Primeira Infância no Município 2025 - Segurança e proteção à violência
Segurança e proteção à violência
REALIZAÇÃO: PARCEIROS:
Primeira Infância no Município – Segurança e proteção à violência faz parte de uma série produzida pela Fundação Maria Cecilia
Souto Vidigal que tem por objetivo auxiliar gestores municipais na garantia dos direitos das crianças na primeira infância.
Direitos e permissões
Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução total ou parcial deste documento, desde que citadas a fonte e a autoria.
Sugestão de citação
Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (2025), Primeira Infância no Município –Segurança e proteção à violência
Realização
Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal https://fundacaomariacecilia.org.br
Parceria institucional
Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon)
Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes
Rede Nacional Primeira Infância (RNPI)
Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF)
Da obra
Coordenação-geral
Karina Fasson
Erik Soares
Leila Sousa
Coordenação editorial
André Vieira
Redação
Letícia Araújo Moreira da Silva
Roberta Corradi Astolf
Revisão técnica
Atricon
Cezar Miola (coordenador da Comissão de Educação)
Leo Arno Richter (auditor do TCE-RS)
Priscila Oliveira (assessora do TCE-RS)
Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes
Lucas José Ramos Lopes (secretário-executivo)
Carolina Terra (integrante da Comissão de Conhecimento e pesquisadora no Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobrea Infância)
Deborah Kotek Selistre (integrante da Comissão de Conhecimento e consultora associada na Avante Educação e Mobilização Social)
RNPI
Solidade Menezes (secretária-executiva da União dos Conselhos Municipais de Educação de Pernambuco - UNCME-PE)
Vaneska Melo (diretora administrativa e financeira UNCME-PE)
Mariana Luz
CEO
Leonardo Hoçoya
diretor de Operações
Carine Jesus gerente de Operações
Marina Fragata Chicaro
diretora de Políticas Públicas
Karina Fasson
gerente de Políticas Públicas
Erik Soares
analista de Políticas Públicas
Paula Perim
diretora de Sensibilização da Sociedade
Sheila Ana Calgaro
gerente de Sensibilização da Sociedade
André Vieira
analista de Sensibilização da Sociedade
Luzia Torres Gerosa Laffite (superintendente do Instituto da Infância – IFAN)
UNICEF
Youssouf Abdel-Jelil (representante do UNICEF no Brasil)
Maíra Souza (oficial de Desenvolvimento Infantil na Primeira Infância)
Luiza Fachin Teixeira (chefe interina de Proteção à Criança e ao Adolescente)
Caena Rodrigues (consultora externa do Primeira Infância Antirracista)
Redação final
Flávia Yuri Oshima
Revisão
LF Consultoria e Revisão Textual
Design
Marília Filgueiras
Ilustrações
Anna Luiza Oliveira/The Infographic Company
PRIMEIRA INFÂNCIA NO MUNICÍPIO
Segurança e proteção à violência
Como articular as políticas de segurança pública para a promoção e proteção da primeira infância
A Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal agradece à Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), à Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência Contra Crianças e Adolescentes, ao Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e à Rede Nacional Primeira Infância (RNPI) pela valiosa colaboração na revisão técnica deste documento. Suas contribuições na análise de conceitos, pesquisas legislativas e sugestões de redação foram fundamentais para aprimorar o conteúdo desta publicação, reforçando seu propósito de apoiar as prefeituras brasileiras na qualificação dos programas e serviços voltados à primeira infância e suas famílias.
Introdução
Por que cuidar da primeira infância é cuidar do município inteiro?
Por onde começar
Como implementar programas de segurança pública institucionalizados e perenes para a primeira infância
Realizar diagnóstico
Reconhecer o que existe, o que falta e o que precisa ser melhorado é fundamental para focalizar as ações e os recursos dos programas de segurança
Promover e zelar pela qualidade e equidade da oferta
Para ajudar cada família, com suas especificidades, a proteger sua criança, é preciso organizar a rede de proteção para entregar a cada região o atendimento de que ela necessita
Estruturar a área de recursos
humanos e o orçamento
Ter equipes qualificadas e fontes de financiamento discriminadas são ações fundamentais para a institucionalização dos programas
Monitorar e avaliar
Acompanhar e avaliar de forma sistemática e constante a execução dos programas de segurança garante a melhoria contínua e o bom uso de recursos
Considerações finais
Introdução
Por que cuidar da primeira infância é cuidar do município inteiro?
O artigo 227 da Constituição Federal estabelece a criança como prioridade absoluta, reconhecendo-a como sujeito de direitos e atribuindo à família, à sociedade e ao Estado a responsabilidade de garantir seu direito à vida, educação, lazer, cultura, liberdade e convivência.
Na primeira infância, que vai até os 6 anos de idade, essa prioridade se intensifica, pois é nesse período que as crianças constroem, de forma rápida e intensa, as bases para o seu desenvolvimento físico, mental e socioemocional. As experiências diárias, interações sociais, brincadeiras, alimentação, sono e a sensação de acolhimento e segurança influenciam diretamente a construção de valores, princípios e habilidades que a criança carregará por toda a vida.
Diversos estudos científicos das últimas décadas comprovam que o bom desenvolvimento na primeira infância é fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa, reconhecendo e enfrentando as desigualdades raciais que afetam o pleno exercício dos direitos das crianças. Ao investir nas crianças de hoje, estamos formando cidadãos mais saudáveis e capazes de contribuir para o bem-estar coletivo e fortalecer as estruturas sociais. Esses benefícios se estendem às gerações futuras, promovendo e ampliando o desenvolvimento social.
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Portanto, ao priorizar políticas públicas voltadas à primeira infância, o município não apenas cumpre uma determinação constitucional, mas também investe estrategicamente no desenvolvimento sustentável de toda a população.
O município é o território que entrega aos cidadãos a maioria dos serviços de que eles precisam para viver de forma digna. Entre os deveres do poder público municipal está o de atender os direitos da criança. Esses direitos são garantidos pelos vários setores da administração pública, uns, diretamente – como saúde, educação infantil, assistência social – e outros, transversalmente – como proteção contra a violência, segurança alimentar, saneamento básico. Os direitos humanos são indivisíveis, inseparáveis e complementares entre si. Portanto, a estratégia que melhor ajuda a atendê-los é a intersetorial, isto é, em diálogo, cooperação e articulação entre os setores para uma ação conjunta e integrada. Na segurança pública brasileira, os governos estaduais são responsáveis pelas polícias militar e civil, que respondem, respectivamente, pelo policiamento ostensivo e as investigações criminais. Os municípios vêm ganhando protagonismo na prevenção primária nas áreas da saúde, assistência social e educação, bem como na dimensão da prevenção de situações de risco com o trabalho de fiscalização das guardas municipais.
Outra atribuição majoritariamente dos municípios é a criação e manutenção de equipamentos públicos de referência para acolher vítimas de violência e pessoas em situação de risco e a aplicação de medidas socioeducativas em meio aberto. Mais recentemente, o planejamento urbano tem incluído a promoção da segurança pública nos planos diretores, em leis de zoneamento e no desenho de programas habitacionais, todas essas ações têm potencial de grande impacto de médio e longo prazo na prevenção de violências.
Para apoiar os municípios na gestão das diversas políticas que atendem à criança e sua família, a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal elaborou uma publicação com seis recomendações relacionadas à primeira infância. Este guia, que faz parte de uma série com seis volumes chamada Primeira Infância no Município, é o desdobramento e aprofundamento
da recomendação de número 6, chamada Segurança e proteção à violência. Ele foi elaborado para dar suporte aos profissionais da gestão municipal na organização, planejamento, implantação e execução dos programas e serviços voltados aos cuidados de crianças de até 6 anos de idade e suas famílias, nas múltiplas dimensões necessárias para garantir os direitos de proteção e acesso a serviços previstos em lei. Ele foi criado durante o período eleitoral para sensibilizar os candidatos, mas seu conteúdo é perene e pode apoiar o planejamento, a implantação e o gerenciamento de atendimentos na área.
Acesse aqui as 6 recomendações essenciais para a primeira infância
Uma contribuição para o investimento em políticas públicas de primeira infância e na visibilidade dessa agenda foi a pesquisa do economista e prêmio Nobel James Heckman, da Universidade de Chicago, que mostrou que, para cada dólar investido nos cuidados com essa fase da vida, o retorno era de 7 dólares. Um dos elementos que mais impactam o cálculo feito por Heckman refere-se a aspectos de proteção: a criança que recebe cuidados responsivos da família tende a usar menos ou não usar disciplinas punitivas na vida adulta; tende a se envolver menos com
drogas e atividades ilegais e tem menos chance de ser encarcerada ou ter de passar, ao longo de sua vida, por serviços sociais por causa de comportamentos de risco1
Uma revisão sistemática de literatura feita em 2003, que analisou os resultados de 40 estudos sobre programas de prevenção à violência no Canada, Reino Unido, Estados Unidos e Austrália, revelou que a ocorrência de comportamentos violentos foi de 10% a 15% menor entre os participantes desses programas em comparação com os não participantes2
Políticas públicas de segurança combinadas com as de primeira infância – que incluem as de educação, saúde, assistência social, segurança, entre outras – produzem, portanto, um duplo benefício: garantem a proteção da criança de hoje contra violências, ao mesmo tempo que contribuem para a redução da perpetuação da violência no futuro3 .
