Rebentos da Seca

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Diário do Nordeste Fortaleza, Ceará Sábado e domingo, 20 e 21 de agosto de 2016

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MARTA BRUNO LÊDA GONÇALVES Textos

m Vidas Secas, romance de Graciliano Ramos, dois irmãos passam pela história de forma bem particular, mas impiedosa: sem nome, com idade incerta, sem identidade, quase invisíveis para o poder público e até para as próprias famílias, endurecidos prematuramente pela distância das relações, pela aridez do chão que percorrem. Infelizmente, esses meninos da obra de 1938 não se restringem à literatura. Eles representam muitas das crianças criadas em períodos de seca. São universais, atemporais e, sobretudo, reais. Eles são os meninos e meninas que passam pela seca, absorvem suas marcas e as carregam em meio à luta pela sobrevivência, pela água, pelo direito de viver sua infância sem violação de direitos fundamentais. Em comunidades rurais da Região Metropolitana de Fortaleza, a obra de Graciliano é contada muitas vezes há cinco anos. Foto: Natinho Rodrigues


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Diário do Nordeste Fortaleza, Ceará Sábado e domingo, 20 e 21 de agosto de 2016

Tomar banho de balde é uma das alegrias para crianças de comunidades rurais

Beber da mesma GPOUF: água gera saúde ou doença A má qualidade da água nos açudes e o armazenamento inadequado nas casas potencializam o risco de doenças Parafraseando Euclides da Cunha, o sertanejo é, sim, antes de tudo, um forte. Entretanto, quandoosolcastiga,asedediminui resistências, abate o corpo e a mente. A estiagem fragiliza os mais jovens e quem já passou por outros períodos semelhantes. O cenário de escassez de água e privação de direitos alarga-se Ceará adentro, abeirandose a Fortaleza e sua

Região Metropolitana. Olhar com mais apuro para essas bandas tão esquecidas é como mergulhar na obra Vidas Secas, de Graciliano Ramos, onde a rudeza da estiagem faz menino virar adulto ligeiro. Ali, onde a segurança hídrica está em risco, famílias dependemdecarro-pipaparaabastecimento humano, de açudes, cuja qualidade da água é questionável, e de poços, muitos sem funcionamento por falta de ligação elétrica. Esse é o cenário da pior seca dos últimos 50 anos no Ceará, cujo território está 85,47% suscetível à desertificação e onde a mesma água que salva, pode levar à enfermidades e morte. Crianças, adultos, idosos, não importa a idade, todos sabem o significado de conseguir água, seja ela de onde for e como for. Nessa luta pela sobrevivência, vale guardar cada gota. Entretanto, é um perigo a mais para a saúde se o armazenamento não forresponsável.As moléstiaspodemseproliferareatingiraqualquerum. Além dasdoenças diarreicas, a estiagem expõe as famí-

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A água de poço e dos açudes não é confiável. A criança é quem mais sente, porque a quantidade de banho e de hidratação diminui

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MICHELINEARAÚJO Enfermeira

Em cada canto da casa, um depósito

Maria das Graças e seus familiares: milagres diários por água

lias a problemas relacionados à faltadehigiene–micosesedoenças de pele – ou à qualidade da água, com o aparecimento de hepatite A e cálculo renal, em função da salinização da água ou à não hidratação regular. A vulnerabilidade do ambiente também favorece o surgimento de doenças vetoriais, como a dengue, chikungunya, cujo aparecimentoestádiretamenterelacionadoao armazenamento inadequado de água, como em baldes, jarras, caixas-d’água, facilitando a reprodução do Aedes aegypti. A proliferação do vetor é tão severa que sua dissemina-

ção se dá em qualquer recipiente que acumule água, por menor que seja. “O acesso à água potável é um direito humano fundamental, reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), mas é preciso cuidado e conhecimento para buscar soluçõesapropriadas”,alertaoinfectologista pediátrico Robério Leite, do Hospital São José. Segundoele,dejaneiroamarço deste ano, mais de 60 mil crianças entre zero e 9 anos tiveram infecções gastrointestinais no Ceará. Mais de 160 mil casos foram registrados até julho. “Issocomprovaqueodesafioémui-

