CORPO INTERMITENTE
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CORPO INTERMI TENTE OBRAS DA COLECÇÃO DA FUNDAÇÃO LUSO-AMERICANA PARA O DESENVOLVIMENTO
CATÁLOGO / CATALOGUE
EXPOSIÇÃO / EXHIBITION
Coordenação / Coordination JOÃO SILVÉRIO
Director do Museu de Angra do Heroísmo Director of the Angra do Heroísmo Museum
Textos / Texts CARLOS CÉSAR RUI CHANCERELLE DE MACHETE JORGE A. PAULUS BRUNO JOÃO SILVÉRIO NUNO CRESPO Biografias / Biographies LÚCIA MARQUES Tradução e Revisão / Translation and Proof-reading JOSÉ GABRIEL FLORES Fotografia / Photography LAURA CASTRO CALDAS / PAULO CINTRA Design Gráfico / Graphic Design VERA VELEZ Impressão / Print run TEXTYPE 750 exemplares / copies ISBN 978-972-8654-35-1 Depósito legal 270 522/08 Edição / Published by FUNDAÇÃO LUSO-AMERICANA PARA O DESENVOLVIMENTO
PRESIDÊNCIA DO GOVERNO Direcção Regional da Cultura
JORGE A. PAULUS BRUNO Realização / Production FUNDAÇÃO LUSO-AMERICANA PARA O DESENVOLVIMENTO / MUSEU DE ANGRA DO HEROÍSMO Curador / Curator JOÃO SILVÉRIO Coordenação da Exposição / Exhibition Coordination FRANCISCO PEDROSO DE LIMA Divulgação, Dinamização e Serviço Educativo / Divulgation, Promotion and Educational Support DULCE DE ANDRADE Secretariado / Secretariat ODÍLIA SILVA Montagem / Setting-up AUGUSTO VILAÇA CARMELO AMARANTE DENATILDE SILVA ELEUTÉRIO PIMENTEL NORBERTO BETTENCOURT TRISTÃO FREIRE DE ANDRADE Apoio à Montagem / Setting-up Assistants IRIA LIMA JOÃO PRENDA JOSÉ GABRIEL ROMEIRO LURDES GONÇALVES MARIA JOSÉ COSTA SUSANA OLIVEIRA Embalagem e Transportes / Packing and transportation FEIREXPO
CORPO INTERMITENTE
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ANGRA DO HEROÍSMO 11.02.2008
A intensificação da acção da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento na Região Autónoma dos Açores é motivo de satisfação para o Governo dos Açores. É, pois, com muito gosto que o Governo Regional acolhe este projecto expositivo levado a efeito pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, através do qual se realizam três mostras de Arte Contemporânea portuguesa, a partir de um acervo de significação iniludível. Os museus Carlos Machado, de Angra do Heroísmo e da Horta são as instituições regionais que, por vocação, as acolhem. Por isso, são instituições privilegiadas ao poderem oferecer aos seus públicos, nomeadamente àqueles que as visitam no contexto dos seus serviços educativos, um conteúdo cultural do melhor nível que ocorre nos Açores neste domínio. No caso do Museu de Angra do Heroísmo, esta exposição constituirá um marco de referência e mais um exemplo de como promover, positivamente, a expressão artística contemporânea num espaço com significativa tradição histórica como é o Edifício de São Francisco.
Carlos César Presidente do Governo Regional dos Açores
The increasing intervention of the Luso-American Development Foundation in the Azores Autonomous Region is a source of great satisfaction for the Azorean Government. It is, thus, natural that the Regional Government warmly welcomes the present exhibitive project of the Luso-American Development Foundation, which comprises three showings of Portuguese Contemporary Art, drawn from the Foundation’s unparalleled vaults. The Carlos Machado, Angra do Heroísmo and Horta Museums are the Azorean institutions chosen to host them. They are privileged, since that fact enables them to offer their visitors, namely those who come to them through their educational departments, the finest selection of Portuguese Contemporary Art available in the Azores. The present exhibition will prove a landmark in the Angra do Heroísmo Museum’s history, as well as one further instance of how to positively promote contemporary artistic expression in a space of such historical importance as the São Francisco Building.
Carlos César President of The Azorean Regional Government
Com a exposição de parte significativa das obras de desenho, pintura e escultura da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, que agora se realiza na bela cidade de Angra do Heroísmo, prossegue o projecto de pôr os Açores em contacto directo com peças relevantes da arte contemporânea portuguesa. É verdade que com o progresso da técnica qualquer obra de arte é susceptível de ser reproduzida, até em grandes quantidades, e com perfeição. Mas nada substitui a emoção estética e o complexo fenómeno intelectual experimentado por quem contemple o original e, através dele, se põe em relação com a personalidade do seu criador. O culto do gosto e da sensibilidade perante o belo são aspectos importantes do desenvolvimento da personalidade humana e das suas capacidades. Existe também uma interdependência entre não apenas a educação, mas também a cultura e o crescimento económico, e o desenvolvimento das sociedades. Ao promover a cultura – e quantas vezes tal é esquecido – contribui-se também para a valorização do capital humano e com ele para o incremento das oportunidades de produção de riqueza. Não é por acaso que os povos mais cultos são também os mais ricos, sem que seja possível determinar, nessa inter-relação, que elemento é sobretudo a causa e qual o efeito. Esta iniciativa representa, também, um marco assinalável na cooperação frutuosa e in crescendo entre a Fundação e o Governo Regional dos Açores.
Rui Chancerelle de Machete Presidente do Conselho Executivo da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento
The present exhibition, which brings a significant part of the Luso-American Development Foundation’s drawing, painting and sculpture collections to the beautiful city of Angra do HeroĂsmo, continues our project of bringing the Azores into direct contact with important pieces of Portuguese contemporary art. It is true that, thanks to technical advancements, every work of art can now be perfectly reproduced, even in large numbers. But nothing can replace the aesthetic thrill and the complex intellectual phenomenon experienced when contemplating an original piece and, through it, relating to the personality of its creator. The cultivation of one’s taste and feeling for the beautiful is an important part of the development of human personality and its capacities. There is also an interdependence between education, culture, economic growth and the development of societies. It is often forgotten that the promotion of culture also contributes towards the valorisation of human capital and consequently to the increase of opportunities for creating wealth. It is not by chance that the most cultured peoples are also the most rich, thanks to the abovementioned inter-relation, in which it is impossible to determine which elements are causes and which ones effects. Finally, the present initiative represents also an important landmark in the fruitful and ever-growing rapport between the Foundation and the Azorean Regional Government.
Rui Chancerelle de Machete President of the Executive Council of the Luso-American Development Foundation
Numa oportuna iniciativa da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento em parceria com a Presidência do Governo dos Açores, através da Direcção Regional da Cultura, concretiza-se um projecto expositivo tripolar em que o Museu de Angra do Heroísmo muito se orgulha de participar, ao acolher esta importante mostra de Arte Contemporânea. Porque o Museu é um território cultural, nele se cruzam por excelência expressões diversas: a tradição e a contemporaneidade encontram nele terreno fértil e, não raro, provocam eco; nele também as dinâmicas ascendente e descendente completam-se e deixam rasto… Por isso, o Museu deverá ser um território aberto, permeável e dinâmico, acolhedor e hospitaleiro; um lugar que suscite mais questões do que respostas; uma ágora que interrogue o presente, revendo o passado e preparando o futuro. Neste contexto conceptual de Museu, é da maior relevância a participação do Museu de Angra do Heroísmo neste projecto expositivo. Apresentando obras de um conjunto de artistas que marcam a criação artística contemporânea em Portugal, ele oferece ao público visitante uma excepcional oportunidade de estar em contacto com variadas técnicas e expressões que se impõem ao Homem contemporâneo como reflexão inevitável de um tempo e de um espaço. São obras de Álvaro Lapa, Ana Jotta, Eduardo Batarda, Jorge Queiroz, José Loureiro, Miguel Branco, Rui Chafes, Rui Leitão, Rui Moreira e Rui Sanches que celebram esta festa da arte, sob a designação Corpo Intermitente, que o Museu de Angra do Heroísmo acolhe com grande entusiasmo.
Jorge A. Paulus Bruno Director do Museu de Angra do Heroísmo
The Luso-American Development Foundation, in collaboration with the Azorean Government’s Cultural Department, is currently carrying out a tripartite exhibitive project in which the Angra do Heroísmo Museum is greatly proud to participate, by hosting this important showing of Contemporary Art. A Museum is a cultural territory, a privileged location for the crossing of various expressive forms: tradition and contemporaneity find in it a fertile ground, across which they often reverberate; in it, too, ascending and descending dynamics complete each other, leaving their trace… Given all that, the Museum must be an open, permeable, dynamic, comfortable and welcoming territory; a place that inspires more questions than answers; an agora on which the present will be examined, revisiting the past and preparing the future. Within the above conceptual context, the Angra do Heroísmo Museum’s participation in this exhibitive project takes on the utmost importance. The present exhibition displays works by a group of leading artists in Portuguese contemporary art, thus giving its visitors an exceptional chance to contact with a variety of techniques and expressions that impose themselves on contemporary Man as the unavoidable reflections of a certain time and space. Works by Álvaro Lapa, Ana Jotta, Eduardo Batarda, Jorge Queiroz, José Loureiro, Miguel Branco, Rui Chafes, Rui Leitão, Rui Moreira and Rui Sanches make up Corpo Intermitente [Intermittent Body], a celebration of art enthusiastically hosted by the Angra do Heroísmo Museum.
Jorge A. Paulus Bruno Director of the Angra do Heroísmo Museum
ÍNDICE / CONTENTS
JOÃO SILVÉRIO
Itinerário 15 A visita do corpo
p. 13
NUNO CRESPO
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Notas sobre o conceito de figura Catálogo / Catalogue
32 Eduardo Batarda 42 Miguel Branco 50 Rui Chafes 58 Ana Jotta 68 Álvaro Lapa 78 Ruy Leitão 86 José Loureiro 92 Rui Moreira 98 Jorge Queiroz 106 Rui Sanches JOÃO SILVÉRIO
Itinerary 119 The visit of the body 117
NUNO CRESPO
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Notes on the concept of figure
Biografias / Biographies 156 Lista de obras / List of works 142
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JOÃO SILVÉRIO
Itinerário A cidade de Angra do Heroísmo acolhe a exposição intitulada Corpo Intermitente, integrada num projecto, realizado pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento em colaboração com o Governo Regional dos Açores, que tem como objectivo dar a ver obras de arte contemporânea a partir de um duplo caminho descentralizador. Por um lado, mostrar a diversidade de propostas artísticas integradas na colecção. Por outro, estimular um forte empenhamento na descentralização dos
lugares e equipamentos culturais que trabalham com públicos diferenciados. Acrescente-se, ainda, a edição e publicação dos catálogos, que contribuem, com a produção especializada de textos, para constituir uma maior amplitude na leitura e compreensão dos projectos expostos. Em 1999, uma outra exposição de obras da colecção esteve patente nesta cidade e contou com a colaboração do Museu de Angra do Heroísmo para a adaptação da exposição, de menor dimensão, ao espaço do Palácio dos CapitãesGenerais. O convite endereçado à Fundação Luso-Americana constituiu, na época, uma possibilidade única de integrar uma das mais importantes manifestações culturais da Ilha Terceira, as Festas Sanjoaninas. A presente exposição foi pensada especificamente para o Museu de Angra do Heroísmo. A singularidade do seu espaço apresenta-se como um duplo corpo que se
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descobre na imponente arquitectura conventual de raiz setecentista e no seu interior renovado, consequência do restauro que sofreu no final da década de noventa do século passado. O museu é como um corpo reconstruído que resguarda e projecta dentro de si um outro corpo dinâmico, multifacetado e versátil. Um contentor que responde não só às necessidades do legado que acolhe, mas também às solicitações de artistas e obras contemporâneas que têm construído a sua identidade, expressa na programação que criteriosamente vem produzindo. Na sequência da metodologia iniciada com o anterior projecto, esta exposição prossegue o cruzamento de linguagens e meios de expressão, conduzindo a uma (re)leitura de propostas e obras de arte significativas para o presente que vivemos.
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A visita do corpo É extensa a sombra que se estende perante nós quando pensamos a ideia de corpo, seja, para nós, figura (humana ou não), silhueta, corpo celeste ou algo que nos remeta para a significação de um objecto corpóreo. É também a sua representação, desde os primórdios da humanidade, que nos ajuda a compreender uma das formas do corpo, aquela que nos suporta e nos confere a realidade e identidade como seres humanos. Mas em simultâneo toda a corporalidade presente na história da mitologia, na imaginação, na narrativa ficcional. Linha interminável do pensamento que une os ideais de beleza, de fealdade, de temor, de desejo, e de poder, contributo último para uma possibilidade da ultrapassagem e reconhecimento do nosso corpo materializado noutras linhagens de corpos transmutados. As obras expostas não pretendem
dar a ver a sua evidência como uma temática constante. E se, por vezes, é aparente a sua presença, noutros casos a verosimilhança com a sua representação histórica de modo algum pretende recolocar um cânone que possa ou pretenda enquadrar e actualizar um modelo desse corpo ideal. Assim, Corpo Intermitente é uma aproximação aos indícios desse corpo criado e questionado que emerge na obra dos artistas escolhidos para esta exposição: Eduardo Batarda, Miguel Branco, Rui Chafes, Ana Jotta, Álvaro Lapa, Ruy Leitão, José Loureiro, Rui Moreira, Jorge Queiroz e Rui Sanches. É através da linguagem simbólica e da metáfora que podemos aproximar-nos da corporalidade que atravessa o percurso da exposição. Como se fosse um planisfério, que indica locais cuja identificação é subtil, mas que sugerem cada um deles apontamentos e direcções distintas. Quando o corpo emerge, ou uma referência a este é perceptível,
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este acontecimento pode ocorrer através de uma entrada distinta do universo da arte: uma referência a um dispositivo da psicologia. É o caso das obras da autoria de 1 Ana Jotta , que sobrepôs três folhas com manchas de Rorschach sobre três projectos encomendados a artistas para três publicações. Estas obras tomam o lugar das obras publicadas por outros autores, apropriando-se do seu espaço. E ocupar o lugar do outro é tomar a posse do seu lugar, conquistar-lhe a propriedade. Esta é uma das aproximações que podemos fazer, pensando o corpo como uma ferramenta da acção e simultaneamente uma metáfora desta, como uma massa complexa e inclusiva de uma personalidade psicológica, traduzida, segundo esta prova, a interpretação do teste Rorschach, numa silhueta psicológica de um indivíduo, de um sujeito. Apologia cínica da contradição platónica entre o inteligível e o sensível, a exposição
idealizada do corpo apolíneo e universo do pensamento liberto, mas ainda distante, desligado. Por outro lado, a forma do corpo interpretada como ideal da perfeição na escultura clássica encontra em Rui Sanches uma resposta que se apresenta como um embuste e devolve-nos a ideia de objecto corpóreo. E corpóreo quer dizer que se refere ao corpo ou que lhe é relativo, mas que não é ainda, ou que já não é. Pode ser antropomórfico, de forma semelhante ao corpo, disforme ou informe, mas 2 de difícil interpretação . Esta obra Sem título de 1993, pode remeternos para a figura de um torso humano, um corpo deformado ou a uma secção de um modelo inacabado de outro tipo de corpo. Sob outra forma, os desenhos de 3 Rui Moreira , trabalhados com uma precisão geométrica e persistente, desorientam-nos na busca de coordenadas que procuramos numa tentativa de encontrar a figura de um corpo num universo 1 Ver págs. 60>61. 2 Ver pág. 115.
3 Ver págs. 96>97.
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próximo da abstracção. Estes desenhos sugerem-nos figuras estranhas, como hierofantes de um ritual desconhecido, próximas da monstruosidade, no sentido em que existe algo de excessivo, visível nas formas fálicas exacerbadas e no volume que as vestes de recorte primitivo exibem. Mas esta aura, de monstruosidade e de excesso, transporta-nos para os três 4 desenhos de José Loureiro . Fragmentos que recuperaram instantaneamente todas as afecções que o corpo provoca, negando a unidade de órgãos agregados. Surgem-nos como elemento simbólico que nos remete para a existência de um ser cuja boca é a porta para as entranhas, para a sua intimidade. A boca que beija mas também a boca escarlate que emite sons, rugidos, até palavras como na peça 5 Not I, de Samuel Beckett , em que a figura principal é a boca de uma mulher que relata uma sucessão de acontecimentos dramáticos. A boca-mandíbula que, para 4 Ver págs. 89>91.
5 Not I é um monólogo, escrito por Samuel Beckett em 1972, no qual a personagem principal se chama Boca.
além do tempo histórico, simboliza a loucura, o medo e o terror, elemento central no quadro pintado por Goya, Saturno devorando o seu 6 filho , ou, na cinematografia de Ridley Scott, a imagem da mandí7 bula retráctil de Alien , que se destaca e isola do seu corpo multiforme. 8 Manhã e Madrugada são duas palavras que dão o título às esculturas de Rui Chafes. Palavras que podem surpreender-nos entre o nascimento e a morte, entre a presença e a ausência. E é a palavra, que cada uma sussurra, que indicia uma determinação do próprio corpo para se integrar numa espécie de armadura interior que parecem representar. São corpos que resguardam, ou prendem, a existência corporalizada do espírito e elevam-se como carcaças aladas que pairam sobre nós. Escondemnos o ferro e o fogo sob as silhuetas recortadas e negras, deixando uma dúvida silenciosa sobre a leveza eterna ou a queda que o seu peso pode anunciar. 6 Francisco de Goya, Saturno devorando o seu filho, 1819/23, 146 x 83 cm., óleo sobre tela, Museo del Prado, Madrid, Espanha.
7 Ridley Scott, Alien, 1979. 8 Ver págs. 54>57.
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A ausência e o silêncio provocam um reencontro em Álvaro Lapa, na série Moradas na Mãe Terra e 9 no desenho A voz das pedras . A voz das pedras da praia de Labruge reproduzida através de um texto escrito pelo autor, não a voz humana mas a voz que se pressente na figuração construída pela 10 escrita . O desenho, como prática silenciosa e solitária, vai revelando nos catorze desenhos das Moradas na Mãe Terra os objectos e as paisagens como lugares onde algures alguém esteve incólume e anónimo à espera. Até que uma figura aparece. Apenas uma cabeça, o cabelo espetado e os olhos que nos enfrentam numa pose silenciosa, como se nos advertisse que é possível sentir a respiração que a terra e as pedras evocam. O aparecimento/desaparecimento do corpo e dos seus indícios, a intermitência, é como um estado febril, inconstante, impreciso e tenso que nos encaminha para a contradição e estranheza na repre-
sentação. E é perante uma aparente contradição que nos defrontamos, nesta exposição, com as pinturas de Miguel Branco. Os formatos são semelhantes, de pequena dimensão, quase como se fossem objectos portáteis, mas a pintura oferece-nos de imediato a obrigação de estacar a nossa marcha e olhar. Olhar de frente para estas figuras procurando o que são e quem são, porque aqui o corpo é reconhecível e só o profícuo e atento trabalho do pintor consegue imolar a tentação de procurarmos a realidade e a verdade sobre os retratados. É a pintura que cria e possui a corporalidade, a identidade dos mascarados e do corpo jovem e apolíneo, desnudado, que 11 nos indaga sobre o fundo carmim . E é aqui também que a contradição surge entre o corpo revelado, o rosto descoberto de expressão elevada e semblante luminoso, em confronto com a estranheza das figuras com o rosto encoberto, por vezes sem olhar, quase inumanas, 9 Ver pág. 71.