As violências podem atingir bebês e crianças de maneiras diferentes, a depender de determinados marcadores sociais como raça/etnia, gênero, presença de deficiência e situação socioeconômica e educacional de pais ou cuidadores, dentre outras5 Além da Constituição Federal, uma série de marcos legais reforçam o dever do Estado, da família e da sociedade em garantir que bebês e crianças cresçam e se desenvolvam com segurança, com prote-
Segundo dados do Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, 8.723 crianças de 0 a 4 anos foram estupradas em 2023, uma média de quase
24 casos por dia.
O perfil mostra que 79,1� das vítimas eram meninas e que a maioria dos casos ocorre dentro da própria residência: 70,5�4
2. Farrington, D. P., & Welsh, B. C. (2003). Family-based Prevention of Offending: A Meta-analysis. Australian & New Zealand Journal of Criminology, 36(2), 127–151. doi:10.1375/acri.36.2.127
3. Racismo Estrutural e Segurança Pública: caminhos para a garantia do direito às vidas negra. Nota técnica: Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Disponível em: https://bit.ly/40Hch1Y
4. UNICEF Brasil. Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil 2021-2023. Disponível em: https://uni.cf/3Cm8AVZ. Acesso em: 07 nov. 2024.
5. URZÊDO, S. R. P. AILTON, A. S. Violência sexual contra crianças e adolescentes pelas lentes da interseccionalidade: uma revisão sistemática de literatura. Mosaico - Revista Multidisciplinar de Humanidades, Vassouras, v. 15, n. 2, p. 149158, mai./ago. 2024. Disponível em: https://bit.ly/3Ei1i69. Acesso em: 07 nov. 2024.
ção integral à sua pessoa e seus direitos. Entre as principais legislações estão: o Estatuto da Criança e do Adolescente (lei n° 8.069/1990); a Lei Menino Bernardo (lei n° 13.010/2014); a Lei da Escuta Protegida (lei n° 13.431/2017) – que estabelece o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) –, a Lei Henry Borel (lei n° 14.344/2022), dentre outras. O Brasil também é signatário de tratados que têm a proteção contra violência em seu cerne, como a Convenção dos Direitos das Crianças e Adolescentes, ratificada pelo Brasil em 1990, incluindo seus protocolos adicionais e a necessidade de aplicá-los. Ademais, desde 2016 o Brasil integra a Parceria Global pelo fim da violência contra Crianças e Adolescentes, iniciativa que elaborou em 2017 o pacote de estratégias
INSPIRE – Sete Estratégias Para Pôr Fim à Violência Contra Crianças. Isso culminou na assinatura e ingresso do Brasil na Parceria Global pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes, iniciativa liderada pela Organização das Nações Unidas (ONU)6.
Garantir os direitos na primeira infância está diretamente relacionado à construção de uma segurança centrada na cidadania e nos direitos humanos desde os primeiros anos de vida, operando para alterar normas discriminatórias de gênero e raça, bem como outros fatores estruturantes que perpetuam ações violentas dos agentes de segurança contra populações vulneráveis.
Em 2025, os municípios possuem um desafio importante: a elaboração dos Planos Plurianuais, um planejamento para os próximos quatro anos. A seleção das prioridades na construção da agenda vinculada ao ciclo orçamentário expressa os compromissos fundamentais. Daí a importância da inserção da primeira infância nas políticas locais.
Os gestores municipais encontrarão aqui um conjunto de referências que os apoiarão a atuar com base em diferentes níveis da relação entre as políticas de segurança e a primeira infância. Isso inclui desde o estabelecimento de medidas diretas de identificação de vítimas e proteção contra a violência até ações preventivas que visam a garantir o desenvolvimento infantil.
6. BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos. Brasil ingressa na Parceria Global pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes. 2018. Disponível em: https://bit.ly/4hrYcLh. Acesso em: 26 nov. 2024.
Como implementar programas de segurança pública institucionalizados e perenes para a primeira infância
O processo de institucionalização de uma política pública deve ser guiado pela compreensão de torná-la plano de Estado – e não apenas uma política de governo. Sua aprovação no âmbito legislativo assegura a continuidade e a proteção dos direitos da população, independentemente de mudanças de governo.
Bom exemplo de institucionalidade na agenda da primeira infância foi a aprovação do Marco Legal da Primeira Infância7 e a atual iniciativa do governo de construção da Política Nacional Integrada para a Primeira Infância (PNIPI), no âmbito do Grupo de Trabalho (GT) de Primeira Infância no Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CNDES), que recomendou a priorização das políticas para crianças8, e a aprovação do decreto nº 12.083, que prevê as diretrizes da elaboração dessa política e institui o seu comitê intersetorial9.
Estes processos refletem a interação entre as esferas políticas (legislativo e executivo), a gestão técnica e a sociedade civil. Ambas são avanços em termos de legislação e institucionalização de políticas públicas com foco na proteção e promoção dos direitos das crianças na primeira infância. Para atender de maneira integral bebês, crianças e suas famílias, a PNIPI estabelece o fortalecimento de políticas setoriais, como Educação, Saúde, Assistência Social, Cultura, Esporte, Segurança Pública e Justiça, entre outras, reforçando, a partir daí, sua articulação intersetorial, conforme previsto no Marco Legal da Primeira Infância.
7. Brasil. Lei nº 13.257, de 8 de março de 2016. Disponível em: https://bit.ly/4g6TBNJ. Acesso em: 20 out. 2024.
8. VERDÉLIO, Andreia. Governo quer priorizar políticas para primeira infância. Agência Brasil, Brasília, 23 ago. 2023. Disponível em: https://bit.ly/4hoOSYS. Acesso em: 20 out. 2024.
9. Brasil. Decreto nº 12.083, de 27 de junho de 2024. Disponível em: https://bit.ly/42mLOb3. Acesso em: 20 out. 202
O desdobramento destas políticas federais, na aplicação e realidade da esfera municipal, será concretizado pela elaboração e implementação do Plano Municipal da Primeira Infância (PMPI) que deverá contemplar as ações fundamentais para garantir os direitos das crianças dos 0 aos 6 anos de idade e sua assistência, proteção e prevenção contra violências, em consonância com o estabelecido no Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA).
O Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) é a articulação e integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil na aplicação de leis e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos humanos da criança e do adolescente, nos níveis federal, estadual, distrital e municipal. O SGDCA é composto por profissionais da área da saúde, educação, assistência social, Conselhos Tutelares, Sistema de Justiça e Segurança Pública e sociedade civil. Ao SGDCA cabe promover, defender e controlar a efetivação de todos os direitos de todas as crianças e todos os adolescentes, de modo que sejam reconhecidos e respeitados como sujeitos de direitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento. Fonte: UNICEF10
O PMPI organiza os direitos da primeira infância em cada localidade, considerando particularidades como raça/etnia, condição socioeconômica e local de moradia, entre outras. Ele guia a organização das políticas municipais específicas e sua coordenação entre setores. No guia Políticas públicas institucionalizadas, os gestores e suas equipes en-
10. Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Proteção de crianças e adolescentes contra violências. O que é o Sistema de Garantia de Direitos? Disponível em: https://uni.cf/4awWFRK Acesso em: 18 nov. 2024.
contrarão orientações sobre como elaborar o plano, levando em conta a participação das secretarias que atuam na primeira infância (como educação, saúde e assistência social, entre outras) e garantindo os recursos necessários para a sua implementação e execução.
Acesse o guia
Políticas públicas institucionalizadas
Um bom exemplo da realização de uma política intersetorial a partir do PMPI é o “Protocolo Integrado de Atenção à Primeira Infância do Município de São Paulo”, que tem como objetivo reforçar a Rede de Proteção Integral da Primeiríssima Infância em todos os níveis de gestão e assegurar que, independentemente do ponto de acesso, gestantes, crianças de 0 a 3 anos de idade e seus cuidadores em situação de vulnerabilidade recebam atendimento integral e por meio de ações coordenadas.
Ao longo deste guia, iremos apresentar um conjunto de estratégias que podem apoiar a gestão municipal no processo de institucionalização da política de segurança voltada para prevenção e mitigação da violência na primeira infância, trazendo para o centro do debate questões relacionadas ao diagnóstico situacional, implementação das ações com foco na qualidade da oferta, alocação de recursos humanos e financeiros, monitoramento e avaliação da implementação e/ou aprimoramento das políticas públicas relacionadas ao atendimento, à proteção e à prevenção em casos de violência.
