TOX I C O LO G I A
N A P R ÁT I C A C L Í N I C A 2a Edição
ADEBAL DE ANDRADE FILHO Médico Especialista em Clínica Médica. Plantonista do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII – FHEMIG (Belo Horizonte, Minas Gerais).
DÉLIO CAMPOLINA Médico Especialista em Clínica Médica e Patologia Clínica. Farmacêutico-bioquímico. Mestre em Infectologia e Medicina Tropical – FM/UFMG. Professor Convidado da Disciplina Estágios em Toxicologia Clínica da FM/UFMG. Coordenador do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII. Presidente da Sociedade Brasileira de Toxicologia 2008/2009.
MARIANA BORGES DIAS Médica Especialista em Clínica Médica. Ex-plantonista do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII. Membro da Sociedade Brasileira de Toxicologia.
folium
Belo Horizonte, 2013
TOX IC O LO G I A
N A P R ÁT I C A C L Í N I C A ADEBAL DE ANDRADE FILHO
2a Edição
DÉLIO CAMPOLINA MARIANA BORGES DIAS
Direitos exclusivos Copyright © 2013 by Folium Editorial Av. Carandaí, 161 – sala 702 30130-060 – Belo Horizonte – MG Tel. (31) 3287-1960 e-mail: folium@folium.com.br www.folium.com.br
Ficha catalográfica A553t Andrade Filho, Adebal de Toxicologia na prática clínica / Adebal de Andrade Filho, Délio Campolina, Mariana Borges Dias. 2. ed. Belo Horizonte: Folium, 2013. 700p. ISBN: 978-85-88361-60-7 1. Toxicologia geral. I. Campolina, Délio. II. Dias, Mariana Borges. III. Título. CDU 615.9 CDD 615.9
Todos os direitos autorais estão reservados e protegidos pela Lei nº 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. É proibida a duplicação ou reprodução desta obra, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia ou outros), sem a permissão prévia, por escrito, da editora.
Prefácio
Desde cedo o homem, lutando por sua sobrevivência, teve que aprender a reconhecer as propriedades benéficas ou nocivas das plantas, animais e substâncias presentes em seu meio. Ademais, constitui requisito fundamental para o desenvolvimento pleno e racional de uma nação o conhecimento das características do ambiente e das interações entre os seres vivos em seu espaço peculiar. O Brasil distingue-se pela sua extensa biodiversidade, pela exuberância de sua fauna e flora. Seu rápido desenvolvimento, especialmente nas últimas décadas, tem trazido benefícios à população, como aumento e melhoria na distribuição de renda, da expectativa de vida e dos índices de desenvolvimento humano, queda da mortalidade infantil e mais facilidade de acesso à escola, ao emprego e ao Sistema Único de Saúde. Por outro lado, o descontrole desse crescimento e do processo de urbanização e ocupação do espaço geográfico traz sérios problemas que demandam estudo e soluções. Define-se Toxicologia como ciência multidisciplinar que, além de estudar os efeitos adversos causados por agentes químicos no homem e no meio ambiente, investiga, também, as propriedades físico-químicas de cada substância e avalia a segurança de seu uso. O estudo e o manejo das intoxicações devem obedecer às especificidades locais, desde que os agentes químicos aos quais as pessoas se expõem, as características biológicas da fauna e da flora e o comportamento cultural das pessoas variam amplamente, conforme a região e o país. No manejo das intoxicações, o conhecimento da nosologia prevalente é importante para a condução de casos nos quais a história é frequentemente pobre. Além disso, a avaliação das características específicas de nossos problemas de saúde autóctones e mais prevalentes permite-nos contribuir para o preenchimento de lacunas do saber e para o enriquecimento da ciência universal. O estudo sistemático das intoxicações no Brasil evoluiu bastante com a criação dos Centros de Informação Toxicológicas e implantação do Sistema de Informações Tóxico-Farmacológicas, em 1980. O Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII, da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais, constitui um dos maiores centros de referência do país nessa área. Nele se destacam as atividades de atendimento diário a dezenas de pacientes, treinamento de médicos, acadêmicos de Medicina e pós-graduandos, sistematização de condutas, referenciação e contrarreferenciação e pesquisa e divulgação
regular de sua experiência clínica. Plenamente qualificados e experientes no manejo do paciente intoxicado, vários dos membros do Serviço de Toxicologia foram buscar, na pós-graduação senso strictu, o aperfeiçoamento em metodologia científica necessário para o desenvolvimento de suas linhas de pesquisa e mais contribuição à ciência nacional. Em consequência dessa relevante experiência, lança-se agora a segunda edição, revista e atualizada, deste excelente compêndio que aborda, de forma clara e objetiva, os diversos aspectos conceituais, epidemiológicos, clínicos, terapêuticos e profiláticos das intoxicações em nosso meio. Esta obra reafirma e consagra a contribuição inestimável que vem sendo prestada pela equipe do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII ao conhecimento, ensino e pesquisa dos problemas toxicológicos que nos são próprios e certamente consolidar-se-á como guia referencial nessa área.
Manoel Otávio da Costa Rocha
Professor Titular. Departamento de Clínica Médica. Programa de Pós-Graduação em Infectologia e Medicina Tropical Faculdade de Medicina da UFMG
Prefácio 1a Edição
Distinguido pela honra de poder conhecer, em primeira mão, os originais do livro Toxicologia na Prática Clínica, organizado pelos Drs. Adebal de Andrade Filho, Délio Campolina e Mariana Borges Dias, senti-me sobremaneira feliz e seguro em atender o convite dos colegas organizadores, de apresent ar esta obra a todos os que terão, daqui para a frente, o privilégio de ler este texto e de estudá-lo. Com efeito, os três organizadores e os 36 colaboradores foram extremamente felizes nesta trabalhosa tarefa. Primeiro, pela oportunidade, posto o grande vazio que se sentia em nosso meio, de ter um bom texto em Português, baseado na experiência brasileira acumulada, enfocando problemas bem nossos, utilizando instrumentos semiológicos e laboratoriais também nossos e em grande parte disponíveis, e com condutas já ampla mente post as em prática, também nas condições brasileiras, no que elas têm de diferente, para mais ou para menos. Em segundo lugar, quero dest acar a autoridade dos organizadores e colaboradores, todos com formação sólida em centros reconhecidos, quer em Clínica Médica, em Terapia Intensiva, em especialidades clínicas e cirúrgicas, em Toxicologia Clínica, e em alguns casos, em Medicina do Trabalho e Toxicologia Ocupacional. Contudo, o ponto mais alto do livro Toxicologia na Prática Clínica é, em nossa opinião, a experiência acumulada no respeit ado Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII, em Belo Horizonte, há muito tempo competentemente dirigido pelo ilustre colega Dr. Délio Campolina. É just amente essa experiência acumulada dos organizadores e colaboradores que assegura o que cha mamos de autoridade dos autores. Em terceiro lugar, gostaria de destacar a lógica de organização do livro como um todo, e de cada capítulo em seu interior. Os capítulos estão dispostos em ordem alfabética, o que constitui um critério prático para o usuário. Por seu turno, a estrutura interna de 39 dos 42 capítulos é feita numa lógica adequada para o raciocínio médico: conceituação do problema e sua importância médica e epidemiológica; descrição dos mecanismos de ação; estudo das manifestações clínicas e dos exames utilizados no diagnóstico correto do problema; trata mento; prognóstico e noções de prevenção. A bibliograf ia de cada capítulo é boa, atualizada e contém, sempre que possível, bibliograf ia brasileira ou em Português, o que valoriza o livro.
Como corretamente conceituam os autores em seu Capítulo 2, a Toxicologia é uma ciência multidisciplinar que, além de estudar os efeitos adversos causados por agentes químicos no ser humano e no meio ambiente, estuda também as propriedades físico-quí micas de cada subst ância e avalia a segurança de seu uso. Agora, com este excelente livro ora publicado pela Folium Editora Ltda., a Toxicologia passa a se aproximar mais ainda da assim chamada prática clínica, e de cada leitor e estudioso que tiver a sorte de estudar esta obra e de a pôr em prática, no dia a dia. Por ser definida como ciência multidisciplinar, sinto-me incluído, como médico dedi cado à Saúde Pública e à Medicina do Trabalho, entre os “usuários” da Toxicologia, da qual, aliás, n enhum médico está dispensado de ser. Certamente agora os médicos de Minas Gerais e do Brasil inteiro poderão ser “usuários” da Toxicologia – ainda que não necessariamente “toxicologist as” – de modo subst ancialmente melhor do que já o eram antes, quando não existia esta boa idéia e útil ferrament a de trabalho chamada Toxicologia na Prática Clínica. Parabéns, port anto, aos colegas organizadores, aos editores, aos colegas colaboradores e, em especial, aos leitores e estudiosos deste livro.