10 "As conversas de Leça em casa de Álvaro Lapa (1998-2006)", entrevista dada a Jorge Silva Melo, Álvaro Lapa: Textos, Catálogo da exposição Grande Prémio EDP, 2006. 11 Ver pág. 45.
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como se a máscara (que se estende ao corpo?) fosse uma das qualidades do ser humano. Será? Como refere Nuno Faria, “estamos perante figuras antropomórficas isoladas, mascaradas ou privadas de rosto [onde] se manifesta com redobrada vitalidade, uma questão central que antes era latente: a de uma animalidade ou monstruosidade aliadas a um ambiente de 12 inquietante estranheza” . Mas a estranheza é um território em que a definição dos seus próprios limites se torna difícil. Como algo que vem de fora, que nos é estranho e que temos dificuldade em incorporar ou adicionar ao nosso universo. Como olhar para a obra de Eduardo Batarda, Anarquistas em Petrogrado preocupados 13 com Cronstadt, de 1975 , sem sentir uma surpresa ou um sentimento ambíguo entre o cromatismo sedutor e a violência que absorve todos os campos da imagem? Referindo-se a um facto histórico, esta obra não é apenas 12 Cfr. Nuno Faria sobre o artista Miguel Branco: http://www.camjap.gu lbenkian.pt/l1/ar%7B D2B27546-03B0-4185A5F8-0B5ACC3E203C% 7D/c%7B44bf84ebbace-401d-8af9-7db9d 1804 63d%7D/m1/ T1.aspx
13 Ver pág. 41.
uma ilustração que revela o inquestionável domínio do desenho da aguarela e da composição que nos transporta para um campo próximo da banda desenhada. A profusão de elementos, de anotações escritas e de figuras bizarras e deformadas, quase a tocar o grotesco, é absolutamente provocatória, satírica. O corpo das personagens não é caricatural, mas transgressivo, no sentido em que não o é apenas pelo seu carácter sexualmente explícito e perverso, mas principalmente pela hibridez exacerbada que ultrapassa, ou transgride, o comentário sobre o real, levando-o para o domínio da fantasia. Esta noção de transgressão faz-nos regressar à ideia do corpo como um ente excessivo que pode transmutar-se no próprio espaço onde ocorre uma possível narrativa. É esta dimensão de uma natureza híbrida que está presente nas obras de Jorge Queiroz. Como João Fernandes afirma, no catálogo da sua recente exposição
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antológica , nos seus desenhos “o corpo destas figuras pode fragmentar-se: em certos casos podemos encontrar apenas uma perna, noutros uma cabeça. Noutros casos, o corpo vai transformar-se, fundir-se com o contexto espacial que o envolve e que, por vezes, é gerado por esse mesmo corpo. Uma cabeça pode abrir-se numa paisagem, de um torso pode surgir um objecto, um braço ou uma perna podem surgir amputados ou 15 continuados por um objecto” . Neste universo, todas as combinações são possíveis e expandem-se infinitamente para dentro das narrativas que constrói, mas sobre as quais saberemos apenas fragmentos episódicos. Porque o autor persiste em procurar sempre mais fundo como se dilatasse o espaço – um espaço interior. Os desenhos de Ruy Leitão revelam uma influência viva das imagens do mundo que rodeiam o autor. Animais, sapatos, chapéus e outros objectos do quotidiano
encontram-se, provocando uma profusão de elementos e cores que a obsessão do artista impregna na folha até à exaustão. Há coisas e corpos que se metamorfoseiam uns nos outros, e aparecem animais, figuras humanas com cabeça de animal, ou animais vestidos como se fossem as personagens anónimas de uma fábula. No entanto, dois desenhos aparentemente abstractos fazem pressentir algo de corpóreo. A forma de uma pegada, uma sola de sapato, na esteira dos sapatos que desenhou. 16 Estes dois desenhos , mais depurados, são sinalizadores de uma existência corpórea submersa mas latente, que não cede de imediato à revelação mas que deixa pressentir a intermitência do corpo como uma presença heteróclita que nos visita, surpreendendo-nos na fugacidade que só a memória ou o espelho podem recuperar.
14 João Fernandes, "Jorge Queiroz: Do desenho enquanto twilight zone entre o real e as suas ficções", Jorge Queiroz, Catálogo da exposição no Museu de Serralves, Porto, 2007.
15 Ver págs. 102-105. 16 Ver pág. 84.
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NUNO CRESPO
Notas sobre o conceito de figura “Toda a figura é um mundo, um retrato cujo modelo surgiu numa visão sublime, tingido de luz, designado por uma voz interior, apontado, desnudado por um dedo celeste que mostrou, no passado de toda uma vida, as fontes da expressão.” H. Balzac, A obra-prima desconhecida, p. 38
Balzac nunca teve como objectivo descrever qualquer tipo de quadro metafísico sobre as obras de arte, ainda que resulte do seu texto uma das mais poderosas apresentações do demónio (no sentido grego de ‘daimon’) da arte. E este tem, sem dúvida, origem num plano que não se atém à matéria, aos objectos, às experiências puramente sensíveis. Trata-se de um plano que extrapola o dado: a pura experiência sensível não lhe é suficiente e o seu movimento é o de uma peculiar exorbitação. Ainda que, como Kant tão bem reconhece, essa seja a tendência ou vocação natural da razão humana, em termos artísticos corre-se o risco da anulação da própria obra de arte, da figura, da mancha, do objecto.
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Neste mesmo texto, Balzac, pela voz do mestre pintor que teima em não desvendar a sua obra aos amigos, diz: “A obra que tenho lá em cima aferrolhada é uma excepção na nossa arte; não é uma tela, é uma mulher!” Esta metamorfose da pintura em carne, da matéria de arte em matéria de vida, apresenta perigos: zona de suprema confusão onde aquilo que é não parece e o que parece não é. Uma desconfiança que se traduz em desconforto estético: a tese é de que qualquer obra de arte esconde uma espécie de génio maligno que está sempre a enganar, que continuamente prega partidas perceptivas e impede a visão da superfície. Mas as razões da desconfiança transformam-se nas razões do louvor: coroa de espinhos e de glória. Parecem ouvir-se ecos de Platão quando, na República, apresenta as razões da não admissibilidade dos artistas na sua cidade e o seu discurso condenatório se transforma numa das mais louváveis exortações aos poderes da arte. Ou seja, este génio é maligno, mas, simultaneamente, criador, portador do poder da configuração da matéria em símbolo, em signo, em experiência, em conhecimento. A formulação balzaquiana é uma exigência, para muitos incompreendida e injustificada, de que a obra de arte não pode ser só mais um objecto, mas que tem de ser uma matriz, modelo ou retrato — um mundo, como escreve Balzac. Além de ser um imperativo moral, trata-se de uma exigência de relação com o mundo que encontra no conceito de figura a sua melhor expressão. A relação entre figura e mundo, e é esta relação que importa explorar, corresponde ao esforço de tornar visível, um esforço que integra não só o espanto das coisas existirem, como o espanto de serem como são. É do prestar contas a este espanto que se alimentam as artes.
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A exigência, própria daqueles para quem os objectos esteticamente qualificados são momentos de contemplação, é a da fuga ao gesto desnecessário, fortuito, desenraizado, ao arabesco construído sobre o acaso. A relação da figura com o mundo é a do reconhecimento do característico, do próprio, por isso o mundo é o seu lugar de ressonância. Trata-se da transformação do mundo em qualquer coisa identificável, isto é, uma laboriosa organização do campo visual. Não é uma relação de estrita representação — o actor representa: está em vez de…, com uma máscara faz-se passar por… —, mas de um lugar de descoberta. Tal como os nomes não são mais que chaves de entrada dentro das coisas, as figuras são gestos que, sob um fundo indeterminado, informe, delimitam, reconhecem, intuem zonas de comunidade, de troca. Diz Jünger: “«Intueor» é um verbo que os Antigos não conheciam senão na sua forma passiva e através das suas causas. Só depois vem a denominação: as coisas não transportam o seu nome, os nomes são-lhes conferidos. O mundo dos nomes distingue-se do das imagens: não é mais que um reflexo.” (Tipo, Nome, Figura, §24) A figura é, assim, a apresentação ou, se se preferir, a materialização da intuição: nas tintas de uma tela, nos traços de um desenho, na madeira ou ferro de uma escultura. E o tal sentido antigo de intuição — o ser-se afectado por, o deixar-se marcar por — coloca entre parêntesis a actividade configuradora do espírito humano e transforma, por momentos, todo o conhecimento em reconhecimento. Este louvor a uma certa passividade do sujeito transformase em relação de descoberta daquilo que emana das próprias coisas. É como se, deste ponto de vista, o interesse fosse a visão — e intuir é, de algum modo, uma forma de visão — das coisas elas mesmas, nas suas formas mais caóticas, informes, desorganizadas,
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intocadas pela racionalidade ou integradas no espírito sistemático, isto é, a intuição como contacto com o antes-do-nome, como visão à luz do meio dia, sem sombras, sem lastro. Seguindo Jünger, os nomes são reflexos, sombras das coisas, acções humanas; já as imagens estão mais próximas da fonte. E imagem é, aqui, o ser-figura daquilo que se vê: deixa o teu corpo projectar a luz e as sombras para que eu te veja, para que eu te reconheça, para que tu sejas. “A concepção da figura pressupõe o ser humano, como espírito que concebe, mas também como espírito que engendra. Um elemento novo penetra no homem, mas para ser por ele denominado e assim conhecido, mas também reconhecido.” (Jünger, op. cit., §113) Este espírito que engendra, no caso da construção da figura, o artista, trabalha no adro da discursividade, ao mesmo tempo que engendra é engendrado: sou aquilo que vejo e o que vejo sou eu. Deixar-se penetrar por esse tal elemento novo é não só recuperar a intuição, como é condição da formação de figuras: simultaneamente cria o mundo e cria-se a si mesmo e o seu corpo é medium do nascimento do novo, lugar do inesperado e da revelação. As figuras por si engendradas correspondem à tensão de diferenciação do indiferenciado: a mancha, primeiro operador da figura, é o seu primeiro sinal perceptivo, apresenta o esforço de conhecimento e de descriminação do informe. Trata-se de arrancar o nome ao que não tem nome, a figura ao indistinto: “toda a imagem, todo o fenómeno na sua linguagem imagética e simbólica, é um caso à parte, uma delimitação a partir do indiferenciado” (Jünger, op. cit., §108). Esta acção de delimitação corresponde à descoberta do indivíduo, do singular, do caso único, ao nascimento da multiplicidade. Só no contraste com a multiplicidade nasce a unidade do caso singular, é através do contraste com a heterogeneidade que se dá conta de si: no limite, a figura é uma variação desse mesmo indiferenciado.
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Mas a figura é simultaneamente movimento de síntese, por isso é um mundo: a sua melhor apresentação acontece com o corpo humano, que é não só o mediador por excelência de todas as figuras, como a sua origem e destino. Escreve Filomena Molder: “são as obras, elas mesmas, que solicitam, sugerem e exigem um certo movimento, uma certa disposição ao contemplador, que aparece unicamente no sentido mais depurado, relativamente à essência espacial da obra, isto é, relativamente ao lugar do espaço consequente com a obra contemplada. Fala-se da exigência da obra, nunca em ponto de vista” («Notas de leitura sobre um texto de Walter Benjamin», Matérias Sensíveis, p. 19). Faz-se aqui uma equivalência entre obra e figura, por entendermos ser a figura uma obra. O “lugar do espaço” indicado é consequência da irrupção da figura: ao seu nascimento corresponde um gesto inaugural, uma suspensão do tempo e uma demarcação do espaço absoluto. A figura, como a obra de arte em geral, é a acção de tornar perceptível o espaço e sensível o tempo. Outro aspecto da proximidade que aqui se desenha, reside na autonomia, expressa sob a forma de exigência, da figura: a subjectividade do sujeito não é tida em conta, o que há a honrar são as exigências das figuras. São elas que determinam o lugar do corpo no espaço, os movimentos, a dança sensível, sob o risco de, caso não se atenderem os seus pedidos, se afundar numa profunda mudez e invisibilidade. Outro aspecto a salientar é que a construção da figura não é regida por uma escolha, pois é uma resposta directa a uma necessidade de orientação: usando a bela imagem de Jünger (op. cit., §88), as figuras são como uma espécie de bússola que só serve para o trajecto: aponta o norte, orienta, mas não determina o caminho.
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“No caso da figura, não só os contornos se tendem a apagar, mas a própria consciência que os encara é menos presente. Toca-se num saber mais profundo, mais próximo do pressentimento — um parentesco que reside na natureza que configura mais que na natureza configurada” (Jünger, op. cit., §128). Esta quase-ausência aqui sublinhada destaca o contacto directo que a figura estabelece com aquilo que figura, que apresenta ou representa. Quando comparada com a linguagem sabe-se que a figura vai mais fundo, por ser construída através dos mesmos ingredientes daquilo que figura. Por isso se podem fazer transições e os elementos ajustam-se, não se desdizem ou contradizem. Jünger afirma que a partir de certo momento os contornos da figura se tendem a apagar: ao máximo poder da figura corresponde o seu desvanecimento. Voltemos a Balzac: “Estais diante de uma mulher e procurais um quadro. Há tanta profundidade nesta tela, o ar nela é tão verdadeiro, que já não podeis distingui-lo do ar que nos rodeia. Onde está a arte? Perdida, desaparecida” (Balzac, op. cit., p. 68). A situação é paradoxal: a verdade em arte, tal como a profundidade na figura, corresponde à sua anulação, imiscui-se com os factos do mundo, faz-se facto do mundo, espaço tornado consciente. Que o ar possa correr por entre o corpo da figura indica que o poder desta reside num tipo superior de visão, um poder que se exerce sobre tudo quanto há: só se conhece um poder próximo deste, que é o da nomeação. Dado a figura não aparecer no universo, não estar disponível para ser colhida e integrada num discurso unificador, ela é a primeira manifestação desse mesmo universo: trata-se da transformação do poder cósmico e metafísico numa realidade tangível, sensível, mensurável, elemento do campo de visão e percepção.
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“O fundo cósmico e o fundo inesgotável do homem não são senão um: matéria, espírito, prodígio, mar, floresta, luz, sol, deserto e qualquer outro nome que se queira. Lá não existem nem diferenças, nem qualidades. Número, pensador, altura, profundidade, entendimento já nada significam…” (Jünger, op. cit., §122) Que entre tudo se possa estabelecer uma relação não significa que tudo seja igual a tudo: através do engenho humano o novo tem lugar, o estranho pode acontecer. Mas a correspondência aqui estabelecida diz respeito às transições possíveis entre os elementos, e o modo como a diversidade se encontra nesse fundo que o cosmos e o homem partilham: o múltiplo descobre-se, reconhece-se no UM. Com as obras de arte acontece o mesmo, percebe-se um “acordo genético entre a orientação do corpo, os movimentos da mão, a direcção do olhar do artista e do seu efeito sobre aquele que contempla: o quadro, o desenho, a seda pintada chinesa, a pintura parietal, o fresco, chamam a si em relações metafísicas, ao longo do tempo diversas, um modo de olhar, um lugar, que não pode ser arbitrário” (Maria Filomena Molder, op. cit., p. 20).
BIBLIOGRAFIA Balzac, Honoré, A obra prima desconhecida, [Le chef-d’oeuvre inconnu, 1831], Lisboa: Ed. Vendaval, 2002 Didi-Hiberman, Georges, La peinture incarnée suivi de Le chef d’oeuvre inconnu par Honoré de Balzac, Paris: Les éditions de Minuit, 1985 Jünger, Ernst, Type, Nom, Figure [Typus, Name, Gestalt, 1981], Paris: Christian Bourgeois Ed., 1996 Molder, Maria Filomena, Matérias Sensíveis, Lisboa: Relógio D’Água Editores, 1999
Catálogo / Catalogue
EDUARDO BATARDA MIGUEL BRANCO RUI CHAFES ANA JOTTA ÁLVARO LAPA RUY LEITÃO JOSÉ LOUREIRO RUI MOREIRA JORGE QUEIROZ RUI SANCHES
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EDUARDO BATARDA
O imaginário de Eduardo Batarda implica, antes de mais, um salto nas profundezas da imaginação, no poder configurador que esta força da inteligência possui de dar forma àquilo que não domina. Não se trata de uma simples unificação, antes do estabelecimento de relações muitas vezes inesperadas entre corpos, objectos, roupas, detalhes roubados. O seu interesse é puramente visual, ou seja, trata-se de um artista que encontra na prolixidade das figuras o seu modo de construir imagens. Os diferentes elementos pictóricos que utiliza, sempre variados e a fugir da repetição, criam entre si um ambiente familiar. Mas esta família é especial: quase nunca há parecenças directas, é preciso aguçar a vista e estar-se preparado para o detalhe, para a fissura que cada uma das suas figuras sensíveis apresenta como sendo o seu lugar. São quase sempre corpos que, através de acções inesperadas, se dão a conhecer enquanto limites: da forma, do
traço, da fisionomia. As situações de desmedida em que Batarda coloca os seus personagens não são produto de uma fantasia sem limites, mas procedem de uma compreensão que é no limite que melhor se vêem as diferenças, que aí se dão a conhecer as fisionomias dos corpos que se amam e dos corpos da náusea, que não se querem ver, cheirar, tocar. A escala que o artista utiliza deve-se, antes de mais, à construção de uma linguagem destinada a poder exprimir o carácter sempre único do corpo que concebe, que arrepia, que deseja. O riso que pode provocar dá conta da profundidade da sua intuição: feita mancha, figura, universo. O seu mundo tão próprio é regido pelas leis do desejo e da viagem: esta empreendida enquanto gesto de descoberta do eu e do outro, do encontro e do desencontro. As consequências políticas são inevitáveis. Está-se aqui a pensar sobretudo nos seus papéis. Aí, a anarquia da imaginação é total e encontra
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o seu sentido na capacidade de construir uma espécie de amostra de um mundo possível. O carácter exótico com que se pode classificar estes seus trabalhos não os afasta de nós, mas transforma-os em espaços explosivos de relação com o erotismo que se teima esconder. Os falos grandes, as bocas abertas e famintas parecem sempre corresponder a algo daquele fundo inesgotável no homem de que fala Jünger. Trata-se de um artista que é, sobretudo, um receptor: tudo o que lhe interessa faz sua propriedade, transforma a linguagem alheia na sua própria e o seu método reside num olhar que se constrói na tensão da criação de um inventário das formas orgânicas e de tudo que com elas se relaciona. Se o corpo é o mote destas aguarelas, é-o no sentido de ser o denominador comum de todos os objectos, de todas as cores. É o primeiro termo de comparação e de relação com tudo o que há. A violência que, aparentemente,
envolve alguns destes seus trabalhos está relacionada com o modo desinibido como o desejo é apresentado: força primária configuradora dos gestos, orientador e primeira pedra do edifício humano dos valores. De algum modo, Batarda parte de um cliché visual e histórico (são conhecidas as suas obras em que se apropria de muitos lugares da história da arte) para construir um campo visual absolutamente seu: o sítio de onde parte é destruído e das suas cinzas nascem figuras de surpreendentes poderes encantatórios.