3
Realizar diagnóstico
Reconhecer o que existe, o que falta e o que precisa ser melhorado é fundamental para focalizar as ações e os recursos dos programas de segurança
A violência pode ser entendida como o resultado da interação complexa e dinâmica de um conjunto de fatores individuais, relacionais, comunitários, sociais, culturais e ambientais11. Compreendê-la a partir desta ótica significa reconhecer que a violência é multifatorial e que há várias causas interligadas. Por isso, todas elas devem também ser foco de ações e programas de combate e prevenção. Os indicadores sobre a prevalência do fenômeno da violência, em suas várias formas, devem ser considerados como aqueles relacionados aos fatores de risco presentes. Socialmente, há diferenças sobre risco de violência relacionada às desigualdades econômicas, étnico-raciais, de gênero e culturais. No nível comunitário, podem se configurar como fatores de risco de violência o desemprego, a criminalidade e a convivência em territórios em que há tráfico, milícias e outros atores beligerantes. Conhecer a realidade do município em relação à violência que atinge crianças na primeira infância é um dos primeiros passos para a construção de ações integradas para combater o problema. Do ponto de vista prático, os indicadores são os instrumentos que permitem descrever de forma padronizada determinado aspecto da realidade, seja uma situação 11. Peres, MFT et al. (2018). Violência, bullying e repercussões na saúde: resultados do Projeto São Paulo para o desenvolvimento social de crianças e adolescentes (SP-PROSO). Disponível em: https://bit.ly/4hrX9Lh
social ou uma ação de governo. No caso das políticas de segurança pública para a primeira infância, é fundamental entender a magnitude do fenômeno em cada município, bem como o público afetado
Um primeiro passo é saber o total de crianças na faixa etária da primeira infância no município e seus principais dados demográficos, como gênero, raça, renda (informações disponíveis no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na plataforma DataSUS e no portal Primeira Infância Primeiro). Outro dado importante para estimar a demanda é o número de crianças na primeira infância referenciadas nos serviços de assistência social e a sua distribuição no território. Os recursos para mitigar os efeitos das violências devem ser distribuídos de forma equitativa, alocando mais investimento (financeiros, técnicos e de pessoal) para onde há territórios com maior vulnerabilidade social. Para construir esse panorama, é importante ter dados de quantas crianças acessam os serviços básicos, além do número de casos de violências nos territórios.
Por fim, é importante reconhecer os serviços existentes nos territórios, de assistência social, saúde e educação, e estimar o déficit de equipes, conforme as normas estabelecidas em cada sistema de atendimento e de acordo com as filas de espera.
O Brasil ainda enfrenta desafios relacionados à falta de uma base única de dados de violência contra crianças e adolescentes, o que dificulta ter informações precisas em nível nacional e local. Apesar dos avanços em termos de notificação, ainda falta qualificação profissional para identificação e registro dos casos. Estima-se que entre 30% e 70% dos casos de violência, a depender do tipo, não sejam reportados12 no mundo todo. Há uma quantidade significativa de bebês e crianças, como aqueles que vivem em áreas remotas ou que são de grupos e povos tradicionais, que não têm garantido seus direitos de acesso aos serviços públicos necessários ao apoio e cuidados contra violências sofridas. Isso evidencia as disparidades entre a realidade e a legislação, pois o Estatuto da Criança e Adolescente (lei n° 8.069/1990) e a Notificação de Violência contra a Mulher (lei n° 10.778/2003) sustentam a obrigatoriedade de notificar
casos de violência contra mulheres, crianças e adolescentes.
Os dados de violência contra crianças de até 6 anos de idade no território nacional apontam para uma situação preocupante, que exige respostas de diferentes áreas e setores governamentais. Com as informações possíveis de serem coletadas (como veremos nos indicadores abaixo), o município consegue formar um quadro que mostra as necessidades das crianças e suas famílias naquele território.
Sabemos que no ambiente doméstico ocorrem os maiores números de casos de violência, praticados frequentemente por conhecidos ou familiares das crianças, incluindo pais, mães e avós. Essa constatação traz à tona a complexidade do fenômeno, uma vez que os(as) adultos(as) responsáveis pelos cuidados são também os principais agressores13
Também conta como fator de risco nos territórios a presença de políticas públicas frágeis ou que não alcançam populações vulnerabilizadas. Crises intensas, ambientes conflituosos e violentos, a presença de desigualdades de gênero e do autoritarismo e os casamentos precoces, emergências ambientais, entre outros, podem estar associadas à perpetração da violência.
Sob a perspectiva individual, fatores como sexo, raça/etnia, idade, escolaridade e presença de deficiência influenciam os níveis de risco.
Vale ressaltar que esses fatores não devem ser analisados isoladamente, para evitar uma compreensão simplista e estigmatizante do fenômeno.
Fontes de dados e indicadores de violência
A ausência de uma base de dados única e nacional sobre a violência na primeira infância demandará dos municípios o acesso a diferentes sistemas de informação, sendo importante dispor de profissionais especializados para coleta, tratamento e análise dos dados. Além do Disque 100 e dos dados compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, há ainda
12. Hillis S., Mercy J, Amobi A, et al. Global Prevalence of Past-year Violence Against Children: A Systematic Review and Minimum Estimates. Pediatrics. 2016; 137(3). Disponível em: https://bit.ly/4jtbt83
13. COSTA, Maria Conceição Oliveira et al. O perfil da violência contra crianças e adolescentes, segundo registros de Conselhos Tutelares: vítimas, agressores e manifestações de violência. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 28, n. 1, p. 123-134, 2023. Disponível em: https://bit.ly/3Cn54Le. Acesso em: 15 jan. 2025.
REALIZAR DIAGNÓSTICO
indicadores da área da saúde, da educação, do Sistema de Informação para a Infância e a Adolescência (Sipia), da assistência social, da segurança pública e das políticas públicas de cada município. Um fenômeno comum à área da violência é a subnotificação de casos, principalmente daqueles praticados contra crianças na primeira infância, cujos pedidos de atenção e ajuda muitas vezes são feitos de forma não verbal e de difícil detecção por adultos, demandando uma atenção especial para a identificação de sinais de violências. Crianças podem receber ajuda, mas sua comunicação pode ser indireta, sendo possível identificar sinais através de mudanças de comportamento, da comunicação visual (como desenhos), entre outros. Municípios que fazem campanha na data de 18 de maio – Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes –registram o aumento de denúncias nas semanas que se seguem a essa data. Dados trazidos pelas escolas e creches também são importantes para a descoberta de casos. Isso mostra a importância de campanhas de conscientização e da ampliação das vagas em creches, e a universalização da pré-escola para a proteção da criança. É fundamental ainda que os Municípios disponham de um protocolo estruturado de fluxo de atenção a crianças em situação de violência, com capacitação dos profissionais dos diferentes serviços tanto para sua prevenção e identificação, quanto para a atenção necessária.
O Sipia é um sistema nacional de registro e tratamento de informações sobre a garantia e defesa dos direitos fundamentais preconizados no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O Sipia tem uma saída de dados agregados em nível municipal, estadual e nacional e se constitui em uma base única nacional para formulação de políticas públicas no setor14.
É nesta base que são feitos os registros e o acompanhamento das denúncias de violações de direitos pelo Conselho Tutelar. A ferramenta possibilita a obtenção, em tempo real, de dados fidedignos relativos à política de promoção e proteção de direitos de crianças e adolescentes nos municípios e Estados brasileiros.
14. Governo Federal. Sistema de Informação para a Infância e Adolescência – Conselho Tutelar. Disponível em: https://bit.ly/4ggGUjg. Acesso em: 12 de jan. de 2025
Indicadores da área da saúde
Dados do Ministério da Saúde (2010 a 2022) mostram o aumento das notificações15 de violência, no território nacional, contra a primeira infância (gráfico 1). Ainda que o aumento das notificações observado não signifique, necessariamente, que a violência contra as crianças está aumentando, pois pode ser reflexo de uma melhora no sistema de identificação dos casos e notificação dos serviços de saúde, fato é que há ainda um número significativo de crianças que estão expostas à violência. A violência contra a criança possui notificação obrigatória na Lista Nacional de Notificação Compulsória de Doenças, Agravos e Eventos de Saúde Pública, podendo ser consultada no Sistema de Informação de Agravos de Notificação - Sinan.
Gráfico 1: Notificação de violência contra crianças de 0 a 6 anos de idade (2010 a 2022). Em números absolutos.
Fonte: Elaboração própria com dados do SINAN - Sistema de Informações de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde. Disponível em: https://bit.ly/3EjDy1x
15. Com exceção de 2020, primeiro ano das medidas de restrições de circulação durante a pandemia de Covid-19.
Em posse dos dados, uma análise importante que deve ser realizada é a segmentação por tipo de violência. Os gráficos 1 e 2 mostram que a soma dos tipos de violência (gráfico 2) é maior do que o número total de casos no mesmo ano (gráfico 1), ilustrando que há uma quantidade considerável de bebês e crianças que são vítimas de mais de um tipo de violência no período analisado.
A negligência ou abandono são os casos mais notificados, tendo crescido 58,3% de 2010 a 2022. De 2020 em diante, a violência sexual aparece como o segundo tipo mais notificado, seguida da violência física, psicológica ou moral e tortura.
Gráfico 2: Notificação de violência contra crianças de 0 a 6 anos de idade (2010 a 2022). Em números absolutos, por tipo de violência.
Negligência/abandono
Os dados a partir do recorte de sexo evidenciam a maior vulnerabilidade das meninas na grande maioria dos casos, com exceção daqueles relacionados à negligência ou abandono, que apontavam um percentual de meninos maior em todos os anos da série. De 220 mil casos de negligência nesse período, 53% foram de meninos e 46%, de meninas. Já entre os casos de violência sexual, 23% deles foram contra meninos e 76%, contra meninas.