Belo Horizonte, abril de 2001.
René Mendes
Professor Titular do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais Presidente da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (2001-2004).
Às nossas famílias que nos apoiam presencial e espiritualmente e dão sentido ao nosso dia a dia.
Adebal de Andrade Filho Délio Campolina Mariana Borges Dias
Agradecimentos
Aos colegas colaboradores que com dedicação doaram uma parcela de seu tempo e conhecimento para a elaboração dos capítulos. Nosso agradecimento também aos colegas que colaboraram com a primeira edição deste livro: Dr. Antônio Aurélio Fagundes Filho, Dra. Camila Romano, Dra. Cíntia de Assis Tavares, Dr. Filipe Maia Torres Alves, Dra. Hercília Anastasia Cardoso de Oliveira, Dr. Lourenço César Menezes Santos, Dr. Luciano Carvalho Campos, Dra. Luciene Moraes Vivone, Dr. Marcos Roberto de Souza, Dr. Quirino Pena Júnior, Dr. Rafael Rezende, Dra. Regina Maria Gasparini Pena, Dra. Renata Evelina Duarte, Dr. Rodrigo Laender Ambrosi Najar, Dr. Rogério de Oliveira Nascimento e Dra. Vânia Lúcia Correa Tannure Abreu. À farmacêutica Maria de Fátima Eyer Cabral Cardoso, que muito nos ajudou com os manuscritos e revisões. Ao corpo clínico, equipe de enfermagem, equipe dos laboratórios de Patologia Clínica e de Toxicologia, pessoal administrativo, biólogos e grupo de Psicologia do Hospital João XXIII – FHEMIG, que ao longo dos últimos anos vêm nos ajudando a construir as bases deste livro, com críticas, sugestões e troca de experiências. Agradecemos pela oportunidade de trabalhar com a equipe da Folium Editorial, coordenada pelo Dr. Gilberto Dornas. Aqui nos lembramos, ainda, do Dr. Antonio Carlos Toledo Jr., que representava a Folium na primeira edição do Toxicologia na Prática Clínica. Nosso muito obrigado a todas as pessoas que participaram de alguma maneira para que este livro fosse escrito.
Adebal de Andrade Filho Délio Campolina Mariana Borges Dias
Colaboradores
Adebal de Andrade Filho
Ana Carolina Garcia Tuyama
Médico Especialista em Clínica Médica. Plantonista do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII – FHEMIG (Belo Horizonte, Minas Gerais).
Médica pela UFMG, Residência em Medicina Interna pelo Mount Sinai School of Medicine e fellowship em Gastroenterologia pelo Mount Sinai School of Medicine, New York, USA.
Alberto Sissao Sato
Ana Carolina Gomes Pereira
Médico Especialista em Homeopatia pela AMHMG. Titulado em Acupuntura pela AMB e CMA. Ex-plantonista do Serviço de Toxicologia do Hospital Joao XXIII.
Médica Especialista em Infectologia – Hospital das Clínicas da UFMG.
Amilton Cabral Junior Médico, Pós-graduado em Perícias Médicas pela UGF e em Medicina do Trabalho pela Funorte. Presidente da Sociedade Brasileira de Perícias Médicas – Regional Distrito Federal. Membro da Sociedade Brasileira de Toxicologia e da Comissão Internacional de Saúde Internacional.
Anabelle Lotti do Carmo Fioravante Médica Especialista em Clínica Médica pela FHEMIG – Hospital João XXIII e Medicina Intensiva pelo Hospital Luxemburgo – Fundação Mário Pena.
André Felipe Zuccolo Barragat de Andrade Médico Especialista em Cirurgia Geral. Ex-plantonista do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII.
Andrés Martin de La Flor Lenti Médico Especialista em Clínica Médica e em Medicina Intensiva. Coordenador da Clínica Médica do Hospital Mater Dei.
Anselmo Dornas Moura Médico Especialista em Medicina Intensiva. Coordenador Médico do CTI do Hospital Mater Dei.
Carlos Augusto Mello da Silva
Daniela Scarpa da Silva Costa
Professor de Farmacologia. Professor Titular de Toxicologia e Medicina de Emergência – Universidade de Caxias do Sul. Médico do Centro de Informação Toxicológica do Rio Grande do Sul. Presidente da Sociedade Brasileira de Toxicologia, 2010/2011.
Psicóloga Especialista em Saúde Mental e Psicologia Hospitalar. Mestre em Psicologia – PUC Minas. Professora da Faculdade de Engenharia de Minas Gerais. Psicóloga clínica da Unimed-BH.
Cecília Maria de Sousa Lagares Dabien Haddad Médica Especialista em Cirurgia Geral e Oftalmologia. Professora Convidada da Disciplina Estágios em Toxicologia Clínica da FM/UFMG. Plantonista do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII.
Ceila Maria Sant’Ana Malaque Médica do Hospital Vital Brazil do Instituto Butantan, São Paulo e da Unidade de Terapia Intensiva do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, São Paulo.
Clara Rodrigues Alves de Oliveira Médica Especialista em Clínica Médica. Mestre e Doutora em Infectologia e Medicina Tropical – FM/UFMG. Ex-Plantonista do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII.
Cláudia Luíza Pena Hatem Médica Pediatra Neonatologista da UTI Pediátrica e Neonatal do Hospital Mater Dei, da Maternidade Odete Valadares – FHEMIG e do Hospital Público Regional de Betim. Ex-estagiária do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII.
Daiana Ferraz Braga de Oliveira Médica pela UFMG. Ex-monitora da Disciplina Toxicologia Clínica pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Daniela Charnizon Médica Especialista em Clínica Médica e Acupuntura. Professora Convidada do Departamento de Clínica Médica da UFMG e Preceptora do internato de Clínica Médica do Hospital Risoleta Tolentino Neves.
David Albanez Campos Médico pela UFMG. Ex-monitor da Disciplina Toxicologia Clínica da Universidade Federal de Minas Gerais.
Délio Campolina Médico Especialista em Clínica Médica e Patologia Clínica. Farmacêutico-bioquímico. Mestre em Infectologia e Medicina Tropical – FM/UFMG. Professor Convidado da Disciplina Estágios em Toxicologia Clínica da FM/UFMG. Coordenador do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII. Presidente da Sociedade Brasileira de Toxicologia 2008/2009.
Dinalva Aparecida Mendes Médica Especialista em Cardiologia e Medicina Intensiva. Coordenadora da UTI do Hospital Vera Cruz de Belo Horizonte.
Éber Assis dos Santos Júnior Médico Especialista em Clínica Médica e em Medicina do Trabalho pela Faculdade de Ciências Médicas. Mestre em Saúde Pública (Área de Concentração Saúde e Trabalho) FM/UFMG. Plantonista da UPA Norte (Belo Horizonte).
Franciele Antonieta Bianchi Leidenz Médica pela UFMG. Plantonista do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII.
Frederico Figueiredo Amâncio Médico Especialista em Medicina Intensiva. Mestre em Infectologia e Medicina Tropical – FM/UFMG.
Frederico Bruzzi de Carvalho
Leidiane Miranda Sacramento
Médico Especialista em Medicina Intensiva, Gerente do CTI do Hospital Eduardo de Menezes – FHEMIG. Rotina do CTI e Supervisor da residência em Medicina Intensiva do Hospital Odilon Behrens.
Médica pela UFMG. Ex-monitora do Estágio em Toxicologia Clínica do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII.
Gilberto Tadeu Nable Médico Especialista em Medicina Interna. Plantonista do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII.
Josemar de Almeida Moura Médico Especialista em Clínica Médica. Professor Auxiliar do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG.
Juliana Fulgêncio Henriques Médica Especialista em Infectologia – Hospital Eduardo de Menezes – FHEMIG.
Juliana Sartorelo Carneiro Bittencourt Almeida
Lucas Ferreira Sant´Ana Médico pela UFMG. Ex-monitor do Estágio em Toxicologia Clínica do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII.
Luciana Reis Silveira Médica Clínica, Professora da Disciplina Estágios em Toxicologia Clínica da FM/UFMG. Plantonista do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII.
Luís Fernando Andrade Carvalho Médico Especialista em Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Infantil João Paulo II – FHEMIG. Mestre em Pediatria pela UFMG e Diretor Técnico do Hospital Unimed.