34 Murder in the Gallery, 1972
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Flood (Ligth of the world), 1972 Green Indian, 1972
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Sem título / Untitled (“ Great moments in self-expression, vol. 14”), 1973 Aventuras da Condessa del Rio, 1972
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40 Anarquistas em Petrogrado preocupados com Cronstadt, 1975
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MIGUEL BRANCO
Que o rosto se pode transformar numa paisagem é qualquer coisa que todos os retratistas e alguns fotógrafos sabem, aliás essa é mesmo a sua matéria, o seu mote, a sua razão. Não se pode com segurança localizar as pinturas que agora se apresentam numa tradição da pintura ou identificar um mote que todas em conjunto desenvolvam. O que recriam é um ambiente cuja espessura é estranha, de difícil acesso: animais, paisagem, rostos humanos em transformação. O carácter humano, a confundir-se com o fundo da pintura, é dado enquanto metamorfose, movimento de aproximação à sua animalidade, a um carácter bruto e indistinto. O homem e a sua máscara é outra das entradas nestes trabalhos de Miguel Branco. Mas máscara tem aqui o sentido nietzscheano de ser condição de expressão, a condição metafísica necessária para que o rosto possa aparecer. A pintura mais reconhecível enquanto retrato revela-se, no final da série,
como a mais encenada, mais distante do elemento primeiro da fisionomia: reconhece-se no rosto que é máscara a fundir-se no fundo, a fazer-se parte do indiferenciado cósmico da pintura, a apresentação da natureza indistinta no homem. Se, por um lado, se pode transformar o rosto em paisagem que se contempla e onde se descobrem múltiplos acidentes que contam histórias e expressam vida, por outro, esse mesmo rosto pode ser visto como máscara funerária. Não que anime estas pinturas qualquer sentimento nostálgico, aquilo que elas têm como força configuradora reside na descoberta da não-forma, da não-figura como lugar de pertença do humano. Estas pinturas de Miguel Branco são lugares inquietantes onde se assiste ao retorno do corpo à terra, ao leito, ao lugar indistinto a partir do qual todas as formas são formadas, esse imenso oceano cósmico e natural. Que a figura progressivamente se vá transformando no seu próprio fundo é, para
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além de uma relação pictórica, indício da polaridade constitutiva da fisionomia: aparecer/desaparecer, fazer-se/ desfazer-se, diferenciar-se/tornar-se indistinto. No limite, aquilo que o artista obriga a percepcionar é a anulação da multiplicidade e a sua transformação em unidade: o muito reconhece-se no UM e funde-se nele. O UM é o magma terrestre que tudo absorve, tudo integra, tudo desfaz e integra numa outra unidade, numa outra espessura orgânica. A escala em que trabalha, quase um miniaturista, serve um duplo propósito: primeiro obriga à concentração, depois faz com que estes trabalhos sejam uma espécie de segredo que o artista nos conta ao ouvido. Os sussurros que emanam destas madeiras e destes seres atemorizam, mas por mais que se queira não se pode desviar o olhar. Está-se sob uma espécie de encantamento ou condenação: qualquer olhar reconhece nestas figuras o seu lugar de pertença, neste rosto reco-
nhecem o seu próprio. O elemento inquietante nestes trabalhos é o eles não se erguerem enquanto lonjuras, mas como locais dentro do próprio corpo, novos órgãos que sem antecipação crescem dentro do contemplador. A posição, anímica e física, que as pinturas obrigam a assumir metamorfoseia aquele que vê em força, pura pulsão, energia irracional que irrompe do interior do rosto e se transforma no campo magnético que rodeia a fisionomia humana.
44 Sem tĂtulo / Untitled, 1987/88 Sem tĂtulo / Untitled, 1997
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46 Sem tĂtulo / Untitled, 2000 Sem tĂtulo / Untitled, 2000
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Sem tĂtulo / Untitled, 2000 Sem tĂtulo / Untitled, 2000
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RUI CHAFES
Corpos de fogo, ferro e palavra. Assim poderia começar uma descrição do trabalho de Rui Chafes. As suas esculturas são pedaços tirados à terra, bocados do cosmos terreno e celeste com os quais o artista realiza uma minuciosa descrição da ocupação do espaço. O seu interesse não é puramente humano; trata-se de tornar terrenos seres incorpóreos e criar lugares onde os corpos não se submetem às habituais leis da gravidade, criando as suas próprias condições de existência. A sua estratégia formal e conceptual passa por um jogo com o peso e a leveza, a gravidade e a graça, a opacidade e a transparência. Independentemente do seu estatuto de corpos, as suas criaturas — que são madrugadas e manhãs, luzes e escuridão, clareiras e campos de escondimento — são sobretudo pontos de intensidade, topoi poéticos: momentos de potenciação do campo da acção humana. A figura matricial é sempre o corpo humano na sua dimensão múl-
tipla, nos seus aspectos de matéria, forma e invisibilidade. São locais de partida através dos quais se toca no frio que envolve todo o ente vivo. São gestos que rodeiam, como um halo sagrado, e protegem o coração, ao mesmo tempo que o expõem ao mundo. São abrigo e casa materna onde o homem se pode recolher, lugar sagrado onde o coração se pode dar a si próprio. Não se pode pensar o trabalho deste artista sem ser numa estrita relação com a camada mais profunda da realidade: as suas esculturas são seres da profundidade, corpos alados. O local que habitam inscreve-as em zonas onde o silêncio é mais forte que a palavra, são como sondas que detectam os deslocamentos e oscilações do magma terrestre. Mas trata-se de um silêncio que não anula a palavra, a qual é aqui entendida como esforço humano de compreensão. Estas esculturas são, sobretudo, formas de pensamento tornadas sensíveis, tangíveis: é o pensamento a entregar-se na forma de corpo.
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Dar nome — e todas as esculturas de Rui Chafes têm nome — significa a necessidade de compreender o visível, de identificar a intuição. Mas a nomeação não é sinónimo de um programa de racionalidade, mas sim um gesto poético. Aliás, só a palavra poética convém a estas formas, porque só elas podem conter o universo que é aqui apresentado: fazer poesia com o fogo, escrever sobre o aço incandescente — esta é a imagem que convém a estes corpos. Um esforço que não obedece a critérios puramente formais, mas orgânicos. Exigências que têm de se cumprir quando se seguem os vestígios do que está vivo. O escultor transforma-se não num demiurgo, mas num caçador nómada, as suas presas são meio anjos, meio bestas, que só conhecem a forma quando são presas nas tiras esvoaçantes e leves do ferro. A sua solidão é o espaço de silêncio e imobilidade necessários para poder levar a cabo a sua tarefa. No final dá-se outra
metamorfose: o caçador torna-se na sua própria presa e faz de si mesmo o caminho a percorrer. A metáfora da caça é conveniente a Rui Chafes e é sob o signo do viajante, solitário e intenso, a sós com a dor e a morte que transporta dentro de si, que todo o seu trabalho se desenvolve. Neste seu universo, todos os elementos têm uma localização precisa, geométrica: a única lei que conhecem é a necessidade orgânica de manter a vida, de suportar a carne, a voz e o sopro que é a alma.
52 Depois de para sempre – VII, 1988
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Madrugada XXII, 1992 A Manh達 IV, 1992
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A Manh達 V, 1992/93 A Manh達 VIII, 1992
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ANA JOTTA
O conjunto da obra de Ana Jotta é um verdadeiro enigma. As suas referências são várias e dificilmente se consegue encontrar um fio condutor que una as suas diferentes produções. Não é que seja um trabalho incoerente, mas cada obra é um ser singular, auto-referencial, autónomo. As suas pinturas, desenhos, esculturas e fotografias têm somente um centro originário, que é a própria artista. Mas que não é um corpo convergente: os seus trabalhos usam diferentes gramáticas e têm destinos diversos. Mas pode assumir-se que todos têm um ponto comum — a forma cuidadosa com que são executados. Talvez o desenho seja a sua matriz, a fonte de onde emanam todas as outras construções. Por isso o seu registo é o da inscrição da forma. A artista é aqui sinónimo de uma posição de escuta: ouve a forma e trata de lhe dar alimento — tinta, barro, grafite, cartão, tela. São obras cujo projecto são elas mesmas. Nos desenhos e pinturas aqui apresen-
tados o campo é o do jogo perceptivo, isto é, lidam com o fenómeno da visão na sua maior amplitude e com os exercícios que transformam o acto de ver. A sua ‘cabeça pato-coelho’ é clara a este propósito: é uma figura dupla onde ora aparece um coelho, ora um pato. Que as duas figuras possam coexistir em simultâneo no mesmo espaço não é só significativo do ponto de vista da construção da imagem, mas também da adequação da visão ao pensamento. Aquilo que a artista sublinha é que a visão já compreende uma relação de adequação ao mundo, isto é, só se vê aquilo que se está preparado para ver, o que se quer ver. Este abismo perceptivo que Jotta evidencia também é revelador do modo como o olhar artístico se constrói: materializa figuras internas, projecta acontecimentos da visão sobre a matéria, cria zonas de sensibilidade de outro modo só existentes enquanto tensão interna. Mas em nenhum dos casos se trata de um jogo cego ou de enganos. É o
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esforço de uma certa arqueologia do visível que tem como resultado mais imediato uma desmontagem do preconceito da objectividade e geometrização espacial: o campo visual antes de ser euclidiano é humano, e a primeira relação com as grandezas — e as manchas de cor são, de certa forma, grandezas dadas — é estética. Deixar-se afectar pelo visível é o mote que a cada momento é desenvolvido nestes trabalhos, e a cada percepção da figura externa corresponde a identificação de um lugar da interioridade. E, neste contexto, não se pode falar em erros, somente em cegueira, e esta é, deste ponto de vista, a maior condenação. Não se trata de estar cego relativamente à imagem do mundo, mas sim quanto aos aspectos — pedras de toque na organização do campo visual — que o mundo tem. As intervenções que Jotta executa não são somente apropriações de trabalhos ou de imagens existentes — numa espécie de continuidade da sua
estratégia do objet trouvé — , são sobretudo modos de agir, de interceptar, de tocar no modo efectivo como se vê, como se sente, como se pensa. Estes trabalhos colocam o seu utilizador ou activador perante a certeza que a relação com as obras de arte é meio ver/meio pensar, e onde as obras surgem como pontos de concentração e intensificação do corpo (porque o corpo é a melhor imagem da alma) daquele que as confronta.
60 Sem tĂtulo / Untitled, 1990 Sem tĂtulo / Untitled, 1990
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62 Sem tĂtulo / Untitled, 1988 Monoparental Uma, 2002
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64 Duck-Rabbit?, 1993
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Sem tĂtulo / Untitled, 1991 Sem tĂtulo / Untitled, 1979
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ÁLVARO LAPA
Dificilmente se pode ser tão profundo como o são os desenhos de Álvaro Lapa. Através de um reduzido léxico formal, o artista consegue atingir as camadas mais profundas do sentimento, da percepção, do pensamento. Não se confunda a simplicidade aparente destes trabalhos com a falta de recursos; o seu resultado é um enraizamento do olhar nas coisas mais simples, e por isso mais difíceis. Que as pedras tenham vozes e que a MãeTerra tenha moradas para todos revela um mundo que se julga extinto, um contacto com a fonte de onde emanam todas as coisas que já só sob a forma de fantasma se julgava possível pressentir. Que a beleza é o mais difícil é uma lição que se aprendeu desde Platão, mas aqui esta categoria surge como modo de dizer o lugar terreno onde o corpo pertence: corpo que é morada, que é voz, que é forma. A inscrição do corpo sobre a Mãe-Terra não é um apelo ecologista, mas uma necessidade
de voltar ao pó, ao contacto, às cinzas. Poder-se-á dizer que a cada desenho Álvaro Lapa abre uma fenda na crosta terrestre através da qual se pode ver. Aquilo que se vê não é mais que o ponto de encontro entre a essência humana e a essência do mundo. A cada traço o artista redesenha os contornos do planeta, ao mesmo tempo que se descobre a si mesmo. A cada momento define a essência do desenho. Tudo se passa como se fosse um poema, onde cada linha só nasce da absoluta necessidade: nada é supérfluo e a sua economia é perfeita. A cada nova visão fica-se mais próximo da essência não só do desenho, como do ritmo do magma terrestre, do coração, da palavra. Os campos que abre são verdadeiras clareiras onde o ser do mundo encontra o lugar do seu acontecer, um espaço em aberto onde se descobre a pura potência, o poder-ser tudo. Os desenhos de Lapa não são pontos de chegada, mas pontos de partida, locais
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de onde se parte para descobrir as linhas com que as coisas se cosem a elas mesmas e que depois se unem ao corpo do homem: tudo está ligado a tudo, tudo é feito da mesma matéria. Escutar “a voz das pedras” é uma espécie de oração ao cosmos e ao dia que encontra nas mãos e no rosto que se recolhem para pensar em deus a sua melhor apresentação. Pensar no sentido do mundo é o outro nome para este deus que tem morada na terra e consegue ouvir as pedras. Não se chega a este local através de deduções e exercícios: ele só se torna presente numa revelação. O sentimento que atravessa estas paisagens não é de nostalgia, mas de familiaridade entre todas as coisas, com o homem no centro delas. Que a Terra seja o lugar de pertença do corpo é um facto que de tão primário se tende a esquecer, faz parte daquelas coisas que de tão presentes se tornam invisíveis e é o resgate desta invisibilidade que o artista parece estar continuamente a ensaiar.
Na série “Moradas da mãe terra” a sequência de 14 desenhos parece apresentar uma espécie de sequência cinética, os movimentos são sempre duplos: interior/exterior, inspiração/ /expiração, dentro/fora. Mas esta diferenciação é provisória, pois são termos de uma mesma relação e que depois são integrados. O movimento que se percepciona é sinal do dinamismo interno do que é vivo, do gesto significativo que todas as criaturas realizam.
70 A voz das pedras, 1975
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72 Moradas na mĂŁe terra, 1972 (sĂŠrie de 14 desenhos/series of 14 drawings)
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RUY LEITÃO
Composições cuidadas que se revelam como lugares de espanto. A sua genialidade está no modo como consegue a cada pintura construir um mundo novo, um universo consequente e autónomo. A estratégia criativa é a de uma luta permanente contra o anonimato do habitual-habitável, uma espécie de gesto de salvação do esquecimento para que continuamente se atira o quotidiano. Os motivos na obra de Ruy Leitão são imensos, tantos quanto o olhar consegue abranger. Herdeiro da cidade frenética, fábrica de imagens rápidas sem tempo para contemplações, os seus trabalhos são uma cuidadosa elaboração de tudo quanto a vida de todos os homens e de todos os dias dispõe ante o seu olhar. Ainda que viva da e na abundância de cores e formas, o seu gesto é preciso e exacto no modo como apresenta os seus objectos, que se transformam em ponto de desenvolvimento de mais cores, mais formas, mais composição. A acumulação de elementos obedece
à necessidade interna de cada coisa: as coisas saem de dentro umas das outras, multiplicam-se infinitamente e há sempre mais vida. As relações entre as coisas não se podem antecipar, mas nascem de uma consequente ocupação do espaço da folha ou tela e da atenção aos pequenos pormenores. No seu conjunto, a obra de Ruy Leitão é uma meditação sobre a pintura. Tudo lhe serve como ponto de partida: alfinetes, peças de vestuário, corpos, animais. O seu esquema integrador de ideias é um poderoso artifício de condensação e síntese que tem como resultado mais imediato um enorme estímulo das faculdades da visão. A integração que faz das diferentes famílias de objectos forma uma espécie de quadro de parentesco onde as parecenças são conseguidas à custa de relações de adequação formal e cromática. O movimento que se experimenta em cada trabalho é fruto desse ocultar/desocultar que é a sua linguagem primeira.
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Mas não só de preocupações estéticas vivem estes trabalhos, que são simultaneamente campos de afecto e sensibilização. São pequenos pontos concentrados de energia que se prolongam entre o corpo do desenho e o corpo do espectador, locais de co-pertença: o espectador pertence ao desenho e o desenho ao espectador. Trata-se de uma relação de conveniência que não conhece desconforto nem afastamento. A visão transforma-se no lugar onde acontece a intuição e todos os mensageiros do sentir se reúnem no lugar da sensação visual. O animal da vista conhece um seu igual e com ele estabelece uma afinidade. Podem-se retirar muitas consequências dos trabalhos de Ruy Leitão, aprendizagens perceptivas, gramaticais, pictóricas, composicionais. São, sobretudo, portas para regiões da vida humana impregnadas pela intensidade do estímulo visual, rápido, inclemente, irreparável. Que o desenho era a sua forma de vida fica atestado nos blocos
A4 e A5 que deixou e, enquanto tal, não conhece a imobilidade das fórmulas abstractas, mas está possuído pelo poder ver tudo, querer ter tudo ali, à mão. Baudelaire baptizou a imaginação de rainha das faculdades por poder ser análise e síntese; no caso de Ruy Leitão, ela é o mundo inteiro: local onde acontece o próprio acontecer.
