Passagem

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PASSAGEM

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PAS SAG EM OBRAS DA COLECÇÃO DA FUNDAÇÃO LUSO-AMERICANA PARA O DESENVOLVIMENTO




CATÁLOGO / CATALOGUE

EXPOSIÇÃO / EXHIBITION

Coordenação / Coordination JOÃO SILVÉRIO

Director do Museu da Horta Horta Museum Director

Textos / Texts CARLOS MANUEL M. DO VALE CÉSAR RUI CHANCERELLE DE MACHETE LUÍS MENEZES JOÃO SILVÉRIO DELFIM SARDO Biografias / Biographies LÚCIA MARQUES Tradução e Revisão / Translation and Proof-reading JOSÉ GABRIEL FLORES Fotografia / Photography DANIEL MALHÃO LAURA CASTRO CALDAS / PAULO CINTRA RITA BURMESTER Design Gráfico / Graphic Design VERA VELEZ Impressão / Print run TEXTYPE 750 exemplares / copies ISBN 978-972-8654-36-8 Depósito legal 274251/08 Edição / Published by FUNDAÇÃO LUSO-AMERICANA PARA O DESENVOLVIMENTO

PRESIDÊNCIA DO GOVERNO Direcção Regional da Cultura

LUÍS MENEZES Realização / Production FUNDAÇÃO LUSO-AMERICANA PARA O DESENVOLVIMENTO / MUSEU DA HORTA Curador / Curator JOÃO SILVÉRIO Coordenação da Exposição / Exhibition Coordination LUÍS MENEZES Montagem / Installation FERNANDO PINTO JORGE CARLOS GARCIA ILÍDIO VITORINO BRASIL Embalagem e Transportes / Packing and transportation FEIREXPO


PASSAGEM

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HORTA 23.04.2008


A Presidência do Governo Regional dos Açores congratula-se com mais este evento, fruto da colaboração institucional que tem vindo a ser intensificada com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, acolhendo, com grande satisfação, esta exposição na Ilha do Faial, quando ocorre a inauguração das novas e magníficas instalações da Biblioteca Pública e Arquivo Regional da Horta. Esta mostra, que toma o título de “Passagem”, tem origem no acervo de obras de arte contemporânea nacional da Fundação Luso-Americana, que abarca um período cronológico entre os anos 60 do século XX e o actual, dela constando obras de Alberto Carneiro, João Queiroz, Rui Toscano, Francisco Tropa e um artista convidado, André Sousa, que recorrem a um conjunto de técnicas diversificadas que percorrem o desenho, a escultura, a fotografia, o cibachrome e o DVD. No ano em que se assinala a passagem dos 175 anos de elevação da Vila da Horta à categoria de cidade, este evento integra-se, honrosamente, nessa comemoração, ao mesmo tempo que os faialenses passam a dispor de um novo e moderno equipamento que em muito beneficiará a oferta cultural na cidade e na ilha. Parabéns ao Faial.

Carlos Manuel Martins do Vale César Presidente do Governo Regional dos Açores


The Presidency of the Azorean Regional Government rejoices in the present event, another fruit of our increasing institutional cooperation with the Luso-American Development Foundation, which it joyously welcomes to Faial Island, at the moment of the opening of the Horta Public Library and Regional Archive’s new and magnificent premises. The present exhibition, entitled “Passage”, is drawn from the Foundation’s collection of contemporary Portuguese art, and covers a period of time between the 1960s and our 21st century, with works by Alberto Carneiro, João Queiroz, Rui Toscano, Francisco Tropa and a guest artist, André Sousa, which resort to a variety of media, including drawing, sculpture, photography and DVD technology. In the year of the 175th anniversary of the elevation of Horta to the category of city, this event becomes a fitting part of that celebration, during which the population of Faial will be presented with a new and modern cultural facility that will greatly dignify the city and its island. Our congratulations to Faial.

Carlos Manuel Martins do Vale César President of The Azorean Regional Government


Com a exposição “Passagem” conclui-se a primeira fase do projecto cultural da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento visando pôr em contacto o público açoriano com algumas das realizações mais significativas das artes visuais contemporâneas da autoria de artistas portugueses. Temos vindo a insistir em que o contacto com a obra de arte original permite uma dialéctica bem diferente do mero contacto com a reprodução mecânica. Para além da educação do sentido estético, possibilita um aprofundamento do ser que a simples observação da cópia fotográfica não propicia. As exposições são assim também um meio de promover o desenvolvimento da personalidade individual e, com esta, o da colectividade em que se insere. A preparação cuidadosa do catálogo, que agora também se oferece, representa um guia que ajuda à reflexão e à descoberta. Os locais nobres onde este evento se realiza, a nova Biblioteca Pública e Arquivo Regional da Horta e o Museu, o antigo Colégio dos Jesuítas da cidade da Horta, completam a ambiência necessária ao gozo estético e emprestam à exposição uma maior dignidade e relevo cultural. Assim, vai a Fundação, agora nos Açores, cumprindo a sua missão de, na medida dos seus meios, facultar aos portugueses os instrumentos necessários para uma cultura moderna e cada vez mais aberta ao mundo.

Rui Chancerelle de Machete Presidente do Conselho Executivo da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento


The Passage exhibition concludes the first stage of a cultural project of the Luso-American Foundation, aimed at bringing to the Azorean public some of the most important work by contemporary Portuguese artists. We have often stated that contact with the original work of art allows for a quite different dialectics than mere contact with its mechanic reproduction. Besides educating the aesthetic sense, it adds a depth to one’s being that cannot be achieved via the simple observation of a photographic copy. Art exhibitions are thus also a means of promoting the development of individual personality and, in turn, the development of the society to which the individual in question belongs. The carefully prepared catalogue that accompanies it represents a guide inspiring reflection and discovery. The noble locations of the present event, the new Horta Public Library and Regional Archive and the Horta Museum, a former Jesuit College, ensure an atmosphere conducive to aesthetic pleasure and lend the exhibition increased dignity and cultural importance. Thus the Foundation, now at the Azores, continues to fulfil its mission: to, within its possibilities, supply the Portuguese people with all the necessary instruments to create a modern culture that increasingly opens itself to the world.

Rui Chancerelle de Machete President of the Executive Council of the Luso-American Development Foundation


É com redobrada satisfação que acolhemos uma exposição da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, por ser esta a primeira vez que o público faialense tem a oportunidade de tomar contacto com parte do seu acervo de arte contemporânea, e por ocorrer no momento inaugural das novas instalações da Biblioteca Pública e Arquivo Regional da Horta. Construído o imóvel principal em meados do século XIX por Elias Bensaúde, para residência e comércio, acabou por ter pouco uso para o que fora criado. Hoje, acaba por se converter num espaço de cultura polivalente, que de resto vem preservar parte da sua história do século passado. Foi aqui que se acolheu, em 1940, o que podemos designar pelo primeiro embrião de um museu oficial do Concelho, o Museu de História Natural, Etnografia e Folclore, uma iniciativa da então Comissão Local das Comemorações Centenárias; entre os importantes eventos expositivos que nele tiveram lugar nas décadas de 80 e 90, destaca-se a 3.ª Bienal de Arte dos Açores e Atlântico, no ano de 1985. Correspondendo agora este novo complexo às mais modernas exigências funcionais do espaço de cultura a que se destina, potencia-se como elemento catalisador, quer pelo efeito de demonstração que pode induzir, quer pela dinamização que a sua qualidade proporciona no quadro de programas de fomento de manifestações culturais. Hoje, traz até nós a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento a exposição “Passagem”, para a qual foram seleccionados cinco artistas de duas gerações distintas, a primeira representada por Alberto Carneiro e a segunda por João Queiroz, Rui Toscano, Francisco Tropa e André Sousa. As obras apresentadas, produzidas


desde os anos 60 do século XX e até ao século XXI, denotam linguagens muito pessoais, mas em simultâneo de alguma similitude, por intermédio de meios de expressão artística que percorrem o desenho, a escultura, a fotografia e o vídeo. Seguindo um itinerário expositivo que se desenha em torno de dois espaços: as novas instalações da Biblioteca Pública e Arquivo Regional da Horta e o Museu da Horta, cuja qualidade, presumimos, acompanha a riqueza plástica e estética das obras expostas, o mesmo é dizer, a expressão da criatividade e o significado da arte contemporânea nacional. Este evento ficará decerto registado na história do Concelho da Horta, Ilha do Faial, quando decorre o ano em que se celebram os 175 anos de elevação da Vila da Horta à categoria de Cidade, agora dotada de um equipamento com condições de ser um instrumento de aprendizagem, de experiências artístico-culturais e de formação de novos públicos.

Luís Menezes Director do Museu da Horta


It is with great rejoicing that we welcome an exhibition from the Luso-American Development Foundation, both because this is the first time the Faial public has the opportunity to become acquainted with part of that Foundation’s collection of contemporary art, and because it takes place as part of the opening of the Horta Public Library and Regional Archive’s new facilities. The main construction was built in the late 19th century by Elias Bensaúde, for dwelling and business purposes, though it was not used as such for long. Now, it finally becomes a versatile cultural facility, which preserves traces of its history over the past century. Indeed, it was here that, in 1940, was housed what we may call the first embryo of an official local museum: the Natural History, Ethnography and Folklore Museum, an initiative of what was known at the time as the Local Committee for Centenary Commemorations; during the 1980s and 1990s, it hosted several important exhibitions, like the 3rd Azorean and Atlantic Art Biennale, in 1985. This new complex, which satisfies every modern functional demand of the cultural space it is, takes on the function of a catalysing element, either by the demonstrative effect it can convey, or by the dynamics its quality can bring to the increase of cultural initiatives. Now, the Luso-American Development Foundation brings to our shores the “Passages” exhibition, which features the work of five artists from two diverse generations, the first of which being represented by Alberto Carneiro and the second by João Queiroz, Rui Toscano, Francisco Tropa and André Sousa. The shown pieces, produced in an interval of time that stretches from the 1960s into the 21st century, express languages that are very personal but at the same time somewhat


similar, through artistic expressive means that encompass drawing, sculpture, photography and video. Its display follows an itinerary divided between two spaces: the new facilities of the Horta Public Library and Regional Archive, and the Horta Museum; their quality, we believe, will prove adequate to the visual and aesthetic beauty of the exhibited works, in the broader terms of creative expression and the more defined ones of Portuguese contemporary art. This event will surely go down in the history of the Horta Municipality, Faial Island, at the time it commemorates the 175th anniversary of Horta’s elevation to the category of a city, now equipped with a set of facilities that have every condition to become a focus of learning, artistic/cultural experiences and new publics.

LuĂ­s Menezes Director of Horta Museum



ÍNDICE / CONTENTS

JOÃO SILVÉRIO

Itinerário / Itinerary 18 Ao fundo, a passagem / In the background, the passage

p. 15

DELFIM SARDO

Paisagem versus passagem 49 Landscape vs. passage 34

Catálogo / Catalogue 62 Alberto Carneiro 76 João Queiroz 84 Rui Toscano 88 Francisco Tropa JOÃO SILVÉRIO

Sobre o projecto de André Sousa On André Sousa’s project 102 Uma caixa de ressonância 106 A resonance chamber Biografias / Biographies 125 Lista de obras / List of works 116



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JOÃO SILVÉRIO

Itinerário

Itinerary

A presente exposição, Passagem, é o terceiro passo do projecto cultural desenvolvido pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento em colaboração com o Governo Regional dos Açores. Este evento ocorre num momento de singular relevância para a ilha do Faial: a inauguração da nova Biblioteca Pública e Arquivo Regional da Horta. O projecto, iniciado em 2007, é composto por três exposições realizadas nas ilhas de São Miguel, Terceira e agora na ilha do Faial, e reúne diversas colaborações com o objectivo de alargar o conhecimento sobre a criação artística contemporânea. A sua génese

The present exhibition, entitled Passage, is the third stage of a cultural project developed by the Luso-American Development Foundation (FLAD) in collaboration with the Azorean Regional Government. This event occurs at an extremely momentous occasion for the island of Faial: the opening of the new Horta Public Library and Regional Archive. The project, which began in 2007, comprises three exhibitions, held at the islands of São Miguel, Terceira and now Faial; they are the result of a series of collaborations, all with the objective of increasing the general knowledge of contemporary artistic production. Its origin can


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deve-se a uma iniciativa do Dr. Mário Mesquita, administrador da Fundação Luso-Americana, que acolheu com espírito crítico as ideias e propostas apresentadas, que permitiram estruturar as sucessivas etapas deste itinerário. Devo ainda salientar a preocupação na montagem e exposição das obras dos artistas que a colecção representa, bem como as conferências e visitas guiadas realizadas, amplamente apoiadas pela colaboração e organização de cada uma das equipas dos museus, que trabalharam correspondendo a desafios sempre diferentes em cada fase, bem como a eficácia e disponibilidade do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, que prontamente respondeu sempre que foi necessário deslocar obras da colecção depositadas nesse Museu. A exposição Passagem ocupa dois espaços, o novo edifício da Biblioteca Pública e o Museu da Horta, dois equipamentos que se complementam na história da cidade. O imóvel renovado, que foi a antiga Casa Bensaúde e é agora a nova biblioteca, foi ao longo da

be traced back to an initiative of Dr. Mário Mesquita, executive director of FLAD, who critically welcomed all the ideas and suggestions that eventually structured the various stages of this itinerary. Also worthy of mention is the careful setting-up and display of the works by the artists in our collection, their attendant conferences and guided tours, which received every support from the Museums’ teams, who had to meet quite different challenges at each stage of the project, and the efficiency and helpfulness of the Serralves Museum of Contemporary Art, which promptly obliged us every time it was necessary to take from its premises pieces of our collection deposited there. The Passage exhibition takes up two spaces: the new building of the Public Library and the Horta Museum, two facilities that have complemented each other throughout the city of Horta’s history. The refurbished building, that was once the Bensaúde Manor and is now the new library, has always been an important element in the life of Horta. Many exhibitions took place


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sua existência um espaço com uma presença vital na vida da cidade. Ali se realizaram exposições, foi instalado o Museu de História Natural, Etnografia e Folclore, em 1940, e em 1985 teve lugar a 3.ª Bienal dos Açores e Atlântico. O Museu, instalado no antigo Colégio dos Jesuítas, é uma edificação do séc. XVIII, e acolhe uma diversidade de colecções, entre as quais se encontra um núcleo de objectos e aparelhos tecnológicos, pertencentes às estações cabotelegráficas que entre o final do século XIX e a primeira metade do século passado asseguraram as comunicações no Atlântico Norte. Deste modo, a ideia de “passagem” esteve sempre presente no projecto das exposições, que contém uma ideia de ligação, de comunicação. Cada local é um ponto de encontro que se constitui, para além da memória, como parte integrante dos caminhos da cultura contemporânea. Esta exposição não é o ponto de chegada deste itinerário, mas apenas uma estação no cruzamento das diversas linhas de um percurso em construção.

there since 1940, when it became the Natural History, Ethnography and Folklore Museum, and in 1985 it hosted the 3rd Atlantic and Azorean Biennale. The Museum, housed in a former Jesuit College which dates back to the 18th century, contains a variety of collections, like a set of technological objects and devices from the cable telegraph stations that between the late 19th century and the first half of the 20th ensured communication across the North Atlantic. Indeed, the notion of “passage” has always been present in the project of the exhibitions, which contains an idea of connection, of communication. Each location is a meeting-point that becomes, beyond memory, an integral part of the paths of contemporary cultures. This exhibition is not the point of arrival of this itinerary: it is just a stop at the crossing of the various paths of a route under construction.