Marcelo Vinicius Pereira Veloso
Médica Especialista em Clínica Médica. Plantonista do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII. Referência Técnica Médica da Unidade de Pronto Atendimento Leste- Belo Horizonte.
Médico Especialista em Clínica Médica e Medicina Intensiva. Plantonista do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII.
Karine Valeria Gonçalves de Oliveira
Maria Aparecida Braga
Médica pela UFMG. Ex-monitora da Disciplina Estágio em Toxicologia Clínica da UFMG.
Médica Especialista em Medicina Intensiva. Mestre em Infectologia e Medicina Tropical – FM/UFMG. Coordenadora da Unidade de Terapia Intensiva de Adultos do Hospital dia e Maternidade Unimed-BH. Coordenadora do Pronto Atendimento do Hospital Felício Rocho – BH.
Katia Cristina Barbaro Nogueira Médica, Mestre em Microbiologia e Imunologia pela Escola Paulista de Medicina e Doutora em Ciências: Imunologia – USP.
Kênia de Castro Macedo Médica Especialista em Pediatria e Terapia Intensiva Pediátrica. Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente pela UFMG. Plantonista da UTI Pediátrica do Hospital Infantil João Paulo II.
Maria Apolonia da Costa Gadelha Médica. Mestre em Doenças Tropicais, Professora da Disciplina de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Universidade Federal do Pará e Coordenadora Geral do Centro de Informações Toxicológicas de Belém.
Maria Camilo Ribeiro de Senna
Pablo Alves Marinho
Médica Especialista em Infectologia. Médica Assistente do Centro de Referência em Doenças Infecciosas e Parasitárias – CTR Orestes Diniz.
Farmacêutico/Bioquímico. Mestre em Toxicologia pela UFMG, Perito Criminal do Estado de Minas Gerais, Professor de Toxicologia do Centro Universitário UNA e da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais.
Maria de Fátima Eyer Cabral Cardoso Farmacêutica do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII. Membro da Sociedade Brasileira de Toxicologia.
Mariana Borges Dias Médica Especialista em Clínica Médica. Ex-plantonista do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII. Membro da Sociedade Brasileira de Toxicologia.
Mariana Martins Lessa Machado Médica Especialista em Clínica Médica. Ex-plantonista do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII.
Matheus Silva Gurgel do Amaral
Paula de Castro Gianasi Médica Especialista em Clínica Médica, plantonista do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII.
Paula Rodrigues Silva Machado Costa Médica pela UFMG. Ex-monitora da disciplina Toxicologia Clínica da Universidade Federal de Minas Gerais.
Paulo Roberto Gonçalves Amorim Médico pela UFMG. Ex-monitor da Disciplina Toxicologia Clínica da Universidade Federal de Minas Gerais.
Patrícia Drumond Ciruffo
Médico pela UFMG. Ex-monitor da Disciplina Toxicologia Clínica da Universidade Federal de Minas Gerais.
Médica Clínica. Plantonista do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII.
Marlene Entres
Pedro Henrique Lima Prata
Médica Especialista em Pediatria e em Saúde Pública. Supervisora do Centro de Controle de Envenenamentos de Curitiba – Secretaria de Estado da Saúde do Paraná.
Médico pela UFMG. Ex-Monitor da Disciplina Toxicologia Clínica da Universidade Federal de Minas Gerais.
Marlene Zannin Professora Associada da Disciplina de Toxicologia, Departamento de Patologia, Centro de Ciências da Saúde – Universidade Federal de Santa Catarina e Supervisora do Centro de Informações Toxicológicas de Santa Catarina.
Pedro Pereira de Oliveira Pardal Médico, Mestre em Doenças Tropicais, Professor da Disciplina de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Universidade Federal do Pará, Coordenador Clínico do Centro de Informações Toxicológicas de Belém.
Raquel Melânia de Jesus Tassini
Solange de Lourdes Silva Magalhães
Médica Especialista em Clínica Médica e Medicina Intensiva. Plantonista no Hospital Biocor, CTI Adulto da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, CTI do Hospital Unimed BH e Samu-BH.
Médica Especialista em Clínica Médica. Plantonista do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII.
Roberta Chaves Araújo Médica pela UFMG. Ex-monitora do Estágio em Toxicologia Clínica. Especialista em Clínica Médica.
Roberto Henrique Pinto Morais Pesquisador Científico do Laboratório de Coleções Zoológicas do Instituto Butantan.
Samir de Oliveira Sauzen Médico Especialista em Cirurgia Geral e Anestesiologia. Plantonista do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII.
Saulo Peconick Ventura Médico Especialista em Cardiologia. Plantonista do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII.
Sérgio Diniz Guerra Médico Especialista em Terapia Intensiva Pediátrica. Mestre e Doutorando em Ciências da Saúde pela UFMG. Coordenador da UTI Pediátrica do Hospital João XXIII. Coordenador da Pós-graduação em Emergências Pediátricas da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.
Simone de Paula Pessoa Lima Médica Especialista em Geriatria. Pós-graduação em Geriatria pelo Centro de Referência do Idoso do HC-UFMG. Ex-estagiária do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII.
Soraya Diniz e Souza Médica Especialista em Cirurgia Geral, Plantonista do CTI do Hospital Unimed-Betim.
Stefania Villela Moreira Reis Médica Especialista em Clinica Médica. Plantonista do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII.
Unaí Tupinambás Professor Adjunto do Departamento de Clínica Médica da FM-UFMG. Chefe do Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias do HC-UFMG. Coordenador do Programa de Residência Médica de Infectologia do HC-UFMG. Médico Assessor do Departamento de DST-Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde.
Valéria Bruno de Souza Costa Farmacêutica-bioquímica do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII. Mestre em Tecnologia de Alimentos pela Universidade Federal de Viçosa. Membro da Sociedade Brasileira de Toxicologia.
Vinícius Gonçalves Seabra Médico Especialista em Clínica Médica e Gastroenterologia. Plantonista do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII.
Sumário
1. Abordagem Inicial do Paciente Intoxicado ................................................. 01 Adebal de Andrade Filho, Anselmo Dornas Moura, Délio Campolina
2. História, Conceitos e Epidemiologia .......................................................... 31 Maria de Fátima Eyer Cabral Cardoso, Délio Campolina, Adebal de Andrade Filho
3. Abelhas e Vespas – Himenópteros ........................................................... 43 Cláudia Luíza Pena Hatem, Kênia de Castro Macedo, Adebal de Andrade Filho
4. Considerações sobre o Ato Suicida .......................................................... 53 Daniela Scarpa da Silva Costa
5. Álcoois e Síndrome de Abstinência Alcoólica ........................................... 59 Éber Assis dos Santos Júnior, Josemar de Almeida Moura, Délio Campolina
6. Analgésico e Anti-inflamatórios ................................................................ 79 Luciana Reis Silveira
7. Anticolinesterásicos .................................................................................. 89 Adebal de Andrade Filho, Soraya Diniz e Souza
8. Anticonvulsivantes .................................................................................... 99 Clara Rodrigues Alves de Oliveira, Mariana Borges Dias, Maria de Fátima Eyer Cabral Cardoso, Adebal de Andrade Filho
9. Antidepressivos não Tricíclicos ............................................................... 113 Mariana Martins Lessa Machado, Roberta Chaves Araújo
10. Antidepressivos Tricíclicos .................................................................... 127 Adebal de Andrade Filho, Leidiane Miranda Sacramento
11. Anti-hipertensivos e outras Drogas Cardioativas ................................... 135 David Albanez Campos, Alberto Sissao Sato
12. Antipsicóticos ........................................................................................ 145 Andrés Martin De La Flor Lenti, Adebal de Andrade Filho
13. Araneísmo e Acidentes com Lacraias e Piolhos de Cobra .................... 155 Délio Campolina, Mariana Borges Dias, Alberto Sissao Sato, Adebal de Andrade Filho
14. Arsênio .................................................................................................. 169 Gilberto Tadeu Nable, Délio Campolina
15. Barbitúricos ........................................................................................... 177 Ana Carolina Garcia Tuyama, Adebal de Andrade Filho
16. Benzodiazepínicos ................................................................................. 183 Patrícia Drumond Ciruffo, Paula de Castro Gianasi
17. Beta-bloqueadores ................................................................................ 191 Adebal de Andrade Filho, Luís Fernando Andrade Carvalho
18. Botulismo .............................................................................................. 199 Josemar de Almeida Moura, Éber Assis dos Santos Júnior
19. Cáusticos .............................................................................................. 207 Cecília Maria de Souza Lagares Dabien Haddad
