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Instituto Superior TÊcnico [s.d], Mårio Novais Galeria de Biblioteca de Arte/ Fundação Calouste Gulbenkian

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TĂ­tulo DUARTE PACHECO DO TÉCNICO AO TERREIRO DO PAÇO Direcção ComissĂŁo do CentenĂĄrio do Instituto Superior TĂŠcnico Apresentação AntĂłnio Cruz Serra PrefĂĄcio AntĂłnio Costa Coordenação cientĂ­fica Palmira F. Silva Textos Ana Homem de Melo e Sandra Vaz Costa Pesquisa de fontes documentais e legendas NĂşcleo de Arquivo do IST: Ana Rigueiro, Catarina Abranches e Filipa Soares Direcção executiva Filipa Soares Editora Althum.com Editor LuĂ­s NazarĂŠ Gomes RevisĂŁo de textos Ana Mateus Design grĂĄfico Henrique Cayatte Design com Ana Machado, Rita MĂşrias e Sara Aguiar ImpressĂŁo Printer Portuguesa TIRAGEM 2.000 exemplares ISBN 978-989-683-016-8 DEPĂ“SITO LEGAL 328 718 / 11 Lisboa, Junho de 2011 URL | 100.ist.utl.pt Av. Rovisco Pais 1059-001 LISBOA URL | althum.com Rua Conde de Sabugosa, 7 – 1.Âş Dt.Âş 1700-115 LISBOA info@althum.com Fotografia da capa Novo Campus do Instituto Superior TĂŠcnico [s.d], HorĂĄcio Novais Secretaria-Geral do MinistĂŠrio de Educação

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Agradecimentos Arquivo Municipal de Lisboa | NĂşcleo Arco do Cego, NĂşcleo FotogrĂĄfico Arquivo Nacional Torre do Tombo | DivisĂŁo de Comunicação Câmara Municipal de Lisboa | DivisĂŁo Municipal de Cultura | Gabinete de Estudos Olisiponenses Museu Municipal de LoulĂŠ | Centro de Documentação | Fototeca NĂşcleo de Arquivo e Documentação do IST NĂşcleo de Arquivo do IST – NArQ. Secretaria-Geral do MinistĂŠrio da Educação


14 | APRESENTAÇÃO ANTÓNIO CRUZ SERRA | PRESIDENTE DO IST

18 | PREFÁCIO ANTÓNIO COSTA | PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA

24 | O PAÍS A RÉGUA E ESQUADRO A OBRA PÚBLICA DE DUARTE PACHECO NOTA INTRODUTÓRIA ESBOÇO BIOGRÁFICO O MITO

46 | OS ANOS DE FORMAÇÃO (1900-1923) UMA FAMÍLIA DE POLÍTICOS

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58 | DUARTE PACHECO O POLร TICO NA ACADEMIA DO PARDIEIRO DA BOAVISTA AO COLOSSO DA ALAMEDA: O Tร CNICO NOVO A CONSTRUร ร O DO Tร CNICO: O DECRETO, O PROJECTO E O CONCRETO

90 | O ENGENHEIRO NA โ RES PUBLICAโ A INSTRUร ร O: SETE MESES E UM PAร S DUARTE PACHECO E LISBOA: AS MUDANร AS NA CIDADE OBRAS Pร BLICAS E COMUNICAร ร ES (1932-1936/1938-1943): O PLANO METร DICO

152 | FONTES DOCUMENTAIS 154 | BIBLIOGRAFIA

Instituto Superior Tรฉcnico [s.d], Mรกrio Novais Galeria de Biblioteca de Arte/ Fundaรงรฃo Calouste Gulbenkian

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O homem vale, sobretudo, pela educação que possui, porque só ela Ê capaz de desenvolver harmoniosamente as suas faculdades, de maneira a elevarem-se-lhe ao måximo, em proveito dele e dos outros

Primeiro diploma legislativo da RepĂşblica para a reforma do ensino bĂĄsico, 29/03/1911.

APRESENTAĂ‡ĂƒO Prof. AntĂłnio Cruz Serra

O Ministro das Obras Públicas discursando durante a inauguração do bairro económico de BelÊm 12 de Junho de 1938, autor desconhecido Arquivo Nacional Torre do Tombo/ Fundo Empresa Pública Jornal O SÊculo

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Em Outubro de 1910, a I República foi implantada num Portugal abalado por crises profundas; uma crise social provocada pelo fraco desenvolvimento industrial e pela deslocação da população para as grandes cidades, nas quais não conseguiam trabalho; uma grave crise económico-financeira associada a uma crescente dívida pública, à falência de bancos e à falta de investimento, interno e externo, e uma crise de confiança nos poderes políticos, despoletada pelos frequentes escândalos de corrupção. A receita republicana para vencer esta crise generalizada da sociedade portuguesa assentava na educação, uma educação voltada para o esclarecimento das consciências, isto Ê, como escreveu Rómulo de Carvalho, uma instrução segura e experimental que permitisse ao Homem adquirir o esteio que haveria de firmar o edifício moral da sua alma. Uma educação que permitisse tirar Portugal da cauda do mundo ocidental e que possibilitasse a modernização a todos os níveis de que o País necessitava. A 23 de Novembro de 1910, Brito Camacho foi nomeado Ministro do Fomento do Governo Provisório da recÊm-criada República Portuguesa. Uma das suas prioridades, como escreveu uns anos depois no periódico A Lucta, era a reforma do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa (IICL), para o que imediatamente convidou Alfredo Bensaude, que nomearia director do IICL no início de Dezembro. O relatório que em poucos meses Alfredo Bensaude elaborou para Brito Camacho indicava o óbvio: para reformar o tecido produtivo nacional e concretizar a mudança do país era necessårio alterar radicalmente o paradigma do ensino da engenharia. A reforma do ensino industrial e comercial em Portugal proposta por Bensaude foi aceite na íntegra por Brito Camacho. Assim, o Decreto de 23 de Maio de 1911 desdobrou, o IICL em duas novas escolas, o Instituto Superior TÊcnico e o Instituto Superior do ComÊrcio, actual ISEG. Com um Ministro menos inteligente e menos livre dos preconceitos da rotina do que o Sr. Dr. Brito Camacho, a criação do Instituto, em bases que conduziram a bons resultados imediatos, não teria sido possível, escreveria Bensaude uns anos depois nas suas Notas Histórico-pedagógicas, reconhecendo o momento histórico inÊdito


DUARTE PACHECO – DO TÉCNICO AO TERREIRO DO PAÇO APRESENTAĂ‡ĂƒO

que presidiu a criação do IST. Estas bases foram a total autonomia científico-pedagógica com que o Instituto foi criado e que permitiram a criação de uma escola com elevados padrþes de excelência e exigência, desenvolvendo uma cultura muito própria, o espírito de escola que nos distingue. Mas esse momento histórico seria apenas isso: um momento que se esfumou rapidamente. E essa autonomia começou quase imediatamente a ser atacada. Quatro anos depois, em 1915, Bensaude escrevia uma Representação dirigida pelo Conselho Escolar ao Parlamento, pedindo a revogação de uma lei que comprometia a continuidade dos cursos superiores de engenharia. A irresistível ânsia reformadora dalguns dos nossos governantes ia arruinando a obra do Instituto, explicou. Para alÊm disso, nunca foi concretizada a promessa de construção de instalaçþes condignas ao ensino da engenharia que, citando ainda Bensaude, carece de grandes laboratórios, salas de desenho, oficinas, etc., e que não se poderå desenvolver entre nós, enquanto não possuirmos um edifício apropriado onde esse ensino se possa fazer convenientemente. Em 1919, sem esperanças de conseguir financiamento para a ambicionada construção de um edifício condigno e cansado dos ataques legislativos à nova instituição, Bensaude pediu a demissão de director do TÊcnico, cargo que abandonou definitivamente em 1920. Foi preciso esperar por 1925 e pela entrada de Duarte Pacheco no corpo docente do IST para a situação se alterar. No primeiro Conselho Escolar do IST a que teve direito da palavra, em 1926, Duarte Pacheco propôs-se resolver, no espaço de um ano, o problema das instalaçþes degradadas em que funcionava a Escola. Um homem de acção que se movimentava com muito à vontade nos meios políticos, Duarte Pacheco conseguiu o que tantos tinham infrutiferamente tentado nos 15 anos de existência do TÊcnico: os fundos e as condiçþes necessårias ao arranque das obras de construção de um TÊcnico novo. Essas condiçþes passavam por uma autonomia financeira tão inÊdita quanto o fora a autonomia científico-pedagógica conseguida por Alfredo Bensaude. Com essa autonomia e com uma gestão rigorosa dos dinheiros públicos, Duarte Pacheco conseguiu construir o primeiro campus universitårio pensado e criado de raiz, concretizando nos edifícios da Alameda os ideais pedagógicos do fundador do IST. As primeiras obras no futuro campus tiveram início logo em 1928 e cinco anos depois suscitavam jå inúmeras críticas, em particular às suas dimensþes, consideradas exageradas por muitos. Indiferente às críticas, à amplitude da construção, que pasmava alguns, e à composição estÊtica, que afligia outros tantos, Duarte Pacheco persistiu e as obras foram prosseguindo, mesmo depois da mudança, em 1935, para as novas e nunca inauguradas instalaçþes. TambÊm em 1928, Duarte Pacheco deu início a uma actividade política que colocou o país na rota da modernidade que Brito Camacho

