Trabalhar em Rede - Um guia para a coordenação das organizações da sociedade civil

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Trabalhar em rede um guia para a coordenação de organizações da sociedade civil

Trabalhar em Rede | Um Guia para a Coordenação de Organizações da Sociedade Civil ACEP Associação para a Cooperação Entre os Povos e FONG-STP Federação das ONG em São Tomé e Príncipe

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Ficha técnica Brochura Temática Trabalhar em rede: um guia para a coordenação de organizações da sociedade civil traduzida e adaptada de Establishing a national coordinating body for non-profit organisations, da autoria de Richard Bennett (2014); INTRAC e King Khalid Foundation (ed.) TRADUÇÃO Ana Sofia Pinheiro revisão André Nabais - ACEP FOTO DE CAPA Ana Filipa Oliveira Porto Alegre, São Tomé e Príncipe / 2013 CRIAÇÃO GRÁFICA Ana Filipa Oliveira

PROJECTO Sociedade Civil pelo Desenvolvimento - Comunicação, Capacitação, Advocacia / São Tomé e Príncipe Mais informação em www.sociedadecivilstp.blogspot.pt uma iniciativa ACEP | Associação para a Cooperação Entre os Povos FONG-STP | Federação das ONG em São Tomé e Príncipe FINANCIAMENTO União Europeia Co-financiamento Camões - Instituto da Cooperação e da Língua Disclaimer O conteúdo deste documento é da única responsabilidade da ACEP e da FONG-STP, não reflectindo as opiniões ou a posição da União Europeia e do Camões, I.P. Data de impressão Abril de 2015


Índice 4 |

INTRODUÇÃO

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Princípios fundamentais para a gestão de uma rede

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Um modelo para a compreensão das dinâmicas de redes

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A importância do tempo

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Apropriação e confiança

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Liderança partilhada

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Processo de tomada de decisão transparente, responsável e partilhada

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Bases de coesão: propósitos e objectivos comuns

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Valores partilhados e normas de comportamento

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Compreensão mútua, partilha de competências e abordagens

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Relações ‘ad hoc’ entre membros

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“Benefícios rápidos”: o valor dos sucessos partilhados e dos benefícios individuais

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“Unidade com diversidade”: diferença, inclusão e fronteiras

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Princípios fundamentais – sumário

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Questões centrais para o processo de formação

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Para que queremos uma entidade de coordenação?

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O que nos une?

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Quem deve estar na entidade de coordenação?

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O que posso esperar da adesão da minha organização?

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O que posso esperar das outras organizações? Espera-se que a minha organização contribua com o quê?

21 |

Quais são os nossos valores partilhados? Quais são as nossas normas de comportamento acordadas?

21 |

Como serão tomadas as decisões?

23 |

Deveremos ter um secretariado?

23 |

Como iremos mobilizar recursos na entidade de coordenação e porquê?

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Documentos orientadores da entidade de coordenação

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CoNCLUSÃO


Introdução Apesar de existir um grande número de organizações da sociedade civil (OSC), estas são relativamente recentes em São Tomé e Príncipe e ainda pouco profissionalizadas. Muitas surgiram no seguimento da implementação no país dos programas de ajustamento estrutural e da progressiva desresponsabilização do Estado em certos domínios. As OSC são-tomenses deparam-se hoje com um conjunto de fragilidades e constrangimentos – entre os quais, a insularidade e a reduzida dimensão geográfica e demográfica do país, mas também os escassos recursos materiais e humanos, o reduzido acesso à informação, entre outros desafios – que se traduzem nomeadamente numa reduzida capacidade para influenciarem as políticas públicas e numa fraca presença nos debates internacionais. A descontinuidade territorial acarreta constrangimentos adicionais para a sociedade civil da Região Autónoma do Príncipe, que se traduzem nomeadamente na não-participação ou numa participação muito residual das OSC do Príncipe nas redes temáticas nacionais existentes. Neste contexto, existem, porém, no país algumas redes temáticas, nomeadamente nos domínios do Ambiente, da Segurança Alimentar, da Educação e da Governação. Carecem contudo de um conjunto de recursos e meios (materiais informativos e didácticos, instrumentos de comunicação, inserção internacional, entre outros) que lhes possibilitem uma intervenção e participação mais eficaz na vida política do país. A melhoria da participação da sociedade civil organizada nos domínios-chave do Estado de Direito e nas estratégias de desenvolvimento sustentável do país requer não só um reforço de competências específicas das OSC mas também, e sobretudo, da capacidade do trabalho em rede. A articulação entre as OSC é fundamental para aumentar o impacto das suas intervenções, ainda mais num contexto com recursos limitados. A necessidade de colaboração e busca de complementaridades e sinergias entre as OSC para estas conseguirem ganhar voz é premente. O trabalho em rede permite partilhar competências, mobilizar conhecimentos e meios, delinear estratégias conjuntas, no sentido de potenciar a incidência política das acções dos membros dessa rede. Exige, por outro lado, compromisso e responsabilidade, diálogo e negociação. A presente brochura foi produzida no quadro do projecto “Sociedade Civil pelo Desenvolvimento – Comunicação, Capacitação, Advocacia” (2013-2016), no âmbito do qual surgiu a Rede da Sociedade Civil para a Boa Governação, cujas organizações membro têm vindo a fortalecer as suas competências no domínio da monitoria de políticas públicas através de acções de formação e estudos. Resulta de uma tradução e adaptação da publicação “Establishing a national coordinating body for non-profit organisations”, editada conjuntamente pelo INTRAC - International NGO Training and Research Centre e a Fundação King Khalid.