Os dados ilustram o tamanho do desafio no território nacional e, no âmbito municipal, cabe aos gestores organizar os diferentes setores de coleta e tratamento de informações para dimensionar como a violência tem atingido bebês, meninos e meninas em cada localidade
Como forma de auxiliá-los nesta tarefa, apresentamos a seguir uma lista de indicadores disponíveis para o diagnóstico da situação da primeira infância relacionados à segurança pública. Os indicadores elencados dizem respeito a casos de violência contra bebês e crianças que foram notificados no sistema de saúde, usando dados compilados pela Vigilância Epidemiológica dos municípios. A principal limitação dessa fonte é a demora de até dois anos para que as informações sejam publicadas. No entanto, se os municípios dispuserem de profissionais especializados, há possibilidade de realizar a compilação dos próprios dados.
Ressalta-se que, para a interpretação dos dados, é importante comparar: a) a situação do mesmo município ao longo do tempo; b) vários municípios do mesmo porte; c) diferentes grupos demográficos dentro do mesmo município (ex.: raça/etnia, faixa de renda, sexo, entre outros).
Quadro 1: Indicadores disponíveis no nível municipal (Ministério da Saúde)
DESAGREGAÇÃO POR FAIXA-ETÁRIA
Violência (todos os casos)
DESCRIÇÃO
INDICADOR PONTOS DE ATENÇÃO
0 a 4 anos 5 a 9 anos
Violência de repetição
(Encontra-se num subgrupo do total de casos)
0 a 4 anos
5 a 9 anos
Todos os casos de violência notificados em atendimentos de saúde. Para municípios com menos de 500 mil habitantes, pequenas alterações podem parecer muito altas (ex: um aumento de 1 para 2 casos é um aumento de 100%). Nesses casos, é importante avaliar a tendência: se na maior parte dos anos o número de casos aumentou de um ano para outro, pode-se interpretar que há aumento dos casos. No sentido inverso, pode-se avaliar se há queda. Por fim, é preciso considerar se houve aumento na cobertura dos serviços ou melhoria na taxa de preenchimento do dado.
Casos de violência notificados na saúde em que a vítima já havia sofrido violência anteriormente.
É interessante comparar a proporção de casos de violência de repetição com municípios de porte semelhante. Isso permite avaliar se os casos estão muito altos ou muito baixos. Considerar também a análise de sexo e raça/etnia para averiguar como as repetições repercutem em meninas e meninos de raça/etnia diferentes.
Tipo de violência: física, sexual, psicológica/moral, negligência/ abandono e outras
0 a 4 anos
5 a 9 anos
Casos de violência notificados na saúde.
É importante mensurar quais os tipos de violência mais frequentes em cada contexto para compreender os mecanismos que a produzem.
DESAGREGAÇÃO
INDICADOR PONTOS DE ATENÇÃO
POR FAIXA-ETÁRIA
Violência por sexo da vítima
0 a 4 anos 5 a 9 anos
Violência por raça/etnia
0 a 4 anos 5 a 9 anos
DESCRIÇÃO
Todos os casos de violência notificados em atendimentos de saúde, especificados por sexo da vítima.
Todos os casos de violência especificados por raça/cor da vítima.
A distribuição de casos de violência entre os sexos nessa faixa-etária tende a ser razoavelmente estável no tempo. Ainda assim, esse indicador deve ser checado periodicamente em busca de alterações bruscas que devem ser investigadas.
A distribuição de casos de violência entre as categorias raças/etnias podem refletir desigualdades importantes que colocam certos grupos em situação de vitimização mais frequente. Para utilizar esse indicador, é importante saber a proporção de pessoas pretas, pardas, brancas, indígenas e amarelas na população do município, na faixa-etária de interesse e calcular a taxa proporcional a cada grupo.
*Para todos esses indicadores, é possível conseguir os dados de 0 a 6 anos por meio do aplicativo Tabwin (Tab para Windows do Ministério da Saúde) e utilizar as bases de dados específicas disponibilizadas pelo Ministério da Saúde.
Para acessar os dados listados no quadro 1:
PASSO 1) Acesse o link: https://bit.ly/4h8cAsl;
PASSO 2) Busque a categoria “Epidemiológicas e Mobidade”;
A principal fonte de indicadores de crime e violência no Brasil são os boletins de ocorrência (BOs), registrados pelas polícias civis estaduais, com base nos crimes estabelecidos pelo Código Penal. Ainda não há um sistema nacional de estatísticas plenamente consolidado, mas a maior parte das secretarias estaduais de segurança ou defesa social disponibiliza pelo menos alguns dados nos sites oficiais e todas estão obrigadas pela Lei de Acesso à Informação (lei nº 12.527/2011) a fornecer informações de utilidade pública a qualquer cidadão, sem custo. Cabe destacar, no entanto, que a diversidade de formatos dos BOs, inclusive do que tange a informações coletadas, dificulta a consolidação de um mapa nacional.
Os dados de caracterização das vítimas, como idade, raça/ etnia e sexo, são mais incompletos nos boletins de ocorrência do que nas notificações da área da saúde. Por outro lado, a própria demanda dos gestores municipais por esses dados junto aos operadores estaduais pode funcionar como um incentivo para o aprimoramento do preenchimento. Diversos estados contam com setores especializados em análises estatísticas nas secretarias de segurança que podem estabelecer acordo de cooperação com os municípios.
A lista de indicadores a seguir foi baseada nos dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública16. O anuário desagrega os dados até o nível estadual, por isso, é necessário que cada município solicite-os ao governo do seu estado.
Para grandes cidades com volume considerável de ocorrências, é recomendável pedir ao gestor estadual as informações desagregadas por bairro ou ao menos pela delegacia em que o crime foi registrado. Também deve ser feita a solicitação pela faixa etária de interesse (0 a 6 anos) e com o período desejado (por exemplo, dados anuais).
16. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2024. Disponível em: https://bit.ly/4h7nlen
Quadro 2: Indicadores da segurança pública que podem ser solicitados aos governos estaduais
INDICADOR
Abandono de incapaz
Abandono material
Maus-tratos
Lesão corporal dolosa em contexto de violência doméstica
Exploração sexual infantil
Estupro de vulnerável
DESCRIÇÃO
Art. 133 do Código Penal. Abandonar a pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defenderse dos riscos resultantes do abandono.
Art. 244 do Código Penal. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência […] de filho […] não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente […] gravemente enfermo.
Art. 136 do Código Penal. Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina.
Art. 129 do Código Penal. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: [...] Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade.
Art. 218-B do Código Penal. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos.
Art. 217-A do Código Penal. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos.
PONTOS DE ATENÇÃO
» Todos os indicadores desse quadro podem ter quantidades anuais relativamente pequenas, a depender do tamanho do município. Se for esse o caso, é interessante comparar períodos maiores para observar tendências, inclusive por tipos de crimes.
» Alguns estados compilam o número de ocorrências e outros, o número de vítimas. Sempre que possível, opte pelo indicador que expresse o número de vítimas.
» Sempre que forem compilados indicadores, é importante responder às seguintes perguntas: os dados parecem representar a realidade local? Quais hipóteses dos profissionais para eventual aumento ou queda no número de ocorrências?
» A comparação é etapa fundamental para a interpretação dos dados: comparação com outros municípios de mesmo porte; comparação com o próprio município ao longo do tempo; comparação entre os diversos bairros em um mesmo município.
Distribuição territorial dos indicadores gerais de segurança pública
A violência urbana tem impactos para além das pessoas atingidas diretamente. O estresse diário da insegurança extrema, por exemplo, afeta a saúde mental dos(as) cuidadores(as), restringe a rede de apoio das famílias nas comunidades, limita a circulação e o uso de espaços públicos, com impacto considerável nas crianças que crescem e se desenvolvem nesses contextos. Por isso, alguns indicadores gerais de insegurança podem e devem ser analisados espacialmente pela gestão municipal para avaliar se há territórios sob grande pressão.
Eles podem ser obtidos junto às secretarias estaduais de segurança, poder judiciário, departamento prisional e também junto a órgãos municipais. Entre aqueles que podem ser analisados por bairro e/ou região para apoiar os gestores municipais, estão:
» Número de homicídios dolosos, lesão corporal seguida de morte e tentativas de homicídio.
» Número de pessoas desaparecidas.
» Número de pessoas em pena de prisão, por bairro de residência.
» Número de adolescentes em medida socioeducativa em meio fechado por bairro de residência.
» Número de adolescentes em medida socioeducativa em meio aberto por bairro de residência (atribuição do município).
Indicadores das políticas
públicas municipais
Como o município é o principal prestador de serviços públicos para crianças na primeira infância na área de educação infantil, saúde e assistência social, alguns indicadores podem ser compilados nas respectivas secretarias setoriais. A maior parte dos indicadores a seguir são relacionados a fatores de risco e não de ocorrência de violência propriamente dita:
» Número de adolescentes em medida socioeducativa em meio aberto que tenham filhos na primeira infância ou estejam grávidas.
» Ações de sensibilização sobre os impactos negativos da violência na primeira infância realizadas com famílias.