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desejava com a criação do TÊcnico. Em 1938, as solicitaçþes políticas obrigaram Duarte Pacheco a abandonar o cargo de director do TÊcnico. No entanto, nunca abandonou a sua Escola, como se comprova pelo facto de em 1942 ter subscrito ao IST verba para o início da construção do laboratório de Hidråulica. Em 1943, faleceu o ministro das Obras Públicas e Comunicação que marcou não só o TÊcnico que hoje somos como todo um país. Os pavilhþes de Hidråulica e de Måquinas e Motores ficaram por construir embora os projectos que deixou tenham orientado as obras públicas muito para alÊm da sua morte. Camus afirmava que a verdadeira generosidade para com o futuro consiste em dar tudo ao presente. Quer Alfredo Bensaude quer Duarte Pacheco, os directores do TÊcnico Velho e do TÊcnico Novo que permitiram a transformação do IST numa Escola de referência a nível nacional e internacional, poderiam ser os inspiradores deste aforismo. Ambos extraordinårios, estes dois homens conjugam o que deve ser um engenheiro do TÊcnico, alguÊm que sabe e que sabe fazer.

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“Duarte Pacheco nĂŁo sĂł escolheu uma localização privilegiada para a sua Escola, como redefiniu (...) os limites do territĂłrio urbanizado da cidade inscrevendo o TĂŠcnico num vector de expansĂŁo de Lisboa.â€? Dr. AntĂłnio Costa Presidente da Câmara Municipal de Lisboa

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PREFĂ CIO Dr. AntĂłnio Costa

O ano de 1938 foi um ponto de viragem na histĂłria da cidade de Lisboa. No primeiro dia desse ano, Duarte Pacheco tomou posse no cargo de Presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Convidado de novo para o cargo de Ministro das Obras PĂşblicas meses depois, Duarte Pacheco, retomou o lugar com poderes reforçados, que lhe permitiram concretizar os planos de urbanização, pensados pela primeira vez a nĂ­vel territorial na sua primeira passagem pelo MinistĂŠrio, entre 1932 e 1936. Director do Instituto Superior TĂŠcnico aos vinte e seis anos, a obra pĂşblica de Duarte Pacheco começou com a revolução urbanĂ­stica que promoveu nas imediaçþes das novas instalaçþes do seu Instituto. A escolha da localização do primeiro campus universitĂĄrio nĂŁo foi acidental, a informação que recolheu no gabinete BeirĂŁo da Veiga, vereador da Câmara e docente do IST, permitiu ao Sonhador de Grandes Coisas delinear o seu primeiro sonho. Duarte Pacheco nĂŁo sĂł escolheu uma localização privilegiada para a sua Escola, como redefiniu com essa escolha os limites do territĂłrio urbanizado da cidade inscrevendo o TĂŠcnico num vector de expansĂŁo de Lisboa. Pela mĂŁo de Duarte Pacheco, uma nova geração de arquitectos foi integrada nos serviços tĂŠcnicos do gabinete de urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa. Entre eles destaco, para alĂŠm de Étienne de GrĂśer, que definiu o Plano Geral de Urbanização e ExpansĂŁo de Lisboa e as grandes linhas de desenvolvimento da cidade, Faria da Costa, o primeiro urbanista portuguĂŞs, e Keil do Amaral. O programa de melhoramentos urbanos desenvolvido sob a presidĂŞncia de Duarte Pacheco ĂŠ demasiado extenso para enumerar. Mais do que as grandes obras a que normalmente se associa Duarte Pacheco, gostaria de relembrar a sistematização que imprimiu ao planeamento da cidade, um trabalho pioneiro que deu origem ao primeiro Plano Director de Lisboa, um trabalho com a precisĂŁo, rigor e exigĂŞncia que bebeu na Escola que o formou.

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DUARTE PACHECO – DO TÉCNICO AO TERREIRO DO PAÇO PREFà CIO

A ligação da cidade ao TÊcnico foi assim estreitada por um dos seus insignes directores, aquele que lançou não só a sua Escola como a própria cidade na rota da modernidade. Duarte Pacheco foi um engenheiro político ou um político engenheiro que, hå mais de sete dÊcadas, nos mostrou que a colaboração entre a cidade e a academia Ê um factor importante para o seu crescimento e sustentabilidade. Hoje, no contexto de uma economia do conhecimento, competitiva e dinâmica, essa colaboração Ê cada vez mais indispensåvel. Este livro, que nasce de uma colaboração entre o IST e um Gabinete da CML, o Gabinete de Estudos Olisiponenses do Município de Lisboa, mostra-nos o passado muito específico e desejavelmente irrepreensível, hoje no Portugal democråtico.

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O Ministro Duarte Pacheco [s.d.], autor desconhecido Museu Municipal de LoulÊ/Centro de Documentação/Fototeca

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JosÊ Duarte Pacheco [c. 1942] Alvão, Porto Museu Municipal de LoulÊ/ Centro de Documentação/Fototeca

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NOTA INTRODUTĂ“RIA Sandra Vaz Costa 1

Do extenso quadro de nomes que integraram o Governo de Oliveira Salazar, Duarte Pacheco Ê, seguramente, o mais conhecido dos seus ministros. A vida de Duarte Pacheco foi curta: 43 anos, 7 meses e 7 dias. Em vinte anos de causa pública reformou, legislou, programou e construiu. Nesse mesmo espaço de tempo angariou admiradores e adversårios. A sua presença não foi discreta e a sua forma de fazer política não foi consensual. Empregou mão-de-obra barata para erguer as infra-estruturas que o País não tinha. E porque o País não tinha recursos, escudado no braço forte da lei, expropriou propriedades esventrando quintas e demolindo imóveis, para encurtar espaço no rasgar de uma estrada, ou para definir o perímetro de salvaguarda de um monumento. A classe política estremecia à exposição das suas ideias, e o Governo oscilava entre o temor do embaraço e a certeza da obra feita. Vítima de acidente de viação aos 43 anos de idade, legou ao País uma obra impressionante em número, mas vazia de herdeiros políticos. Mas dentro nesse vazio a política fez nascer o mito: um mito construído, encenado e alimentado; a elegia de um homem que votara a sua vida à causa pública e que morrera ao serviço da Nação. No limiar dos setenta anos volvidos sobre a morte de Duarte Pacheco, o carisma do ministro permanece, permanecendo tambÊm a dualidade de opiniþes. Não se questiona a capacidade de trabalho, a necessidade ou a qualidade da obra construída, questiona-se muitas vezes sobre o modus operandi do ministro e o regime político que integrou. Com a queda do Estado Novo desmoronou-se um sistema político e com ele muitas instituiçþes e reputaçþes. A Ponte Salazar mudou de nome, o Viaduto Duarte Pacheco manteve-se. Pelo País existem avenidas, ruas, escolas e edifícios Duarte Pacheco porque as figuras incontornåveis da história são as mesmas que habitam o nosso quotidiano. 1

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IHA – Centro de Investigação do Instituto de HistĂłria da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.