Quando em uma casa de dois quartos, sala, cozinha e pelo menos 12 depósitos de armazenamento de água se amontoam entre o quintal e a varanda para servir a 14 pessoas, sendo oito crianças, o risco de doenças potencializa-se. Na residência da dona de casa Maria das Graças Henrique da Silva, na localidade de Tabatinga, em Maranguape, falar em dengue é comum. Tanto devido à incidência da doença como pelo risco de manter por uma semana a água em baldes, tambores e em um caixa- d’água no chão, perto da areia e de um filhote de cachorro que é a diversão da casa. “Desde que terminou o inverno é assim. Mas graças a Deus a gente ainda tem essa água, mesmo amarela, pra tomar banho, lavarroupa elouça. Pra cozinhar não precisa de muito porque também não tem muita comida”, admite Maria das Graças, diante dos netos e de uma panela de arroz que servirá de almoço para todos na casa. Para beber, a solução é comprar. Por experiência própria,

&5212/2*,$ Indica os anos de seca, a partir da década de 1950, sendo que a média histórica do Estado é de 800,6 milímetros Chuva (milímetros) Ano 1951 ~ 297,28 1953 ~ 390,97 1954 ~ 483,08 1958 ~ 206,87 1966 ~ 456,44 1970 ~ 370,31 1972 ~ 430,88 1979 ~ 428,89 1981 ~ 488,54 1982 ~ 477,81 1983 ~ 307,87 1990 ~ 426,84 1992 ~ 444,14 1993 ~ 289,31 1998 ~ 241,5 2001 ~ 442,86 2005 ~ 444,93 2010 ~ 302,27 2012 ~ 302,47 2013 ~ 376,79 2014 ~ 565,5 2015 ~ 532,7 2016 ~ 555.1 FONTE: FUNCEME

to grande. Temos que resolver o problema hídrico sem criar outro ligadoàsaúdepública comodengue,zika,chikungunya,entreoutras enfermidades”. Mesmo porque a qualidade da água nos açudes, onde são abastecidos os carros-pipa, é comprometida. Segundo o relatório da Companhia de Gestão de Recursos Hídricos (Cogerh), todos os açudes estão com má qualidade da água, em diferentes níveis. De 111 reservatórios vistoriados, 98 apresentaram substâncias indesejáveis ou estão com risco acentuado. Já os outros 13 têm qualidade comprometida. A última análise foi feita em fevereiro.Comparandocomaanterior, de novembro de 2015, a situaçãopiorou,dadasaescassez de água e a baixa renovação. Com dez filhos para criar, o agricultor de Horizonte, Manuel deOliveira,precisoudividiraresponsabilidade das crianças após a esposa falecer há quatro meses. As duas meninas, uma de oito meses, ficaram com a sogra dele e os meninos, com o pai. “São duas cisternas secas, no poço não tem água, tem que buscar na Tapera, quando aparece um carropipa a água não presta”, diz. O primogênito, Rafael Freitas de Oliveira, 20, abriu mão dos estudos para ajudar na criação dos irmãos. “No dia que não tem água a gente tem que sair pedindo. Sem a mãe é ainda mais difícil”, revela. ASSISTA AO VÍDEO

http://bit.ly/doc-rebentos-da-seca

ela sabe que ingerir água de carro-pipa certamente resulta em doença. “Já teve menino de quase morrer aqui dentro de casa com dor de barriga por causa da água. A gente fica com pena, porque os bichinhos têm sede e a gentesó podedarde pouquinho. E com medo”, confessa. Ciente do risco de armazenamento inadequado, Maria das Graças acredita estar “vivendo de misericórdia”. Ela comumentevaiaCentraisdeAbastecimento do Ceará S.A (Ceasa-CE), no município vizinho, Maracanaú, para recolher frutaseverdurasdispensadas por vendedores e compradores. “É o resto, mas tem é coisa boa, os meninos adoram”. Uma das netas, LucimaraVitóriaSilvaRamos,12,játevedengue e passou dez dias entre a casa e o hospital. “Quando tem água a gente aproveita. Dá até vontade de ficar brincando nas bacias, mas não pode”, conforma-se.

EXPEDIENTE EDITORA VERDES MARES LTDA Praça da Imprensa Chanceler Edson Queiroz - Dionísio Torres - CEP 60135.690 - Fortaleza - Ceará - Telefone: (85) 32669631 | Diretor Editor: Ildefonso Rodrigues | Editora de Área Geral: Marta Bruno | Chefe de Produção de Área Geral: Erilene Firmino | Editora de Cidade: Dahiana Araújo | Textos: Marta Bruno e Lêda Gonçalves | Fotografias: Natinho Rodrigues e Cid Barbosa (bordados) | Edição de Arte/projeto gráfico/design: Flávia Pereira Gurgel | Revisão: Vânia Monte