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Princípios fundamentais para a gestão de uma rede A constituição de uma entidade de coordenação ou de uma rede é um processo conjunto. As organizações membro apropriam-se da entidade de coordenação colectivamente, cada uma tendo - ou desenvolvendo - um sentido de responsabilidade pelo seu sucesso. Uma entidade de coordenação ou rede é diferente de uma organização de prestação de serviços, a qual, apesar de concebida para beneficiar as organizações participantes, pertence e é dirigida por uma única entidade. Uma entidade de coordenação genuína pertence e é administrada conjuntamente por todos os seus membros, o que requer uma atenção particular para a dinâmica das relações entre membros e entre cada membro e o corpo colectivo. Desenvolver com sucesso uma entidade coordenadora ou rede requer aos membros fundadores que se afastem da norma do controlo hierárquico e que, por sua vez, se concentrem em trabalhar de forma a construir e apoiar um sentido de apropriação colectiva e responsabilidade mútua.

Um modelo para a compreensão das dinâmicas de redes Uma entidade de coordenação eficaz e bem sucedida, ou, aliás, qualquer rede ou aliança, tem que ser construída com cuidado. A parte fácil é a criação dos documentos que norteiam a rede e estabelecem as regras; os aspectos mais complexos referem-se às relações entre organizações no contexto da rede e aos níveis de empenho e de esforço que os seus membros dedicam ao seu desenvolvimento. Estes aspectos demoram a construir-se e há alguns princípios e factores fundamentais que devem ser tidos em mente por quem coordena a rede em todas as fases do processo. O modelo seguinte pretende identificar os principais elementos que contribuem para uma rede de sucesso e pormenoriza as formas como são interdependentes. Cada um dos elementos representados no diagrama na página seguinte pode contribuir para ou ser um entrave ao desenvolvimento de uma entidade de coordenação. Se estiverem a trabalhar em harmonia, aqueles elementos permitem um círculo virtuoso de desenvolvimento, dando origem a relações de trabalho cada vez mais profundas e produtivas. Se um ou mais dos elementos estiver bloqueado, um círculo vicioso poderá levar a conflitos, ineficácia ou, na pior das hipóteses, a uma eventual dissolução da entidade de coordenação.

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Figura 1: Elementos do círculo virtuoso

Maior eficácia e impacto

Formação

Trabalhar em conjunto

Aprofundar agenda comum

Aprofundar estratégia comum

Incentivar as relações ad hoc entre membros

Desenvolver responsabilidades claras e transparentes para o processo de tomada de decisão e para a acção

Partilhar competências, abordagens e boas práticas

Melhorar a compreensão mútua acerca dos ambientes em que operam e prioridades dos membros

