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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - TERÇA-FEIRA, 13 DE SETEMBRO DE 2016
LITERATURA
As joias da coroa esposa, a modelo Iman. Texto e imagens seriam publicados em uma revista que, mais tarde, perdeu o interesse pelo projeto. A trama se vale da persona física de Bowie e Iman, mas, curiosamente, nem lembra tanto a estética decadentista daquela fase da obra do inglês (1975, 1976). Para a alegria dos fãs de Gaiman, tem muito de “Sandman” na história, com suas viagens existenciais e cósmicas pela eternidade.
Terceira coleção de contos do inglês Neil Gaiman percorre territórios de mitos da cultura pop britânica DELLANO RIOS Editor de Área
D
esde a segunda metade do século XX, os ingleses tentam reconquistar sua antiga colônia no Novo Mundo. Na primeira metade, os Estados Unidos assumiram um protagonismo na política e economia (e, mais tarde, também cultural), que a velha Inglaterra já ostentou, antes das duas guerras mundiais sacodíla e empobrecê-la. De lá para cá, tornou-se um objeto de busca para jovens britânicos a reconquistar da América. “Conquista” simbólica, que se dá no campo de batalha do chamado soft power, portanto, do imaginário e da cultura e, só indiretamente, da polícia. Em meados dos anos 1960, as bandas da geração BeatlesRolling Stones protagonizaram o que foi chamado de Invasão Britânica. Cerca de duas décadas depois, a mesma expressão foi utilizada para falar de quadrinhistas ingleses, que se tornaram astros do mercado norteamericano escrevendo histórias que, à época, pareciam muito distantes do que os escritores norte-americanos eram capazes de produzir. Ironicamente, o resultado desse tipo de invasão é controverso e, apesar do sucesso alcançado por uma turma e outra, é difícil dizer se eles de fato conquistaram a “América” ou se por ela foram conquistados. Os Beatles se inspirando nos Beach Boys e seu “Pet Sounds” (1966) para criar “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” (1966); os Stones eram – na verdade, ainda são – obcecados pelos velhos bluesmen e, com menos intensidade, pelo country. Alan Moore parece ter destoado. O velho anarquista, autor de clássicos das HQs como “Watchmen” e “V de Vingança”, criou uma obra mais internacionalista (ainda que tenha se mantido fiel a seu torrão natal, a pequena Northhampton). Seu colega Neil Gaiman seguiu mais na linha dos Stones, mantendo uma relação estreia com o imaginário dos Estados Unidos. Seu romance mais famoso é “Deuses Americanos”, que ganhou um derivado – “Os filhos de Anansi”. A mitologia yankee de Gaiman terá seu alcance expandido com o lançamento de uma série baseada nela, que chega à TV dos EUA no próximo ano. Na esteira, uma nova edição brasileira chega às lojas em outubro, pela editora Intrínseca.
Àinglesa Por conta dessa imersão no universo cultural dos EUA, alguns dos contos da coletânea “Alerta de risco” – a terceira de Gaiman – chamam a atenção exatamente por se ligarem às raízes britânicas do autor. Falar em “raizes” não é exagero. Entre as histórias do livro, há contos protagonizados por ícones da cultura pop inglesa (alguns, tão antigos que antecedem essa nomenclatura). Uma das fases do cantor e compositor David Bowie, por exemplo, serve de inspiração para “A volta do Duque branco”. O título, aliás, é o mesmo de uma canção do camaleão do rock, onde ele encarnava o controverso personagem, de palidez mórbida e ideias estranhas – para alguns, hitleristas. A história surgiu de um convite do artista japonês Yoshitaka Amano, que havia recebido uma encomenda de ilustrações retratando Bowie e sua
Doutor Em “Alerta de risco”, Gaiman escreve uma aventura para o Doutor, protagonista da série “Doctor Who” – instituição da ficção científica britânica, com mais se 50 anos de produção quase ininterrupta. Fã da série, o escritor faz um trabalho exemplar e, para quem conhece “Doctor Who”, vai ser difícil ler sem assistir, mentalmente, um episódio da franquia que só existe na forma literária. A trama criada por Gaiman, “Hora nenhuma”, investe em um dos pontos centrais da franquia: as viagens no tempo. A ironia e o humor britânico, característicos da série, estão lá. É, de certa maneira, um exercício de despojamento de
SOPA DE LETRAS Desamparo INÊS PEDROSA Olivro contaasaga deJacinta Sousa,quefoi levadado coloda mãe parao Brasilaostrês anose regressapara aconhecer maisde cinquentaanosdepois.Aautora cria umuniversosingular, uma aldeia emquese cruzam personagens e históriasdevários continentes. Emigraçõese imigraçõesdeontem edehoje,seres solitários e escorraçadosque procuramnovas formasdevida, enquantotentam sobreviveràmaior depressão econômicadasúltimasdécadas. Oamor, atraição, opoder, ainveja, o ciúme,aamizade,o crime, omedo, a
LEYA 2016,296páginas R$49,90 vingançaeamorte atravessam este livroquefaz aradiografiado Portugalcontemporâneo.