80 Sem tĂtulo / Untitled, 1971 Sem tĂtulo / Untitled, 1967
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82 Sem tĂtulo / Untitled, 1968/69
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85 Sem título / Untitled, n. d. Sem título / Untitled, n. d. Sem título / Untitled, 1968
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JOSÉ LOUREIRO
As “bocas” de José Loureiro são um momento importante na história do corpo. Trata-se do momento em que os órgãos se autonomizam e, logo, ganham voz própria, vontade, identidade. A sua autonomia é tão inesperada que num primeiro contacto, estas “bocas” são identificadas como pequenos monstros: que dizer de bocas que andam por aí, sem dono, autónomas, a reivindicar um lugar no mundo? Alguém devia informar as bocas, ou o pintor, que os órgãos pertencem ao organismo e que as bocas só num rosto têm lugar. Lembre-se a trágica história do pobre Schlemihl que vendeu a sombra e nunca mais teve lugar entre os vivos. O outro lado desta história é pensar-se no que é um rosto sem boca, um corpo sem fala: arrepiante. A vantagem da pintura, bem como de outras artes, é não conhecer as mesmas leis a que têm de se submeter todas as outras coisas do mundo dos homens. As figuras e corpos da ficção,
neste contexto, figuras e formas pictóricas, resultam de um processo de abstracção, não têm obrigações de verosimilhança, de causalidade, somente conhecem as regras do rigor estético, do ajustamento artístico: o seu mundo ajusta-se a este mundo e é tudo. As pinturas são um mundo porque são simultaneamente legislador e objecto da legislação. No caso destas pinturas, elas deslocam os seus referentes — as bocas reais que falam, beijam, comem, dizem poemas, segregam saliva — para um contexto novo, autonomizam o fragmento e, assim, criam um plano novo de vida — aqui o fundo mágico e absorvente da pintura. Estas “bocas” são uma fatia de um corpo, fragmentos retirados à unidade. O corpo é uma totalidade organizada, sistema de finalidades sem fim, como diz Kant, e a ambição destes novos seres é conquistarem essa mesma autonomia orgânica e formal. Não se sabe se o conseguem do ponto de vista
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orgânico, mas enquanto formas elas conquistam um lugar e são celebradas enquanto instância visível de um certo tipo de sensibilidade. E é esta autonomia da figura que a boa pintura consegue sempre. O ser-boca é nestas pinturas de Loureiro levado ao seu limite expressivo: são esticadas, deformadas, geometrizadas. O resultado manifesta-se enquanto resistência ao gesto destruidor: porque se o pintor é criador, também é demolidor. Neste levar ao limite da figura surge a capacidade da forma, agora autonomizada, conseguir criar um mundo só seu a que correspondem os diferentes planos e cortes efectuados pela pintura. Não se trata unicamente de pôr a figura a viver, mas da certeza que os ingredientes da pintura possuem uma inteligibilidade própria. A forma é deles dependente, o seu limite é o deles. O lugar no espaço da figura pintada é um lugar que é conquistado no momento do nascimento da forma, da
mancha. Os seus limites são os limites do traço, do papel. Não existe espaço antes da pintura: ele é formado com o gesto que pinta e reconhecido através da utilização que as figuras dele fazem. Por isso a estranheza inicial que se sente ao ver estas “bocas” irónicas transforma-se em reconhecimento de lugares, espessuras, possibilidades.
88 Sem tĂtulo / Untitled, 1990
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Sem tĂtulo / Untitled, 1990 Sem tĂtulo / Untitled, 1990
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RUI MOREIRA
Pode-se enfrentar os desenhos de Rui Moreira ou deixar-se levar por eles, perder-se nos múltiplos detalhes provenientes de um meticuloso registo de observação, atenção e dedicação. A experiência mais próxima é a daquele que sozinho percorre uma paisagem e se deixa levar pelos diferentes verdes, pelo contraste da terra com o céu, pelos desenhos que as montanhas e árvores realizam no horizonte. Os seres que se vê surgir nestas enormes folhas de papel nascem de uma espécie de exercício da memória: do olhar quando percorre um lugar, da mão quando acaricia uma superfície, da sensibilidade quando descobre um novo sentimento. As figuras são ondulantes, estranhas e movediças. Não se deixam agarrar e a cada momento mostram uma nova face, um novo aspecto, um novo pormenor. A sua monocromia é um mecanismo de intensificar a concentração, de adestrar a atenção para os acontecimentos da figura. O acontecimento fisionómico é
a categoria central destes desenhos, mas são acontecimentos criados pelo artista. O seu ponto de origem está num treino do olhar em detectar a geração da figura, em perceber como é que um ponto se desenvolve noutro ponto e noutro e noutro e noutro. Qualquer coisa que se manifesta não só na inscrição do sinal sobre a superfície, mas também no ritmo que imprime e é desejado, ambicionado pelo palco em que se transforma o desenho. As figuras que Moreira apresenta lembram corpos ancestrais, aqueles com quem se aprende o primeiro gesto, com quem se trava o primeiro combate, com quem se aprende a primeira lição. As acções que parecem fazer são exemplares, rituais, míticas: devem ser repetidas e executadas por aquele que as observa, esta é a condição da sua contemplação. A sua expressão intensa dá conta do contacto com o mais fundo, com o que corre muito para lá do que se pode sentir, lugares a que só se tem acesso através de
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sofisticadas construções artísticas. A cada momento nestas figuras acontecem outras coisas: pequenos seres, quase invisíveis, que preenchem e criam o contorno das figuras principais. Num outro desenho, a variedade formal sintetiza-se numa figura redonda, a qual surge como matriz planetária que é ao mesmo tempo apresentação da célula, do átomo, do infinitamente pequeno que suporta a vida, da mente como coisa redonda, do olho como porta de entrada. O modo como são construídas estas figuras conhece em Demócrito, que descreve o mundo como um conjunto de átomos e vazio, pequenas unidades de preenchimento e vazio, o seu melhor porta-voz. O modelo cosmológico dos atomistas compreende que aquilo que existe não pode ser imóvel e uno, mas depende de uma relação íntima entre o cheio e o vazio, o ser e o não-ser, e que as diferenças entre os átomos são a causa das diferentes coisas e que estas diferenças são três: “forma, dis-
posição e posição; o ser, dizem eles, difere só em ritmo, contacto e revolução, dos quais o ritmo é a forma, o contacto é a disposição e a revolução é a posição” (Aristóteles, Metafísica, A4, 985b) Este é um modo possível de compreender os desenhos de Rui Moreira. Também eles dependem de uma relação complexa entre o cheio e o vazio, o ser e o não-ser. E estes são os princípios que organizam os campos de visíveis que constrói. A poesia também conhece esta fórmula: enquanto arte do ritmo, ela depende da relação entre palavra dita e silêncio. De algum modo, as figuras aqui desenhadas são formas poéticas (não poemas visuais), porque intensas e preenchidas de ritmo e movimento.
94 Sem tĂtulo / Untitled, 2003
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96 Sem tĂtulo / Untitled, 2004 Sem tĂtulo / Untitled, 2004
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JORGE QUEIROZ
Jorge Queiroz faz desenhos. Uma acção que se caracteriza por encontrar os seus fundamentos principais numa espécie de polaridade básica originária: sentido e sem sentido, lógico e ilógico, consciente e inconsciente, cheio e vazio, abstracto e figurativo, narrativa e fragmento. Tudo parte de um ponto de vista próximo do da Alice de Lewis Carroll, onde tudo é e não é ao mesmo tempo porque a lei fundamental é a da metamorfose: permanente transmutação das coisas umas nas outras, movimentos contínuos de aproximação à maior intensidade expressiva possível. Uma lei que se manifesta em termos das características formais, materiais e conceptuais de cada um dos desenhos: a nota dominante é o não haver lugares habituais (ainda que se possa identificar uma espécie de acção serial), e o próprio desenho estar continuamente a ser re-inventado, testado, levado aos limites. A luta (e estes desenhos são espaços de um certo tipo de
conflito) não é por uma espécie de desmedida surreal, mas nasce de uma tensão constante (muito próxima da da poesia e de algum tipo de filosofia) entre aquilo que se pode dizer (desenhar) e aquilo que deve ficar sempre sem ser dito (aquilo a que jamais pode corresponder uma forma, imagem ou traço). Os habitantes destes universos quase implausíveis, mas ajustados e logicamente possíveis, são seres mutantes e explosivos que habitam locais onde a geometria é invertida e a arquitectura, enquanto memória da ocupação e organização do espaço, transformase em irracionalidade, imprevisibilidade e acaso. A sua principal resistência é a qualquer tipo de discurso unificador que ambicione impor sistemas reguladores e ordenadores: a regra que conhece é a que surge no interior das suas próprias coordenadas pictóricas, formais e gráficas. Não conseguir identificar o fio da história significa a opção pela descoberta de
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lugares isolados dentro da própria possibilidade de sentir e de sentido: uma espécie de negação da genealogia (todos os elementos que compõem estes desenhos parecem sair, literalmente, do nada), dada a impossibilidade de proceder a uma regressão fiel até à origem dos acontecimentos do desenho. Por isso o vazio faz tanto parte das obras como todas as inscrições no papel: corresponde à possibilidade do sujeito se movimentar e percorrer o espaço. Por um lado, equilibra a lógica de excesso e a abundância que formalmente caracterizam estes trabalhos, e, por outro, deixa espaço livre para a imaginação. A este vazio corresponde, sobretudo, o espaço de liberdade (que curiosamente é, neste contexto, ausência e solidão) necessário para que as faculdades humanas sejam activadas, excitadas, vivificadas. Surpreendente é o modo como à percepção deste excesso (parente do caos onírico, simbólico e surreal) se
segue uma experiência de equilíbrio, harmonia e fusão com aquilo que os olhos vêem e a sensibilidade experimenta. Por fim, à estranheza sucede-se a possibilidade (em forma de evidência inegável) de que a ausência de narrativa é o elemento primeiro da construção do sentido.
100 12 june 72, 1998
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102 Sem título / Untitled, 1998 Sem título / Untitled, 1998 Sem título / Untitled, 1998
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RUI SANCHES
Marat significa, antes de mais, o nome que se dá à impossibilidade de representar a vida sem a morte. A pintura que David faz do corpo assassinado de Marat tem uma dupla função: primeiro, põe em causa a compreensão do retrato e depois constitui-se como uma apresentação do corpo enquanto ser em metamorfose para a morte. Neste retrato fúnebre, o leito de morte é uma banheira em que o corpo delicadamente se separa da vida, onde se materializa um afastamento e se impõe uma distância. No limite, trata-se de um retrato impossível, o qual é considerado por Baudelaire como um poema visual onde a vida surge na sua feição mais cruel e no qual Marat desafia Apolo. Estas considerações não são estranhas aos desenhos que Rui Sanches, inspirado por David, dedica “A Marat”. Este surge como motivo que conhece sucessivas aproximações, enquadramentos, imagens. O elemento central é o corpo na sua acção de desvanecimento
sobre o qual são construídas as coordenadas de um lugar impossível: o lugar onde a vida se separa do corpo, o lugar onde acontece a morte. Em alguns destes trabalhos surgem sobre a figura uma espécie de diagramas, esquemas de integração do peso do corpo assassinado pelo punhal de uma mulher. É como se o artista ensaiasse dar à perda uma figura. A escultura que convive com estes desenhos também é sobre a perda. “Orfeu” é o nome do cantor que com a sua lira e o seu canto encantava animais ferozes e desviava o curso dos rios; um dia perde o seu amor, Eurídice, e vai às profundezas do Hades para resgatá-la. A condição imposta pelos deuses é que Orfeu pode levar Eurídice desde que não olhe para trás, se não perderá para sempre o amor. Quer a escultura quer os desenhos partilham a experiência da perda, da morte, do afastamento, da distância. Mas em ambos os casos as obras estabelecem uma relação erótica com o
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seu contemplador. Ainda que as estratégias nos desenhos e na escultura sejam diferentes, ambos conhecem na pulsão de Eros (irracional, imbatível, sensível) a sua forma. Se nos desenhos o corpo parece desintegrar-se e desmaterializar-se, em “Orfeu” a lógica é a da acumulação de finas placas de contraplacado sobre as quais se ergue um corpo de gesso branco. As formas antropomórficas que nascem são fruto da relação que o corpo escultórico cria com o corpo do seu utilizador: corpos de matérias diferentes que se reconhecem um no outro. Este corpo é afirmativo no modo como se movimenta e ergue acima do solo. A indistinção entre o que é corpo e o que suporta o corpo é um elemento importante e que afirma a pertença de todos os corpos ao mesmo fundo, aos mesmos elementos, às mesmas raízes. As referências históricas não têm no trabalho de Rui Sanches um papel determinante, mas servem como meto-
dologia de revisitação da história da memória, dos momentos humanos de aprendizagem do sentido e da percepção. O seu programa não se funda num elenco dos clichés visuais da história da arte, estabelecendo-se antes sobre a sua destruição ao transformar em seu material uma certa tradição. O que lhe interessa são os motivos humanos que ficaram condensados nas histórias, nas pinturas, nas esculturas e que ecoam em todos os corpos e em todos os tempos. Este é o seu âmbito.
108 A Marat – 2, 1989
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A Marat – 4, 1989 A Marat – 9, 1989
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112 Orfeu, 1989
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114 Sem tĂtulo / Untitled, 1993
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JOÃO SILVÉRIO
Itinerary The city of Angra do Heroísmo hosts the Corpo Intermitente [Intermittent Body] exhibition, part of a project organised by the Luso-American Development Foundation in collaboration with the Azorean Regional Government, which aims at showing contemporary works of art by means of a decentralising double approach. On the one hand, it intends to display the diversity of the Foundation’s collection; on the other, to inspire a strong commitment to the decentralisation of cultural locations and facilities with
varied publics. To this must be added the preparation and publishing of catalogues, which contribute, with their specially commissioned texts, towards a richer reading and understanding of the exhibited projects. Already in 1999, another, less extensive exhibition of works from our collection had come to this city, and was adapted, with the help of the Angra do Heroísmo Museum, to the space of the Palace of the Captains-Generals. At the time, the invitation sent to the Luso-American Foundation offered it a unique opportunity to take part in one of the most important cultural events in Terceira Island, the Festas Sanjoaninas. The current exhibition was specifically conceived for the Angra do Heroísmo Museum, whose singular space comes across as a double th body, revealed in its impressive 16 century conventual architecture and renovated interiors, consequence of the restoration work it underwent during the late 1990s. The museum is like a reconstructed body
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that keeps and projects inside itself another dynamic, multifaceted and versatile body. A container that satisfies not only the needs of its permanent collection, but also the requests made by contemporary artists and their works which have lately enriched its identity, as expressed in its carefully produced programming. Pursuing the methodology developed in the prior project, this exhibition continues to explore a combination of languages and expressive means, allowing for a (re)reading of concepts and works of art that are important for the present in which we live.
The visit of the body A long shadow stretches before us whenever we consider the idea of the body, be it for us a figure (human or otherwise), a silhouette, a celestial body or something that evokes for us the signification of a corporeal object. Since the beginning of mankind, representations of this idea have helped us understand one of the body’s forms, the one that supports us and gives us reality and identity as human beings, but also all the corporeality that is present in the history of mythology, in imagination, in fictional narratives. An interminable line of thought that unites the ideals of beauty, ugliness, fear, desire and power, the ultimate contribution towards a possibility of both overtaking and recognising our body, materialised into other lineages of transmuted bodies. Nonetheless, this subject is not constantly displayed by the works exhibited here. If its presence is sometimes clear, in other instances
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verisimilitude in terms of its historical representation is in no way intended to propose some canon that may bring about a model of that ideal body. Corpo Intermitente is thus an inquiry into the traces of that created and questioned body that emerges from the work of the artists selected for the present exhibition: Eduardo Batarda, Miguel Branco, Rui Chafes, Ana Jotta, Álvaro Lapa, Ruy Leitão, José Loureiro, Rui Moreira, Jorge Queiroz and Rui Sanches. It is by means of symbolic language and metaphor that we may approach the corporeality that suffuses the exhibition’s itinerary, as if it were a planisphery, showing places that are hard to identify, but which suggest various different remarks and directions. When the body emerges, or a reference to it becomes perceptible, this event may occur through an entry point that is separate from the artistic universe: a reference to a psychology device. Such is the case 1 of the pieces by Ana Jotta , who has overlaid three sheets with 1 See pages 60>61.
Rorschach blots on three projects that had been originally commissioned by three magazines from other artists. These works take the place of the other authors’ works, taking up their space. And to take someone’s place implies taking possession of someone else’s property. This is one of the ways in which we may approach this work, by thinking the body as both an instrument of the action and a metaphor of it, as a complex mass that includes a psychological personality, translated in terms of the Rorschach test as the psychological outline of an individual, of a person. A cynical apology of the Platonic contradiction between the intelligible and the sensible, the idealised exhibition of the apollonian body in a universe of free, yet still distant and disconnected, thought. On the other hand, the form of the body as the ideal of perfection in classical sculpture finds in Rui Sanches a response that presents itself as a deception, while bringing us back to the notion of corporeal object.
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And “corporeal” means here something that refers to the body or relates to it, but which is not yet a body, or is no longer one. It may be anthropomorphic, similar in shape to the body, deformed or 2 formless, but always hard to read . This Untitled piece, from 1993, may evoke the figuration of a human torso, a deformed body or a segment of an unfinished model of some other kind of body. Moving to a different form, the draw3 ings by Rui Moreira , created with geometrical, persistent precision, disorient us as we try to find coordinates that may lead us to discover a representation of a body in a universe close to abstraction. These drawings convey to us strange figures, like the hierophants of an unknown ritual, close to monstrosity, in the sense that there is something excessive in their exacerbated phallic shapes and in the volume of their primitively cut vestments. This aura of monstrosity and excess carries over to the three drawings by José 4 Loureiro , fragments that instan-
taneously evoke all the afflictions generated by the body, by denying the unity of aggregated organs. They come across as a symbolic element that makes us aware of a being whose mouth is the door to the entrails to their intimacy. The mouth that kisses, but also the scarlet mouth that emits sounds, roars and even words as in Samuel 5 Beckett’s play Not I , where the protagonist is the mouth of a woman who narrates a sequence of dramatic events, and the mandible-mouth that, outside historical time, symbolises madness, fear and terror, appearing as the central element in Goya’s painting Saturn Devouring 6 7 his Son , or, in Ridley Scott’s Alien , as the retractile mandible that projects itself out of its multiform body. Manhã [Morning] and Madrugada 8 [Dawn] are two words used as titles for Rui Chafes’ sculptures, words that may find us between birth and death, between presence and absence. And it is the word, whispered by each of them, which indicates a determination of the body to inte-
2 See page 115.
6 Francisco de Goya, Saturn devouring his son, 1819/23, 146 X 83 cm, oil on canvas, Museo del Prado, Madrid, Spain.
3 See pages 96>97. 4 See pages 89>91.
5 Not I is a monologue, written by Samuel Beckett in 1972, whose main character is called Mouth.
7 Ridley Scott, Alien, 1979. 8 See pages 54>57.
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grate itself into a kind of inner armour they seem to represent. They are bodies that protect, or imprison, the spirit’s embodied existence, as they hover above us like winged carcasses. They conceal iron and fire from us under their sharp, black silhouettes, leaving behind a silent doubt concerning whether their mass is a harbinger of eternal lightness or fall. Absence and silence meet again in Álvaro Lapa’s Moradas na Mãe Terra [Homes of Mother Earth] series and in his drawing A voz das 9 pedras [The voice ot the stones] . The voice of the stones on Labruge beach is reproduced in a text written by Lapa, not as a human voice but as the voice one can feel in the figuration constructed by 10 writing . Drawing, as a silent and solitary labour, gradually reveals in the fourteen pieces of Moradas na Mãe Terra objects and landscapes as places where someone somewhere waited, intact and anonymous. Finally, a figure appears. Just a head, its hair standing on 9 See page 71.