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ESBOÇO BIOGRà FICO

EM CIMA

MĂŁe de Duarte Pacheco, Maria do Carmo Pacheco [s.d], autor nĂŁo identificado In Revista Municipal: nĂşmero especial dedicado Ă memĂłria do Engenheiro Duarte Pacheco. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, Jan. 1944. Museu Municipal de LoulĂŠ/Centro de Documentação FamĂ­lia de Duarte Pacheco, (Duarte ĂŠ o 4Âş elemento da esquerda para a direita, no topo) [c. 1902], autor nĂŁo identificado In Revista Municipal: nĂşmero especial dedicado Ă memĂłria do Engenheiro Duarte Pacheco. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, Jan. 1944. Museu Municipal de LoulĂŠ/Centro de Documentação Casa onde nasceu Duarte Pacheco [s.d], autor desconhecido Museu Municipal de LoulĂŠ/Centro de Documentação/Fototeca Ă€ ESQUERDA

Duarte Pacheco [c. 1902], Atelier Veiga, Faro Museu Municipal de LoulÊ/Centro de Documentação/Fototeca

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Duarte Pacheco nasceu em LoulĂŠ no dia 19 de Abril. Atesta o assento de baptismo que terĂĄ nascido no ano de 1899. Afirmava o polĂ­tico que nascera em 1900 e que o pĂĄroco, por engano, lhe atribuĂ­ra mais um ano de vida. Quarto filho de JosĂŠ Azevedo Pacheco e de Maria do Carmo Pacheco teve trĂŞs irmĂŁos e sete irmĂŁs. Ă“rfĂŁo de mĂŁe aos seis anos de idade e de pai aos catorze anos, frequentou o ensino em LoulĂŠ atĂŠ ao terceiro ano do liceu. No ano lectivo de 1916/17 transitaria para o Liceu de Faro, concluindo o 7Âş ano com a classificação de 17 valores. Matriculado no Instituto Superior TĂŠcnico em Lisboa no ano lectivo de 1917/18, nas disciplinas de Engenharia Geral, concluiria o curso de Engenharia ElectrotĂŠcnica e MĂĄquinas no ano lectivo de 1922/23. Professor interino do IST para a disciplina de MatemĂĄticas Gerais em 1925, passaria a professor efectivo em 1926. No mesmo ano, seria nomeado director interino do IST e em 1927 director efectivo. De 19 de Abril a 10 de Novembro de 1928 desempenharia o cargo de Ministro da Instrução PĂşblica, regressando Ă direcção do IST ainda em Novembro do mesmo ano e atĂŠ ao dia 5 de Julho de 1932, data em que seria nomeado Ministro do ComĂŠrcio e Comunicaçþes. A 7 de Julho de 1932 o mesmo MinistĂŠrio, com atribuiçþes reforçadas, passaria a denominar-se MinistĂŠrio das Obras PĂşblicas e Comunicaçþes. Na remodelação ministerial de 18 de Janeiro de 1936, o seu nome era preterido e regressava Ă direcção do IST atĂŠ 31 de Dezembro de 1937. No dia 1 de Janeiro de 1938 tomaria posse como Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, cargo de que viria a abdicar a 25 de Maio do mesmo ano por impossibilidade de acumulação de cargos pĂşblicos: a partir desta data Duarte Pacheco integraria de novo o corpo governamental como Ministro das Obras PĂşblicas e Comunicaçþes. No desempenho dos cargos pĂşblicos que lhe foram confiados, foi distinguido com a GrĂŁ-cruz da Ordem Militar de Cristo a 29 de Junho de 1933 e com a GrĂŁ-cruz da Ordem de Santiago de Espada a 9 de Dezembro de 1940. A 9 de Junho de 1941 foi homenageado pelos MunicĂ­pios do PaĂ­s, como forma de agradecimento pela pronta resposta como reagiu aos prejuĂ­zos causados pelo ciclone que assolou o PaĂ­s a 15 de Fevereiro desse mesmo ano.


DUARTE PACHECO – DO TÉCNICO AO TERREIRO DO PAÇO O PA�S A RÉGUA E ESQUADRO

Duarte Pacheco, aluno do IST [c. 1918], autor desconhecido In Revista Municipal, número especial em memória a Duarte Pacheco Museu Municipal de LoulÊ/Centro de Documentação

A 16 de Novembro de 1943 morreria no Hospital de Setúbal, vítima dos graves ferimentos causados pelo acidente de viação sofrido cerca de Vendas Novas, quando regressava a Lisboa, depois de mais uma vistoria a uma das obras em curso: causa da morte; esmagamento da perna direita e colapso circulatório2.

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A causa clĂ­nica da morte de Duarte Pacheco estĂĄ descrita no Livro de Assento de defuntos do CemitĂŠrio do Alto de SĂŁo JoĂŁo, Livro de Registo n.Âş 4356, de 17 de Novembro de 1943, NÂş de Guia 505, Freguesia de Santa Isabel; “Nome Duarte JosĂŠ Pacheco ou Duarte Pacheco, com local de sepultura no MausolĂŠu dos BenemĂŠritos da Cidade, por Ordem de Serviço NÂş 59 da Câmara Municipal de Lisboa em 16 de Novembro de 1943â€?.


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O MITO

O Buick que transportava Duarte Pacheco 1943, autor desconhecido Museu Municipal de LoulÊ/Centro de Documentação/Fototeca

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Na manhã do dia 15 de Novembro, o ministro saíra de Lisboa com destino a Vila Viçosa, com o objectivo de vistoriar os trabalhos finais do Monumento a D. João IV que tinha data de inauguração marcada para dia 8 de Dezembro. A pressa não movia o ministro, movia-o a insistência. Inscrito no calendårio das Comemoraçþes dos Centenårios, o Monumento a D. João IV deveria ter sido inaugurado em 1940, mas por vicissitudes vårias a obra arrastara-se no tempo3. Duarte Pacheco deslocou-se a Vila Viçosa com uma equipa de 5 colaboradores e terminada a sessão de trabalho no paço ducal, a equipa regressava de imediato a Lisboa: na agenda, o expediente encerrava com uma reunião do Conselho de Ministros. Contudo, viagem de regresso nunca se concluiu. Na Cova do Lagarto, ao km 65 da Estrada Nacional nº 4 que liga Montemor-o-Novo a Vendas Novas, cerca das 17h30 ocorreu um despiste. O carro do ministro embateu violentamente contra uma årvore e capotou. Dos seis ocupantes da viatura, quatro sofreram ferimentos ligeiros, Jorge Gomes de Amorim teve morte imediata e o ministro apresentava um grave ferimento na perna direita. Assistido nos Serviços de Saúde da Escola Pråtica de Artilharia de Vendas Novas, foi depois evacuado para o Hospital de Setúbal, e aí foi assistido pela 3 Sobre a cronologia da obra do Monuequipa mÊdica residente. A himento a D. João IV no Paço Ducal de Vila Viçosa V. SAIAL, Joaquim, Estapótese de amputação da perna tuåria Pública Portuguesa. Os Anos não poderia salvar o ministro: a 30 (1926-1940), Lisboa, Bertrand Editora, 1991, pp. 171-179. violência do embate no momen-


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Alunos do Instituto Superior TÊcnico a transportar o caixão do Engenheiro Duarte Pacheco. 1943, autor desconhecido Câmara Municipal de Lisboa/Gabinete de Estudos Olisiponenses

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“Uma vida velozmente vivida e inteiramente consagrada ao progresso pĂĄtrioâ€? AntĂłnio de Oliveira Salazar in Monumento de Duarte Pacheco em LoulĂŠ

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DUARTE PACHECO – DO TÉCNICO AO TERREIRO DO PAÇO O PA�S A RÉGUA E ESQUADRO

to do acidente provocara graves hemorragias internas. Duarte Pacheco viria a falecer na madrugada de dia 16. O Governo decretou funerais nacionais com todas as honras militares4. O corpo do ministro chegou a Cacilhas em ambulância cerca das 7h00, atravessou o Tejo num cacilheiro que atracou ao Cais do SodrÊ às 8h05 e daí seguiu para o Salão Nobre dos Paços do Concelho, onde ficou em câmara ardente atÊ às 11h00 do dia seguinte. No dia 16 desceu um vazio sobre o País: o Rådio Clube Português cancelou a emissão, as bandeiras dos serviços públicos, dos municípios, das universidades e dos institutos desceram a meia haste e no dia 17, dia das exÊquias, Lisboa saiu à rua em silêncio e vestida de negro. As direcçþes da União de GrÊmios de Lojistas de Lisboa e dos GrÊmios Concelhios de Comerciantes de todos os gÊneros, bens e serviços, fizeram um convite a todos os associados para que encerrassem portas5. No Salão Nobre da cidade, pelas 10h00 da manhã, na estrita regra protocolar de Estado, o arcebispo de Mitilene celebrou missa de corpo presente que foi acompanhada pela Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional. Terminada a homilia, seguiu-se o cortejo fúnebre com traçado definido pelo protocolo, sendo o fÊretro precedido por um grupo de esquadrþes de cavalaria e escoltado por esquadrþes de infantaria da Guarda Nacional Republicana. Chegados ao CemitÊrio do Alto do S. João, ficaram os restos mortais do ministro depositados no MausolÊu dos BenemÊ- 4 Diårio do Governo, I SÊrie, Suplemento, Decreto-Lei n.º 33.240. de 16 de ritos da Cidade de Lisboa. de 1943. Duarte Pacheco extinguira-se 5 Novembro Diårio de Lisboa, 16 de Novembro de fisicamente. Mas não mais que 1943. 6 No dia 18 de Novembro o Diårio do isso. O Governo acabara de perGoverno decretava a nomeação der o Ministro das Obras Públiinterina de Duarte João Pinto da Costa Leite como Ministro das cas. Um homem solteiro, sem Obras Públicas e Comunicaçþes. herdeiros directos e um minisSó na remodelação ministerial de 6 de Setembro de 1944 surgiria a tro sem herdeiros políticos6. Na nomeação definitiva de Augusto semana sequente à sua morte, os Cancela de Abreu como Ministro das Obras Públicas e Comunicaçþes. jornais agitaram-se na publica-

