batismo consumado, e hoje, aos 76, o coquista e embolador tem shows programados no Brasil e no exterior. Um de seus últimos trabalhos foi uma letra para uma campanha do governo do Estado contra a aids. “Explicaram pra mim como se pega, combate-se e também a maneira de não contrair a doença, e criei uma música para a campanha, que virou um documentário, que diz: ‘Procure se proteger / Quem usa o preservativo não pega o HIV / A aids não pega no beijo, nem no aperto de mão / Não pega no assento do banheiro, nem no da condução...’”, canta o bamba. Natural de Bom Conselho, usa um pandeiro com um galo preto desenhado. “Quando voltei a trabalhar, nestes últimos anos, foram fazer uma pesquisa e descobriram por fotos muito antigas que o meu pandeiro tinha um galo preto desenhado”, conta o coquista, que não perdeu tempo em apresentar o filho, Telmo Anum, como sucessor de seus versos, mas com um estilo, digamos assim, mais universal.
fotos RENATA MEIN
NANÁ VASCONCELOS_ o menino dentro de nós Naná Vasconcelos recebeu sorrindo a equipe de ffwMAG! no bairro de Rosarinho, no Recife, onde divide uma casa com a mulher, Patricia Vasconcelos, e a filha, Luz Morena, de 12 anos. Ele começa a entrevista lembrando que já se apresentou em um fashion show – Naná morou 27 anos em Nova York e assimilou o vocabulário yankee. O desfile foi o da M.Officer, de Carlos Miele, para o São Paulo Fashion Week, no começo da década passada. Sinfonias & Batuques é o nome do disco novo de Naná. “Reúne muitas ideias, e tive a ideia de gravá-las para que outras ideias viessem à tona”, diz, rindo muito do jogo de palavras que adora inventar. O bom humor faz a personalidade de Naná, que aprendeu a tocar e cantar experimentando sons da vida. “Neste disco eu imaginei que há uma orquestra ensaiando num parque e aí começam a passar uns batuques, o maracatu, o bumba meu boi, o coco. Sou muito ligado na potência visual da música. Isso tem a ver com Villa-Lobos, que criava sensações visuais. Fiz uma música dentro da piscina de casa e outra com choros e gargalhadas.” Com Naná é sempre uma história diferente. “Às vezes é solo, ou orquestrado. Eu sou, 72
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de certa forma, um Brasil que o Brasil não conhece.” Em 2010 ele reuniu 30 crianças de Portugal e 30 de Angola e trouxe ao Brasil. Adicionou crianças brasileiras e chamou a Orquestra Sinfônica de Brasília para montar um concerto pelo aniversário da capital federal. “Chamei esse projeto de Língua Mãe e ele virou um DVD. Três sotaques portugueses cantando músicas folclóricas brasileiras”, diz o autodidata. Lembrando que a ligação com os pequenos vem da França dos anos 1970, quando o artista fez um longo trabalho com crianças com problemas psiquiátricos. Desenvolveu para elas, e com elas, as técnicas de uso do corpo para tocar música. “Sempre digo que o primeiro instrumento do corpo é a voz. O segundo é o corpo.” Naná já virou até tese de um estudante norte-americano e, por intermédio dele, descobriu que seu trabalho é reconhecido no mundo todo. Genial, espontâneo, ingênuo e, segundo a conterrânea Selma do Coco, “um safado!” (no bom sentido), Naná Vasconcelos representa a real pluralidade da música pernambucana. nanavasconcelos.com.br
DJ DOLORES_ o movimento do movimento Quando tinha 18 anos (hoje ele tem 45, mas parece ter sido congelado no tempo), Helder Aragão comprou uma passagem só de ida para o Recife. Sem dinheiro no bolso, mas com um desejo de mudança que só quem nasceu no interior conhece, trocou a família e a pequena cidade em Sergipe pela metrópole. “Eu nem sabia direito o que era Recife, mas fui”, conta ele, que em meados dos anos 1980 se aventurou pelos sebos atrás de raridades da música, conheceu os meninos certos na hora certa e assim começou a se apresentar como disc jockey. Nascia o DJ Dolores, nome que, segundo Helder, existe mesmo para confundir. “Tem mesmo uma sacanagem nesse nome. Dolores é um nome feminino”, diz o artista, rindo da confusão que criou. Ah, e os tais meninos da geração de Dolores são ninguém menos que Chico Science e Fred Zero Quatro, que, como todos do chamado manguebeat, começaram se apresentando como DJ. “A gente tocava de tudo, de rock a eletrônico. Não era uma cena segmentada como agora.” A então isolada Recife da era pré-internet só ajudou no caldo musical de Helder, que apostava numa mistura de pop, rock, eletrônico e hip-hop. “Foi dessa relação com as músicas
que as pessoas começaram a montar bandas”, diz o artista que, ao contrário dos amigos, não toca instrumento, mas produz todo tipo de música no computador, do frevo ao rock, do pop ao eletrônico. Dolores já foi nome de uma banda de Helder nos anos 1990, mas foi como DJ que ele desbravou o mundo em shows, casas noturnas e festivais importantes. “Istambul em 2004 e Moscou em 2006 são experiências para serem guardadas”, lembra. Depois de bons discos lançados, “e com essa crise fonográfica”, reclama, ele prefere apostar as fichas em apresentações, produções independentes e trilhas sonoras. O futuro da música para ele parece estar entre a guitarra pesada e a música eletrônica, “misturei os dois gêneros num projeto novo que desenvolvi”, mas ele também pode recorrer aos trabalhos gráficos que faz, como capas de CD e clipes – a capa do clássico Da Lama ao Caos, da Nação Zumbi, e clipes do Mundo Livre S/A estão no portfólio dele. Antenado e agora caseiro, Dolores é uma raridade no Recife das tradições, assim como os discos que garimpou nos sebos. myspace.com/dj.dolores
fotos RENATA MEIN
LULA QUEIROGA_ assim se faz um novo mundo “São teorias, mas dá para tentar explicar a força da música pernambucana pelo sentido conservador do Estado. Ele é uma reserva, em que as coisas não se renderam rapidamente. Aqui aconteceu a primeira capitania hereditária, com 52 famílias casando entre si, e deu neste preservacionismo todo. Nossas manifestações culturais começaram no século 16 e foram mantidas intactas. A música só está sendo descoberta agora pelo Brasil e a conta-gotas.” Aspas de Lula Queiroga, músico da geração de Lenine que faz grande sucesso no circuito alternativo e que responde pela bela função de agitador cultural por meio da produtora que criou, a Luni, incubadora de novos talentos do Recife. Todo Dia É o Fim do Mundo é o nome do novo disco do cantor e compositor, que escreve todas as músicas que canta. “O conceito vem do apocalipse cotidiano, tem a ver com o dia a dia das pessoas que vivem este fim de mundo diário.” Homem de muitas histórias transformadas em poéticas letras, Lula começou na profissão em 1984. Filho de pai que trabalhou com música e televisão, viu-se impregnar de música desde muito cedo. Explicar o estilo musical de Queiroga é o que não dá, porque ele nunca optou por isso. 74
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“Nos últimos tempos aqui no Recife se formaram grupos que fizeram músicas com um mesmo jeitão. Minha geração vem antes disso e, por isso, acho tudo meio parecido. Toco a canção popular incorporada aos ritmos modernos”, explica o artista. Também sobre a música pernambucana, ele assegura que os jovens estão atirando para todos os lados, do hip-hop ao punk, e isso é muito importante para a música avançar. A força vital de Queiroga vem do texto, no qual, diz ele, “vou criando casulos sonoros”. Fez shows memoráveis em Milão, na Suíça, na Áustria e em Zurique. “Os pernambucanos bebem mais da fonte europeia e por isso somos bem recebidos por lá. Em um show do Festival de Montreux, por exemplo, choveu muito e quando entramos no palco não havia ninguém na plateia. Depois de um tempinho havia umas 10 mil pessoas nos assistindo.” Bom, e já que ele ajuda a lançar novos nomes no mercado, pedimos ajuda de Lula para eleger os novíssimos nomes de Pernambuco. “Ah, tem o grupo Mamelungos, Vitor Araújo e Tibério Azul.” lulaqueiroga.com.br
SELMA DO CoCO_ o fruto nada proibido Vem do coco a água mais milagrosa do planeta e em torno dele está a economia de muito nordestino. O fruto rende receitas maravilhosas, sua matéria-prima já é usada para diferentes fins (da medicina ao design) e de sua árvore brotam sombras divinas em terras tão ardidas como as de Pernambuco. Mas coco também dá nome a uma das tantas vertentes da música local. Selma do Coco é uma das expoentes mais conhecidas desse estilo, um dos tantos patrimônios imateriais brasileiros e que nasceu no Nordeste das zonas canavieiras e praieiras, cruzamento de dança e música africana com indígena. O coco reúne percussão, pandeiro, cuíca e ganzá e depende da poesia de improviso. Fomos conhecer a casa de Selma no bairro do Varadouro, muito perto das ruas mais históricas e badaladas de Olinda, mas esquecido pelas autoridades públicas. Foi fácil encontrá-la: todo mundo conhece a senhora elegante, neta de escravos, com seus 82 anos. Fomos recebidos por ela, netas e bisnetas. Selma conta que partiu aos 10 anos com a família para o Recife, vinda da Região da Mata e que, depois de um marido e 14 filhos, trocou o tabuleiro de tapioca pela música. Obra também dos divi-
nos e maravilhosos integrantes do manguebeat, que a colocaram no circuito musical brasileiro nos anos 1990 – quem (pelo menos por lá) não se lembra do hit da cantora no Carnaval de 1997, A Rolinha, que diz, com toda a malícia enrustida na ingenuidade: “Oi, corre, corre, corre. Pega, pega minha rola, avoa, avoa, avoa. Pega, pega minha rola”? A cantora nos esperava com uma medalha na mão, que recebeu de Luiz Inácio Lula da Silva pelo conjunto da obra – lembrando que nosso ex-presidente é um pernambucano nascido em Caetés, no Agreste. Escorpiana, Selma conduz a família e ensina netos de DNA, e outros de acolhimento, a arte da música. Aprendeu a cantar com os pais e avós. “Tive muita sorte. Com minha profissão viajei o Brasil e fiz turnês pela Alemanha, pelos Estados Unidos e pela França”, conta a matriarca. São Paulo é parada obrigatória. “Quando toco no Sesc Pompeia é sempre casa cheia.” Da amizade com Chico Science lembra a camaradagem do homem que ajudou a reinventar o Recife musical. Ouça o primeiro disco dela, Minha História, de 1998, que lhe rendeu um Prêmio Sharp. “Penso em me aposentar, mas sempre aparece um convite” diz, agradecida.
Rodrigo Valença
Fred Zero Quatro_ ao mestre com carinho Fazia tarde de calor intenso e trânsito caótico, mas com brisa providencial, quando encontramos Fred Zero Quatro, líder musical e espiritual do Mundo Livre S/A. O músico carrega com punhos de aço a banda que surgiu no começo dos anos 1990 com a explosão do manifesto manguebeat. Amém ao “velho” Fred (é assim que os meninos se chamam por lá) porque, depois dele e de Chico Science, da Nação Zumbi, alguns dos sons pernambucanos, como o maracatu, reinventaram-se em sonoridades roqueiras e pós-modernas, como nunca haviam sido experimentadas no Brasil. E nossa visita coincidiu com o lançamento do disco novo da banda, Novas Lendas da Etnia Toshi Babaa, com nove letras escritas por Fred e uma com participação do novo baixista da banda, Júnior Areia, para quem Fred só tem elogios: “A gente vem gravando esse disco desde 2008, mas ele é consequência e um aprimoramento de uma fase que teve seu embrião com um EP lançado por nós em 2005, Bêbado Groove Volume 1 (Garage Samba Transmachine), com sete faixas e que marcou a parceria com o Areia, que é um instrumentista de formação acadêmica, um ótimo produtor e que passeia pelo jazz 76
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e pela música instrumental”, diz. Então isso quer dizer que o som do Mundo Livre vem diferente? “Pelo contrário. Areia trouxe sua experiência para o nosso som”, explica Fred. Se por um lado demorou mais tempo para ser lançado, por outro esse sexto trabalho de estúdio (o primeiro foi Samba Esquema Noise, de 1994) traz maturidade musical. “Foi como um processo de destilação de sonoridades mesmo.” Fred conta ainda que tentou trocar Recife por São Paulo, “porque no início da carreira era lá que tudo funcionava: as grandes revistas, o público das universidades do interior e a proximidade com o Rio e Minas Gerais. Eu e minha mulher moramos pouco mais de um ano em São Paulo e não nos adaptamos. Um dos traumas foi passar um dia inteiro voltando de uma viagem de duas horas para o Litoral Norte”, reclama ele, que hoje vive e trabalha no Recife. Fred compõe baladas com seu inseparável violão e mantém viva a ideologia do manguebeat, que mistura os sons regionais de Pernambuco com o rock, o hip-hop, o funk e até a música eletrônica. mundolivresa.com/site
Jamais ninguém vê Edifício sem altura Firmamento sem estrela E oceano sem fundura E vê uma geração Sem ter outra futura
( J o s é Se v e r i n o C r i s t ó v ã o )
Vamos olhar para o futuro por intermédio do profissional de tecnologia Silvio Meira, que trabalha como uma máquina no Porto Digital do Recife, mas que tem sonhos como qualquer ser humano de boa-fé: mudar este maravilhoso mundo para melhor por Zeca Gutierres / foto Renata Mein
Não há como negar: temos muita admiração pelo amanhã. Nele depositamos promessas e sonhos, empurrando com a barriga mudanças que no presente parecem tão distantes e, por vezes... Inatingíveis.. Viajar para o futuro só mesmo nos sonhos, na licença poética dos livros e filmes de ficção, nas inovações dos cientistas e, claro, na tecnologia. Esta, talvez, a melhor maneira de investigar um “estado” que nunca há de existir. A edição Pernambuco nos coloca frente a frente com um homem que pensa diariamente no futuro. Projeta ideias e comanda equipes que querem mudar o mundo. É ele Silvio Meira, professor titular do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco, a UFPE, cientista-chefe do C.E.S.A.R – instituto de inovação recifense que cria produtos, processos, serviços e empresas usando tecnologia da informação e comunicação – e presidente do Porto Digital do Recife, sinônimo de inovação no país. Meira, que se diz também “batuqueiro de maracatu” (porque o presente e o futuro de Pernambuco são vistos pelo retrovisor da história da música) nos recebeu para uma visita rápida à UFPE e nos contou que, com tantas ocupações e solicitações de alunos e corpo docente, sofre mesmo é de falta de tempo. Tanto é que o pesquisador prefere trabalhar de casa porque, além de ter um computador com poder de bala maior que a união de todos os da universidade em que trabalha, é por lá que ele fica em paz para matutar soluções. Um dos 50 campeões de inovação no Brasil só teve tempo para a foto desta matéria, enquanto a entrevista ele fez por e-mail mesmo, na santa paz do computador. A seguir, trechos da entrevista em que ele fala do futuro real e também do futuro que ainda é sonho.
No espelho do futuro “O mercado de tecnologias de informação e comunicação brasileiro é muito grande, de mais de US$ 150 bilhões, em números de 2010. Aí incluídos os investimentos internos e o mercado de telecomunicações. Olhando só para o mercado das empresas de software, hardware e serviços, são US$ 37 bilhões. Ao mesmo tempo ainda é um mercado secundário, no sentido de que muito do que acontece aqui rola muito depois (e normalmente em escala bem menor e de pior qualidade) do que nos países mais bem conectados, isso tudo apesar de sermos o 11º no mercado mundial. Isso ocorre, em parte, em razão da nossa vastidão territorial, da concentração de população e renda em certas regiões. Mas, ao mesmo tempo que é um problema, a situação cria um grande número de oportunidades de inovação, porque há inúmeros produtos e serviços que poderiam ser criados justamente em função desse contexto e replicados em cenários similares, como no resto da América Latina, no sudeste da Ásia, em regiões da África etc.”
Brasil, o país do presente “O Brasil já é um país no futuro, só que o tal futuro não está distribuído de forma homogênea. Para fazer muito mais, inclusive grandes negócios de software de classe mundial, temos que aumentar a densidade e melhorar a qualidade da nossa rede de valor no país. Mais sistemas locais de inovação como o Porto Digital ajudariam muito; e estes são projetos de longo prazo. O horizonte de sustentabilidade do Porto Digital é acima de 20 anos, ou, em medida de tempo político, quatro mandatos. Precisamos começar a agir de forma bem mais estruturada, pensando em país e não em partidos. Sob outra ótica, precisamos educar mais gente com melhor qualidade na formação, ao mesmo tempo que precisamos aumentar a atratividade para o capital empreendedor e investidor se dispor a arriscar seus recursos em negócios inovadores de crescimento empreendedor.”
Um porto de oportunidades “O Porto Digital tem quase 200 empresas explorando as oportunidades de evolução de negócios no mercado nacional, muitas delas visando, ao mesmo tempo, oportunidades globais, principalmente em software e serviços. Como o Brasil é 50% do mercado latino-americano, e as oportunidades e o crescimento aqui obedecem a taxas ‘chinesas’ (no caso de software e serviços, quase 25% em 2010), dar conta do mercado interno já é um problema, com imensas oportunidades. Isso fez com que o Porto Digital saísse de quatro empresas e 50 colaboradores em 2000 para quase 200 empresas com cerca de 7 mil trabalhadores. E um faturamento estimado de quase R$ 1 bilhão em 2011. Estamos indo bem, mas falta muito a ser feito no que tange às possibilidades de internacionalização do sistema local de inovação que existe no Porto Digital e ao redor dele.”
Uma nova forma de integração “Muitos já disseram que é sempre mais fácil fazer o futuro do que prever o futuro. Olhando para o que está sendo feito hoje, não é preciso pensar muito para dizer que as tecnologias que permitem um aumento (no sentido de extensão) e melhoria (da qualidade) das capacidades inatas que o ser humano tem para se conectar estão possibilitando novos arranjos, em que a noção clássica de broadcast (as redes de comunicação como TV, do centro para as bordas, de um para o todo) começa a ser desafiada por redes do tipo socialcast (de todos para, potencialmente, todos), em que os fluxos interpessoais têm uma importância muito significativa e tendem a desafiar, em relevância, a mídia antiga. E isso vai redesenhar a forma como vamos interagir. E há as ‘coisas’, os objetos: a internet vai conectar muito mais coisas do que pessoas, o que vai possibilitar uma infinidade de novos serviços e relacionamen-
“...A internet vai conectar muito mais coisas do que pessoas, o que vai possibilitar uma infinidade de novos serviços e relacionamentos, e isso só está começando. Mas vai ter um impacto monumental nos próximos 15 anos, da rua ao carro, da roupa à máquina de lavá-la...”
tos com eles, e isso só está começando. Mas vai ter um impacto monumental nos próximos 15 anos, da rua ao carro, da roupa à máquina de lavá-la. E aos meus óculos, talvez...”
Revoluções por minuto “Acho que estamos vivendo uma longa convergência de revoluções, e há muito tempo. Desde a invenção da escrita, o registro sistemático do conhecimento começou a tornar possível o compartilhamento de conhecimento e a evolução de nosso entendimento e intervenção no mundo a partir do que já tinha sido feito e dado certo ou errado. Como o aquecimento global parece demonstrar, nem sempre aprendemos com o erro dos outros ou usamos todo o conhecimento que temos armazenado. Até porque conhecimento é fluxo e não repositório, estático, de informação. A convergência atual parece ser a dos sistemas baseados em informação e seu processamento: biologia é isso, assim como genética, que é parte dela, e cognição, os processos de aprendizado nos seres vivos e nas máquinas. Eu acho que vamos viver, em breve, uma redefinição do que é ‘inteligência’, a partir do momento em que conseguirmos projetar e programar sistemas que ‘dirigem’ veículos de forma autônoma, nas ruas e estradas reais, e entendermos que não é necessária nenhuma ‘inteligência’, pelo menos da forma humana em que estamos acostumados a pensar, para fazer isso. Essa convergência, ‘infobiocognitiva’, proporcionada pelo nosso entendimento de nanotecnologia e das possibilidades criadas por ela, será provavelmente de onde virão as próximas grandes novidades.”
2100: uma odisseia no espaço virtual “Se pensarmos nas ondas de inovação que poderemos viver até 2100, acho que dá tempo pra rolar umas três ou quatro grandes ondas. Sustentabilidade já está por aqui, até porque precisamos equilibrar a disponibilidade (de tudo) com o consumo (de tudo) no planeta. Não adianta ‘diminuir o desmatamento’ como anuncia o governo (qualquer governo). Temos que reverter o desmatamento, sob pena de perdermos de forma irreversível parte da diversidade que pode ser essencial para a nossa própria sobrevivência. Parece claro que viveremos uma onda de inovação relacionada à vida, às coisas vivas e como as entendemos (e as modificamos). Essa onda também já está aqui, e a manipulação genética é parte dela. Há uma onda de inovação em energia, em todas as suas formas sustentáveis (efeito da onda de inovação em sustentabilidade), começando a acontecer agora. Mais rede, mais gente em rede, mais e melhor conectada, usando de forma mais eficaz, eficiente e assim equilibrada a energia que geramos e captamos. Muito mais informação circulando, todas as pessoas conectadas a elas próprias e quase todas as coisas conectadas a quase tudo que valha a pena. Muitas dessas ‘coisas’ serão robôs. Muito ‘poderosos’, usando um termo de hoje. Muitos deles tornarão muitas profissões obsoletas (como motorista, por exemplo, ou atendente de contact center). Um mundo mais feliz? Não sei. Mais gente à procura de significado (‘por que tenho que fazer isso?’) em vez de processo (‘o que tenho que fazer?’)? Certamente! E talvez com muito mais tempo livre pra fazer justamente isso.”