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Estudar para NVEBS o cenário A valorização e respeito aos recursos naturais são ensinados desde cedo em comunidades e nas escolas rurais O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que é dever do Estado, da família e da sociedade garantir, entre outros direitos, o acesso de crianças e adolescentes à educação. Em qualquer situação. Em um contexto de vulnerabilidade social, a garantia desses direitos tornase um desafio a ser transposto todo dia, inclusive quando não tem água no colégio. Na Escola Municipal de Ensino Fundamental Abdon Dantas de Almeida, nos Guanacés, em Cascavel,alunos,professores e comunidade escolar estão aprendendo com a dificuldade como reaproveitar e econom i z a r água. Por meio do projetoComVida, são realizadas ações em sala de aula, na área externaàescola e na comunidade periodicamente. Um dos exemplos fica em um espaço antes inutilizado na unidade, mas que agora funciona para horta e plantio de espécies medicinais ornamentais. Tudo é cultivado em recipientes reciclados e a água chega através de uma ligação feita com o bebedouro. “Parece um exemplo pequeno dentro da cidade, mas o que fazemos aqui estamos levando para casa. Na minha, a água da roupa serve

Bebedouro é opção nas escolas e serve como exemplo de bom uso da água

para o banheiro e para as plantas. Lá em casa a gente não desperdiça uma gota d’água”, testemunhaaestudante Érika Beatriz Rodrigues da Silva. Para a professora Patrícia Nunes da Silva, parte do projeto inclui sensibilizar a comunidade. “O papel da escola está além dos muros também. O conhecimento não deve ficar somente aqui”, esclarece. Entre os índios, a valorização e o respeito aos recursos naturais são ensinados desde cedo de forma natural. Quando chegam à escola, o saber tradicional encontra as bases do conhecimento. Na escola Indígena Índios Tapebas, em Caucaia, o processo é inerente ao ensino e à proposta do equipamento, mas a estiagem faz o aprendizado ir além. Embora a escola tenha cisterna e poço, ocorre de faltar água. Quando isso acontece, os alunos não assistem a todas as aulas e são liberados mais cedo. Quando não, para

evitar que eles fiquem sem aula, adireçãosolicitaqueosestudanteslevem água de casa paraconsumopróprio.“Nãoétodasemana, mas acontece”, diz a aluna GrazieledeAlencarLima.Contudo, para ela, esse não é o maior dos problemas. “Ruim é quando falta em casa, porque a gente tem que pegar lá no açude. Se não for, a gente brinca e fica com sede, sem ter o que beber, sem poder tomar banho, tem só que se molhar mesmo”, revela. Já o estudante Leandro Alencar Costa, que mora na Comunidade Lagoa, nunca tomou um banho de chuveiro ou viu uma piscina. “A gente aqui é só no

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Projeto em Cascavel envolve alunos, professores e comunidade em busca do consumo consciente por meio do reúso de água

balde. Meu sonho é ser um doutor. A primeira coisa que nunca ia faltar na minha casa era água boa e limpa”. Fernando Helimax Melo Brasil, 21, não tem água em casa, mas Internet, sim. Morador de Curimatã, em Pacajus, ele terminou o ensino médio, mas ainda está se preparando para cursar Educação Física. “É meu sonho. Mas, por enquanto, estudo em casa e ajudo minha mãe com meu irmão”. O auxílio, no caso, não é tão simples quanto parece. Fernando, o irmão de 16 anos e o sobrinho de 11 buscam água em um poço a 5km de casa. Fora isso, todo dia pega água na cacimba do quintal, onde a água já rareia.

“Em cada balde que eu puxo derramo um bocadinho do lado. Os mais velhos dizem que isso traz água de volta”. O ritual não é só tradição. As imagens de santos dispostos à frente da cacimba mostram que ali mora gente de fé. “É isso que nos mantém aqui. Quando meu pai morreu, há dois anos, ele sonhava com fartura aqui, aposentadoria tranquila. Vou lutar até o fim para realizar o sonho dele. Se não plantando, vai ser estudando e batalhando pra água chegar em casa”, planeja.

Estrutura ASecretariadaEducaçãodoCeará(Seduc)informaquearedena Capital e Região Metropolitana é formada por 242 escolas. Todas são atendidas pelo abastecimento público e têm saneamento básico. Do total, 121 contam com cisternas ou poços, sendo que19apresentamasduasestruturas. Outras nove cisternas foram autorizadas em escolas da Região Metropolitana e no Interior. Quandoháescolas que apresentam problemas de abastecimento, o órgãotomaprovidências para compra de água adequada ao consumo humano. “Esse atendimento às escolas tem evitado a descontinuidade das aulas”, garante a Pasta, em nota.