10 "As conversas de Leça em casa de Álvaro Lapa (1998-2006)", interview by Jorge Silva Melo, Álvaro Lapa: Textos, Grande Prémio EDP exhibition catalogue, 2006.
end and staring at us in a silent pose, as if warning us that one can feel the breath evoked by the earth and the stones. The appearance/ /disappearance of the body and its signs, in other words, its intermittence, is like a feverish, inconstant, imprecise and tense condition that leads us to the contradiction and strangeness contained in representation. And, indeed, we now find ourselves confronted with an apparent contradiction in Miguel Branco’s paintings. They are all in a similar small size, almost as if they were portable objects, but nonetheless they at once force us to stop on our tracks and look, look straight at these figures, trying to find out what and who they are, because here the body is recognisable and only the painter’s expert and attentive work can cancel our temptation of searching for the reality and truth about the portrayed. It is painting itself that creates and possesses the identity of those masked people and the young, Apollonian, nude body that questions us in front of a
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carmine background . Here, too, emerges a contradiction, as the revealed body and uncovered face of sublime expression and luminous countenance contrasts with the strangeness of the figures with concealed faces, in which sometimes not even the eyes are visible, nearly inhuman, as if the mask (which includes the body?) were one of the qualities of humankind. Is it? In the words of Nuno Faria, “we are confronted with isolated, masked or faceless anthropomorphic figures [in which] renewed vitality is given to a formerly latent major issue: animality or monstrosity combined with an atmosphere of disturbing 12 strangeness” . But strangeness is a realm in which the definition of its very limits becomes problematic, coming across as something from outside, which is alien to us and which we find hard to incorporate into, or add to, our universe. How can one look at Eduardo Batarda’s Anarquistas em Petrogrado preocupados com Cronstadt [Anarchists in Petrograd 11 See page 45.
12 Cf. Nuno Faria on Miguel Branco: http://www.camjap.gul benkian.pt/l1/ar%7BD 2B27546-03B0-4185A5F8-0B5ACC3E203C% 7D/c%7B44bf84ebbace-401d-8af9-7db9d 180463d%7D/m1/T1.a spx
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worrying about Kronstadt] (1975) , without a feeling of surprise or ambiguity, given the way the seductive colour scheme contrasts with the violence that suffuses every corner of the image? Though it refers to an historical fact, this work is more than just an illustration which displays an unquestionable mastery of watercolour drawing and composition, close to the universe of comic books. Its profusion of elements, written annotations and bizarre, deformed, almost grotesque figures is thoroughly provocative and satirical. The characters’ bodies are not caricatural; they are transgressive, and not just for their sexual explicitness and perversity, but mostly for the exacerbated hybridity that surpasses or transgresses the limits of a simple commentary on reality, carrying it into the realm of fantasy. This feeling of transgression takes us back to the idea of the body as an excessive being, which may transmute itself in the very space where a possible narrative is unfolding. 13 See page 41.
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This dimension of a hybrid nature is present in the works of Jorge Queiroz. As João Fernandes states, in the catalogue of a recent antho14 logical exhibition , in Queiroz’s drawings “these figures’ body may be fragmented: sometimes we find only one leg, at other times a head. In other instances, the body will transform, meld with its enveloping spatial context, which is sometimes generated by that same body. A head can open into a landscape, out a torso an object may emerge, an arm or a leg may show up am15 putated or prolonged by an object”. In this universe, all combinations are possible and infinitely expand into the narratives it generates, of which we will know episodic fragments, because the author persists in searching ever deeper, as if expanding space – an inner space. Ruy Leitão’s drawings are strongly influenced by images of the world surrounding the artist. Animals, shoes, hats and other everyday objects combine into a profusion of elements and colours, which the 14 João Fernandes, "Jorge Queiroz: Do desenho enquanto twilight zone entre o real e as suas ficções", Jorge Queiroz, Museu de Serralves exhibition catalogue, Porto, 2007.
15 See pages 102-105. 16 See page 84.
artist uses to obsessively fill the paper. Things and bodies metamorphose into one another, and there are also animals, human figures with animal heads, or animals wearing clothes like anonymous characters in a fable. Yet, two apparently abstract drawings also give a somewhat corporeal feeling. The form of a footprint and a shoe sole, in the wake of all the shoes he drew. 16 These two drawings are more depurated, and thus point to a corporeal existence that is submerged but latent, which does not reveal itself immediately but allows us to instead the body’s intermittence as a heteroclite present that visits us, surprising us with a fugacity which only the memory or the mirror can recover.
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NUNO CRESPO
Notes on the concept of figure “Every figure is a world, a portrait whose subject appeared in a sublime vision, bathed in light, revealed by an inner voice, as a celestial finger laid bare the sources of expression in the past of a whole life.” H. Balzac, A obra-prima desconhecida [The unknown masterpiece], p. 38
Though Balzac’s intention was never to describe some kind of metaphysical depiction of works of art, the above text nonetheless contains one of the most powerful descriptions of art’s demon (in the Greek sense of daemon), an entity which hails from a plane that does not circumscribe itself to materials, objects, or purely sensitive experiences. This plane goes beyond mere data: a purely sensitive experience is not enough for it, and it peculiarly tends to exorbitate. Even though, as Kant well acknowledges, such is the tendency or natural vocation of human reason, in artistic terms there is a risk of annulling the work of art, the figure, the colour patch, the object itself. In the same text, Balzac tells us the following, through the lips of the master painter who insists on not revealing his work to his friends: “The
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picture I keep upstairs under lock and key is an exception in our art; it is not a canvas, it is a woman!” This metamorphosis of painting into flesh, of artistic material into the material of life, is not exempt from danger, being a supremely confusing realm, where things do not seem what they are and are not what they seem. This feeling of distrust generates aesthetic discomfort: it is as if every work of art were concealing a kind of malignant genie who is constantly trying to delude us with perceptive tricks, keeping us from taking the things’ apparent nature for granted. But the reasons for mistrust become reasons for praise: a crown of thorns and of glory. It is like when Plato, in the Republic, lists the reasons for keeping artists out of his city and his damning speech becomes one of the most beautiful exhortations on the powers of art. In other words, this genius may be indeed malignant, but is also at the same time a creative entity, which carries the power of configuring matter into symbol, sign, experience, knowledge. Balzac’s formulation implies something that many misunderstand and find unjustified: that the work of art cannot be just another object, that it must be a mould, a model, a portrait – a world, in Balzac’s words. Besides being a moral imperative, it demands a kind of relationship with the world that finds its finest expression in the concept of figure. The relationship between the figure and the world, which must be explored here, corresponds to the effort of making something visible, an effort that incorporates both the amazement at the fact that things exist and the amazement at their being as they are. The arts thrive on serving such amazements. The approach that characterises those who envisage aesthetically qualified objects as moments of contemplation implies avoiding any unnecessary, fortuitous, ungrounded gestures, any randomly-traced arabes-
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ques. The relationship of the figure with the world implies the acknowledgment of something as characteristic and proper; hence, the world is its place of resonance. It is concerned with turning the world into something identifiable, or, in other words, with the painstaking organisation of the visual field. This relationship is not about strict representation – to represent is to play a part: to be in the place of…, to use a mask to look like… –, being instead a place of discovery. Just as names are nothing more than keys for entering into things, figures are gestures that, on a formless, indeterminate background, are able to delimit, recognise, and intuit areas for communal exchange. According to Jünger, “«Intueor» is a verb the Ancients only knew in its passive tense and through its causes. Naming would only come later: things do not carry their own names, they are conferred upon them. The world of names is different from the world of images: it is nothing more than a reflection.” (Typus, Name, Gestalt, §24) The figure is thus the presentation or, if you prefer, the materialisation of intuition: on the paints on a canvas, on the lines of a drawing, on the wood or iron of a sculpture. And the ancient meaning of intuition – the fact of being affected, impressed by something – puts the configurative activity of the human mind on hold, briefly turning all knowledge into acknowledgment. This praise of a certain passivity of the individual leads to a relationship of discovery of that which emanates from the things themselves. It is as if, from this point of view, interest resided in the sight – and to intuit is, in some way, a form of sighting – of the things themselves, in their most chaotic, shapeless, disorganised forms, untouched by rationality or integration into the systematic mind, that is to say, intuition as a contact with the before-the-name, as something
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sighted under the midday sun, without shadows, without filler. Jünger tells us that names are reflections, shadows of things, human acts; while images are closer to the source. And the image, here, is the figure-being of what is seen: let your body cast light and shade so that I may see you, so that I may recognise you, so that you may be. “The conception of the figure presupposes the human being, as a spirit that conceives, but also as a spirit that engenders. A new element enters man, to be named by him and thus known, but also recognised.” (Jünger, op. cit., §113) This spirit that engenders, who is, where the construction of the figure is concerned, the artist, works on the threshold of discursiveness, that is to say, as it engenders it is itself engendered: I am what I see and what I see is me. To allow oneself to be entered by that new element means not only to recover intuition, but is also the condition for the formation of figures: it means to simultaneously create the world and oneself, with one’s body becoming the medium for the birth of the new, the place of the unexpected, the place of revelation. The figures thus engendered correspond to the tension of differentiating the undifferentiated: the patch, the figure’s prime mover and first perceptive sign, displays the effort of knowing and sorting out the formless. It has to do with tearing a name out of what is nameless, tearing a figure out of what is indistinct: “every image, every phenomenon in its imagistic and symbolic language, is a case apart, a delimitation from the undifferentiated” (Jünger, op. cit., §108). This delimiting action amounts to the discovery of the individual, of the singular, of the unique, to the birth of multiplicity. Only out of confrontation with multiplicity can emerge the unity of the singular case, and only through confrontation with heterogeneity one
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can become aware of oneself: at the limit, the figure is a variation of that same undifferentiated. But the figure is simultaneously a synthesising movement, and hence a world: its finest presentation is the human body, which is not only the mediator par excellence of all figures, but also their source and destination. In the words of Filomena Molder: “the works themselves ask, suggest and demand a certain movement, a certain mood form their contemplator, which appears only in the most depurated sense, in relation to the work’s spatial essence, that is to say, in relation to the place of the space consistent with the contemplated work. It is always a matter of the work’s demands, never of point of view” («Notas de leitura sobre um texto de Walter Benjamin», Matérias Sensíveis, p. 19). Work and figure are somewhat equivalent here, because we believe that the figure is a work. The “place of the space” is a consequence of the figure’s irruption: its birth corresponds to an inaugural gesture, a suspension of time and a demarcation in absolute space. The figure, like the work of art in general, is the action of making space perceptible and time sensitive. Another aspect of the proximity we are describing here is the autonomy, expressed in the form of demand, of the figure: the individual’s subjectivity is not taken into consideration; it is the figures’ demands that matter. It is them that determine the body’s place in space, the movements, the sensitive dance, on pain of, should their demands not be satisfied, sinking into profound muteness and invisibility. Another aspect that must be highlighted is that the construction of the figure is not directed by a choice, since it is a direct response to a need for orientation: in Jünger’s fine comparison (op. cit., §88), figures are like a kind of compass that is only useful during the journey: it shows where the North is, it orients you, but does not tell which way to take.
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“In the case of the figure, not only do contours tend to become blurry, but the very consciousness that faces them is less present. One approaches a deeper knowledge, closer to presentiment foreboding premonition – a kinship that lies in the nature that configures, rather than in configured nature.” (Jünger, op. cit., §128). The abovementioned near-absence stresses the direct contact between the figure and whatever it figures, presents or represents. In comparison with language, it is known that the figure runs deeper, since it is made of the same ingredients as what it represents. That is the reason it is possible to perform transitions in which the elements fit together, instead of belying or contradict each other, and that is why Jünger says that after a while the figure’s contours tend to blur: the figure’s maximum potency corresponds to its evanescence. Let us return to Balzac: “You are looking for a picture, and you see a woman before you. There is such depth in that canvas, the atmosphere is so true that you can not distinguish it from the air that surrounds us. Where is art? Art has vanished, it is invisible!” (Balzac, op. cit., p. 68). It is a paradoxical situation: truth in art, like depth in the figure, amounts to its annulation: it intrudes into the facts of the world, becomes a fact of the world, a space turned conscious. The fact that the air can flow through the figure’s body is an indication that the figure’s power lies in a superior type of vision, a power that is exerted over everything that exists: there is only one power similar to this one: the power of naming. The fact that the figure does not appear in the universe, that it cannot be taken and integrated into a unifying discourse, means that the figure is the prime manifestation of that same universe: it is a matter of transforming cosmic and metaphysical power into tangible, sensitive, measurable reality, part of the field of vision and perception.
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“The cosmic depth and the inexhaustible depth of Man are but one: matter, spirit, prodigy, sea, forest, light, sun, desert and any other name you may wish. There are no differences or qualities there. Number, thinker, height, depth, understanding no longer mean anything…” (Jünger, op. cit., §122) The fact that a relationship can be established between all things does not mean that everything is equal to everything: by means of human ingenuity the new takes place, the strange may happen. But the correspondence defined here concerns the possible transitions between elements, and how diversity is found in this depth shared by man and the cosmos: the multiple finds and recognises itself in the ONE. The same applies to works of art: it is possible to perceive a “genetic agreement between the orientation of the body, the movements of the hand, the direction of the artist’s eye and its effect on the one who contemplates: the picture, the drawing, the Chinese painted silk, the wall painting, the fresco all call to themselves, in metaphysical relationships, a form of looking, a place, which cannot be arbitrary” (Maria Filomena Molder, op. cit., p. 20).
BIBLIOGRAPHY Balzac, Honoré, A obra prima desconhecida, [Le chef-d’oeuvre inconnu, 1831], Lisboa: Ed. Vendaval, 2002 Didi-Hiberman, Georges, La peinture incarnée suivi de Le chef d’oeuvre inconnu par Honoré de Balzac, Paris: Les éditions de Minuit, 1985 Jünger, Ernst, Type, Nom, Figure [Typus, Name, Gestalt, 1981], Paris: Christian Bourgeois Ed., 1996 Molder, Maria Filomena, Matérias Sensíveis, Lisboa: Relógio D’Água Editores, 1999
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EDUARDO BATARDA
Eduardo Batarda’s imagery involves, prior to anything else, a leap into the depths of imagination, into this intellectual force’s shaping powers, which allow it to give form to something it does not quite grasp. It is not a simple unification, but rather the creation of often unexpected relations between bodies, objects, clothes, stolen details. His interests are purely visual, that is to say, he is an artist that finds his way of constructing images in the figures’ prolixity. The pictorial elements he employs, always varying to avoid repetition, nonetheless create a family feeling between themselves. But this is a special family, in which direct resemblances are quite rare: observers must sharpen their gaze, focusing on the detail, on the fissure each one of these sensitive figures presents as its place. Most of them are bodies that, through unexpected actions, reveal themselves as limits: limits of form, of the line, of physiognomy. The disproportionate situations in which Batarda places his characters are not the result of some boundless fancy, but the product of a conviction according to which it is in situations of limit that differences become most apparent, that one becomes aware of the physiognomies of both loved bodies and those others one does not want to see, smell, or touch. The scale employed by the artist is basically related to the construction of a language that must be able to express the ever unique character of the conceiving, shivering, desiring body. The fact that it may inspire laughter is illustrative of the depth of its intuition, here patch of colour, figure, universe. Its very specific world is ruled by the laws of desire and journey: journey as
an action of discovery of the self and the other, of meetings and misses. Political consequences are unavoidable, especially considering his works on paper. There, imaginative anarchy is complete and finds its meaning in the ability to build a kind of model of a possible world. Though these works may be classified as “exotic”, that does not alienate them from us; instead, it turns them into explosive spaces for interacting with that eroticism we usually try to conceal. The huge phalluses and gaping, hungry mouths always seem to evoke something from Jünger’s inexhaustible depth of man. Batarda is basically a receptor: he turns everything that interests him into his property, changing alien languages into his mother tongue; his method consists in a gaze developed from the tension that attends the creation of an inventory of organic forms and everything related to them. The body is the theme of these watercolours, in the sense that it is the common denominator of all things, the first term of comparison and relation with everything that exists. The violence that apparently envelops some of these works is due to the fact that desire is uninhibitedly displayed here as the primary shaping force of gestures, as the plan and foundation stone of the building of human values. Somehow, Batarda takes a visual and historical cliché (well-known works of his appropriate many images in Art History) and uses it to construct a visual field that is entirely his own: his place of departure is destroyed and out of its ashes figures of surprising incantatory powers emerge.
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MIGUEL BRANCO
The fact that the face may turn into a landscape is known to all portraitists and some photographers; that, indeed, is its subject, its theme, its reason. The pictures now presented cannot be securely situated in a pictorial tradition, nor is it possible to identify a common motif to them. They recreate a strange and hardly accessible sphere: animals, landscapes, human faces all undergoing transformations. Human character, which blends here with the painting’s background, is presented as a metamorphosis, an approximation to its animality, to a rough, indistinct character. Man and his mask is another topic in these works by Miguel Branco. But “mask”, here, has the Nietzschean sense of being a condition for expression, the necessary metaphysical condition for the face to appear. The painting that originally seemed most recognisable as a portrait appears, at the end of the series, as the most staged of them all, as the most remote from the primary element of physiognomy: that face is recognised as a mask blending with the background, becoming part of the cosmic indifferentiation of painting, revealing indistinct nature in man. If, on the one hand, a face can be turned into a landscape one can contemplate, thus discovering many peculiarities that tell stories and express life, on the other that same face can be seen as a funerary mask. That is not to say that these paintings are animated by some nostalgic feeling; their shaping force resides in the discovery of the nonform, of the non-figure as the realm of the human. These paintings by Miguel Branco are disturbing places where one witnesses the body’s return to the earth, to its original bed, to that indistinct place
out of which all forms are formed, that huge cosmic natural ocean. The fact that the figure progressively turns into its own background goes beyond the terms of pictorial relationship to become a sign of physiognomy’s constitutive polarity: to appear/disappear, to make/unmake itself, to become distinct/indistinct. On the most basic level, the artist forces us to perceive the annulation of multiplicity and its transformation into unity: the manifold recognises itself on the ONE and fuses into it. The ONE is the terrestrial magma that absorbs and integrates everything, breaking it up and integrating into another unity, another organic depth. The scale he employs, almost like a miniaturist, serves a double purpose: first, it demands concentration, then it turns these works into a kind a secret the artist whispers in our ear. The whispers that emanate from these wooden panels and these beings are frightening, but no matter how much you want to look away, it is impossible. You are under a kind of spell or condemnation: any eye recognises these figures as its legitimate abode, this face as its own. The disturbing element in these works is the fact that they do not appear as remote, but rather as places within the body itself, new organs that unexpectedly grow inside the contemplator. The inwardly physical position these paintings force their viewers to assume metamorphoses the one who looks at them into power, pure impulse, irrational energy that bursts from within the face and becomes the magnetic field that surrounds human physiognomy.