A arte vai mudar o futuro? “Na arte há a liberdade de criar sistemas, processos, produtos, mundos inteiros para os quais não é preciso dar sustentação. Ao imaginar mundos, ao tratar suas possibilidades de forma lúdica, a arte cria também o espaço no qual a tecnologia pode ‘brincar’ de futuros possíveis. Olhe para games como World of Warcraft: por um lado, poderia ser só uma história, como as que Tolkien escreveu, mas escritos em software (um novo gênero literário, poesia concreta executável...?) se tornam interativos, levam pessoas a ter representações por lá (seus avatares), criar comunidades, construir histórias comunitárias, investir (tempo e dinheiro) em suas carreiras virtuais... Em suma, viver uma segunda vida. Mais de uma, na verdade. Pensando em software nas empresas, talvez o trabalho se tornasse mais interessante e divertido se pudéssemos ajudar a escrever a história dos nossos negócios como se fosse um jogo, não? A vida (e os negócios) imita a arte, e a arte, ao contemplar a vida, a ‘(red)escreve’.” 80
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Eu, tu, eles, nós, robô! “Não acho que viveremos em um mundo governado por máquinas, pelo menos nos próximos séculos. Ao mesmo tempo, um grande número de funções humanas que exigem apenas trabalho repetitivo, eventualmente combinado com força física (carregador, estivador), só será realizado por humanos se assim quisermos. Mesmo para ações hoje consideradas muito sofisticadas para humanos, que requerem muito conhecimento e alta precisão física (pense em neurocirurgia), eu acho que haverá regras proibindo ação humana direta, não mediada por robôs, para garantir a segurança e performance do processo. E isso é muito natural, da mesma forma que é inimaginável, hoje, extrair um dente sem anestesia... O que era normal há cem anos.” bit.ly/MEIRA
O artista
Jonathas de Andrade se passou por funcionário de um censo municipal para criar uma obra repleta de perguntas e respostas por Bruno Moreschi
Em 2008, o jovem artista Jonathas de Andrade encontrou um livro publicado na década de 1980 e que se intitulava um caderno de bons costumes. Chamava a atenção em suas páginas uma série de perguntas pouco usuais. Questões como: Encontram-se um homem e uma senhora. A quem compete a iniciativa do cumprimento? Comente sobre “cuspir no chão”. O que se deve observar quanto ao aperto de mão? Pode-se deixar o recinto enquanto alguém faz uma palestra? Quando viu as perguntas, Andrade não teve dúvidas. Aquilo deveria virar uma obra de arte. Ciente de que precisava fazer algo com o questionário, decidiu sair pelas ruas do Recife. Escolheu as casas tentando englobar do mais rico ao mais pobre. Tocou a campainha e se dizia ser um funcionário da prefeitura contratado para fazer uma espécie de recenseamento municipal. Que ninguém ouse afirmar que Andrade estava mentindo. De fato, ele foi selecionado por uma instituição cultural da cidade para fazer a obra. Portanto, não deixava de ser verdade que ele era um 82
“contratado” do poder público. Ao todo, Andrade conseguiu 20 pessoas para completar as questões. O formulário não era algo simples de ser respondido: tinha seis páginas do tamanho de uma folha de sulfite e, como já vimos acima, as perguntas eram, no mínimo, pouco usuais. “Demorava cerca de uma hora e meia para eles responderem”, conta o artista. “Havia dois grupos. Aqueles que achavam tudo aquilo absolutamente normal. E os outros, que ficavam revoltados ao achar que a prefeitura estava gastando dinheiro com aquilo.” O resultado final se transformou na obra Recenseamento Moral da Cidade do Recife, uma instalação com o mapa da cidade, 20 formulários respondidos e fotografias das casas dos entrevistados. Impossível não gastar vários minutos vendo todos os detalhes da obra. Ao responder a questão “Cite dois inconvenientes de andar pelas ruas lendo”, um dos moradores escreveu: “Não sei responder porque nunca li andando na rua. Isso é coisa para doido!”. Outras perguntas e respostas estão nas páginas seguintes.
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Feira do Troca por Derlon Almeida
F Fazer o Rapa 1. No jogo de bola de gude é quando alguém grita: – É o rapa! E pega todas as bolas do triângulo, o que sempre dá confusão. 2. Roubar. Rapar é sinônimo informal de roubar. Feira do Troca (ê-ó) Feira em que se vendem mercadorias usadas, muitas vezes até roubadas, a preço módico. Muitas vezes a compra se dá através da troca de mercadorias, escambo. São comuns em várias cidades. Sinônimos: feira do troca-troca ou troca-troca, feira do rolo. Ferida Braba 1. Pessoa egoísta. 2. Ferimento de difícil cicatrização. 3. Pessoa que come em demasia.
G Galalau Pessoa muito alta e, comumente, magra. Antônio Geraldo da Cunha aponta a origem: “do antropônimo francês Ganelon, personagem da Chanson de Roland, cuja versão portuguesa se popularizou no Brasil. Ganelon teria se transformado em Galalão que, por desnasalização, passou a galalau”. O termo recebe registro em língua portuguesa em 1890. Grude 1. Cola artesanal que se faz misturando água, goma de mandioca e soda cáustica. Outrora, se misturava apenas goma de mandioca e água. Muito boa para colar o papel de seda do papagaio (pipa). 2. Pessoa que não sai de perto da outra, que fica colado, no pé. Esse vizinho é um grude danado! A gente quer conversar e ele não desgruda. Encarne, grudento, chucrute. 3. Bolo feito a partir da goma ou da massa da mandioca que é vendido enrolado em uma folha de bananeira. 4. Sujeira do corpo. Vá tomar banho pra tirar esse grude desgraçado! Ceroto. 5. Iguaria feita à base de goma de mandioca, coco e açúcar. 6. Denominação dada aos casais de namorado, normalmente adolescente, que ficam agarrados o tempo todo. 7. Denominação para o bolo barra branca ou barra branca.
I Infeliz das Costa Oca (ê-ô) Expressão para designar uma pessoa mau-caráter. Aquilo é um infeliz das costa oca! A expressão, provavelmente, faz referência à tuberculose. Sinônimos populares: traste, triste, peste ou , simplesmente, infeliz. Inferninho (é) Prostíbulo, puteiro.
M Meter a Mão no Pé do Ouvido Bater, espancar, esbofetear. Metido a Galo Cego (ê-é) Aquele que se sente muito valente. Sinônimos: metido a cavalo do cão, metido a brabo, metido a acochado, galo cego. Meu Irmão... expr. Expressão de corrente uso entre adultos jovens e adolescentes do Recife, podendo ser usada com dois significados: interjeição, quando acompanhada de exclamação: Meu irmão, o cara levou uma queda na avenida e a bicicleta passou por cima dele!; ou: Meu irmão...! Que viagem foi aquela?. Como vocativo: Meu irmão, o cara vinha correndo e o carro quase que o atropela; como sintomas de atitudes e por isso espontânea: Meu irmão, o caro virou agora mesmo ali na esquina; ou emocional, em que há transtorno afetivo ou um forte abalo sentimental: Faça isso não, meu irmão... bata na velhinha não.... Muxoxo (ch-ô) Pessoa que, estando insatisfeita, fecha a boca e fica emitindo um som brando, um ruído, enquanto entroncha os lábios. 2. Enfado. Bixoxo. Muxoxo, do “quimbundo muxoxo, som de escárnio; de ku-xoxa escarnecer”, escreve Nei Lopes.
O O Cão Chupando Manga 1. Pessoa muito competente. Lula Côrtes é o cão chupando manga! 2. Menino muito danado. 3. Pessoa muito esperta. No tocante ao sentido da expressão vastamente corrente nas bocas dos pernambucanos, Raul Lody ressalta que o “imaginário nasce de uma leitura entre cão, o diabo e a manga, fruta que exige técnica para ser consumida. Contudo, a imagem-metáfora é a do animal tentando comer/chupar uma fruta tão complexa, a manga. Fica por tanto a cena de um cão chupando manga, ritual que implica um animal se relacionando com a fruta lambuzada, que mela de amarelo, que faz mais o corpo comer do que a boca. Que cena!” Vasta sinonímia: O Cão Chupando Manga de Cabeça pra Baixo, O Cão Comendo Lêndea, O Cão Chupando Manga Debaixo de um Abacateiro, O Cão Chupando Manga em Cima de um Telhado numa Sexta-feira 13 dum Ano Bissexto, O Cão Comendo Piolho e Palitando os Dentes com o Rabo. 4. Expressão de intensidade.
A RAINHA
Boneca pós-moderna no território dos Caboclos de Lança do Maracatu Cambinda Brasileira em Nazaré da Mata, no norte de Pernambuco. Embalados pelo cortejo do maracatu, tachas, onças e couros rendem homenagem às nobres raízes do sertão f o t o s G u i Pa g anini e d i ç ã o d e m o d a Pa u l o Mar t in e z
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Vestido FH por Fause Haten, jaqueta Tufi Duek, lenço FKawallys, anéis Maria Dolores
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Maxicolete Letage, bermuda Coca-Cola Clothing, pulseiras Duza e Diferenza, meia acervo ffwMAG!, bota Dr. Martens para Pretorian 92
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Camisa Maria Bonita, top FKawallys, calรงa Patricia Motta, gravata B.Luxo, cinto Vania Nielsen para Conceito Showroom, pulseiras Fabrizio Giannone, Cris Barros e Diferenza ffwmag! nยบ 29 2012
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Top Walério Araújo, calça Espaço Fashion, bracelete Lázara Design, meia acervo ffwMAG!, bota Dr. Martens para Pretorian
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Jaqueta FKawallys, camisa Vitor Zerbinato, calça Lilly Sarti, anéis Maria Dolores, bota Dr. Martens para Pretorian
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Blusa ร gatha, calรงa Triton, cinto Minha Avรณ Tinha, bracelete Lรกzara Design, meia acervo ffwMAG!, bota Dr. Martens para Pretorian 100
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Vestido Blue por Kátia Ignácio para Conceito Showroom, colete FKawallys, cinto Bo.Bô, bracelete Jadson Raniere 102
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Espaรงo Fashion Brinco Lรกzara Design, colar Francesca Romana Diana, pulseiras Otรกvio Giora, microfone acervo pessoal 104
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Palet贸 Alexandre Herchcovitch, bermuda FKawallys, cinto Bo.B么, Ronaldo chap茅u Plas,Fraga broche LOOL ffwmag! n潞 29 2012
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Casaco P Ateliê, camiseta, colar e anel Cavalera, saia Laundry, bolsa Zeferino, cinto Minha Avó Tinha, colar Caveira na bolsa B.Luxo, meia acervo ffwMAG!, bota Dr. Martens para Pretorian 106
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Top Osklen, bermuda À La Garçonne, lenço FKawallys, cinto Minha Avó Tinha, bolsa Skinbiquini, pulseiras Camila Klein e Vania Nielsen Beleza: Cecília Macedo (Capa Mgt) Produção de moda: Larissa Lucchese, Juliana Cosentino, Gabriel Sorribas Assistentes de fotografia: Jhonatan Chicaroni e Gustavo Ipolito Agradecimentos: Maracatu Cambinda Brasileira - Nazaré da Mata / PE. Presidente Seu Zé e os caboclos Everson José de Oliveira, Lezildo José dos Santos, Laio Ruan dos Santos, Severino dos Santos Tratamento de imagem: Alex Wink (Studio AW)
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Teatro de Santa Isabel Casaco Surface to Air, camisa Levi’s para Surface to Air, calça Ellus, cinto À La Garçonne, gravata-borboleta Camargo Alfaiataria, sapato Alexandre Herchcovitch, pele de píton Zeferino 110
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Dê passagem a ele, missionário da arte, da boa-fé e do bom fetiche. Entre terras, ocres, vermelhos e marrons, o estandarte carrega a mensagem do poeta do novo mundo fotos Fabio Sarraff edição de moda Paulo Martinez
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Poço da Panela Paletó e bermuda João Pimenta, camiseta Osklen, lenço À La Garçonne, cinto acervo ffwMAG!, sapato Alexandre Herchcovitch, meia Lupo, pele de píton Zeferino
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Bermuda Jadson Raniere, sunga Butch, meia Lupo, sapato Alexandre Herchcovitch
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Teatro de Santa Isabel Camisa e bermuda Reserva, lenço À La Garçonne, cinto Cavalera, pele de píton Zeferino
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Camisa Amapô, blusa Jadson Raniere, calça Coca-Cola Clothing, sapato Alexandre Herchcovitch, máscara acervo ffwMAG! ffwmag! nº 29 2012
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IGREJA E PÁTIO SÃO PEDRO DOS CLÉRIGOS Paletó Siberian, camisa Zegna, bermuda Amapô, gravata Stone Bonker, broche Diferenza, malas Mercado São José ffwmag! nº 29 2012
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Poço da Panela Camisa João Pimenta, tricô Reserva, bermuda Amapô, cinto À La Garçonne, gravata-borboleta Camargo Alfaiataria 118
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Poço da Panela Camisa Laundry Boys, colete Jadson Raniere, gravata Stone Bonker, chapéu Plas, pente de pena Alex Palma
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recife Antigo – SecretAriA de ciênciA Colete e calça Osklen, pele de píton Zeferino
André LimA Microfone Objetos de Cena Antiguidades 120
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Poço da Panela Calça Gant, pele de píton Zeferino, máscara acervo ffwMAG!
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Mercado São JoSé Camisa e calça Alexandre Herchcovitch, cinto À La Garçonne ffwmag! nº 29 2012
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poço da panEla Camisa Camargo Alfaiataria, calça Alexandre Herchcovitch, lenço À La Garçonne, suspensório e máscara acervo ffwMAG! 124
Espaço Fashion Brinco Lázara Design, colar Francesca Romana Diana, pulseiras Otávio Giora, microfone acervo pessoal
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InstItuto RIcaRdo BRennand Terno Ricardo Almeida, camisa Camargo Alfaiataria, chapéus nos ombros Walério Araújo, sapato Alexandre Herchcovitch
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IGREJA E PÁTIO SÃO PEDRO DOS CLÉRIGOS Vestido Jadson Raniere, camisa Penguin, calça João Pimenta, gravata Ellus, sapato Alexandre Herchcovitch
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Palet贸 Stone Bonker, meia Lupo, sapato Alexandre Herchcovitch
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InstItuto RIcaRdo BRennand Regatas Cantão, calça João Pimenta, pele de píton Zeferino 128
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Beleza: Teo Miranda Produção de moda: Larissa Lucchese, Juliana Cosentino, Gabriel Sorribas Assistente de fotografia: Juliano Bonamigo Assistente de beleza: Priscilla Luna Tratamento de imagem: Alex Wink (Studio AW) Agradecimentos: Prefeitura do Recife / PE, Teatro de Santa Isabel e Instituto Ricardo Brennand ffwmag! nº 29 2012
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GIGANTE ROMANCE
A CONvITE dA ffwMAG!, AlGuNs dE NOssOs EsTIlIsTAs TêM A “GRANdIOsA” TAREfA dE vEsTIR Os bONECOs pROTAGONIsTAs. pOR lAdEIRAs, bECOs E uMbRAIs, Os dOIs ApAIxONAdOs pAssEIAM pOR OlINdA dAs TRAdIçõEs E, ClARO, dOs pECAdOs dElICIOsOs fOTOs ROGERIO CAvAlCANTI EdIçãO dE MOdA pAulO MARTINEz
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Blusa e saia Totem, faixa no cabelo tecidos Kalimo ffwmag! nยบ 29 2012
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Camisa Walério Araújo, chapéu acervo Sílvio Botelho, faixa no chapéu tecidos Kalimo
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Blusa, saia e flor usada na cabeça Walério Araújo ffwmag! nº 29 2012
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Vestido e jaqueta Cavalera ffwmag! nยบ 29 2012
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Caftan Neon, faixa no cabelo tecidos Kalimo, pulseira Elisa Stecca com tecidos Kalimo
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Camisa e calça Amapô 138
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Vestido Amap么
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Camisa Joรฃo Pimenta, faixa e top tecidos Kalimo, colar e pulseiras Elisa Stecca com tecidos Kalimo
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Terno e camisa João Pimenta, cartola acervo Sílvio Botelho
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Vestido Ronaldo Fraga ffwmag! nยบ 29 2012
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Assistentes de moda: Larissa Lucchese, Juliana Cosentino, Gabriel Sorribas Assistentes de fotografia: Jorge Escudeiro e Ícaro N. Silva Bonecos de Olinda: Sílvio Botelho Criações Manipuladores dos bonecos: Bruno Gustavo de Paula Gomes, Miguel Araújo de Lucena Lima, Hugo Melo de Araújo, Tulio Cesar Botelho de Almeida Tratamento de imagem: Fujocka Photodesign Agradecimentos: Prefeitura de Olinda / PE
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Rรกdio Patroa por Derlon Almeida
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P Pantim 1. Pessoa cheia de frescura, de melindres, não-me-toques. 2. Pessoa cheia de artimanhas e trejeitos, embromação. Fita. Comuns são as expressões fazer pantim e cheio de pantim. Pirraia 1. Menino, criança. 2. Pessoa pequena. Nas duas acepções, é encurtamento de pirralha, pirralho. 3. A namorada. Essa é minha pirraia. 4. Na linguagem do hip-hop meu pirraia é o que vale a companheiro, parceiro. A utilização de pirraia, mormente, é carregado de preconceito contra a criança. Sobre o termo pirralho, Pereira da Costa informa que “{o Dicionário do} Moraes não registra o termo, o que denota que ainda não era vulgar entre nós no seu tempo, apparecendo posteriormente portanto, e generalisado, escreve João Ribeiro, quanto a sua etymologia, que vem de Pyrrho (pyrronico, teimoso), e que, como a teimosia é frequente nas crianças, pirralho tomou o sentido de pequeno ou de criança”. Antônio Houaiss afirma ser a etimologia de origem obscura. Porradinha (ô) Bebida feita com cachaça e refrigerante de limão, limonada. Mistura-se a cachaça com o refrigerante de limão num copo, balança-se bastante até espumar e depois se bate no joelho, tira-se a mão e bebe antes de a espuma baixar.
R Rabo de Galo 1. Facão de grandes proporções. Alusão ao tamanho das penas do rabo do galo. 2. Mistura de mel, canela e cachaça. 3. Mistura de vinho e cachaça. 4. Lapada de cachaça que recebe um pouco de vinho. Para adicionar o vinho, pede-se que ‘queime’ a cachaça. Registramos em Serra Talhada. V. “Lapada”, segunda acepção do verbete. Rádio Patroa (ô) Termo usado quando o telefone celular de um homem toca e, supostamente, acredita-se que seja sua esposa à sua procura. Rafameia (ê) 1. Pessoa mal-educada, plebe, ralé. Mundiça. 2. Família sem linhagem, pobre. Para Antônio Houaiss a origem do termo é obscura e ressalta que a “informação dada por {Antenor} Nascentes de que a base do vocábulo rafa ‘grande fome, estado de penúria’, porque ‘a ralé vive esfaimada’, não parece uma explicação razoavelmente esclarecedora”.
T Torres Gêmeas do Recife (ô) Como foram apelidadas as luxuosas torres Píer Maurício de Nassau e Píer Duarte Coelho, empreendimento iniciado em 2005, pela Construtora Moura Dubeux. Cada uma tem 134,72m distribuídos em 41 andares, na extremidade do histórico Bairro de São José, às margens da Bacia do Pina e próximo do Cais de Santa Rita, centro do Recife. As construções das torres gêmeas do Recife renderam muitas discussões, ações judiciais e disputas conceituais envolvendo patrimônio histórico versus progresso e capitalismo, obtendo grande repercussão na imprensa e em alguns setores da sociedade. O termo faz alusão às torres gêmeas onde funcionava o World Trade Center – na Ilha de Manhattan, em Nova Iorque, vitimadas, segundo versão oficial, por ataques terroristas a 11 de setembro de 2001. No Recife, também chamadas de Torres Gêmeas do Bairro de São José, Torres do Cais de Santa Rita e Sandy e Junior. Troço (ó) 1. Pessoa imprestável, desprezível. 2. Objetos velhos, cacarecos. 3. Órgãos genitais masculinos. 4. (ô) Pedaço de mandioca pequeno que é cortado no início do tronco da mandioca – maniva – para replantar. Troços.
V Virado num Moi de Cuento (ü) 1. Pessoa muito danada, que dá muito trabalho. 2. Pessoa que está muito irritada. Sinônimos: virado num moi de cuento amarrado com duas linhas, virado na bexiga, virado na peste, virado na bexiga. Cuento, de coentro.