Escassez motiva falta nas escolas De Beira Rio para Pedra D’água, a dona de casa Ana Cláudia Silva Lima mudou de comunidade, dentro de Maranguape, para fugir da violência. Mas sabia que, apesar de os nomes remeterem ao recurso hídrico, em ambas as localidades a situação é a mesma: escassez, inclusive nas escolas. Com quatro filhos entre 9 e 1 ano de idade, ela tem acostumado os maiores a economizar águada mesma forma como tem sido ensinado na escola. “Lá em casa não tem cisterna, não tem poço nem água encanada. A gente junta o que vem de carro-pipa e deixa nos baldes até chegar de novo”, diz, referindose a uma espera de uma semana, em média. Ela conta que, com as crianças, mantém os recipientes limpos e aproveita a água como pode.Mascomcriançanemsempreéprevisível. “Os meninos são calorentos, ficam suados, com sede. Não deixo nem que eles corram muito nem fiquem na rua pra não se sujarem tanto. Mas como é que controla?”. Outro aspecto inesperado é a qualidade da água. “Na escola converso com as professoras e elas dizem que é perigoso beber essa água amarela. Às vezes, os meninos nem vão pra aula quando falta água, porque não tem como lavar a farda. Os meus já passaram de dias sem ir por causa disso”, justifica.

Com cisterna de placa, escola tem água reposta por carro-pipa, uma vez por semana

A professora da Escola Municipal Cristóvão Colombo, em Maranguape, Cristiane Costa, sabe bem das dificuldades de educar em meio a uma seca que dura cinco anos. Segundo ela, a escola já passou 15 dias sem água. Não fosse a cisterna, diz, não haveria como manter as aulas. A limpeza da unidade também preocupa


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No reino do CSJODBS

Falta água no circo do palhacinho Alfinim, mas brincadeira, não. Mesmo em tempos de dificuldade para fazer rir, ele vive a infância entre malabares

Estudos apontam que as brincadeiras auxiliam o desenvolvimento físico, mental e emocional da criança e do adolescente Se uma das habilidades emocionais desenvolvidas no ato de brincar é a resiliência, as crianças da zona rural dão provas diáriasdeque sãoverdadeirosguerreiros. A força, a maneira como lidam com perdas, sacrifícios, mesmo os menores de cinco anos, servem de exemplo. Para o Fundo das Nações Unidas para a Infância(Unicef), é preciso garantir, antes, durante e depois os períodos de estiagem, tão comuns ao semiárido nordestino, os direitos dos pequenos cidadãos. “Inicialmente, é necessário planejar e executar estratégias de prevenção, preparação e mitigação,reduzindoassimoimpacto de possíveis situações emergenciais na vida de crianças, adolescentes e gestantes. Ocorrendoaemergência,éprecisotraçarumarespostaderecuperação eficiente e sustentável”, aponta estudo da entidade.

Ações A especialista em programa do Unicef, Francisca Maria Andrade, diz que se as repercussões no corpo e mente de quem sofre com pouquíssima ou quase nada de água são incalculáveis, elas se tornamquaseirreversíveisnafaixa mais suscetível da população: a infância. No Estado, segundo dados da Secretaria de Recursos Hídricos, 2 milhões de cearenses, de 143 municípios, concentrados sobretudo na zona rural, dependem de ações emergenciais. Nesse cenário marrom, crianças e adolescentes trocam, muitas vezes, o brincar, o lúdico, a fantasia própria da idade, pela tarefadeconseguiráguae,quando a ajuda chega, em forma de caminhão-pipa,elesreúnem forças para levar baldes e baldes para casa. Na aridez do cotidiano, onde até o suor é poupado, a vontade

de ser criança fala mais alto. Entre uma tarefa e outra, é hora de destravar a imaginação. Nesse mundofantástico, eles viram super-heróis e podem salvar a todos das penúrias da seca. Debaixo do sol escaldante, é hora de soltar pipa. Agora, viram superheróis que irão salvar a todos das penúrias da falta d’água. É hora de soltar pipa, de voar sobre a vegetação quase esturricada de tantas e tantas léguas. No chão de terra batida, a bola rola com dificuldades, mas nem a poeira impedeosváriosgolaços. E quando o circo chega...ah! não tem dinheiro

que pague tanta alegria. O brincar faz parte da aprendizagem e estimulaacriatividade,oraciocínio lógico e estimula o desenvolvimento físico e intelectual, afirma a socióloga Penha de Souza. “É uma das principais formas de expressão das crianças, que passam a construir significados e a interpretar sua existência no mundo”, analisa. Em sua visão, independentementedasituação queseenfrente, como estiagens ou outras situações, essa garantia ao lúdico deve ser prioridade em qualquer comunidade. “A brincadeira constitui o reino do possível, do aceitável e do modificável, por esta razão, existe uma finalidade em si mesma”, pontua.