Aprofundar a confiança de uns nos outros e na entidade de coordenação

Aprofundar bases de coesão

Desenvolver valores partilhados e normas de comportamento

Desenvolver canais e responsabilidades claras para a comunicação

Percorrendo o círculo virtuoso: CONCORD A CONCORD - European confederation of Relief and Development NGOs é uma plataforma que agrega redes de ONG de Desenvolvimento da União Europeia. Desta rede fazem parte organizações-chapéu; plataformas de sociedade civil, grupos europeus como organizações de base religiosa; e organizações internacionais como a Oxfam International. No início da CONCORD verificava-se um alto nível de desconfiança entre as organizações-chapéu nacionais, por um lado, e as redes, por outro. Foi, então, criada uma estrutura de tomada de decisão que assegurou que todos os tipos de organizações estavam representados na direcção. Direcção e equipa sempre foram escrupulosas em consultar todos os membros, até em assuntos de importância menor. Esta atitude foi importante para garantir que nenhum grupo de membros se sentisse excluído. Após quatro anos de funcionamento, os membros tinham trabalhado em estreita colaboração uns com os outros numa série de programas importantes. Porém, numa revisão de estratégia, muitos se queixaram: “Passamos tanto tempo a ser consultados sobre tudo que nunca temos tempo para fazer o trabalho conjunto pelo qual existimos”. Uma investigação revelou que, após um período de baixos níveis de confiança no início, a experiência de trabalho em conjunto dos membros significava agora uma maior confiança uns nos outros. Portanto, aquele processo de tomada de decisão, concebido para lidar com baixos níveis de confiança, deixou de ser apropriado. O processo de tomada de decisão foi revisto em conformidade; os membros concordaram que deveriam ser consultados apenas sobre as principais questões de política, porque confiam que a direcção e os grupos de trabalho tomam as decisões correctas em seu nome. A CONCORD passou a ser uma confederação de alto desempenho, representando os seus membros junto da Comissão Europeia numa série de questões políticas. LIÇÃO. Cada elemento no círculo virtuoso necessita de ser regularmente revisto. De cada vez que a rede percorre o círculo virtuoso, ela opera com um nível mais profundo de confiança e com mais confiança de poder ser eficaz. As estratégias podem tornar-se mais ambiciosas e o processo de tomada de decisão pode ser baseado cada vez mais na confiança. No caso da CONCORD, um sistema de tomada de decisão concebido nos primeiros tempos para acomodar baixos níveis de confiança já não era apropriado mas não foi revisto. Tal sistema estava a conter a estratégia da CONCORD, dando origem a membros frustrados.

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A importância do tempo Começando com os primeiros estádios de formação da entidade de coordenação - e até mesmo das primeiras discussões acerca da sua possível formação - os membros da rede começam a percorrer o círculo virtuoso. O desenvolvimento de elementos do círculo virtuoso pode parecer hesitante ao início, mas cada discussão relativa à formação da rede permite aprofundar o debate e progredir. No entanto, este processo requer tempo e uma paciência considerável. Inícios lentos poderão parecer frustrantes, mas serão essenciais para a construção de relacionamentos, para a confiança, para o alívio de inquietações e para a negociação de objectivos comuns. As organizações que não estejam familiarizadas umas com as outras ou que desconfiem umas das outras precisam de espaço e tempo substanciais para encontrar um terreno de entendimento comum e convencerem-se dos benefícios de trabalhar em conjunto. Várias entidades de coordenação nacionais enfatizaram que demoraram muito mais tempo do que esperavam a estabelecer-se: dois anos na Nigéria; mais de dois anos na Sérvia. Em países que emergem de conflitos nacionais, esta questão é particularmente desafiadora. Todas as pessoas afirmaram a importância de dar tempo ao processo e todas puderam citar os sucessos iniciais que contribuíram para o eventual progresso.

«Não se pode ter uma federação à força. Quando começámos, fomos criticados: “Quem são vocês para fazerem isto? Quem vos autorizou?”. Então retirámo-nos. Mas após um ano as pessoas começaram a vir ter connosco, a perguntar-nos porque é que afinal não a iniciámos. Precisamos de uma massa crítica de organizações dispostas a contribuir. Requer sempre uma organização e um grupo central empenhado para iniciar a federação.» — Dubravka Velat, Federação de ONG da Sérvia