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Ao fundo, a passagem

In the background, the passage

«À medida que nos afastamos de Mola vamos tendo sempre belas vistas, embora o mar desapareça de vez em quando. A última vista do mar é uma bonita baía que desenhámos. Segue-se boa terra de pomares, com sebes de aloé. Avistámos uma conduta de água que descia do monte para umas ruínas meio escondidas. Depois vem a passagem do rio Garigliano. Atravessa-se a seguir uma região bastante fértil em direcção a um monte. Nada de especial. Finalmente a primeira colina de cinza vulcânica. Aqui começa uma grande e magnífica região de montes e depressões, sobre a qual por fim se destacam cumes com neve.»1

«After leaving Mola behind us, we had beautiful views all the way, even after the sea left us. The last we saw of it was a lovely cove, which we sketched. A good fruit country followed, fenced in by hedges of aloes. We also saw an aqueduct which ran from the mountains towards some unrecognisable jumble of ruins. After crossing the river Garigliano, the road ran in the direction of a mountain range through a fairly fertile but uninteresting region. At last, the first hill of volcanic ash. From then on we entered a vast system of hills and valleys with snow-capped mountains rising in the background.»1

Nesta citação, Goethe descreve a paisagem através da observação e confronta-nos, não apenas com a descrição de um espaço geográfico, mas com a monumentalidade da Natureza que surge perante o seu olhar contemplativo. Quando o autor refere “uma grande e magnífica região de montes e depressões, sobre a qual por fim se des-

In the above excerpt, Goethe describes the landscape through observation, confronting us not only with the description of a geographic space, but with the monumentality of Nature as it appears before his contemplative gaze. When the author tells of “a vast system of hills and valleys with snow-capped mountains rising in the background”, he is

1 Johann Wolfgang Goethe, Viagem a Itália, Lisboa, Relógio D’Água, 2001, p. 226.

1 Johann Wolfgang Goethe, Italian Journey (1786-1788), Harmondsworth, Penguin, 1982, p. 183.


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tacam cumes com neve”, exalta a beleza e a grandiosidade do que vê numa experiência próxima do sublime. A paisagem é indissociável do espaço onde nos encontramos e condiciona o nosso olhar perante o mundo, não só como reconhecimento dos elementos naturais, mas como relação do sujeito com o real. Género e tema que atravessa a história da arte, a paisagem assume um estatuto importante para a estética e para a representação. As vedute antecipam a importância e a atenção que a paisagem vai conquistar a partir do Renascimento, e a introdução da perspectiva virá a contribuir, na pintura e no desenho, para um outro ponto de vista mais abstracto, reflectindo um novo olhar sobre o 2 mundo . Inicialmente tida como elemento secundário, a paisagem constituía o pano de fundo que enquadrava os temas principais, de que são exemplos o retrato, a representação épica, as cenas mitológicas ou religiosas. Mas vai gradualmente ocupar o lugar de objecto principal no trabalho dos autores, assu-

exalting the beauty and grandeur of what he sees in a near-sublime experience. The landscape is inextricable from the space in which we find ourselves and conditions our vision of the world, not only in terms of recognition of natural elements, but also of the relationship between the individual and reality. A genre and a subject that appears throughout art history, landscape plays an important role in terms of aesthetics and representation. The vedute anticipate the importance and attention the landscape will garner from the Renaissance on and the introduction of perspective will contribute, in painting and in drawing, towards a new, more abstract point of view, reflec2 ting a new way of seeing the world . Initially treated as a secondary element, the landscape was the background for major subjects, such as the portrait and epic, mythological or religious scenes, but it gradually attained pride of place in art, assuming autonomous value 3 in drawing and painting. This hierarchical advancement is also conveyed through linguistic means,

2 Ver Mathieu Kessler, El paysage y su sombra, Barcelona, Idea Books, 2000, p. 17-22.

2 Cf. Mathieu Kessler, El paysage y su sombra, Barcelona, Idea Books, 2000, p. 17-22.

3 Os desenhos, eram inicialmente estudos preparatórios ou apontamentos e faziam parte de um período preambular em relação à obra finalizada, a pintura. Em muitos casos, viriam mais tarde a ser considerados obras independentes do resultado final, revelando ainda fases importantes no processo do trabalho dos artistas.

3 Initially, drawings were preparatory studies or sketches, part of a preamble to the final piece, the painting. In many cases, these would later be considered works of art in their own right, separate from the finished piece, and revealing important phases in the artists’ working process.


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mindo um valor autónomo presente 3 no desenho e na pintura. Essa superação hierárquica é também revelada na utilização da linguagem, através dos títulos das obras. Podemos tomar como exemplo dois autores, Jan Van Goyen (1596-1656), pintor e pioneiro do naturalismo holandês, e Cornelis Van Poelenburgh (1595-1667), pintor holandês fortemente influenciado pela pintura italiana durante a sua estadia de uma década em Roma. Para Van Goyen, o desenho era a ferramenta essencial para trabalhar sobre a paisagem, sendo muitos dos seus estudos executados no estúdio, em cadernos de esboços. Dune Landscape 4 (c. 1630) , uma das suas obras, demonstra a importância central que a paisagem e os seus elementos ocupam na representação. Essa centralidade está desde logo presente no título. Outro exemplo, um desenho da autoria de Cornelis Van Poelenburgh, Landscape with 5 Ruin and Figures (n.d.) vem confirmar o primado da paisagem como modelo estruturante dos elementos de uma composição. A paisagem 4 The Northern Landscape: Flemish, Dutch and British Drawings from the Courtauld Collections, London, The Drawing Center / Trefoil Books Ltd., 1986, p. 102-103.

5 Ob. cit., p. 136-137.

in the pictures’ titles. This may be exemplified through two authors, Jan Van Goyen (1596-1656), a Dutch painter and pioneer of naturalism, and Cornelis Van Poelenburgh (1595-1667), another Dutch painter who was strongly influenced by Italian painting during his decade-long stay in Rome. For Van Goyen, drawing was an essential tool to work on landscape: many of his studies were done in the studio, on sketch4 books. Dune Landscape (c.1630) , one of his pieces, shows how central landscape and its elements can be to representation. That centrality is immediately present in the piece’s title. Another example, a drawing by Cornelis Van Poelenburgh entitled Landscape with 5 Ruin and Figures (n.d.) , further confirms the primacy of landscape as the structuring model of the elements in a composition. Landscape is the centre, acting at once as the model of the world, the field of work, the observatory and the starting point for the operative experience on the various planes its representation may comprise. 4 The Northern Landscape: Flemish, Dutch and British Drawings from the Courtauld Collections, London, The Drawing Centre / Trefoil Books Ltd., 1986, p. 102-103.

5 Op. cit., p. 136-137.


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é o centro, simultaneamente o modelo do mundo e o campo de trabalho, o observatório e o ponto de partida para a experiência operativa nos diversos planos que a sua representação pode conhecer. Tendo sido uma presença contínua na criação artística desde as primeiras manifestações simbólicas humanas até à actualidade, a paisagem persiste como itinerário, ou caminho, na produção artística contemporânea. Retomando a descrição de Goethe no início deste texto, a passagem pode ser entendida como um instante, um vislumbre contínuo, um devir que encontra a memória a montante. Mas pode ainda colher uma variedade de interpretações vinculadas ao acto de passar, como percorrer um caminho, transitar de um ponto a outro, ou mudar de lugar, em suma: contém uma ideia de mudança. Essa ideia pode também significar a passagem de um estado físico para outro, ou seja, pode ser algo de efémero, transitório e mutável. Os artistas, Alberto Carneiro, João Queiroz, Francisco Tropa, Rui Tos-

A continuous presence in artistic creation from the first human symbolic manifestations until the present time, landscape persists as an itinerary, or path, in contemporary artistic production. To return to Goethe’s description in the epigraph to this text, the crossing, or passage, can be seen as a moment, a continuous glance, a becoming that meets memory ahead. But it can also gather into itself a variety of interpretations, connected to the act of passage, as in following a path, moving from here to there, or changing places, which, in short, contain an idea of change, which may also mean the passage from one physical state to another, that is to say, the notion of something ephemeral, transitory and mutable. Our featured artists: Alberto Carneiro, João Queiroz, Francisco Tropa, Rui Toscano and André Sousa – who was invited to install a site-specific project at the Horta Museum –, bring us distinct, individual perspectives on the status of place, on landscape as a historic genre, and on the artistic object itself.


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cano e André Sousa – artista convidado para instalar um projecto site-specific no Museu da Horta – colocam-nos interrogações, segundo perspectivas diferentes e individualizadas, sobre o estatuto do lugar, da paisagem como género histórico, e sobre o próprio objecto artístico. Alberto Carneiro é um artista que, ao longo da sua vida, manteve uma estreita e íntima relação com a natureza e com a paisagem. Essa relação, ou esse acto de fazer, que ele próprio definiu como “arte ecológica”, alerta-nos para o significado presente na raiz etimológica da palavra ecologia, proveniente 6 dos termos gregos oikos e logos . Esta definição autoral encontra um eco que virá a marcar o seu trabalho e se revela nas linhas que 7 escreve em 1968 : “O que nós podemos comunicar ao recriar uma árvore, na necessidade de a possuirmos, não serão com certeza os valores que nos ligam a ela na circunstância desse momento, mas sim os lugares onde poderá acontecer a recriação das memórias 6 A palavra ecologia é composta etimologicamente pelas palavras gregas Oikos, que significa casa, e Logos, que significa estudo ou reflexão. Ou seja, "o estudo dos lugares". Na obra de Alberto Carneiro devemos entender “arte ecológica” como um processo de autoconsciencialização e operatividade que ocorre na paisagem e na natureza como lugar de pertença para o autor.

7 "Notas para um manifesto de arte ecológica", Alberto Carneiro (cat.), Centro Galego de Arte Contemporánea, Santiago de Compostela, 2001, p. 178.

Throughout his life, Alberto Carneiro has cultivated a close, intimate relationship with nature and the landscape. This relationship, or that action of making, which he defines as “ecological art”, draws our attention to the meaning contained in the etymological root of the word “ecology”, which combines the Greek words oikos and 6 logos . This authorial definition, which characterises the whole of his work, is clearly displayed in the 7 following lines, written in 1968 : “What we may communicate as we recreate a tree, in our need of possessing it, will not certainly be the values that connected us to it in the circumstance of that moment, but the places where the recreation of the memories of trees shared by all of us may occur. We will not say that a tree is a work of art. We will simply say that we may take it and turn it into a work of art.” Alberto Carneiro sees nature as his house, in the sense that it is the place that receives his body, a body that is matter, energy, just like the soil, the trees and the stones. Yet that house is simultaneously the 6 Oikos means house, and Logos study or reflection. Thus “ecology” means “the study of places”. In terms of Alberto Carneiro’s oeuvre, we must understand “ecological art” as a process of self-awareness and operativity that occurs in the landscape and nature as places to which the artist belongs.

7 "Notas para um manifesto de arte ecológica", Alberto Carneiro (cat.), Centro Galego de Arte Contemporánea, Santiago de Compostela, 2001, p. 178.


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que todos nós temos de árvores. Nós não afirmaremos que uma árvore é uma obra de arte. Nós apenas diremos que poderemos tomá-la e transformá-la em obra de arte.” Para Alberto Carneiro a natureza é a sua casa, no sentido em que esse é o lugar que acolhe o seu corpo, e esse corpo é matéria, energia, como a terra, as árvores ou as pedras. Mas simultaneamente esta casa é a paisagem onde tem lugar a meditação, a acção, a emergência da palavra escrita e da metamorfose. Alberto Carneiro conhece bem os materiais que utiliza no seu trabalho, e que domina com o afã do artífice, mas, mesmo comungando da sua energia, estabelece uma distinção entre a natureza da matéria e o trabalho do artista. O autor não é refém da sua partilha íntima com a natureza, antes procura as diversas significações e as metáforas inscritas nesse mundo que lhe é tão próximo, transformando a árvore em escultura, a natureza em obra de arte. Neste aspecto, a palavra e a geometria – a espiral, um símbolo xamânico

landscape in which meditation, action, the emergence of the written word and metamorphosis take place. Alberto Carneiro is quite familiar with the materials he employs in his work, which he manipulates with a craftsman’s diligence, but, despite the fact that he partakes of their energy, he nonetheless establishes a distinction between the nature of the materials and the artist’s work. This artist is not held hostage by his intimate connection with nature; on the contrary, he looks for the various meanings and metaphors inscribed on that world which is so close to him, turning tree into sculpture, nature into work of art. Here, the word and geometry – the spiral, a shamanic symbol present in many of his works – allow him to systematise projects and documents, photographs that record the performative, transforming action his body performs on the landscape, before using it again as raw material for his work, conferring it aesthetic autonomy as a finished piece. Such pro8 jects as O Canavial , Uma Floresta 9 10 para os teus sonhos or O Laranjal , 8 See page 65 9 See page 65 10 See page 63


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presente em muitas das suas obras – permitem-lhe sistematizar projectos e documentos, fotografias que registam a acção performativa e transformadora que o seu corpo opera na paisagem e volta a retomar como matéria do seu trabalho, conferindo-lhe uma autonomia no plano estético, como obra final. Os projectos, como por 8 exemplo O Canavial , Uma Flo9 resta para os teus sonhos ou O 10 Laranjal , contêm informações necessárias sobre a realização das instalações e anotações da experiência e memória do autor, como um índice do programa estético e conceptual do artista. Uma escultura, da série Evocações 11 d’água , escolhida para esta exposição, é denotativa do seu trabalho como escultor. A escultura é uma construção de finas linhas, troncos de madeira de buxo trabalhados por quem conhece bem a morfologia da planta, e evocam o desgaste e o fluir do movimento da água, criando um equilíbrio entre harmonia e dinamismo. A escultura é ancorada em dois planos, a parede – o plano vertical, e

contain all the necessary information on the execution of the installations, as well as annotations on Alberto Carneiro’s experiments and memories, like a contents list of the artist’s aesthetic and conceptual program. A sculpture from the Evocações 11 d’água series, selected for this exhibition, is denotational of his work as a sculptor. It is a construction of delicate lines, boxwood trunks carved by someone who knows well that plant’s morphology, and which evoke the erosive flow of the water’s movement, creating a balance between harmony and dynamism. The sculpture is anchored on two planes, one vertical – the wall – and one horizontal, the floor on which it develops and materialises, stretching across space as if it were a drawing in continuous growth, metaphorically evocative of an ancestral order of nature’s energies and elements.