O discurso da morte SAVIORAMOSMELGAÇO Aobraabordaas ambiçõeseas consequênciasdasescolhasdeuma raçaquese tornavítima deseu próprioatrevimento.Com narrativa poética,ostextos vasculhamo universoafetivo deumsertão fraco quantoambicioso, desvelando fissurasentre odiscurso eas coisas domundo taiscomo efetivamente são.Adore amágoa, esnobadaspela técnica,sãoapenasa consequência dealgum problemadatado.É assim queumpactopela vidase tornaum derradeiropacto pelamorte.Neste mundo,onde tudo étambém oseu avesso,emoções tornam-sepedra e
GIOSTRIEDITORA 2016,100páginas R$38,00 intençõesmorrem palavra. Aobra retrataaartificial cisãoentre o mundodos homenseo danatureza.
LIVRO
Alguém para amar ALICE MCDERMOTT
Alerta de risco: contos e perturbações NeilGaiman Tradução:AugustoCalil INTRÍNSECA 2016,304páginas R$44,90/ R$ 29,90(e-book)
um escritor consagrado. Afinal, Gaiman se esforça para que seu conto seja mais semelhante a um episódio da série de TV do que, propriamente, a uma de suas histórias. É, por exemplo, mais aventuresca e cerebral e menos lírica do que seus contos costumam ser.
Sherlock Holmes, o Doutor e o Thin White Duke: ícones britânicos e, agora, personagens de Neil Gaiman ARTE: FLÁVIA PEREIRA GURGEL
Lembrançasdispersas— deuma infânciacuriosa, dasdescobertas sexuaisnaadolescência,da maternidade,e, finalmente,da velhice—se reúnem nonovo romancedeAliceMcDermott.Aobra contaahistória deumamulher admirável.MarieCommeford observauma NovaYork pré-Depressãoda varanda desua casano Brooklyn erelembra momentosmarcantes desua vida, comosua primeira desilusão amorosaeotrabalho como “anjo consolador”deumafunerária; o brevee delicado períodoemque seu irmãose dedicou aosacerdócio; seu
GLOBOLIVROS 2016,256páginas R$25,00 casamentofelizeo nascimentodos filhos.Aobraacaba porcompor um retratouniversaldediferentes mulheres,emdiferentes épocas.
Casa de palavras – uma história de amor
Holmes Outro medalhão britânico apropriado por Gaiman é Sherlock Holmes. O detetive de Arthur Conan Doyle é o narrador e protagonista de uma trama em que mergulha no fantástico, domínios em que ele não costumava transitar, mas que são dominados por Gaiman. O que o escritor faz com Holmes, em “Caso de morte e mel”, é bem distinto do que fez com o Doutor. Nas mãos de Gaiman, o detetive assume novas formas. Claro, o autor respeita o cânone, mas não teme levar o personagens para o território do inesperado, do místico.
REBECCA WALKER
Acoletânea A maior parte das histórias de “Alerta de risco” já havia aparecido em revistas e livros coletivos. Além de homenagear figuras célebres, com o escritor de ficção científica Ray Bradbury e a própria Inglaterra, ele aposta em tramas como “A Bela e a Adormecida”, se valendo de duas conhecidas personagens de contos de fadas, entrelaçando as duas histórias em uma releitura bastante original. Há ainda um conto escrito exclusivamente para o livro: “Cão negro”. Nele, Neil Gaiman revisita o mundo de Deuses americanos ao narrar um episódio que envolve Shadow Moon em um bar durante seu retorno aos Estados Unidos.
Um Deus em ruínas
Emsua novela deestreia,a autora direcionaasua atenção para os poderesdo amor etambém para as limitaçõesdo coraçãohumano. QuandoFarida, uma sofisticada universitária,se apaixonapor Adé, umjovem rapazswahili quevive numailha idílicada costado Quênia, começamosplanos decasamentoe deumavida simples,livre de questõesmundanas e preocupações.MasquandoFarida contraimalária e sevê nomeio de umaguerra civil, arealidade batede frentecom eles. Aautorajá escreveuoslivros dememórias Black,White andJewish eBaby
LEYA 2016,176páginas R$29,90 Love,além deter sido editoradas antologiasToBeReal,What Makes aMan,One Big HappyFamily e BlackCool.
KATEATKINSON Narrativarelacionada ao livro“O fio davida”, “UmDeus em ruínas”é consideradopela autora “companheiro”e não continuação dotítulo anterior.“Ofio da vida” contaatrajetória deÚrsula,afilha maisvelhada casa,em um fascinantejogo com otempo. Já estenovo livropercorre asdiversas fasesdatrajetória do caçulaTeddy, umaspirantea poetaque foipiloto duranteaSegunda GuerraMundial. “Umdeus emruínas” retrata acontecimentoscomuns navidade qualquerpessoa,como as complexasrelaçõesfamiliares, as
GLOBO LIVROS 2016,464páginas R$39,90 alegriase asdores. O romancetraz comopanodefundo aguerra eo sofrimentoque elacausa.