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Primeiro de Abril, de Salim Miguel “Será mesmo que os infelizes acreditavam que a força do fogo seria suficiente para extirpar a força das ideias?” – Salim Miguel
história, professor na UFFS e curador da Livraria Humana, em Chapecó.
Acusado de comunista, hoje sabemos que sua condição de agitador cultural foi o principal motivo que o levou a prisão. Uma mistura de paranoia da ameaça vermelha e revanchismo de antigas querelas intelectuais fizeram de Salim alvo da repressão, de acusações que no fundo nos dizem a respeito da força libertária do livro e do artista. No Primeiro de Abril, Salim se dedica a rememoração destes eventos tomando como base seu antigo caderno de anotações. Narrado em segunda pessoa do singular, o livro é mais do que o testemunho daquelas circunstâncias de exceção. Pela literatura, ele nos leva a refazer o percurso dos acontecimentos que nem mesmo o autor pareceria acreditar que estivesse vivenciando. Hoje, diante das ameaças à democracia que vivenciamos, as palavras de Salim trazem consigo um sinistro dejà vu. P-E-R-P-L-E-X-I-D-A-D-E.
RICARDO MACHADO doutor em
-E-R-P-L-E-X-I-D-A-D-E. Foi com estas letras hifenizadas, postas lado a lado, que Salim Miguel iniciou o seu livro Primeiro de Abril, publicado pela José Olympio no ano de 1994. Décadas antes, naquele dia 2 de abril de 1964, assim mesmo, escrita em caixa alta, a mesma palavra PERPLEXIDADE tomava conta do papel na máquina de escrever, quando Salim, em nome do gabinete de relações públicas do Governo do Estado de Santa Catarina, relatava os últimos acontecimentos políticos que levaram o Brasil à uma sombria Ditadura Civil-Militar. Ainda perplexo, já com o comunicado redigido em mãos, Salim caminhava em direção ao prédio dos Correios, mas deu meia volta, porque decidiu tomar um cafezinho no Ponto Chic, na rua Felipe Schmidt, no centro de Florianópolis. Ali, com a xícara de café em mãos, foi cercado por policiais que exigiam que os acompanhassem “detido para averiguações”. Incrédulo, Salim foi levado e ficou preso por 48 dias no Quartel da Polícia Militar de Florianópolis. Dias depois, ficaria sabendo da prisão de sua esposa, Eglê Malheiros, deixando seus filhos pequenos em casa, sozinhos sem que alguém pudesse cuidá-los. Ela foi levada e presa no Hospital da Polícia Militar, mas por pressão, dias depois acabou liberada da custódia, mas mantida presa em condição domiciliar. Ainda na prisão, Salim ouviu o relato de que a livraria Anita Garibaldi (conhecida como livraria do Salim, ainda que não fosse mais proprietário) teria sido arrombada e os livros incendiados em frente da praça XV de Novembro, bem no centro da cidade. Naquela ocasião, Salim Miguel já era reconhecido como um dos principais nomes da literatura nacional, identificado com o que, a partir da década de 1950, passou a ser chamado de modernismo catarinense. Junto com artistas como Eglê Malheiros, Aníbal Nunes Pires, Hugo Mund Jr, Silveira de Souza, Ody Fraga e Silva, Salim criou o Círculo de Arte Moderna de Santa Catarina, que depois se desdobraria na Revista Sul (publicada entre 1948 e 1958) e na editora Sul. Estes artistas, identificados como Grupo Sul, tiveram atuação em diferentes linguagens artísticas como as artes visuais, a literatura e o cinema. Sua agitação cultural foi profícua, movimentando o circuito artístico em diferentes regiões do Brasil, na América Latina e no continente africano (especialmente nos países de língua portuguesa). Como bons modernistas, sua atuação centrava-se na construção do antagonismo dos “novos” com os “velhos”, dos “modernos” com os “antigos”, baseada na narrativa de que até aquele período a provinciana Santa Catarina viveria uma espécie de vazio cultural.
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