8 Ver pág. 65

10 Ver pág. 63

11 See page 75

9 Ver pág. 65

11 Ver pág. 75

João Queiroz presents a set of sixty 12 charcoal-on-paper drawings from the O Ecrã no Peito series. Our confrontation with this piece starts 12 This work originally included one hundred and eighty drawings, sixty of which the Foundation bought. Their first presentation took place in 1999, as part of the Verão Arte Contemporânea cycle, at Ateliers Municipais de Arte, Centro de Artes das Caldas da Rainha.


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o chão – o plano horizontal onde se desenvolve e corporaliza, prolongando-se no espaço como se se tratasse de um desenho que brotasse continuamente, numa metáfora evocativa de uma ordem ancestral das energias e elementos da natureza. João Queiroz apresenta uma obra 12 composta por sessenta desenhos , a carvão sobre papel, da série O Ecrã no Peito. De imediato, o confronto com esta obra começa com o título, que coloca o espectador no centro da questão. O ecrã, que permite ter uma visão focada e amplificada sobre o que está fora, é corporalizado em presença da obra. João Queiroz provoca uma inversão dos termos usando a linguagem. O painel reticulado que se põe perante nós não é o ecrã para o mundo, representado e revisitado pela mão virtuosa do autor. Esse ecrã é o corpo do autor presentificado no gesto, como memória da experiência, que se confronta com a multiplicidade de dados contidos no mundo natural. Não se trata de captar um detalhe, 12 Esta obra era originalmente composta por cento e oitenta desenhos, tendo a Fundação adquirido sessenta desenhos. A sua primeira apresentação teve lugar, em 1999, integrada no ciclo Verão Arte Contemporânea, nos Ateliers Municipais de Arte do Centro de Artes das Caldas da Rainha.

at once with the title, which places the viewer at the centre of the question. The screen, which allows a clear, amplified vision of what is outside, becomes embodied in the presence of the work. João Queiroz generates an inversion of terms by means of language. The reticulated panel that stands before us is not a screen turned to the world, represented and revisited by the author’s virtuoso hand. That screen is the author’s body made present through gesture, as memory of experience, which confronts the multiplicity of data in the natural world. It is not a matter of capturing a detail, a view, or a whole that, by means of similitude, difference or appearance, could be grouped together in a kind of panorama. It is, instead, a synthetic, controlled process which includes a system of relations that is autonomous from the history of representation and drifts towards an attempt to control and reconfigure reality’s data. There is an undeniable avoidance of objective reproduction, in favour of the convocation of the elements that make up the


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uma vista, ou um conjunto, que por semelhança, diferença ou aparência, pudessem ser agrupados numa espécie de panorama. Trata-se de um processo sintético e controlado, que compreende um sistema de relações autónomo à história da representação e que deriva na tentativa de controlar e reconfigurar o dado do real. Há uma inquestionável prática de resistência a um processo de reprodução objectivo, em prol da convocação dos elementos que 13 constituem a paisagem . Queiroz interessa-se pela ocorrência, pelo fenómeno, pelo vento, pelo movimento das árvores ou pela água que corre pelos riachos. O que está em causa são dois tipos de relação que o artista explora: a sua relação física e corporal com o mundo e a prática do desenho, à qual imprime uma exigente ultrapassagem do método e da disciplina apreendidos. Numa conversa tida com Doris von Drathen em 2000, por ocasião de uma exposição na galeria Porta 33 no Funchal, João Queiroz diz o seguinte: “Ao desenho falta-lhe pele. É aí que 13 Sobre este assunto, ver o texto de Ricardo Nicolau, “Um japonês a comer caracóis”, editado por ocasião da exposição do autor na galeria Chiado 8 Arte Contemporânea (2007).

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landscape . Queiroz is interested in the event, the phenomenon, the wind, the motion of trees and the water running in the brooks. The artist explores two kinds of relationship: his physical, corporeal relationship with the world and the practice of drawing, through which he performs an exigent overtaking of learned methods and disciplines. While talking to Doris von Drathen in 2000, at the time of an exhibition at Funchal’s Porta 33 gallery, João Queiroz states the following: “A drawing lacks skin. It is where things converge, it is the moment of their encounter. Drawing no longer has anything to do with the sensations felt by the skin. Language separates things into different categories – here a beach, there a plant, a shadow or a rock – whereas a drawn line links them up and makes everything flow. Hence a shadow turns into a mountain which turns into a plant which turns into a stone which 14 turns into a patch of light…” What is shown to us by O Ecrã no Peito, though landscape-related, is the result of experiencing a diver13 On this subject, consult Ricardo Nicolau, “Um japonês a comer caracóis”, a text published on the occasion of João Queiroz’s exhibition at Chiado 8 Arte Contemporânea (2007).

14 Doris von Drathen, Haptic Perception, (Translated by Matthew Partridge), http:// www.porta33.com/expo sicoes/jq/jq_tp.html


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as coisas convergem, é o momento do seu encontro. O desenho já não tem nada a ver com as sensações sentidas pela pele. A linguagem separa as coisas em diferentes categorias – aqui uma praia, ali uma planta, uma sombra ou uma pedra – visto que uma linha desenhada as liga e faz tudo fluir. Por isso uma sombra transforma-se numa montanha que se transforma numa planta que se transforma numa pedra que se transforma num 14 pedaço de luz…” . O que nos é dado a ver na obra O Ecrã no Peito, embora se relacione com a paisagem, é o resultado da experiência perante uma diversidade de estímulos em constante mutação, quase voláteis. É uma proposição ética sobre a verdade, na medida em que a possibilidade da representação se distancia do mero registo e recupera da realidade a impermanência e a mudança. O Projecto Casalinho, que Francisco Tropa apresenta, foi construído no campo, no sítio que tem o mesmo nome – Casalinho. Tendo uma sólida formação em escultura, este 14 Doris von Drathen, Percepção Cutânea, (Tradução de José Agostinho Baptista), http:// www.porta33.com/exp osicoes/jq/jq_tp.html

sity of constantly mutating, nearly volatile stimuli. It is an ethical proposition on truth, since the possibility of representation distances itself from mere recording, to suggest instead reality’s impermanence and change. Francisco Tropa’s Projecto Casalinho was built in the countryside, at Casalinho, the place from which the project’s title was drawn. Having a solid education and practice in Sculpture, this was his first human-scale and more complex built project. His work single-mindedly follows an inner, reflexive temporality, separated from conventional everyday commitments, the conceptual maturity of which is reflected on the careful construction and poetics of his pieces. The project shown here comes in the wake of other pieces by him, which lead the viewer to question the status of occurrences in nature, like Observador de Insectos (1996). It is important to mention that Francisco Tropa’s work contains a participative and performative component. More specifically, he is concerned


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foi o seu primeiro projecto de maior dimensão e complexidade, construído à escala real. O trabalho de Francisco Tropa segue de forma singular uma temporalidade interior e reflexiva, apartada dos convencionais compromissos quotidianos, cuja maturação e concepção se reflecte no rigor da construção e na poética das suas obras. O projecto aqui apresentado vem na esteira de outras obras suas, que convocam a atenção do espectador para questionar o estatuto das ocorrências na natureza, como o Observador de Insectos, de 1996. É importante referir que o trabalho de Francisco Tropa contém uma componente participativa e performativa. Mais especificamente, Tropa preocupa-se com a relação que se estabelece entre corpo, movimento, espaço e tempo, direccionando o seu trabalho de forma a exaltar a nossa percepção para factos ou fenómenos que não desconhecemos mas aos quais, aparentemente, damos menor atenção e valor simbólico. Para que isso aconteça é necessário construir um dispo-

about the relationship between body, movement, space and time, orienting his work in such a way as to intensify our perception of facts or phenomena which are not unknown to us but to which, apparently, we accord less attention and symbolic value. In order to make that happen, it is necessary to build a device that precisely concentrates the action, delimiting and circumscribing the event. Projecto Casalinho is one such device, an observatory. For about a year, Tropa invited several people to visit the project on the site, which 15 included the wooden house . This action leads participants to become aware of the act of staying, of remaining there for time enough to observe all that surrounds and envelops them. This is the key to enter a universe in which things as banal as the drops of water that glitter on the window and are 16 caught by a spider’s-web carry us to the universe of the image and its meaning. Or the changes in natural light and the consequent contrasts in the landscape and inside the house, which dislocate us from 15 See page 93 16 See page 98


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sitivo que permita, com exactidão, concentrar a acção, delimitar e circunscrever o acontecimento. O Projecto Casalinho é um desses dispositivos, um observatório. Durante cerca de um ano, Tropa convidou várias pessoas a visitar o projecto instalado no sítio, incluindo a casa construída em 15 madeira . Esta acção transforma-se numa tomada de consciência, por parte do participante, do facto de estar, de permanecer o tempo necessário para observar o que rodeia e o envolve. Esta é a chave para entrar num universo em que coisas tão banais como as gotas de chuva, que cintilam na janela e ficam retidas numa teia de 16 aranha , nos transportam para o universo da imagem e do seu significado. Ou a mudança da luz natural e os contrastes provocados na paisagem e no interior da casa, que nos deslocam do acontecimento, do fenómeno, para o domínio da representação. Outro elemento deste projecto, o Monte 17 Falso que o artista construiu no local, permite fazer uma observação da paisagem olhando para o 15 Ver pág. 93 16 Ver pág. 98

17 Ver pág. 89. Esta obra foi construída nos Jardins do Parque de Serralves e integra a colecção da Fundação de Serralves, Museu de Arte Contemporânea, Porto.

the event, the phenomenon, to the realm of representation. Another element of this project, the Monte 17 Falso [Fake Hill] built on location by the artist, allows visitors to view the landscape by looking at the top of the small elevation, that is to say: observers get a double perception of the landscape – the one in which they are integrated and the one that can be observed from the point of view granted to them by the artist, but which must be reached by the visitor. Francisco Tropa acts as the operator of a machine of representation, duplicating and transforming the observer’s space/time conditions. Two videos by Rui Toscano bring us another approach to landscape. Contemporary urban landscape. This artist has a multifaceted body of work, using such means as sound, sculpture (often featuring sound), light, drawing, painting, language and video to apparently explore many different directions. In Rui Toscano’s work we find references to music, especially its Rock variation, urban culture, 17 See page 89. This work was built in the gardens of Serralves Park and is part of the collection of the Serralves Foundation, Contemporary Art Museum, Porto.


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cume do pequeno monte, ou seja, o observador tem uma dupla percepção da paisagem: aquela em que está integrado e a paisagem observável do ponto de vista que lhe é dado pelo autor, mas ao qual o espectador tem de aceder. Francisco Tropa actua como um operador de uma máquina da representação, duplicando e transformando as condições espácio-temporais do observador. Dois vídeos, da autoria de Rui Toscano, propõem-nos uma outra forma de aproximação à paisagem. A paisagem urbana contemporânea. O artista tem um corpo de trabalho multifacetado, utilizando meios como o som, a escultura (em muitos trabalhos com uma componente sonora), a luz, o desenho, a pintura, a linguagem e o vídeo, apontando, ainda que de forma aparente, em diferentes direcções. No trabalho de Rui Toscano encontramos referências ao universo da música, principalmente o Rock, à cultura urbana, ao minimalismo e à paisagem. Contribuem também para adensar e ampliar as diversas

Minimalism and landscape. The various issues explored by his work are further intensified and amplified via the use of language and contemporary art history references. The urban landscape is, indeed, a subject that Toscano treats with particular care, generating from it a vast drawing and video production. His pieces Rio 9 Mai 01 (2002) and São Paulo 24 Set 01 18 (2001) are part of a group of three, which also includes Faial (2002), that has landscape painting as a referent. To these video works, Rui Toscano applies a disruptive strategy through his use of the static shot, which, according to the artist, “seems rather nonsensical, given the most common use of video. Video has more to do with that ease in recording movement the handy 19 camera allows” . The two static shots presented here consist of depictions of cities that are strongly based on conventions of photography and painting. They are apparently motionless: only close and careful scrutiny eventually reveals subtle changes, such as a slight shimmer within the confines of the 18 See page 87

19 "Miguel Wandschneider em conversa com Rui Toscano", Rui Toscano, Cristina Guerra Contemporary Art, 2006, ps. 109-110.


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questões que o seu trabalho propõe o uso da linguagem e referências à história da arte contemporânea. A paisagem urbana é, aliás, um tema que Toscano trabalha com uma atenção particular e que se desenvolve numa vasta produção de desenho, e também de vídeo. As obras Rio 9 Mai 01 (2002), e 18 São Paulo 24 Set 01 (2001) fazem parte de um grupo de três – as duas atrás referidas, e Faial (2002) – que têm como referente a pintura de paisagem. Nestas obras Rui Toscano aplica uma estratégia disruptiva, pela forma como utiliza o plano fixo no vídeo, o que, segundo o autor, “não deixa ser um contra-senso tendo em conta o uso mais comum da linguagem vídeo. O vídeo tem mais a ver com a facilidade de registo do movimento que a handy 19 camera permite" . Os dois planos fixos que podemos observar mostram as imagens de cada uma das cidades fortemente ancoradas nas linguagens da fotografia e da pintura. Aparentemente estáticas, só uma observação atenta por parte do espectador denuncia subtis 18 Ver pág. 87

19 "Miguel Wandschneider em conversa com Rui Toscano", Rui Toscano, Cristina Guerra Contemporary Art, 2006, p. 109 e 110.

low-resolution image. What we see is a static image, devoid of sound or duration, like any other motionless image at which we look for a 20 while and then move on . Rui Toscano’s contribution leads viewers to question their own perceptive capabilities. Both videos depict an identifiable subject. The image we see is a landscape, but at first glance it can be either a video of a photograph of that landscape, a photograph of a painting, or a still frame projected onto a wall or displayed on a plasma screen. We are positive about its referent, but the specific use of its medium makes it hard to specify what kind of image it is. The fact that what we see is apparently a landscape is not enough. It is important to find out what other devices these works employ to make us rethink the conditions of our experience. This text on the exhibited works reacts to indicators that suggest varied approaches to different forms of artistic reflection and production. They invite us to a ramble that does not limit itself to looking at 20 In the words of Rui Toscano: “The loop does not perpetuate an instant, as the photograph does, but a segment of time. The fact that these videos do not demand from the viewer any specific reception time brings them even closer to painting or photography.” Cfr. op. cit., p. 110.


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alterações, como um leve fervilhar no interior da imagem, produzida em baixa resolução. O que vemos é uma imagem estática, não tem som nem duração temporal, como uma imagem parada que se vê e se 20 passa à seguinte . A obra de Rui Toscano coloca o espectador numa posição de interrogação e questiona a sua capacidade perceptiva. Os dois vídeos representam um tema que identificamos. A imagem que vemos é uma paisagem, mas, numa observação mais rápida, pode tratar-se de um vídeo de uma fotografia dessa paisagem, de uma imagem de uma pintura, ou de um still projectado ou exibido num ecrã de plasma. O referente é a única base fixa de que dispomos, mas a utilização da linguagem específica do medium coloca obstáculos à determinação de que tipo de imagem se trata. Não basta que seja, ainda que aparentemente, uma paisagem aquilo que vemos. Importa descobrir que outros mecanismos são convocados nestas obras e nos obrigam a repensar as condições da nossa experiência. 20 Rui Toscano afirma: “O loop perpetua, não um instante, como faz a fotografia, mas um segmento temporal. O facto desses vídeos não exigirem ao espectador nenhum tempo específico de recepção ainda os aproxima mais da pintura ou da fotografia”. Cfr. ob. cit., p. 110.

the pieces shown here, but presupposes a passage through the various itineraries presented by each author. A passage is a part of a larger whole: it expands and dilates in each chosen itinerary; it is a succession of moments that finds no limitation. In a way, it is a prop for our memory, which gives us comfort, being a section from the past we are familiar with, but it may also be an open possibility. To pass is a condition of freedom that allows us to long for the next step, for what is outside, on the other side. Be it in terms of otherness, which may surprise us, or of clues and hints to be found.