20. Chumbo ................................................................................................ 225 Gilberto Nable
21. Cianeto .................................................................................................. 235 Éber Assis dos Santos Júnior, Adebal de Andrade Filho
22. Cocaína e seus Derivados ..................................................................... 247 Adebal de Andrade Filho, Saulo Peconick Ventura, Paula Rodrigues Silva Machado
23. Drogas de Abuso .................................................................................. 261 Délio Campolina, Luciana Reis da Silveira, Vinícius Gonçalves Seabra
24. Drogas Utilizadas em Doenças Neurodegenerativas ............................ 283 Mariana Martins Lessa Machado
25. Escorpionismo ...................................................................................... 295 Délio Campolina, Cláudia de Moura Nunes Guerra, Sérgio Diniz Guerra, Mariana Borges Dias, Adebal de Andrade Filho
26. Estricnina .............................................................................................. 321 Pedro Henrique de Lima Prata, Mariana Borges Dias, Alberto Sissao Sato
27. Ferro ...................................................................................................... 325 Sérgio Diniz Guerra, Karine Valéria Gonçalves de Oliveira, Adebal de Andrade Filho
28. Gases Tóxicos .......................................................................................339 Juliana Sartorelo Carneiro B. Almeida, Samir de Oliveira Sauzen
29. Herbicidas ............................................................................................. 353 Marcelo Vinícius Pereira Veloso, Stefania Villela Moreira Reis, David Albanez Campos, Lucas Ferreira Sant’Ana
30. Hidrocarbonetos ...................................................................................363 Délio Campolina, Pedro Henrique de Lima Prata
31. Hipoglicemiantes ................................................................................... 375 Mariana Borges Dias, David Albanez Campos, Alberto Sissao Sato
32. Pederismo e Animais Aquáticos ...........................................................383 Pedro Pereira de Oliveira Pardal, Maria Apolonia da Costa Gadelha
33. Intoxicação Digitálica ............................................................................ 395 Dinalva A. Mendes, Maria Aparecida Braga
34. Intoxicação por Antirretrovirais ..............................................................403 Unaí Tupinambás, Solange de Lourdes Silva Magalhães, Maria Camilo Ribeiro de Senna, Juliana Fulgêncio Henriques, Daiana Ferraz Braga de Oliveira, Ana Carolina Gomes Pereira Anselmo
35. Acidentes por Lepidópteros ..................................................................415 Marlene Zannin, Roberto Henrique Pinto Moraes
36. Intoxicação por Lítio ..............................................................................429 Raquel Melânia de Jesus Tassini
37. Loxocelismo .......................................................................................... 437 Marlene Entres, Kátia Cristina Barbaro Nogueira, Ceila Maria Sant’Ana Malaque
38. Mercúrio e outros Metais .....................................................................451 Amilton Cabral Júnior, David Albanez Campos
39. Metemoglobinizantes ...........................................................................463 Mariana Borges Dias, Carlos Augusto Mello da Silva, Hoyama da Costa Pereira
40. Metilxantinas ........................................................................................469 Clara Rodrigues Alves de Oliveira, Paulo Roberto Gonçalves Amorim
41. Monóxido de Carbono ...........................................................................475 Éber Assis dos Santos Júnior
42. Naftaleno, Paradiclorobenzeno e Cânfora .............................................483 Mariana Borges Dias, Lucas Ferreira Sant’Ana, Alberto Sissao Sato
43. Ofidismo ............................................................................................... 491 Adebal de Andrade Filho, Délio Campolina, Mariana Borges Dias
44. Opioides ............................................................................................... 511 Adebal de Andrade Filho, Éber Assis dos Santos Júnior, Anabelle Lotti do Carmo Fioravante
45. Organoclorados, Piretrinas e Piretroides ...............................................519 Mariana Borges Dias, Pedro Henrique de Lima Prata, Alberto Sissao Sato
46. Paracetamol ..........................................................................................527 Adebal de Andrade Filho, Franciele Antonieta Bianchi Leidenz, Maria de Fátima Eyer Cabral Cardoso, Valéria Bruno de Souza Costa
47. Intoxicação por Paraquat ....................................................................... 533 Adebal de Andrade Filho, Daniela Charnizon, Matheus Silva Gurgel do Amaral
48. Plantas e Cogumelos Venenosos .........................................................543 Solange de Lourdes Silva Magalhães, Délio Campolina, Maria de Fátima Eyer Cabral Cardoso, Adebal de Andrade Filho
49. Profilaxia da Raiva Humana e Cuidados com Mordeduras de Animais .... 595 Délio Campolina, Frederico Figueiredo Amâncio
50. Raticidas ............................................................................................... 609 Délio Campolina, André F. Z. Barragat de Andrade, Simone de Paula Pessoa Lima, Adebal de Andrade Filho
51. Salicilatos ..............................................................................................627 Frederico Bruzzi de Carvalho, Anabelle Lotti do Carmo Fioravante
52. Simpaticomiméticos .............................................................................635 Mariana Borges Dias, Lucas Ferreira Sant’Ana, Alberto Sissao Sato
53. O Laboratório e as Análises Toxicológicas de Urgência ........................ 643 Pablo Alves Marinho, Maria de Fátima Eyer Cabral Cardoso, Délio Campolina, Valéria Bruno de Souza Costa
Índice Remissivo ......................................................................................... 659
Drogas de Abuso
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Délio Campolina Luciana Reis da Silveira Vinícius Gonçalves Seabra
A
preocupação relativa ao consumo de substância, sem valor nutricional ou médico comprovado, com intuito ”recreativo” é multidimensional e evidente, remetendo aos primórdios da humanidade. O conhecimento farmacológico das substâncias psicoativas e fisiopatológico das intoxicações agudas pelas conhecidas “drogas de abuso” facilita a abordagem inicial aos usuários dessas, no atendimento de urgência e emergência. Contudo, o entendimento holístico do indivíduo é necessário, contextualizando os fatores determinantes da sua situação. Sabe-se que o uso de drogas é voluntário, inicial e majoritariamente o abuso se associa a alterações de expressões genéticas e do circuito neuronal, afetando o comportamento humano. Observam-se também discussões e divergências sobre estudos em grupos de pacientes com transtornos psiquiátricos e toxicômanos. As comorbidades psíquicas daqueles atendidos agudamente por exposição às drogas de abuso devem ser consideradas no acompanhamento individual, tanto na urgência quanto ambulatorialmente. A toxicomania é considerada uma afecção primária cerebral que possibilita danos sistêmicos. O receio e a apresentação de sinais e sintomas cardiovasculares, respiratórios e neurológicos são os grandes motivadores de atendimentos emergenciais dos toxicômanos. As alterações no sistema nervoso central, já instalada a dependênDrogas de Abuso
cia, influencia a capacidade individual de decisão, associando-se a comportamentos compulsivos durante o uso, abuso e abstinência, podendo envolver questões socioeconômico-judiciais. Atualmente, inúmeras discussões nacionais e internacionais transdisciplinares ocorrem em relação ao tema e notória é a importância socioeconômica e sua dimensão relacionada à saúde. São esperados políticas públicas de propostas alternativas, debate e real implantação do controle de danos, já regulamentado. No Brasil, “cabem ao Ministério da Saúde as ações destinadas à redução de danos sociais e à saúde decorrentes do uso de álcool e outras drogas”, visto que o combate não se tem feito eficaz. Diversas classificações para drogas já foram propostas, a adotada neste capítulo se reporta aos seus efeitos no sistema nervoso central, sendo essas relativas à depressão, estimulação e perturbação desse sistema. Além disso, é importante atentar para o potencial de abuso e importância clínica do uso das diversas substâncias disponíveis no mercado. As drogas de abuso mais comuns são: ácido lisérgico, anabolizantes esteroidais, anfetaminas, bebidas alcoólicas, club drugs, cocaína/crack/oxy, ecstasy, fenciclidinas, heroína, hidrocarbonetos inalatórios, maconha, metanfetaminas, ketamina (cetamina), medicações prescritas e tabaco. Neste capítulo serão abordadas com mais detalhes as informações relacionadas a ácido lisérgico, club drugs e maconha.