» Número de casos de violência contra crianças de 0 a 6 anos identificados, registrados e referenciados para os demais órgãos da rede de proteção.
» Número de crianças na primeira infância cujas mães estejam em medida protetiva de urgência por violência doméstica.
» Número de casos de violência contra crianças de 0 a 6 anos identificados, registrados e referenciados para os demais órgãos da rede de proteção.
» Ações de sensibilização sobre os impactos negativos da violência na primeira infância realizadas com famílias.
» Número de crianças na primeira infância cujas famílias estejam no Cadastro Único
» Número de crianças em fila de espera para vaga em creche e pré-escola.
» Número de adolescentes em risco de abandono escolar que tenham filhos na primeira infância ou estejam grávidas.
» Percentual de nascidos vivos de mães adolescentes em relação ao total de nascidos vivos.
» Dados de atendimento do Conselho Tutelar: número de casos atendidos, tipo de atendimento, distribuição por bairro (registros do Sistema de Informação para Infância e Adolescência-Sipia/CT).
Outros indicadores
Cada município pode avaliar quais são os indicadores mais importantes e também quais são viáveis de serem acompanhados, considerando a disponibilidade de recursos humanos e de dados. É importante apontar que, embora seja relativamente trabalhoso coletar dados e analisar indicadores, os recursos computacionais básicos, em boas condições de uso, de que dispõe a maior parte das prefeituras, são suficientes – um computador com conexão à internet e um editor de planilhas.
Além dos indicadores já mencionados, sugerimos também outros a seguir:
» Número de mulheres no município em cumprimento de pena de prisão ou pena alternativa à prisão, que estejam grávidas ou com crianças na primeira infância.
» Número de adolescentes no município em cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado, que tenham filhos na primeira infância ou que estejam esperando.
» Dados referentes a denúncias no serviço Disque Direitos Humanos (Disque 100)17, do governo federal.
A primeira versão do diagnóstico deve ser apresentada para as áreas de educação, assistência social, saúde, Conselho Tutelar, justiça e segurança pública, e também para a sociedade civil, nos colegiados de referência (ex.: Conselho Municipal dos Direitos das Crianças e Adolescentes, Conselho Tutelar ou Comitê Intersetorial de Primeira Infância) para que as demais pessoas envolvidas possam contribuir.
17. Para acessar os dados do Disque 100: https://bit.ly/4jq1qRp
Promover e zelar pela qualidade e equidade da oferta
Para ajudar cada família, com suas especificidades, a proteger sua criança, é preciso organizar a rede de proteção para entregar a cada região o atendimento de que ela necessita 4
A qualidade dos programas de prevenção das violências contra as infâncias têm relação direta com o efeito positivo no bem-estar e no desenvolvimento das crianças na primeira infância. Além do impacto protetivo no presente dessas crianças, esse programas ajudam a minimizar a ocorrência de violências no futuro. Mais de 40 estudos sobre programas de prevenção à violência na primeira infância em diferentes países revelaram que os comportamentos violentos entre os indivíduos que participaram desses programas foi de 10% a 15% menor em comparação com aqueles que não participaram18.
Os planos municipais de prevenção a violências contra a criança têm nas diretrizes da Lei da Escuta Protegida (lei n° 13.431/2017 e decreto 9.603/2018), que sustenta a reordenação do Sistema de Garantia dos Direitos das Crianças e Adolescentes Vítimas e Testemunhas de violência19, o seu pilar central. Essa lei organiza os atendimentos de cada um dos setores, de forma que cada área complemente a atuação da outra, sem sobreposição de funções, garantindo celeridade e eficiência no cuidado integral das crianças vítimas ou testemunhas de violências, com qualidade e equidade. Para melhor compreender a razão de ser da lógica intersetorial e colaborativa do SGDCA e da Lei da Escuta Protegida, é importante conhecer alguns de seus aspectos centrais:
18. Farrington, D. P., & Welsh, B. C. (2003). Family-based Prevention of Offending: A Meta-analysis. Australian & New Zealand Journal of Criminology, 36(2), 127–151. doi:10.1375/acri.36.2.127 19. Lei nº 13.431/2017; Decreto nº 9.603, 2018 e Resolução nº 235, de 12 de maio de 2023, Conanda.
Evitar a revitimização
Revitimizar, no contexto de violências, é levar a criança a contar repetidas vezes tudo o que viveu ou testemunhou. Ao fazer isso, ela volta a vivenciar a violência que sofreu. Um dos objetivos centrais da organização da rede de proteção é evitar que isso ocorra. Em cada atendimento, a criança deve falar apenas o mínimo necessário para aquela etapa do serviço de proteção. A ficha que acompanha cada criança também tem a função de evitar questionamentos a ela. Todos os servidores devem ter em mente que haverá a hora, o local e o entrevistador preparado para tomar o depoimento completo da criança.
Combate à violência institucional
A Lei da Escuta Protegida tipifica e combate a violência institucional contra crianças e adolescentes. No item IV, é estabelecido como “violência institucional, entendida como a praticada por instituição pública ou conveniada, inclusive quando gerar revitimização”. A lei reconhece que o próprio processo criminal e de proteção atuava como revitimizador das crianças que deveriam ser acolhidas. A partir de então, práticas revitimizantes ou que caracterizem qualquer tipo de desrespeito e hostilidade são passíveis de processo e condenação. Portanto, pelo bem da criança e pelo respeito à lei, é fundamental que os municípios estejam preparados para garantir o atendimento dentro dos parâmetros da Escuta Especializada e do Depoimento Especial. Como material de referência para gestores e suas equipes, apontamos o kit de implementação elaborado pela UNICEF em conjunto com a Childhood Brasil, para que os diferentes serviços públicos tenham a capacidade de acolher crianças vítimas ou testemunhas de violência.
Escuta especializada
Trata-se de procedimento de escuta da criança vítima ou testemunha de violências restrita ao que é sumariamente indispensável para o atendimento dos órgãos da rede de proteção. Ela foi criada para permitir o atendimento da criança sem fazê-la falar da violência que sofreu ou presenciou, evitando, assim, que ela volte a viver a dor que sofreu (o que seria um processo de revitimização). Todos os profissionais da rede de proteção devem ser treinados nesse tipo de escuta não invasiva e não revitimizante, sempre lembrando que haverá a hora e local propício para que a criança relate o caso de forma protegida20
Depoimento especial
Procedimento de caráter investigativo, que deve ser conduzido apenas por profissional da justiça ou segurança pública, devidamente treinado no protocolo de entrevista forense, em ambiente seguro projetado para minimizar o estresse emocional da criança durante o seu relato. O depoimento é transmitido para uma sala separada onde estarão o juiz, os advogados (de defesa e de acusação) ou a promotoria, e podem estar presentes também representantes dos direitos da infância e do sistema de segurança pública, se o juiz assim os autorizar. O grupo pode encaminhar ao entrevistador forense perguntas no fim do depoimento e ele irá traduzi-las em linguagem e tom adequado à criança. A gravação desse relato é usada em outros momentos do processo, para que a criança não precise mais falar da violência que sofreu21,22.
20. Pacto Nacional pela Escuta Protegida (2022). Fluxo geral da lei nº 13.431/2017: escuta especializada e do depoimento especial no atendimento a arianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência e guia para sua implantação. Disponível em: https://bit.ly/4jHSXcz
21. Ministério dos Direitos Humanos (2017). Parâmetros de escuta de crianças e adolescentes em situação de violência. Disponível em: https://bit.ly/4ax7jYJ
22. SANTOS, Benedito Rodrigues; GONÇALVES, Itamar Batista (orgs.). Escuta protegida de crianças e de adolescentes vítimas ou testemunhas de violências: aspectos teóricos e metodológicos. Guia de Referência para Capacitação em Escuta Especializada e Depoimento Especial. Brasília: Childhood Brasil, 2020. Disponível em: https://bit.ly/3PPl6Rc
Fluxos de atendimento integrado23
Trata-se do trajeto de atendimentos pelo qual cada criança passará. Ele será montado sob a lógica do melhor interesse da criança e sua proteção integral. Cada município desenhará seu próprio fluxo (que possui variações de acordo com o tipo de violência), conforme os serviços que consegue ofertar em seu território. Os fluxos de atendimento integrados funcionam como planos de ação intersetorial, que garantirão a proteção integral da criança com agilidade e sem risco de sobreposição de cuidados ou a ausência de algum deles.
Atenção24: no caso de locais que não possuam, por exemplo, hospitais com peritos credenciados para a perícia técnica, deve ser incluído no fluxo do município que esse serviço será ofertado pelo município referência (com a responsabilidade do município em levar a criança até o local). O mesmo procedimento deve ocorrer com municípios que não tenham sua própria estrutura de Depoimento Especial. Esse tipo de colaboração pode ocorrer no caso de qualquer outro serviço do SGDCA que não esteja disponível no município de residência da criança. Num país em que a maior parte dos municípios é de pequeno porte, a construção de fluxos com pontos de atendimento em colaboração é uma realidade comum.