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O texto sobre as obras da exposição corresponde a indicadores que sugerem uma aproximação a diferentes formas de reflexão e produção artística. São um convite a uma caminhada que não se esgota no olhar sobre as obras expostas, mas pressupõe uma passagem pelos diversos percursos que cada autor enuncia. Uma passagem é um elemento de um eixo maior, expande-se e dilata-se no itinerário percorrido, é uma sucessão de momentos que não encontra um limite. De certa forma, é um suporte para a nossa memória, que nos conforta, na medida em que conhecemos esse trecho do passado, mas pode ser simultaneamente uma possibilidade em aberto. Passar é uma condição de liberdade que nos permite ter o desejo do passo seguinte, do que está fora, do outro lado. Seja na alteridade, que nos pode surpreender, ou nas pistas e indícios a descobrir.


«O moderno Prometeu e o moderno Ícaro, Franklin e os irmãos Wright, inventores do dirigível, são os fervorosos destruidores do sentimento de distância que mergulharam o planeta no caos. O telegrama e o telefone destroem o cosmos. Mitopoiética e pensamento simbólico, na sua luta para espiritualizar a relação do homem com o seu ambiente, criaram o espaço como uma zona de contemplação e pensamento; este espaço pode ser destruído com a instantaneidade da conexão eléctrica, a menos que uma humanidade disciplinada restaure as inibições da consciência» Aby Warburg, O Ritual da Serpente, 1923


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DELFIM SARDO

Paisagem versus passagem Em todas as suas inúmeras versões, a paisagem é um campo de trabalho e de pesquisa amplo e, de certa forma, generoso, para muitos artistas. Derradeiramente afastada das práticas artísticas entre os dois processos de vanguarda que atravessaram o século XX (até porque um cenário da Europa arrasada por duas guerras o terá decidido), a atenção à paisagem surge por diversos processos na criação artística e no discurso científico a partir da década de cinquenta, nomeadamente com o surgimento da revista Landscape, dirigida por Samuel Brinckeroff-Jackson, um dos primeiros exemplos de interesse pelos estudos de paisagem de um ponto de vista que cruzava a sociologia, a antropologia e o ordenamento urbano. Aparentemente situada fora do contexto das estéticas que tomam a paisagem como seu campo de trabalho, o relevo do interesse pelos estudos de paisagem cultural está, de facto, intimamente ligado aos desenvolvimentos artísticos na década de sessenta, na medida em que o contexto de saída do ateliê para o espaço urbano (como é o caso de Daniel Buren) ou de saída do contexto do museu e da galeria para o uso do espaço exterior


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não-urbano (o baldio, ou a periferia, ou os grandes espaços) parte de uma teoria sobre a impossibilidade da reificação do objecto artístico, o estatuto e o lugar da prática artística e o encontro de uma relação político-estética claramente ancorada no tempo. Assim, a paisagem não configura um tema para a arte, nem tão pouco um género, mas um dispositivo. O regresso do interesse pela paisagem no dealbar das segundas vanguardas do século XX representa um complexo nó de questões que se atravessam no contexto das práticas artísticas. Em primeiro lugar, parte de um pressuposto fenomenológico: a arte que surge na Europa e nos Estados Unidos na década de sessenta propõe-se resgatar uma ideia de experiência não mediada do processo criativo, partindo de uma utopia de ligação entre arte e vida. Se bem que este pressuposto seja, a vários títulos, inviável e mesmo uma contradição nos termos (porque a excepcionalidade do processo criativo artístico, a condição de excepção que é investida na criação artística como campo de regras a definir, necessita de um estatuto não submetido ao primado do trabalho em sentido produtivo), a ficção de que a experiência artística se deve subsumir no quotidiano, na vida, é marcada por um primado da experiência directa da situação – e, portanto, do lugar. O lugar transforma-se, então, no assunto fundamental das práticas artísticas e criativas, seja ele o ateliê e a sua crítica como “moldura da criação artística”, como diz Daniel Buren num texto marcante de 1972, seja o lugar como matéria da própria prática artística (a sua especificidade, a inexorável marca de situação que comporta), seja o lugar como possibilidade poética. Esta última tónica na poética do lugar possui uma clara abertura à noção de paisagem como organização do espaço visual, como ordenamento do visível, sabendo que, nesta consciência da inexistência da paisagem natural está


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contida uma melancolia rousseauniana (ou então, uma metáfora política poderosa). Claro que o reconhecimento de que a paisagem é sempre um campo de investimento politico está inscrito na própria história de arte, como assinala o historiador de arte alemão Martin Warnke, que identifica na história da pintura de paisagem flamenga uma teoria da representação da divisão de propriedade, mais do que uma sucessão de protocolos estéticos. De qualquer forma, a questão que se coloca aos retornos da paisagem na segunda metade do século XX é que se inscrevem muito mais na possibilidade de intervir directamente na paisagem apreendendo os seus mecanismos de organização ou acelerando os processos da sua entropia, constituindo frequentemente os registos em imagem a possibilidade de documentação de intervenções localizadas no tempo, ou produzidas em espaços remotos. É evidente, no entanto, que a intervenção na paisagem que comporta uma acção directa e um segundo momento documental vem, a prazo, a desenvolver uma estética da documentalidade, ou mesmo a retomar questões de representação da paisagem, frequentemente com recurso a referentes históricos da representação da paisagem, desde o romantismo alemão ao paisagismo fotográfico do dealbar do século XX. Nesse sentido, podemos reconhecer um contínuo de questões que migra da imanência da paisagem para a intervenção no próprio espaço, desta para a sua documentação, e finalmente de volta à representação da paisagem – sabendo que esta última não se propõe nos mesmos termos que as suas referências históricas, mas como uma problematização da hierarquia visual, política e perceptiva do campo visível. Particularmente interessante para um entendimento deste processo é a análise de um texto publicado por Robert Morris nas páginas da


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Artforum entre 1966 e 1969, em quatro capítulos, intitulado “Notes on Sculpture”. Não sendo o lugar para uma análise detalhada dos textos (que, ao longo do tempo, foram reproblematizando as questões da escultura no contexto do minimal e do pós-minimal), é particularmente relevante a proposta, no terceiro desses curtos ensaios, de uma nova modalidade para a prática da escultura, que obedeceria a uma nova tipologia, própria do exercício de uma atenção descentrada e narrativa pelo espectador, a que o artista chama “uma espécie de modo paisagístico”. Tipificada a partir de uma valorização da visão periférica, o texto de Morris propõe, na sequência de Anton Ehrenzweig (cuja obra The Hidden Order of Art tinha sido publicada em 1967 nos Estados Unidos), introduzir a questão de uma possibilidade artística situada fora do racionalismo, que o artista identifica com uma tipologia objectual. Assim, a proposta de Morris é a identificação de uma nova tipologia da escultura que remete para o informe de um campo alargado de intervenção, demitindo a hipotética ideologia da escala monumental, subvertida a partir da desorganização regressiva do campo do visível. A paisagem tinha, definitivamente, destronado a questão da objectualidade, ou da especificidade do objecto, como tema central da escultura e o espaço real passou a ser o campo de exercício de uma arte mais fluida, sobretudo a-estrutural. Assim, é em torno deste núcleo de questões que se pode configurar o centro da exposição Passagem, porque estas temáticas estão presentes de formas variadas nas obras dos artistas apresentados, naquelas que, de formas diversas, reconfiguram a questão da paisagem introduzindo problemáticas diversas, desde a performatividade das acções e intervenções de Alberto Carneiro, passando pela questão da repre-


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sentação no desenho de João Queiroz, pela subtileza do vídeo de Rui Toscano e pela dimensão projectual de Francisco Tropa. Em cada um destes artistas está presente a formulação de equações que, no seu conjunto, apontam para um mapeamento da ideia de relação com o campo visível da paisagem, sob instâncias muito diversas de intervenção, mas que, no conjunto, possibilitam uma teia de relações a todos os títulos excepcional. Alberto Carneiro tem desenvolvido o seu percurso, desde 1968, na óptica de construção de uma imagética relacional com uma determinada ideia de natureza, entendendo esta como um constructo simbólico, afectivo e cultural que permite um conjunto de representações. Entenda-se que, neste contexto, representação deve ser entendida no seu sentido kantiano, como uma forma de (em nós) ecoar uma determinada imagem. Neste sentido, a ideia de representar a natureza, em Carneiro, não tem a ver com a sua figuração, mas com a possibilidade de se jogar um núcleo simbólico de entidades culturais e afectivas que, por entre conceitos, preceitos e afectos, pode permitir a construção de uma mundividência. No seu caso, essa mundividência está sempre em diálogo com outras possibilidades culturais de representação dessa representação social que é o natural, buscando frequentemente na imagética da árvore, ou da floresta, uma simbólica que é colocada sob a alçada de diversas construções simbólicas, quer no contexto do budismo, do xintoísmo, ou de qualquer outra mitopoiética que envolva uma gramática da origem e uma ética não normativa. Nas obras incluídas na exposição, a questão da relação com a natureza do ponto de vista de uma prática que, performativamente, localize a relação no campo do projecto é o traço fundamental que nos inte-


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ressa, de momento, destacar. Vejamos: Alberto Carneiro é um artista que pertence a uma geração para a qual a recuperação da ideia de arte enquanto projecto se sobrepõe, sobretudo durante a década de setenta, a uma qualquer ideia reificadora do objecto artístico. Os desenhos aqui incluídos são mapas de procedimentos, guiões de acções que afirmam uma relação tripla com o desenho enquanto dispositivo específico. Por um lado, o desenho surge como representação espacial da situação que o artista se propõe gerar, por vezes de forma particularmente detalhada, como é o caso de O Laranjal (projecto), de 1969, no qual a tipologia de representação se estende ao mapeamento diagramático, quase analítico do envolvimento da acção a realizar. Assim, numa primeira instância, o desenho é uma construção gráfica que recorta a mecânica de um procedimento, não só na sua operacionalidade física, mas no âmbito de envolvimento global do espectador que se propõe transformar em agente de uma experiência (sensorial e cognitiva) global. Em segunda instância o desenho é, também, resolução gráfica de uma inscrição num suporte, na medida em que representações de espaços, texto, esquemas e diagramas se conjugam numa organização visual que estabelece uma determinada heurística, mas também uma estética. Essa estética é, programaticamente, a-contemplativa, relevando de um pensamento analítico sobre uma acção que se reverterá numa versão da Gesamtkunstwerk que ocupa a maior parte dos desenvolvimentos do modernismo desde o século XIX. Ora o desenho, que mapeia essa prática, que a estabiliza enquanto projecto, é tratado como um registo narrativo, no sentido em que se propõe como um desenho (literalmente) legível, colocando a sua poética representacional sob a alçada da descrição e da documentação.


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Numa terceira instância, o desenho repercute-se num segundo desenho, este espacial e participativo, claramente corporalizado, que resultará na acção propriamente dita, no processo de colocação dos elementos que compõem a instalação, na sua migração espacial, na deslocação do espectador – e, nesse sentido, o desenho transforma-se num processo “por vir”. As obras que incluem fotografia, da década seguinte, situam-se no seguimento documental de um percurso, de uma experiência ou de uma intervenção na paisagem, sabendo que estas acções são sempre fugazes e necessitam de serem transcritas para um suporte documental. Essa é, em primeiro lugar, a razão da utilização da fotografia, não uma qualquer faktura específica (que seria fundamental na obra posterior de Alberto Carneiro, como veremos, bem como nas instalações), mas uma necessidade de produzir documentação, convertida numa determinada ideia de arte, sinalizada através da inclusão da palavra “ART” de uma forma muito semelhante à usada por Fernando Calhau durante o mesmo período. Curiosamente, a exposição inclui uma obra mais recente de Alberto Carneiro, (Evocação d’água 14, de 1991/92), uma escultura subtilíssima, quase evanescente, que coloca de forma intensa a questão da Faktura e da Construksya no contexto do seu trabalho. Estes dois termos, fundamentais para a compreensão do construtivismo russo, referem-se, respectivamente, à qualidade específica do material e à especialização, ao skill inerente à produção de uma determinada obra. De facto, nesta peça de Carneiro está claramente demonstrado o carácter insubstituível do seu uso da madeira, trabalhada com um profundo conhecimento no sentido da liquefacção da sua presença, destruindo poeticamente a sua fisicalidade em favor de uma impermanência do objecto, da sua frágil presença.


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Neste contexto – e olhando em retrospectiva para a continuidade dos projectos e da escultura apresentados – existe uma ideia de transitoriedade da experiência, de fragilidade e de interstício a que voltaremos mais tarde, na medida em que é localizável, de outras formas, no conjunto de obras em exposição. Oriunda de uma tradição diversa, de origem duchampiana, a obra de Francisco Tropa tem vindo a construir um dos mais singulares percursos da arte portuguesa contemporânea. Por um lado, o seu trabalho recolhe de Duchamp a noção de que os objectos artísticos são dispositivos, mais do que puros objectos. Na forma como tem lidado com o progresso das suas “linhagens” de desenvolvimento definem-se teias de relações que, por não serem explicitadas, possibilitam um campo múltiplo de interpretação, na qual a ambiguidade, o que é meramente apontado ou sinalizado, ou mesmo o que é infimamente indiciado possui uma enorme energia de presença, como se o seu poder interventivo derivasse da ambivalência que possuem – como dispositivo ao serviço de uma determinada mecânica alegórica, como objectos de contemplação, como sinais de uma pluralidade de caminhos de desenvolvimento hermenêutico ou como processos de derrisão. O projecto que é apresentado nesta exposição, construído no Casalinho (uma pequena localidade perto de Santarém onde o artista, na altura, residia), consiste num sistema de observação da natureza, composto por um observatório que é simultaneamente um abrigo, um mecanismo dioramático de observação, desenhos de construção de projecto, a apresentação de modelos dos elementos em causa e fotografias hipoteticamente documentais do processo.