Dramaturgo, escritor e historiador da diversidade cultural brasileira, Adriano Marcena lançou, em 2009, o Dicionário da Diversidade Cultural Pernambucana (editora CEL) para contemplar os vários aspectos da diversidade cultural de Pernambuco. O livro, em sua segunda edição, ajuda não-pernambucanos e os próprios pernambucanos a conhecer história e antropologia. Foram 11 anos de pesquisa. “De maneira genérica, creio que a irreverência seja uma das principais características do perfil de um pernambucano criativo. Muitos têm a necessidade de carnavalizar o sagrado, de glamourizar o desbunde, de questionar os valores herdados do patriarcalismo açucareiro. Outros tantos, como pelo mundo afora, apropriam-se da tradição e a reinventam ao lançar seus ideais dentro de um grande tubo processador criativo. Esses aspectos muitas vezes estão presentes em sua arte, em seus comportamentos festivos e movimentos culturais. Enfrentar a ordem estabelecida constitui uma das marcas da história do Estado ao longo dos seus cinco séculos. Pernambuco participou ativamente da construção histórica do Brasil”, diz o autor.
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BRANCA COMO NEVE,
LA URSA
É CERTAMENTE O PERSONAGEM MAIS ESDRÚXULO E FASCINANTE DA CULTURA PERNAMBUCANA. EM PLENO CARNAVAL, UM CORAJOSO VESTE UMA FANTASIA DE URSO-POLAR. CONDUZIDO POR UM DOMADOR E UMA BANDA TÍPICA, O BICHÃO CORRE DE CASA EM CASA. AOS ADULTOS, PEDE DINHEIRO. ÀS CRIANÇAS, UIVA E AS FAZ CHORAR. RESTA SABER O QUE UM URSO-POLAR FAZ EM PLENO FERVOR NORDESTINO.
ESCRITO POR MANUEL CORREIA DE ANDRADE, O LIVRO A ITÁLIA NO NORDESTE DIZ O IMPROVÁVEL.
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LA URSA É UMA CONTRIBUIÇÃO DOS ITALIANOS QUE VIERAM A PERNAMBUCO. NO CARNAVAL, OS GRINGOS CANTAVAM: “VIEMOS DA ITÁLIA / NÃO TROUXEMOS ROUPA / TROUXEMOS ESTE URSO / ENROLADO NA ESTOPA.”
*QUE ESTA PÁGINA SEJA UMA HOMENAGEM AO URSO-POLAR MAIS NORDESTINO DO MUNDO.
AS PRÓXIMAS CONTAM A HISTÓRIA DE OUTRAS INOVAÇÕES ARTÍSTICAS DE PERNAMBUCO. ENTRE ELAS, UM VILAREJO INTEIRO SÓ DE ARTESÃOS, UM ENGENHEIRO QUE VIROU SANTEIRO, UMA COLEÇÃO DE VINIS DE REPENTES, UM CRIADOR DE BONECOS ESCONDIDO NO AGRESTE E A GRANDE E BARULHENTA FEIRA DE CARUARU.
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Eu Estou pisando Em tErra dE rEi Eu Estou pisando (siba E FulorEsta) Não há peça de barro capaz de resumir um vilarejo NordestiNo de mil artistas por bruno moreschi / retrato ludovic carème / fotos renata mein
Antes mesmo de o avião pousar no aeroporto do Recife, já é possível ouvir alguém discursando sobre os encantos de um local chamado Alto do Moura. Localizado a sete quilômetros do centro de Caruaru, o povoado é citado pelos moradores de Pernambuco como uma região abarrotada das mais variadas peças de barro. “Uma mais linda que a outra...”, costumam repetir. Para reforçar a propaganda, há sempre alguém que lembra ao turista que o vilarejo é considerado pela Unesco o maior centro de artes figurativas das Américas. Mas ver com os próprios olhos o Alto do Moura não é se deparar com os mais impressionantes artesanatos do mundo. Há, sim, obras que chamam a atenção, mas é inegável não notar em muitos casos uma espécie de produção em massa. Centenas de baianas de cabelos de mola em um canto, pequenos cangaceiros idênticos entre si, 154
incontáveis vasos de barro... O que impressiona no Alto do Moura não está à venda. Por um lado, tristeza para as peruas que aparecem por lá para comprar artesanato para Deus e o mundo. Por outro, uma experiência bastante intrigante para quem está por lá para, de fato, entender um pouco desse local. O Alto do Moura poderia ser só mais um vilarejo nordestino em que os moradores teimam em plantar o que o sol permite e criar bodes, bodes e mais bodes. O povo de lá, porém, inventou uma espécie de nova economia, que não depende do clima, mas, sim, de técnicas no barro passadas de geração em geração. Contra a mesmice da seca, o Alto do Moura resolveu ser cenário para um grande ateliê. E isso é muito mais rico do que qualquer peça de barro produzida ali.
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O museu do Mestre Vitalino não reúne apenas fotografias do artesão mais conhecido do Alto do Moura. Ali estão também os instrumentos que o artista usava para criar suas peças de barro. À esquerda, Severino Vitalino posa ao lado da estátua do pai
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Para entender melhor o surgimento desse fascinante centro de resistência nordestina é preciso entender o que era o Alto do Moura no fim do século 19, início do 20. Nesse tempo, o que se tinha na região era uma população conhecida por produzir panelas de barro. Nada demais, se levado em conta que em quase qualquer local do Nordeste é possível encontrar alguém vendendo esse utensílio doméstico. A história mais contada é uma espécie de simplificação do que provavelmente deve ter ocorrido. “Foi o Mestre Vitalino que começou tudo aqui”, conta seu próprio filho, Severino Vitalino, também um artesão conhecido do vilarejo. Ele relembra do pai enquanto mostra um museu construído no local em homenagem ao grande mestre dali. “Meu pai não deu aula para ninguém. Mas todos o observavam e, assim, surgiu o Alto do Moura”, continua Severino, enquanto mostra o local em que cria suas peças. É um cantinho do museu, próximo da janela, ao lado do espaço no qual o pai criava suas próprias obras. Mas reforçar a ideia de que o Alto do Moura é uma criação individual de Mestre Vitalino é apenas repetir uma história tão turística quanto estereotipada. A verdade é que ninguém cria um vilarejo de artistas sozinho. O livro Do Barro à Expressão Artística é um dos poucos documentos que fogem dessa mesmice. A ressalva dos autores Josué Ferreira e Paulo Roberto de Freitas não poderia parecer mais certeira: “A arte do Alto do Moura não deve ser entendida como uma 158
criação exclusiva do Mestre Vitalino, pois isso significaria negar o esforço e a capacidade criativa de muitos outros como Zé Caboclo, Manoel Galdino, Manuel Eudócio, Luiz Antônio, Ernestina Antônia, Zé Rodrigues e muitos que, a partir de suas inquietações, conseguiram ampliar essa produção e evoluir nas técnicas utilizadas, nas temáticas trabalhadas”. Em outras palavras, foram muitos que transformaram uma vila de panelas em outra, de criações artística. Ater-se ao trabalho do Mestre Manoel Galdino (1929-1996) é conhecer um exemplo do que a região pode produzir de mais impressionante. Suas peças diferem de todas as outras do Alto do Moura por ele ser uma espécie de Gaudí do semiárido nordestino. Alguns caruaruenses mais ufanistas não se aguentam e soltam coisas como: “Enquanto a Europa tinha Salvador Dalí, nós tínhamos o Galdino”. Como se o Nordeste brasileiro precisasse da Europa para de fato ser um local artisticamente relevante. Entre os vivos do Alto do Moura, há os descendentes dos grandes mestres do passado e alguns poucos mais velhos ainda vivos. Elias Santos, de 87 anos, é considerado um dos primeiros discípulos de Mestre Vitalino. Sua grande especialidade é o São Jorge de barro, uma peça cheia de detalhes que os criadores mais preguiçosos evitam produzir. Sorte de Elias, que se tornou o único a ter a habilidade necessária para fazer o santo montado no cavalo e pisando destemidamente uma cobra do mal.
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Os ateliês dos artesãos costumam ser locais simples, com poucos móveis, algumas peças de barro e sempre um radinho a pilha. Os grandes fornos para aquecer o barro ficam longe dos olhos dos turistas, sempre nos fundos das casas
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FOTO LUDOVIC CARÈME
Andar pelo Alto é conhecer um vilarejo em que quase todas as casas da rua principal permanecem de portas escancaradamente abertas. Logo nas primeiras casas, Celia dos Santos prepara a produção de cem cofres-porquinhos para alguém que irá aparecer no outro dia pela manhã. Se pedir em centenas, a peça custa R$ 1,50. Individual, o preço sobe para o dobro disso. Mais à frente está a casa de Marliete da Silva, uma artesã de 54 anos que, de tanto ver a mãe fazer vasinhos, virou a mais habilidosa miniaturista da vila. Não há nada neste mundo que a artista não seja capaz de reproduzir em pouquíssimos centímetros. Seu auge foi a criação de uma praia nordestina inteira, com direito a um moleque pedindo sorvete para um sorveteiro risonho de parcos 2 centímetros. A artista não tem filhos, mas todas as 17 sobrinhas já são artesãs. No fundo das casas do Alto do Moura, escondidos do turista menos curioso, estão os gigantescos fornos que esquentam as peças de barro. Podendo chegar a uma temperatura de 600˚C, o calor intenso serve para secar o material e, assim, deixá-lo mais resistente. “Nem mesmo o inferno é tão quente. Já morri uma vez e sobrevivi para me assegurar disso”, diz talvez o único artesão mal-encarado num vilarejo de pessoas sorridentes. Hoje, Alto do Moura tem lan house. Mas nem por isso deixa de 160
continuar no barro. Passear nessa terra de peças, artistas, bodes e seus próprios deuses, como Vitalino, é muitas vezes se perguntar: até quando? Por quanto tempo essas pessoas irão insistir no que fazem? A resposta não parece ser tão objetiva quanto um jornalista gostaria. É provável que seja um misto de abertura para o mundo atual (a lan house sempre tem fila) com uma espécie de resistência teimosa reforçada no forno quente. Uma história curiosa diz muito sobre esse lado dúbio do vilarejo. Nos anos 1980, uma leva de artistas contemporâneos famosos de Recife e de outras cidades maiores apareceram no Alto do Moura para aprender a técnica de seus moradores. A intenção era aprender com os velhos para criar peças contemporâneas – o que os artistas mais chiques costumam chamar não de artesanato, mas de obras de arte de fato. Os moradores do Alto do Moura receberam os artistas de braços abertos e café posto na mesa. Mas, em pouco tempo, todos ali perceberam que aquilo parecia algo como uma exploração capaz de colocar a perder toda a tradicional técnica do local. Em semanas, os artistas contemporâneos foram despachados. Tudo com a típica educação nordestina, mas de forma definitiva. Eles nunca mais ousaram voltar. Nenhum artista de cidade grande é capaz de estragar a festa de um vilarejo feito só de artesãos.
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Bonecos e vasos de barro são produzidos dia após dia no Alto do Moura. A técnica passa de pai para filho, e não há uma única família no vilarejo que não tenha pelo menos um artesão
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Por essa Praia, essa saia, Pelas mulheres daqui o amor malfeito dePressa, fazer a barba e Partir Pelo domingo que é lindo, novela, missa e gibi deus lhe Pague (nação zumbi)
por Zeca gutierres / fotos renata mein
Da água ao vinho: nem o ToDo-PoDeroso Dá conTa Da Transformação Do engenheiro agrônomo elias sulTano em um Dos sanTeiros mais originais De olinDa
Elias Sultano era, há 30 anos, um respeitado profissional que gastava as quase 24 horas do dia viajando para fazer consultoria a usineiros do Brasil todo. “Só para São Paulo fui umas 200 vezes de avião, uma loucura! Decidi que quando completasse 50 anos iria parar com tudo e apostar na arte de criar santos, o que já fazia por meio de uma pequena equipe”, diz o homem acelerado de 67 anos, que traz na bagagem referências de uma Pernambuco tradicional. “Foi por meio da amizade que tive com antigos santeiros que aprendi técnicas, mas também inventei muitas delas porque apliquei tudo o que vivi como engenheiro agrônomo, químico, pesquisador e diretor de laboratório. Troquei muito dinheiro que ganhava por uma vida calma na minha oficina.” E dá-lhe oficina nisso: o casarão de Elias tem o mar azul de Olinda como cenário, e ele só não aposta numa boa reforma no espaço porque vem travando uma batalha com o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), que o multou por, segundo o documento, fazer alterações no projeto original da casa. “Eu não mudei nada, mas aqui as coisas são complicadas quando estão em jogo casarões antigos”, explica Elias, que há um ano trocou sua casa no alto de Olinda, onde também funcionava uma loja, pelo sossego do precário, mas maravilhoso estúdio à beira-mar. “Aquela casa, que vendi sem peso na consciência, era uma das mais antigas
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de Olinda, de 1584, mas eu continuo buscando mais sossego.” A técnica de criar santos de madeira, que marcaram a primeira fase da carreira do santeiro, foi deixada para trás porque, segundo ele, o preço para trabalhar com o material é uma grande barreira. “Inventei uma resina que mistura, inclusive, a própria madeira, que dá aparência exclusiva às peças” – a gente presenciou a mistura sendo feita: alquimia pura! Dependendo do tamanho do santo e do prazo de entrega, Elias coloca toda a equipe (uns dez homens de punho forte e coração mole) para pintar a peça. E o quão religioso é o nosso santeiro? “Olha, sou um sujeito que tem uma fé em Deus imensa. E dentro da minha casa passa todo mundo: passa bispo, passa cardeal. Por isso tenho o maior respeito por tudo, mas, na verdade, acho que Deus nem está ligando muito pra gente. O povo é que tem essas histórias, coloca um bocado de leis onde Deus nunca esteve. Ficam enchendo o saco de Deus com orações. Ficam enchendo o saco Dele e da gente também. Precisamos ter uma vida de atos. Tem de ter uma vida digna, ajudar os outros”, filosofa o santeiro, que adotou um monte de assistentes e é conhecido na região por sua simpatia e generosidade. “Certa vez um assaltante invadiu minha casa e depois de conhecer minha vida e fuçar meu estúdio foi embora frustrado. Até ofereci um santo a ele, depois de o safado ficar horas tentando encontrar algum dinheiro pela casa, mas ele foi embora de mãos vazias”, diz Elias, certo de que está muito bem protegido pelo Todo-Poderoso. fundarpe.pe.gov.br/maspe
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O casarãO de elias sultanO em Olinda mistura estúdiO cOm casa e é nele que O artesãO recebe padres e até arcebispOs em busca de suas mãOs milagrOsas
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Patativas, quantas há Por esse mundo inteiro, Cantam muito o bom Cantar, mas o Cantador Primeiro, maior entre os maiorais, só há Pinto do monteiro (José virgolino de alenCar) Junte dois repentistas numa arena em feira livre e o resultado é um duelo de titãs, como acontece na bem ventilada cidade de Gravatá por Zeca Gutierres / fotos renata mein
Quando dois emboladores ou repentistas se encontram é sinal de que vai ser travada ali uma batalha de versos e ritmo, e é o público que decide quem leva a melhor. A embolada, o coco-de-roda e o repente são atrativos das feiras livres de Pernambuco, como a de Caruaru, aldeia de sabores e ritmos consagrada pelos versos de Luiz Gonzaga. Segundo Adriano Marcena, do Dicionário da Diversidade Cultural Pernambucana (editora CEL), “todas as formas trabalham a literatura popular oral e normalmente são formadas por duplas. No caso da embolada usa-se dupla de coquistas, dupla de emboladores, dupla de emboladores de coco ou dupla de cantadores de coco. Quando se trata de repentistas ou violeiros usa-se dupla de repentistas, de violeiros ou de cantadores de viola. A grande diferença é que os emboladores de coco usam um pandeiro e os repentistas uma viola de dez cordas”. Outra diferença: a cantoria é mais complexa que a embolada. Humor, política, crítica social, fofocas corriqueiras: tudo se mistura neste jogo de cantoria que ainda enaltece o Nordeste. João Batista Celerino da Silva nasceu na véspera da fogueira de São João e por isso é devoto do santo. Morador de Gravatá, cidade situada no agreste pernambucano, a uma hora de carro do Recife, não é um embolador, mas chamou nossa atenção porque coleciona vinis de repentistas e outros badulaques na propriedade que herdou do pai e que se transformou em um espaço cultural independente 166
em plena paisagem de caatinga e brejo de altitude, vegetações naturais daquelas paragens. Para chegar até lá tivemos ainda de andar meia hora de carro em uma estrada de terra, dando a impressão de que seria impossível encontrar ali um museu. João começa nos mostrando uma raridade pregada na parede: um vinil de Pinto do Monteiro, um dos mais famosos repentistas do Brasil, nascido em 1895 e que recebeu o título de A Cascavel do Repente. Outros astros do improviso como Zé Cardoso, Louro Branco, Geraldo Amâncio e Ivanildo Vilanova (este vive em Gravatá e toca no espaço com regularidade) também fazem parte do acervo que reúne mais de 80 vinis de época (página ao lado) e apetrechos como violões, troféus e livretos que contam a história do repente. “Mantenho isso sozinho, sem ajuda da prefeitura ou do Estado, porque meu pai, tio e primo eram repentistas. Juntei tudo o que tinha mais as doações que recebo de gente das antigas e montei este espaço que funciona também como restaurante e casa de shows.” Tudo no improviso, como o próprio repente, e com pratos típicos daquela região, como o bode assado e a galinha de capoeira, prato tradicional do Nordeste rural. O próprio Pinto do Monteiro cantou naquelas bandas no começo do século passado, já que o pai de Celerino já gostava de reunir alguns dos bambambãs do repente para inesquecíveis duelos do sertão.
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Dona, siga o meu conselho. vá rezar uma oração, porque eu já vejo, à Distância, a ira De lampião. Fiquem somente os solDaDos, o sargento e o capitão (carlos pena Filho) InspIrados na tradIção dos folguedos IbérIcos e renascentIstas dos espetáculos medIevaIs, mamulengueIros esculpem na madeIra a hIstórIa do nordeste, como aInda fazem mestre tonho e outros tantos artesãos pernambucanos por bruno moreschi
Em Pombas, uma cidade com pouco mais que 24 mil habitantes no interior de Pernambuco, todos parecem conhecer o Mestre Tonho. Mesmo assim, encontrá-lo não é uma tarefa fácil. Quando questionados, os pombenses falam sempre a mesma ladainha: “Tonho mora lá em cima. Do lado da Igreja Batista”. O lá em cima é uma íngreme estrada de terra. E a igreja é uma casa simples como qualquer outra dali. Mas Tonho não está na casa. E isso significa esperá-lo no sol de meio-dia. Frescura para os nordestinos. Desespero para um repórter branquelo, uma diretora de arte magrinha e um fotógrafo francês. Por sorte, Tonho aparece em poucos minutos – sorridente, pançudo e com a chave da moradia. Na sua mistura de casa e ateliê, cabeças de madeiras, panos coloridos e os três personagens principais de seus espetáculos. Manoel é o latifundiário rico. Quitéria, a mulher do rico. Benedito, o trabalhador negro que, claro, sempre se dá mal. Há também um curioso carcará, este reservado para as apresentações mais especiais. Com 13 anos, Tonho começou a criar bonecos de madeira no mais puro improviso. Após serem pintadas, as peças ficavam secando na calçada de sua casa. Certa vez, Antônio Bilô, um dos maiores criadores de bonecos de Pernambuco, viu a fileira de criaturas.
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Gostou. E resolveu ensinar novas técnicas ao menino. Hoje, Tonho é um dos mais conhecidos criadores de mamulengos, bonecos fantoches típicos de Pernambuco. Há diversas versões para o nome sonoro. A melhor certamente é a que diz que mamulengo vem da simplificação da expressão mão-mole, algo fundamental para os que manipulam os bonecos. Para criar suas peças, Tonho esculpe o mulungu, uma madeira mole, típica do interior nordestino, e perfeita para criar os rostos dos bonecos. Os corpos são feitos com tecidos coloridos que tampam as mãos roliças de Tonho. Em menos de 30 minutos, ele é capaz de transformar um toco de mulungu insosso em uma mamulenga grávida, prestes a parir três outros mamulenguinhos. Mas a facilidade termina na produção dos bonecos. Dá um trabalho desgraçado andar debaixo do sol carregando os bonecos e as parafernálias que servem de material para a construção do miniteatro. “Fico bravo até o momento que monto a barraca. Tudo muda quando escuto a gritaria das crianças. É a hora que eu me sinto Michael Jackson.” Ele diz isso segundos antes de tropeçar em uma cabeça de noiva de madeira que mais parece um travesti. O boneco não reclama da agressão. Tonho resume o silêncio de seus bonecos assim: “É uma família de mortos que sustenta um único vivo”.