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RUI CHAFES
Bodies of fire, iron and words. Thus could begin a description of Rui Chafes’ work. His sculptures are chunks drawn from the earth, pieces from the earthly and celestial cosmos with which the artist executes a careful description of the occupation of space. Their interest is more than just human; they are concerned with making incorporeal beings earthly and the creation of places where bodies do not submit to ordinary gravity laws, creating instead their own conditions of existence. Their formal and conceptual strategy comprises an interplay of weight and lightness, gravity and grace, opaqueness and transparency. Their status as bodies notwithstanding, his creatures — which combine dawn and dusk, lights and darkness, clearings and hideouts — are basically points of intensity, poetic topoi: moments that broaden the scope of human action. The founding figure is always the human body in its manifold dimension, in its aspects of matter, form and invisibility, all starting-points through which it is possible to touch the cold that envelops every living creature. They are gestures that, like a sacred halo, envelop and protect the heart, while at the same time exposing it to the world. They are shelters, maternal houses into which man can retire, sacred places where the heart can give itself to itself. The work of this artist can only be approached in strict connection with the deepest layer of reality: these sculptures are creatures from the depths, winged bodies. The places they inhabit inscribe them in zones where silence is stronger than words, where they are probes that detect the displacements and oscillations of the Earth’s
magma. Yet, this silence does not annul the word, which is seen here as a human effort towards understanding. These sculptures are basically forms of thought made substantial and tangible: thought yielding itself in the form of a body. To name something — and all of Rui Chafes’ sculptures have names — implies the need to understand the visible, to identify one’s intuition. But the action of naming is a poetic gesture, rather than a rational plan. Indeed, only the poetic word can apply to these shapes, for only they can contain the universe presented here: to make poetry out of fire, to write on incandescent steel — such is the image that fits these bodies. The formal effort visible in the pieces is not an end in itself, that is to say, the criteria it follows are organic, rather than purely formal, as it must be when following the trails of that which is living. The sculptor becomes not a demiurge, but rather a nomadic hunter; his prey are half-angel, halfbeast creatures that only come to know their form when caught in the fluttering, light strips of iron. His loneliness is that space of silence and immobility necessary to the accomplishment of his task. In the end, another metamorphosis takes place: the hunter becomes his own prey, turning himself into the road he must travel. The metaphor of hunting fits Rui Chafes perfectly, and all his work develops under the sign of the traveller, lonely and intense, alone with the death and pain he carries within himself. In his universe, every element has a precise, geometric position: the only law they know is the organic need to sustain life, to uphold the flesh, along with the voice and breath that are the soul.
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ANA JOTTA
Ana Jotta’s oeuvre is a veritable enigma. Its references are manifold, and it is extremely difficult to find a common thread that may unite her various works. It is not an incoherent body of work, by any means, but each piece is a singular, self-referential, autonomous being. Her paintings, drawings, sculptures and photographs come from a single originating core, the artist herself. This core, however, is not a converging body: her works use various languages and fulfil various objectives. But it may be assumed they all share a common point — their careful crafting. Perhaps drawing is their foundation, the source from which every other construction springs. The artist is here synonymous with a listening stance: she listens to the form and feeds it – with paint, clay, graphite, cardboard, canvas. These works are their own projects. The drawings and paintings presented here explore the field of perceptive games, that is to say, they deal with the phenomenon of sight in its broadest terms and with the exercises that transform the act of seeing. Her ‘duckrabbit head’ is quite illustrative of this, being a double figure which can be read now as a rabbit, now as a duck. The fact that these two figures can simultaneously co-exist in the same space is quite meaningful, not only in terms of the image’s construction, but also of the harmonising of sight and thought. Here, the artist shows how sight already contains an adaptation to the world, that is to say, one only sees that which one is prepared to see, that which one wants to see. This perceptive gap evidenced by Jotta is also illustrative of the way the artistic gaze constructs itself: by materialising
internal figures, projecting sight-related events onto material elements, creating areas of sensitivity that only exist otherwise as internal tensions. But this game is in no event an end in itself or a simple trickery. It is, rather, the manifestation of a certain archaeology of the visible, whose most immediate result is a dismantling of preconceptions concerning spatial geometrics and objectivity: the visual field is human before it is Euclidian, and our first rapport with magnitudes — and colour areas are, in a certain way, given magnitudes — is of an aesthetic nature. To let oneself be affected by the visible is the theme constantly being developed by these works, and to each perception of the external figure corresponds the identification of an inner place. Within this context, there can be no talk of mistakes, only of blindness, which is, from this point of view, the greatest condemnation of all. It is not a matter of being blind to the image of the world, but to the aspects – those touchstones in the organisation of the visual field – the world displays. Ana Jotta’s artistic interventions are more than simple appropriations of pre-existing works or images — somehow prolonging her objet trouvé approach —, being especially ways of acting upon, intercepting, touching the effective way one sees, one feels, one thinks. These works give their user, or activator, the certainty that one’s relationship with works of art is half seeing, half thinking, and that the works act as points for the concentration and intensification of the body (the body being the finest image of the soul) of the one confronting them.
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ÁLVARO LAPA
One can hardly be as profound as Álvaro Lapa’s drawings. Using a small formal lexicon, the artist is able to attain the deepest layers of feeling, perception and thought. The apparent simplicity of these works must not be confused with lack of resources: they are the outcome of a rooting of the gaze in the simplest, and hence most difficult, things. The fact that stones have voices and Mother Earth has dwellings for all reveals a world thought extinct, allowing us to contact with the source from which emanate all the things we thought could only, at the present moment, be perceived as ghosts. The fact that beauty is the hardest thing to attain is known at least since Plato, but here this category appears as a way of saying the terrestrial place where the body belongs: the body as abode, as voice, as form. The inscription of the body on Mother Earth is not an ecological statement, rather a need to return to the dust, to contact, to ashes. It could be said that, with each drawing, Álvaro Lapa opens a crack on the Earth’s crust through which one can look. And that which is seen is nothing more than the meeting-point of the human essence and the essence of the world. With each line, the artist re-draws the planet’s contours, while discovering himself. At every moment, he defines the essence of the drawing. Everything happens as if in a poem, where each line is born of pure necessity: nothing is superfluous, in perfect economy. At each new viewing, one comes closer not only to the essence of the drawing, but also of the cadence of the Earth’s magma, of the heart, of the word. The fields he opens are clearings where the world’s being finds the place for its
manifestation, an open space where one may discover pure potency, the possibility of becoming everything. Rather than points of arrival, Lapa’s drawings are points of departure, places from which one departs to discover the threads with which things sew themselves and which then connect to the body of Man: everything is connected to everything, everything is made of the same matter. To listen to “the voice of the stones” is a kind of prayer to the cosmos and the day that finds in the hands and face that retire to think about god its finest incarnation. To think the meaning of the world is the other name for this god whose dwelling is on Earth and who can listen to the stones. One does not reach this place by means of deduction and exercise: it can only make itself present as a revelation. The feeling that traverses these landscapes is not one of nostalgia, but rather of familiarity between all things, with Man at their centre. The fact that the Earth is the place where the body belongs is so primary one tends to forget it; it is one of those things that are so present as to become invisible, and this artist seems continuously occupied in attempting to rescue it from that invisibility. The 14 drawings that make up the “Moradas da mãe terra” [Dwellings of Mother Earth] series apparently form a kind of kinetic sequence, where every movement is of a double nature: inner/ /outer, breathing in/breathing out, inside/outside. Yet, this differentiation is only provisory, since they are terms from the same relation, to be later integrated. The perceived movement is a sign of the inner dynamism of what is alive, of the meaningful gesture all creatures perform.
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RUY LEITÃO
These carefully worked out compositions reveal themselves as places of amazement. Leitão’s genius lies in the way he can, with each new painting, create a new world, a consistent and autonomous universe. His creative strategy is one of permanent struggle against the anonymity of the usual/ /inhabitable, a kind of rescue of the everyday from the oblivion into which it constantly falls. Subjects in Ruy Leitão’s oeuvre are countless, as many as the eye can encompass. The works of this native of the frantic city, that pitiless factory of fast images, carefully elaborate on everything the daily lives of men set before his eye. Even though it lives off and in that wealth of colours and forms, his gesture is precise and exact in the way it presents its objects, which become centres for the development of more colours, more forms, more compositions. The accumulation of elements obeys the internal needs of each thing: things come out of one another; they multiply infinitely, and there is always more life. Relations between things are unpredictable, being the consequences of the way the canvas or paper leaf is filled in and of the attention given to tiny details. As a whole, Ruy Leitão’s work is a meditation on painting. Anything can act as a starting-point for it: pins, articles of clothing, human bodies, animals. His system for integrating ideas is a powerful device of condensation and synthesis, whose most immediate result is an enormous stimulation of the faculties of sight. Its integration of the various families of objects creates a kind of chart of kinships, where resemblances are attained by means of formal and chromatic harmonising.
The movement one experiences in each work is the product of that concealing/ /revealing that is his founding language. But there is more than just aesthetic concerns to these works, which are also fields of affection and feeling, tiny concentrated points of energy that prolong themselves between the body of the drawing and the body of the viewer, places of co-belonging: the viewer belongs to the drawing, and the drawing to the viewer. It is a mutually convenient relationship in which discomfort or distance take no part. Vision is where intuition takes place, and all the messengers of feeling gather together in the place of visual sensation. The animal of sight meets one of its equals, and an affinity is established between the two. There is much to learn from Ruy Leitão’s drawings, in perceptive, grammatical, pictorial, and compositional terms. They are, basically, doors that open onto regions of human life suffused by the intensity of a quick, pitiless, irredeemable visual stimulus. That drawing was his way of life can be clearly understood from the A4 and A5 sketchbooks he left us. His drawings know not the immobility of abstract formulas, but are possessed by the ability of seeing everything, of wanting everything there, within his grasp. Baudelaire called imagination the sovereign faculty, because it can encompass both analysis and synthesis; for Ruy Leitão, imagination is the whole world: the place where happening itself materialises.
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JOSÉ LOUREIRO
These ‘mouths’ by José Loureiro mark an important moment in the history of the body, the moment in which organs become autonomous, thus gaining a voice, a will, an identity of their own. That autonomy is so unexpected that, on a first impression, these mouths are seen as tiny monsters: what can be said of mouths that walk about, autonomous, claiming a place of their own in the world? Somebody should tell the mouths, or their painter, that organs belong to the organism and that the only place for a mouth is on a face. Remember the tragic story of poor Schlemihl, who sold his shadow and forever lost his place among the living. The other side of this story leads to think about what is a face without a mouth, a body devoid of speech: something frightening. The advantage of painting is that, like other arts, it does not acknowledge the same laws to which all other things in the realm of men must subject themselves. Fictional figures and bodies, or, in this context, pictorial figures and bodies, being the result of an abstraction process, have no obligations of verisimilitude or causality; the only rules they obey are those of aesthetic rigour, of artistic accord: their world adjusts itself to this world, and that is all. Paintings are a world because they create the laws they themselves obey. These paintings, for instance, dislocate their references — the real mouths that talk, kiss, eat, say poems, salivate — into a new context, by freeing the fragment and thus creating a new plane of life for it — here, the magic, enthralling environment of painting. The body is an organised totality, an endless system of finalities, as Kant says, and the ambition of these new
beings is to attain that same organic and formal autonomy. It is unsure whether they achieve it from the organic point of view, but as forms they find a place and are celebrated as visible instances of a certain type of sensitivity. And it is this autonomy of the figure that good painting always achieves. The mouth-being is taken to its expressive limits in these paintings by Loureiro – mouths are stretched, deformed, geometricized. The final result comes as a resistance to the destructive gesture: for, if the painter is a creator, he can also be a destroyer. This taking the figure to its limits also includes the capacity of the now autonomised figure to create a world exclusively its own, which corresponds to the various planes and cuts generated by the painting. More than just getting the figure to live, this is also about the certainty that the painting’s components possess an intelligibility of their own. Their form depends on them; its limit is their own. The painted figure’s place in space is conquered at the birth of its form, of its patch. Its limits are those of the line, of the paper leaf. There is no space prior to the painting: it is formed by the gesture that paints and recognised through the use the figures make of it. That is why the initial strangeness one feels on looking at these ironic ‘mouths’ eventually turns into a recognition of places, depths, possibilities.
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RUI MOREIRA
One can either confront Rui Moreira’s drawings or let oneself be carried away by them, becoming lost in the manifold details yielded by a meticulous work of observation, attention and dedication, which can be better compared to the experience of someone who strolls alone in a landscape, fascinated by the many different shades of green, by the contrast between earth and sky, by the patterns of mountains and trees on the horizon. The beings one sees emerge on these huge sheets of paper are born from a kind of mnemonic exercise: of the eye as it roams over one place, of the hand as it caresses a surface, of sensitivity when it discovers a new feeling. Moreira’s figures are wavering, strange and wobbly. They do not allow themselves to be grasped, but show at every moment a new face, a new aspect, a new detail. Their monochromatic quality is a device for intensifying concentration, for training one’s attention to deal with the events of the figure. The physiognomic event is the central category of these drawings, but these are events created by the artist. Their origin lies in a training of the eye towards detecting the emergence of the figure, towards understanding how a point develops into another, and another and another. Something that manifests itself not only in the inscription of the sign upon the surface, but also in the rhythm it brings, which is the greatest desire of the stage which the drawing becomes. These figures are evocative of ancestral bodies, those with which one learns one’s first gesture, engages in one’s first combat, and learns one’s first lesson. They seem to accomplish a series of exemplary, ritualistic, mythical actions, which must be repeated and performed by those observing them: such is the condition of their contemplation. Their intense expressiveness tells of the contact with what is deepest, with what
runs quite beyond what can be felt, places that can only be reached through sophisticated artistic constructions. At every moment, other things manifest in these figures: small, almost invisible beings, which fill in and create the contour of the main figures. In another drawing, formal variety becomes synthesised in a round figure, which comes across as a planet-like element that suggests at the same time a cell, an atom, the infinitely small that sustains life, the mind as a round thing, the eye as an entrance door. The way these figures are constructed has in Democritus, who describes the world as a combination of atoms and voids, small units of filled space and emptiness, its best spokesman. The Atomists’ cosmological model understands that whatever exists cannot be immovable and single, depending instead on an intimate relationship between full and empty, being and non-being, that differences between atoms are the cause of differences between things, and that these differences are three: “shape, arrangement and position; because they hold that what is differs only in rhythm, inter-contact and turning; and of these rhythm is the shape, inter-contact the arrangement and turning is position” (Aristotle, Metaphysics, A4, 985b) This is a possible way of understanding Rui Moreira’s drawings. They, too, rely on a complex relationship between full and empty, being and non-being. And these are the principles that organise the fields of visible elements he constructs. Poetry is also familiar with this formula: being an art of rhythm, it depends on the relationship between spoken word and silence. These figures are, in some way, poetic forms (though not visual poems), given the fact that they are intense and full of rhythm and movement.
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JORGE QUEIROZ
Jorge Queiroz makes drawings, an action that finds it main foundations in a kind of originary, basic polarity: meaning and meaningless, logical and illogical, conscious and unconscious, full and empty, abstract and figurative, narrative and fragment. Everything starts from a point of view similar to the one of Lewis Carroll’s Alice, where everything is and is not at the same time, because the basic law is metamorphosis: a permanent transmutation of things into one another, in continuous approximations to the highest possible expressive intensity. This law manifests itself in terms of each drawing’s formal, material and conceptual characteristics of each drawing: the dominant note is the fact that there are no usual places (even though a kind of serial action may be identified), while drawing itself is always on the process of being reinvented, put to the test, taken to its limits. The struggle, here (and these drawings are, indeed, the field of a certain kind of conflict), is not over some kind of surreal excess, being born instead of a constant tension (quite close to the one in poetry and some forms of philosophy) between what can be said (drawn) and what must forever remain unsaid (that which can never be made to correspond to a form, image or line). These near-implausible but appropriate and logically possible universes are peopled by mutant, explosive beings that inhabit places where geometry is inverted and architecture, as the memory of spatial occupation and organisation, becomes irrational, unpredictable and random. Most of all, it refuses any kind of unifying system that may wish to impose any rules or order: the only rules it accepts are those which emerge
from within its own pictorial, formal and graphic coordinates. To not be able to isolate an historical thread implies the search for isolated places within the very possibility of feeling and meaning: a kind of denial of genealogy (all the elements that make up these drawings seem to come out of literally nothing), since it is impossible to faithfully recede until the origin of the drawing’s events. That is why the void is as much a part of the works as all the inscriptions on paper: it corresponds to the individual’s possibility of moving around and across the space. On the one hand, it compensates for the excess and abundance that formally characterise these works and, on the other, it gives imagination free rein. This void mostly corresponds to the space of freedom (which curiously is synonymous, within this space, with absence and loneliness) that activates, excites and vivifies the human faculties. Surprisingly, perception of this excess (akin to oneiric, symbolic and surreal chaos) is followed by a feeling of balance, harmony and fusion with what our eyes see and our sensibility experiences. Finally, strangeness gives way to the possibility (in the form of undeniable evidence) that the absence of narrative may be the basic element in the construction of meaning.
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RUI SANCHES
Marat means, before anything else, the name that is given to the impossibility of representing life without death. David’s painted representation of Marat’s murdered corpse fulfils a double function: first, it puts into question our reading of the portrait, and then presents itself as a presentation of the body as a being metamorphosing into death. In this funereal portrait, the death-bed is a bath-tub in which the body delicately separates itself from life, in which an estrangement materialises and a distance is imposed. At the limit, it is an impossible portrait, described by Baudelaire as a visual poem in which life appears in its most cruel aspect and Marat challenges Apollo. Such considerations are not foreign to these drawings, which Rui Sanches, following David’s inspiration, dedicates “To Marat”. Marat appears as a motif that undergoes many different approaches, framings, depictions. The central element, here, is the body in the process of fading away, over which are written the coordinates of an impossible place: the place where life separates from the body, the place where death happens. In some of these works, the figure is overlapped by a kind of diagrams, which try to integrate the weight of that body killed by a woman’s dagger. It is as if the artist were trying to depict loss. The sculpture which accompanies these drawings also deals with loss. “Orpheus” is the name of the singer who, with his lyre and his singing, could charm ferocious animals and change the course of the rivers; one day he lost his love, Eurydice, and descended to Hades to bring her back. The gods had told him he could take Eurydice as long as he did not look back, for then he would forever lose his love.
Both the sculpture and the drawings share the experience of loss, of death, of estrangement, of distance. But both of them also create an erotic relationship with their viewer. Even though the approaches in the drawings and the sculpture are different, both of them find their form in the irrational, invincible, sensuous urge of Eros. While the body seems to disintegrate and dematerialise in the drawings, the sculpture consists of an accumulation of thin plywood boards, out of which a white plaster body rises. Such anthropomorphic forms as emerge are the fruit of the relationship between the sculpture’s body and the body of its viewer: bodies of different materials that recognise themselves in one another. This body is assertive in the way it moves and rises above the floor. Lack of distinction between what is the body and what is holding it up is an important element, which shows how all bodies belong to the same depth, the same elements, the same roots. Historical references play no determinant role in Rui Sanches’ work, but are nonetheless useful as a methodology for the revisitation of the history of memory, of the various stages in the human study of meaning and perception. His approach is not based on a list of visual clichés from Art History, establishing itself instead on their destruction, by turning a certain tradition into its material. Sanches’ concern is the human motivations that have been condensed into stories, paintings and sculptures, and thus echo across all bodies and all times. Such is his context.