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O modelo, composto por uma caixa que inclui maquetas do abrigo/observatório e do mecanismo paisagístico/dioramático de observação, é herdeiro da tradição da Boîte de Marcel Duchamp. À semelhança desta, é composto por modelos das obras representadas, numa proposta de documentação do próprio objecto, convertido em passado insofismavelmente indescritível (porque tributável a uma experiência do lugar irrepetível). O caminho de vinculação de Tropa a este eixo de procedimento, que recorre a reproduções à escala de modelos que, em si mesmos, só podem ser experimentados, fazendo parte integrante da sua razão de existir a impossibilidade de transmissibilidade da experiência, insere-se numa linhagem artística que, originada em Marcel Duchamp, encontra a sua continuidade em Marcel Broodthaers e, recentemente, em Mark Manders. O projecto Casalinho foi um longo percurso dilatado no tempo sobre a observação. Neste caso específico, sobre a observação de um lugar, idealmente identificável com a natureza, ou com o natural. A epistemologia específica do natural não é importante no contexto deste trabalho, no entanto a condição da observação e do observador constituem aqui fundamentos essenciais à natureza do projecto. O abrigo, uma pequena casa que constituía o núcleo fundamental do projecto, era uma pequena construção em madeira, provavelmente também influenciada, num certo sentido, pelo cabanon de Corbusier, que possibilitou, durante um ano, a observação das alterações da paisagem, não a partir da sua gestalt, mas pela atenção dirigida ao detalhe, ao pormenor. Claro que essa determinação de fazer dirigir o olhar do espectador para o detalhe (um ponto de vista sobre a chuva, ou sobre os insectos), não se prende a uma necessidade de mapeamento do lugar, mas a uma tentativa de definir um observatório de mudanças. Assim, o


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centro do projecto de Tropa foi o de fazer dirigir o olhar – ou, mais genericamente, a percepção –, para as condições de instabilidade de uma determinada ciclicidade de transformações, permitindo, em cada momento, uma cinemática da transformação. O segundo momento, um ponto de vista sobre a paisagem produzido através de um jogo de espelhos que faz com que o observador possa ver uma determinada versão da paisagem atrás de si, constitui uma réplica reflex de um espelho de Claude. Este mecanismo, popularizado pelo pintor Claude Lorrain, consistia num espelho convexo cujo material reflector não era negro ou prateado, mas castanho, produzindo uma imagem sépia da paisagem. Goethe queixava-se de que, no final do século XVIII, já ninguém olhava de frente para a paisagem, mas de costas, porque era mais sedutor olhar para a paisagem definida a sépia por um mecanismo óptico, do que através de uma visão directa. A influência do mecanismo de Claude exerce-se aqui pela inversão em relação à observação directa, colocando o espectador de costas, olhando para baixo, para puerilmente reencontrar o que poderia ver se olhasse directamente para o que estará nas suas costas. Essa modificação do corpo, no entanto, é o que permite tornar o espectador um performer da sua condição vidente e emoldurar o campo visível, transformando-o em paisagem como representação e transposta para uma escala de modelo. Nesse sentido, a inteligência do projecto radica em duas condições interessantes: por um lado, a sua morfologia, o facto de ser um monte, conduz o espectador a encontrar-se numa situação privilegiada, a de estar num plinto (que, aliás, reconduz à situação funcional da escultura, dúplice porque é um lugar para ver e ser visto), mas simultaneamente produz um ponto de vista sobre o campo visual; ora, esta situação


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– que o observador descobre imediatamente – é reconduzida para a imagem reflectida, através de um sistema de periscópio no chão. No entanto, a condição desta imagem no chão reencaminha, por ser uma representação, para a condição fotográfica, porque é um instantâneo da paisagem, ou seja, é o campo visual convertido em foto-paisagem, débil e não fixada por ser uma imagem reflectida. Frequentemente o espectador continua o movimento de rotação e olha, curvando-se, para a paisagem por baixo das suas próprias pernas, invertendo a imagem e refazendo o mecanismo óptico do periscópio através de um movimento corporal – o que é claramente observável na instalação permanente da obra no Parque da Fundação de Serralves. Assim, o percurso do observatório de mudanças intersticiais que é o abrigo do Casalinho e o pequeno monte configuram um percurso que leva da imagem fixa e débil à imagem em movimento das alterações do mundo, reiterando um pensiero debole sobre os mecanismos de constituição da paisagem como ponto de vista e ética relacional. Porventura algumas destas questões são tratadas também pelo conjunto de desenhos de João Queiroz, que compõe o segmento do projecto “O Ecrã no Peito”, aqui apresentado. O desenho de João Queiroz tem vindo a sistematizar o seu pensamento sobre a prática artística, constituindo um enorme trajecto de relações entre o campo do visível e a tipologia de representação que o desenho permite. Vejamos: os seus desenhos relevam de uma enorme proficiência, de uma profunda competência na representação, absolutamente construída sobre uma enorme cultura visual, sobre uma profunda visão da história do desenho e, concomitantemente, da pintura. Os desenhos


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que compõem este sistema derivam de uma ideia genericamente kantiana de que os processos de representação são, intimamente, processos de auto-representação. Longe de assentarem sobre a ideia ingénua de que o desenho é uma forma representacional que deriva de uma relação não-mediada entre o cérebro, a mão e o campo do visível, os desenhos de João Queiroz são, precisamente, tributários da ideia contrária, de que o desenho é um complexo processo cognitivo – e, naturalmente, estético –, que se propõe encontrar relações no campo visível que escapam à determinação linguística. Isto é, nos desenhos de João Queiroz é claramente questionada a relação cognitiva ingénua entre um nome e uma coisa, no pressuposto de que a nossa percepção se exerce a partir da tentativa de estabelecermos hierarquias e distinções entre campos diversos da nossa percepção visual, na qual uma coisa é sempre uma relação, um estado transitório e um processo. Assim, os desenhos de João Queiroz possuem uma qualidade específica, a de, sendo efectuados muitas vezes d’après nature, serem, efectivamente, d’après culture, isto é, terem a sua condição de observação subtilmente inscrita numa definição metodológica que deriva do conhecimento de metodologias históricas de representação gráfica, permanentemente tornadas conscientes – e, portanto (como o artista recentemente afirmava), estranhas. Claro que a ambição absoluta destes desenhos é a condição da sua limitação, consciente e testada pelo artista: trata-se de produzir uma representação de uma experiência fenomenológica da observação, refazendo, através do desenho, os elos puros cognitivos (com toda a desconfiança que a ideia de “pureza” pode suscitar), ou seja, dando conta de que a hierarquia da nossa percepção é geradora de uma hierarquia de conexões e duplicidades que a linguagem, na


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sua mediação onomástica, não pode abarcar. De facto, nós não percepcionamos árvores, folhas ou rios, mas árvores/folhas, rios/margens/arbustos e por aí fora. Portanto a paisagem é, necessariamente, uma construção político-cultural, antropológica e linguística, sendo o desenho uma possível escrita, consciente da sua heurística e assente numa proposta estética, consciente dos seus processos de transformação em imagem. Rui Toscano é um artista que tem vindo a desenvolver os seus processos de representação da paisagem a partir de uma relação com a imagem, em certo sentido nos antípodas do trabalho de João Queiroz ou de Francisco Tropa. A sua preocupação tem vindo a exercer-se sobre o recorte, a definição da linha, quer nos desenhos e vídeos, quer na forma como as suas esculturas, que lidam com objectos, imagens videográficas e som, definem (e, aqui, o termo é exacto) uma determinada relação. Nas obras que são apresentadas nesta exposição, duas imagens videográficas do Rio de Janeiro e de S. Paulo, captadas de helicóptero, existe, no entanto, uma problemática diversa que lida com o tempo. Curiosamente, são as obras que, neste contexto, lidam de forma mais explícita com a tradição da representação da paisagem, na medida em que nascem de um fascínio, de uma aguda sensibilidade em relação ao campo do visível, atentas, nestes casos, ao tempo de raccord de uma imagem. Ambas as imagens videográficas são captadas durante um lapso muito curto de tempo, editadas posteriormente para parecerem imagens intermináveis de paisagem, como se a deslocação do observador estivesse congelada no tempo, parada no espaço. De facto, ela é o resultado de um observador que se desloca a uma velocidade considerável, mantido


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em regime de estabilidade pela manipulação filmográfica, pelo processo de edição. Assim, também em Toscano é visível o carácter de representação de um momento convertido em permanência. No fundo, a questão paisagística que a exposição Passagem convoca é remissível para uma outra, a da impermanência do instante, ou, dito de outro modo, da qualidade liminal da categoria “paisagem”. Liminal é um termo cunhado pelo antropólogo Victor Turner para referir um estado “entre”, algo que não é capturável senão nesse momento eventualmente fugaz ou politicamente negociável da sua condição no contexto dos rituais de passagem. É sobre esse momento que se exerce a escolha de obras e artistas que configuram um pensamento sobre o que se encontra num processo de transformação. Sobre o que, capturado no processo da sua mudança, só pode ser chamado pelo nome que já não corresponde ao que é, mas ao que pode ser. Assim esta exposição sobre a paisagem se converte numa exposição sobre a condição transitória do estado “entre”, sobre o que na identidade de uma hierarquia é o estado de transfiguração, de metamorfose da sua condição. Sobre a passagem.


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DELFIM SARDO

Landscape vs. passage “The modern Prometheus and the modern Icarus, Franklin and the Wright brothers, the inventors of the dirigible, are the zealous destroyers of the sense of distance who have plunged the planet into chaos. The telegram and the telephone are destroying the cosmos. Mythopoietics and symbolic thought, in their struggle to spiritualise the relationship between man and his environment, have made space a zone for contemplation and thought; this space may be destroyed via the instantaneity of the electric connection, unless a disciplined humanity restores the inhibitions of consciousness� Aby Warburg, The Serpent Ritual, 1923

In all its countless versions, the landscape provides a vast and, in a certain way, generous field of work and research for many artists. Quite absent from artistic practice between the two avant-garde movements that traversed the 20th century (quite probably due to the fact that Europe had been torn by two world wars during that same period), the attention to landscape returned in various forms to artistic creation and scientific discourse in the 1950s, namely through the appearance of Landscape, a magazine directed by Samuel Brinckeroff-Jackson that marked one of the first approaches to


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landscape studies from a point of view that combined sociology, anthropology and urban planning. Apparently situated outside the context of those aesthetic forms that use landscape as a field of work, the importance of the interest in cultural landscape studies is in fact closely connected to the artistic developments during the 1960s, as the context of replacing the studio with the urban scenery (as with Daniel Buren) or of abandoning the museum and gallery context in favour of the use of non-urban outside spaces (waste areas, the outskirts or the great outdoors) takes its starting-point from a theory that says it is impossible to definitively materialise the artistic object, define the status and place of artistic practice or discover a politico-aesthetic relationship that is clearly anchored in time. Landscape thus comes across as an artistic device, rather than a subject or a genre. The renewal of interest in landscape at the dawning of the 20th century’s second avant-garde impetus represents a complex knot of issues that traverse the context of artistic practices. Firstly, it is based on a phenomenological assumption: the art that emerges in Europe and the United States during the 1960s is aimed at recovering a notion of unmediated experiencing of the creative process, which starts from a utopian connection between art and life. Even though this assumption is, on various levels, unfeasible and even a contradiction in terms (because the exceptionality of the artistic creative process, the condition of exception that is imposed on artistic creation as a series of yet undefined rules, needs a status that is not subjected to the primacy of work in the productive sense), the fictive notion according to which artistic experience must subsume itself into everyday life is pre-eminently marked by directly experiencing the situation – and thus the place. Place becomes, then, the main subject of artistic and creative practices, be it the studio and its critique as the “frame of artistic creation”, as Daniel


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Buren writes in an important 1972 text, be it the place as the material of artistic practice itself (its specificity, the inexorable mark of situation it bears), or the place as poetical possibility. This last accent on the poetics of the place is clearly open to the notion of landscape as organisation of the visual space, as arrangement of the realm of the visible, knowing that this awareness of the inexistence of a natural landscape contains a Rousseauan melancholy (or a powerful political metaphor). Of course, the knowledge that landscape is always a field of political speculation is part of art history itself, as pointed out by German art historian Martin Warnke, who interprets the history of Flemish landscape painting as a means of representing the division of property, rather than a succession of aesthetic protocols. Anyway, the main issue concerning the returns to landscape in the second half of the 1900s is that they have much more to do with the possibility of directly intervening on the landscape by studying the mechanics of its organisation or accelerating its entropy, often using visual recordings as ways of documenting interventions that develop over time, or were carried out in remote locations. It is however evident that any intervention in the landscape that includes a direct action followed by its documenting will eventually generate an aesthetics of documentality, or even return to landscape representation-related subjects, frequently resorting to historical landscape representation references that range from German Romanticism to early 20thcentury landscape photography. In that sense, it is possible to identify a continuum of concerns that migrates from the immanence of landscape to intervention in space itself, from that to its documenting, and finally back to landscape representation – keeping in mind that the latter does not present itself in the same terms as its historical references, but rather as a questioning of the visual, political and perceptive hierarchy of the visible field.


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Especially important for an understanding of this progress is the careful reading of “Notes on Sculpture”, a four-part text by Robert Morris, who published it in Artforum between 1966 and 1969. Though this is not the place for a detailed analysis of these essays (which, over time, would reformulate the questions facing sculpture in the context of Minimalism and Post-Minimalism), the third of them presents a particularly relevant suggestion of a new modality for the practice of sculpture, which would follow a new typology, typical of the exercise, on the part of the spectator, of an unfocused, narrative attention, which the artist calls “a kind of landscape mode”. Based on a valorisation of peripheral vision, Morris’ text intends to, in the wake of Anton Ehrenzweig (whose book The Hidden Order of Art had been published in the USA in 1967), bring in the subject of an artistic possibility that lies outside the scope of rationalism, which, according to the artist, is synonymous with an objectual typology. Morris thus intends to describe a new typology of sculpture that evokes the formlessness of a broad field of intervention and dismisses a hypothetical ideology of monumental scale, which is subverted by means of the realm of the visible’s regressive disorganisation. Landscape had, once and for all, rejected objectuality, or the object’s specificity, as the central subject of sculpture, and real space became the field for the practice of a more fluid, basically a-structural art. The Passage exhibition can be organised around this core of subjects, given that all of them are variously featured in the works shown here, which, in various ways, reconfigure the issue of landscape by bringing into it a variety of approaches, from the performative quality of Alberto Carneiro’s actions and interventions to the treatment of representation in João Queiroz’s drawings, the subtlety of Rui Toscano’s video works and the project-based methodology of Francisco Tropa. Each of


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these artists formulates equations that, taken as a whole, indicate a mapping-out of the idea of relationship with the visible field of landscape, via very different forms of involvement that nonetheless will eventually be seen to form a quite outstanding relational network. Alberto Carneiro has, since 1968, been developing an artistic relationship with a certain notion of nature, seen as a symbolic, affective and cultural construct that inspires a variety of representations. It must be understood that, within this particular context, “representation� must be read in its Kantian sense, as the way a particular image resounds in us. In this sense, Carneiro’s notion of representing nature is not connected to its figuration, but to the possibility of playing with a symbolic group of cultural and affective entities that, via concepts, precepts and affections, may lead to the construction of a Weltanschauung. In his case, this Weltanschauung is in constant dialogue with other cultural possibilities of representing that social representation that is the natural sphere, frequently finding in the imagery of the tree, or the forest, a symbolic language that is placed under the jurisdiction of various symbolic constructs, taken from such contexts as Buddhism, Shinto or any other mythopoietics that involves an explanation of origins and a non-normative ethics. In the works featured here, the issue of a relationship with nature from the point of view of a practice that performatively locates that relationship in the field of the project is what concerns us at the moment. Let us consider: Alberto Carneiro is an artist who belongs to a generation for whom the recovery of the notion of art as project was more important, especially during the 1970s, than any notion concerning the materialisation of the artistic object. The drawings in this exhibition are guidelines, scripts for actions that display a threefold relationship with drawing as a specific device. First, drawing appears as a spatial