Apropriação e confiança O futuro de uma entidade de coordenação depende dos seus membros - e das organizações consultadas ainda em estágios iniciais - desenvolverem um sentido de apropriação de todo o processo. Ainda que a iniciativa de formar a entidade de coordenação venha, muitas vezes, de uma organização individual, é importante, numa fase inicial, que se envolvam outras no desenvolvimento de ideias, de consensos e de acordos. Uma entidade de coordenação bem sucedida terá membros que falam acerca dela em termos de “nós” e não em termos de “eles”. Isto é mais facilmente alcançável através do envolvimento do maior número possível de organizações nas reuniões iniciais de consulta, atribuindo, de seguida, algumas responsabilidades, para as futuras fases, ao maior número possível de organizações. Estabelecer grupos de trabalho para tarefas específicas ou delegar responsabilidades para que as organizações individuais possam esboçar os elementos chave para as fases seguintes podem ser maneiras úteis de estruturar o trabalho daqui para a frente. Um grupo de coordenação, estabelecido na primeira reunião, pode ajudar uma organização que lidera o processo de criação de uma rede a reforçar a mensagem de que a iniciativa não é apenas sua. É particularmente útil que o grupo de coordenação tenha Trabalhar em Rede | Um Guia para a Coordenação de Organizações da Sociedade Civil ACEP Associação para a Cooperação Entre os Povos e FONG-STP Federação das ONG em São Tomé e Príncipe

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participantes de diferentes tipos de organizações de pequena e grande dimensão, de base religiosa, etc. A lição da Sérvia é: «Precisamos de uma massa crítica de organizações dispostas a contribuir. Requer sempre uma organização e um grupo central empenhado para iniciar a federação». Na Estónia, a construção de uma base de confiança levou tempo e desenvolveu-se a partir do trabalho conjunto. Como Urmo Kubar, da Rede de Organizações Não-Governamentais da Estónia, afirmou: «Tem que partir de dentro, da necessidade. Têm que fazer isso eles próprios, construindo-se a partir daquilo que consideram importante. Cada país tem diferentes necessidades, até mesmo quando são similares a nível histórico ou cultural… Na Estónia há agora uma boa tradição de trabalho conjunto, de confiança. Também há valores diferentes e desentendimentos - é o pluralismo! Mas sim, agora funcionam bem em conjunto. A questão da confiança é importante e a razão pela qual não funcionou noutros países foi por não terem conseguido ultrapassar o facto de que as organizações competem umas com as outras por dinheiro e atenção». Os membros da rede podem começar com baixos níveis de confiança entre si. É importante resolver esta questão, garantindo que diferentes tipos de participantes com diferentes posições ideológicas tenham oportunidades para explorar o que têm em comum e usando essas oportunidades como ponto de partida para o estabelecimento de alguns dos valores, normas ou actividades da entidade de coordenação. Salientar os consensos e negociar diferenças são aspectos centrais para se encontrar o foco da entidade de coordenação e que vão ajudar a estabelecer a confiança entre os membros ao longo do tempo. Tratam-se de aspectos que, por sua vez, ajudarão a criar confiança na entidade de coordenação. É provável que as organizações comecem com baixas expectativas e talvez algum cepticismo acerca do valor ou potencial da entidade de coordenação. Despender tempo a explorar as necessidades e prioridades comuns dos membros ajudará a construir a confiança e é um exercício útil porque os convence de que investir mais tempo po-derá compensar. Para quem coordena é tentador prometer, quando confrontados com o cepticismo, grandes feitos para a entidade de coordenação. O risco que surge é o de os membros poderem desenvolver expectativas irrealistamente altas sobre aquilo que a entidade de coordenação poderá alcançar, o que depois poderá desapontar enquanto o processo decorre - apropriadamente - de forma lenta. Assim, definir objectivos atingíveis é determinante na construção da confiança (ver “Benefícios Rápidos” na página 12), proporcionando, paralelamente, um sentido de perspectiva de longo-prazo. Dando também atenção aos restantes elementos descritos abaixo, o sentimento de apropriação das organizações face à entidade de coordenação, os níveis de confiança entre as organizações membro e a confiança no potencial da entidade crescerão com o tempo. Esta é uma característica constante de entidades de coordenação e redes. Até as redes experientes necessitam de dedicar atenção a ajudar os seus membros a construir confiança e a manter sistemas que encorajem o compromisso e a apropriação.