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histórico O uso de drogas está associado à história da humanidade. O padrão de utilização difere conforme o período histórico e cultura considerados. Finalidades religiosas, terapêuticas ou festivas poderiam justificar o emprego de substâncias psicoativas. Pode-se exemplificar isso a partir de documentos históricos, em que vemos, como no Papiro de Eber (cerca de 1500 a.C.), que o cânhamo era usado por egípicios para minimizar preocupações, fome e cansaço, enquanto nas comunidades assírias se fazia uso com intuito religioso e anestésico. A conceituação platônica de phármak como algo entre benéfico e prejudicial e de Paracelso referindo-se à dose como diferenciador de veneno e remédio corroboram a visão de que a droga por si não poderia ser considerada boa ou ruim, mas depende do contexto em que se encontra seu uso. Assume-se como verdadeira a afirmação galênica e hipocrática de que a droga seria a substância que, não vencida pelo corpo, seria capaz de vencê-lo. A preocupação com o consumo crescente das drogas até os séculos XVII e XVIII não se evidenciava, visto que era “privilégio” de poucos consumidores. A partir do século XIX, especialmente com a síntese da cocaína em 1860, verificou-se a prescrição de tônicos e bebidas, verdadeiro modismo à ocasião. Segue-se o uso na classe econômica mais favorecida financeiramente. Essa fase de aumento do uso de cocaína e ópio constituiu grande preocupação na Grã Bretanha, mesmo com selo real de aprovação terapêutico do uso do cânhamo, ao final do século XIX. O período das guerras foi auxiliador da difusão do consumo da morfina, por exemplo. O surgimento da heroína no mercado como uma droga cinco vezes mais potente que a morfina converteu a empresa sintetizadora, de produtora de corantes a potente indústria farmacêutica. O século XX tem sua década de 30 destacada como o início da comercialização das anfetaminas e a década de 40 marcada pela descoberta, inadvertida, dos efeitos do ácido lisérgico, por Hoffman. A década de 60 ficou conhecida pela endemia e generalização do uso de drogas indistintamente entre as classes sociais e concentrando-se na população jovem. A década de 80 fica conhecida pela ampla produção de drogas sintéticas, especialmente por laboratórios ilegais,
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muitas vezes com substâncias não controladas e efeitos imprevisíveis. O acesso de larga faixa etária, cada vez mais precoce, fácil e a baixo custo caracteriza o consumo nos anos 90, denotando inversão da elitizada forma de uso à disseminação na faixa proletária e nas ruas.
epidemiologia Mais da metade da população das Américas e da Europa já experimentou álcool alguma vez na vida e em torno de um quarto é fumante. O consumo de drogas ilícitas atinge 4,2% da população mundial. A maconha é a mais consumida (144 milhões de pessoas), seguida pelas anfetaminas (29 milhões), cocaína (14 milhões) e os opioides (13,5 milhões, sendo 9 milhões usuários de heroína). A subnotificação de atendimentos devidos aos efeitos agudos e crônicos do uso das club drugs, assim como as demais intoxicações, é um agravante à dificuldade de desenharmos um cenário nacional do real impacto na saúde dos brasileiros. Deficitário se torna o planejamento de intervenções. A despeito de ser compulsória a notificação de todo atendimento toxicológico médico no Brasil, há evidente falta desses comunicados. Estudos disponíveis se remetem às casuísticas dos Centros de Informação e Assistência Toxicológica nacionais e internacionais. Estudos brasileiros demonstram crescimento do consumo de álcool entre os jovens. Evidencia-se no “Levantamento sobre o Uso de Drogas com Estudantes de 1º e 2º Graus em 10 Capitais Brasileiras”, realizado pelo CEBRID, que o uso de drogas psicotrópicas entre estudantes da rede pública teve aumento no período estudado (1987 a 1997). Estima-se, na última década, que isso se intensificou. O tipo de droga utilizado varia com a classe socioeconômica, sendo o uso de solventes e maconha o mais detectado na faixa mais pobre da população. Tem-se verificado aumento no uso de ansiolíticos, anfetaminas e cocaína. Comparando-se o aumento do consumo dessas substâncias ao longo dos quatro levantamentos, na categoria de uso “seis vezes ou mais no mês”, apurou-se aumento no consumo de 100% para os ansiolíticos; 150% para as anfetaminas; 325% para a maconha; e 700% para a cocaína. A política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras To x i c o l o g i a n a P r á t i c a C l í n i c a
Drogas concorda com os princípios da política de saúde mental atual adotada pelo Ministério da Saúde (MS), uma vez regulamentada e respaldada pela Lei Federal 10.216 (MS, 2002), sancionada em 6/4/2001. Estudo realizado pelo MS em parceria com o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), no mês de junho de 2002, traçou perfil de crianças e adolescentes em situação de risco social. A pesquisa compreendeu 632 crianças e adolescentes entre 10 e 23 anos. A distribuição vista foi de 53,5% do sexo masculino e 46,5% do sexo feminino; 85% dos entrevistados encontram-se na faixa etária de 13 a 17 anos; 94,8% referem frequentar a escola regularmente; 89,5% declaram morar na maioria dos dias da semana com a família; apenas 0,1% mora nas ruas e 9,5% em instituições. Chama-nos a atenção a coleta de dados estadunidenses, podendo-se citar o “Monitorando o futuro” (em inglês Monitoring the future), que se propõe a estudar o comportamento dos alunos do ensino médio, universitários e adultos jovens. Há mais de três décadas, a pesquisa envolve, anualmente, cerca de 50 mil estudantes, mostrando o perfil e as mudanças no padrão de uso dessas drogas nesse período. Os investigadores pertencem ao National Institute on Drug Abuse, departamento do National Institute of Health, e é conduzido pela University of Michigan. Consórcios interinstitucionais como esse poderiam ser adaptados à nossa realidade, reforçando a importância governamental e da universidade na produção científica aplicada a estudos de utilidade pública. Na Unidade de Toxicologia do Hospital João XXIII (CIAT-BH), 74% dos atendimentos de intoxicações por drogas de abuso foram por cocaína e crack, 5% por maconha e 21% por outros agentes. Esses números refletem uma ideia do quadro em todo o país, apresentando um viés por causa da gravidade da intoxicação por cocaína e seus derivados.
club drugs Club drugs é um termo da língua inglesa para referir-se ao grupo de substâncias de variada farmacologia e ação psicotrópica, geralmente utilizadas por adolescentes e adultos jovens em bares, Drogas de Abuso
danceterias e festas. Pertencem a esse grupo o gama hidroxibutirato (GHB), flunitrazepan (rohypnol), cetamina (ketamina), MDMA (ecstasy) e anfetaminas. Importante salientar que a incerteza sobre a real composição das club drugs durante o atendimento inicial na urgência, faz com que a identificação sindrômica seja norteadora da abordagem. Esse fato dificulta a determinação da toxicidade, implicações clínicas e do prognóstico. Sugere-se estudar de forma atenta o capítulo de síndromes toxicológicas.
gama hidroxibutirato (ghb)
Figura 23.1 GHB pó e líquido. GHB é um metabólito do neurotransmissor ácido gama-aminobutírico (GABA), encontrado em baixas concentrações naturais no cérebro. O nome comercial do produto produzido pela Jazz Farmacêutica é Xyrem®, cujo princípio ativo é o sal sódico do ácido 4-hidroxibutírico. Depressor do SNC foi aprovado nos Estados Unidos da América pela Food and Drug Administration (FDA), em 2002, para tratamento via oral apenas da narcolepsia, com diversas restrições e necessidade de registro de cada paciente em uso da droga, sob monitoramento pelo referido órgão. A apresentação farmacológica é um frasco de 180 mL em solução oral contendo 500 mg/ mL de oxibutirato de sódio. O 4-hidroxibutirato de sódio, um pó branco cristalino hidrossolúvel, de fórmula molecular C4H7NaO3, tem peso de 126,09 g/mol. Sua estrutura química é mostrada na Figura 23.2.