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representation of the situation the artist wishes to generate, sometimes carried out in great detail, as is the case of 1969’s O Laranjal (projecto), whose representational typology includes a diagrammatic, near-analytic mapping of the surroundings of the future action. Thus the drawing displays a graphic construction that describes the mechanics of a procedure, not only in terms of its physical operativity, but of the overall involvement of the spectator, whom it intends to turn into the agent of a sensorial and cognitive global experience. Secondly, the drawing is also the graphic execution of an inscription on a support, as far as representations of space, text, plans and diagrams combine in a visual organisation that defines a certain heuristics, as well as an aesthetics. This aesthetics is programmatically a-contemplative, since it derives from the kind of analytical assessment of an action focused on bringing about a version of the Gesamtkunstwerk, that concern of most Modernist developments since the 19th century. Now, drawing, which maps out that practice, which stabilises it as a project, is treated here as a narrative recording, in the sense that it presents itself as (literally) legible, placing its representational poetics under the aegis of description and documentation. Thirdly, this drawing leads to a second drawing, a drawing that is spatial, participative, and clearly embodied, which will lead to the action proper, since it details the placement of the installation’s elements, their spatial migration and the spectator’s itinerary – as such, the drawing becomes a “forthcoming” process. Carneiro’s works featuring photography, from the following decade, are part of the documental monitoring of an itinerary, an experiment or an intervention in the landscape, guided by an awareness that such actions are always fleeting and need to be transposed into a documental form. This, and not the demands of some specific Faktura (which will nonetheless eventually prove essential to Alberto Carneiro’s


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later work, as we will see, and also to his installations) is the first reason for employing photography: a need to produce documentation, which is then converted into a certain idea of art, indicated via the inclusion of the word “ART”, quite as Fernando Calhau (another Portuguese artist, already deceased) also did around the same time. Curiously, this exhibition also features a more recent piece by Alberto Carneiro (Evocação d’água 14, 1991/92), an extremely subtle, almost evanescent sculpture that powerfully conveys the importance of Faktura and Construksya within his work. These two terms, essential to the understanding of Russian Constructivism, respectively describe the specific quality of the material employed and the skill needed to create a particular piece. Indeed, this piece clearly displays the unique character of Carneiro’s use of wood, which he consummately sculpts in such a way as to liquefy its very presence, poetically destroying its physicality to reveal the object’s impermanence, its fragile presence. Within this context – and retrospectively considering how the projects and the sculpture presented here prolong themselves into each other –, we find a fragile, interstitial sense of experiential transitoriness to which we will return later, since it can be found, in other forms, in the other works shown here. Hailing from a distinct, Duchampian tradition, Francisco Tropa’s body of work represents one of the most individual paths in contemporary Portuguese art. On the one hand, his work draws from Duchamp the notion that art objects are devices, rather than pure objects. The artist’s managing of the evolution of his pieces’ “lineages” of development has generated various relational networks that, because they are not made explicit, allow for a varied field of interpretations, in which ambiguity, what is merely pointed out or indicated, and even what is barely hinted at, all possess a huge energy of presence, as if their power of intervention came from their ambivalence – as


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devices serving a certain allegorical mechanics, as objects of contemplation, as signs of a plurality of paths of hermeneutical development or as processes of derision. The project presented here, built at Casalinho (a small locality near Santarém, where the artist was then living), is a system for observing nature, comprising an observatory that is also a shelter, a dioramatic observation mechanism, construction plans for the project, models of the elements in question and photographs hypothetically documenting the process. The model, a box that includes small-scale models of the observatory/shelter and of the landscaping/dioramatic observation device, is in the tradition of Marcel Duchamp’s Boîte. Like that piece, it is made up of models of presented works, as an experience of documenting the object itself, which is turned into an unquestionably indescribable past, because it refers to an unrepeatable experience of place. Tropa’s allegiance to this procedure, which resorts to reproductions of originals that can only be experienced as themselves, existing precisely because of the impossibility of transmitting experience, belongs to an artistic lineage that, dating back to Marcel Duchamp, is continued by Marcel Broodthaers and, more recently, by Mark Manders. The Casalinho project represents a protracted experiment on observation, more precisely on the observation of a place that is ideally identifiable with nature, or with the natural realm. Though the epistemology specifically concerned with the natural sphere is not important in the context of this work, the conditions of observation and of the observer are essential to the nature of this project. The shelter, a small house that constituted the project’s basic core, was a tiny wooden building, probably also influenced, in a certain sense, by Corbusier’s cabanon, which allowed the observation, over a year, of the changes in the landscape, not in terms of its gestalt, but of paying attention to its details. Of course, that decision to focus the viewer’s eye on details (a limited view of the rain, or of a few insects) has nothing to do with a need to map


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out the surroundings, being instead an attempt at defining an observatory of changes. Thus, Tropa’s project was mainly concerned with directing one’s gaze – or, more generically, one’s perception – to the instable conditions of a certain cyclicality of transformations, constantly generating a kinematics of change. The second moment, a view of the landscape produced by means of a mirror effect that allows the viewer to see a certain version of the landscape behind him, is based on the concept of the Claude mirror. This device, popularised by painter Claude Lorrain, consisted in a convex mirror whose reflecting material was neither black nor silver, but brown, which resulted in a sepia-toned image of the landscape. Goethe would complain that, in the late 18th century, people no longer looked at the landscape in front of them, preferring instead to turn their back on it, because it was more pleasant to look at the sepia-toned landscape offered by an optical device than looking directly at one. The influence of the Claude mirror is seen here in the inversion of the position associated with directed observation, since viewers are made to turn their backs and look down, to childishly find what they could see if they looked straight at what is behind their backs. However, this modification of the body is what makes it possible to turn spectators into performers of their condition as viewers and frame the visible field, turning it into landscape as representation, transposed into a model-sized scale. In that sense, the intelligence of the project is based on two interesting conditions: on the one hand, its morphology, the fact of its being a hill, brings the spectator to the privileged position of standing on a plinth (which, by the way, brings back the functional condition of sculpture, and doubly so because it is a place for seeing and being seen), but on the other, and simultaneously, it generates a point of view on the visual field; now, this situation – which the spectator discovers at once – is carried onto the reflected image, through a periscopic device on the floor. Yet, the condition of this image on


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the floor evokes, being a representation, the photographic condition, because it is a snapshot of the landscape, or in other words, it is the field of vision as a photo-landscape, fragile and unstable, since it is a reflected image. Often, the spectator will continue the rotating motion, bending to gaze at the landscape beneath his own legs, inverting the image and repeating the periscope’s optical mechanism by means of a bodily motion – something clearly observable in the permanent version of the piece, at the Serralves Foundation Park. Thus the observatory of interstitial change that is the Casalinho shelter and the small hill configure an itinerary that leads from the fixed, fragile image to the image in motion of the changes in the world, reiterating a pensiero debole on the mechanisms underlying the constitution of the landscape as both point of view and relational ethics. Perhaps some of these issues are also contemplated in the group of drawings by João Queiroz, which make up the part of his “O Ecrã no Peito” project that is presented here. João Queiroz’s drawing work systematises his reflection on the artistic practice, constituting a huge relational itinerary between the visible realm and the representational typology allowed by drawing. Let us see: his drawings stem from a great proficiency, from a profound competence in representation, thoroughly built on an immense visual culture, on a vast knowledge of the history of drawing and, concomitantly, of painting. The drawings that make up this system derive from a generically Kantian notion according to which processes of representation are, deep down, processes of self-representation. Far from relying on the naive notion that drawing is a representational form derived from an unmediated relationship between the brain, the hand and the realm of the visible, João Queiroz’s drawings are precisely the tributaries of the opposite notion, according to which drawing is a complex cognitive (and, naturally, aesthetic) process aimed at finding, in the visible field, connections that evade linguistic determination. In other words, João Queiroz’s drawings clearly


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put into question the naive cognitive connection between a name and a thing, on the assumption that our perception is exercised as an attempt at establishing hierarchies and distinctions between different areas of our visual perception, in which a thing is always a relationship, a transitory condition and a process. Thus, this artist’s drawings possess a specific quality: even though they are often made d’après nature, they are actually always made d’après culture; their condition of observation is subtly inscribed in a methodological definition that derives from the knowledge of historical methodologies of graphic representation that are made permanently conscious – and thus (as the artist himself recently said) alien. Of course, the ultimate ambition of these drawings is the condition of their limitation, consciously pursued and tested by the artist: it is a matter of producing a representation of a phenomenological experience of observation, reconstructing, by means of drawing, the purely cognitive links (with all the suspicion the idea of “purity” may inspire), thus showing that the hierarchy of our perception generates a hierarchy of connections and doublenesses that our language’s onomastic mediation is unable to grasp. Indeed, we do not perceive trees, leaves or rivers, but trees/leaves, rivers/banks/bushes and so on. Thus the landscape is necessarily a politico-cultural, anthropological and linguistic construction, while drawing is a possible language, aware of its heuristics and based on an aesthetic approach that is conscious of the processes by which it becomes an image. Rui Toscano is an artist who has developed his processes of representing the landscape from a relationship with the image that, in a certain way, is the direct opposite of the work of João Queiroz or Francisco Tropa. He is mostly concerned with contours, with the definition of lines, both in his drawings or videos and in the way his sculptures, which deal with objects, video images and sound, define (here, the term is precise) a certain relationship.


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However, the works shown in this exhibition, two video shots of Rio de Janeiro and São Paulo, taken from a helicopter, deal with a different subject: time. Curiously, these are the works that, within this context, deal most explicitly with the tradition of landscape representation, given that they are born of a fascination, of an acute sensibility concerning the realm of the visible, focused here on the duration of an image. Both video images were captured in a very brief interval of time, and then edited to look like endless shots of a landscape, as if the observer’s movement had been frozen in time, at a standstill in space. In fact, this is the work of an observer who moves at considerable speed, and which is kept stable by means of cinematic manipulation, through the process of editing. Thus the representation of a moment as permanence is also visible in Toscano. In the end, the landscape theme of the Passage exhibition can invoke another subject, the one of the impermanence of the instant, or, in other words, of the liminal quality of the “landscape” category. Liminal is a term coined by anthropologist Victor Turner to describe an “in-between” state, something that can only be captured at a given moment, eventually fleeting or politically negotiable, of its condition within the context of the rites of passage. It is that moment that guides the selection of those works and artists who reflect on what is undergoing a process of transformation. On what, having been captured at the moment of its change, can only be called the name that no longer corresponds to what it is, but to what it may become. Thus this exhibition on landscape becomes an exhibition on the transitory condition of the “in-between” state, on what, in terms of hierarchical identity, corresponds to a state of transfiguration, of metamorphosis of its condition. On passage.


Catálogo / Catalogue ALBERTO CARNEIRO

JOÃO QUEIROZ

RUI TOSCANO

FRANCISCO TROPA

ANDRÉ SOUSA Projecto site-specific / site-specific project


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ALBERTO CARNEIRO

O Laranjal – Natureza envolvente, 1969


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64 Uma linha para os teus sentimentos est茅ticos, 1970/71 Uma floresta para os teus sonhos, 1970 O Canavial: mem贸ria-metamorfose de um corpo ausente, 1968


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Meditação e posse do espaço/paisagem como obra de arte, 1977


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68 Operação estética em Caldas de Aregos, 1974/75


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70 Arte Corpo / Corpo Arte, 1976/78


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Arte Corpo / Corpo Arte, 1976/78 Arte Corpo / Corpo Arte, 1976/78


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74 Evocação d’água 14, 1991/92



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JOテグ QUEIROZ

Sem tテュtulo / Untitled (da sテゥrie / from O Ecrテ」 no Peito), 1999


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RUI TOSCANO

Rio 9 Mai 01, 2002


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86 S達o Paulo 24 Set 01, 2001


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FRANCISCO TROPA

Projecto Casalinho, 1998


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JOÃO SILVÉRIO

Uma caixa de ressonância


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O convite feito ao artista André Sousa para pensar num projecto para o Museu da Horta nasceu há cerca de um ano, durante a fase de preparação das exposições a realizar nos Açores. Entre os vários pontos de interesse, tornou-se para mim relevante a forma como constrói ligações, tecendo um largo espectro entre imagens e referências provenientes de diferentes universos, bem como o seu interesse específico pelas ilhas dos Açores, que já tinham sido objecto da sua investigação e prática artística. André Sousa age como se estivesse continuamente a ligar um mapa a outros mapas, e dessa forma fosse construindo um sistema, que se desmultiplica numa geografia referencial, obrigando-nos a rever continuamente referentes e significados. Esta estratégia de hiperligação tem uma forte ressonância nas obras que produz, trazendo à superfície uma ideia de dentro e fora, de descentramento, de ligar ou replicar elementos da paisagem e da vida cultural dos lugares onde trabalha. O título da instalação, Sala de Exposições Temporárias (Projecto do Canal), parece ambíguo, mas lança alguns dados sobre o seu processo criativo. A instalação ocorre precisamente na sala de exposições temporárias do Museu: não se trata de um mero trocadilho de palavras, mas de uma replicação, pelo uso da linguagem, ou talvez se aproxime de um jogo de espelhos. Por outro lado, a apropriação da designação do lugar revela uma certa ironia sobre o processo e a própria taxonomia dos espaços expositivos. A sala onde se fazem exposições temporárias vai ter uma outra sala temporariamente exposta. A segunda parte do título – (Projecto do Canal) – faz a ponte com a geografia do lugar em que é apresentada: o canal, que estabelece uma relação entre as ilhas do Faial e do Pico. Doutra forma ainda, a palavra canal é comum na linguagem da cultura açoriana, transformando-se em matéria para a prática do artista.