Protocolos de atendimento integrado25
Se o fluxo é o caminho que a criança deve percorrer, os protocolos são a forma como esses atendimentos devem ocorrer em cada setor. Eles preveem o que cada profissional deve e não deve fazer. O desenho dos protocolos de atendimento são fundamentais para evitar a sobreposição de ações, para garantir a agilidade e o bom fluxo de informações (referência e contrarreferência) e, principalmente, evitar a revitimização.
23. Pacto Nacional pela Escuta Protegida (2022). Fluxo geral da lei nº 13.431/2017: escuta especializada e do depoimento especial no atendimento a arianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência e guia para sua implantação. Disponível em: https://bit.ly/4jHSXcz 24. SANTOS, Benedito Rodrigues; GONÇALVES, Itamar Batista (orgs.). Escuta protegida de crianças e de adolescentes vítimas ou testemunhas de violências: aspectos teóricos e metodológicos. Guia de Referência para Capacitação em Escuta Especializada e Depoimento Especial. Brasília: Childhood Brasil, 2020. Disponível em: https://bit.ly/3PPl6Rc
PROMOVER E ZELAR PELA QUALIDADE E EQUIDADE DA OFERTA
Conforme estabelece a legislação que instituiu o SGDCA, bem como o decreto e a resolução subsequentes26, os municípios deverão instituir um Comitê Gestor Colegiado da Rede de Cuidado e de Proteção Social de Crianças e Adolescentes Vítimas ou Testemunhas de Violência formado por representantes das diferentes secretarias, sociedade civil, representantes do Conselho Tutelar, além de membros do Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública, onde houver. A atuação do Comitê será de extrema importância para garantir a intersetorialidade das ações da rede e atendimento.
O Plano Municipal de Primeira Infância demanda, necessariamente, a criação de um Comitê Intersetorial de Primeira Infância para seu desenho, sua implantação e execução. Esse comitê e o Comitê Colegiado de Cuidado e Proteção são muito similares em dois aspectos centrais:
Devem contar com representantes de cada um dos órgãos do SGDCA, bem como do poder executivo e da sociedade civil organizada.
Têm como foco a atuação intersetorial dos serviços de proteção. Existe, portanto, potencial de sinergia entre os dois comitês. Cabe a cada município analisar de que forma fazer isso sem colocar em risco os objetivos de atuação específicos de cada um deles. Se o município já contar com um comitê colegiado de enfrentamento à violência, por exemplo, este poderá ter seu representante participando do Comitê da Primeira Infância e vice-versa. 1 2
25. Pacto Nacional pela Escuta Protegida (2022). Fluxo geral da lei nº 13.431/2017: escuta especializada e do depoimento especial no atendimento a arianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência e guia para sua implantação. Disponível em: https://bit.ly/4jHSXcz 26. Lei nº 13.431/2017; decreto nº 9.603, 2018 e Resolução n° 235, de 12 de maio de 2023, Conanda.
Implementação de princípios e diretrizes para uma atuação integrada de todos os órgãos da rede de proteção brasileira (no caso, o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente).
A distinção dos processos de escuta protegida das crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violências em dois momentos: escuta especializada e depoimento especial.
Estratégias
Centrais para Prevenir a Revitimização
Depoimento
O estabelecimento de procedimentos inovadores e humanizados para o depoimento de crianças e adolescentes perante as autoridades judiciais e policiais.
Criação de um mecanismo de coordenação de todas as organizações que atuam na prevenção e no atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência, inclusive as unidades policiais e as instituições de justiça.
Implementação dos procedimentos da escuta especializada, com as formações necessárias para isso, a todos os atores da rede de proteção.
Fonte: Experiência na implementação da Lei da Escuta Protegida, UNICEF e ABC - Ministério das relações Exteriores do Governo Federal, dezembro de 2023. Disponível em: https://uni.cf/3WvCMFa
Há o estímulo para que sejam criados centros integrados de atendimento, em cujos locais estarão disponíveis todos os serviços especializados referentes ao atendimento às crianças vítimas de violência, como os da área da saúde, da assistência social, da justiça e da segurança pública. A instituição dos centros integrados facilita o acesso das vítimas aos serviços necessários de reparação de direitos, evitando sua revitimização e agilizando os atendimentos. A proximidade do trabalho entre os(as) profissionais também favorece a articulação intersetorial, a melhora nos fluxos de comunicação e a agilidade dos processos e procedimentos que devem ser adotados27,28.
Na impossibilidade de criar estes centros, os municípios devem primar pela articulação dos serviços e capacitação dos profissionais, considerando os seguintes aspectos:
» Elaborar e/ou aperfeiçoar o fluxo de atendimento integral, listando os serviços setoriais e suas responsabilidades, evitando a superposição de tarefas.
» Elaborar e/ou aperfeiçoar o Protocolo Unificado de Atenção
Integral, capacitando os(as) profissionais para utilizá-lo.
» Criar fluxos de comunicação entre os diferentes órgãos e serviços, com especial atenção para o estabelecimento de mecanismos de informação, referência, contrarreferência – inclusive com serviços de alta complexidade de gestão estatal – e monitoramento.
» Prestar atendimento ágil, que deve ser realizado imediatamente – ou tão logo quanto possível – após a revelação da violência.
» Estabelecer capacitação conjunta de profissionais da rede de proteção, em especial relacionados à área da educação, da saúde, da assistência social, da segurança pública e de direitos humanos, em metodologias não revitimizantes de crianças, com destaque para a escuta especializada e o depoimento especial.
27. Conselho Nacional do Ministério Público (2019). Guia prático para a implementação da política de atendimento de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência. 28. BRASIL. Decreto nº 9.603, de 10 de dezembro de 2018. Regulamenta a lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. Disponível em: https://bit.ly/3WvdKWO. Acesso em: 28 nov. 2024.
Para saber mais sobre fluxos e protocolos contra a violência infantil:
Passo a passo para a implementação do SGDCA e da Lei da Escuta Protegida.
Policy brief sobre o SGDCA e da Lei da Escuta Protegida.
Protocolo Brasileiro de Entrevista
Forense com Crianças e Adolescentes
Vítimas ou Testemunhas de Violência
A indicação do decreto nº 9.603/2018 (artigo 12, § 2) é de que o Centro de Referência Especializada em Assistência Social (CREAS) seja a principal referência para os atendimentos de casos de violência. No âmbito do CREAS, é o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (Paefi) o responsável tanto pelo atendimento quanto pela articulação com os serviços e programas que fazem parte da rede socioassistencial dos municípios. Em casos de municípios que não possuem CREAS, os atendimentos devem ser realizados pelo(a) profissional de referência da proteção especial. Em municípios que não contam com um CREAS, o serviço de Proteção Social Especial pode ser oferecido através de cooperações intermunicipais.
Em termos de acesso aos serviços especializados, é fundamental que os profissionais que compõem a rede de proteção, em especial aqueles ligados à educação, saúde e assistência social, sejam capazes de identificar e reportar aos órgãos competentes (Conselho Tutelar e/ou Polícia Civil em caso de flagrante) suspeitas ou sinais de violência em bebês e
PROMOVER E ZELAR PELA QUALIDADE E EQUIDADE
crianças. Daí a importância da formação inicial e continuada de todos aqueles que têm contato com crianças e seus familiares (trataremos deste tema na próxima seção).
As escolas desempenham um papel central na identificação precoce de sinais de violência e negligência. Trata-se de um local frequentado cotidianamente pelas crianças, o que facilita a identificação de mudanças de comportamento bruscas, sinais físicos e manifestações espontâneas das crianças, entre outros aspectos que podem servir de alerta sobre possíveis vitimizações. Além disso, a inclusão de temas relacionados à convivência pacífica e aos direitos das crianças no currículo escolar ajudam a prevenir os casos de violência que se produzem ou se manifestem nas unidades de educação, construindo uma cultura de paz desde os primeiros anos de vida. A ampliação do número de vagas, campanhas de incentivo à matrícula e ações de busca para crianças de 4 e 5 anos (início da educação básica obrigatória) contribuem para proteger a criança pequena contra a violência. Para mais detalhes, consulte o guia Educação infantil de qualidade.
Acesse aqui o guia Educação infantil de qualidade
Os profissionais de saúde, como pediatras, equipe de enfermagem, profissionais da atenção básica, serviços especializados (hospitais, CAPs, ambulatórios, etc) e agentes comunitários, estão na linha de frente para detectar sinais de negligência, violência física ou sexual e encaminhar casos para os órgãos responsáveis. Em ambos os casos, a notificação ao Conselho Tutelar é uma das etapas fundamentais para que as vítimas tenham garantidos seus direitos de atendimento e proteção. As visitas domiciliares regulares, como a de agentes de saúde e da assistência social (Programa Criança Feliz (PCF) ou outro), são para acompanhar o desenvolvimento infantil, identificar fatores de risco e oferecer orientações às famílias. Ao mesmo tempo, criar grupos de apoio sobre práticas parentais positivas e troca de experiências e aprendizado sobre cuidados infantis pode fortalecer as relações e prevenir a violência. Estudos recentes29 indicam que programas de parentalidade para homens, por exemplo, contribuem não apenas para o fortalecimento dos vínculos familiares, mas também para a redução do uso da violência como medida disciplinar e suporte para os homens desenvolverem a paternidade de maneira mais positiva e reflexiva.
