Energy Security Insight Janeiro 2017
2017: o primeiro ano da nova ordem energética mundial? GNL: uma energia atlântica para o mundo Big majors petrolíferas apostam na descarbonização do negócio energético Consumo de petróleo para geração elétrica pressiona capacidade exportadora saudita Índia inova na captura e sequestro de carbono Visualizar a produção renovável europeia em tempo real
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2017: o primeiro ano da nova ordem energética mundial? Gráfico 1
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ara a segurança energética mundial, o ano de 2016 confirmou a consolidação da emergência de um novo equilíbrio de poder no mercado petrolífero global, com os EUA a assumirem o papel de swing producer a par da OPEP. Face a esta nova relação de forças na geopolítica do petróleo, o que nos reserva o novo ano em termos de comportamento de preços e produção? Segundo as projeções da Merryl Lynch, 2017 será marcado por uma ligeira subida da produção mundial de petróleo, tendo origem na oferta da OPEP (ver gráfico 1).
Gráfico 2
O crescimento não-OPEP ainda será negativo, mas em proporção muito menor da registada em 2016. Ou seja, aparentemente, o ano de 2017 será o do início do reequilíbrio do mercado petrolífero, com subida de preços, mas num ritmo lento.
US Shale strikes again Mas assim como há retoma da OPEP, alguns atores da oferta não-OPEP com margem para colher benefícios do crescimento do mercado também acompanharão essa vaga: a ágil produção do shale dos EUA irá responder à subida de preço, prevendo-se um crescimento progressivo da oferta ao longo de 2017 (ver gráfico 2).
Gráfico 3
Para a Merryl Lynch, até ao final desta década, o sweet spot do preço do barril situar-se-á na banda entre os $60 e os $80. Isto dependerá do nível de procura e de como a produção da OPEP reagir ao choque do aumento da produção de shale dos EUA.
A nova fronteira dos $40 Seja como for, o que se pode concluir é que toda a produção de petróleo que se situe pelo menos até $40 conseguirá margens de lucro bastante interessantes. E 80% da produção não-convencional dos EUA situa-se neste limiar de custo, bem como toda a produção em águas ultra-profundas brasileira (ver gráfico 3). Mas esta nova bonança para os produtores petrolíferos não vai durar para sempre. De acordo com dados da Energy Information Admnistration, a década de 30 será marcada pelo início da massificação dos veículos elétricos.
As previsões até 2020 indicam a inexistência de superavit na produção petrolífera mundial Gráfico 4
Isso mudará o paradigma do mix energético da mobilidade: a fatia do petróleo descerá e aumentará as do gás natural, do carvão e das renováveis (as fontes produtoras de eletricidade).
Os novos riscos da «produção à pele» Mas a reconfiguração da ordem energética mundial está a gerar novos e substanciais riscos para a segurança de abastecimento de petróleo. Conforme se verifica no gráfico 4, mantendo-se o atual ritmo de produção, o inventário de petróleo global diminuirá em cerca de 3000 barris/dia até 2020. Gráfico 5
E se o mercado se reequilibrar nos preços, na mesma data prevê-se apenas que deixe de existir défice diário, sem nenhum superavit. Isto significa que o mercado petrolífero está a operar nas margens da sustentabilidade da segurança de abastecimento. Portanto, a irrupção de instabilidade geopolítica e de outros factores que afetem a produção petrolífera (ver gráfico 5) podem gerar substanciais impactos negativos no mercado, dados os baixos níveis de capacidade adicional existentes.
UMA ERA PARA O PETRÓLEO ATLÂNTICO?
Toda a produção de petróleo que se situe pelo menos até $40 conseguirá margens de lucro bastante interessantes.
80% da produção não-convencional dos EUA situa-se neste limiar de custo, bem como toda a produção em águas ultra-profundas brasileira
O mercado petrolífero mundial está a operar nas margens da sustentabilidade da segurança de abastecimento
GNL: uma energia atlântica para o mundo Gráfico 1
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mercado do GNL irá atravessar mudanças estruturais a partir de 2017: a análise da Merryl Lynch mostra que a bacia atlântica terá um crescimento da capacidade de liquefação tão grande como a que se irá operar no Médio Oriente. E a bacia do Pacífico também (ver gráfico 1). Por sua vez, segundo as previsões da Cheniere Energy (ver gráfico 3), os EUA serão 3º maior fornecedor de GNL mundial, colocando cerca de 100 mtpa anualmente no mercado. A expectativa é que a procura mundial por aquela fonte energética duplique até 2030. E se houver uma efetiva substituição de carvão por gás natural para a geração de eletricidade, ainda poderá existir um potencial de mercado até 140 mtpa.
Gráfico 2
Isto significa a ascensão dos EUA e da Austrália como competidores direta na exportação de GNL face ao Qatar: até 2020 a Austrália vai adicionar 62 mtpa de capacidade e os EUA 73 mtpa. A China, além de ser o maior importador de petróleo do mundo, também já está a se posicionar como um voraz consumidor de GNL: já contratou 20 mtpa para 2017 e 10 mtpa em 2020 (ou seja, metade da nova capacidade adicional da Austrália).