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O cômicO, O trágicO e O dramáticO Como manda a filosofia do artista popular nordestino, a arte do mamulengo é à base da improvisação, e os assuntos giram em torno da vida cotidiana da população. Há até um roteiro, mas ele jamais é escrito. Lembrando que existe uma diferença entre teatro de bonecos e mamulengo. O primeiro tem enredo completo. O segundo, de improviso. O mamulengo, em sua essência, guarda elementos da tradição dos folguedos ibéricos e renascentistas dos espetáculos medievais, mas bebeu das fontes africanas e indígenas que tanto influenciaram a cultura do Nordeste. No começo, ele era vinculado ao ciclo natalino por conta de sua inspiração religiosa e pela presença de personagens como o Diabo, a Morte e as Almas Penadas, mas o espírito profano invadiu a “missa” e os espetáculos adentraram o ano em feiras livres e festas populares do interior. Além da torda ou empanada (as tendas) em praça pública, o espetáculo consiste na execução de uma orquestra para dar ritmo às histórias. Ela é composta de rabeca (ou uma sanfona de oito baixos), um pandeiro, um bombo e um triângulo. Cabe ao mestre mamulengueiro dar o sinal para a orquestra começar ou parar. Dependendo da reação do público, as pequenas histórias, ou passagens, vão sendo encenadas por bonecos de luva, de vara, de haste ou de pano. Entre os personagens mais populares estão Quitéria, Capitão Mané de Almeida, Cabo 70, Advogado, Diabo, Papa-Figo, Almas, Assustado, Padre, Beatas, Seu Arquejo, Beicinha e muitos e muitos outros. (ZG)
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Esculpidos em mulungu, os primeiros mamulengos datam do século 19, como a peça no alto, à esquerda, de autor desconhecido. Ao lado, personagem Patchouli e, acima, boneco Jaraguá, de Mestre Saúba
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Mestre Tonho mantém a tradição viva com personagens como Manoel, o latifundiário rico, Quitéria, a mulher do rico, e Benedito, o trabalhador negro. Acima, facas confeccionadas pelo próprio artista
Os mestres mamulengueirOs Além de Mestre Tonho, há muitos artistas que fazem ou fizeram desta uma das expressões mais populares e divertidas do Nordeste. Houve o Mestre Luiz Serra, nascido Luiz José dos Santos, em Vitória de Santo Amaro, em 1906. Dele vem a frase: “Só pode brincar mamulengo quem for poeta”. Criou tipos como Mané Pretinho e Bernardo e influenciou toda uma geração a partir dos anos 1940. Morreu em 1986. Mestre Ginu nasceu Januário de Oliveira, em 1910, no Recife. Vem dele o célebre Professor Tiridá, do qual acabou herdando o nome. É considerado pela nata pensante do Nordeste o “mestre na arte do mamulengo” por manipular todos os bonecos sozinho. Tiridá colocava voz em todos eles, revezando vários personagens. Morreu em 1997, esquecido pelos fãs, mas não pelos pesquisadores do mamulengo. Mestre Saúba não pode faltar nesta história. Antonio Elias da Silva nasceu e mora em Carpina e atualmente é um dos mamulengueiros mais importantes de Pernambuco. Ele foi além na criação dos bonecos e inventou verdadeiras engenhocas mecanizadas nas quais reproduz, em movimento, a história da vida nordestina, como a criação da farinha ou as invasões do bando de Lampião e Maria Bonita. Também em sua casa foi criada a famosa boneca dançarina Dona Lindalva. É conhecido fora do Brasil. Ah, e coloquemos aqui outros importantes nomes da arte do mamulengo: Manoel Amendoim, Zé de Vina, Dengoso, Solón, Zé Lopes, Bibil, João Galego, Pedro Rosa, Bilino etc. Em Olinda, capital do mamulengo no Nordeste, um museu mantido pela prefeitura da cidade reúne toda a história dessa arte popular. O espaço Tiridá, como é conhecido, nasceu em 1994, em Amparo, mas ganhou endereço novo em 2006, em Ribeira, também no Sítio Histórico da Cidade de Olinda, em um prédio de três pavimentos facilmente encontrado pelos turistas. Há salas expositivas, biblioteca, auditório e exposições temáticas. Seu acervo guarda relíquias dos velhos mestres, a começar por peças do século 19, alguns deles artesãos anônimos. São quase 1.200 peças em bom estado, entre bonecos, pertences de cena e instrumentos musicais. Muitos dos mestres mostrados nesta matéria se encontram por lá. (ZG)
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Tem massa de mandioca, BaTaTa assada, Tem ovo cru, Banana, laranja, manga, BaTaTa, doce, queijo e caju, cenoura, jaBuTicaBa, guiné, galinha, paTo e peru, Tem Bode, carneiro, porco, se duvidá... inTé cururu (luiz gonzaga)
As mAis vAriAdAs impressões dA gigAntescA FeirA de cA-ru-A-ru por Bruno moreschi / fotos Ludovic carème
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Meia hora antes de se chegar a Caruaru, é possível forrar o estômago no Rei da Coxinha, uma casa de lanches na rodovia BR 232. Logo na entrada, um totem do tamanho de uma criança de 10 anos e no formato do salgado tão brasileiro já prenuncia a originalidade do local. No cardápio, a tradicional coxinha de frango, a ousada coxinha de camarão, a improvável coxinha de bacalhau e a tipicamente nordestina coxinha de bode. Não recomendamos a última opção. De Recife até ali, a paisagem se transforma nitidamente: de uma concentração de prédios para um agreste de arbustos pequenos. Há também a inexplicável cidade de Gravatá. Com suas casas de telhadinhos íngremes no mais legítimo estilo pseudogermânico, alguns moradores parecem sonhar com a utopia de uma neve que nunca chega. Para tristeza de todos ali, o calor nordestino faz com que a cidade não consiga nem ao menos se parecer com Campos do Jordão – que dirá Yakutia. Chegar a Caruaru é ouvir um nordestino falar sempre que ali é o portal do agreste. Felizmente não há uma placa de boas-vindas no estilo mais turístico da palavra. Caruaru não precisa de truques. Já tem uma muvuca de pessoas muito maior que uma plaquinha da prefeitura em que se lê: “Seja Bem-Vindo”. Caruaru tem a sua feira. “A maior feira ao ar livre do mundo”, repetem seus moradores, orgulhosos. Caruaru só é Caruaru por causa de sua feira. Caruaru. A cidade brasileira com o nome mais sonoro de que se tem notícia. Os guias turísticos informam que a feira começa às 8 horas.
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Mentira. Às 5h30 muitas barraquinhas já estão abertas, inclusive a de um velhinho eufórico com seu próprio talento. Nela, uma placa informa: “Atenção! Conheça os trabalhos do poeta Cristóvão. Conhecido em 43 países, cordel cientifíco (sic), regional e biografias”. José Severino Cristóvão tem 75 anos, 60 de feira e ele é... “O melhor cordelista do mundo”, diz, enquanto entrega uma fotocópia de uma reportagem do New York Times. Uma foto de Cristóvão ilustra o texto. De fato, ele é bom no que faz. Um de seus cordéis, por exemplo, chama a atenção pelo lado trágico da história. Trata-se da vida errante de um advogado nordestino e gago:
Para dizer lei penal Fica todo agoniado O que diz não é entendido Pelo corpo do jurado Termina perdendo a causa Deixando o réu condenado O problema de Cristóvão é a vaidade aflorada. Não basta ser o melhor cordelista do mundo, segundo ele mesmo. Não bastam as palavras de Larry Rohter na reportagem do jornal estrangeiro. Para contar ainda mais vantagem, Cristóvão arranjou espaço nas últimas páginas de seus cordéis para informar que seu trabalho foi divulgado na Alemanha, no Canadá, na BBC, na TV do Japão, na
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A FeirA de CAruAru é divididA nos mAis diFerentes setores. em umA pArte, um AmontoAdo de CAdeirAs e bAnquinhos. no setor de troCAs, um Ferro de pAssAr roupA que FunCionA pode vAler dois relógios quebrAdos
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Os prOdutOs de limpeza multicOlOridOs sãO feitOs na hOra – O cliente pOde até pedir uma mistura de fragrâncias. O sOm de carrO cOm tV mOVidO a bateria é apenas uma das gambiarras tecnOlógicas encOntradas ali
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STV de Portugal, no Jornal do Comércio, no Diário de Pernambuco, na revista Veja, em todas as emissoras de televisão do Brasil e, para ressaltar, “pelo Jornal Nacional, da TV Globo, meus cordéis foram mostrados aos 192 países deste planeta verde”. Meses atrás, um turista mais sincero lhe chamou de pretensioso e contador de vantagens. Cristóvão soltou uma risadinha, ajeitou o chapéu e não perdeu a pose. Respondeu com a mais descarada falta de modéstia: “Pois saiba que eu li a Bíblia inteira. E tenho a audácia de não acreditar em tudo. Só presta o Novo Testamento”. O turista ficou em silêncio e, talvez por receio, garantiu-se ao comprar uma dezena de cordéis. Ao fazer seus repentes improvisados, Leonel do Pandeiro rima melhor do que Cristóvão em seus cordéis. Com o importante diferencial de que ele não se considera o melhor do mundo. Há quatro décadas, caminha pela Feira de Caruaru pedindo que as pessoas escolham uma palavra qualquer para ele criar seu repente ali mesmo, no calor da hora. A experiência é tamanha que Leonel consegue criar repentes com “cinza” e “tórax”, conhecidas como duas palavras praticamente sem rimas correspondentes. Luiz Gonzaga estava errado ao afirmar em sua famosa música que na Feira de Caruaru tem de tudo. Não tem uma coisa: silêncio. Não há um único nordestino por ali de boca fechada. Cristóvão grita seus versos de cordéis; Leonel canta seus repentes; as mulheres vendem aos berros jarras em formato de bodes (cuja água sai de um local não tão agradável); os pobres passari178
nhos coloridos se desesperam nas gaiolas apertadas; uma dúzia de pessoas conserta ventiladores quebrados; um inventor dá risada ao mostrar sua mistura de TV com som movida por bateria de carro; um moleque insistente tenta trocar dois relógios estragados por qualquer celular que também não funcione; uma senhora mostra orgulhosa os produtos de limpezas feitos por ela mesma (cada garrafa de Coca-Cola de 2 litros contém um líquido de cor diferente e chamativa); Santana Aparecida apresenta seu Combo Ervas Secas, um turbinado com louro, cavalinha, carqueja e sálvia branca, todos prontos para defumar a casa. Por fim, em ao menos 35 barraquinhas, há vendedores oferecendo cofrinhos em formato de bujão de gás. Todos iguais. Muitas vezes, a Feira de Caruaru se parece com a maior loja de 1,99 do mundo. A algumas quadras da feira, longe do barulho ensurdecedor, o historiador e antropólogo Josué Euzébio Ferreira coordena uma reforma em casa enquanto fala de Caruaru, tema em que se especializou no mestrado da Universidade Federal de Pernambuco. Para começar a conversa, Ferreira desenha de improviso numa folha de papel o mapa de Pernambuco. Chama a atenção como o Estado é, na verdade, uma área esticada (“tripinha”, ele diz) tendo Caruaru como ponto central. Em seguida, explica: “A cidade fica exatamente no ponto em que o gado precisava descansar. E isso vale para os dois lados. Tanto para quem ia do sertão para o litoral quanto para o morador do Recife que queria ir ao interior de Pernambuco”. Nesse ponto de descanso chamado Caruaru come-
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çaram a surgir pousadas, uma capela e, no começo do século 18, a tão conhecida feira. O historiador Ferreira acha, porém, que não podemos apenas repetir a mesma história de sempre sobre a Feira de Caruaru. Falar que, com seus 40 mil metros quadrados, é a maior feira aberta do mundo pode até ser surpreendente, mas essa informação já está em todos os panfletos turísticos encontrados no aeroporto do Recife. “É preciso falar também algumas verdades desagradáveis”, diz o professor. A situação do rio Ipojuca é a maior delas. Passando por 27 cidades nordestinas, o rio corta Caruaru de leste a oeste. Parte da feira se aglomera em suas margens. Seria uma visão agradável não fosse o estado precário do rio. Poluído de chumbo, vindo de algumas empresas que produzem bateria de carro, o Ipojuca virou água parada e fétida. Na parte mais degradada do rio, há o Troca, outro assunto polêmico da feira. Durante muito tempo, tudo ali parecia funcionar bem. Como o próprio nome sugere, por lá não havia nada que pudesse ser comprado, apenas trocado por alguma outra coisa. Três bodes vivos costumavam valer um rádio a pilha. Dez quilos de inhame eram o mesmo que dez quilos de arroz. E assim ia. Hoje, porém, o Troca virou claramente um ponto para se achar os eletrodomésticos roubados de Caruaru. Foi o que aconteceu com Ana Lima, uma senhora de 77 anos que assistia calmamente à novela das 6 quando dois moleques entraram na casa dela e roubaram a televisão. Ela esperou o susto passar, pensou alguns minutos e não teve dúvidas: correu
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para o Troca. Para sua tristeza, chegou tarde demais. Em menos de meia hora, a TV já havia sido vendida e estava exposta numa barraquinha aos olhos dos frequentadores da feira. “Fui obrigada a comprar a minha própria televisão roubada por R$ 15”, conta, sem esquecer a tragédia que lhe sucedeu: “Acabei perdendo o capítulo da novela”. Em dezembro de 2006, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) cedeu a uma pressão antiga dos moradores da cidade e decretou a Feira de Caruaru como patrimônio imaterial. Em outras palavras, não foram as barraquinhas e os produtos à venda que foram tombados. O que hoje é considerado patrimônio são as pessoas e as práticas que ocorrem na feira. A valorização da feira por parte do poder público fez surgir dois grupos por ali. Um deles acha que a Feira de Caruaru deveria se modernizar. Há um projeto desastroso de transformar tudo ali numa espécie de shopping com direito a (arghhh!) vidros espelhados. O outro pessoal até concorda que as barraquinhas deveriam se reformadas, especialmente por causa do risco de incêndios, mas acredita que a feira nunca deveria ser aprisionada em um prédio. Se um dia a Feira de Caruaru virar um shopping, ela vai perder o posto de maior feira aberta de que se tem conhecimento. Sua nova máxima será “o mais barulhento e insuportável shopping do mundo”. E as consequências seriam óbvias. Pela primeira vez na história do agreste, os pernambucanos sensatos iriam mudar de rota para não passar mais por Caruaru.
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english CONTENT 28 *I don’t know if Samico will be a Cervantes (...) 38 *I’ve already lost you from my sigh (...) 48 *I’ve written several tales (...) 56 *This body of mud you see (...) 62 Old Chico 68 *I’m riding the wave (...) 78 *No one ever sees (...) 153 *I am standing in a king’s land (...) 162 *On this beach, these skirts, these local women (...) 166 *How many Patativas can you find (...) 168 *Miss, follow my advice (...) 172 *There’s manioc paste, (...) 194 *Good citizen (...)
*Beaches lined with rustic straw huts Tapado River, Doce River, Quadro, Conceição, Janga Beach, Pau-Amarelo. Especially Pau-Amarelo Where the Dutch came ashore (Gilberto Freyre)
The state of Pernambuco can be viewed through a variety of lenses. Its geography shows it to be a long, thin stretch of land surrounded by Ceará, Paraíba, Alagoas, Piauí and, by a hair, Sergipe. The waters of the Atlantic Ocean bathe its shores in a small but powerful strip of land that is home to two of the state’s most beautiful and important cities: Recife and Olinda. It is crisscrossed by many bountiful rivers with lush landscapes, such as the Capibaribe and the São Francisco. Its history tells us that it fell under Dutch control from 1630 and bred even more European DNA into the Pernambucan blood, by then already a blend of Native Indian, African, and of course, Portuguese. At the time, Recife was blessed with large infrastructure works, and the results can still be seen in the beautiful small palaces and bridges characteristic of the city. The Portuguese language speaks to Pernambuco’s rich linguistic diversity. After we had decided to write this issue of ffwMAG! in honor of Pernambuco, we received a heavy bound tome, the kind you need boundless curiosity to enjoy. It was titled The Dictionary of Pernambuco’s Cultural Diversity, and written by historian Adriano Marcena. And from it we began to glimpse the nature of Pernambuco. But it is not only school subjects that describe the essence of Pernambuco. Let us leave geography, history and Portuguese aside for a moment and focus on the human aspect. One of our staff, which traveled to the state, told us of a story that was constantly repeated. Whenever he gasped in awe of some beautiful thing he was seeing, a local would approach him and ask to him to stick around. Forever, if he wanted. It was the emblematic hospitality of a people used to receiving influences, since way back when, from France, Asia, Portugal, England, Holland, and of course, indigenous tribes, Iberians and Africans. We can proudly claim we dissected Pernambuco. Music was a given subject for this issue. Naná Vasconcelos, one of our interviewees in the article on the diversity and creativity of musicians from Pernambuco, cleverly reminded us that the roots of this musical plurality comes from Africans stepping foot in Brazil for the first time. There were different ethnic influences – the berimbau originated in one place, capoeira in another, and so on. Samba, says the musician, is the culmination of all of these sounds coming together. Two teams armed with recorders and cameras split themselves between the neighboring cities of Recife and Olinda, and the backlands of the Agreste, where you can find cities such as Caruaru, with a market of Babylonic proportions, and the village of Alto do Moura, where they make art out of clay. We came to the conclusion that Pernambuco is a coarse state that produces legitimately Brazilian art, even when influenced by modernisms from the southeast of Brazil or abroad, like the case of the manguebeat movement, Chico Science and Fred Zero Quatro. The fashion in this issue is divided in three photo shoots and pays homage to the folkloric figures Cablocos de lança of maracatu, to the street poets and their standards, to the giant puppets of Olinda, which were dressed by some of Brazil’s most celebrated designers. The poetry of ‘cordel’ literature seen through the lens of the great poet J. Borges, the art of creating mamulengo puppets, the most surreal costumes of Carnaval revelers and the art of rhymed poetry, the repente. And with eyes to the future, because Pernambuco is also looking ahead, as we find out in an interview with researcher Silvio Meira, the most important name behind Recife’s Digital Port – a symbol of innovation in Brazil – and in an article on three new artists that are putting Pernambuco on the map in terms of international art. This issue could fit a lot more, since Pernambuco has given birth to so many great people, such as Cícero Dias, João Cabral, Manuel Bandeira and Gilberto Freyre, and its territories holds many secrets yet to be revealed, but we are happy with the results of this issue of ffwMAG!, which takes a very personal look at a rich Brazilian state. [*Free translation]
Paulo Borges Publisher
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PG. 28
*I DON’T KNOW IF SAMICO WILL BE A CERVANTES, BUT I DO KNOW HIS PRINTS ONLY LOOK SIMPLE TO THOSE WHO UNDERSTAND NOTHING OF THE PROCESS OF CREATION AND ONLY SEE ART FROM THE OUTSIDE (ARIANO SUASSUNA) Gilvan Samico is the sum of the Northeastern artist. His work speaks of his homeland. And the whole world understands By Bruno Moreschi and Zeca Gutierres To observe Gilberto Samico’s work is to come face to face with works of art that question the apparent gap between artist and craftsman. Samico’s woodcuts point to the meticulousness of an artisan. But his careful choice of primary colors, a deliberate conscious and conceptual limitation, recalls contemporary art. By combining these two worlds, of art and craft (or perhaps they really are just one world?), Samico creates works flush with biblical characters, the rich narrative of Brazil’s northeast, and many fantastical beasts. But there is a fundamental difference between him and the many other artists who draw on the vast cultural gamut of Brazil’s northeast. Unlike the others, Samico’s woodcuts have a somber feel – a trait the artist picked up from Oswaldo Goeldi, one of Brazil’s most skilled woodcutters, and Samico’s professor in 1958. Samico was a member of the Armorial Movement, established in Recife in the early 1970s. The group had other illustrious names, such as the poet Ariano Suassuna. The movement was dedicated to promoting popular northeastern culture against a barrage of American influences on Brazil. And they were successful. Samico, who was born in Recife, has pieces in MoMA’s collection, has won awards at the Venice Biennale, yet… we must be careful to avoid the misguided belief that good Brazilian art is art that has made it to museums and biennales abroad. Samico is staunchly Northeastern. When speaking of his home state of Pernambuco, he appeals to universal values. At 83-years old this self-taught artist does not contextualize the topics of conversation, is sparse with his words, and gets straight to the point. “The makings of a true artist are the honesty of his work in harmony with his temperament. A good artist is one that is not given to adventures that will lead him nowhere.” “In my opinion, the Armorial Movement’s biggest triumph is in the fact that I can still find people who want Brazilian art to be given greater importance within Brazil.” “Through the years I’ve done metal engraving, printing, but in the end, what I really like is woodcutting.” “There is nothing to say about art. What needs to be said is being said by the work of art itself. Words are another process entirely, another form of art, and therefore, it is up to the public whether or not to accept a work of art. A combination of public and artist.” “More than art, what’s missing in our schools is hands-on, manual work – working with your hands. There used to be more art classes in schools, and these practices need to come back to our primary and secondary education.” “It is not the lack of museums in the Northeast that is a problem. The problem is the authorities need to make these cultural spaces more accessible to the general public. Do you think a construction worker is going to cross those big glass doors with his children? In Europe that happens more naturally, and it is a process that needs to be encouraged in Brazil.” “I’m not a pessimist, like people who think Brazilian art will never be valued in Brazil, but I do believe there should be a greater interest in understanding the face of Brazil, even in times of such rapid communication.” “I’ve always worked with primary colors because, unlike metal engravers, who use more somber hues like golds and neutrals, pure colors blend better with wood. My prints are naturally lighter.” “I don’t know what these guys are called, the one who sing by talking really fast, but I think it’s too American. But I like the idea of Pernambuco as a place where artists combine elements from all different styles, local ideas with new ideas, like rock n’ roll itself.” “I understand graffiti, but I loathe the indiscriminate spray painting of buildings. They are confusing, you can’t tell if they are symbols or the person’s name…”
PG. 38
*I’VE ALREADY LOST YOU FROM MY SIGHT / GOD TOOK AWAY YOUR SOUL / ALL THAT’S LEFT NOW IS A PICTURE / THAT THE PORTRAIT PAINTER DREW (OTTO) Ladies and Gentlemen! It is Carnaval time in Pernambuco and time for yet another Lambe-Lambe: the world’s smallest open-air theater! By Zeca Gutierres The year was 1995. The streets of Olinda were overrun with revelers in yet another Carnaval marked by street parades of enormous puppets, and men and women masked and costumed in the most diverse styles and backgrounds. It was then that five friends with a background in photojournalism had the same small but great idea: capture the most original costumes of Pernambuco’s festival of flesh on polaroids. The name for the project also came from the street: Breno Laprovitera,
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Jarbas Júnior, Roberta Guimarães, Fred Jordão and Daniel Berinson chose LambeLambe and the famous Treze de Maio street in the city’s historic center as the perfect location to register the most unique faces at the pagan feast. They could never have guessed that the idea, as simple as it was, would be an artistic form of capturing the joy of a people who love revelry. They removed the subjects from the party scene and placed them against backgrounds of fabric painted by local artists. By doing so they brought to life a world of dreams, creativity, fun and games, and the life of local groups, blocks and associations. The street, Treze de Maio, in front of the Contemporary Art Museum of Pernambuco, became a hotspot for revelers and Carnaval blocks. A creative miracle: Lambe-Lambe became a part of the permanent calendar of events for Pernambuco’s Carnaval. People were eager to take home laminated Polaroid pictures of themselves as badges. They also looked forward for the moment the project showcased the pictures, right on the street, a few days after Carnaval, on the day of the city’s anniversary. Chico Science and Jorge du Peixe (Nação Zumbi), Ariano Suassuna, Fred Zero Quatro, artist Joelson, Lenine, puppet maker Sílvio Botelho, and many, many other artists of the scene in Pernambuco joined in. Lambe-Lambe even made it to the London exhibition Batmacumba at the Institute of Contemporary Arts, in 1997. The project only grew from then on and strengthened its wandering roots by traveling to Recife and other cities in the state. All of which helped boost Lambe-Lambe’s potential to register the spirit of Carnaval in Pernambuco. They also published a collection of photographs in the book Projeto Lambe-Lambe – A Fotografia do Carnaval de Pernambuco, but the troupe didn’t stop there. More photographers joined the collective and the Praça do Arsenal square, in Recife, became their new headquarters. As Jarbas Júnior says, “During all of these years we’ve gathered quite an impressive repertoire, and the reveler’s children are already picking up the flag. We have many plans, including a website that will present the pictures in digital format; perhaps 360˚ images; but our focus has always been the actual Polaroid pictures, which the revelers can carry away with them as souvenirs. It is an important register of our popular culture, and besides the photographers, we have many other professionals that are part of the collective, like fine artists. Lambe-Lambe is a throwback to the circus and the theater, and the reflection of exorcism that is our Carnaval.” [*Free translation]