Conforme vimos na seção dedicada ao “Diagnóstico Situacional”, a notificação pelos(as) profissionais da rede de proteção continua sendo um desafio, dada a quantidade de casos que deixam de ser reportados e averiguados pelo SGDCA. Cabe à esfera municipal elaborar estratégias que visam a aperfeiçoar o sistema de notificação da sua localidade, primando também pelo registro qualificado das notificações nos sistemas específicos para que os encaminhamentos sejam realizados de maneira eficaz. Entre as ações que podem ser realizadas para melhorar o sistema de notificação, destacamos as seguintes:
29. McAllister, F. et all (2012). Fatherhood: Parenting Programmes and Policy. A critical review of best practice. Disponível em: https://bit.ly/4ayTJV4
» Elaborar estratégias de comunicação sobre a importância de que a violência seja reportada ao menos a um dos canais especializados (Disque 100, Conselho Tutelar, Delegacias Especializadas) para sensibilizar não apenas profissionais que compõem o quadro técnico dos serviços públicos, mas também toda a gama de serviços e comunidade de maneira ampliada, para que bebês e crianças possam ter acesso aos serviços de atendimento necessários.
» Garantir que denúncias e outras fontes de informação tenham caráter anônimo e com sigilo garantido para que não se gere o risco de represálias, mitigando também o medo das pessoas e organizações em realizarem denúncias.
» Garantir atendimento 24 horas para algum canal de denúncia do
âmbito municipal e atendimento pelo Conselho Tutelar em forma de plantão, via telefone, aplicativo específico e/ou de mensagens, como WhatsApp, para os períodos noturnos, finais de semana e feriados.
» Oferecer suporte técnico, infraestrutura e formação aos Conselhos Tutelares para que possam realizar os registros e encaminhamentos previstos no Sistema de Informação para a Infância e Adolescência (Sipia), conforme prevê a legislação30.
» Aprimorar o sistema de coleta e análise de dados de violência contra a primeira infância, com atenção especial a marcadores de raça/etnia, sexo, deficiência, local de moradia e condições socieconômicas, em todos os setores que coletam diretamente essas informações, como saúde, educação, assistência social e conselho tutelar.
Conforme estabelece a lei n° 13.431/2017, os casos de violência sexual são os que demandam atendimentos urgentes, ágeis e com sensibilidade no tratamento das vítimas. Devem envolver tanto os serviços de saúde quanto as áreas de segurança e justiça, para poderem dar assistência à saúde das vítimas e também garantirem os procedimentos legais para a coleta de provas (produção probatória). Os cuidados em saúde previstos em lei incluem exames, procedimentos de prevenção às infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), orientações, coleta e guar-
30. Resolução nº 178, de 15 de Setembro de 2016. Disponível em: https://bit.ly/3PM4GZx
da de vestígios para análise pericial. Em todos os casos, os atendimentos devem primar por condutas éticas, que garantam a confidencialidade, a privacidade e o sigilo31.
No que tange aos profissionais que atuam no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), em casos de violência, uma das primeiras ações que deve ser colocada em prática é a preparação do plano individual de atendimento (PIA) para a criança e/ou o plano de acompanhamento familiar (PAF).
O plano deve ser elaborado considerando as possibilidades de participação da criança, a partir do uso de técnicas específicas para a idade e, na medida do possível, propor ações que visam à manutenção dos vínculos familiares (lei n° 13.431/2017).
A adoção do PIA e/ou PAF dependerá das necessidades dos bebês, crianças e famílias. Conforme o grau de risco e de vulnerabilidade, poderão ser adotadas medidas para incluir bebês, crianças e seus familiares em programas e serviços específicos, como os de acolhimento institucional ou em família acolhedora, de maneira provisória e excepcional, para bebês e crianças cujos(as) familiares ou responsáveis estejam, temporariamente, impossibilitados(as) de exercer as funções de cuidado e proteção.
Podem ainda ser indicadas medidas para ofertar proteção, apoio psicossocial e complementação de renda, a depender das necessidades identificadas e das situações de vulnerabilidade socioeconômicas e de risco de vitimização física e/ou emocional das famílias e crianças atendidas32,33
Em casos de municípios que não possuem CREAS, os atendimentos devem ser realizados pelo(a) profissional de referência da proteção especial. Para colocar em prática estas ações, estabelecer um plano de prevenção é essencial, além de ser uma das medidas previstas na legislação, e pode contribuir com o estabelecimento de metas de curto, médio e longo prazo. Entre as ações que podem ser postas em práticas, destacamos as seguintes:
31. Childhood e UNICEF. Guia 3: A Saúde e a proteção de crianças vítimas de violência.
32. BRASIL. Decreto nº 9.603, de 10 de dezembro de 2018. Regulamenta a lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. Disponível em: https://bit.ly/3WvdKWO. Acesso em: 28 nov. 2024.
33. Childhood & UNICEF. Guia 4: Assistência Social e a proteção de crianças e adolescentes contra a violência.
» Investir em programas de segurança municipal em espaços públicos, como praças e parques, visando à redução de fatores de risco – como falta de iluminação – e a revitalização desses espaços para que crianças possam exercer seu direito à convivência comunitária e ao brincar seguro. Como boas práticas de espaços inclusivos e seguros para as crianças, há o programa “Ruas de Brincar”, que promove o lazer ao ar livre para ruas e bairros que aderirem à iniciativa, e o “Urban95”, da Fundação Van Leer, cujo objetivo é incentivar o planejamento urbano tendo em vista o que é bom para crianças na primeira infância.
» Garantir condições de mobilidade segura nos trajetos das crianças como forma de contribuir com a autonomia infantil e evitar acidentes.
» Qualificar a atuação de guardas civis que atuam em programas de acompanhamento de mulheres em medidas protetivas de urgência e que possuem crianças na primeira infância, visando à sua proteção e não revitimização.
» Implementar, monitorar e qualificar programas de visita domiciliar às famílias com crianças na primeira infância, promovendo práticas parentais positivas e não violentas, conforme as necessidades das políticas públicas de assistência social e saúde, incluindo a ampliação da cobertura de programas existentes.
» Implementar programas educativos sobre os direitos da criança, os diferentes tipos de violência e as formas de prevenção, direcionados a crianças, adolescentes, mães, pais e responsáveis, também é uma estratégia importante que pode ser posta em prática pelas áreas da educação, saúde e assistência social.
» Promover ações de prevenção à violência com foco na cultura de paz e a partir da interlocução entre diferentes setores das políticas públicas municipais, em especial as de educação, e o envolvimento comunitário.
Estruturar a área de recursos humanos e o orçamento
Ter equipes qualificadas e fontes de financiamento discriminadas são ações fundamentais para a institucionalização dos programas
ESTRUTURAR A ÁREA DE RECURSOS HUMANOS E O ORÇAMENTO
As principais ferramentas de planejamento da administração municipal são os planos setoriais, o plano plurianual e a lei orçamentária anual. Com o diagnóstico realizado e as prioridades pactuadas, é preciso estabelecer as metas que serão incluídas nesses instrumentos. É desse modo que o planejamento setorial, iniciado com o diagnóstico, conecta-se ao planejamento geral do ente federado.
Em relação a metas de impacto na área de violência, há um complicador importante. De modo geral, quando um programa de prevenção é iniciado, o primeiro passo é ter uma visão nítida da magnitude do problema. Desse modo, investimentos eficazes na produção de indicadores tendem a se refletir em aumento nas estatísticas, já que a contagem dos casos fica mais precisa. Por isso, indicadores de impacto (o quanto os investimentos tiveram resultados na diminuição dos casos de violência contra a primeira infância) devem levar em conta a expansão dos serviços disponíveis e serem considerados no longo prazo. As metas de impacto podem ser estabelecidas para períodos mais longos, no Plano Municipal pela Primeira Infância.
Enquanto isso, os instrumentos de planejamento orçamentário da gestão – Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (anexo de metas e definição de prioridades) e Lei Orçamentária Anual (LOA) – podem contar com metas de processo, como expansão da cobertura e melhoria da qualidade dos serviços. Uma opção interessante é referir todas as ações de atendimento à primeira infância sob o guarda-chuva de um mesmo programa, o que pode ajudar a gestão, o legislativo e os munícipes a terem uma visão melhor sobre a prioridade da política. Saiba mais sobre este e outros aspectos de como montar o orçamento de primeira infância no guia Políticas públicas institucionalizadas. Muitas metas a serem incluídas no planejamento estão relacionadas às atribuições dos municípios conforme as leis do Sistema Único de
Saúde, do Sistema Único de Assistência Social, e no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação. As normas que regulamentam essas áreas trazem uma série de parâmetros de atendimento para crianças em situação de violência ou em risco. Por exemplo: no SUS, há uma lista de agravos de notificação compulsória que inclui suspeita de violência. Melhorar o preenchimento das fichas de notificação para casos de violência contra crianças na primeira infância é fundamental e pode ser uma das metas.