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Funeral de Duarte Pacheco em Lisboa 1943, autore desconhecido Câmara Municipal de Lisboa/Gabinete de Estudos Olisiponenses


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Funeral de Duarte Pacheco em Lisboa 1943, autor desconhecido Câmara Municipal de Lisboa/Gabinete de Estudos Olisiponenses

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ção de textos com vincado elogio fĂşnebre7. Em unĂ­ssono relatam a precoce orfandade de Duarte Pacheco na cidade onde nasceu, LoulĂŠ; exaltam o brilhante percurso e distinção obtida no Liceu de Faro; clamam a ascensĂŁo meteĂłrica no Instituto Superior TĂŠcnico, onde de aluno caloiro a director nĂŁo mediou 10 anos. Quanto ao enorme edifĂ­cio que compĂľe a sua acção polĂ­tica, os mesmos jornais sĂŁo unânimes na classificação da actividade ministerial: plano grandioso, pensamento e acção, cultura disciplinada, capacidade de trabalho, sĂŁo apenas algumas das palavras-chave. No dia 18 de Novembro, em sessĂŁo da Câmara Municipal de Lisboa, Eduardo Rodrigues de Carvalho protagoniza o primeiro discurso institucional sobre o falecido ministro8. Presidente substituto da Câmara Municipal de Lisboa desde 1938, altura em que Duarte Pacheco renuncia ao cargo por incompatibilidade de acumulação com a pasta das Obras PĂşblicas, conhecedor do trabalho e do mĂŠtodo do ministro, seu 7 Cfr. O SĂŠculo, “Esboço BiogrĂĄficoâ€?, colaborador desde os tempos 16.11.1943; Idem, “O Ăşltimo sonho de Duarte Pachecoâ€? 17.11.1943; Ibide trabalhos preparatĂłrios ao dem, “O Duro OfĂ­cio de Governarâ€?, projecto das Gares MarĂ­timas, 22.11.1943. Cfr. Jornal de NotĂ­cias “Ao serviço da Naçãoâ€?, 19.11.1943; Rodrigues de Carvalho foi seCfr. DiĂĄrio de NotĂ­cias “O Ăşltimo guramente um dos homens de adeus a Lisboaâ€?, 20.11.1943. 8 A Exposição de Eduardo Rodrigues confiança do polĂ­tico. de Carvalho estender-se-ia ainda No discurso proferido, Rodripela sessĂŁo camarĂĄria de 25 de Novembro. gues de Carvalho enaltece a obra


“ Ele estĂĄ e perdurarĂĄ consciente ou inconscientemente, na alma (‌) de mui geraçþes vindouras, que sofrerĂŁo a influĂŞncia dinâmica desse gĂŠnio nacional que cruzou, fugaz o espaço portuguĂŞs.â€? Jaime Rua, in A Voz de LoulĂŠ

Funeral de Duarte Pacheco em Lisboa 1943, autor desconhecido Museu Municipal de LoulÊ/ Centro de Documentação/Fototeca

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operada por Duarte Pacheco na cidade de Lisboa, relembrando o impulso inĂŠdito promovido pela construção das novas instalaçþes do IST. Relembra obras como a requalificação no abastecimento de ĂĄgua Ă cidade e sublinha ainda a boa relação municĂ­pio-ministĂŠrio face Ă iniciativa do ministro em promover a elaboração do tĂŁo necessĂĄrio plano de urbanização e extensĂŁo da cidade. Em reconhecimento dos melhoramentos operados pelo ministro, Rodrigues de Carvalho lança quatro propostas: que a tĂ­tulo pĂłstumo lhe seja concedida a medalha de ouro da cidade e o nome aposto na lista de benemĂŠritos; que seja dado o seu nome a uma das principais artĂŠrias da cidade, relacionada com a sua obra; que se proceda ao estudo e realização de um mausolĂŠu funerĂĄrio e que se proceda ao estudo da forma e local onde se perpetue o reconhecimento municipal pela obra ministerial9. A proposta lançada por Rodrigues de Carvalho darĂĄ inĂ­cio a um debate velado acerca da edificação de um monumento em memĂł- 9 CARVALHO, Eduardo Rodrigues de, “A Obra do Engenheiro Duarte Pacheria de Duarte Pacheco, situação co no MunicĂ­pio de Lisboaâ€?, in Boletim 10 que perdurarĂĄ atĂŠ 1952 . do Comissariado do Desemprego, A 25 de Novembro, a 2ÂŞ sessĂŁo leLisboa, Imprensa Nacional, 1934gislativa da III Legislatura da As- 10 1974, Boletim de 1943, pp. 89-105. Data em que em definitivo tem inĂ­cio sembleia Nacional foi consagrada a construção do Monumento a Duarte Pacheco, em LoulĂŠ. Ă memĂłria do falecido ministro. Cfr. CML, Actas das SessĂľes da CâProferiram discurso o Presidente mara Municipal, Actas NÂş 74 e 75, sessĂľes da CML realizadas nos dias da Assembleia, o Presidente do 18 e 25 de Novembro e dias 9, 18, 27 Conselho e trĂŞs deputados. Num e 30 de Dezembro de 1943. Cfr. ELIAS, Helena Catarina da Sildiscurso breve e linear, o Presiva Lebre, Arte PĂşblica e Instituiçþes dente da Assembleia Nacional do Estado Novo – Arte PĂşblica das enunciou as caracterĂ­sticas mais Administraçþes Central e Local do Estado Novo em Lisboa: Sistemas de evidentes de Duarte Pacheco: perEncomenda da CML e do MOPC/MOP sonalidade forte e rica, capacida(1938-1960), Barcelona, dissertação de mestrado apresentada ao Deparde de trabalho, espĂ­rito de iniciatamento de Escultura da Faculdade tiva, agudeza mental, poder de rede Belas Artes da Universidade de Barcelona, 2006, pp. 320-322. alização e força de vontade. Equi-

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Desenho e maqueta do mausolĂŠu previsto para acolher os restos mortais de Duarte Pacheco no cemitĂŠrio do Monsanto, da autoria do Arquitecto Keil do Amaral 1943, autor desconhecido Câmara Municipal de Lisboa/Gabinete de Estudos Olisiponenses Aspecto geral do projecto do monumento em homenagem a Duarte Pacheco previsto para a Serra do Monsanto – Parque Florestal, da autoria do Arquitecto Keil do Amaral 1943, autor desconhecido Câmara Municipal de Lisboa/Gabinete de Estudos Olisiponenses


Inauguração do Monumento ao Engenheiro Duarte Pacheco em LoulÊ 1953, autor desconhecido Museu Municipal de LoulÊ/Centro de Documentação/Fototeca