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Biografias / Biographies
EDUARDO BATARDA Nasceu em Coimbra, em 1943, onde começou por estudar Medicina, envolvendo-se depois nas turbulentas “crises académicas”. Muda-se então para a capital lisboeta e, a partir de 1963, passa a frequentar a ESBAL. Logo na sua primeira individual, na antiga Galeria Quadrante (Lisboa), destaca-se pelo modo como trabalha a desarticulação entre imagem e narrativa, praticando uma figuração genericamente referenciada na cultura pop, com métodos e técnicas vindos da banda desenhada e da ilustração. No início dos anos 70 frequentou o Royal College of Art, em Londres, regressou a Portugal e, no final da década, muda-se para o Porto, tornando-se professor na ESBAP. A sua obra torna-se cada vez mais eclética, incorporando comentários à actualidade artística e política, à literatura e à sexualidade, e distinguindo-se ainda hoje pela capacidade provocatória e ambivalente das suas pinturas. Das exposições mais recentes destacam-se a retrospectiva que o CAMJAP da Fundação Calouste Gulbenkian realizou em 1998 e a individual com que inaugurou as novas instalações da Galeria 111 em Lisboa (2000), bem como a participação em importantes colectivas como The POP’60s: A Transatlantic Journey, no Centro Cultural de Belém (Lisboa, 1997), Circa 1968 (em 1999) e Porto 6070: Os Artistas e a Cidade (em 2001) – ambas no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, no Porto. Em 2007 foi-lhe atribuído o Grande Prémio EDP. Born in Coimbra, 1943; in that same city, he began studying Medicine, and eventually became involved in the turbulent “academic crises”. Then, he moved to Lisbon, where, in 1963, he started attending ESBAL. Right from his very first solo show, which took place at Galeria Quadrante (Lisboa), he stood out by virtue of his work on a disarticulation between image and narrative, resorting to a kind of figuration
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mostly based on Pop culture, with methods and techniques taken from comics and illustration. In the early 1970s, Batarda attended the Royal College of Art, in London, after which he returned to Portugal and, at the end of the decade, moved to Porto, where he began teaching at ESBAP. His work became increasingly more eclectic, incorporating comments on artistic and political current affairs, literature and sexuality; even his more recent paintings retain a provocative and ambivalent quality. His most important recent exhibitions include a retrospective organised by CAMJAP – Fundação Calouste Gulbenkian (1998) and the solo show that opened the new premises of Lisbon’s Galeria 111 (2000), besides being featured in important solo shows, like The POP’60s: A Transatlantic Journey, at Centro Cultural de Belém (Lisbon, 1997), Circa 1968 (1999) and Porto 60-70: Os Artistas e a Cidade (2001), of which the latter two were held at Museu de Arte Contemporânea de Serralves, in Porto. In 2007, he received the EDP Grand Prize.
MIGUEL BRANCO Nascido em Castelo Branco, em 1963, estudou pintura na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa e participou na paradigmática exposição Novos, Novos que teve lugar na Sociedade Nacional de Belas-Artes (SNBA, Lisboa) em 1984. Teve a sua primeira individual em 1988, altura em que mostrou um conjunto de pequenas esculturas antropomórficas feitas em terracota (Objectos Discretos, Galeria Monumental, Lisboa). Mas até meados da década seguinte a sua obra passaria a ser reconhecida sobretudo pelas pinturas a óleo de pequenas dimensões, que realizou sempre segundo uma estratégia serial ou temática, centrando a representação num animal em particular (galinhas, cães, etc.) ou em objectos que podemos associar às naturezas-mortas (tigelas, caveiras). A ligação com alguma pintura de género é igualmente reforçada pelo modo como trabalhou a luz nessas composições. Já no final dos anos 90, as suas pinturas diminuem ainda mais de tamanho e têm por protagonistas estranhas figuras humanas com máscaras ou privadas de rosto. Votadas a situações de isolamento, essas personagens anónimas ganham depois corpo em projectos novamente mais próximos da prática escultórica, atestando a sua capacidade de reinventar o seu próprio universo de referências.
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Para além das exposições individuais que realizou na Galeria Lisboa 20 (2002 e 2005), em Lisboa, destaca-se ainda a recente itinerância da mostra Esculturas (Gallery Paule Anglim, San Francisco, EUA; e Salão Nobre do Teatro Aveirense, Portugal), e a participação em Jardim Aberto: Escultura nos Jardins do Palácio de Belém (Lisboa), também em 2007. Born in Castelo Branco, 1963. In Lisbon, he studied painting at ESBAL, and took part in the paradigmatic Novos, Novos group exhibition, which was held at SNBA. His first solo show took place in 1988. In it, he presented a set of small anthropomorphic terracotta sculptures (Objectos Discretos, Galeria Monumental, Lisbon). However, by the mid-1990s his work was especially recognisable as small oil paintings, which he always produced in accordance with a serial or thematic strategy, dealing with the representation of one particular animal (chickens, dogs, etc.) or of objects possibly associated with still lives (bowls, skulls). This connection with certain genre paintings is further enhanced by the way he handles light in those compositions. In the late 1990s, the size of his paintings decreased even more, and they were now peopled by strange human figures, either wearing masks or faceless. In situations of isolation, these anonymous characters would later reappear in projects that once again return to sculpture, thus attesting to this artist’s capacity for reinventing his own universe of references. Some of his most important exhibitions are the solo shows he presented at Lisbon’s Galeria Lisboa 20 (2002 and 2005), the recent touring exhibition Esculturas (Gallery Paule Anglim, San Francisco, USA; Salão Nobre do Teatro Aveirense, Portugal), and his participation at Jardim Aberto: Escultura nos Jardins do Palácio de Belém (Lisbon), both in 2007.
RUI CHAFES Nasceu em Lisboa, em 1966, onde concluiu o curso de Escultura (na ESBAL, 1989), prosseguindo depois os seus estudos na Kunstakademie de Düsseldorf, na Alemanha, através da frequência das aulas de Gerard Merz (1990-92). Essa estadia
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desenvolveria o suporte reflexivo que, quer em textos seus, quer em textos escritos por outros autores, desde cedo acompanhou a sua obra, ancorando-a numa perspectiva crítica profundamente inspirada no Romantismo alemão. É também na viragem para a década de 90 que abandona a diversidade de materiais das suas primeiras apresentações individuais, privilegiando a partir desta altura o uso de ferro pintado. As suas peças continuam a explorar a sugestão de leveza e a elaboração de figuras orgânicas, mas com uma eficácia cada vez mais sofisticada, dado o contraste entre essa deriva formal e o material utilizado. Surgem ainda trabalhos que radicalizam a relação corporal das suas propostas, assemelhando-se a armaduras de vestir, objectos de tortura ou mesmo a máquinas de guerra, alusivas a situações de violência e morte. O seu percurso continua assim a redefinir as próprias possibilidades disciplinares da escultura na sua relação demiúrgica com o mundo visível. Destacam-se, das suas exposições mais recentes, as realizadas com Fernando Calhau no Museu da Cidade de Lisboa (Um Passo no Escuro, 2002), com Vera Mantero na 26.ª Bienal de Artes Visuais de São Paulo (Comer o Coração, 2004) e com Pedro Costa no MACS, no Porto (Fora!, 2005). Têm ainda particular relevância as individuais apresentadas em vários locais de Sintra, no ano 2000 (Durante o Fim), e, já em 2007, em Lisboa (Eu sou os outros, na Galeria Graça Brandão), para além de outras mostras a solo realizadas nos últimos anos em Espanha, Alemanha, Dinamarca, Bélgica, Itália e Brasil. Algumas das suas obras estão permanentemente instaladas em espaços públicos e está representado em numerosas colecções públicas e privadas internacionais. Born in 1966, in Lisbon, where he graduated in Sculpture from ESBAL (1989), before going to Germany to continue his studies at Kunstakademie Düsseldorf (1990-92), where he attended classes by Gerard Merz. During that stay, he would develop the intellectual background that, either in the form of texts written by himself or by other authors, accompanied his oeuvre from very early on, inscribing it into a critical outlook profoundly inspired by German Romanticism. Also during the early 1990s, he relinquished the variety of materials that characterised his first solo shows, henceforth employing basically painted iron. His works kept exploring such topics as the suggestion of lightness and the construction of
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organic figures, but with increasingly sophisticated efficacy, given the contrast between their formal variance and stable material. Other pieces radicalise their bodily associations by taking forms suggestive of armours, torture implements and even machines of war, alluding to situations of violence and death. Thus his work continues to redefine the very possibilities of sculpture in its demiurgic relationship with the visible world. Some of his most important exhibitions in recent times are collaborations with other artists, such as Fernando Calhau, at Museu da Cidade de Lisboa (Um Passo no Escuro, 2002), Vera Mantero, at the 26th São Paulo Biennale (Comer o Coração, 2004) and Pedro Costa, at MACS, in Porto (Fora!, 2005). Also of major importance were the solo shows he presented on several locations in Sintra (Durante o Fim, 2000), and in Lisbon, at Galeria Graça Brandão (Eu sou os outros, 2007), with others taking place over the last few years in Spain, Germany, Danemark, Belgium, Italy and Brazil. Certain of his pieces are permanently displayed in public spaces, and his work is represented in many international public and private collections.
ANA JOTTA Nascida em Lisboa, em 1946, começou por frequentar a ESBAL mas foi em Bruxelas (na École de Arts Visuels et d’Architecture de l’Abbeye de la Cambre) que se formou ainda antes de terminada a década de 60. Depois de um período significativo como actriz (1969-1980), Ana Jotta reorientou a sua actividade para o domínio das artes visuais, dedicando-se sobretudo à prática do desenho, e realizou a sua primeira exposição individual em 1987, na (entretanto extinta) Galeria EMI-Valentim de Carvalho, em Lisboa. Reconhecida pelo modo como atravessa as fronteiras entre disciplinas, técnicas e suportes – cruzando as possibilidades do desenho, da pintura, da fotografia e da escultura, mas também do bordado e da utilização de objectos encontrados –, a sua obra parte de fontes muito diversas, desde referências eruditas a populares, sendo especialmente importante o papel do Acaso enquanto contingência criativa. Os seus trabalhos procuram escapar assim, deliberadamente, a um “estilo único”, embora se caracterizem habitualmente pela estruturação de narrativas meta-artísticas, onde o desenho permanece como sistema privilegiado.
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Destacam-se, das suas exposições mais recentes, a retrospectiva que o Museu de Arte Contemporânea de Serralves, no Porto, lhe dedicou em 2005 (Rua Ana Jotta) e a individual que realizou, já em 2006, na galeria que representa a artista (Luna Park, na Galeria Lisboa 20-Arte Contemporânea). Born in Lisbon, 1946. She began attending classes at ESBAL, but would only finish her art studies during the late 1960s, in Brussels (at École de Arts Visuels et d’Architecture de l’Abbeye de la Cambre). After a significant career as an actress (1969-1980), Ana Jotta returned to the visual arts; her first solo show took place in 1987 at Galeria EMI-Valentim de Carvalho, in Lisbon. Characterised by its blurring of the borders between genres, techniques and materials – combining the possibilities of drawing, painting, photography and sculpture with needlework and found objects –, her work resorts to many different sources, from erudite to popular culture, with Chance playing an especially important role as creative contingency. Thus her pieces try to avoid a “unified style”, though they are usually defined by the structuring of meta-artistic narratives, with drawing as their favoured system. Some of her most recent exhibitions include the 2005 retrospective at Porto’s Museu de Arte Contemporânea de Serralves (Rua Ana Jotta) and the solo show she presented, in 2006, at the gallery currently representing her work (Luna Park, Galeria Lisboa 20-Arte Contemporânea).
ÁLVARO LAPA Nasceu em Évora, em 1939, onde nos anos 50 teve aulas com o pintor Charrua e com o escritor Vergílio Ferreira. Muda-se depois para Lisboa e inicia o curso de Direito, que depois troca pelo de Filosofia, terminando apenas este último já a residir no Porto, em 1975. Artista autodidacta, foi no arranque da década de 60 que começou a pintar, entusiasmado pelas primeiras experiências plásticas do seu amigo Joaquim Bravo e sob influência tutelar de António Areal, que conheceu por essa altura e de quem se sentiria sempre próximo. Desde então a obra de Lapa desenvolveu-se em sucessivas séries de sugestão narrativa e em torno
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de um conjunto restrito de formas e temas que cruzam o domínio da pintura com o universo das suas leituras e produções literárias, tanto sobre arte, como no campo da ficção e da poesia. A sua primeira individual teve lugar na Galeria 111 de Lisboa, em 1964, destacando-se ainda a “exposição-instalação” Escuro como a cova onde o meu amigo se não move (1971) e a “exposição de literatura” Os criminosos e as suas propriedades (1975), ambas na Galeria Buchholz. Mais recentemente, a Fundação de Serralves e o CAMJAP da Fundação Gulbenkian dedicaram-lhe uma importante Retrospectiva (1994); e, em Janeiro de 2006, Lapa ainda assiste à sua derradeira exposição – intitulada Reunião – no novo espaço da Galeria Fernando Santos em Lisboa, vindo a falecer pouco tempo depois. No final desse ano realiza-se finalmente a exposição que assinala a atribuição do Grande Prémio EDP de 2004: Álvaro Lapa: Obras-Com-Palavras e Paisagísticas (no Museu da Cidade de Lisboa, 2006). Born in 1939, in the city of Évora, where, during the 1950s, he studied under painter António Charrua and writer Vergílio Ferreira. Then, he moved to Lisbon to study Law, switching later to Philosophy, a course he would only finish in 1975, while already living in Porto. A self-taught artist, he began painting in the early 1960s, encouraged by the first experiments of his friend Joaquim Bravo and under the tutelary influence of António Areal, whom he met around that time and would remain a very close connection. Since then, Lapa’s oeuvre has developed in series after series of narrative suggestiveness around a limited number of forms and subjects, combining the realm of painting with the universe of his reading and literary production, which includes art criticism, fiction and poetry. His first solo show took place in 1964, at Lisbon’s Galeria 111. Equally important during those early years were his “exhibition-installation” Escuro como a cova onde o meu amigo se não move (1971) and “literature exhibition” Os criminosos e as suas propriedades (1975), both held at Galeria Buchholz. More recently, Fundação de Serralves and CAMJAP – Fundação Gulbenkian presented an important retrospective of his work (1994); in January 2006, Lapa attended the opening of his last exhibition – Reunião – at the new premises of Galeria Fernando Santos, in Lisbon, dying shortly afterwards. At the end of the same year, the exhibition that marked his awarding of the 2004 EDP Grand Prize, Álvaro Lapa: Obras-ComPalavras e Paisagísticas, finally took place (Museu da Cidade de Lisboa, 2006).
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RUY LEITÃO Nascido em Washington DC (em 1949), filho da pintora Menez, começou por se inscrever na Central School of Art, estudando depois na Chelsea School of Art, também em Londres, onde teve como professor o emblemático Patrick Caulfield. A influência anglo-saxónica que a sua obra revela desde cedo está assim intimamente relacionada com a efervescente cena artística britânica vivida na década de 60, destacando-se, inclusive, a própria participação de Ruy Leitão na edição de 1969 da colectiva Young Contemporaries. Essa seria a sua primeira exposição, às quais se seguiram inúmeras individuais, realizadas maioritariamente em Portugal e já depois da sua morte prematura, em 1976. As suas vastas séries de desenhos podem ser filiadas na chamada Nova Figuração Pop pelo modo como tornam simbólicos os objectos mais banais do quotidiano (chapéus, lenços, lápis, pentes, canetas, botões, etc.). Desdobrados com extrema eficácia plástica em composições de planos sobrepostos, transcrevem graficamente todo um conjunto de formas reconhecíveis mas esvaziadas de qualquer sentido narrativo. Também o corpo surge desprovido de qualquer enredo, afirmando-se em jogos expressivos que exploram as múltiplas possibilidades de transfigurar em imagens o que nos é familiar. Para além da exposição com que se estreou em Portugal (colectiva 17 Novos Autores, na entretanto extinta Galeria Judite da Cruz, em Lisboa, 1970), destacam-se ainda as exposições individuais realizadas entre 1971 e 1994 e que tiveram lugar na Galeria 111 (Lisboa e Porto) e na Fundação Calouste Gulbenkian (com uma mostra retrospectiva que reuniu os desenhos produzidos entre 1961 e 1972). Born in Washington DC (1949) to painter Menez, Leitão began his artistic education at London’s Central School of Art, and later at the Chelsea School of Art, where he studied under Patrick Caulfield. The Anglo-Saxon strain that characterised his oeuvre from very early on is thus intimately related to the effervescent British artistic scene of the 1960s: Ruy Leitão’s first exhibition was actually part of the 1969 edition of the Young Contemporaries group show. Since then, his oeuvre has been the subject of many solo shows, most of which in Portugal and after his premature death, in 1976.
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His vast series of drawings can be described as New Pop Figuration, given the way they imbue with symbolic value the most banal of everyday objects (hats, handkerchiefs, pencils, combs, pens, buttons, etc.). Unfolding with great plastic efficiency into compositions of overlapping planes, they graphically transcribe a whole set of forms that, though recognisable, are entirely devoid of any narrative sense. The body, too, appears free from any plot, presented in expressive games that explore the countless ways of turning into images something that is familiar to us. Following his first presentation in Portugal (as part of the 17 Novos Autores group show, at Lisbon’s Galeria Judite da Cruz, 1970), several solo shows took place between 1971 and 1994, at Galeria 111 (Lisbon and Porto) and Fundação Calouste Gulbenkian (a retrospective that gathered together drawings made from 1961 to 1972).
JOSÉ LOUREIRO Nascido em Mangualde, em 1961, concluiu o curso de pintura na ESBAL no final da década de 80, altura em que começa a sua actividade expositiva. Os trabalhos então apresentados partem de pesquisas pessoais no território da própria pintura e são desde logo dominados por uma aparência abstracta, reavaliando constantemente a relação cromática e espacial entre fundo e figura. Já em meados dos anos 90 assistimos ao isolamento de determinados segmentos que prolongam o efeito vibrátil de pinturas anteriores e estruturam densas malhas de tons, densidades e texturas, para formular, em última instância, uma complexa rede de experimentações pictóricas. A figura humana surge depois evocada ora em linhas que se desmultiplicam, ora através da sobreposição de sucessivos movimentos de um corpo, anunciando, na viragem da década seguinte, outros desdobramentos possíveis da representação pictórica. Trata-se, até hoje, de uma pintura que se dedica à sua matéria e materiais, e que acontece na permanente tensão entre o que é orgânico ou da ordem do geométrico, manual ou reprodutível, disperso ou estrutural. Para além da sua participação na colectiva que assinalou a 1.ª edição do Prémio EDP de Pintura/Desenho (Palácio da Ajuda, Lisboa, 2000), destacam-se as exposi-
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ções individuais que realizou recentemente no MACS do Porto (2002), no Centro Cultural Emmerico Nunes (em Sines, 2005), na Galeria Cristina Guerra (2006) e no espaço Chiado 8-Arte Contemporânea (2007), estas duas últimas em Lisboa. Born in Mangualde, 1961, Loureiro graduated in painting from ESBAL in the late 1980s, and began exhibiting around that same time. These early works draw from personal inquiries into the territory of painting itself, being defined by an abstract appearance and constant revaluation of the chromatic and spatial relationship between background and figure. In the mid-1990s, certain segments of his work began taking pride of place, prolonging the vibratile felling of previous paintings and creating dense networks of hues, depths and textures, to finally formulate a complex arrangement of pictorial experiments. Then, the human figure started appearing, either in the form of proliferating lines or as the superimposition of the successive motions of a body, announcing the following decade’s possible new decompositions of pictorial representation. Even today, this is a painting deeply concerned with its matter and materials, taking place in a permanent tension between organic and geometric, handmade and reproducible, scattered and structured. Apart from his participation in the collective exhibition of the 1st Painting/Drawing EDP Prize (Palácio da Ajuda, Lisbon, 2000), he also presented several important recent solo shows at MACS (Porto, 2002), Centro Cultural Emmerico Nunes (Sines, 2005), Galeria Cristina Guerra (Lisbon, 2006) and Chiado 8-Arte Contemporânea (Lisbon, 2007).