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Este projecto tem, também, um desdobramento no catálogo da exposição. As páginas seleccionadas para reproduzir as imagens ligadas ao processo da instalação, não sendo um projecto gráfico independente dentro da publicação, foram previamente coordenadas entre o artista e a designer. Esta prática, ligada à edição, é corrente no seu trabalho e estende-se ao lançamento de blogs na internet, e à edição de pequenas publicações ou fanzines, entrosadas com espaços de exposição alternativos onde tem assumido a responsabilidade da programação, muitas vezes partilhada com outros artistas e curadores. Uma construção, de cor semelhante à sala original do Museu, está colocada paralelamente à montanha do Pico. No centro desse painel, erigido como um altar central, está uma pintura do autor, que faz referência a uma pintura, que não é imediatamente visível, e que se encontra por trás do altar da imagem da Nossa Senhora de Fátima, na Igreja Matriz da cidade. A verticalidade da construção é acentuada pelas formas pintadas na face que se opõe à pintura. Há um outro elemento na exposição que estabelece uma relação múltipla entre a paisagem, o local e influências pictóricas que o autor assimila e desenvolve. Trata-se de uma fotografia de uma águia sobre um plano branco, apresentada sobre um painel informativo. Esta fotografia é a imagem do capot de um carro, sobre o qual está um autocolante com uma águia impressa (na realidade é uma decoração num automóvel de uma ilha próxima), mas que se transmuta na imagem poética do voo de uma ave sob a luz intensa do céu atlântico. O que Sousa propõe é uma interrogação sobre a validade da imagem, entre o reconhecimento do objecto fotografado, a sua proveniência e a alegoria do voo do milhafre. A instalação é uma espécie de cabinet de amateur em que André Sousa inclui objectos


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encontrados (objets trouvés) e os descontextualiza, deixando uma porta aberta sobre a sua natureza e a sua proveniência. A “Sala” passa a ser um lugar de mediação, na esteira de artistas como Allan Kaprow ou Marcel Duchamp, no sentido em que cada objecto passa a ser um dispositivo linguístico e referencial. Estamos em presença de uma prática conceptual tendencialmente entrópica que colhe continuamente elementos e os reintegra desvelando uma outra possibilidade de sentido, conduzindo o espectador a uma inicial desorientação em presença da instalação no espaço. Esta sala de exposições temporárias é herdeira do Abstract Cabinet de El Lissitzky, no sentido em que o espectador é condicionado no espaço expositivo, transformado por uma construção/arquitectura, que actua sobre a nossa consciência perceptiva, como se estivéssemos dentro de uma caixa de ressonância. Da mesma forma, as reproduções do catálogo estabelecem ligações com aspectos arquitectónicos locais, remetendo-nos para a memória recente dos movimentos artísticos da modernidade. Mas o desdobramento do seu trabalho pode abrir várias portas em que o universo fantástico e mitológico tem o seu lugar, inscrito no voo da ave de rapina ou numa imagem fotográfica nocturna, transmutação mágica de um chifre de unicórnio a partir de uma escultura, com vidros incrustados, que se encontra junto à marina da Horta. Esta imagem é demonstrativa do seu instinto etnográfico, que lhe permite reconhecer no trabalho de campo que ressonâncias estéticas pode um objecto encontrar dentro e fora da sala de exposições temporárias.


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JOÃO SILVÉRIO

A resonance chamber A year ago, while our Azores exhibitions were in their preparation phase, artist André Sousa was invited to conceive a project for the Horta Museum. There were several reasons for this invitation; for me, the two most important were his ability to generate connections, weaving together a broad spectrum of images and references from various universes, and his specific interest in the Azorean isles, which had previously been the object of his artistic research and practice. André Sousa works as if he were continuously connecting one map to other maps, thus building a system that unfolds itself into a referential geography, forcing us to continuously reassess referents and meanings. This hyper-connective approach resonates strongly in his pieces, bringing to the surface a notion of inside/outside, of decentring, of connecting or replicating elements from the landscape and cultural life of the places in which he works. The installation’s title, Sala de Exposições Temporárias (Projecto do Canal) [Room of Temporary Exhibitions (Channel Project)], ambiguous though it may seem, gives us some hints about his creative process.


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The installation takes place precisely in the Museum’s room of temporary exhibitions: this is no mere play on words, but a replication, or perhaps a mirroring, by linguistic means. On the other hand, this appropriation of the place’s denomination reveals a measure of irony regarding the procedures and taxonomy of exhibitive spaces. The room in which temporary exhibitions are held will temporarily host another room. The second part of the title, (Projecto do Canal), creates a connection with the geography of the place in which it is presented by mentioning the channel that connects the islands of Faial and Pico. Additionally, the word canal is widely used in Azorean culture, and thus becomes further material for the artist’s practice. This project also prolongs itself into the exhibition’s catalogue. Though not an independent graphic project within the book, the pages that feature images from the installation have been previously planned by the artist with the catalogue designer. This publishing practice is usual in Sousa’s work, and includes the launch of weblogs and small printed publications, in association with alternative exhibiting spaces whose programming he has organised, often in collaboration with other artists and curators. A structure, similar in colour to the original room in the Museum, stands parallel to Pico mountain. At the centre of a panel, which stands as an altar centrepiece, is a painting by the artist, which alludes to a painting that is not immediately visible, being located behind an altar with the image of Our Lady of Fátima at Horta’s mother church. The structure’s verticality is stressed by the forms painted upon the side opposite to the painting. There is another exhibit that creates a multiple relationship between the landscape, the place and the pictorial influences the artist assimilates and develops. It is the photograph of an eagle on a white background, shown on an information panel. This photograph depicts the hood of a car, which


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sports a sticker on which an eagle is printed (it is actually a decoration on a car from a nearby island), but which becomes the poetic image of a bird flying under the intense light of the Atlantic sky. Here, Sousa is putting into question the validity of the image, which hovers between the identification of the photographed object, its origin and the allegory of the kite’s flight. This installation is a kind of cabinet d’amateur, where André keeps found objects which he then decontextualises, leaving their nature and provenance a mystery. The “Room” becomes a place of mediation, evocative of the work of artists like Allan Kaprow or Marcel Duchamp, in the sense that each object becomes a linguistic, referential device. We are in the presence of a somewhat entropic conceptual practice, which continuously picks up elements and reintegrates them to reveal new possibilities of meaning, causing the spectator an initial feeling of disorientation on viewing the installation in space. This room of temporary exhibitions is an heir to El Lissitzky’s Abstract Cabinet, in the sense that the spectator is conditioned by the exhibitive space, transformed by a construction/architecture that acts upon our perceptive consciousness as if we were standing inside a resonance chamber. In the same way, the illustrations in the catalogue establish connections with local architectural features, evoking recent memories of modernity’s artistic movements. But the unfolding of Sousa’s work can open several doors leading to a fantastic, mythological universe, visible in the flight of the bird of prey or in a nocturnal photograph that magically creates a unicorn’s horn out of a glass-incrusted sculpture that stands by the Horta Marina. This image is illustrative of his ethnographic instinct, which allows him to assess, during his field work, which aesthetic resonances a given object may generate, both in and out of the room of temporary exhibitions.


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ANDRÉ SOUSA

Sala de Exposições Temporárias (Projecto do Canal), 2007-08 Instalação composta no centro de uma sala com apropriação de objectos, impressões fotográficas, pinturas a óleo s/ tela e papel, plintos e madeiras velhas. Installation set up in the centre of a room, using found objects, photographic prints, oil paintings on canvas and paper, plinths and old timber. Dimensões variáveis / Variable size








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Biografias / Biographies

ALBERTO CARNEIRO Nasceu no Coronado em 1937 e dedicou-se à aprendizagem do ofício de “santeiro” logo aos 10 anos, nas oficinas de arte religiosa da sua terra natal. Estudou depois, já na década de 60, na Escola de Belas-Artes do Porto e na Saint Martin’s School of Art de Londres, tendo começado a expor ainda em 1963. Leccionou no Curso de Escultura das Belas-Artes (1972-1976) e no Curso de Arquitectura (1970-1999) da Universidade do Porto, influenciando artistas e arquitectos com a sua visão da criação artística (enquanto construção humana em profunda relação com o mundo, e em especial com a Natureza e o próprio corpo). Esta mundivisão entronca no conhecimento que o artista tem desenvolvido sobre as teorias e modos de vida professados pelo Zen, Tao, Tantra e pela “Psicologia Profunda”, tendo realizado diversas viagens de estudo pela Europa, Estados Unidos, Brasil e Norte de África e participado em diversos congressos sobre arte e o seu ensino (publicou, inclusive, vários textos e dois livros sobre Arte e Pedagogia). A sua obra alicerça-se na prática da escultura e foi definida desde cedo pelo próprio artista como “arte ecológica”. Resulta essencialmente da transformação de materiais que reivindicam a condição demiúrgica e genésica da Natureza, reflectindo sobre o papel da acção humana e o sentido universal do espírito no cosmo em que o ser humano se encontra. Destacam-se, das suas individuais mais recentes, as exposições realizadas no Museu de Arte Contemporânea do Funchal (2003), Centro Galego de Arte Contemporánea, em Santiago de Compostela (2001), Museu Machado de Castro e Galeria do Pátio da Inquisição, em Coimbra (2000), para além da primeira antológica no CAMJAP da Fundação Calouste Gulbenkian (em Lisboa) e na Fundação de Serralves (no Porto), em 1991. Representou Portugal nas Bienais de Paris (1969), Veneza (1976) e São Paulo (1977), tendo recebido vários prémios (como


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o Prémio AICA – Associação Internacional de Críticos de Arte, 1986; e o Prémio Tabaqueira de Arte Pública, 2004) e homenagens pela obra desenvolvida. São ainda de referir as participações em mostras colectivas como 50 Anos de Arte Portuguesa (Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2007), entre as mais recentes. Realizou diversas esculturas públicas (em Portugal, mas também na Eslovénia, Inglaterra, Irlanda, Coreia do Sul, Equador, etc), e criou o Museu Internacional de Escultura Contemporânea (Santo Tirso) com a organização dos Simpósios Internacionais de Escultura Contemporânea (desde 1991 e programados até 2010). Born in Coronado, 1937. By the time he was 10, Carneiro began his apprenticeship as an image-carver at the religious art workshops of his birthplace. During the early 1960s, he studied at Escola de Belas-Artes do Porto (ESBAP) and at Saint Martin’s School of Art (London). His exhibitive career began as early as 1963. He taught Sculpture at ESBAP (1972-1976), and Architecture (1970-1999) at Universidade do Porto, which allowed him to influence artists and architects with his view of artistic creation (as a human construct deeply involved with the world, especially with Nature and the body itself). This worldview is based on the artist’s ongoing research into the theories and lifestyles recommended by the Zen, Tao, and Tantra philosophies, as well as by “Deep Psychology”, which led him to travel across Europe, the United States, Brazil and Northern Africa and participate in various congresses on art and its teaching (he has, indeed, published several papers and two books on Art Pedagogy). His work is based on the practice of sculpture, and was very early on defined as “ecological art” by the artist himself. It comes essentially from the transformation of materials that evoke the demiurgic and generative condition of Nature, so as to reflect on the role of human actions and the universal meaning of spirit in the cosmos of which the human being is a part. Some of his most important solo shows of recent years took place at Museu de Arte Contemporânea do Funchal (2003), Centro Galego de Arte Contemporánea, in Santiago de Compostela (2001), Museu Machado de Castro and Galeria do Pátio da Inquisição, in Coimbra (2000); his first retrospective took place in 1991, at the CAMJAP of Fundação Calouste Gulbenkian (Lisbon) and at Fundação de Serralves


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(Porto). He represented Portugal at the Paris (1969), Venice (1976) and São Paulo (1977) biennales, and received many prizes (like the AICA prize, in 1986; and Prémio Tabaqueira de Arte Pública, in 2004) and tributes for his work. His work has also been featured in several group shows, one of the most recent being 50 Anos de Arte Portuguesa (Fundação Calouste Gulbenkian, Lisbon, 2007). He created many public sculptures (in Portugal, but also Slovenia, England, Ireland, South Korea, Ecuador, etc.), and founded the Museu Internacional de Escultura Contemporânea (Santo Tirso), in which the International Symposia of Contemporary Sculpture are held (since 1991; scheduled to continue until 2010).

JOÃO QUEIROZ Nasceu em 1957, em Lisboa, onde se licenciou em Filosofia. Dedicou-se desde cedo ao Desenho e à Pintura, tendo sido professor dessas duas disciplinas (e de Teoria da Arte) no Ar.Co – Centro de Arte e Comunicação Visual, de 1989 a 2001. Começou por participar em mostras colectivas logo no arranque da década de 80 e realizou a sua primeira individual em 1985, mas o seu percurso expositivo ficou marcado por alguns interregnos intencionais, sobretudo durante a primeira metade dos anos 90, dedicados à continuação da sua formação artística. A sua obra reconhece-se sobretudo pela exploração continuada do fazer pintura, segundo uma perspectiva crítica que repensa constantemente a disciplina e privilegia claramente o género da paisagem. Interessam-lhe as visões multifacetadas da Natureza que o olhar apreende e o modo como essa percepção dinâmica é, em última instância, um exercício de liberdade. Destacam-se, das suas individuais, as exposições: Pintura (CAMJAP da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2006), Pintura (Galeria Quadrado Azul, Porto, 2005), Pintura (Porta 33, Funchal, 2004), Le Besoin du Noble. Modo Menor. Silvae (Lisboa 20 Arte Contemporânea, Lisboa, 2003), Liber Studiorum (Sala Jorge Vieira, Lisboa, 2001), 10 Anos de Desenho (Assírio & Alvim, Lisboa, 1997) e Malerei, João Queiroz (Katholische Hochschulgemeinde, Viena, 1985). Participou em numerosas colectivas, nomeadamente: Continuare. Bienal da Maia (Fórum da Maia,


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Porto, 2003), O Génio do Olhar: Desenho como Disciplina 1991-1999 (Museu de Aveiro / Museu de Arte Moderna do Funchal, 2000), Um Oceano Inteiro para Nadar (Culturgest, Lisboa, 2000), Ein Leucht ist ein traurige und glücklicher Ort (Akademie der Künste, Berlim, 1999), entre outras mostras. Em 2000 recebeu o Prémio EDP de Desenho. Born in 1957, in Lisbon, where he pursued his Philosophy studies. Queiroz began drawing and painting at quite an early age, and eventually taught these two subjects (along with Art Theory) at Ar.Co – Centro de Arte e Comunicação Visual, from 1989 to 2001. In the early 1980s, he started taking part in group shows, and presented his first solo show in 1985. His exhibitive path is marked by a few intentional interruptions, especially during the first half of the 1990s, when he continued his artistic studies. His oeuvre is especially recognisable by its thorough exploration of the act of painting, in accordance with a critical approach that constantly rethinks it and clearly favours the landscape genre. He is interested in the multifaceted views of nature as apprehended by the eye, and the way that dynamic perception is ultimately an exercise of freedom. A few selected solo shows: Pintura (CAMJAP – Fundação Calouste Gulbenkian, Lisbon, 2006), Pintura (Galeria Quadrado Azul, Porto, 2005), Pintura (Porta 33, Funchal, 2004), Le Besoin du Noble. Modo Menor. Silvae (Lisboa 20 Arte Contemporânea, Lisbon, 2003), Liber Studiorum (Sala Jorge Vieira, Lisbon, 2001), 10 Anos de Desenho (Assírio & Alvim, Lisbon, 1997) and Malerei, João Queiroz (Katholische Hochschulgemeinde, Vienna, 1985). He took part in many group shows, such as: Continuare. Bienal da Maia (Fórum da Maia, Porto, 2003), O Génio do Olhar: Desenho como Disciplina 1991-1999 (Museu de Aveiro / Museu de Arte Moderna do Funchal, 2000), Um Oceano Inteiro para Nadar (Culturgest, Lisbon, 2000), and Ein Leucht ist ein traurige und glücklicher Ort (Akademie der Künste, Berlin, 1999). In 2000, he received the EDP Drawing Prize.