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_
+
O Na
HO O
Figura 23.2 Estrutura do oxibutirato de sódio. O mecanismo exato de ação do oxibato de sódio é ainda desconhecido, Sabe-se que atua viabilizando as ondas de sono lentas (delta) e o tempo de sono noturno. A absorção do oxibato de sódio é rápida, mas incompletamente absorvido após a administração oral; a absorção é retardada e reduzida por refeição hiperlipídica, a biodisponibilidade absoluta é de aproximadamente 25%. É eliminado principalmente por metabolização, com tempo de meia-vida de 0,5 a uma hora. A farmacocinética é não linear e não é alterada com a repetição das doses. As concentrações plasmáticas máximas médias, após administração de uma dose diária de 9 g, dividida em duas doses equivalentes, administradas com quatro horas de intervalo, foram de 78 e 142 μg/mL, respectivamente. O tempo médio para alcançar a concentração máxima variou de 0,5 a duas horas em oito estudos farmacocinéticos. Segundo a monografia do fármaco publicada pelo laboratório sintetizador, não foram estudadas doses únicas superiores a 4,5 g. No que concerne à distribuição, o oxibato de sódio é um composto hidrofílico com volume de distribuição médio de 190-384 mL/kg. Para concentrações de oxibato de sódio variando entre os 3 e os 300 μg/mL, menos de 1% liga-se às proteínas plasmáticas. Estudos em animais indicam que a metabolização é a principal via de eliminação do oxibato de sódio, produzindo dióxido de carbono e água, via ciclo de ácido tricarboxílico (pelo ciclo de Krebs) e, secundariamente, por β-oxidação. A eliminação do oxibato de sódio é quase totalmente assegurada por biotransformação a dióxido de carbono, o qual é então eliminado por expiração. Em média, menos de 5% de fármaco inalterado aparecem na urina humana, no espaço de seis a oito horas após a administração. A excreção fecal é insignificante. GHB e dois dos seus precursores gama-butirolactona (GBL) e 1,4 butanediol (BD) encontram-se envolvidos na intoxicação. Agem nos
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receptores GABA-B, em sítio de ligação cerebral em seu sítio específico. Depressor do SNC em altas doses resulta efeitos sedativos como sonolência, coma e morte. O uso repetido dessa droga pode levar a insônia, ansiedade, tremores e sudorese. Está disponível na forma em pó e líquida, via de contato geralmente oral. Por se tratar de formulação inodora, insípida e transparente, geralmente é combinada a bebidas alcoólicas com intuito criminoso (considerada uma droga “de estupro”, “de roubo ou assalto”) por seu efeito sedativo e que viabiliza o malfeitor a abusar da vítima sem que essa ofereça resistência. Apresenta também efeitos anabólicos (estimulando a síntese proteica), sendo utilizado por fisiculturistas almejando redução de tecido adiposo e hipertrofia muscular. Estudos em adultos saudáveis demonstram não haver interações farmacocinéticas com outras medicações usadas no tratamento de insônia e narcolepsia, com o oxibato de sódio, entre elas o hidrocloreto de protriptilina, tartarato de zolpidem ou modafinil. Contudo, não se podem descartar interações farmacodinâmicas. Mesmo sem estudo sistemático sobre o abuso do GHB, a notificação desse é reportada com ação hipnótico-sedativa, produzindo dependência no sistema nervoso central. O início de ação rápido estimula o uso como droga de abuso. Associações com álcool e GHB também são descritas. O relato do departamento hospitalar americano é de que houve aumento de 100 vezes entre 1992 e 1999 (Substance Abuse Mental Health Services Administration, Drug Abuse Warning Network – DAWN). O perfil desses usuários foram 60% de relatos de atendimento hospitalar envolvendo indivíduos menores de 25 anos e vários óbitos foram informados com a combinação GHB e álcool. Cinco dessas mortes foram notificadas no sistema DAWN, em que o GHB foi a única droga identificada. As notificações de atendimentos na urgência por GHB e análogos têm decaído próximo de 33% desde 2000 e a American Association of Poison Control Centers informa que as exposições ao GHB caíram de 1.916 (com seis óbitos) em 2001 para 800 (sem relatos de morte) em 2003. São descritos casos de dependência por uso ilícito de GHB, com frequência e repetidas doses (18 a 250 g/dia), com excesso do nível terapêutiTo x i c o l o g i a n a P r á t i c a C l í n i c a
co. Nesses casos, a semiologia da descontinuação inclui a síndrome de abstinência com insônia, cansaço, ansiedade, psicose, letargia, náuseas, tremores, sudorese, câimbras e taquicardia. Geralmente tal sintomatologia cessa entre três e 14 dias com a suspensão do uso. A tolerância ao GHB também não foi sistematicamente investigada em ensaios clínicos controlados, mas estudos open-label, de longa duração (seis meses), não demonstraram desenvolvimento de tolerância. Existem alguns relatos referindo sintomas de tolerância após uso ilícito de doses de Xyrem® acima das recomendadas. Estudos clínicos com o GHB, no tratamento da abstinência alcoólica, sugerem potencial tolerância cruzada ao álcool. A apresentação variável do paciente intoxicado por GHB associa-se ao tempo decorrido da ingestão, dose, coingestão de outras drogas, alimentos e jejum. A variedade pode ocorrer entre agitação, estado confusional, combatividade, ataxia e coma. Emese (mesmo com prostração), diaforese, cefaleia e habilidades psicomotoras prejudicadas podem ser observadas. Alterações típicas pupilares não são descritas como auxiliares no diagnóstico. Fotorreatividade, turvação visual, mioclonias e crises tônico-clônicas são constatadas. Coma é detectado em doses elevadas. A respiração pode ser afetada ou comprometida em frequência e profundidade respiratória, como a respiração de Cheyne-Stokes e apneia. Bradicardia, hipotermia, inconsciência e hipotonia muscular acontecem em certos casos, contudo, os reflexos tendinosos permanecem intactos.
Não se verifica benefício na administração de antídotos específicos para outras drogas como flumazenil e naloxona na reversão da depressão do sistema nervoso central devido ao uso dessa droga. Hemodiálise e demais formas extracorpóreas de remoção de drogas não foram avaliadas para a intoxicação pelo GHB, no entanto, devido ao seu rápido metabolismo, tais medidas não são garantidas para o óxido butirato. Geralmente não há disponibilidade de testes para detecção de GHB nos serviços de emergência, pois normalmente são realizados por cromatografia com detecção de massa, de alto custo e metodologia especializada. O atendimento inicial e o suporte clínico adequados, demonstrados nos relatos de casos publicados, mostram boa resposta dos intoxicados por GHB.
anfetaminas e Metanfetaminas
Figura 23.3 Diversas anfetaminas.
tratamento O suporte de vida deve ser prontamente instituído aos pacientes supostamente com intoxicação aguda por GHB. A descontaminação do trato gastrintestinal, mediante a exclusão de contraindicações, deve ser considerada na suspeita de ingestão concomitante de outras drogas com tal indicação (vide capítulo de abordagem inicial e descontaminação). A bradicardia reportada na intoxicação por GHB responde ao uso de atropina intravenosa nas doses recomendadas conforme cálculo adequado pela idade e peso do paciente. Drogas de Abuso
Figura 23.4 Metanfetaminas e ecstasy (MDMA). “Senti-me feliz e com humor leve, mas com uma convicção subjacente de que algo significativo estava por vir. Ocorreram mudanças tanto
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na perspectiva visual do campo em proximidade quanto à distância. Minha visão habitualmente parca foi aguçada. Pude perceber detalhes à distância que antes não notaria. Após o término do efeito do ápice experimentado, meu estado foi de profundo relaxamento. Senti que era capaz de me comunicar mais profunda e pessoalmente com uma clareza especial e experimentei a sensação semelhante à de beber um segundo Martini...” “Sinto-me absolutamente limpo por dentro e não há nada mais que pura euforia. Eu nunca havia me sentido tão bem ou acreditado que isto fosse possível. A pureza, a claridade e o maravilhoso sentimento de força interior permaneceram durante o resto do dia e da noite, até o dia seguinte. Estou conquistado pela profundidade da experiência e foi ainda mais poderosa que na primeira experiência...” A tradução das descrições de Shulgin, em 1965 (nos EUA), ao produzir e consumir 100 e 120 mg, respectivamente, de MDMA (3,4-metilenedioxi-metanfetamina) denota prazer e não explicita os riscos observados nas intoxicações por anfetaminas. As anfetaminas foram sintetizadas provavelmente antes de 1914, quando a Merck assumiu sua patente. No século XX, na década de 30, foram usadas inicialmente para tratamento da hiperatividade ou disfunção cerebral mínima, como era classificada à ocasião. Essa indicação médica era restrita, já há alguns anos, com controvérsias e discussões, ao tratamento de narcolepsia, obesidade e no atualmente conhecido transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Descrito em 1978 como auxiliar psicoterapêutico, atingiu entre 1977 e 1984 a chamada época de ouro da pesquisa terapêutica com MDMA. Devido ao seu amplo uso recreativo, entre os jovens americanos, em 1984, houve divulgação na mídia, atraindo mais adeptos. A suposta similaridade do ecstasy à chamada china white, também foi alvo de difusão informativa já em 1985. Relatos de que a china white fora sintetizada para substituir a heroína e ser causadora de graves danos centrais em usuários alertava para riscos de saúde pública, levando ao controle legal da disponibilidade dessa. Nessa mesma época, os EUA consideraram MDMA, em comissão de emergência, como categoria 1 pela Drug Enforcement Administration (DEA). A classificação