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O Presidente do Conselho e alguns membros do Governo à porta dos Paços do Concelho à saída do funeral do Ministro das Obras Públicas, Eng. Duarte Pacheco. 17 de Novembro de 1943, autor desconhecido C.M.L./Secção de Propaganda e Turismo Câmara Municipal de Lisboa/Gabinete de Estudos Olisiponenses

para a morte do ministro a proporçþes de uma verdadeira perda nacional11. O discurso do Presidente do Conselho, muito breve, como o prĂłprio reconhece, abre o espaço polĂ­tico necessĂĄrio Ă instrumentalização da memĂłria do falecido ministro: um ministro com impulso de dinamismo, intensa felicidade de criar, poder de resolução e vontade de aço. Um engenheiro que detestava as improvisaçþes, que adiava os problemas atĂŠ ao seu estudo exaustivo mas definitivamente resolvido. Um ministro desinteressado atĂŠ Ă renĂşncia, resignado ante a incompreensĂŁo, mas confiante no sentimento de gratidĂŁo do povo. Um ministro que podia ter morrido na função, envelhecido precocemente mas que em lugar disso, morreu ao serviço dela, vĂ­tima dela. Um homem pĂşblico que tomava a peito servir o interesse de todos12. No inĂ­cio do discurso, Salazar remetia para um outro momento aquelas palavras de louvor e de justiça para dizer um dia. Demoraria dez anos para voltar a proferir palavras em memĂłria de Duarte Pacheco13. No dia 20 de Dezembro, pouco mais de um mĂŞs apĂłs a morte do polĂ­tico, na abertura da sessĂŁo plenĂĄria do Conselho Superior de Obras PĂşblicas, sessĂŁo a que presidiu o ministro interino Costa Leite, o presidente do douto conselho, 11 Cfr. “Uma SessĂŁo na Assembleia NaAntĂłnio Vicente Ferreira, profecional: O Discurso do Presidente da Assembleia Nacionalâ€? in Boletim do ria o Ăşltimo discurso do ano e o Comissariado do Desemprego, LisĂşltimo dos elogios fĂşnebres. boa, Imprensa Nacional, 1934-1974, Boletim de 1943, pp. 78-79. Para o presidente do CSOP, 12 SALAZAR, AntĂłnio Oliveira, “Na Moraquele que havia sido seu aluno, te de Duarte Pachecoâ€?, in Discursos e Notas PolĂ­ticas, vol. IV, 1943-1950, colega, director no IST e seu amigo, Coimbra, Coimbra Editora Lda., 1951, era um homem raro. No discurso pp. 23-27. de Vicente Ferreira surge um 13 Salazar sĂł voltaria a mencionar o nome de Duarte Pacheco em Novemnovo, tĂŠnue, mas decisivo porbro de 1953, em LoulĂŠ, por ocasiĂŁo menor: Duarte Pacheco ĂŠ o exeda inauguração do monumento em memĂłria do ministro. cutor de um plano maior, traça-

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“Seria errado chamar-lhe um produto tĂ­pico da Escola, porque ele foi um homem verdadeiramente singular, fora de todos os esquemas.â€? Eduardo R. Arantes e Oliveira, in Obras PĂşblicas em Portugal no SĂŠculo XX

do por mão mestra: nas palavras do presidente do CSOP, o falecido ministro era o colaborador ideal que Oliveira Salazar encontrara para a execução do seu plano de obras públicas14. Os números de Dezembro de 1943 das revistas da Ordem dos Engenheiros, do Sindicato dos Arquitectos e da Associação de Estudantes do IST, a par de tantas outras, prestam tambÊm, ao falecido ministro, as suas homenagens. Nos números publicados no primeiro trimestre do ano de 1944, alguns periódicos retomam o acontecimento. A Revista Municipal da Câmara de Lisboa dedica um número especial à memória do falecido ministro elencando a relação das obras mais emblemåticas da capital planeadas e dirigidas pelo gabinete ministerial e publica um dos raros discursos de Duarte Pacheco15. O Boletim do Comissariado do Desemprego reserva o primeiro capítulo à memória do ministro, reúne um dossier de imprensa com artigos publicados sobre Duarte Pacheco à data do seu falecimento e faz uma listagem estimativa das obras mandadas executar pelo ministro, ao abrigo do programa de financiamento subsidiado pelo Fundo de Desemprego:

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“Basta dizer que foram lavradas portarias para comparticipaçþes de 7.100 obras, num valor total de 300.000 contosâ€?. 16

No primeiro nĂşmero de 1944 da Revista Panorama, revista de arte e turismo editada pelo SPN/SNI, enfatiza a vida e obra do falecido ministro e publica um texto de AntĂłnio Ferro e um texto de Cottinelli Telmo. Na opiniĂŁo de Cottinelli, Duarte Pacheco ĂŠ o Sonhador de Gran- 14 CSOP, Livro de Actas das SessĂľes PlenĂĄrias, Acta nÂş 8, de 20 de Dezemdes Coisas17. NĂŁo se distanciando de 1943. do conteĂşdo e do estilo da alo- 15 bro O nĂşmero especial de 1944 da Recução feita aos microfones da vista Municipal da Câmara Municipal de Lisboa publica o discurso Duarte Emissora Nacional, aquando Pacheco aquando da tomada de pos18 da morte do ministro , o texto se no segundo mandato de Ministro das Obras PĂşblicas e Comunicaçþes, que AntĂłnio Ferro encerra um cerimĂłnia que teve lugar no dia 25 de ciclo que se vinha formando Maio de 1938. desde Novembro de 1943. Em 16 “A obra do Engenheiro Duarte Pacheco atravĂŠs do Comissariado do DetrĂŞs meses a memĂłria e a imasempregoâ€?, in Boletim do Comissariado do Desemprego, ano 1944, Lisboa, gem do ministro fora burilada Imprensa Nacional, pĂĄg. 26. ao pormenor, e Ferro, no seu 17 TELMO, JosĂŠ Ă‚ngelo Cottinelli, “Um estilo gongĂłrico daria o Ăşltimo Grande Homem de Acçãoâ€? in Panorama, Revista de Arte e Turismo, Lisretoque: “Estou a vĂŞ-lo...mĂĄscara viva (...) mĂĄscara dinâmica (...) o que foi grande na vida cinematogrĂĄfica deste homem vertiginoso, mais ainda que

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boa, SPN-SNI, ano 3, nÂş 19, Fevereiro de 1944, s/p. Cfr. Alocução proferida pelo Sr. AntĂłnio Ferro, presidente da direcção da Emissora Nacional ao microfone da mesma Emissoraâ€?, in Boletim do Comissariado do Desemprego, ano 1944, Lisboa, Imprensa Nacional, pĂĄg. 106-108.


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a sua obra foi o seu sonho (...) Não! O engenheiro Duarte Pacheco não morreu, não morrerå! Difícil, atÊ, desejar paz à sua alma! A sua alma continuarå a trabalhar. Os seus restos mortais são imortais (...) assim a sua alma continuarå a ser, por muitos anos, a grande construtora do Estado Novo, da Påtria ressurgida, do Portugal de Salazar�. 19

Este mesmo texto estaria na base da locução do pequeno documentĂĄrio realizado tambĂŠm em 1944 por AntĂłnio Lopes Ribeiro. Numa curta-metragem de 11 minutos, a par das teatrais palavras de Ferro, surgiam as poderosas imagens do funeral de Estado do falecido ministro. Enfatizada a solenidade da homenagem prestada na morte de Duarte Pacheco, as imagens sucediam-se na demonstração da obra produzida pelo homem que votara a vida ao serviço pĂşblico20. Contudo, em vinte anos de vida pĂşblica Duarte Pacheco angariara admiradores na exacta proporção em que angariara inimigos. NĂŁo esquecendo a referencial e conveniente vĂŠnia ao presidente do Conselho, todos os que concordavam com o modo de actuação do ministro das Obras PĂşblicas nĂŁo hesitavam em classificar os melhoramentos estruturais do PaĂ­s como as obras do Duarte Pacheco21 ou intitular o ministro com o cognome de o Edificador22. Do lado oposto, todos os que foram atropelados pela mĂĄquina construtiva das Obras PĂşblicas, que por ela foram materialmente prejudicados ou politicamente enfraquecidos, nĂŁo hesitavam em reunir esforços para deter, nĂŁo tanto a polĂ­tica instituĂ­da pelo Governo e assegurada pelo braço forte da lei, mas o seu implacĂĄvel e determinado executor: Duarte Pacheco. Por Lisboa e pelo PaĂ­s era usual a graçola: “A pior provĂ­ncia do PaĂ­s ĂŠ o Algarve. A pior vila LoulĂŠ. A pior famĂ­lia os Pachecos. E o pior dos Pachecos o Duarte!â€?