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RUI TOSCANO Nasceu em Lisboa, em 1970, onde começou por estudar pintura e explorar outros media – como o vídeo –, para se dedicar depois a novas possibilidades no domínio da escultura. A sua obra destacou-se desde cedo pelo cruzamento do universo das artes visuais com as referências da cultura pop-rock tendo criado, inclusive, a sua própria editora de rock – a Moneyland Records – em conjunto com outros criativos. Fez também parte do colectivo Tone Scientists (com os artistas Rui Valério e Carlos Roque) e desenvolveu em paralelo, a partir de 1997, um outro projecto a várias mãos (juntamente com João Carrilho e Rui Valério), intitulado “Dub Video Connection”. Este último projecto estava especialmente vocacionado para a produção e apresentação de vídeo em espectáculos ao vivo (instalações e video-jamming). Interessado na ligação entre a prática artística e o modelo da cultura urbana popular, Toscano tem-se notabilizado pelo modo original como as suas propostas utilizam vídeo, som e objectos vindos do quotidiano (como os rádios, que nas suas próprias instalações se tornam esculturas “vivas”, incorporando diferentes realidades num mesmo espaço), sempre numa reflexão alargada à representação das cidades de hoje. Destacam-se, das suas individuais mais recentes, as exposições 1 (Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Porto, 2002), 2 (Teatro do Campo Alegre, 2002), T For Tornado (Cristina Guerra Contemporary Art, Lisboa, 2007); e as participações nas colectivas: O Império Contra-Ataca (Galeria ZDB, Lisboa, 1998), 7/10 – Sete Artistas ao Décimo Mês (Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001), Metaflux 9 – Mostra Internazionale di Architettura (Arsenale, Veneza, 2004), Expanded Painting – Prague Biennale 2, (Karlin Hall, República Checa, 2005), Um Atlas de Eventos (Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2007). Born in Lisbon, 1970. Toscano began studying painting and exploring other media, such as video, before turning to the new possibilities of sculpture. From very early on, his work was characterised by a combination of the visual arts universe with references from pop/rock culture (indeed, he even founded, in partnership with other creative minds, a rock label – Moneyland Records).


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He was also a member of the Tone Scientists (with fellow artists Rui Valério and Carlos Roque) while developing, from 1997 on, a side collective project entitled “Dub Video Connection” (with João Carrilho and Rui Valério). The latter project was especially concerned with the production and presentation of videos at live shows (installations and video-jamming). Interested in the connection between artistic practice and popular urban culture, Toscano became famous by his original combinations of video, sound and everyday objects (such as radio receivers, which become “living” sculptures in his installations, incorporating various realities in the same space), always as part of a wider meditation on the representation of today’s cities. Some of his most important recent exhibitions are: 1 (Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Porto, 2002), 2 (Teatro do Campo Alegre, 2002) and T For Tornado (Cristina Guerra Contemporary Art, Lisbon, 2007); and he also too part in the following group shows: O Império Contra-Ataca (Galeria ZDB, Lisbon, 1998), 7/10 – Sete Artistas ao Décimo Mês (Fundação Calouste Gulbenkian, Lisbon, 2001), Metaflux 9 – Mostra Internazionale di Architettura (Arsenale, Venice, 2004), Expanded Painting – Prague Biennale 2, (Karlin Hall, Czech Republic, 2005) and Um Atlas de Eventos (Fundação Calouste Gulbenkian, Lisbon, 2007).

FRANCISCO TROPA Nasceu em Lisboa, em 1968, e formou-se no Ar.Co – Centro de Arte e Comunicação Visual, onde é professor desde 1996. A sua educação artística incluiu ainda a frequência do Royal College of Arts, em Londres (1992), e da Kunstakademie de Munique (1995-96), tendo realizado a primeira exposição individual logo no arranque da década de 90. Autor de difícil categorização, Francisco Tropa tem escapado deliberadamente à utilização de um único meio ou técnica. As suas propostas implicam frequentemente a construção de dispositivos visuais complexos, onde os diversos elementos são criteriosamente mostrados e privilegiam relações menos evidentes ou imediatas, exigindo ao espectador todo um exercício recombinatório de associações e referências conceptuais. Os seus trabalhos exploram de modo erudito


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o enigmático campo fenomenológico das experiências sensíveis e tornam-se, em si mesmos, um observatório da própria criação artística no que ela tem de ligação à vida e, em especial, à natureza. Foi nomeado para o Prémio de Artes Plásticas União Latina nas edições de 1996 e 1998, e para o Prémio EDP.Arte na sua primeira edição, em 2000. Destacam-se, das suas exposições mais recentes, as individuais: A Assembleia de Euclides (no espaço El Matadero, Madrid, 2007; e na Cordoaria, Lisboa, 2005, no âmbito da “LisboaPhoto”), A Marca do Seio (Culturgest, Porto, 2006) e L’Orage (CAMJAP da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2003); bem como as participações nas Bienais de Artes Visuais de Veneza (projecto Clandestini, em 2003) e de São Paulo (na Representação Oficial de Portugal, em conjunto com a artista Lourdes de Castro, 1998). Born in Lisbon, 1968. Graduated from Ar.Co – Centro de Arte e Comunicação Visual, where he teaches since 1996. His artistic studies were also pursued at the Royal College of Arts, in London (1992), and the Kunstakademie Munich (199596). His first solo show took place in the early 1990s. Not the easiest author to pigeonhole, Francisco Tropa has deliberately avoided the use of a single medium or technique. His projects frequently imply the construction of complex visual devices, the various elements of which are judiciously displayed in such a way as to favour less evident or immediate relationships, thus demanding from the viewer a commitment to the recombination of conceptual associations and references. His works eruditely explore the enigmatic phenomenological field of sensitive experiences, while turning themselves into an observatory of artistic creation in its connections to life, and particularly to nature. He was a nominee for the União Latina Visual Arts Prize nominee in 1996 and 1998, as well as for the first edition of the EDP.Arte Prize, in 2000. Some of his most important recent solo shows are: A Assembleia de Euclides (El Matadero, Madrid, 2007; Cordoaria, Lisbon, 2005, as part of “LisboaPhoto”), A Marca do Seio (Culturgest, Porto, 2006) and L’Orage (CAMJAP – Fundação Calouste Gulbenkian, Lisbon, 2003); he also took part at the Venice (Clandestini project, 2003) and São Paulo (in which he shared the Portuguese Official Representation with Lourdes de Castro, 1998) Visual Arts Biennales.


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ANDRÉ SOUSA Nasceu no Porto, em 1980, e licenciou-se em Pintura pela FBAUP em 2003. O seu percurso expositivo teve início logo em 1999 e desde então tem sido marcado quer pela apresentação da sua obra, quer pela dinamização de espaços a exposições, performances e encontros, em colaboração com outros artistas, como foi o caso de Wasser-Bassin (2005-2007, com João Santos) ou PêSSEGOpráSEMANA (2002-2007, com Mafalda Santos e Miguel Carneiro), e de que ainda são exemplo os projectos Mad Woman in the Attic (desde 2005, no sótão do próprio artista, no Porto) e o recém criado Uma Certa Falta de Coerência (com Mauro Cerqueira e outros). A obra que tem desenvolvido paralelamente a estas formas de colaboração colectiva espelham uma atenção muito particular ao modo como os seus trabalhos são mostrados, e optam frequentemente por apresentações onde coexistem diferentes técnicas e suportes (desenho, pintura, fotografia, vídeo). Interessam-lhe as coexistências paradoxais em espaços urbanos das grandes metrópoles bem como de contextos periféricos e os signos identitários da chamada “cultura juvenil”. Destacam-se, das suas individuais, as exposições XYZLAND (Spike Island–Project Space, Bristol, Inglaterra) e Império (Chiado 8, Lisboa), ambas em 2007, e A.T.E. Vidal/ Azorina Vidalii (Watson) Feer/ Vidália (Galeria Quadrado Azul, Porto) em 2006; para além das participações nas colectivas: Prémio EDP Novos Artistas (CACE Cultural, Porto, 2007) Desêxpor (Centro Cultural Franco-Moçambicano, Maputo, Moçambique, 2007) e Busca Pólos (Pavilhão Centro de Portugal, Coimbra, 2006). Born in Porto, 1980. Graduated in Painting from FBAUP in 2003. His exhibitive career began in 1999, and has since then divided itself between presenting his own works and organising, in collaboration with other artists, spaces for exhibitions, performances and meetings such as Wasser-Bassin (2005-2007, with João Santos) or PêSSEGOpráSEMANA (2002-2007, with Mafalda Santos and Miguel Carneiro), as well as the projects Mad Woman in the Attic (since 2005, in the artist’s own attic, in Porto) and the just started Uma Certa Falta de Coerência (with Mauro Cerqueira and others).


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His personal pieces reflect a very particular concern with the way they are displayed, frequently favouring presentations that combine various techniques and materials (drawing, painting, photography, video). He is interested in the paradoxical coexistences within the urban spaces of large metropolises, as well as the peripheral contexts and identifying signs of so-called “youth culture”. Some of his most important solo shows are: XYZLAND (Spike Island – Project Space, Bristol, England) and Império (Chiado 8, Lisbon), both 2007, and A.T.E. Vidal/ Azorina Vidalii (Watson) Feer/Vidália (Galeria Quadrado Azul, Porto) in 2006; his work was featured in the following group shows: Prémio EDP Novos Artistas (CACE Cultural, Porto, 2007) Desêxpor (Centro Cultural Franco-Moçambicano, Maputo, Mozambique, 2007) and Busca Pólos (Pavilhão Centro de Portugal, Coimbra, 2006).


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Lista de obras / List of works

ALBERTO CARNEIRO [p. 63] O Laranjal – Natureza envolvente (projecto / project) 1969 Grafite sobre papel milimétrico (2 folhas) / Graphite on graph paper (2 sheets) 2 x (21 x 29,5 cm) Árvore escultura viva (projecto / project) 1972 Grafite sobre papel milimétrico (3 folhas) / Graphite on graph paper (3 sheets) 3 x (29,5 x 21 cm) [p. 65] Uma floresta para os teus sonhos (projecto / project) 1970 Grafite sobre papel milimétrico / Graphite on graph paper 21 x 29,5 cm

[p. 65] O Canavial: Memória – metamorfose de um corpo ausente (projecto / project) 1968 Grafite sobre papel milimétrico / Graphite on graph paper 21 x 29,5 cm

[pp. 68-69] Operação estética em Caldas de Aregos 1974/75 44 fotografias sobre papel impresso / 44 photographs on printed paper (44) x 32 x 44 cm

Os 4 elementos (projecto / project) 1969/70 Grafite sobre papel milimétrico / Graphite on graph paper 21 x 29,5 cm

[pp. 66-67] Meditação e posse do espaço-paisagem como obra de arte 1977 Grafite sobre papel milimétrico / Graphite on graph paper (8) x 34 x 22,8 cm

[p. 64] Uma linha para os teus sentimentos estéticos 1970/71 Grafite sobre papel milimétrico / Graphite on graph paper 21 x 29,5 cm

[p. 71] Arte Corpo / Corpo Arte 1976/78 Fotografia a preto e branco / Black and white photograph 34,9 x 46 cm

Operação estética em Vilar do Paraíso 1973 Grafite sobre papel milimétrico / Graphite on graph paper 21 x 29,5 cm

[p. 72] Arte Corpo / Corpo Arte 1876/78 Fotografia a preto e branco / Black and white photograph 34,9 x 46 cm

[p. 73] Arte Corpo / Corpo Arte 1976/78 Fotografia a preto e branco / Black and white photograph 46 x 34,9 cm [p. 75] Evocação d’água 14 1991/92 Madeira de buxo / Boxwood 51 x 330 x 257 cm JOÃO QUEIROZ [pp. 77>83] Sem título / Untitled (da série / from O Ecrã no Peito) 1999 Carvão sobre papel (60 desenhos) / Charcoal on paper (60 drawings) 35 x 50 cm (cada / each)


126 RUI TOSCANO [p. 85] Rio 9 Mai 01 2002 DVD, cor / colour Dimensões variáveis / Variable size Loop [p. 87] São Paulo 24 Set 01 2001 DVD, cor / colour Dimensões variáveis / Variable size Loop

FRANCISCO TROPA [p. 93] Projecto Casalinho 1998 Cibachrome 25 x 16,7 cm [p. 96] Projecto Casalinho 1998 Cibachrome 16,7 x 25 cm [p. 94] Projecto Casalinho 1998 Cibachrome 25 x 16,7 cm

[p. 96] Projecto Casalinho 1998 Cibachrome 16,7 x 25 cm

[p. 95] Projecto Casalinho 1998 Cibachrome 25 x 16,7 cm

[p. 97] Projecto Casalinho 1998 Cibachrome 16,7 x 25 cm

[p. 98] Projecto Casalinho 1998 Cibachrome 25 x 16,7 cm

[p. 97] Projecto Casalinho 1998 Cibachrome 16,7 x 25 cm

Projecto Casalinho 1998 Cibachrome 16,7 x 25 cm

[p. 99] Projecto Casalinho 1998 Cibachrome 16,7 x 25 cm [p. 100] Projecto Casalinho 1998 Cibachrome 16,7 x 25 cm [p. 95] Projecto Casalinho 1998 Cibachrome 25 x 16,7 cm [p. 101] Projecto Casalinho 1998 Cibachrome 16,7 x 25 cm

Projecto Casalinho 1998 Cibachrome 16,5 x 17,5 cm [p. 101] Projecto Casalinho 1998 Cibachrome 25 x 16,7 cm

[pp. 88-89] Projecto Casalinho 1998 Madeira de balsa, feltro sintético / Balsa wood, synthetic felt Dimensões variáveis / Variable size [p. 91] Projecto Casalinho 1998 Tinta-da-china sobre papel vegetal / India ink on tracing paper 43 x 60,6 cm [p. 90] Projecto Casalinho 1998 Tinta-da-china sobre papel vegetal / India ink on tracing paper 41,8 x 59,4 cm

Projecto Casalinho 1998 Cibachrome 16,7 x 25 cm

[p. 91] Projecto Casalinho 1998 Tinta-da-china sobre papel vegetal / India ink on tracing paper 42 x 59,5 cm

Projecto Casalinho 1998 Cibachrome 25 x 16,7 cm

Projecto Casalinho 1998 Cibachrome 16,7 x 25 cm

Projecto Casalinho 1998 Cibachrome 16,7 x 25 cm

Projecto Casalinho 1998 Cibachrome 25 x 16,7 cm


127 Projecto Casalinho 1998 Cibachrome 25 x 16,7 cm Projecto Casalinho 1998 Cibachrome 16,7 x 25 cm Projecto Casalinho 1998 Cibachrome 25 x 16,7 cm

ANDRÉ SOUSA [pp. 109>115] Sala de Exposições Temporárias (Projecto do Canal) 2007-08 Instalação composta no centro de uma sala com apropriação de objectos, impressões fotográficas, pinturas a óleo s/ tela e papel, plintos e madeiras velhas / Installation set up in the centre of a room, using found objects, photographic prints, oil paintings on canvas and paper, plinths and old timber Dimensões variáveis / Variable size




PASSAGEM

3

PAS SAG EM OBRAS DA COLECÇÃO DA FUNDAÇÃO LUSO-AMERICANA PARA O DESENVOLVIMENTO


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