PG. 48
*I’VE WRITTEN SEVERAL TALES / OVER ONE HUNDRED OF THEM / BUT I’LL TELL YOU A STORY NOW / ABOUT ONE JOÃO BORBOREMA / WHO SOLD HIS OWN WIFE / TO PLAY THE LOTTERY (J.BORGES)
A review of the best selling cordel literature (popular pamphlets or booklets hung on a “string”) written by Pernambuco’s most famous cordel writer By Bruno Moreschi J. Borges teaches us that a good story can always be summed up in a single title. “It’s the secret to my success,” he says. Then he shows us his three top-selling cordéis, or string literature, in his studio in Bezerros, in the heart of Pernambuco. In third place is his cordel O Valor Que o Peido Tem (roughly translated, ‘the value of a fart’). It has a dark, essentially eschatological humor. Unlike most other cordéis, this one doesn’t have a flowing narrative, but rather, is more like a philosophical treaty on flatulence. Borges explains, “When I had the idea, a bunch of annoying people started hounding me on the subject, saying it was inappropriate. I thought, sadly, that political correctness had finally taken over the agreste of Brazil’s northeast. But I didn’t budge. It’s a universal subject and deserves a cordel. Or you mean you never fart?” I kept my silence. On the cover of the cordel is a woodcut depicting a boy who can’t hold it in anymore, and a girl standing behind him, holding her nose. The cordel in question doesn’t even spare the president of the Senate: *Farting is a significant gift / there’s no denying it / but answer this: / is there anyone in this world who doesn’t fart? / rich people fart, and bums do too/ Zé Sarney also farts / And there’s no one in this world / who can deny / and if they do they just don’t know / WHAT A FART IS WORTH This last line was written by Borges just like that, in big, bold CAPITAL LETTERS and is repeated at the end of every verse. When someone complains about so much repetition, Borges quickly answers: “A good cordel is always controversial.” Another of Borges’ success is his cordel with the longest title: A Moça Que Virou Jumenta Porque Falou de Topless com Frei Damião (roughly translated, The Girl Who Turned into a Donkey because she spoke to Frei Damião while Topless). The cordel achieves the incredible feat of combining a perissodactyle mammal, topless breasts and an Italian monk who adopted Brazil as him home. The work narrates the story of a brazen girl that dares to strip off her shirt in the middle of a mass led by the Northeast’s most famous religious figure. Just minutes before the shocking act, her parents try to convince her not to disrespect Frei Damião. And she replies: *I will wreak havoc / on his curly beard / and only admit he’s powerful now in the 1980s / If he can turn me / into a fleeing donkey And she got her wish. She was turned into a wandering donkey that would bite anyone who tried to approach her. However, despite the allure of a lewd donkey, Borges’ top-selling cordel continues to be A Chegada da Prostituta no Céu (roughly translated, The Prostitute’s Arrival in Heaven). The author justifies his reasons for writing the cordel, “Brazilian prostitutes deserved to be honored. There is no harder life than the life of a whore.” For Borges, *To speak of prostitutes is a serious thing / she suffers so / her life is a mystery
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and to survive / she relies on adultery The problem was that, when the prostitute arrived in Heaven, she was still a harlot. She danced with Saint Expeditus, was turned down by Saint Blaise, flirted with Saint Carlito and, come evening’s end, went to sleep with Saint Benedict. The only one she ignored was Saint Oscar, a heavenly resident with a beard too bushy for her taste. But he was vengeful, and so he went to Jesus and ratted the others out, saying Heaven had turned into a cabaret. But the Son of God didn’t flinch, and ordered Oscar to leave the girl alone: If she’s suffered so much on Earth, how will we punish her? Borges began making cordéis and woodcuts in 1966, when he was a young man. When he was twenty years old, he wrote his first pamphlet. He showed it to a friend and received many compliments. He kept going, and luckily, one day one of his cordéis fell into the hands of Ariano Suassuna. The Northeastern writer loved what he read and began to call Borges the best cordel writer in the agreste of the Northeast. Today, Borges works in a spacious studio and is recovering from an operation to remove a tumor from his right leg. Some woodcuts by him have sold for US$ 30 thousand at an auction in the United States. The money, unfortunately, stayed in the pockets of the American collector. Which makes Borges conclude, “I’m not money-rich. I’m child-rich.” He has 18 children, all born in the Northeast, where people, the author says, don’t mind getting their hands dirty. As if composing a nostalgic cordel about his homeland, he almost shouts out, “You can scour the Northeast for a thief, but you will find only artists.” Artists, donkeys, prostitutes, all united by a “significant gift” that Borges dared print in big, bold letters. [*Free translation]
PG. 56
*THIS BODY OF MUD YOU SEE / IS ONLY THE IMAGE OF ME / THIS BODY OF MUD YOU SEE / IS ONLY THE IMAGE OF YOU / THE SUN DOES NOT ABIDE BY THOUGHT / BUT THE RAIN INFLUENCES OUR MOODS (CHICO SCIENCE) Devoid of nationalism but with statewide contagion, “PerfomancePernambuco” invades the visual art scene around the world by way of three talented contemporary artists By Afonso Luz Pernambuco is performance. The three first letters that spell the name of this Brazilian state also define this region’s passion for performance. This “p-e-r” identity melts away material boundaries and creates an imaginary space from which Pernambuco’s performance-style citizenship radiates out to the world. Their artists live in the final contemporary frontier, the outliers of symbolic global production. Many of them live in a sublime ignorance of limits and boundaries, and from the 1990s onwards, thanks to accelerated urbanization and regional economic growth, have gained space and visibility, consolidating their references. Today’s Pernambuco is impacting a country that once ran only on the Rio de Janeiro – São Paulo axis, introducing different ways of being Brazilian, filled with potential critics. Paulo Bruscky is a cornerstone of this universe. Back in the 1960s, he stretched the boundaries of the concept of art in international experimental networks, at the front of a neo-avant-garde movement in virtual communication and new technologies. Today we can sense this renewed vitality in other generations: Lourival Cuquinha, Rodrigo Braga or Carlos Melo – artists that explore the creative impetus behind the performance arts beyond traditional horizons. To observe them, we must shift our understanding and not only view Pernambuco through the eyes of the world, but the world through the keen perception of Pernambuco. So we create new eyes with which to view this rough beauty, presented in an incisive manner, always taking into account the virulence of images. In examining this apparently controversial art, we awaken a unique poetic sense and decipher performances that do not shy away from the grotesque and violent nature of all things organic. The uncertainty of this condition is highlighted in the ugliest elements and reveal who we really are: beings invested in altered perceptions. Marsh crab fishermen, maracatu warriors, frevo dancers and others, have helped develop a regional choreographic language and have become movable markers of the local culture. Paradoxically, they are part of the symbolic universe of global that exists where the lines between painting and sculpture are blurred. The ‘performance’ genre is, at this moment, a way of saying that the artist is art itself – an inclusive definition that brings all elements of life into the world of aesthetics. For German artist Joseph Beuys, one of the founding fathers of this state of affairs, we are all fated to become artists one day. At this point in time, the body has become a privileged stage for facing the world, itself, cultural institutions, the public and traditional definitions. The will of this space-body becomes a perceptive environment: it defines the permeable topology of new relationships and the strategy for new paradigms within the “contemporary”. From the ‘happening’ Dadaists to today, performance has become widespread and, ironically, faces the possibility of becoming a concrete, permanent structure of contemporary production. Even when it is clichéd, with the rhetoric and obvious associations of current times, performance art is an important form of dialogue and exchange between the visual arts, dance and theater, as well as fashion. The reflection of this bodily aesthetic, still significant today, confirms the scope of liberty, of pleasure and subjectivity, as well as redirecting morbid impulses of violence, frustration and control which plague our mortal flesh. In the 1970s and 80s, the privileged space of fashion runways became a grand
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performance arena. French thinker Rolan Barthes witnessed the birth of a universe in which the multiplicity of bodies, their bizarre presence, the relativity of what is ugly, and the marginal urban development gained poetic force and, with Jean Paul Gaultier, marked in the singular extravagance of his clothes. Recently, internationally renowned curator Paulo Herkenhoff coined the expression “contrapensamento selvagem” (savage counter-thought) to define the Brazilian performance potential running countercurrent to Western standards of beauty. The homonymous exhibition is a play on the title of one of anthropologist Claude Lévi-Strauss’ most important works. Lévie-Strauss was an intellectual icon of the 20th century and recently passed away. The exhibition turned the Itaú Cultural center, where it was housed, on its head. At the event, Pernambuco displayed its orbit of fluctuation. Herkenhoff shows us nature, uniquely expressed, symbolically misaligned, and, at most, a certain discomfort in the face of rational forms and clear order inherited from European culture. The West runs tangent to this Pernambuco without ever completely entering its territory, preserving the Brazilian diversity inscribed in the somewhat plastic primitive cosmology, evoking founding myths and singularities unique to the region. This interpretation is free of any “nationalism”, in itself a marker of the closed regimes that colonized us. The ephemeral and precarious therefore become positives for us – open codes in the language of Global Art, in which the visceral and heterogeneous wish to build spaces suited to this standard of excessiveness. TRANSGRESSING, KIDNAPPING AND SPECULATING WITH LOURIVAL CUQUINHA_ A strong suit of the concept of “Brazilian-ness” as proposed by the Pernambucan artist Lorival Cuquinha. He is the formative chaos evoked by the savage counterthought – a character that arises in film, drawings and installations, registering the chain of events set off by his ‘schemes’. At the center of this art drenched in counter-culture lies the “International Ugly Mickey Contest” promoted by him in the center of Rio de Janeiro. The public can compete for a chance to win a “no-return one-way” ticket to Disneyland. The competition short-circuits the fantasy and reveals inadequate standards of beauty, somewhat strange in that given the context. His infamous kidnapping of Hélio Oiticica’s Parangolé at the MAM was pulled off by simply walking out wearing the piece, circling around the city for 24 hours before negotiating ransom. All of which took place without the institution even noticing. This manifestation was only a “friendly transgression” of the frontier of possibilities that it imperatively defined – a theft that would return the “precious good” to its ‘natural’ environment, out in the open in the city – against the monumentality of the occasion. Today Oiticica’s wearable cape, worth some millions of dollars on the international market and transformed into a supreme fetish of Brazilian contemporariness, is re-injected with meaning at the hands of Cuquinha: usable skin, live fabric, wearable object, once again inhabited by the spectator’s body – the rescue of its original intent. More recently, the American flag made up of sown together dollar bills and the origami pieces made from the currency were given the name Old Glory Financial Art Project and can be viewed in an excellent display at the Panorama da Arte Brasileira exhibition at the MAM-SP. It is part of a series of national symbols the artist has been developing transnationally, through operationsloans with his international “partners”. People adhere to the project by giving Cuquinha bills so that he can sow together the flag. Thus, each partner earns a title which guarantees him or her a share of the artwork in the future market value of the piece. The first of these projects was the British Union Jack when Cuquinha lived in London. This work is about shared-transactions, a flag for the borderless community that inhabits the universe of art, desire and an economy reinvented by its citizens. It also reveals the squandered nature of the current symbolic territories, as if the adherence to the universe of national values and environments, to places identified and quantified, was discombobulated and anomalous. Like a Frankenstein-like quilt made of our hearts for today’s world. Perhaps there, in the United Kingdom, Cuquinha becomes more truly Pernambucan than in Pernambuco, because here we’ve always been “landless in our own land.” RODRIGO BRAGA BARKS BETWEEN FICTION AND REALITY_ Another striking artist in the cultural landscape and contemporary movement of Pernambuco is Rodrigo Braga. He transforms the realm of the sensible into the curious realm of myth. His piece Fantasia de Compensação, a photographic composition of his own face receiving implants of dog parts, the snout and jaws sown on to his face like a mask, put him in the limelight. The imaginary and physical operation gives him an animal semblance, with surgically transplanted eyebrows and ears. Lying somewhere between fiction and reality, the image is haunting and echoes some sort of rite of passage, in which animal and human worlds come together. He returns time and time again to these transmutations in his work, even when his back is buried in dirt, like in his piece Do Prazer Solene. Rodrigo Braga dons an animal ecstasy, parts covered in other parts, a body constructed through other bodies, animals within animals. There are intense reverberations. All of these excesses come to full fruition in his work Alegorias Perecíveis. This metamorphoses of flesh contaminates his photography and reveals an eerie beauty: these meticulously constructed performances bring life to a bestiary of mixed beings. Stone-tree, goat-man, wood-bones. These fantastical images also inspire a certain gentle brutality, awaking us to ancestral cosmologies from this inhospitable and rural Pernambuco. Thus, predator and prey alternate indefinitely, rendering a magical world where opposites hunt each other in an eternal “reclusive desire”, or Desejo Eremita. The photographs in Desejo Eremita
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are more than the culmination of aberrations or a surreal dream. They seem, rather, like “cave paintings,” inscribed in the consciousness of the current transgenic environment, like a burlesque antidote to the times. There is also a comic element in these dormant residues – we are more awake now than ever. Our gaze dissects the images we look upon, recreating the myth with a razor sharp glance from our pupils. The photographs emphasize surgical aspects of the photographic machinery itself, reinvented as a taxidermist’s tool. Rodrigo seems to say that every monstrosity is an enigma that hovers over us, waiting to be deciphered. If we feel the need to amputate our imperfections and the bothersome organic nature that surrounds us it is only because we fear the deterioration of our own image. But we cannot evade our inescapable end. Every primitive breath is shown to be untamed through minerals, vegetables and animals. These images from Pernambuco cause us to reflect on the horizontal relationship and continual exchange between our own animal nature and us. CARLOS MELO’S BAROQUE BODY OR EROTIC TRANCE_It is difficult to establish the relationship between our third artist featured in this imaginary map of “Performance-Pernambuco” to the state. However, we realize the impact of Carlos Melo’s austere work on this symbolic map, precisely in the moments when his poetry defends the de-automation of the body as a “social instrument”, and presents a heightened and rigorous reflection on gestures. In our continual exploration of the body’s secret codes through familiar motions, we observe the reinvention of this language, its accents and daily flavor. In the Northeast, the chauvinistic principles, the knife-wielding combative attitude, the crimes to avenge honor – all gain a measure of commonplace cruelty outside of art. In Corpo Barroco, Melo shows us other signs of this exposure to violence. I would say that his values are the reverse the cangaceiro’s values, the unknown face of the excessive retribution, contradictory to the widespread iconography of the sertão. Melo emphasizes the often-unbearable vulnerability of those whose armor is pierced and stifled: we are all naked before the setbacks of life. His performance Sintoma exposed the erotic trance of passing mortification: the artist took a sleeping pill and slept in front of the audience while in the nude. His flesh exposed to the people present, his inert, drugged body was the only object present in the room. A marked absence and stillness belied the inversion of our sensual codes, turned by the artist into still life. Later, his still form was photographed in this state of suspension of the artistic spirit, and printed as the label for the drug. The collective work hints at the emptiness surrounding art. If performance is an active ingredient, the cure to today’s museums, the side effect is a heightening of the aphasia in which this century finds itself, unsure of its own values. Often the eloquence of holy silence is testament to our utmost devotion to the body, as if this work is an echo of a sacred symbol of art, the Vanitas. The Latin word is a symbol of the passage of time, representing an existential vacuum and signifying the futility of our daily struggle in the face of eternity. The “vanity”, so to speak, is either subtle of explicit in evoking primitive icons of our Judeo-Christian tradition. Like Shakespeare, the hand holding a skull as a symbol of the meaningless, transitory, inglorious nature of vanity… In a piece from Corpo Barroco, we see the feet, and not face, of an unseen figure hanging over a bank of microphones. The black shoe-clad feet and clothes seem in mourning, as if about to speak into the microphones, as if their worn speech could give birth to an essential silence. Carlos Melo, a resident of Pernambuco born in Riacho das Almas, was awakened to the contemporary art scene in London, when chance placed him face to face with the Sensation Generation. When he returned home, ardent for art, he discreetly became a citizen of the contemporary world he had uncovered across the pond. His latest exhibition at the Moura Marsiaj Gallery is proof that nothing can diminish the constancy of the contemporary art scene born in the Northeast of Brazil - an antidote to the poisoned notion that everything in Brazil is an allegory to our perpetual Carnaval. [*Free translation]
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OLD CHICO By Ronaldo Fraga TUTU MARAMBÁ, UIARA, CABOCLO-D’ÁGUA, PIRAPORA, PETROLINA, JUAZEIRO... THESE WORDS HAVE BEEN PART OF THE TABLEAU OF MY MEMORY SINCE CHILDHOOD. MY FATHER, AN OLD ‘OLD CHICO’ ENTHUSIAST, GIFTED ME THE RIVER. IT IS BRAZIL’S MOST BELOVED RIVER. ITS WATERS, WHICH CUT ACROSS FIVE BRAZILIAN STATES, HOLD PEOPLE, STORIES, LEGENDS, MUSIC AND ANIMALS, MAKING UP A SINGLE WORLD —THE MAGICAL WORLD OF THE SÃO FRANCISCO RIVER OF BRAZIL! Every moment of leisure my father had would find him on the river’s waters. Besides the giant fishes and popular art toys, he would bring back from the river the thing I loved above all others: the frightening legends surrounding the river. The giant surubim fish, the passadeira, the curupira, the cachorrinho d’água… I only found out as an adult these legends came from old Indian myths, and were meant to keep children far away from the river, learning to respect its waters even as children. I wonder, to this day, where these old guardians have gone. Why have they left Old Chico at the mercy of whims undertaken in the name of progress… I put off my meeting with the São Francisco for many years. I was afraid the reality would not correspond to my emotional memories. Between 2007 and 2008, at the height of the controversial debate surrounding the water
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diversion project, I decided it was time to see the river. I began my trip on the river’s headwaters at Casca d’Anta, in the Canastra range of hills, where the ocean is formed drop by drop. Next I went to Pirapora, a city known for its embroidery, located in the backlands made famous by writer Guimarães Rosa. Back on the Chico of olden days, sailing with the Benjamin Guimarães, the only wood-powered steamboat still active today. Manga, Januária, Pandeiros... Bom Jesus da Lapa and its pilgrims, the votive room, the kermesses. Images of a river of revelry and devotion. Paulo Afonso, Sobradinho and submerged cities. And the passionate rivalry between two old dames for the love of Old Chico: Petrolina and Juazeiro, the first in the state of Pernambuco, the other, on the far side of the river, in the state of Bahia. Piranhas, Lajedo… and where the river meets the ocean. At that spot it’s impossible not to recall the eloquent letter sent by Américo Vespúcio to the King of Portugal describing the river’s discovery, in 1501. In the letter Vespúcio said that, more fascinating that the volume of water coming from inland was the fact that they found fresh water 200 miles in the ocean. Today the river is going through the inverse process, being invaded by salt water. The actual river, despite dying out along some stretches, truly was the river of my memories. Amid so many legends, I cannot forget a true story told to me by my father. It is the story of Ana das Carrancas, from Pernambuco. When she was still a child, she made her toys and dolls out of river mud. Then she began making pots and pans to help her mother, who had been making clay goods for many years to sell at the market and feed her family. Ana married very young, had two daughters, and was soon widowed. Because of her struggle to survive, she moved to Petrolina in search of a better life. As a devotee of São Francisco das Chagas, she begged the saint to show her a way to make a living for her and her daughters. One day, by the banks of the São Francisco, while collecting clay to make her pots, she paused and looked out over the vastness of the river. She saw the colorful ‘carrancas’, or figureheads, on the boats docked on the other side of the river. She made her first carranca right then and there. She took it home and everyone loved the new object. From that point on, she left her pots and pans behind and began to make carrancas for the boats on Old Chico. Her second husband, José, was an important partner in making the pieces. The new occupation gave her family a better life. It was the first time in memory anyone was making carrancas out of clay on the São Francisco. She explained that the entire process, from taking the clay from the riverbed and baking it, molding the pieces, required a loving relationship with the river. Ana’s carrancas were recognized for their uniqueness. They had simple shapes and a detail that would become her particular signature: the figures had hollow eyeballs. It was her way of ensuring that José, who was blind, would recognize himself in the pieces that had so dramatically changed their lives. Internationally renown, her pieces went from being artisanal craft to being considered works of art. Ana das Carrancas passed away at 85 years old, in 2008, on the banks of Old Chico. This and other stories inspired my research for my collection shown at 2009’s São Paulo Fashion Week. In 2010, I put together the traveling exhibition São Francisco, Um Rio Brasileiro (São Francisco, A Brazilian River), which, after Belo Horizonte and São Paulo, is currently showing in Rio de Janeiro until February, 2012. It will then move on to Brasília and Recife. Like I heard an old river hand say, “When you drink Old Chico’s water, it never leaves you.” >> ronaldofraga.com.br [*Free translation]