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pode ser alterada caso estudos confirmem potencial utilidade terapêutica, como no tratamento de pacientes com estresse pós-traumático, ainda em estudo, sob aprovação pela FDA. Peroutka, avaliando o uso de MDMA na comunidade da University of Stanford, nos EUA, evidenciou que até 39% dos alunos na graduação já haviam utilizado ecstasy. O surgimento europeu, em Manchester, em 1987/1988, das raves, com referência a usuários de ecstasy, levou à sua proibição em 1990 no Reino Unido. No Brasil, historicamente, a presença da droga foi enfatizada em 1994, em São Paulo, em certo grupo frequentador de clubes noturnos, cujos componentes utilizavam comprimidos provenientes de Amsterdã. Em 1995, houve a popularização nas raves brasileiras. Em agosto de 2000 divulgou-se o encontro por parte da polícia do primeiro laboratório de ecstasy em São Paulo. A proibição legal não reduziu o número de usuários. Levantamento de 2002 do CEBRID coloca os alucinógenos como 1% das notificações, considerado consumo baixo, porém preocupante. O valor atualmente pago por um comprimido encontra-se entre 30 e 50 reais, mostrando, ainda, ser uma droga das classes sociais média e alta. Segundo o artigo “Ecstasy (MDMA): Effects and patterns of use reported by users in São Paulo”, podemos traçar um perfil dos usuários dessa droga como indivíduos de 24 anos, solteiros, nível superior e classe média. Entre eles, 61,6% usam pelo menos uma vez/semana (50% até 1 comprimido e 46% mais de um comprimido). O padrão de uso de 63% é em companhia de várias pessoas, em ambientes de lazer noturno (raves em 78,8%, lugares para dançar em 69,2% e festas 53,8%), associado a outras drogas (maconha, tabaco e LSD) em 93,3%. O ecstasy é um derivado de anfetamina, que combina propriedades estimulantes e alucinógenas. Pode ser consumido em associação a outras substâncias (MDEA, anfetaminas, cetamina, cafeína, AAS, Ibuprofeno, entre outros). O mecanismo de ação da MDMA é ainda incerto, bem como a interação medicamentosa com demais princípios ativos disponíveis nos fármacos do mercado. O motivo pelo qual há diversidade na apresentação clínica, idiossincrasia, consequências do consumo crônico são também desconhecidos. Sabe-se que promove a liberação de serotonina (5-HT) e dopamina, inibe a recaptação To x i c o l o g i a n a P r á t i c a C l í n i c a
da 5-HT, dopamina e noradrenalina e diminui a atividade da enzima triptofano hidroxilase (TPH). O “esgotamento intraneural de serotonina” é marcante na farmacodinâmica. Estuda-se também a afinidade por receptores alfa-2-adrenérgico, M1 colinérgico e H1 histaminérgico. A redução duradora dos níveis de 5-HT e 5-HIAA e da atividade da TPH até uma semana após sua administração com síntese de nova enzima sugere a formação de um metabólito neurotóxico. Os efeitos neurotóxicos parecem estar relacionados a dano nos terminais nervosos serotoninérgicos. Efeitos psicoestimulantes são observados 20 a 60 minutos após a ingestão considerada moderada de doses entre 75 e 100 mg, com duração de ação por duas a quatro horas. O pico de concentração plasmática ocorre duas horas após administração oral e os níveis residuais (0,005 mg/L) são encontrados 24 horas após a última dose. A área sobre a curva do MDMA sugere farmacocinética não linear, sendo o consumo de doses elevadas promotora de aumento desproporcional nos níveis plasmáticos. Estudos mostram que o consumo de MDMA pode resultar em dano nos terminais nervosos serotoninérgicos e dopaminérgicos, induz apoptose via estimulação do receptor 5-HT2A em neurônios corticais e achados sugerem neuroadaptações pela hiperestimulação, levando a down-regulation dos receptores 5-HT2A. O artigo “MDMA use and neurocognition: a meta-analytic review” incluiu 23 estudos na análise e associou o uso de MDMA à piora no funcionamento neurocognitivo. O uso das anfetaminas com intuitos recreativos e de controle do peso corporal, possivelmente, segundo a literatura disponível, pode justificar o abuso pela população feminina. A produção das anfetaminas sintéticas, ilegalmente, com intuitos não terapêuticos tem sido registrada e popularmente elas são conhecidas como MDMA ou ecstasy. Associam-se aos comportamentos da cultura clubber e uso frequente em eventos conhecidos como raves. O consumo no Brasil é pouco notificado e por tal razão desconhece-se seu real impacto na população nacional. Pesquisa com adultos mostrou prevalência de 1,3%, sendo que 80% desses usuários possuíam prescrição médica para consumir essa substância. Drogas de Abuso
A notificação de uso de ecstasy no Brasil pode ainda ser baixo, mas é crescente e atinge população cada vez mais jovem. A divulgação da apreensão policial dessas drogas, em 2007, mostrou aumento de 725%, comparada ao ano anterior. O ecstasy (MDMA) é consumido em cápsulas, comprimidos ou tabletes, com aproximadamente 120 mg da substância. Efeitos primários “positivos” almejados são descritos como aumento da autoestima, simpatia e empatia, melhora da comunicação e relação com as pessoas, sentimento de euforia, aumento da energia emocional e física. Tido como entactógeno, é considerado droga com efeito de bem-estar e autoaceitação. O desenvolvimento de tolerância rápida limita o uso compulsivo e aditivo. A despeito da via oral ser a mais usada no Brasil, seu uso intravenoso pode ser responsável por referida agressividade, aumento da libido, delírios paranoides, euforia, excitabilidade, prazer intenso (rush ou flash) e sensação de poder. Complicações relativas ao uso injetável como infecções locais ou sistêmicas e endocardite são relatadas. Desconhece-se ainda o uso, no Brasil, de cristais de metanfetaminas, como o ice ou o crystal, fumadas em cachimbos de vidro, podendo também ser injetadas ou inaladas. O efeito é prolongado (duas a 24 horas) e os sintomas euforizantes e estimulantes são intensos. Sintomas psicóticos podem aparecer. Há ocorrência de bruxismo, tiques e anorexia. As anfetaminas são estimulantes do SNC, responsáveis por euforia, manutenção de vigília, anorexia e hiperatividade autonômica. Podem agir no sistema serotoninérgico, como promotor da liberação da serotonina e agonista direto. Os efeitos do ecstasy (MDMA) e similares se dão pela afinidade importante pelos receptores serotoninérgicos 5HT e 5HT2. As principais complicações ameaçadoras à vida no abuso de anfetaminas são hipertermia, hipertensão, convulsões, colapso cardiovascular e traumas. Edemas pulmonares cardiogênicos podem ocorrer. Crises hipertensivas, precordialgias, arritmias cardíacas, hepatites tóxicas, hipertermia, convulsões, rabdomiólise e morte já foram relatadas. Sintomas ansiosos e psicóticos agudos e crônicos (em indivíduos predispostos) podem aparecer. As complicações agudas, principalmente hipertermia e encefalopatia hiponatrêmica, são graves e necessitam de reconhecimento pela equipe médica e intervenções imediatas e adequadas.
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No atendimento agudo, os pacientes admitidos com suspeita de intoxicação anfetamínica podem se apresentar com sinais de hiperestimulação central, necessitando de tratamento medicamentoso em urgência médica. São evidentes o controle e a manutenção da vida adequados com benzodiazepinas e sintomáticos nos quadros de ansiedade, calafrios, cefaleia, inquietação, irritabilidade, labilidade emocional, sudorese, tremores, verborragia e vômitos. O tratamento para a remissão dos sintomas de abstinência das anfetaminas não se tem mostrado promissor. Antidepressivos e agonistas dopaminérgicos foram investigados sem sucesso. Tratamento sintomático e suportivo com uso de benzodiazepínicos de ação curta denotam auxílio na abordagem inicial. Os efeitos crônicos indicam alterações neurocognitivas, principalmente em relação à memória, em longo prazo. Como complicações por uso crônico, espera-se desde desnutrição até infarto agudo do miocárdio, cegueira cortical transitória, cardiopatias irreversíveis, vasoespasmos sistêmicos e edema agudo de pulmão. A chamada “fissura” e a tolerância associam-se ao desejo de manutenção dos efeitos prazerosos e a compulsão por período prolongado de seu uso. Segue-se a esse um momento de extenuação e pausas prolongadas de repouso. A considerada síndrome de abstinência pode afetar até 87% desses usuários. São manifestações frequentes a ansiedade, agitação, depressão, fadiga, “fissura” intensa, lentificação e pesadelos. A tolerância é associada a aumento de efeitos indesejáveis (trismo, náusea, mialgia, sudorese, taquicardia, fadiga, insônia) e diminuição dos efeitos “desejados”. Transtornos psiquiátricos e impacto cognitivo como limitações de memória, paranoia, depressão e ataques de pânico são referidos. Apesar de ser possível a dependência por uso de anfetaminas, os usuários não recebem, em geral, atendimento devido. Não há abordagens específicas e baseadas em evidências para esses pacientes. A motivação para busca de auxílio melhora o prognóstico dos pacientes. Inúmeras são as apresentações clínicas na intoxicação e a gravidade se relaciona à dificuldade de controle dos quadros de instabilidade hemodinâmica. São esperadas alterações:
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∏∏ cardiovasculares: arritmias, colapso cardiovascular, dissecção de aorta, Infarto Aagudo do Miocárdio, hipertensão, hipotensão, taquicardia; ∏∏ gastrenterológicas: náuseas, vômitos e diarreia, hepatotoxicidade; ∏∏ geniturinárias: insuficiência renal aguda, mioglobinúria; ∏∏ metabólicas e hematológicas: acidose metabólica (láctica), hipercalemia, desidratação, coagulopatia (CIVD), rabdomiólise, hiponatremia, trombocitopenia e SIADH; ∏∏ neuropsicologicas e musculares: acinesia, agitação, alucinações anorexia, ansiedade, comportamento antissocial, convulsões, coma, delírio, diaforese, edema cerebral, espasmos musculares, euforia, excitação, instabilidade emocional, hiper-reflexia, hipertermia, midríase, mioclonia, nistagmo, opistótono, paranoia, piloereção, rigidez e tremores.