Gráfico 3
E como se pode ver pelo gráfico 2, a grande ilha da Oceânia é o principal fornecedor de GNL do Império do Meio, com os EUA em 2º lugar a nível individual. Cerca de 40% é proveniente do portfólio, ou seja, comprado em mercado spot. Mais um sinal de que, a prazo, poderemos estar a caminho de um mercado de GNL com uma liquidez similar à do petróleo. A evolução deste mercado também provocará mudanças na geografia das rotas marítimas, com um peso crescente da Bacia Atlântica (Norte e Sul) e o Pacífico como circuitos centrais na produção e transporte do GNL, factor gerador de oportunidades interessantes para Portugal se posicionar como entreposto comercial e de abastecimento do comércio marítimo desta fonte energética.
EUA e Austrália são os novos challengers do GNL
Com a queda dos preços do GNL, uma outra tendência em curso, sobretudo nos mercados emergentes de África e do Sudeste Asiático, é adicionar às unidades flutuantes de armazenamento e regaseificação (Floating Storage and Regasification Units - FSRU) a capacidade de geração de eletricidade para consumo doméstico. É uma forma de rentabilizar uma infraestrutura cara e complexa como um FSRU, tendo em conta que o custo por kw/h da queima de GNL para geração de eletricidade é mais do que o de outros combustíveis líquidos como o diesel.
Big majors petrolíferas apostam na descarbonização do negócio energético
As estratégias de descarbonização da ENI, Chevron, Shell, BP, Total e Statoil. Fonte: Wood Mackenzie, 2016
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e é verdade que o petróleo e o carvão ainda representarão mais de metade da energia consumida no globo em 2035, também é um facto que o gás natural e os combustíveis sem carbono conseguirão preencher 60% do crescimento do consumo energético global nessa data. As projeções indicam que as renováveis crescerão 500% nos próximos 20 anos, ao passo que o carvão e o petróleo verão seu consumo estagnado. Embora com avanços e recuos, e com um percurso ziguezagueante, o facto é que as políticas limitativas de emissões de gases de efeito estufa (GEE) estão a ser implementadas em várias zonas do globo.
A consultora Wood Mackenzie analisou as estratégias de cinco big majors: a Chevron, a Exxon, a ENI, a BP, a Shell e a Statoil. Identificou três diferentes estratégias: descarbonizar (mitigar riscos), capitalizar (usar as capacidades existentes para explorar oportunidades nas renováveis) e crescer (fazer crescer um negócio de renováveis rentável).
As vias da descarbonização
Da análise realizada, a Total é a única com uma meta de crescimento, tendo como objetivo que 20% dos ativos estejam baseados em negócios de baixo carbono em 2035. Por sua vez, a Statoil aumentou a sua exposição na energia eólica, aproveitando o seu expertise de plataformas Esta tendência pressiona as big majors petrolíferas para offshore de petróleo e gás. A Shell seguiu um caminho mitigarem o risco dos seus atuais modelos de negócio e semelhante. Por fim, a Exxon e a Chevron estão focadas na diversificarem para negócios com energia de baixo descarbonização, enquanto que a BP e a ENI estão a seguir carbono. uma mistura de estratégias. Mas a diversificação para renováveis não é um caminho óbvio. Isto porque as taxas de retorno das energias de baixo carbono são muito mais baixas do que as de produção de petróleo, por exemplo.
Este pool de empresas analisadas pela Wood Mackenzie está a usar os fundos de capital de risco como ferramenta de seleção das tecnologias vencedoras. Contudo, o investimento em renováveis neste conjunto de empresas Por isso, é difícil justificar a alocação de capital para representa menos de 2% do seu CAPEX. projetos com baixas margens. Além disso, as novas No entanto, há uma forte aposta no gás natural como uma energias requerem novos modelos de negócio, e com isso, fonte de descarbonização do portfolio energético. A BP novas competências, as quais podem ser adquiridas por está a seguir uma estratégia de diversificação nas cadeias joint-ventures ou aquisições. de valor do gás natural, a ENI terá 60% da sua produção
baseada nesta fonte energética em 2030 e a Total alcançará Em suma, o momento de transição para um portefólio de baixo carbono é crítico: se for demasiado cedo, não haverá esta meta em 2035 (presentemente 45%). capital para negócios com maior retorno no negócio das Os riscos de carbono globais podem pressionar os preços energias fósseis. Mas se for demasiado tarde, será perdida do petróleo para baixo no longo prazo (diminuindo a a janela de oportunidade. Se nada for feito, as empresas procura) e aumentando os custos. ficarão expostas à mercê dos investidores. Por isso, é crucial as majors colocarem os graus de breakeven da produção no nível mais baixo possível. Portanto, o aumento de ativos na produção não-OPEP na zona mais baixa da curva de custos – como explorações de shale dos EUA Eagle Ford, Wolfcamp e Bone Spring e as águas ultra-profundas do Brasil, ver gráfico) – assegurarão uma vantagem competitiva. É de referir que este este perfil de produção condiz com a zona de custo onde a Galp Energia opera: no Campo Lula, o custo situa-se nos $37/bbl, na secção baixa da curva de custo.