Liderança partilhada Um dos princípios fundamentais de uma entidade de coordenação eficaz - que é também o modo como fundamentalmente difere das organizações verticais - é o facto de a liderança não assentar numa única organização. O poder e o potencial de uma rede eficaz reside no facto de diferentes membros poderem assumir diferentes aspectos da liderança. Ainda que 8

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possa haver uma direcção de secretariado a coordenar toda a rede, e embora haja uma um conselho ou corpo directivo, muitos outros membros estarão a liderar aspectos do trabalho da rede através da coordenação de grupos de trabalho ou de actividades que alguns membros desejem prosseguir em conjunto. Incentivar a liderança partilhada contribui para o sentido de apropriação da entidade de coordenação por parte dos membros, o que por sua vez alimenta o compromisso de investir tempo no seu sucesso. É, porém, uma forma desafiante de trabalhar: os membros comprometem-se porque querem e não porque são obrigados e, por isso, a motivação, o apoio e o incentivo são as palavras-chave. Os membros que se sentem obrigados são mais susceptíveis a não concretizar os objectivos e a afastarem-se da entidade da coordenação. As pessoas com responsabilidades de liderança e de coordenação são mediadoras e facilitadoras, não são gestoras. Elas exercem a liderança através da motivação e não do controlo. Esta é uma lição absolutamente central de outras entidades de coordenação. Urmo Kubar, da Rede de Organizações Não-Governamentais da Estónia, expressou esta ideia da seguinte maneira: «Com o passar do tempo, é importante provar que se tem a confiança das pessoas e que se está a ser útil. Tem que se ser, obviamente, uma boa pessoa - humilde, interessada nas outras pessoas e que definitivamente não goste de afirmar o quão importante é. Ninguém quereria trabalhar com essa pessoa. É importante que se veja a si própria servindo as organizações e não enquanto chefe. É importante manter essa atitude, é crucial. A liderança é algo que se conquista, não se obtém. É o oposto do ego. Não dará certo se for sobre isso que se trata. É, então, preciso encontrar pessoas agradáveis, que sejam uma inspiração para as outras e eficientes!» Ou, tal como um membro da equipa da CONCORD afirmou acerca de uma revisão dos papéis e responsabilidades do secretariado da organização: «Trata-se de obter prazer e ser-se motivado por permitir aos outros brilhar». Uma implicação que daqui advém - e que é vital para o desenvolvimento de um sentido de apropriação - é a importância de reconhecer a responsabilidade dos membros pelos sucessos. De cada vez que a entidade de coordenação alcança um sucesso, os membros necessitam de ouvir: «Bom trabalho. Conseguimos porque trabalhámos em conjunto». A dimensão com que a entidade de coordenação consegue repartir a liderança depende ainda dos níveis de confiança instituídos entre os membros, bem como de quão claramente estabeleceu as suas bases para a coesão, os seus propósitos e os seus objectivos. Se houver inicialmente diferentes posições acerca dos propósitos e objectivos da entidade de coordenação e se os níveis de confiança dos seus membros forem relativamente baixos, será difícil para alguns membros confiar que outros liderem áreas específicas do trabalho conjunto. Uma forma de ultrapassar esta questão é garantir uma consulta generalizada sobre as decisões chave para que cada coordenador trabalhe de acordo com esses princípios daí para a frente. Isso ajudará a entidade de coordenação a clarificar a direcção a seguir, a construir canais de comunicação e discussão entre os membros e a mover-se gradualmente até uma posição em que membros individuais ou grupos possam tomar decisões sem consulta, tendo por base um forte entendimento comum acerca do rumo que os membros pretenderiam seguir.

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Exemplo de Partilha de liderança: Consórcio Internacional sobre Deficiência e Desenvolvimento No caso do Consórcio Internacional sobre Deficiência e Desenvolvimento (IDDC - International Disability and Development Consortium) a estrutura de coordenação fez questão de concentrar a sua atenção no desenvolvimento de uma base para a coesão e na construção de relacionamentos que perdurem. Durante este período, um comité de direcção eleito tomou decisões em nome dos membros do consórcio, mas apenas após consultas extensivas. Para as principais decisões, o comité esperou pela assembleia anual e discutiu os assuntos com os membros antes de chegar a uma decisão colectiva. Depois de oito anos, o comité de direcção estabeleceu alguns grupos de trabalho e pediu a outros membros que os liderassem. Os grupos de trabalho são agora responsáveis pelo desenvolvimento das posições políticas do consórcio em relação a uma série de questões associadas à deficiência. Uma vez que os membros tiveram a oportunidade de entender as posições e perspectivas dos outros, podem agora trabalhar sem se consultarem constantemente e confiam que o consórcio seja representado de forma responsável.