Há relato de uso de anfetaminas cronicamente em baixas doses (20-40 mg/dia) por indivíduos com desejo de melhora de desempenho profissional e pessoal, sendo tal uso socialmente imperceptível. Contudo, são notórias a fadiga excessiva e a falta de crítica em relação à sua situação, pela exposição a esforços intensos. Durante a tentativa de descontinuidade de uso, a depressão e letargia surgem. O suicídio pode ocorrer tanto pela impulsividade com o uso quanto na depressão nos períodos de exaustão. Sintomas psicóticos com sintomas de primeira ordem podem acontecer em qualquer modo de uso, geralmente são usuários crônicos, que utilizam anfetaminas em grande quantidade. As principais características são delírios persecutórios e autorreferentes, além de alucinações auditivas e visuais. O tratamento pode ser feito com neurolépticos ou benzodiazepínicos. ∏∏ respiratórias: taquipneia, edema agudo de pulmão não cardiogênico e SARA. Assim, pode ser necessária, conforme o quadro clínico apresentado, a avaliação de exames complementares, entre estes: eletrólitos (sódio, potássio), CPK/ CK-MB/ troponina, gasometria arterial, função renal, função hepática, glicemia, coagulação (TAP, TTPa, plaquetas), urina rotina, ECG e TC de crânio. Pode-se coletar amostra de urina para a confirmação da utilização de MDMA. Essa substância pode ser detectada na urina entre 24 e 72 hoTo x i c o l o g i a n a P r á t i c a C l í n i c a
ras, pela triagem toxicológica habitual de drogas de abuso (metanfetamina) e análise confirmatória em HPLC/ MS. O tratamento de todos os pacientes deve manter a via aérea pérvia, respiração e ventilação adequadas, garantir adequado funcionamento do aparelho cardiovascular e sistema nervoso central (ABCD). A descontaminação deverá seguir os critérios já discutidos no capítulo sobre o tema. Em uso exclusivo de anfetaminas, orienta-se administrar ao paciente, segundo o Up to date acessado em 2011, dose única de carvão ativado caso a ingestão seja há menos de uma hora do atendimento. O controle da agitação e da ansiedade pode ser realizado pela administração de diazepam ou outro benzodiazepínico disponível. Evita-se o uso de butirofenonas e fenotiazinas (mesmo ambas sendo capazes de antagonizar os efeitos farmacológicos das anfetaminas). Os simpaticomiméticos podem reduzir a eficácia dessas medicações. Não há descrição de mecanismo exato, mas poderia estar relacionado a efeitos opostos na atividade dopaminérgica. Os estimulantes centrais poderiam potencializar a arritmogenicidade das fenotiazinas. A taquicardia e a hipertensão podem responder ao uso de benzodiazepinas. Em casos não responsivos de hipertensão refratária, prescreve-se nitroprussiato de sódio (sendo o labetalol controverso, evitando-se seu uso). Na persistência de taquicardia importante, segue-se protocolo ACLS. Evita-se uso de beta-bloqueadores. Insuficiência coronariana deve ser abordada conforme protocolo específico, incluindo benzodiazepínicos, ácido acetilsalicílico e nitroglicerina, salvo contraindicações. Em casos de síndrome serotoninérgica, deve-se considerar o ciproheptadine. A encefalopatia nessas intoxicações relaciona-se à intoxicação hídrica e à hiponatremia. Ingestão copiosa de água na intoxicação por MDMA é marcante, pode se associar à secreção inapropriada do hormônio antidiurético (ADH), mediada pela ação serotoninérgica. Nas festas, o estresse agudo e o excesso de estímulos visuais e auditivos podem contribuir para secreção do ADH. Estudo correlacionando o consumo de ecstasy e a secreção inapropriada do ADH, em 2006, comparou usuários de ecstasy (considerados clubbers) com não usuários, demonstrando aumento na secreção de ADH e ocitocina nos usuários. A média da concentração de ADH aumentou Drogas de Abuso
no grupo MDMA (1.28 ± 0.29 para 1.43 ± 0.41 pmol/L), mas diminuiu nos outros participantes (1.23 ± 0.42 para 1.16 ± 0.0.34 pmol/L). A semiologia sugestiva de encefalopatia hiponatrêmica inclui alucinações, astenia, cefaleia, confusão mental, rebaixamento do nível consciência, coma, convulsões, náuseas e vômitos. É mandatória a avaliação do ionograma na suspeita de intoxicação por anfetaminas e seu acompanhamento. Encefalopatia hiponatremica cursa geralmente com a associação de dosagem de sódio sérico (usualmente < 120 mEq/l) e tomografia computadorizada revelando edema cerebral. O tratamento da intoxicação hídrica consiste em restrição de água livre (água, soro glicosado), correção adequada de níveis séricos de sódio baixos, associado ao suporte ao quadro clínico crítico (sinais de edema cerebral, coma, convulsões). Sugere-se o início de infusão de NaCl a 3% a velocidade de 1 a 2 mEq/kg/hora, sendo que a reposição não deve ultrapassar 12 mEq/L nas primeiras 24 horas (pelo risco de síndrome da desmielinização osmótica). O uso de diurético de alça (furosemida) pode-se fazer necessário acompanhando o suporte clínico avançado. A hipertermia é também característica de gravidade dessas intoxicações. São descritas temperaturas acima de 43ºC como complicação importante na intoxicação anfetamínica. A hipertermia geralmente induz a rabdomiólise, mioglobinúria, insuficiência renal aguda, dano hepático e coagulação intravascular disseminada (CIVD). Condições de uso favorecem a hipertermia e parece ser dose-dependente. No Reino Unido há registro de óbito de 15 pessoas/ano decorrente da ingestão de MDMA e a maioria dessas mortes é atribuída a consequências da hipertermia. Estudo com título “Thermoregulatory effects of 3,4-methylenedioxymethamphetamine (MDMA) in humans” descreve casos clínicos de pacientes atendidos devido às elevações de temperatura. Sugere-se a correlação entre a hipertermia, o aumento na taxa metabólica (50 a 100%) e a diminuição da sudorese. Autores descrevem o caso de um jovem masculino, 19 anos, que sobreviveu à hipertermia devido à ingestão de MDMA (três comprimidos). Desenvolveu convulsões, acidose metabólica e falência respiratória. Foi manejado com assistência ventilatória, hidratação,
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diazepam, medidas de resfriamento corporal e administração precoce de dantrolene. O tratamento sintomático e suportivo em tal situação pode se fazer necessário com o uso de benzodiazepínicos. A minimização de esforço físico e agitação e viabilização da perda de calor são questionáveis, mas utilizadas (retirada de roupas, banho de esponja, banhos de imersão e controle de temperatura do ambiente). Hidratação venosa com cristaloide adequado é mandatória, obviamente em conformidade com correções hidroeletrolíticas adequadas. Dantrolene pode ser utilizado nos pacientes que não respondem aos benzodiazepínicos e às medidas físicas, questionáveis, de resfriamento corporal. Dose total relatada de uso do dantrolene é de 1-10 mg/kg.
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