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*I’M RIDING THE WAVE / OF SUCCESS / I’M RIDING THE WAVE / DRIVING ON PROGRESS (LULA QUEIROGA) There is an entire universe of sound within the vast landscape of music from Pernambuco: maracatu, ciranda, coco, rock, electronic, hip-hop and pop, mixing percussion and guitars, scouring its history for old sounds or coming up with completely new sounds, like Chico Science and Nação Zumbi, Fred Zero Quatro and Mundo Livre S/A. We travel to the heart of Brazil’s Northeast to find Naná Vasconcelos mixing classical music with the beat of the backlands; DJ Dolores blending sounds in the pick-ups and Mombojó and Siba speeding up the BPMs at the forefront of the new Pernambucan sound By Zeca Gutierres SIBA: DISCREET PERNAMBUCAN CHARM_ Rural maracatu, or ‘maracatu de baque solto’ was born in the micro-region of the Mata Setentrional or in the northern Zonada-Mata (forest area) of Pernambuco. Its marked rhythm, influenced by Native Indian and African origins, emerged at the end of the 19th century and can be found in many of the region’s cities, such as Nazaré da Mata. It symbolizes the strength of nations who maintained their cultural traditions strong in the face of colonization. Folkloric figures, such as the Caboclos de lança, are typical of the rhythm. These bright and colorful characters gave name to the rhythm, from the African word “maracatu”. The Ciranda is a rhythmic and joyful dance with strong social connotations, which gathers people of all genders and backgrounds in a large circle. The dance has little to do with the children’s dance now famous in Brazil’s South and Southeast. Frevo, Pernambuco’s most popular dance, was purportedly born in the second half of the 19th century. It rose to fame at the hands of artists such as Master
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Zuzinha and Juvenal Brasil. It’s intense moves and steps may have given rise to its name, supposedly from the verb “ferver”, to boil, the “fervo!” According to historians, the frevo combines elements from maxixe, Brazilian tango, Brazilian square dancing, the galop, military marches and the polka-march. We also check out coco-de-roda, or circle ‘coco’ dancing, in an interview with Selma do Coco and Mestre Galo Preto… With the exception of frevo, which was not cited in the interview, all other musical genres of Pernambuco (including baião and the caboclinho) influenced Siba’s career. Siba is the former leader (and rebec guitar player) of the band Mestre Ambrósio, which, curiously, takes it name from the master of ceremonies, Master Ambrósio, of the folkloric Cavalo-Marinho Theater, in the Zona-da-Mata. Siba (the nickname of 42-year old Sérgio Veloso) launched a promising solo career with his 2002 album Fuloresta do Samba, jam-packed with cirandas and maracatus. He liked Brazilian 80s rock, and lived though its heyday in Pernambuco. “I’m not sure if there was any good rock n’ roll coming out of Recife, because things there have always been very complicated, there was no structure. But there were definitely a lot of kids playing it,” says the musician and instrumentalist. He welcomed us to his orderly apartment in Perdizes with some (good!) coffee he himself had brewed. In fact, Perdizes is a favorite neighborhood for many artists that have moved from the Northeast to São Paulo. “All the musicians from Pernambuco who started producing in the 1990s took inspiration from the 1980s. It began with Chico [Science], Fred [Zero Quatro], then there was the wave of the Cordel do Fogo Encantado, and later, the third wave with Mombojó, in the 2000s,” he explains. And, unlike other artists we interviewed, themselves children of musicians, young Siba began his love affair with music when he was he was 7-years old. He was living in Recife (though his ancestors hail from the agreste backlands of Pernambuco) when his mother enrolled him in flute classes at his school. He strayed from his passion for music for a few years to focus on riding waves (he loved to surf), but music soon infatuated him again. There we were trying to come up with a definition for his style of music. “That’s a hard thing to do,” he says, “because I juggle a lot of information. I have a strong visceral relationship with music from my homeland, popular music, street music. Everything I make is influenced by the sounds of Pernambuco, especially the sound from the Northern Zona-da-Mata,” a region composed of 43 municipalities, covering about 8.9% of the state’s territory. But this discreet man, who looks younger than his forty-something years, lives from much more than just the past. “I come from rock n’ roll, and I still enjoy the style. I also have a strong relationship with African pop music from the 1960s onwards, and with the rhymed poetry of the Northeast. I am not concerned with representing my homeland. I try to steer clear of specific aesthetics. They tried to make something more of the manguebeat than it really was. To be honest, no one really understands the music from my state.” This and other reasons are what make it so difficult to explain the source of the energy and creativity of local artists. “I can’t tell you why I am a part of this. It’s hard to assess and I don’t like to carry the flag. There really is a very unique sound being produced in Pernambuco and I think it has to do with the fact we tend to take things very seriously. And music is very diverse in Pernambuco. Besides the distinct rhythms themselves, there is also the way in which the people approach them. The state has a rich tradition, and it sends a confusing message, too complex to be easily pigeonholed.” Siba’s current band, Fuloresta, carries on the tradition and works like the singer’s A Side. “The band has strong ties to the culture of the Mata Norte,” he explains. Composed of traditional musicians from Nazaré da Mata, Fuloresta made history in the city of 30 thousand people, located 65 km from Recife. Siba started the band after a cultural incursion into the city, years ago. “I went to spend six months in Nazaré da Mata to produce a record, ten years ago, and wound up staying for a few years. I lived in São Paulo, and, since Master Ambrósio was already established in the Nazaré da Mata, I packed up and moved there. I immersed myself in the cultural scene, in the tradition of poetry. This move taught me a great many things.” He spent years in this ‘school of culture’ and the result can be seen in his upcoming album, which is sure to keep him busy throughout 2012. “My album Avante, my solo project, has very personal lyrics, dealing with facts, situations and emotions. And my starting point really is in the lyrics, because I have this connection to rhymed poetry,” he says. He uses visual elements he perfected in Nazaré da Mata in his concerts, such as poetry, dance, cortejo (typical maracatu ‘processions’), scenography and dress. “It like the street invading the stage.” The independent album seems to be the musician’s B Side. “It’s got more rock, more electronic music, which I combined with a quartet of guitars, drums, tuba, vibraphone and sometimes the keyboard.” The album has 11 tracks, with lyrics and music by Siba. He emphasizes he did not hire a band for the album, but that rather, it was an incredible collaboration between himself and very talented artists. And where there any Pernambucans missing, Siba? “We have Roberto Côrrea, with whom I recorded the album Violas de Bronze; Fernando Catatu, who produced my new album; Lirinha, and the band Devotos.” NANÁ VASCONCELOS: THE LITTLE BOY INSIDE ALL OF US _ Instrumentalist Naná Vasconcelos welcomed ffwMAG! with a smile at his home in Rosarinho, Recife, which he shares with his wife, Patricia Vasconcelos, and his 12-year old daughter, Luz Morena. He begins the interview by reminding us that he ‘did’ a fashion show once – Naná lived 27 years in New York, and picked up the Yankee vocabulary. The fashion show was for designer Carlos Miele’s label M.Officer, and took place over a decade ago at the São Paulo Fashion Week. He played live to spice up the
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candomblé theme chosen by the label for the collection. Naná’s new album is called Sinfonias & Batuques. “It’s a collection of a lot of different ideas, and I had the idea to record them all to give birth to newer ideas,” he says, laughing at his own play on words. Being cheerful is a big part of Naná’s personality. He learned to play and sing by trying out life’s different sounds. “For this album, I pictured an orchestra playing in a park when suddenly some different beats starting walking by. First maracatu, then bumba-meu-boi, and then the coco. The orchestra and the beats keep playing, all together, and that’s where I got this mix I created. I’m very tuned in to the visual potential of music. That comes from Villa-Lobos, who liked to create visual sensations. I recorded a song inside the swimming pool of my house, and another with someone crying and laughing, which I called ‘Chorindo’ (roughly translated, something like ‘cryaughing’). Yep, Naná is always cooking up something new. “Sometimes it’s a solo, sometimes orchestrated. I am, in a way, a Brazil that Brazilians don’t know.” Last year, at invitation from the government, he gathered 30 kids from Portugal and 30 kids from Angola and brought them to Brazil. He added some Brazilian kids and called in Brasília’s Symphonic Orchestra to put together a concert for the capital city’s anniversary. “I called this project Língua Mãe – Mother Tongueand it’s now a DVD. Three different accents in Portuguese singing Brazilian folkloric songs,” says this self-taught artist. He has had a special connection to children since the 1970s, when he worked on an extensive project with children suffering from psychological disorders in France. He developed – for, and alongside, the children - different techniques to use your body to play music. “I created an instrument for a festival in Recife entirely made from chamber pots, casserole pans and basins, which I called Pinipan. I always say that our first instrument is our voice. The second is the body. The rest is just a result of those. Working with children is wonderful, it inspires new ways to play music.” The vivacious Naná has even been the subject of an American student’s thesis, and because of it, discovered he is known the world over, from Japan to Germany. A lover of the arts, he highly recommends the work of Pernambucan musician Zé Som, with whom he has shared a stage before, and who uses his fingers to paint landscapes of sound. Brilliant, spontaneous, naïve and, according to fellow artist Selma do Coco, “very cheeky!” (in a good way), Naná Vasconcelos represents the true plurality of the music of Pernambuco. LULA QUEIROGA: HOW TO BUILD A NEW WORLD_ “They are just theories, of course, but they help explain the strength of music from Pernambuco, a conservative state. It is, in a certain way, a reservoir, in which things do not yield easily. This state had the first hereditary captaincy, with 52 thousand families intermarrying in a very traditionalist atmosphere. Our cultural manifestations began in the 16th centuries and were maintained for many more centuries. Our music is only being discovered by Brazilians now, bit by bit.” The quote is by Lula Queironga, a musician from the same generation as Lenine - although less popular than his friend, he is very successful on the alternative circuit and wears the hat of cultural promoter through his production company, Luni, an incubator for young talent in Recife. The singer and composer, who writes all of his own songs, has a new album called Todo Dia É o Fim do Mundo (roughly translated, Everyday is the End of the World). “The concept for the album comes from a daily apocalypse. It’s about the daily routines of people experiencing this daily end of the world. There is a happy image on the cover, but it is someone else’s happiness, it symbolizes the other.” A man who transforms the many stories he has to tell into poetic song lyrics, Lula began his career around 1984. His father worked in music and television, and he was infected with the music bug early on. “There was no escaping it.” It is impossible to describe Queiroga’s musical style because he has never adhered to one. “During the last few years here in Recife, a lot of musical groups have emerged on the scene with the same sort of sound. My generation came before them, so I can’t help thinking it all sounds the same. By nature, I try to steer clear of this trend. I play popular music infused with modern rhythms. This new album even has some samba. In fact, you just can’t escape samba, can you?” On music from Pernambuco, Lula says that the very young artists are shooting in the dark, trying everything from hip-hop to punk, and that this is very important for the advancement of music. “All of that plus percussion, which is a strong suit in Pernambuco, creates our style.” Queiroga’s vital strength comes from his text, with which, he says, “I create audio cocoons.” He’s played memorable concerts in Milan, in Switzerland, Austria and Zurich. “People in Pernambuco really drink from the waters of Europe, and so we are well-received there. For example, during a concert at the Montreux Festival, it started to pour down with rain, so when we got up on stage, there was no one there. But within a few minutes there were 10 people watching us.” And, because he’s been responsible for launching new names in music, we asked Lula to help us elect the top new sounds in Pernambuco. “Oh, there’s the band Mamelungos, which has been together for just over two years, Vitor Araújo, who plays instrumental music and has good partnerships with artists and bands like Otto and Mombojó, and Tibério Azul, who is better known as the lead singer on Seu Chico’s band.” >>lulaqueiroga.com.br FRED ZERO QUATRO: TO THE MASTER, WITH LOVE_ Traffic was chaotic, and it was an intensely hot afternoon, but a providential breeze was blowing. We met Fred Zero Quatro, spiritual and musical leader of Mundo Livre S/A, at a small gallery in Recife. The musician has been leading the band with steely determination since its inception in the 1990s, with the boom of the Manguebeat movement. Amen to “Old” Fred (as they boys call him) because,
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after himself, Chico Science, Nação Zumbi, some Pernambucan sounds like maracatu reinvented themselves in rock n’ roll and post-modern version, the likes of which had never been heard before in Brazil. (Many claim that this is the truest form of independent rock made in Brazil.) Our visit coincided with the release of the band’s new album, Novas Lendas da Etnia Toshi Babaa, with nine lyrics composed by Fred and performances by the band’s new bass player, Júnior Areia, about whom Fred has nothing but good things to say: “We’ve been recording this album since 2008, but it’s really a result of – and improvement upon – a phase that began when we released Bêbado Groove Volume 1 (Garage Samba Transmachine) in 2005. That album had seven tracks with Areia’s participation. He is an academically trained instrumentalist, a wonderful producer, who strays from jazz to instrumental music,” says Fred. Does that mean that Areia changed the band’s sound? “On the contrary. Areia brought his experience to our sound. The essence and themes of the band remain the same,” he explains. If on the one hand this album has taken longer to be released (the band usually only needs a few months to record an album), on the other hand, this album (the studio’s sixth, the first was Samba Esquema Noise, in 1994) is more musically mature. “The process was really like a distillation of sound.” The head honcho of a band, made up of five young and charismatic leaders as is the Northeastern wont, Fred recalls he tried to leave Recife for São Paulo, “because when my career was beginning, everything happened in São Paulo: major publications, students from all parts of the state, its proximity to Rio de Janeiro and Minas Gerais. My wife, who is also from here, and I lived a little over a year in São Paulo, but never really adapted. One traumatic event was spending the whole day stuck in traffic coming back from the beach – which shouldn’t have taken us more than two hours.” Today Fred lives and works in Recife, using the internet to promote his music to other states. Since the 1990s, Fred is the man who goes to sleep and wakes up thinking about Mundo Livre S/A, writing songs and playing them on his inseparable guitar. He is keeping the ideology of Manguebeat, which combines regional sounds of Pernambuco with rock, hip-hop, funk and even electronic music, alive. “It is the essence of a free world.” >>mundolivresa.com/site
We went to visit Selma’s house, in the neighborhood of Varadouro. Nearby are some of Olinda’s most traditional and popular streets, neglected by the authorities. Finding the house was easy: everybody seems to know Selma, an elegant woman who is the grandchild of slaves. At 82-years old, she is still full of life and mirth. We were welcomed by some of her grand and great-grandchildren. Selma recalls that she left the Região da Mata with her family when she was 10-years old to come to Recife. After one marriage and 14 children, she stopped making tapioca and began making music. She owes thanks in part to the divine and wonderful members of the manguebeat movement, who launched her into the Brazilian musical circuit of the 1990s. Everyone (at least around there) remembers her hit song “A Rolinha”, from the 1997 Carnaval. The song, with malicious naiveté, is a play on the word ‘rola’ – the name of a bird and slang for penis. Selma welcomed us holding a medal she was awarded by former President Luiz Inácio Lula da Silva, for her collective work, and reminds us our former president was also born in Pernambuco, in the city of Caetés, in the agreste backlands. A Scorpio, Selma runs the family and teaches her offspring, some natural and some she’s taken in, about the art of music. “We cannot allow culture to die, can we?” she jokes, surrounded by girls. She learned to sing with her parents and grandparents. “I’ve been blessed. Thanks to my job, I’ve been able to travel all over Brazil and toured in Germany, the United States and France. The secret is to sing well, respect people, please the audience, and always show up to work in a good mood. Nobody is anything in this world, we are all everything,” she philosophies. São Paulo, which she prefers to Rio de Janeiro, has become a mandatory stop. “When I sing at Sesc Pompeia it’s always to a full house.” A friend of Chico Science, she recalls the camaraderie of this man who helped reinvent music in Recife. Want to understand Selma? First listen to her 1998 album Minha História, which received a Sharp Award. She says she wants nothing to do with the modern world (she had a good laugh over the overt ‘sexification’ of punk in Rio) and spends her days caring for her home and awaiting the next invitation to sing. “I think of retiring, but then a new invitation always comes along,” she says happily, as she thanks God.
DJ DOLORES: THE MOVEMENT OF THE MOVEMENT_ When he was 18-years old (today he is 45, but hasn’t seemed to age at all), young Helder Aragão bought a one-way ticket to Recife. With no money in his pocket, but with a thirst for change that only those born in the backlands can know, he left behind his family and a small town in Sergipe for the big city. “I didn’t even really know what Recife was, but I went there anyway,” he says. In the mid 1980s he roamed the second-hand shops in search of musical treasures. He met the right boys at the right time and began to play at parties. DJ Dolores was thus born. The name, according to Helder, is meant to confuse people. “It’s a trick name. It’s a woman’s name, and I’ve even gotten flirty emails from men thinking I was a woman,” he says, laughing at his own antics. Oh, and the other ‘boys’ of his generation include none other than Chico Science and Fred Zero Quatro, who, like all other participants of the manguebeat movement, began life as DJs. We played all sorts of music, from rock to electronica. There were no CDs, no internet, only LPs. We had to wait for our friends to bring back records from abroad or try to find stuff in second-hand shops.” The then isolated Recife of the pre-internet era only contributed to Helder’s musical melting pot. He bet on a mix of pop, rock, electronica and hip-hop. “It was based on this relationship with music that people started putting together bands, in their favorite musical genres,” explains the artist. Unlike other friends, he doesn’t play an instrument, but produces all sorts of music on his computer, from frevo to rock, from pop to electronica. Helder had a band in the 1990s called Dolores, but his career really took off as a DJ rocking concerts, nightclubs and important music festivals. “Istanbul in 2004 and Moscow in 2006 are experiences to remember,” he says. After having released several solid albums, and now with the crisis in the recording industry, he prefers to place his chips on live performances, independent productions and work that guarantees his keep, like producing sound tracks. To Dolores, the future of music lies somewhere in between heavy guitar sounds and electronic music, “I blended the two genres in a new project I’ve been developing.” But he can also rely on his graphic work, like album cover art and music videos, like the cover of the classic album Da Lama ao Caos by Nação Zumbi, and music videos for Mundo Livre S/A. In tune with all the global and homegrown sounds, “I don’t closely follow the current music scene,” he says. Dolores is a rare treasure in a town full awash with traditions. Much like the records he discovered in second-hand shops. >>myspace.com/dj.dolores
GALO PRETO: WHERE MASTERS STILL CROW_ A black rooster, silent for decades, has decided to begin crowing again. From the height of his 76-years of age, Mestre Galo Preto (roughly translated, Master Black Rooster) has returned to perch over the popular music scene in Pernambuco. Born Tomaz Aquino Leão, he earned fame in the four corners of Brazil during the 1970s – he was on television shows like Chacrinha and Flávio Cavalcanti, and collaborated with loads of famous people, even with Dercy Gonçalves. Then he disappeared for decades before returning to the scene, involved in the coco-de-roda culture of his home state. “Jackson do Pandeiro, who is from my generation, already sang the coco, as did Luiz Gonzaga. Right now the genre has seen a comeback and I’m using the opportunity to show people my talent in singing and playing. In truth, I sing everything, coco, ciranda, forró..” explains the well-dressed, friendly man with a thousand stories to tell. But how can people from other parts of Brazil recognize this ‘coco’? “In the first place, the coco singer is not generally a well-educated man. He learns to sing in the music circles of the heartlands, and works with improvisation. The coco is in fact a dance, a playful game played by northeasterners, like the ciranda, maracatu and caboclinho,” he clarifies. Galo Preto, who doesn’t much like the title ‘master’ (I prefer to be called a student, because I am constantly learning), hails from a family of repentistas, or rhyming poets. His older brother gave him the nickname when he was 6 years old. “I wanted to fight him, and he teased me, saying ‘The black rooster is angry, is he?’” He began writing his own songs when he was twelve years old and today, at 76, this embolador has live shows scheduled all over Brazil and abroad. One of his latest tasks was writing the words to a government anti-AIDS campaing. “They explained to me how its transmitted, how its fought and how to prevent it, and I made up a song about it, which has become a documentary. The words go: ‘Procure se proteger / Quem usa o preservativo não pega o HIV / A aids não pega no beijo, nem no aperto de mão / Não pega no assento do banheiro nem no da condução...’”, (Protect yourself / wear a condom and you won’t get HIV / You don’t catch AIDS from kissing or shaking hands / Not from a toilet seat or on the bus…”) Galo Preto switches his pandeiro from hand to hand effortlessly, mid flow, and is moved by the confidence and skill present in his verses. He was born in the Pernambuco city of Bom Conselho, and his pandeiro has a drawing of a black rooster. “When I came back to work, these past few years, people were researching and discovered old photographs from my childhood where I had a black rooster drawn on my pandeiro. So I adopted the symbol once again,” says this charmer. He introduced us to his son, Telmo Anum, as the successor of his work, albeit it with a more modern catch that befits the new generation of musicians from Pernambuco.