Processo de tomada de decisão transparente, responsável e partilhada Uma das formas mais importantes de construção de confiança entre os membros e de apropriação é a de assegurar que a tomada de decisão seja um processo considerado legítimo por todos, tendo em conta as suas diferentes perspectivas e necessidades. Isto poderá significar, nas fases iniciais, que todas as decisões significativas e operacionais são tomadas nas assembleias de membros, com todos os membros presentes. Uma próxima etapa poderá ser a eleição ou escolha de uma estrutura de coordenação, para que os membros possam ter confiança nas decisões tomadas. Idealmente, o grupo coordenador será composto de forma a garantir que as vozes de todo o tipo de membros serão ouvidas. Para construir confiança, é importante que a direcção comunique as suas decisões e a racionalidade por detrás delas. A constituição da entidade de coordenação também deverá permitir que as organizações membro responsabilizem a estrutura de coordenação pelas suas decisões e acções. À medida que a experiência da rede cresce, a coordenação entenderá ser cada vez mais possível e necessário delegar decisões a um secretariado ou a um grupo de membros - permitindo a liderança partilhada discutida acima. Este caminho terá que ser percorrido de acordo com os níveis de confiança das organizações membro. Também se aplica no processo de prestação de contas relativamente ao trabalho realizado e utilização dos recursos conseguidos.

Bases de coesão: propósitos e objectivos comuns Nos primeiros estágios de desenvolvimento de uma entidade de coordenação é essencial que se entenda a motivação para que os potenciais membros queiram uma entidade de coordenação. Inicialmente, é provável que as razões sejam díspares e um tanto incertas, mas geralmente giram em torno de um desejo de melhorar a qualidade de trabalho do sector, da vontade de garantir melhor ou mais financiamento ou um maior envolvimento num diálogo eficaz com o governo. Em cada um destes motivos há tanto um potencial de competição entre organizações membro como de colaboração, pelo que os benefícios da acção colaborativa necessitam de especial ênfase. Os elementos para as bases de coesão incluem, geralmente, crenças ou valores e aspectos 10

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relacionados com propósitos comuns. Os propósitos comuns estão intimamente associados à estratégia e ao programa de acção da entidade de coordenação (ver página 26). Um ou mais dos seguintes aspectos podem surgir a partir desta discussão (ver também a página 17 e seguintes): “Estamos juntos enquanto membros da entidade de coordenação porque… … acreditamos no valor e na importância das organizações sem fins lucrativos para a sociedade no nosso país” … acreditamos que ajudar os pobres e/ou marginalizados é um dever da nossa sociedade” … acreditamos que uma democracia aberta é essencial na construção do futuro do nosso país” … queremos melhorar a qualidade do trabalho das organizações sem fins lucrativos no nosso país” … queremos promover um enquadramento favorável para as organizações sem fins lucrativos no nosso país, em termos de moldura fiscal ou de medidas legislativas” … queremos envolver-nos com o governo em políticas e planeamento de longo prazo para o sector” … queremos construir uma reputação para o sector sem fins lucrativos entre o público em geral” … queremos desenvolver padrões de estrutura, desempenho e comportamento que ajudem na identificação de organizações sem fins lucrativos legítimas”

Estratégia/programa

Programas de aprendizagem e formação de competências e conhecimentos de trabalhadores/as de organizações sem fins lucrativos Investigação sobre enquadramento favorável noutros países; conversações com o governo sobre impostos, legislação, registo, regulação. Discussão de política entre os membros; representação de perspectivas comuns nos departamentos governamentais relevantes Divulgação de exemplos de boas práticas de organizações sem fins lucrativos Consulta entre membros sobre padrões mínimos; desenvolvimento de enquadramento.