RUI MOREIRA Nascido no Porto, em 1971, formou-se no Ar.Co em plena década de 90, altura em que também começou a expor. Mais tarde viria também a frequentar o Art Institute of Chicago. O seu trabalho assentou desde cedo na prática do desenho, sobretudo partindo da observação de paisagens e assumindo a notação de um registo pessoal do que é visto. A utilização de tinta-da-china deu então lugar,
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progressivamente, ao uso da grafite e do guache, passando mesmo a recorrer à esferográfica e à ponta de feltro, ao mesmo tempo que o traço decidido e vigoroso se tornou mais subtil ou sinuoso. Também a fotografia e a escultura se cruzam no seu percurso artístico, questionando as fronteiras entre géneros. Nos últimos anos, a obra que desenvolveu apontou ainda para outro caminho possível, nomeadamente em desenhos de cariz geométrico que surgiram na sequência de viagens a Marrocos, sobretudo ao Deserto do Sara. A paisagem de outrora tornou-se mais abstracta e absorta em interpretações geometrizantes, indicando novas possibilidades de revisitação do real. Mais recentemente, merecem especial atenção as individuais realizadas na Galeria Lisboa 20 (em 2003 e 2005), para além da participação nas colectivas Os Últimos Dias (CAMJAP da Fundação Gulbenkian, Lisboa, 2000), Zoom – Colecção de Arte Contemporânea Portuguesa da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento: uma selecção (Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Porto, 2002) e Entre Linhas – Desenho na Colecção da Fundação Luso-Americana (Culturgest, Lisboa, 2005). Foi um dos artistas pré-seleccionados para a edição de 2002 do Prémio CELPA/Vieira da Silva. Born in Porto, 1971, Moreira graduated from Lisbon’s Ar.Co in the mid-1990s, and began exhibiting around the same time. Later, he studied at the Art Institute of Chicago. From very early on, his work has centred itself on drawing, mostly based on the observation of landscapes and exploring a personal approach to what is seen. India ink has progressively given way to graphite and gouache, and even ball-point and felt-tip pens, while the lines, originally resolute and vigorous, have become more subtle or sinuous. Photography and sculpture also feature in his artistic career, questioning genre separations. His work of recent years has opened another avenue, namely geometric-flavoured drawings done in the wake of journeys to Morocco, especially to the Sahara desert. The approach to landscape is now more abstract and absorbed in geometrical readings, bringing about new ways of revisiting reality. His more important recent solo shows took place at Galeria Lisboa 20 (2003 and 2005), and he also participated in the following group exhibitions: Os Últimos Dias (CAMJAP – Fundação Gulbenkian, Lisbon, 2000), Zoom – Colecção de Arte
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Contemporânea Portuguesa da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento: uma selecção (Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Porto, 2002) and Entre Linhas – Desenho na Colecção da Fundação Luso-Americana (Culturgest, Lisbon, 2005). He was one of the nominees for the 2002 CELPA/Vieira da Silva Prize.
JORGE QUEIROZ Nascido em Lisboa, em 1966, iniciou a sua formação no Ar.Co, complementando depois os seus estudos na School of Visual Arts, em Nova Iorque, e no Künstlerhaus Bethanien, em Berlim (cidade onde passou a residir). A sua obra tem privilegiado a prática do desenho, movendo-se num território de referências dificilmente categorizável, mas onde sobressai claramente a experimentação de técnicas, formatos e até figuras cuja hibridez combina com uma resistência incondicional à leitura unívoca dos seus trabalhos. São trabalhos desenvolvidos em séries que aludem ao universo do fantástico e do grotesco sem se prenderem nas narrativas ou referências de onde partem e que habitualmente assumem um registo trágico-cómico profundamente irónico. Mesmo quando utiliza o vídeo, são desenhos que vemos em movimento, tirando partido da sua aparente simplicidade e imediatismo visual para recriar cenários teatrais que partem do real para o transgredir com um humor mordaz. Participou nas mostras estruturais da 50.ª Bienal Internacional de Artes Visuais de Veneza (Sogni e Conflitti: La Dittatura dello Spettatore, 2003), da 26.ª Bienal Internacional de Artes Visuais de São Paulo (Território Livre, 2004), e da 4.ª Bienal de Arte Contemporânea de Berlim (Von Mäusen und Menschen, 2006), sempre através de convite directo dos respectivos curadores internacionais. Das suas exposições individuais mais recentes destaca-se a realizada no final da residência na capital alemã (Künstlerhaus Bethanien, 2004) e a primeira que fez em Portugal, no Museu de Arte Contemporânea de Serralves (Porto, 2007). Born in Lisbon, 1966. Began his art studies at Ar.Co, and continued them at the School of Visual Arts, in New York, and at the Künstlerhaus Bethanien, in Berlin (the city where he currently lives).
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Queiroz’s oeuvre, which basically focuses on drawing, explores a territory of references that are hard to categorise, but clearly characterised by experimentation with techniques, formats, and even figures whose hybridity is combined with unconditional resistance to all univocal readings. While alluding to the realm of the fantastic and grotesque, his series of drawings do not restrict themselves to the narratives or references which originally inspired them, usually adopting a deeply ironic tragicomic tone. Even when video is being employed, what we see are drawings in motion: the author takes advantage of their apparent simplicity and visual immediacy to recreate theatrical scenarios that start from reality and then transgress it with biting humour. He took part at the structural showings of the 50th Venice Biennale (Sogni e Conflitti: La Dittatura dello Spettatore, 2003), of the 26th São Paulo Biennale (Território Livre, 2004), and of the 4th Berlin Biennial for Contemporary Art (Von Mäusen und Menschen, 2006), always by direct invitation from their international curators. Two of his most important recent solo shows are the one that took place at the end of his artistic residence at the German capital (Künstlerhaus Bethanien, 2004) and his first exhibition in Portugal, at Museu de Arte Contemporânea de Serralves (Porto, 2007).
RUI SANCHES Nasceu em Lisboa, em 1954, onde começou por estudar na escola Ar.Co. Frequentou depois o Goldsmith’s College, em Londres, e a Universidade de Yale, em New Haven. A sua formação em Inglaterra e nos EUA durante os anos 70 permitiu-lhe assim acompanhar de perto a produção artística mostrada nesses contextos, influenciando decisivamente a sua obra, nomeadamente na passagem dos trabalhos iniciais, em pintura, para a experimentação no campo da escultura. Em 1984 realiza a sua primeira individual, com trabalhos escultóricos que exercitam a desconstrução de pinturas neoclássicas (Galeria Diferença, Lisboa). Na década seguinte assiste-se a uma viragem significativa no seu corpo de trabalho, que então se distancia de ícones da História da Arte para explorar a expansão das formas. Os seus módulos geométricos de madeira darão então lugar, progres-
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sivamente, ao empilhamento de finas camadas de contraplacado, com contornos orgânicos (por vezes, antropomórficos), que também testam a fronteira entre objecto e monumento. A prática do desenho, que acompanha desde sempre a sua obra, é afirmada de modo autónomo, mas nasce das questões da escultura para afirmar a ideia de movimento no espaço e no tempo. Das suas exposições mais recentes destacam-se ainda: a realizada no Museu da Cidade de Lisboa (2000), a primeira retrospectiva feita sobre a sua obra pelo CAMJAP da Fundação Gulbenkian (2001), e a mostra itinerante As Margens da Linha (apresentada em diversos equipamentos municipais entre 2006 e 2007), para além de outras exposições em Roma, Paris, São Paulo, Ghent e Tóquio. Born in 1954, in Lisbon, where he began his art studies at Ar.Co, prior to pursuing them at Goldsmith’s College, London, and Yale University, New Haven. These stays in England and the USA during the 1970s allowed him to follow closely the artistic production within these contexts, which exerted a decisive influence on his work, namely leading him to forsake painting (which characterised his early production) for experiments in the field of sculpture. In 1984, he presented his first solo show, featuring sculptural works that deconstruct neoclassical paintings (Galeria Diferença, Lisbon). Over the next decade, his oeuvre underwent a major transformation, abandoning Art History icons to explore the expansion of forms. His geometric wooden modules were progressively replaced by stacks of thin plywood planks, with organic (sometimes anthropomorphic) contours, which defy the distinction between object and monument. Drawing, a constant part of his oeuvre, evolves separately, though it draws inspiration from sculpturerelated issues to illustrate the idea of movement across space and time. Some of his more important solo shows are the one at Museu da Cidade de Lisboa (2000), his first retrospective, organised by CAMJAP – Fundação Gulbenkian (2001), and the touring exhibition As Margens da Linha (presented in various municipal facilities from 2006 to 2007), besides other shows in Rome, Paris, São Paulo, Ghent and Tokyo.
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Lista de obras / List of works
EDUARDO BATARDA [p. 41] Anarquistas em Petrogrado preocupados com Cronstadt 1975 Aguarela sobre papel / Watercolour on paper 58 x 78 cm [p. 39] Aventuras da Condessa del Rio 1972 Aguarela sobre papel / Watercolour on paper 77,6 x 59 cm [p. 37] Green Indian 1972 Aguarela sobre papel / Watercolour on paper 77,5 x 58 cm [p. 36] Flood (Ligth of the world) 1972 Aguarela sobre papel / Watercolour on paper 77 x 58 cm
Anarquistas em Petrogrado (Sweet Inspiration) 1975 Aguarela sobre papel / Watercolour on paper 77,6 x 59 cm [p. 38] Sem título / Untitled (Great moments in self-expression, Vol. 14) 1973 Aguarela sobre papel / Watercolour on paper 77,5 x 58,5 cm [p. 35] Murder in the Gallery 1972 Aguarela sobre papel / Watercolour on paper 58,5 x 39 cm The Raid (Life-Boat Launderette) 1972 Aguarela sobre papel / Watercolour on paper 58,5 x 39 cm
MIGUEL BRANCO [p. 44] Sem título / Untitled 1987/88 Óleo sobre madeira / Oil on panel 58,5 x 50 cm [p. 45] Sem título / Untitled 1997 Óleo sobre madeira / Oil on panel 17 x 14,2 cm [p. 49] Sem título / Untitled 2000 Óleo sobre madeira / Oil on panel 9,5 x 10,5 cm [p. 47] Sem título / Untitled 2000 Óleo sobre madeira / Oil on panel 10,5 x 14 cm [p. 47] Sem título / Untitled 2000 Óleo sobre madeira / Oil on panel 10,5 x 14 cm
[p. 48] Sem título / Untitled 2000 Óleo sobre madeira / Oil on panel 10,5 x 9,5 cm
RUI CHAFES [p. 53] Depois de para sempre – VII 1988 Ferro pintado / Painted iron 81 x 82 x 2 cm Depois de para sempre – VIII 1988 Ferro pintado / Painted iron 126 x 12 x 2,5 cm [p. 54] Madrugada XXII 1992 Ferro pintado / Painted iron 66 x 30 x 26cm Madrugada XXI 1992 Ferro pintado / Painted iron 66 x 26 x 30 cm
157 [p. 55] A Manhã IV 1992 Ferro pintado / Painted iron 75 x 37 x 39 cm [p. 56] A Manhã V 1992/93 Ferro pintado / Painted iron 64 x 30 x 20 cm [p. 57] A Manhã VIII 1992 Ferro pintado / Painted iron 70 x 42 x 37 cm
ANA JOTTA [p. 61] Sem título / Untitled 1990 Guache e tinta-da-china sobre página de revista Artes & Leilões n.º 6 / Gouache and Indian ink on page from issue 6 of Artes & Leilões magazine 28,5 x 42,2 cm [p. 62] Sem título / Untitled 1988 Grafite e esferográfica sobre caixa de cartão
com restos de gordura / Graphite and ballpoint pen on cardboard box with grease stains 55 x 75 cm [p. 66] Sem título / Untitled 1991 Tinta e colagem sobre papel / Ink and collage on paper 44 x 32 cm [p. 61] Sem título / Untitled 1990 Guache e tinta-da-china sobre página da revista Expresso de 3 de Novembro de 1990 / Gouache and Indian ink on page from November 3rd, 1990 issue of Expresso magazine 33,2 x 48,1 cm Sem título / Untitled 1990 Guache e tinta-da-china sobre páginas da revista Artes & Leilões / Gouache and Indian ink on pages of Artes & Leilões magazine 28,5 x 43,2 cm [p. 67] Sem título / Untitled 1979 Lápis de cor sobre
papel / Coloured pencil on paper 85,5 x 59,5 cm Sem título / Untitled 1979 Tinta dourada sobre papel / Golden ink on paper 63 x 59,5 cm [p. 65] Duck-Rabbit? 1993 Esferográfica sobre papel / Ballpoint pen on paper 71 x 101 cm [p. 63] Monoparental Uma 2002 Feltro recortado e entretela / Felt cut-out and buckram 156 x 153 cm
ÁLVARO LAPA [pp. 72-77] Moradas na mãe terra (série de 14 desenhos / a series of 14 drawings) 1972 Grafite e lápis de cor sobre papel / Graphite and colour pencil on paper 16 x 12 cm
[p. 71] A voz das pedras 1975 Grafite, colagem e flow-master sobre papel / Graphite, collage and flow-master on paper 43 x 61 cm
RUY LEITÃO Sem título / Untitled n.d. Caneta de feltro sobre papel / Felt pen on paper 25,5 x 36 cm [p. 84] Sem título / Untitled n.d. Guache sobre papel / Gouache on paper 40,5 x 50,5 cm [p. 84] Sem título / Untitled n.d. Guache sobre papel / Gouache on paper 40,5 x 50,5 cm Sem título / Untitled n.d. Guache, esferográfica e caneta de feltro sobre papel / Gouache, ballpoint and felt pens on paper 37,2 x 28 cm
158 [p. 48] Sem título / Untitled 1974-75 Guache sobre papel / Gouache on paper 48,5 x 60 cm [p. 80] Sem título / Untitled 1971 Grafite e lápis de cor sobre papel / Graphite and coloured pencil on paper 30 x 41,5 cm [p. 83] Sem título / Untitled 1968/69 Guache sobre papel / Gouache on paper 60 x 86,5 cm Sem título / Untitled 1968 Caneta de feltro sobre papel / Felt pen on paper 35,5 x 40 cm [p. 81] Sem título / Untitled 1967 Esferográfica e lápis de cor sobre papel / Ballpoint pen and coloured pencil on paper 28 x 20,5 cm
Sem título / Untitled 1967 Caneta de feltro e lápis de cor sobre papel / Felt pen and coloured pencil on paper 37,5 x 24 cm [p. 85] Sem título / Untitled 1968 Caneta de feltro sobre papel / Felt pen on paper 25 x 35,5 cm
RUI MOREIRA [p. 95] Sem título / Untitled 2003 Tinta de caneta sobre papel / Pen ink on paper 122 x 160 cm [p. 96] Sem título / Untitled 2004 Tinta de caneta sobre papel / Pen ink on paper 121 x 160 cm
JOSÉ LOUREIRO [p. 91] Sem título / Untitled 1990 Guache sobre papel / Gouache on paper 28 x 38 cm [p. 90] Sem título / Untitled 1990 Guache sobre papel / Gouache on paper 28 x 38 cm [p. 89] Sem título / Untitled 1990 Guache sobre papel / Gouache on paper 28 x 38 cm
[p. 97] Sem título / Untitled 2004 Tinta de caneta sobre papel / Pen ink on paper 121 x 160 cm
JORGE QUEIROZ Sem título / Untitled 1998 Grafite sobre papel / Graphite on paper 21 x 14,6 cm Sem título / Untitled 1999 Grafite sobre papel / Graphite on paper 21 x 14,6 cm
Sem título / Untitled 1999 Grafite sobre papel / Graphite on paper 21 x 14,6 cm Sem título / Untitled 1999 Grafite sobre papel / Graphite on paper 21 x 14,6 cm Sem título / Untitled 1999 Grafite sobre papel / Graphite on paper 21 x 14,6 cm Sem título / Untitled 1999 Grafite sobre papel / Graphite on paper 21 x 14,6 cm [p. 102] Sem título / Untitled 1998 Grafite sobre papel / Graphite on paper 21 x 14,6 cm Sem título / Untitled 1998 Grafite sobre papel / Graphite on paper 21 x 14,6 cm [p. 104] Sem título / Untitled 1998 Grafite sobre papel / Graphite on paper 21 x 14,6 cm
159 [p. 103] Sem título / Untitled 1998 Grafite sobre papel / Graphite on paper 21 x 14,6 cm Sem título / Untitled 1998 Grafite sobre papel / Graphite on paper 21 x 14,6 cm [p. 103] Sem título / Untitled 1998 Grafite sobre papel / Graphite on paper 21 x 14,6 cm Sem título / Untitled 1999 Grafite sobre papel / Graphite on paper 21 x 14,6 cm
[p. 105] Sem título / Untitled 2002 Técnica mista sobre papel / Mixed technique on paper 151,5 x 103 cm
[p. 111] A Marat – 9 1989 Tinta-da-china sobre prova serigráfica em papel / Indian ink over silk-screen proof on paper 75 x 55 cm
RUI SANCHES A Marat – 1 1989 Tinta de esmalte industrial sobre prova serigráfica em papel / Industrial enamel paint over silk-screen proof on paper 75 x 55 cm
Sem título / Untitled 1999 Grafite sobre papel / Graphite on paper 21 x 14,6 cm
[p. 109] A Marat – 2 1989 Tinta-da-china e barra de óleo sobre prova serigráfica em papel / Indian ink and oil bar over silk-screen proof on paper 75 x 55 cm
[pp. 100-101] 12 june 72 1998 Vídeo (Cor PAL) – som; condições de projecção variáveis / Video (PAL Colour) – sound; variable projection conditions
[p. 110] A Marat – 4 1989 Tinta-da-china e guache sobre prova serigráfica em papel / Indian ink and gouache over silkscreen proof on paper 75 x 55 cm
[p. 113] Orfeu 1989 Aglomerado de madeira, bronze pintado e tubo de bronze patinado / Chipboard, painted bronze and patinated bronze tube 148 x 93 x 38 cm [p. 115] Sem título / Untitled 1993 Aglomerado de madeira e aço galvanizado / Chipboard and galvanised steel 98 x 70 x 50 cm
CORPO INTERMITENTE
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CORPO INTERMI TENTE OBRAS DA COLECÇÃO DA FUNDAÇÃO LUSO-AMERICANA PARA O DESENVOLVIMENTO