Infância e sorrisos em tempos secos Alexandre Silva Filho tem só 5 anos de idade, mas alcunha importante no universo do circo: Alfinim, o palhaço mais novo do Ceará. Nascido com a última seca, o menino tem conhecido as instabilidades da vida errante. Mesmo assim, os pais cuidam para que, vagando pelo Interior do Estado, o menino não deixe de viver a infância. Fácil não é. Segundo o pai, AlexandreSilva,opalhaçoRapadura, é difícil fazer rir nos últimos anos. “Cai o público, as pessoas não podem pagar (em média R$3,00 a entrada), não tem comofazerrenda.Essatemporada está complicada. Trabalhamos duas noites por R$15,00. Isso atinge a gente também, porque a gente fica triste. É a nossa vida. Não queremos nem sabemos fazer outra coisa”, relata. Em cada lugar que chega, o circo do Rapadura também divide água com a comunidade. “O

circo vive a seca, passa por ela com o mesmo sofrimento de quem vem assistir a gente”, mostrando os depósitos de água distribuídos entre o terreno doado para as apresentações. A água, a comida e todo o apurado precisam atender a 13 pessoas, mas a prioridade é o palhacinho. “Faço tudo para meu filho não perder essa referência. Falta pra mim, mas tiro da minha boca pra dar pra ele”, admite. ParaAurilenePereira,quemoranacomunidadeAltodosPereiras, em Maranguape, onde o circo passou no início de agosto, as crianças têm uma infância bem diferente da que ela viveu. “Aqui passa de três meses sem um pingo d’água na torneira, mas vou buscar onde for pros meninos (os sobrinhos de 4, 7 anos e um bebê de 6 meses”, diz. “A gente está pedindo a Deus que chova. Se eles estudarem, talvez tenham uma vida diferente”, diz.

',5(,726 Toda criança e adolescente têm direitos A oportunidades e facilidades que garantam desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade; De proteção à vida e à saúde, mediante políticas sociais públicas e em condições dignas de existência; À liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais;

A família de Eduardo valoriza o brincar. Apesar da terra árida e da poeira que potencializam a asma dele, é nesse cenário que o menino dá vida aos seus heróis

À convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral; À educação, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; Às diversões e espetáculos públicos classificados como adequados à sua faixa etária. FONTE: ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA)


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6BCFSFT do tempo, de pai para filho A herança da seca não é sentida só na terra. A lida sertaneja transmite saberes a partir da observação da natureza e das relações familiares “Acor da esperança do camaleão vai embora, o sabiá geme de dor, se aquebranta e desaparece. Se outro pássaro canta, o coitado não responde; ele vai não sei pra onde, pois quando o inverno não vem, com o desgosto que tem, o pobrezinho se esconde”. Patativa do Assaré converte em poesia o saber sertanejo sobre o retrato da seca, ano após ano, passando por gerações uma herança marcada pela resistência, até quando é possível resistir. Para o cearense de qualquer idade, os sinais da natureza como a observação da vegetação, a posição das estrelas, da lua, o comportamento e o canto dos pássaros, o vento, a cor do sol e das nuvens indicam se haverá ano bom para chover ou não. A tradição popular e a fé nas palavras e previsões dos profetas da chuva são repassadas de pais para filhos no Nordeste. Até porque, para o sertanejo, desvendar o tempo futuro é para quem tem dom, mais do que Ciência. Na visão da psicóloga Selma Câmara, os meteorologistas fazem a previsão do tempo estudando vários aspectos da atmosfera: massas de ar, frentes frias ou quentes, umidade do ar, temperatura do lugar, pressão atmosférica, El Niño, La Niña, termos tão distantes do cotidiano do nordestino que para ele, a figuradoprofetaestá maispróxima e o entendimento a partir de saberes tão simples está ligado intrinsecamente a suas vidas. “Fica mais fácil compreender se haverá excelente quadra chuvosa ou não a partir da sabedoria simples desses homens e mulheres do que perceber as explicações da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) em relação aos vórtices ciclônicos

ou zonas de convergência intertropical”, analisa. Em todos os janeiros, as atenções se voltam para o encontro de profetas, em Quixadá. Até lá, até quem ajuda no abastecimento, como soldados e oficiais do Exército, aprenderam a ter crença e fortalecer a esperança em dias melhores. “Não temos apenas uma missão a ser cumprida, masumcompromissosocialfundamental”, diz o coordenador da Operação Carro-Pipa no Ceará, coronel Claudemir Rangel.