SELMA DO COCO: THE UN-FORBIDDEN FRUIT_ Water taken from a coconut is the most miraculous in the world, and a large part of the Northeast’s economy relies on it. The fruit yields delicious recipes, and its raw material is used for several purposes, from medicine to design. Its canopy offers shade and a respite from the relentless heat of Pernambuco. But coco (Portuguese for coconut) is also the name of a local musical style. Selma do Coco is one of the more well known exponents of the genre – which is one of many Brazilian intangible heritages born in the Northeast, from the arid backlands to its beaches. It has its origins in Native Indian and African song and dance. Coco blends percussion, pandeiro, cuíca and ganzá and depends on improvised poetry, made up on the spot based on a chosen theme.
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MOMBOJÓ: INDEPENDENCE OR DEATH_ They are under 30 years old, began to play as teenagers, and in 2008 left Recife for São Paulo seeking to fulfill the city’s honorable mission of promoting good bands to the rest of the country, including to their home state. Mombojó, or Felipe S (vocals), Vicente or Vivi (drums) and Marcelo Machado (guitar) welcomed us in the two-story house they’ve rented in Pompeia. There they live and run an improvised studio where they let loose their brand of rock n’ roll, which references other artists, from Nação Zumbi to Mundo Livre S/A to the French-Italian Stereolab.
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We were unable to speak to two of the members, Chiquinho (keyboards) and Samuel (bass), who were not present for the interview but are in the group photo. Just for starters, the word Mombojó means… precisely nothing! “We wanted a made-up name so when you googled it you would only get references to the band. We held a vote and Mombojó won,” recalls Felipe. Vivi adds, “It was supposed to be Mombojó Ragajá, but the second part of the name got complicated and so we quickly dropped it.” They formed the band in 2001, through school music festivals, and moved away from local rhythms and percussion towards a more rock n’ roll sound. “We love the style of these other bands, but we wanted to move in our own direction, based on rock. The band’s approach is rock n’ roll,” adds Vivi. A concert with Nação Zumbi and hardcore band Devotos, from Recife, opened up doors to more concerts. But things only became truly professional in São Paulo, when they signed with record label Trama. The band was created in a school in Olinda, where these five and two other members of Mombojó studied together (unfortunately one of the boys, Rafa, passed away, and the other, Marcelo Campello, soon left the band). They’ve adapted well to São Paulo, where they prefer soccer matches, videogames, cultural events and movie theaters to nightclubs. “We began coming to São Paulo in 2007 and were living here by the end of 2008,” says Felipe. They are currently not signed to any label, but are preparing a commemorative 10 year album, with nine of their key songs from their history as a band, and one never-been-released track. “We are going to release this material free on our website, but we are not dismissing a printed album. But that will depend on a record label like Trama, which backs more modern release formats.” Independent, and more concerned with maintaining their musical and aesthetic standards, the Mombojó boys rely on live shows to keep themselves going, but that doesn’t seem to be a problem. Felipe, Vivi and Marcelo recommend the young A Banda de Joseph Tourton as the hot upcoming name of Recife. And what do they most miss about Pernambuco? “The beach and our families. We can call our family and all, but there’s nothing we can do about the beach. There’s nothing quite like being there and feeling the ocean breeze on your face,” they sigh. >>mombojo.com.br [*Free translation]
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*NO ONE EVER SEES / A BUILDING WITH NO STORIES / THE HEAVENS WITH NO STARS / THE OCEAN WITHOUT DEPTHS / OR A GENERATION / WITHOUT THE NEXT ONE (JOSÉ SEVERINO CRISTOVÃO) Lets look to the future through the eyes of technology expert Silvio Meira, who works like a machine on the Digital Port of Recife, but, like other people of goodwill, dreams of making this wonderful world a better place By Zeca Gutierres What is to be said of the future if we cannot reach it? Because everything is in the present (dripping by, let’s say), and at most we have the past to remind us that everything we’ve lived through was once… future. Perhaps that’s why we are so fascinated by the unattainable “tomorrow”, because we pour all of our hopes and dreams into it, putting off to tomorrow changes that seem so distant today, and sometimes… unattainable. Time-travel into the future is only possible in dreams, in the poetic license of novels and films, in scientific innovations and, of course, in technology. This latter, perhaps, is the best way to explore a “state” that will never come to pass. This issue on Pernambuco places us face-toface with a man who thinks daily about the future. He creates ideas and leads teams that want to change the world. He is Silvio Meira, a full professor at the Center for Information of the Federal University of Pernambuco (UFPE); a lead scientist at C.E.S.A.R. – the institute of innovation of Recife – which develops products, processes, services and companies that use information technology and communications; and president of the Digital Port of Recife, a symbol of innovation in the country. Meira, who also claims to be a ‘maracutu’ percussionist (because the present and future of Pernambuco are always viewed through the historical lens of its music), welcomed us for a quick talk at the UFPE, and told us that with so many different occupations and pressing demands from the students and faculty, he really suffers from a lack of time. So much so that the researcher prefers to work from home, because, besides having a computer with more power than those of all those at the university where he works combined, that’s where he feels most at peace to dream up creative solutions. One of the 50 champions of innovation in Brazil, he only had time to take the picture for this article, while the interview itself was conducted through email, enjoying the peace of his computer. Below are excerpts from the interview where he talks about the real and dreamed of futures. MIRRORED IN THE FUTURE_ “The information technology and communications markets in Brazil are very large, over US$ 150 billion according to numbers from 2010. This figure includes domestic investments and the telecommunications market. Just the software, hardware and service markets alone comprise US$ 37 billion. At the same time, it is still a secondary market, in the sense that things happen here far later (and normally on a smaller scale and with poorer quality) than in better connected countries – all of this despite Brazil ranking
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11th on the global market. This happens, in part, because of our vast territory, a demographic concentration of people and income in certain areas. But, while this presents a problem, it also creates a large number of opportunities for innovation because there are innumerous products and services that can be created precisely because of this scenario, and later be duplicated in similar scenarios in the rest of Latin America, Southeast Asia and parts of Africa, etc.” BRAZIL, THE COUNTRY OF THE MOMENT_ “Brazil is already a country of the future, except the said future is not evenly distributed. To do much more, including large worldclass software, we must increase the density and improve the quality of our value chain in the country. More local systems of innovation, like the Digital Port, would really help; these are long-term projects. The horizons of sustainability of the Digital Port are above 20 years, or, in political time, four terms. We need to begin to act in a far more structured manner, thinking of the country as a whole and not in political parties. From a different point of view, we need to educate more people with a better quality of education, while simultaneously increasing our appeal so that entrepreneurs and investors will be willing to risk their resources in new, innovative businesses with potential for growth. A HUB OF OPPORTUNITY_ “The Digital Port includes nearly 200 companies exploring opportunities to grow their business on the domestic market. Many of them seek, at the same time, global opportunities, especially in terms of software and services. Since Brazil makes up 50% of the Latin American market and opportunities and growth here obey the “Chinese” rates (in the case of software and services, nearly 25% in 2010), meeting the needs of the domestic market already presents a challenge, with enormous opportunities. This allowed the Digital Port to go from four companies and 50 collaborators in 2000 to nearly 200 companies with roughly 7 thousand employees, and estimated revenue of nearly US$1 billion in 2011. We are doing well, but there is still much to be done in terms of turning the local system of innovation of the Digital Port and surroundings into an international one.” TO PERPETUATE, COMMUNICATE_ “Many people have already said that it is easier to make the future happen than it is to predict the future. And looking at what’s being done today, it doesn’t take much insight to see that technologies that boost and improve the innate human ability of connecting with one another is making room for new layouts, in which the classic notion of broadcast (communication networks such as television, from the center outwards, from one to many) is being challenged by socialcast type networks (from many to, potentially, many), in which interpersonal flows gain a much greater significance and tend to challenge the importance of the older media. This will change the way in which we interact. And there are ‘things’, objects: the internet will connect a lot more than just people. This will open up an entirely new, infinite array of services and relationships with these services. And this is just beginning, but it will have a monumental impact in the next 15 years, from the street to our cars, from clothes to washing machines. And even my glasses, perhaps…” REVOLUTIONS PER MINUTE_ “I believe we are living through a long period of converging revolutions, and for a long time now. Since writing was invented, the systematic documentation of knowledge has permitted us to share knowledge and allowed us to change our understanding and interaction with the world based on what had already been tried and tested. As global warming seems to show, we not always learn from others’ mistakes or even use all the knowledge we have amassed, because knowledge is a flow, and not a static repository of information. The current convergence seems to be one of systems based on information and the processing of information: that is what biology is, like genetics, which is a part of it, and cognition, the learning processes of living beings and machines. I think we will soon live through a redefinition of what ‘intelligence’ is, starting the moment we are able to design and program systems that ‘drive’ vehicles autonomously, on real streets and highways, and understand that it doesn’t take ‘intelligence’, in the human sense, to do so. This convergence, “bio-cognitive-info”, supplied by our understanding of nanotechnology and its possibilities, is probably where the next great innovations will come from.” WILL ART CHANGE THE FUTURE?_ In art you have the freedom to create systems, processes, products, whole worlds that do not need to be sustained. As art creates these imaginary worlds and explored all of their possibilities in a playful way, it also opens up a space for technology to “play” with possible future scenarios. Look at games like World of Warcraft: on the one hand, it’s just a story, like the ones Tolkien wrote, but when it is written in software (a new literary genre, concrete practicable poetry?...) it becomes interactive. People create representations of themselves (avatars), communities, build common stories, and invest (time and money) in their virtual careers… In sum, live second lives. More than one, in fact. In terms of corporate software, maybe it would be more interesting and fun if we could write about our businesses like a game, right? Life (and business) imitates art, and art, reflecting on life, (re)describes it.” 2100: A VIRTUAL SPACE ODYSSEY_ “If we think of the waves of innovation that we might experience by 2100, I believe there will be time for three or four big waves. Sustainability is already here, because we have to balance the availability (of everything) with the consumption (of everything) on the planet. It’s not enough to ‘reduce deforestation’, as the government (any government) announces. We have to reverse deforestation, or risk forever losing part of the diversity that may prove essential to our own survival. It seems clear that we are going through a wave related to living things, to life and our understanding
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(and manipulation) of it. This wave has arrived and genetic manipulation is a part of it. There is a wave of energy innovation beginning now, in all its sustainable forms (the result of a wave of innovation in sustainability). More networks, more people on the networks, more and better connected, using the networks more efficiently, effectively, and therefore balancing the energy we generate and use. Much more information flying around, all people connected to themselves and to almost everything that it worth it. Many of these ‘things’ will be robots. Major players, to use modern day lexicon. Many of them will make many occupations obsolete (such as drivers, for instance, or call center representatives). A happier world? I can’t say. But, there will certainly be more people looking for meaning (‘why must I do this?’) instead of procedures (‘what must I do?’)… and perhaps with a lot more free time to do so.” I, YOU, THEM, US, ROBOT!_ “I don’t believe we will live in a world ruled by machines, at least not in the next few centuries. At the same time, many human functions that require only repetition and physical strength (porters, dock workers) will only be performed by humans voluntarily. I think there will be rules restricting direct human action for exploits considered too sophisticated for humans today, which require specific knowledge and high physical precision (think neurosurgery). They will be mediated by robots to assure the safety and success of the processes. And that is very natural, in the same way that today we wouldn’t think of extracting a tooth without anesthesia… which was the normal procedure 100 years ago.” >>bit.ly/MEIRA [*Free translation]
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*I AM STANDING IN A KING’S LAND / I AM STANDING (SIBA E FULORESTA) There are not enough clay pieces capable of summing up a Northeastern village of a thousand craftsmen By Bruno Moreschi Even before the airplane lands at the airport in Recife, you can here someone touting the charms of a place called Alto do Moura. Located seven kilometers from the center of Caruaru, the village is cited by residents of Pernambuco as the land of boundless ceramics. “Each more beautiful than the next…”, they say. To really prove the point, there is always someone at hand to mention that Alto do Moura is recognized by UNESCO as the largest center for figurative arts in the Americas. But seeing Alto do Moura with my own eyes was not seeing the most impressive ceramicists in the world. There are, in fact, pieces that grab your eye, but there is no denying that they often have the look and feel of being massproduced. Hundreds of dolls of women from Bahia, hundreds of tiny identical ‘cangaceiros’, innumerably clay pots… The most impressive aspect of Alto do Moura is not for sale. On the one hand, it proves disappointing for the hoards of people who come here to buy artisanal crafts for everyone they know. On the other hand, it is a very intriguing experience for those who go there to really learn something about the place. Alto do Moura may be just another village in the Northeast, where residents persist in planting whatever the soil will reap and in raising goats. But the people there have instead created a new type of economy, which does not depend on the climate, but rather in clay techniques passed on from generation to generation. Against the unchanging backdrop of drought, Alto do Moura decided to become the set of a giant studio. And that is the true treasure of the site, richer than any piece of clay made there. To better understand the birth of this fascinating center of Northeastern perseverance, it is necessary to understand what Alto do Moura was like at the end of the 19th beginning of the 20th century. Back then, the region had a population well known for making clay pots. Unexceptional, seeing as you can find clay goods in virtually all corners of the Northeast. The most often repeated story is probably a watered down version of what really took place. “Master Vitalino started it all,” says his son, Severino Vitalino, also a well-known local artisan. He reminisces about his father as he shows us around the local museum dedicated to the great master. “My father never taught anyone, but everyone watched him and learned, and that’s how Alto do Moura was born,” says Severino, as he shows us the studio where he creates his pieces. The studio sits in a corner of the museum, by a window, next to the space where his father created his pieces. But to espouse the idea that Alto do Moura is an individual creation of Master Vitalino is merely parroting a stereotyped story told to tourists. The truth is nobody creates a village of craftsmen all by themselves. The book Do Barro à Expressão Artística (From Clay to Artistic Expression) is one of the few documents that escape the stereotype. The hesitation of authors Josué Ferreira and Paulo Roberto de Freitas seems dead on: “Art in Alto do Moura should not be seen as an exclusive creation of Master Vitalino, because to do so would be to deny the effort and creative abilities of many others, such as Zé Caboclo, Manoel Galdino, Manuel Eudócio, Luiz Antônio, Ernestina Antônia, Zé Rodrigues and others, who restlessly worked to boost production and improve the techniques used.” In other words, many people contributed to transforming this village of pots and pans into a village of artistic creations. The work of Master Manoel Galdino (1929-1996) is one of the most impressive examples of what the region produces. His pieces differ from all the other in Alto do Moura because he is a kind of Gaudí of the semi-arid Northeastern backlands. Some of the more pompous citizens may say things like: “Where Europe had Salvador Dalí, we had Galdino.” As if the Northeast of Brazil needed
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Europe to be an actual artistically relevant place. Among the living of Alto do Moura, there are other descendants of the great masters of old, and some of the surviving elders. Elias Santos, 87 years old, is considered one of Master Vitalino’s first disciples. His specialty is making clay Saint George statues so rich in detail the lazier ceramicists are reluctant to make them. Lucky for Elias, who has become the only one with the necessary skill to create the mounted saint crushing an evil serpent. Roaming through the village, you notice that most of the homes have their front doors wide open. Right in the first few houses, Celia dos Santos prepares an order of one hundred piggy banks for someone coming by the next morning. If you order them in bulk, they cost R$ 1.50. Individually sold pieces fetch nearly double the price. A little further on is the home of Marliete da Silva, a 54-year old artisan. She became the most skilled local miniaturist in the village by watching her mother make small vases. There is nothing in the world she cannot reproduce in just a few centimeters. She reached her zenith when she created an entire beach scene, with a 2-centimeter tall little boy buying ice cream from the ice cream vendor. She does not have any children, but all of her 17 nieces are already artisans. Hidden in the back of the homes of Alto do Moura, far from prying tourist eyes, are the enormous clay-baking ovens. They can reach a temperature of 600˚ C (1112˚ F). The intense heat helps dry the clay and make it more resistant. “Not even Hell is this hot. I died once and came back sure of that fact,” says the only sour-faced artisan in a village full of smiling people. Today Alto do Moura has an internet café. But even so it is still steeped in clay. Wandering through this land of clay pieces, artisans, goats and local idols, such as Vitalino, makes us question: until when? How long will these people persevere in this task? The answer is not as objective as a journalist would like. It is probably a combination of letting in the modern world (the internet café is always full) with a kind of hard-headed resistance baked into stubbornness by their hot clay ovens. A curious story reveals a lot about the village’s duality. In the 1980s, a wave of famous contemporary artists from Recife and other large cities came to Alto do Moura to learn the local techniques. They hoped to learn the old techniques in order to create contemporary pieces – what the trendier artists like to call works of art, and not craftsmanship. The residents of Alto do Moura received the artists with open arms and fresh coffee. But in a short space of time, everyone realized that it felt more like an exploration capable of placing the entire traditional technique at risk. In just a few weeks the contemporary artists were sent away – with typical Northeastern graciousness – but in a very definitive fashion. No big shot city artist will rain on the parade of an entire village of craftsmen. [*Free translation]
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*ON THIS BEACH, THESE SKIRTS, THESE LOCAL WOMEN / COARSE AND HURRIED LOVE IS MADE, SHAVE YOUR FACE AND GO / ON A BEAUTIFUL SUNDAY, SOAP OPERA, MASS AND COMIC BOOKS / MAY GOD REWARD YOU (NAÇÃO ZUMBI) From water to wine: not even the All-Mighty can explain the transformation of Elias Sultano, from agricultural engineer into one of Olinda’s most unique saint makers By Zeca Gutierres Thirty years ago, Elias Sultano was a respected professional that spent nearly all 24 hours of his days traveling all over Brazil as a consultant to sugar and ethanol producers. “I went to São Paulo by plane about 200 times, sheer madness! I decided then that when I turned fifty I would retire and dedicate myself to making saint statues and figurines, which I was already working on with a small team of people,” says the spirited 67-year old, who works with traditional aspects of Pernambuco. “I learned the technique from traditional saint-making friends, but I also created my own techniques because I applied everything I had learned as a former agricultural engineer, chemist, researcher and head of a lab. I exchanged my significant salary for a quieter life in my studio.” And talk about studio: Elias’ large home looks out over the blue Olinda seas. He hasn’t done a major renovation of the space yet because he is engaged in a legal battle with Iphan (the National Historic and Artistic Heritage Institute), who, according to documents, fined him for making changes to the original house plant. “I didn’t make any changes, but things are complicated here when it comes to these big, old houses,” explains Elias. A year ago he moved from his home up on the hill overlooking Olinda, which also housed a store, to the precarious serenity of the studio on the shore. “I sold the house, one of the oldest in Olinda, from 1584, without any remorse. But I’m still searching for more peace.” Sultano began his career as a saint maker carving wooden saints, a technique he later abandoned because, according to him, the price of the material was prohibitive. “Instead I created a resin that contains some wood in it and gives the pieces an unique look.” We observed the resin being made – pure alchemy! Depending on the size of the saint and the deadline, Elias puts the whole team (about ten men with strong hands and soft hearts) to work on painting the piece. And how religious is our saint maker? “Look, I have a lot of faith in God. And everyone comes through my door, from bishops to cardinals. So I have enormous respect for everything, but, in truth, I think God is not too concerned with us.