Se em vida Duarte Pacheco nĂŁo reunira nunca o consenso, quando soou a notĂ­cia da sua morte, o facto foi assinalado com lĂĄgrimas e champanhe23. Entre lamentos e festejos, a dualidade manteve-se. Contudo, o choque e a surpresa esfumaram-se em breves momentos. A morte do ministro alterava o quadro polĂ­tico. O mi-

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FERRO, AntĂłnio, “O Engenheiro Duarte Pachecoâ€? in Panorama, Revista de Arte e Turismo, Lisboa, SPN-SNI, Ano 3, n.Âş 19, Fevereiro de 1944, s/ paginação. V. Arquivo Nacional de Imagens em Movimento (ANIM), “A Morte e a Vida do Engenheiro Duarte Pachecoâ€?, n.Âş extraordinĂĄrio do Jornal PortuguĂŞs, Sociedade Portuguesa das Actualidades, Realização e Locução de AntĂłnio Lopes Ribeiro, 1944. FERREIRA, AntĂłnio Vicente Ferreira, Discurso em MemĂłria de Duarte Pacheco, in CSOP, Livros de Actas das SessĂľes PlenĂĄrias, Acta n.Âş 8 de 20 de Dezembro de 1943. MARTINS, Rocha, “Lisboa quem te viu!â€?, in DiĂĄrio de NotĂ­cias, 11 de Novembro de 1943. Artigo publicado cinco dias antes da morte de Duarte Pacheco. DACOSTA, Fernando, “Um Confiscadorâ€?, in MĂĄscaras de Salazar, Lisboa, Casa das Letras, 2006, pp. 164.

Engenheiro Duarte Pacheco, Ministro das Obras Públicas e Comunicaçþes [c. 1942], Cecil Beaton Câmara Municipal de Lisboa/Gabinete de Estudos Olisiponenses


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nistro que morrera solteiro e sem descendentes directos ou herdeiros polĂ­ticos, extinguia-se fisicamente, mas muito rapidamente seria aclamado como poucos: nĂŁo necessitava de memĂłrias, discursos ou notas polĂ­ticas. Em lugar de palavras, o PaĂ­s herdava a obra. Obra aplaudida pelos seguidores e obra onde continuariam a tropeçar todos aqueles que jĂĄ haviam sido colhidos pela mĂĄquina construtiva do Edificador. Assiste-se assim Ă progressiva neutralização dos aspectos negativos associados a uma prĂĄtica ministerial que, regenerada politicamente num processo selectivo de memĂłria, retirava Ă figura pĂşblica todas as inconveniĂŞncias a ela usualmente associadas. Dos elogios fĂşnebres de Novembro de 1943 aos textos panegĂ­ricos de 1944 decorre este esvaziamento de inconveniĂŞncias, da mesma forma que se procede Ă superlativação de capacidades e qualidades. Duarte Pacheco ĂŠ entĂŁo petrificado numa imagem de homem que encara a causa pĂşblica como um sacerdĂłcio; um homem despojado e desinteressado de bens terrenos. A sua capacidade de trabalho ĂŠ elevada a uma categoria quase sobre-humana, nĂŁo sĂł pela argĂşcia, sagacidade, agilidade mental e domĂ­nio transversal das matĂŠrias e da argumentação, mas tambĂŠm pela tenaz resistĂŞncia fĂ­sica ao cansaço e Ă fome24. A circunstância que envolveu a morte do ministro: acidental, 24 CARVALHO, Eduardo Rodrigues de, “A Obra do Engenheiro Duarte Pacheco no brutal e arbitrĂĄria, aos 43 anos MunicĂ­pio de Lisboaâ€?, in Boletim do Code idade, no fulgor de todas as missariado do Desemprego, ano 1944, Lisboa, Imprensa Nacional, pĂĄg. 103. capacidades fĂ­sicas e mentais,

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O Ministro das Obras Públicas e Comunicaçþes, Engenheiro Duarte Pacheco nas Festas Centenårias em Arcos de Valdevez. 1940, Brigada de Estudos do Rio Vez Câmara Municipal de Lisboa/Gabinete de Estudos Olisiponenses Sua Excelência o Sr. Presidente da República cortando a fita que abre a nova linha à exploração com a assistência de Suas Excelências os Srs. Ministros das Obras Públicas, Interior, Governador Civil do Distrito Major Gaspar Ferreira e casa civil e militar da Presidência. 1932, Companhia Portuguesa para a Construção e Exploração de Caminho-de-ferro do Vale do Vouga Câmara Municipal de Lisboa/Gabinete de Estudos Olisiponenses

fez emergir essa imagem paradigmĂĄtica de polĂ­tico – homem pĂşblico, que serviu a pĂĄtria atĂŠ ao Ăşltimo momento. Com todas as virtudes e nenhum defeito, talvez uma ou outra marca de carĂĄcter mais forte mas em prol do bem comum, a figura do ministro, outrora objecto das maiores controvĂŠrsias e alguns embaraços de Governo, passaria a ser utilizada como sĂ­mbolo e como forma de legitimação dos que herdaram a sua obra: os polĂ­ticos, os mesmos polĂ­ticos que, reservando para si a iniciativa das homenagens a prestar Ă memĂłria do Eng. Duarte Pacheco, e a orientação sobre a forma de o fazer 25, levariam dez anos a erguer um monumento em sua memĂłria. Nas vĂŠsperas da inauguração, Frederico Ulrich, ministro das Obras PĂşblicas, informava o Presidente do Conselho que as coisas estariam bem afinadas e, embora nĂŁo tendo visto a obra concluĂ­da, acreditava que com 17 metros de altura, o impacto visual e imponĂŞncia do monumento, sortisse efeito26. E deste modo o dia 16 de Novembro de 1953 amanhecia em LoulĂŠ com a certeza de uma consagração nacional, a uma dĂŠcada de distância. Do discurso inaugural de Olivei25 CML, Actas das SessĂľes da Câmara, ra Salazar, uma magistral oração, Acta nĂşmero 75 da reuniĂŁo de Câmauma peça literĂĄria do melhor quilara efectuada a 9 de Dezembro e com 27 continuação a 18, 27 e 30 de Dezemte o DN retiraria as seguintes bro, pp. 111, nesta perspectiva citada “head-linesâ€?: por ELIAS, Helena Catarina da Silva “Duarte Pacheco nĂŁo era um polĂ­tico na acepção cor-

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Lebre, Op. Cit. pĂĄg. 322, nota 439. Idem. Cfr. DiĂĄrio de NotĂ­cias, 17 de Novembro de 1953.


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rente do termo, mas homem de Governo extreme, como os permite um regime em que a governação tem podido ser quase tudo e a pequena polĂ­tica quase nadaâ€?.28

Duarte Pacheco, nĂŁo fora de facto, um polĂ­tico na usual acepção do termo. Ao contrĂĄrio de Oliveira Salazar e dos vĂĄrios ministros que constituĂ­ram os Governos do Presidente do Conselho, Pacheco raras vezes discursou, dispensava as notas polĂ­ticas e revelava-se arredio de cerimĂłnias protocolares. Duarte Pacheco impregnava o exercĂ­cio da sua actividade como ministro com o pensamento e o mĂŠtodo em que a Engenharia o havia moldado: para a obtenção de um resultado, uma obra; demorando-se na concepção dos elementos, no processo de conjugação desses mesmos elementos atĂŠ Ă fase de conclusĂŁo. Obra concluĂ­da, resultado obtido. Para as cerimĂłnias de inauguração, outros polĂ­ticos cumpririam a função, os da polĂ­tica do discurso inflamado, da polĂ­tica do quase nada. Mas para o regime, o ano de 1953 terminava com um balanço positivo: em Abril o Presidente do Conselho recebera em Lisboa as maiores ovaçþes populares por ocasiĂŁo da celebração do “Jubileu Ministerialâ€? e em Novembro, em LoulĂŠ, numa moldura humana considerĂĄvel, encerrava-se definitivamente a questĂŁo incĂłmoda e por dez anos adiada: o Monumento de Homenagem a Duarte Pacheco. Com o mesmo discurso, Salazar, que sabia jogar com palavras, reclamava para si e para o seu Governo neste acto de homenagem a legitimidade da celebração de uma obra que, afinal era o prĂłprio regime: um regime em que a governação tem podido ser quase tudo, e podendo ser tudo podia ser tambĂŠm a vida e obra do ministro homenageado. Em LoulĂŠ prestava-se tributo ao desempenho de Duarte Pacheco, mas a obra era do regime. Publicamente Oliveira Salazar nĂŁo voltaria a mencionar o nome do ministro, contudo, politicamente e sempre que a situação se afigurasse favorĂĄvel e a bem da Nação, polĂ­ticos e literatos evocariam o nome do ministro. A obra que Duarte Pacheco construiu ĂŠ extensa e em grande parte devida Ă tenacidade e convicção com que defendia os seus objectivos. Mas uma obra nĂŁo se explica por si sĂł, pelas leis e polĂ­ticas vigentes, muito menos por modelos de carĂĄcter. Um homem nĂŁo faz uma obra, e Duarte Pacheco nĂŁo foi excepção. Uma obra explica-se se integrada numa perspectiva maior e resulta do trabalho de uma equipa que age na prossecução de objectivos comuns. Duarte Pacheco foi, em essĂŞncia, um polĂ­tico. Um polĂ­tico com um mĂŠtodo de trabalho minucioso no plano e tĂŠcnico no modelo; mas em polĂ­tica nĂŁo existem coincidĂŞncias, existem convergĂŞncias de interesse. As novas instalaçþes do Instituto Superior TĂŠcnico, erguidas 28 “Discurso de Oliveira Salazar a Inauguração do Monumento Duarte Paentre 1929 e 1942, constituem a checo, em LoulĂŠâ€?, in DiĂĄrio de NotĂ­cias, 17 de Novembro de 1953. primeira obra pĂşblica de Duarte