Eficiência e gás natural são as apostas mais fortes para energia de baixo carbono Bandas de variação do breakeven do custo de produção
Peso do gás natural no portefólio de ativos energéticos
As três grandes estratégias para criar um modelo de negócio de baixo carbono Descarbonizar
Capitalizar
Crescer
Estratégia
Estratégia
Estratégia
Descarbonizar negócio através da mitigação dos riscos de carbono Reduzir a intensidade carbónica da produção de combustíveis fósseis Manter a competitividade, ao passo que a procura global diminui e muda para a energia de baixo carbono Portefólio
Capitalizar capacidades existentes para explorar oportunidades em tecnologias e energia nula em carbono
Fazer crescer um negócio de renováveis substancial e rentável
Testar o mercado para o mercado de renováveis (p.e. com capital de risco)
Construir capacidades comerciais para avançar o negócio das renováveis, descarbonizando o transporte indústria
Testar novos modelos de negócios e de operações (p.e. parcerias)
Alavancar o negócio tradicional onde fizer sentido
Portefólio
Mudar a produção para o início da curva de custos
Participar em capital de risco nulo em carbon para financiar o acesso ao mercado
Aumentar o investimentono gás natural e nas tecnologias de captura do carbono
Crescer organicamente ao longo do tempo em novos negócio das renováveis
Desinvestir da produção intensa em carbono (p.e. areias betuminosas)
Nivelar o portfólio com reposicionamento junto de investidores ativistas
Portefólio Adquirir negócios de baixo carbon, com metas de crescimento substanciais e objetivos financeiros Integrar com o portefólio existente (renováveis, trading de gás e eletricidade)
Consumo de petróleo para geração elétrica pressiona capacidade exportadora saudita
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queima direta de crude é uma das fontes mais importantes para a geração de eletricidade na Arábia Saudita. Segundo dados da consultora IHS, entre 2009-2013 foram queimados em média, cerca de 732000 barris por dia (bbl/dia) durante o período de Verão. Em 2015, este valor subiu para 863.000 bbl/dia. Para termos de comparação, Portugal consome uma média de 300.000 bbl diários. Portanto, só para consumo interno para produção elétrica, na altura do pico de consumo, o reino saudita consome perto do triplo diário do mercado português.
O resultado será uma maior pressão no sistema de produção saudita para conseguir, em simultâneo, cumprir os compromissos de exportação e as crescentes necessidades de consumo interno.
Portanto, a médio prazo, o reino saudita enfrentará o seguinte dilema: ou consegue atingir a meta de produção de 11 milhões barris diários ou assume o papel de importador líquido de gás natural, tornando-se dependente energeticamente do Qatar ou do Irão, por exemplo (algo impensável para Ryadh). Ou ainda pode fazer uma aposta estrutural na energia solar, se conseguir Portanto, a Arábia Saudita teve de forçosamente subir a implementar uma solução de armazenamento em baterias produção petrolífera nos últimos anos para compensar eficaz a nível técnico e económico. esta subida de consumo elétrico derivado da maior A geopolítica da segurança energética saudita ainda trará urbanização do país e da falta de alternativas de produção mais surpresas no futuro. baseadas em gás natural e renováveis. Isto significa que o reino saudita embora produza mais, fica com menos capacidade para exportar, porque consome mais internamente. De acordo com os dados da IHS, embora tenha sido diminuída a queima direta de crude em 2016 para 474.000 barris/dia devido à produção de gás natural em dois campos offshore – Hasbah e Arabiyah -, o facto é que está planeada nova capacidade de geração elétrica baseada em crude em 2017, bem como novas unidades petroquímicas (que irão consumir o gás natural adicional para o seu funcionamento).
A Arábia Saudita queimou em 2015 quase mil milhões de barris/dia só em geração elétrica para uso industrial e doméstico
Índia inova na captura e sequestro de carbono
A
empresa indiana Carbonclean inventou uma tecnologia que converte as emissões de CO2 das centrais de produção elétrica baseadas a carvão em bicarbonato de sódio, um componente utilizado na indústria alimentar.
Fonte: The Guardian, 2017
Para saber mais: http://www.carboncleansolutions.com/
A tecnologia consegue converter 60.000 toneladas de CO2/ano. A solução está em teste no porto industrial de Tuticorin. A tecnologia é economicamente viável sem subsídios estatais, o que é um avanço substancial, dado que as soluções de captura e sequestro de carbono (CCS) têm sempre custos de investimento e de operação muito elevados.
Visualizar a produção renovável europeia em tempo real
O
Electricity Map project é uma iniciativa de open-source que permite visualizar as emissões da geração de eletricidade e o potencial de produção de eletricidade renovável.
Para saber mais: http://electricitymap.tmrow.co/
A informação é disponibilizada através de feeds de dados em tempo real num mapa interativo da Europa, mostrando como a eletricidade está distribuída pelo continente, quais as fontes energéticas e quanto carbono está a ser produzido para a sua geração. Além disso, a ferramenta usa dados meteorológicos atualizados, sendo possível aceder ao potencial de fonte solar e eólica em cada país.
Energy Security Insight Janeiro—2017
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