Trabalho Entre andanças em busca de água em locais cada vez mais remotos, ele confessa que muitas vezes, a emoção de levar vida para quase um milhão de pessoas é muito forte. “É gratificante observar o olhar de cada um, principalmente dos mais idosos e de meninos e meninas. Não é só um simples trabalho, para gente, é a renovação, uma nova oportunidade a cada dia para eles. Por isso, a rapidez em atendê-los, em não faltar um só dia marcado”, declara. O agricultor Francisco Chagas de Oliveira, de Choró Tapera, a 10km de Chorozinho, aprendeu a lida na roça com o pai e repassou o saber para os filhos, mas eles preferiram os estudos. Nessa seca, perdeu toda a plantação.Sósobrarammandiocas miúdas e ressecadas para fazer ração. “O homemdaroçaédesse jeito: só deixa quando morre”.

Chagas se vê só no contexto de estiagem. “Meus filhos não querem, não tem água. Só tenho Deus”

Água da lagoa é única fonte

A água salobra não serve para beber, mas é diversão em tempos de estiagem

O nome da localidade é Primavera, mas o cenário atual não remete à estação do ano. As únicas flores são as mantidas em pequenos jardins sustentados a água de roupa lavada e de banho tomado. Mas uma pequena lagoa, com água salobra de uma chuva de janeiro, é a diversão das crianças e serventia das donas de casa para uso doméstico. A expectativa é que, daqui para o fim do ano, o lago se esvazie por completo. Foi assim, vendo esse espaço encher e secar conforme o tempo, que a dona de casa Maria Alice da Rocha Lima criou os nove filhos, hoje com idade entre 10 e 30 anos. “A gente vem aqui tomar banho. Para beber, a gente pega do carro-pipa e ferve. En-

tra ano e sai ano é assim. Água encanadanão tem. Aqui, a gente só tem água quando Deus manda. Essa não é boa. A cor dela já diz, mas vou fazer o quê?”, resigna-se. Segundo Maria Alice, os filhosestudaram,algunsjátrabalharam, outros ainda estão na escola, mas todos cresceram vendo essa rotina de dificuldades. “Depois de grandes, eles entendem. É muito difícil botar umacriançaparaempurrarcarro de mão com balde d’água. É pesado, no sol quente, dá pena”, conta, mostrando que, com água no lago, pelo menos a diversão está garantida. “Quando tem água ninguém nem se lembra de sofrimento. Isso é a coisa mais preciosa que existe”, analisa a dona de casa.

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A bordadeira e professora Lúcia Ferreira cresceu cercada de tecidos, linhas e agulhas. Era natural que aprendesse o ofício com a mãe, que costurava e bordava com tricô e crochê. Aos 12 anos, já tomada pelos traçados, fez o primeiro curso na cidade que hoje ainda é referência no bordado, Itapajé, distante 120km de Fortaleza. Hoje, em aulas parainiciantesou paraexperientesbordadeiras, leva o sertão para os tecidos, com cores, poesia e lembranças do que viveu na infância e traz como registro damemória emseutrabalho. Um deles nasceu neste ano, em um curso na Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho, em Fortaleza, que funciona em uma tradicional e preservada casa na Avenida Francisco Sá, no Jacarecanga. Com 20 alunas e duas ouvintes, durante três meses, ela e a turma bordaram trechos da poesia O SabiáeoGavião, dePatativa doAssaré. Com desenhos feitos pela professora e bordados pelas alunas, as aulas partilhadasdiante deum quintal que parece apartado do tempo resultaram em uma toalha de linho de 3 metros por 1,60 e muitas vivências. A fauna e a flora que acompanham a poesia de Patativa riscada no pano ilustramas páginas deste DOC. “É interessante trazer um autor cearense para o bordado e mostrar uma poesia que fala da seca, do sertão. Lembro que a gente passavaoinvernonosertão.Abrincadeira era no rio, no açude, catar ovo dos capotes. Mas na seca a realidade era muito dura. Os pequenos ajudavam como podiam, varrendo o terreiro, trabalhando na roça. Levar isso para o bordado énão deixar essas lembranças morrerem”, reflete Lúcia Ferreira. No cordel de Patativa, um ninho de sabiás é alvo de um gavião, “assassino das aves que canta pra gente ouvir”. Na narrativa, o autor rememora uma lembrança de infância cercada de apego à simbologiasertaneja.

Em Capim Grosso, pé de serra em Caucaia, Anuncaiada Silva leva água para os netos

Neste ano, a professora levou o curso As Flores da Caatinga para Itapajé, onde boa parte das famílias ainda sobrevive do bordado tradicional. Com a proposta de transpor a realidade paraos panos,ocursofoiministradoemSerrotedoMeio,comunidaderuraldomunicípio.Asbordadeiras incorporaram a ideia e levaram o próprio universo para as linhas e agulhas. “É possível unir o contemporâneo e a arte à tradição e à nossamemória”, propõe.