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Tomada de posse do segundo mandato como Ministro das Obras Públicas e Comunicaçþes 1938, autor desconhecido Museu Municipal de LoulÊ/Centro de Documentação/Fototeca

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Pacheco, constituindo tambÊm um bom exemplo de convergência de interesses. Na construção do IST, Duarte Pacheco liderou o processo político que lhe deu origem, centralizou no seu gabinete a direcção da obra, mas não agiu sozinho nem foi o único a colher benefícios da obra construída. Por outro lado, e ao contrårio do propalado pela historiografia do regime, Duarte Pacheco não viveu uma orfandade desprotegida. Teve família de sangue, de credo político e de manobra social. Importa pois, à luz de novos elementos e de uma leitura desapaixonada dos factos, fazer a reconstituição de uma moldura familiar, social e política que permitiria a este homem, dotado de uma capacidade invulgar de trabalho de, no espaço de vinte anos, modificar materialmente uma escola, uma cidade e um País.


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“A verdadeira generosidade em relação ao futuro consiste em dar tudo no presente”. Albert Camus

UMA FAMÍLIA DE POLÍTICOS

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Não sendo clara a data de nascimento de Duarte Pacheco, 19 de Abril de 1899 ou de 1900, não existem dúvidas sobre a intensidade com que viveu uma vida curta em anos mas longa em obra. O assento de baptismo de Duarte Pacheco, para além da sua filiação, fornece informação sobre a ocupação dos seus progenitores: do pai, chefe da repartição de Finanças do concelho de Loulé, e da mãe, doméstica. Em 1894, data a que respeita o assento de baptismo de Humberto, o irmão mais velho de Duarte e segundo filho dos Pachecos, o pai desempenhava o cargo de escrivão de Fazenda29. Nos anos que medeiam os assentos de baptismo destes seus dois filhos, José de Azevedo Pacheco progrediu na carreira de funcionário público e ascendeu também na importância da participação política local: monárquico convicto, era um dos dirigentes locais do Partido Regenerador30. A família Pacheco retratava o estrato social médio-alto do País no início do século: José de Azevedo Pacheco integrava a lista 29 IST, Núcleo de Arquivo, Colecção de Processos Individuais de Professores. dos cerca de 19 mil funcionários A cópia do assento de baptismo de públicos do reino e pertencia Humberto Pacheco consta do proaos 53% que trabalhavam na 30 cesso individual de Duarte Pacheco. POLICARPO, Verónica, “Duarte José administração fiscal31. A vida Pacheco”, in Dicionário Biográfico Parlamentar (1935-1974), direcção política activa de José de Azede Manuel Braga da Cruz e António vedo Pacheco conferia-lhe um Costa Pinto, Lisboa, Colecção Parlaacréscimo de importância face 31 mento, 2005, pp. 284-289. RAMOS, Rui, D. Carlos, Lisboa, Círculo ao estrato social médio. A uma de Leitores e Centro de Estudos do Povos e Culturas de Expressão Portugueescala regional, era um homem p. 173. influente que executava as di- 32 sa – Temas e Debates, 2007, Natural de Boliqueime, concelho de rectivas gerais do partido a que Loulé, Joaquim da Ponte licenciou-se em Direito em 1893. Membro do pertencia. Partido Progressista, foi eleito depuA tradição de compromisso potado à Câmara dos Pares do Reino pelo círculo eleitoral de Loulé, VIDE lítico nesta família iniciara-se MOREIRA, Fernando, “Joaquim da com dois tios de Duarte PachePonte”, in Dicionário Biográfico Parlamentar 1834-1910, vol. III (N-Z), co, Marçal de Azevedo Pacheco coordenação de Maria Filomena Mó(1847-1896) e Joaquim da Ponte nica, Lisboa, Colecção Parlamento, 2006, p. 363. (1866-?)32, ambos elevados a Par

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DUARTE PACHECO – DO TÉCNICO AO TERREIRO DO PAÇO Os Anos de Formação 1900-1923

do Reino. Marçal Pacheco, que fora eleito presidente da Câmara Municipal de Loulé em 1874, acumulou o cargo com as funções de deputado pelo Partido Regenerador. Em 1883, Marçal Pacheco detinha as funções de conselheiro e par do reino, o que lhe conferia uma elevada importância política, intervindo em permanente defesa da região algarvia 33. Joaquim da Ponte, membro do Partido Progressista, foi governador civil de Faro. No entanto, embora pai e tios fossem notáveis monárquicos, Duarte Pacheco cedo se assumiu como Republicano. Em 1919 ter-se-á alistado no batalhão académico 33 PACHECO, Marçal, bacharel em Dique combateu uma revolta moreito, Marçal Pacheco exerceu advocacia e foi presidente da Câmara nárquica aquartelada em Monde Loulé. Fixando posteriormente santo no episódio que ficou residência em Lisboa, desempenhou conhecido como “A Escalada de o cargo de chefe de repartição do Ministério da Justiça e Negócios EcleMonsanto”34. siásticos. Em 1895, Marçal Pacheco De todos os irmãos, Humberto publicou A Resposta do País, panfleto político que relatava a frágil situação Pacheco parece ter sido aquele económica, financeira e política então que maior importância desemvivida. V. A Resposta do Paiz, Lisboa, 3.ª edição, Typographia Industrial penhou na forma como a perPortugueza, 1895. sonalidade de Duarte Pacheco 34 José Augusto França, Margarida Acciaiuoli, Jorge Borges de Macedo ense estruturou. Da precoce oroutros autores. fandade em Loulé à partilha do 35 tre Aliás, a actividade de Humberto espaço em que viveram em LisPacheco no ramo das seguradoras manteve-se nas décadas seguintes, boa ou até ao companheirismo pois, em 1960, quando encetou diálopolítico, estes dois irmãos pago com a CML para executar a doação do espólio de Duarte Pacheco, na recem ter vivido uma relação correspondência trocada com o mude cumplicidade. Por outro nicípio, por várias vezes anexou o seu cartão pessoal e desse cartão consta lado, a actividade profissional que é Administrador da Companhia 35 de Humberto , que embora de Seguros Ourique, sita na Avenida da Liberdade, n.º 211-1.º andar. formado em Direito nunca

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Tio de Duarte Pacheco, Deputado e par do reino, Dr. Marçal Pacheco [s.d], autor desconhecido Óleo sobre tela Sta. Casa de Misericórdia de Loulé Pai de Duarte Pacheco, José Azevedo Pacheco [s.d], autor desconhecido Museu Municipal de Loulé/Centro de Documentação/Fototeca Irmão de Duarte Pacheco, Dr. Humberto Pacheco [s.d], autor desconhecido Museu Municipal de Loulé/Centro de Documentação/Fototeca

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Embora pai e tios fossem notáveis monárquicos, Duarte Pacheco cedo se assumiu como Republicano. Em 1919 ter-se-á alistado no batalhão académico que combateu uma revolta monárquica aquartelada em Monsanto no episódio que ficou conhecido como “A Escalada de Monsanto”.