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It’s people who have all these stories, who create God’s laws where God Himself has never been. They keep harassing God with all their prayers. They need to have a life of good deeds. We must live a dignified existence, and help others,” he philosophies. Sultano, who has taken many assistants under his wing, is known locally for his sympathy and generosity. “One time, a burglar broke into my home. After ransacking my life and my studio, he left feeling very disappointed. After he had wasted hours looking for cash in the house and not finding any, I even offered him a saint, but he chose to leave empty-handed,” says Elias, content in the knowledge he is well looked after by the All-Mighty. >> fundarpe.pe.gov.br/maspe [*Free translation]
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*HOW MANY PATATIVAS CAN YOU FIND / IN THIS WHOLE WORLD, SINGING THE GOOD SONGS / BUT THE FIRST OF ALL SINGERS / THE GREATEST OF THE GREAT / IS ONLY PINTO DO MONTEIRO (JOSÉ VIRGOLINO DE ALENCAR) Place two repentistas face to face in an arena at a free market and you’re guaranteed the most spontaneous spectacle on Earth, as takes place in the airy city of Gravatá By Zeca Gutierres When two emboladores or repentistas, singers of improvised rhymes, meet, it is a sign of an upcoming duel sung in verses and rhythm, where the audience decides who the winner is. The embolada (tongue-twister), coco-de-roda (rhythmic dancing) and repente (sung rhymed poetry) are highlights of Pernambuco’s free markets, such as the Caruaru market – a gathering of flavors and rhythms consecrated by Luiz Gonzaga in his verses. According to Adriano Marcena, author of the Dictionary of Pernambuco’s Cultural Diversity (CEL Publishing House), “each of these forms work with the popular oral tradition, and are normally composed of a dueling duo. In embolada, we have a duo of coquistas, a duo of emboladores de coco, or a duo of coco singers. Repentistas or violeiros (guitarists) have a duo of repentistas, violeiros or viola singers. The main difference is that the emboladores de coco use a pandeiro while the repentistas use a viola, or small, ten string guitar.” Another difference: the singing is more complex than the embolada. Jesting, politics, social criticism, everyday gossip: everything is thrown in the mix of this rhythmic game which continues to reign in the Northeast. João Batista Celerino da Silva was born on the eve of the São João festival and therefore is very devoted to the saint. He lives in Gravatá, a city in the hot, arid agreste land of Pernambuco one hour away from Recife. He is not an embolador, but he caught our eye because he collects vinyl records and other trinkets of repentistas on the property he inherited from his father and which he transformed into an independent cultural center. The center sits dab in the middle of caatinga and high-altitude wetlands, vegetation native to the region. To reach the center we had to drive an extra half an hour on a dirt road, feeling certain there couldn’t possibly be a museum anywhere nearby. João began by showing us a rare treasure hung up on his wall: a vinyl recording of Pinto do Monteiro, one of Brazil’s most famous repentistas. Born in 1895, Monteiro was crowned the “Cascavel (rattlesnake) of Repente”. The museum’s archive gathers over 80 period vinyl records and articles such as guitars, trophies and music sheets belonging to masters of improvise such as Zé Cardoso, Louro Branco, Geraldo Amâncio and Ivanildo Vilanova (who lives in Gravatá and performs regularly at the center) - which together document the history of repente. “I maintain all of this by myself, without the help of the municipality or the state, because my father, uncle and cousin were all repentistas. I gathered everything I had along with some donations that I get from old-timers and put together this center, which also functions as a restaurant and concert hall.” All improvised, like the repente itself, serving typical regional cuisine, such as roast goat and ‘capoeira’ chicken, typical of the rural areas of the Northeast. Pinto do Monteiro himself sang around these parts at the beginning of last century – Celerino’s father like to gather repente big guns to battle it out in the sertão. [*Free translation]
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*MISS, FOLLOW MY ADVICE / GO OFF TO PRAY, BECAUSE I CAN SEE IN THE DISTANCE / THE COMING WRATH OF LAMPIÃO / LEAVE BEHIND ONLY THE SOLDIERS, SERGEANT AND THE CAPTAIN (CARLOS PENA FILHO) Inspired by the tradition of medieval Iberian popular festivals, the carved the history of the Northeast of Brazil in wood, as Master Tonho and other countless craftsmen from Pernambuco continue to do By Bruno Moreschi In Pombas, a city just shy of 24 thousand people in the heart of the state of Pernambuco, everyone seems to know Master Tonho. Even so, finding him is no easy task. When questioned, the locals always say the same thing: “Tonho lives up there. Next to the Baptist Church.” Up there describes a steep climb up a dirt road. And the church looks just like any of the simple local houses. But Tonho is not at home. Which means we get to wait for him in the heat of the midday sun. A cakewalk for the locals, but utter misery for a pale-faced reporter, a scrawny art director and a French photographer. Luckily, Tonho arrives in just
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a few minutes, smiling, pot-bellied and holding the keys to his house. His house-cum-studio stores large wood heads, colorful swaths of cloth and the three main characters of his show: Manoel is the rich landowner, Quitéria, his wife, and Benedito, a black laborer who always gets the short end of the stick. There is also a curious bird of prey, a carcará, used only in the most special presentations. When Tonho was 13 years old, he began to create makeshift wooden dolls. After painting them, he would set them out to dry on the sidewalk in front of his house. One day, Antônio Bilô, one of Pernambuco’s greatest puppet creators, saw Tonho’s dolls on the sidewalk. He liked them and decided to teach the boy some new techniques. Today, Tonho is one of the most well known mamulengueiros, a creator of the puppets typical of Pernambuco. There are several origin stories for the musical sounding name that describes the puppets. The best is certainly the one that claims the name comes from a shortening of the expression “mão-mole”, loose or floppy hands – a trait fundamental to puppeteers. In order to create his pieces, Tonho first sculpts the mulungu, a soft wood typical of the northeastern heartland and well suited for the carving of puppet faces. Tonho then creates the bodies from colorful swaths of cloth, clutched in his pudgy hands. In just 30 minutes he is capable of turning a dull piece of wood into a pregnant mamulenga lady, about to give birth to three little mamulengos. But making the puppets is the easy part – carrying the giant puppets and all the paraphernalia to erect the mini-theater under the scorching heat of the sun is the toughest part of the job. “I grumble and fume right up until I hear the laughter and cries of the children. Then suddenly I feel like Michael Jackson,” he says, just seconds before tripping over the wooden head of a bride that more closely resembles a transvestite. The bride doesn’t complain and Tonho sums up the silence of his puppets: “It’s a family of dead dolls that support a single living man.” COMEDY, TRAGEDY AND DRAMA_ As the reigning philosophy of the popular northeastern artists demands, the art of mamulengo is based on improvisation, and subjects are chosen from peoples’ daily lives. There is even a script of sorts, but it is never written down. And there is a difference between puppet theater and mamulengo. The former has a complete plot. The latter is entirely improvised. Mamulengo, in its essence, maintains elements from traditional Iberian medieval and renaissance festivals, but it has also drunk from Indigenous and African sources that have heavily influenced culture in the Northeast. At first, it was tied to Christmastide because of its religious inspiration and its inclusion of characters such as the Devil, Death and Lost Souls. But the profane soon overtook the sacred, and the spectacles were soon part and parcel of festivals and popular gatherings in the northeastern heartland. Besides the tordas or empanadas (different names for the stalls) placed in public squares, the shows also count on an orchestra to give rhythm to the stories. The orchestra consists of a rebec, or medieval fiddle (or an eightbass accordion), a pandeiro, a bombo drum and a triangle. The master mamulengueiro is responsible for signaling the orchestra to begin or to stop. Depending on audience reaction, the short stories, or passages, are portrayed by the glove puppets, rod puppets, marionettes or rag dolls. Among the most popular characters are Quitéria, Capitão Mané de Almeida, Cabo 70, the Lawyer, the Devil, Papa-Figo, the Lost Souls, Scaredy, the Priest, the Blessed, Seu Arquejo, Beicinha and many, many others. THE MAMULENGUEIRO MASTERS_ Besides Master Tonho, there are many other artists that have made this one of the most popular and whimsical artistic expressions of the northeast. There was Master Luiz Serra, born Luiz José dos Santos in Vitória de Santo Amaro, in 1906. He coined the phrase: “Only poets can play at mamulengo.” He created memorable characters such as Mané Pretinho and Bernardo and influenced an entire generation from the 1940s onwards. He passed away in 1986. Master Ginu was born Januário de Oliveira, in 1910, in Recife. He is the creator behind the famous Professor Tiridá, a name he himself wound up adopting. The intellectual elite of the Northeast considers him the “master of the art of mamulengo” for manipulating all of his puppets. Tiridá gave all of them voice, switching between several characters. He passed away in 1997, forgotten by his fans, but not by mamulengo researchers. Master Saúba is also an integral part of this story. Née Antonio Elias da Silva, he was born, raised and lives in Carpina and today is one of the most important mamulengueiros in Pernambuco. He went above and beyond the creation of puppets and invented amazing mechanical contraptions that move and tell the story of life in the northeast. Stories include the discovery of flour, or the forays of the bandits led by Lampião and Maria Bonita. The famous dancing doll of Dona Lindalva was created in his house. And there are other important names to be remembered in the art of mamulengo: Manoel Amendoim, Zé de Vina, Dengoso, Solón, Zé Lopes, Bibil, João Galego, Pedro Rosa, Bilino etc. In the city of Olinda, mamulengo capital of the Northeast, a museum run by the Town Hall gathers the history of this popular art form. Espaço Tiridá, as it is known, was born in 1994, in Amparo, but was given a new address in 2006, in Ribeira, also a part of the Historical Heritage Site of Olinda. It is housed in a three-story building easily accessible to tourists. It boasts exhibition rooms, a library, an auditorium and thematic exhibitions. Its archive is home to the relics of old masters, some unknown, beginning in the 19th century. There are nearly 1,200 pieces in good conditions, among them
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puppets, pieces of setting and musical instruments. The work of many of the masters featured in this article can be found there. Worth a visit! [*Free translation]
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*THERE’S MANIOC PASTE, / BAKED POTATO, RAW EGG, / BANANA, ORANGES AND MANGO / SWEET POTATO, CHEESE AND CASHEW, / CARROT, JABUTICABA BERRIES, / GUINÉ, CHICKEN, DUCK AND TURKEY, / GOAT, LAMB, PORK, / AND JUST BELIEVE ME… EVEN CURURU (LUIZ GONZAGA) The most varied impressions of the giant free market Ca-ru-a-ru By Bruno Moreschi You can grab a bite to eat at the Rei da Coxinha snackbar off of highway BR 232, half an hour before reaching Caruaru. There is a giant totem at the front door, the size of a ten-year old child, shaped like a coxinha – the very Brazilian snack that is so full of local flavor. On the menu, the traditional chicken coxinha, the bold shrimp coxinha, the unlikely cod fish coxinha and the typically Northeastern goat coxinha. We don’t recommend the latter. From Recife to there, the landscape transforms drastically: from a sea of high-rises to the agreste, dotted with small shrubs. There is also the inexplicable city of Gravatá, with steep-roofed homes in the most legitimate pseudo-Germanic style, as if residents are waiting for snow that will never fall. Much to their sadness, the Northeastern heat means the city cannot even remotely resemble the Alps – much less Yakutia. Hearing about Caruaru is hearing every Northeastern say that it is the doorstep to the agreste. Luckily there’s no flashy welcome sign for the tourists – Caruaru doesn’t need to make use of such artifices. There is already a huge hoard of people obscuring the small, municipal sign saying “Welcome.” Caruaru, after all, has its market. “The world’s largest free market,” repeat the residents proudly. And Caruaru is only Caruaru because of its market. Caruaru. The Brazilian city with the most harmonious name around. The tourist guide explains that the market opens up at 8 am. A lie. By 5:30 am many of the stalls are already open, including one owned by an excited old man who promotes his own talent. He has a little sign saying, “Attention! See the work of the poet Cristóvão, known in 43 countries, scientific (sic) cordel, regional and biographies.” José Severino Cristóvão is 75 years old, 60 of them at the market, and he is… “The best cordel writer in the world,” he says, handing us a photocopy of an article in The New York Times. The article has a picture of him in it. He is, in fact, good at what he does. One of his cordel pieces contains enough tragedy to give us pause. It is about a traveling, stammering lawyer in the Northeast: *To say penal law / is to him an agony / what he says is not understood / by the body of jurors / and he winds up losing his case /leaving the accused condemned Cristóvão’s problem is his burgeoning vanity. It is not enough to be the best cordel writer in the world, according to him. The words written by Larry Rohter in the Times are not enough. He needs to promote himself further, so Cristóvão found some space at the back of his córdeis to inform the public that his work has been shown in Germany, in Canada, on the BBC, on Japanese television, on Portugal’s STV, in the newspapers Jornal do Comércio and Diário de Pernambuco, in Veja magazine, on all broadcasting stations in Brazil, and, to highlight the point, “through the ‘Jornal Nacional’ on TV Globo to 192 countries on this green planet.” Months ago, a candid tourist called him ‘pretentious’ and a show-off. Cristóvão gave a little chuckle, tipped his hat and kept his cool. He answered with a blatant lack of modesty: “Well, I’ve read the Bible through and through, and I have the audacity of not believing in every word. Only in the New Testament.” The tourist was silenced, and perhaps feeling somewhat intimidated, bought himself a handful of cordéis. Leonel do Pandeiro is better at rhyming his improved poetry that Cristóvão, in his cordéis. With the significant difference that he doesn’t consider himself to be the best in the world. He has been roaming the Caruaru market for four decades, asking people to think up a word for him to rhyme a poem, a repente, right there and then, on the spot. His experience is so vast he can even come up with poems to rhyme “cinza” (gray) and “tórax” (thorax), which, in Portuguese, have practically no words to rhyme with. Luiz Gonzaga was wrong in claiming in his famous song that the Caruaru market has everything. There is one thing it lacks: silence. There is not a single person there with their mouths shut. Cristóvão shouts out the verses of his cordéis; Leonel sings out his poems, women hawk goat-shaped jars at the top of their lungs (the water comes out of the unpleasant side of the goat); the poor, colorful little birds struggle in their cages; a dozen people fix broken fans; an inventor guffaws as he shows off his TV, with audio, that runs on a car battery; a persistent boy tries to swap two broken wristwatches for an equally broken cell phone; a woman proudly displays the cleaning products she herself created (each 2 liter Coke bottle has a different and alluring colorful liquid in it); Santana Aparecida hawks her Dried Herbs Combo – a turbo charged mix of bay leaves, horsetail, gorse and white sage to purify the house. There are also, in at least 35 different stalls, hawkers selling piggy banks shaped like bottled gas cylinders. All exactly the same. Often, the Caruaru market seems like a giant dollar store.
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Some blocks from the market, far from the deafening roar, historian and anthropologist Josué Euzébio Ferreira is overseeing the renovation of a house. Meanwhile, he talks to us about Caruaru, the subject of his master’s degree at the Federal University of Pernambuco. As an opener, he knocks together a map of the state of Pernambuco on a piece of paper. He draws attention to the shape of the state, long and skinny, and how Caruaru is in the middle of it. Then, he explains, “The city sits exactly in the spot where the cattle would stop to rest. And it goes both ways, from people leaving the arid backlands towards the coast, and for the people of Recife who wanted to travel inland to the heart of Pernambuco.” Some inns and a chapel sprouted in this rest stop called Caruaru, and in the 18th century, the famous market followed. However, historian Ferreira believes that we cannot just repeat all the same stories about the Caruaru market. To say that, at 40 thousand square meters, it is the largest open-air market in the world may be surprising, but it is already included in every tourist pamphlet to be found at the airport in Recife. “We also need to speak some unpleasant truths,” says the professor. The state of the Ipojuca River is chief among them. Running through 27 cities in the Northeast of Brazil, the river cuts across Caruaru from East to West. Part of the market is set up along its banks. Which would be lovely, if not for the state of the river. It is polluted with lead, a byproduct of the manufacture of car batteries in the region. The water of the Ipojuca is still and fetid. In the most degraded part of the river, there is the controversial subject of the Troca. During some time, things worked well. As the name Troca (exchange or barter) suggests,there were no items for sale there, only for barter. Three live goats used to be worth a battery-operated radio. Ten kilos of manioc equaled ten kilos of rice. And so on. Today, however, the Troca has become a point of sale for all the stolen electronic goods of Caruaru. Ana Lima, a 77 year old lady, was watching the six o’clock soap opera on TV when two burglars invaded her home and stole her TV. Once she recovered from her scare, she thought about it and then took off running to the Troca. To her sadness, she was too late. In less than half an hour, her TV had already been sold and was on display at a stall, in full sight of the marketgoers. “I was forced to buy my one stolen TV for R$15,” she recalls. And the bigger tragedy, “I missed an episode of my soap opera.” In December of 2006, the Institute for Historic and Artistic Heritage (Iphan) caved in to the long ongoing pressure by city residents and decreed the Caruaru market as intangible heritage. In other words, it was not the stalls themselves, or the goods on sale, that were declared a national heritage, but rather the people and customs that take place there. This acknowledgement of the market by the authorities has split opinions there. One side thinks the market should modernize. There is a disastrous project sitting in the municipal Town Hall to transform the market into a sort of shopping mall, with glass displays (arghhh!). The other side agrees the stalls should be renovated, especially as some pose a fire hazard, but believes that the market should never be contained within a building. If the Caruaru market ever becomes a shopping mall, it will lose its rank as world’s largest known open-air market. Their new motto will have to be, “the world’s noisiest and most unbearable shopping mall.” And the results are obvious. For the first time in the history of the backlands of Pernambuco, sensible people would go out of their way to avoid passing through Caruaru.
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*GOOD CITIZEN / FRIENDLY SMILE, MY TRUE FRIEND SINCERE JOY / IN SPRING / OR ANY OTHER SEASON THIS HERE BROTHER OF YOURS / WILL BE WAITING FOR YOU / WITH ARMS WIDE OPEN (LUIZ GONZAGA) By João Acuio As Luiz Gonzaga do Nascimento used to say, any country worth a damn has its own version of an accordion, harmonica or hurdy gurdy – an instrument capable of replacing the string bass, piano and guitar, and, therefore, in the hands of the right person, a legitimate itinerant orchestra capable of giving voice and body to the joys, sorrows and love of our Lampião and Maria Bonita world. Luiz Gonzaga, or Gonzagão, was born December 13th 1912, in Exu, in the state of Pernambuco, time unknown. On that day, the Heavens shuffled their feet, the Gods slapped their thighs, and Sagittarius and Aquarius hooted with laughter. Gonzagão brought the cries of his people and the spirituality of Festa Juninas to the rest of the country by playing the forró pé-de-serra on his fast-paced accordion, together with the zabumba drums and triangle. He played xote for the girls, and also the xaxado and the baião. Made of the clay of the earth, with his leather hat and jerkin, his white accordion (his insignias of power, or work tools, as he would say), Gonzagão won the hearts of Brazil and the world. With the Sun, Jupiter (which made him king), Mercury and Mars signaling a duality of faith and of gaiety in his zodiac sign, Sagittarius, he brightened up the skies and backlands of God’s great world in a devilish dance of shuffling feet – a sacred joy of living worthy of the giant centaur in the sky. 2012 is the 100th anniversary of his birth. Will his forró bring us joy? “Só se for agooooooora... meu Deus do céu!” (“Only if it’s right noooow… dear God in Heaven”) as the cheeky Luiz Gonzaga – Gonzagão, King of the Baião – himself would say.
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Bom cidadão Riso aBeRto, amigo ceRto alegRia sinceRa na pRimaveRa ou qualqueR estação do ano este seu mano de BRaço aBeRtos lhe espeRa
(luiz gonzaga)
Como dizia Luiz Gonzaga do Nascimento, qualquer país que se preze tem seu acordeão, gaita ou sanfona, instrumento capaz de substituir contrabaixo, piano e guitarra e, assim sendo, nas mãos da pessoa certa, tornar-se uma legítima orquestra ambulante, capaz de dar voz e corpo à alegria, ao amor e às tristezas deste mundo de Lampião e Maria Bonita. Luiz Gonzaga, o Gonzagão, nasceu no dia 13 de dezembro de 1912, na cidade de Exu, Estado de Pernambuco, horário desconhecido. Nesse dia, os céus arrastavam os pés, os deuses batiam coxa, Sagitário e Aquário gargalhavam. Cantando e tocando sua sanfona de música ligeira, acompanhado de zabumba e triângulo, ele levou a alegria do forró pé-de-serra, a religiosidade das festas juninas e o choro do seu povo ao restante do país e do mundo. O xote das meninas, o xaxado e o baião, diretamente debaixo do barro do chão, com seu chapéu de couro, gibão e sanfona branca (suas insígnias de poder, ou ferramentas de trabalho, como costumava dizer), Gonzagão ganhou o Brasil e o planeta Terra. Com Sol, Júpiter (este o tornou Rei), Mercúrio e Marte no signo metade fé, metade festa, Sagitário, animou os céus e o sertão deste mundão de Deus com um arrasta-pé dos diabos, uma alegria divina digna da vontade de viver do imenso centauro dos céus. 2012 é o ano do centenário de seu nascimento. Forró e alegria? “Só se for agooooooora... meu Deus do céu”, como diria o danado Luiz Gonzaga, Gonzagão, o Rei do Baião. (João Acuio) 194
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