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Luta pela WJTJCJMJEBEF e sobrevivência A seca mais severa dos últimos 50 anos não exclui ninguém na luta pela água. Na Região Metropolitana de Fortaleza, as comunidades rurais são as mais afetadas Na dureza aparente de quem vive na zonarural, mesmo tão próximo da cidade “grande”, a esperança é expressa pelo olhar. Entre tantas tristezas e um dedo de desilusões, essa confiança é a única que mantém os sonhos e a fé de poder até jurar, de tanto desejo, que há água da boa bem embaixo de seus pés. Para essa gente,opoçoartesiano,tãoesperado e motivo de lutas, há de se confirmar. Com ele, a comida mais farta na mesa, pessoas menos endurecidas, algum sorriso e, para as crianças, uma daquelasantigasbrincadeirasdeinfância: tomar banho de mangueira. A oferta que ainda resta nos reservatórios e mananciais traz em si um valor mais do que simplesmente ser uma composição química:H2O. Ela representa vida, esperança, sobrevivência. Em cinco anos de estiagem, a seca extrapola limites e chega determinada na Região Metropolitana de Fortaleza. O período, para meteorologistas da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), é o mais severo já enfrentado pelo cearense, com consequências imensuráveisnão só parao adulto, como, principalmente, para a criança e adolescente. Não importa a faixa etária, o que se faz, como se vive. Todos dependem dessa água para viver.

Clima O geógrafo Jeovah Meireles, da Universidade Federal do Ceará (UFC), analisa que o clima do Ceará é marcado pela aridez. As secas são periódicas, e, desde que a ocupação territorial foi consolidada, a população busca alternativas. A professora do DepartamentodeGeografiadaUFCecoordenadora do Curso de Doutorado emDesenvolvimentoeMeioAmbiente em Rede, Vládia Pinto Vidalde Oliveira,apontaque grande parcela do território do Ceará, em torno de 85,47%, é suscetível à desertificação. Assim, as áreas passíveis a esse processo, no Ceará, são os núcleos de Irauçuba,principalmente,osmunicípios de Irauçuba, Santa Quitéria

No Amanari, em Maranguape, a seca faz antigos cenários surgirem no entorno do açude

26 9(1726 ( $ (67,$*(0 Quando eles descem sobre a região, a umidade não sobe e as nuvens de chuva não se formam. Entenda como os ventos lá da Indonésia acabam afetando o Nordeste. Os ventos oriundos de baixa pressão sobre a Indonésia cruzam o Pacífico a 15 mil metros de altitude; Com o Pacífico aquecido, devido ao El Niño, os ventos frios descem junto à costa oeste da América do Sul; Parte da coluna de vento, novamente aquecido, torna a subir, provocando chuvas no Peru e na região amazônica; Após perder calor e umidade, o vento volta a descer, agora sobre o Nordeste, impedindo a formação de nuvens de chuva. O El Niño é um fenômeno natural que se repete em intervalos irregulares, que costumam variar entre dois e setes anos. Esse evento climático acontece em razão do aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico, mais precisamente das áreas próximas à costa oeste do Peru e países vizinhos. No Brasil, o fenômeno também contribui para o aumento de chuvas nas regiões Sul e em partes do Sudeste e do Centro-Oeste.

e Canindé, as regiões dos Inhamuns/SertõesdeCrateúseoMédio Jaguaribe. “Dessa forma, a Região Metropolitana de Fortaleza não está inserida nesse contexto”, frisa. Qualquer alteração negativa da paisagem, que tenha sido afetada pela ação do homem, é considerada degradação e não desertificação. Por exemplo, não posso dizer que as áreas dos tabuleiros pré-litorâneos ou mesmo o ecossistema manguezal estejam desertificados, mas posso dizer que estão degradados”, diferencia. Por outro lado, salienta, independentequeaRegiãoMetropolitananão esteja inserida no conceito de desertificação, a problemática da seca que ocorre nas áreas circunvizinhas ou sertanejas repercute na RMF, por meio dos seus aspectos socioambientais, pois tudo está conectado. “Citamos o êxodo rural quando o homem abandona o campo em busca de melhores condições e oportunidades na Capital, onde provavelmente se instalará em favelas ou em áreas de riscos”.

O La Niña é um fenômeno exatamente inverso. Ele representa um esfriamento anormal das águas do oceano Pacífico em virtude do aumento da força dos ventos alísios. No Brasil, o La Niña provoca os efeitos opostos, com a intensificação das chuvas na Amazônia, no Nordeste e em partes do Sudeste. Além disso, o La Niña provoca a queda das temperaturas na América do Norte e na Europa.