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José Augusto França, Margarida Acciaiuoli, Jorge Borges de Macedo entre outros autores

exerceu advocacia36 tendo optado pelo ramo dos Seguros, e com quem, de acordo com Borges de Macedo37, Duarte Pacheco teria colaborado, permitiu não só o desafogo da autonomia financeira, como o acesso a um outro mundo; o mundo dos negócios. Enquanto Humberto pertencia ao Partido Republicano Democrático38, de acordo com Cunha Leal Duarte Pacheco terá ingressado no partido União Liberal Republicana a 30 de Maio de 192639. Este novo partido resultava da dissidência da ala nacionalista do Partido Liberal Republicano, tendo o apoio de Alberto da Cunha Rocha Saraiva, e de um importante grupo de militantes evolucionistas simpatizantes de António José de Almeida. No domínio político, Duarte Pa36 Criada em 1936, a Ordem dos Advocheco integrava a ala republicagados herdou os ficheiros arquivados na extinta Associação dos Advogados na liberal que apoiava a ditadura de Lisboa e cujos estatutos remonmilitar mas que a prazo pretentam a 1838. Do arquivo histórico da dia a restauração da ConstituiOrdem dos Advogados, que guarda os acervos documentais da profissão ção republicana de 191140. E foi desde 1838, não consta o nome de ciente desta crença política que Humberto Pacheco como advogado. 37 MACEDO, Jorge Borges de, Op. Cit., em 1926 foi empossado no carp. 12. go de director do IST e em 1928, 38 MACEDO, Jorge Borges de, “Cerimónia Comemorativa a Duarte Pachetomando posse como Ministro co”, in Técnica, Lisboa, 1994, n.º 2, da Instrução, jurou honrar o car1994. go para o qual foi nomeado em 39 LEAL, Cunhal, Coisas de tempos Idos: as minhas memórias, Lisboa, 1966. prol dos ideais republicanos41. 40 POLICARPO, Verónica, “Duarte Pa-

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checo”, in Dicionário Biográfico Parlamentar 1935-1974, vol. II M-Z, direcção de Manuel Braga da Cruz e António Costa Pinto, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais – Assembleia da República, 2005, p. 284. ACCIAIUOLI, Margarida, Op. Cit., pág. 390.

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O PERCURSO ACADÉMICO

Em 1914, quando José de Azevedo Pacheco morreu, Humberto tinha 20 anos e Duarte 14. Duarte frequentava nessa altura o Liceu de Faro em regime de internato. Em 1917, Duarte concluiu o ensino liceal com distinção e nesse mesmo ano seguiu para Lisboa, ao encontro do irmão Humberto. Humberto matriculou-se em 1912 no Instituto Superior Técnico42 mas no ano seguinte inscreveu-se na Faculdade de Direito. No ano lectivo de 1917/18 Duarte inscreveu-se no curso geral de engenharia do recémcriado IST43, escolhendo Engenharia Electrotécnica em 1920, curso que concluiria três anos depois44. Tendo concordado em reservar apenas às irmãs a herança paterna, os irmãos, com possibilidades financeiras que permitiriam a sua educação, cedo se autonomizaram. Duarte Pacheco, ainda aluno de Liceu, ter-se-á iniciado nas “explicações” a colegas menos expeditos nas matérias leccionadas. Em Lisboa, a situação manter-se-ia. Nos relatos de Herculano de Carvalho, professor do IST e seu sucessor na direcção do instituto:

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“Já durante o curso ele se distinguira pela sua actividade docente, servindo-se dos seus conhecimentos de matemática para viver materialmente independente, com as numerosas lições particulares que dava”.45

Duarte Pacheco [c. 1917], autor desconhecido Museu Municipal de Loulé/Centro de Documentação/Fototeca

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A par das explicações, há registos da vida estudantil activa de Duarte Pacheco. A 15 de Fevereiro de 1918, ainda no decorrer do primeiro ano lectivo de Duarte Pacheco, teve lugar no IST uma assembleia geral de alunos que visava o debate sobre o projecto de re- 42 IST, Núcleo de Arquivo, Registo Indivinovação do Regulamento do 43 dual de Alunos, ano de 1916. Decreto de 23 de Maio de 1911. Instituto criado em 1911. A ne- 44 Por norma a historiografi a estabelece o ano de 1922 como datada concessidade desta revisão relacioclusão do curso de Duarte Pacheco, nava-se com duas questões precontudo, nos registos encontrados no Núcleo de Arquivo do IST no ano lecmentes, por um lado a colisão tivo de 1922-1923, Duarte Pacheco de interesses entre engenheiros surge inscrito em sete disciplinas. V. Apêndice Documental, Documento 7. e condutores de obra na dispu45 CARVALHO, Herculano de, “Duarte ta de soluções e categorias proPacheco matemático e realizador”, in fissionais46 e, por outro lado, a Revista Internacional, in Memoriam, normativa governamental que 46 Lisboa, 1951. Sobre esta questão V. RODRIGUES, visava a uniformização da duMaria de Lurdes, Os Engenheiros em Portugal, Oeiras, Celta Editora, 1999. ração dos cursos superiores de V. ainda GRÁCIO, Sérgio, “Notas soEngenharia, de cinco para seis bre a emergência e a consolidação do ensino da engenharia”, in Momenanos em Lisboa e no Porto, factos de Inovação e Engenharia em to que se veio a concretizar. Portugal no Século XX, vol. I, Lisboa, coordenação Manuel HEITOR, José Sendo uma das características Maria Brandão de BRITO e Fernanda do IST o incentivo da vida acaROLLO, Lisboa, Publicações D. Quixodémica livre e activa, desta aste, 2004, pp. 231-239.

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DUARTE PACHECO – DO TÉCNICO AO TERREIRO DO PAÇO Os Anos de Formação 1900-1923

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O Técnico Novo de Duarte Pacheco Os Anos de Formação 1900-1923

sembleia geral de alunos resultou a criação de um documento que sustentava a posição dos mesmos face à situação criada. Informavam os alunos que, no caso de não serem acautelados os interesses do Instituto, deveria o director demitir-se. Deste documento, redigido pelos estudantes e endereçado ao director do Instituto Alfredo Bensaude, constavam 178 assinaturas. Duarte Pacheco assinava em 136º lugar, como aluno do curso geral47. Encetado o diálogo com o Conselho Escolar do IST, a comissão de representação dos alunos conseguiu um acordo que satisfazia estudantes e corpo docente48. Este facto, ocorrido logo no início do curso, revelava um jovem Duarte Pacheco que toma consciência de que uma mera deliberação política poderia ter consequências profundas na escola que ele próprio frequentava. Deste modo, e volvidos apenas quatro meses após o ingresso no IST, Duarte Pacheco envolvia-se activamente na vida do Técnico, postura que marcaria a sua vida49. Duarte Pacheco concluiu, segundo os cadernos de assento do IST, o curso de Engenharia Electrotécnica com a classificação final de 14,3 valores, não atingindo as médias brilhantíssimas que alguma historiografia lhe atribuiu. No mesmo registo individual de aluno, não existe qualquer referência ao serviço militar prestado ou ao local, instituição ou empresa onde o jovem engenheiro poderá ter realizado o tirocínio, designação da época para o período de estágio. Oficialmente, Duarte Pacheco não tirocinou e, se o fez, foi a título particular e sem registo nos seus certificados de habilitações. Os anos de licenciatura de Duarte Pacheco são anos de formação intensiva: formação académica, política e social. Aluno inteligente e sociável, rapidamente angariou a simpatia de colegas e a atenção de professores. Por outro lado, a consciência e a convicção políticas, que desde cedo demonstrou, agiram como factor de integração, de pertença a um grupo. Do mesmo modo, quer a boa prestação estudantil, quer o processo de identificação política, foram factores que permitiram a distinção de Duarte Pacheco da massa anónima da estudantina.

imagens das páginas anteriores

Registo de matrícula com identificação do aluno, disciplinas realizadas e resultados finais. 1917-1923 In “Matrícula de alunos ordinários”: livros 2 e 3 Instituto Superior Técnico/Núcleo de Arquivo

IST, Núcleo de Arquivo, Actas do Conselho Escolar do IST e Correspondência Recebida, Documento n.º 6, lido na sessão do Conselho Escolar do IST de 15 de Fevereiro de 1918. 48 IST, Núcleo de Arquivo, Actas do Conselho Escolar do IST e Correspondência Recebida, Documento n.º 6, lido na sessão do Conselho Escolar do IST de 20 de Fevereiro de 1918. 49 Embora a direcção do IST e a Associação de Alunos do IST tenham chegado a um ponto de compromisso, o novo regulamento do Instituto Superior Técnico só surgirá em 1921 pelo decreto 7.727 de 6 de Outubro. 47

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Duarte Pacheco num dos anfiteatros do Instituto Superior Técnico [c. 1937], autor desconhecido Museu Municipal de Loulé/Centro de Documentação/Fototeca

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DUARTE PACHECO – DO TÉCNICO AO TERREIRO DO PAÇO Os Anos de Formação 1900-1923

Notas Biográficas do funcionário José Duarte Pacheco, cargos que desempenhou no ensino técnico, nomeações, outros cargos públicos, comissões de serviço, títulos honoríficos, condecorações, louvores, etc. 1925-1938 In “Processo individual de Docente” Instituto Superior Técnico/Núcleo de Arquivo e Documentação

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