Para garantir a proteção adequada à primeira infância, é preciso que os serviços estejam bem dimensionados, com as equipes completas e os equipamentos em pleno funcionamento. Vale a lembrança de que, antes de tudo, é mais eficiente otimizar os recursos que já estão disponíveis. Uma vez avaliada a demanda, os territórios prioritários e os recursos disponíveis, segue-se a avaliação das oportunidades. Nesse sentido, o município pode estabelecer iniciativas próprias, buscando fontes de financiamento específicas e sem necessariamente aumentar as despesas de pessoal e encargos sociais. Um programa de parentalidade, por exemplo, pode ser realizado em parceria com organizações da sociedade civil por meio de termo de colaboração. O financiamento pode ser buscado junto ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Outra alternativa é o Fundo Nacional de Segurança Pública, que pode financiar iniciativas de prevenção da violência (lei n° 13.756/2018), desde que o município tenha um Plano Municipal de Segurança Pública.
Como nos demais ciclos da política pública, as metas (assim como o monitoramento e a avaliação, sobre os quais falaremos a seguir) devem ser apresentadas a todas as pessoas relevantes da sociedade civil e da gestão, buscando não apenas contribuições relevantes, mas a definição das prioridades.
ESTRUTURAR A ÁREA DE RECURSOS HUMANOS E O ORÇAMENTO
Capacitações e formações
Garantir o acesso de crianças vítimas ou testemunhas de violências à rede de proteção está estritamente relacionado à capacidade técnica dos profissionais em identificar e notificar as suspeitas e/ou confirmações das violências percebidas. Além disso, todos os profissionais devem estar preparados para atuar sem risco de revitimização ou qualquer questionamento ou atitude hostil, ou desrespeito à criança e sua família. Como colocado no capítulo anterior, o desrespeito a essas normas caracteriza violência institucional, já tipificada em lei e passível de processo, seguido de punição. A formação é a estratégia primordial para evitar que esse tipo de transgressão ocorra.
Por isso, é crucial que os municípios invistam na capacitação constante de seus(suas) profissionais tanto em relação aos sinais que devem ser observados quanto sobre os procedimentos específicos que devem ser postos em prática. As equipes de saúde, assistência social, educação, direitos humanos e segurança pública devem receber capacitações específicas sobre atendimento às vítimas de violência, de modo a oferecer assistência qualificada baseadas nos seguintes pressupostos34-36:
» Formação sobre a Lei da Escuta Protegida, com ênfase na Escuta Especializada e no Depoimento Especial e seus dispositivos;
» Formação sobre os fluxos de atendimento integrado do município e respectivos protocolos;
» O acolhimento como premissa ética deve guiar o processo de atendimento das crianças e de suas famílias. Seu propósito é reconhecer as necessidades apresentadas e promover um atendimento com o máximo de profissionalismo, primando pela atenção, responsabilidade e resolução do caso37;
» Respeito à dignidade da criança por meio da adoção de procedimentos que não exponham sua privacidade, garantindo espaço físico e estrutura adequada, e que assegurem o sigilo das informações.
Para mais informações sobre capacitação das equipes:
Material de apoio à implementação da Lei da Escuta Protegida, produzido pelo UNICEF.
Série de vídeos sobre a implementação do SGDCA e da Lei da Escuta Protegida, produzidos pelo UNICEF.
Oito videoaulas sobre a Lei da Escuta Protegida e o papel do Sistema de Garantia de Direitos, produzidos pela Childhood e o UNICEF.
Guias sobre a atuação de profissionais de cada setor na prevenção à violências, produzido pela Childhood e o UNICEF.
Curso online Enfrentamento à Violência
Sexual contra Crianças e AdolescentesInfância protegida, oferecido pelo UNICEF.
Plataforma de cursos online da Escola Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Endica).
34. Conselho Nacional do Ministério Público (2019). Guia prático para a implementação da política de atendimento de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência.
35. BRASIL. Decreto nº 9.603, de 10 de dezembro de 2018. Regulamenta a lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. Disponível em: https://bit.ly/3WvdKWO. Acesso em: 28 nov. 2024.
36. Ministério dos Direitos Humanos, Comissão Intersetorial de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. Parâmetros de Escuta de crianças e adolescentes em situação de violência. Brasília, 2017.
37. BRASIL. Decreto nº 9.603, de 10 de dezembro de 2018. Regulamenta a lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. Disponível em: https://bit.ly/3WvdKWO. Acesso em: 28 nov. 2024.
Monitorar e avaliar
Acompanhar e avaliar de forma sistemática e constante a execução dos programas de segurança garante a melhoria contínua e o bom uso de recursos
O monitoramento e a avaliação são processos fundamentais para que os(as) gestores(as) possam acompanhar e medir os resultados das políticas públicas municipais voltadas para a primeira infância e segurança pública. Monitorar significa acompanhar sistematicamente o desenvolvimento das ações de programas e serviços por meio de indicadores que forneçam informações sobre a eficácia (quantidade e qualidade dos serviços ofertados), a eficiência (uso adequado dos recursos para atingir os objetivos) e a equidade (a garantia de atendimento prioritário a grupos que mais precisam) na prestação de serviços.
Isso inclui garantir a distribuição dos atendimentos conforme as necessidades territoriais e populacionais, com uma oferta maior de serviços nas localidades que mais necessitam, especialmente aquelas que lidam com vulnerabilidades relacionadas à primeira infância e à violência. Esses indicadores devem fornecer também informações que permitam avaliar os impactos das políticas públicas implementadas, demonstrando assim sua efetividade na proteção das crianças e na promoção de um ambiente seguro e saudável.
Uma avaliação com qualidade inclui dados quantitativos e qualitativos.
Dados quantitativos: essenciais para medir o impacto e verificar os resultados concretos do programa, considerando todo o público atendido.
Dados qualitativos: ajudam a contextualizar e interpretar os dados quantitativos, proporcionando uma visão mais completa do programa. Esse tipo de análise qualitativa é essencial para entender os efeitos e a percepção do programa, permitindo ajustes mais precisos e direcionados.
Recomenda-se que a avaliação seja realizada por uma equipe externa que não esteja envolvida no processo de implementação e que inclua pesquisadores.
Para avaliar os resultados, é importante que os propósitos e expectativas estejam explícitos e institucionalizados em uma política pública, com ações, programas e serviços de acordo com as necessidades da sociedade.
O monitoramento da política deve ser iniciado no processo de construção, adentrar a implementação e avançar para a avaliação de resultados.
Em termos de construção e institucionalização das políticas relacionadas à primeira infância, os(as) gestores(as) devem basear a análise em indicadores que expressem se as necessidades territoriais foram consideradas.
O monitoramento precisa responder às metas estabelecidas no PMPI e nos instrumentos de planejamento - PPA, LOA. Por isso, a cada ano os relatórios da execução orçamentária devem mostrar a situação de cada meta. Sempre que possível, os andamentos do cumprimento das metas devem ser divulgados em canais de fácil acesso, como os sites dos órgãos municipais, facilitando o acompanhamento do público.
Para os municípios que ainda não têm um Plano Municipal pela Primeira Infância, é preciso compatibilizar a temporalidade com os demais instrumentos de planejamento. É possível que o PMPI fique pronto depois do PPA e da LOA de 2026. Se for esse o caso, pode haver necessidade de emendar as peças orçamentárias para contemplar as novas metas.
De todo modo, será no PMPI que estarão as metas e os indicadores para o monitoramento e a avaliação da política, devendo ser estabelecidas tanto metas de curto e médio prazo, que devem ser incluídas nas leis orçamentárias, quanto metas de maior horizonte temporal, especialmente aquelas relacionadas ao impacto da política.
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Considerações finais
Promover o desenvolvimento saudável e integral na primeira infância está diretamente relacionado à proteção de bebês e crianças de todas as formas de violência. Proporcionar um ambiente seguro e acolhedor para as crianças exige não só a repressão de atos violentos, mas também a promoção de condições que favoreçam seu pleno desenvolvimento e a garantia de seus direitos desde os primeiros anos de vida.
A lógica intersetorial está no âmago das duas políticas públicas tratadas neste guia: aquela voltada à segurança das infâncias e a de primeira infância, que deve abarcar também os planos de proteção. Esta é, portanto, uma oportunidade para os novos gestores e gestoras implementarem a lógica intersetorial em seu município, a partir da organização do SGDCA. Ao desenvolver a tecnologia de atuação integrada nessas duas grandes áreas, o município estará adquirindo um conhecimento que pode beneficiar todos os setores da gestão municipal e, principalmente, seus cidadãos pela diminuição de desigualdades e promoção da equidade e acesso aos direitos humanos.
Ao longo deste guia, foram apresentados caminhos e estratégias abrangentes para o enfrentamento das diferentes formas de violências, ressaltando o papel fundamental dos(as) gestores(as) na implementação de políticas intersetoriais que envolvam, principalmente, a área da saúde, assistência social, educação e segurança pública, a fim de proporcionar respostas eficientes e coordenadas frente às violações de direitos.
Para que essas ações de fato se concretizem, torna-se essencial que os(as) gestores(as) priorizem o investimento na primeira infância como um caminho para garantir uma sociedade mais justa e equitativa no presente e no futuro.
PRIMEIRA INFÂNCIA NO MUNICÍPIO
Segurança e proteção à violência
Como articular as políticas de segurança pública para a promoção e proteção da primeira infância