“Espero poço há 8 anos com muita fé”

“Quando eu era criança de 8 anos, aqui tinha era um riacho na porta de casa”

A seca de 1958 ainda é bem viva na memória de Anita Ferreira dos Santos, conhecida como Caduca. À época adolescente, juntava-se aos irmãos para buscar água em cabaças. “A diferença é que hoje tem balde. Aqui tem um poço pronto há oito anos. O portão nem abre por causa do mato. Todos os registros prontos, o encanamento também, mas nunca vi água encanada. Banho em chuveiro nunca tomei”, conta. Para a dona de casa, dependerdecaminhão-pipaédesumano. “A água não dá pra semana toda. A gente precisa comprar. Nesse ano, colhi seis latas de feijão que não consegui cozinhar, de tão ruim. Deixo faltar pra mim, mas pras crianças a gente faz de um tudo”, confessa, em uma casa de terra batida, paredes de barro e fogão à lenha.

Painéis solares: apostas das comunidades Não é só cavar um poço e tudo está resolvido. Para funcionar, são necessárias bombas destinadasapuxaravazão,oque depende da energia elétrica, solar ou eólica. Nessa perspectiva, a Secretaria de Recursos Hídricos do Estado (SRH) busca o aval do Tribunal de Contas do Estado (TCE)paraliberarpregãoeletrôniconacontrataçãodeempresas queinstalempainéissolares.“Essa forma é mais democrática e rápidadelicitação”,afirmaotitular da SRH, Francisco Teixeira. Com isso, se tudo correr bem, aexpectativaéque,emumperíodode 90a 120 dias, essespainéis estejam sendo colocados em vários poços, solucionando um dos grandes problemas enfrentados por inúmeras comunidades. “Os lances serão dados pela Internet, tendo um valor de referên-

cia para as empresas interessadas”, explica. Enquanto esperam, moradorestambémfazempromessaspara o santo padroeiro do Ceará, São José, para que 2017 comece com chuvas suficientes a fim de encher as cisternas e boas para a lavoura. Segundo a Funceme, esse cenário é possível. Conforme monitoramento da Temperatura de Superfície doMar (TSM) do OceanoPacífico, há maiores chances de La Niña (resfriamento), neste segun-

do semestre de 2016 até o início de 2017, e uma maior chance de a condição de neutralidade durante o trimestre março-abrilmaio do ano que vem, período que coincide com os meses de maiores médias de precipitação na quadra chuvosa. Deacordo com o meteorologista David Ferran, desde 1950 condi-

ções de neutralidade no trimestre em questão ocorreram em 38 anos, dos quais, no Ceará, houve seca em 12, as chuvas ficaram na média em 13 e os outros 13 foram chuvosos. Segundo ele, se persistirem as atuais condições, a informação passada pelas temperaturas do Pacífico é muito indefinida. “E aí teremos que olhar com mais atenção parao Atlântico, para elaborar os prognósticos oficiais. Isso deverá ser feito no início de 2017, mais próximo da quadra chuvosa”, comenta. Há chances de ocorrer o La Niña a partir do trimestre setembro-outubro-novembro de 2016.Entretanto,explica,asprevisões indicam que a duração do fenômeno pode ser curta, já que as probabilidades de neutralidadesãomaioresapartirdotrimestre março-abril-maio de 2017.

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DEDÉ TEIXEIRA Titular da SDA

OsprogramasÁguaparaTodoseSão Josésãoconsiderados vitaisparaa região.OsdoisestãorecebendorecursosdoMinistériodaIntegração?

Houve cortes, sim, nos repasses da União em relação aos programas. O primeiro, por exemplo, ainda aguarda liberação da ordem de R$52 milhões. Mesmo assim, no São José, entre 2015 e 2016, já foram executados 42 sistemas de abastecimento d’água beneficiando 4,8 mil famílias, em 23 municípios num investimento total de R$17,6 milhões. No período, foram instalados 5,5 mil módulos sanitários em 53 municípios e 15 Sistemas de Reúso de Água, num total investido de R$203milhões. Qualopapeldasprefeiturasnesse processo?

Semana passada foi fechado um acordo inédito entre o governo do Ceará e gestões municipais. Antes, os poços eram perfurados pelo Estado, mas o serviço de instalação sofria com interrupções e atrasos. Agora, o município e o gestor do saneamento, no caso Cagece ou Sistema de Abastecimento de Água e Esgoto (SAEE), serão responsáveis pela instalação e gestão dos poços.


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