As organizações terão inicialmente diferentes perspectivas, prioridades e necessidades, pelo que poderão ser necessárias várias reuniões para chegar a um entendimento colectivo acerca do menor denominador comum sobre o qual todos os membros possam concordar. Uma vez que nesta fase os membros terão pouca ou nenhuma experiência sobre quais são as suas reais possibilidades, este poderá ser um nível bastante básico. Isto é bom: o grupo tem que começar em algum lugar. Com o foco em algo que é possível alcançar em conjunto, os membros podem desenvolver experiência de trabalho conjunto e aprofundar consensos, a confiança mútua e as bases para a coesão ao longo do tempo. A paciência e persistência são factores determinantes.

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Valores partilhados e normas de comportamento Existem dois tipos de valores que são importantes para uma entidade de coordenação bem sucedida: • Os valores que unem os membros, em termos do entendimento que têm acerca da forma como a sociedade e o país deveriam funcionar, ajudam a contribuir para a base de coesão e propósito da entidade de coordenação. Os membros podem diferir nos seus valores, daí que o foco nos seus pontos comuns seja importante. Quanto mais trabalho conjunto fizerem, mais os membros serão capazes de identificar os seus valores comuns - assim, como com outros elementos, a compreensão dos valores comuns irá aprofundar-se à medida que a entidade de coordenação percorre o círculo virtuoso. Muitas entidades de coordenação têm uma declaração de valores partilhados como uma parte fundamental do processo de adesão para novos membros: os candidatos são convidados a assinar um acordo com os valores do colectivo antes de lhes ser permitido participar. • Há ainda valores relacionados com o modo com que uns membros se comportam em relação aos outros e à entidade de coordenação. Estes valores são difíceis de desenvolver em abstracto, mas serão necessários à medida que a experiência da entidade de coordenação cresce. Alguns comportamentos serão particularmente valorizados, enquanto outros serão vistos como causadores de problemas para os outros membros. Portanto, terão que ser desenvolvidas regras e orientações que poderão estar relacionadas com o respeito mútuo entre membros ou com a adesão às posições acordadas.

Compreensão mútua, partilha de competências e abordagens Um papel fundamental da entidade de coordenação é o da responsabilidade de convocar reuniões, permitindo que toda a rede se una e comunique. Por vezes, haverá uma finalidade específica para estes encontros: o desenvolvimento de uma abordagem colectiva a um problema particular ou a uma posição política; ou o reforço da compreensão e das competências dos membros numa determinada área do seu trabalho. No entanto, mesmo quando este não seja o caso, haverá muitos benefícios tanto para os membros como para a entidade de coordenação. Quanto mais os membros comunicam entre si, mais aprendem uns sobre os outros. Indirectamente, irão reforçar a qualidade do diálogo e permitir que a entidade de coordenação alcance níveis mais sofisticados de entendimento comum, abordagens e estratégias. Ao comunicarem, os membros encontrarão áreas de interesse comum e aprenderão uns com os outros, por exemplo, como dividir o trabalho eficazmente. Esta poderá ser uma parte intencional da reunião, mas é frequentemente um resultado da discussão, tanto em sessões formais como informais. Trata-se, acima de tudo, de um benefício directo para cada membro individualmente, porém, sê-lo-á também para a entidade de coordenação, uma vez que os membros irão aprofundar o valor que lhe atribuem de cada vez que beneficiam da aprendizagem dos outros no âmbito de um espaço convocado pela própria rede. Assim, reforçar-se-á o compromisso de lhe dar tempo.

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Relações ‘ad hoc’ entre membros Conversas informais em espaços convocados pela entidade de coordenação resultam, por vezes, em novas relações de trabalho das organizações membro, fora da rede, o que poderá dar origem a importantes colaborações, parcerias e actividades em consórcio. Apesar de ser quase impossível medi-las para fins de avaliação, estas relações ad hoc constituem uma contribuição substancial - possivelmente a maior - em termos de impacto da rede..

Relações ‘ad hoc’ entre membros: EuroNGO’s A EuroNGO’s, uma rede de ONG europeias de saúde e direitos sexuais e reprodutivos, organiza uma conferência anual para os seus membros e parceiros de diferentes partes do mundo. O foco é normalmente uma questão de actualidade política, mas há sempre, propositadamente, muito tempo para que os membros se envolvam em conversas informalmente. Os formulários de avaliação do evento sempre indicaram que aprendiam muito uns com os outros desta forma. Mas só quando uma avaliação externa solicitou aos membros que conversassem especificamente acerca das relações estabelecidas nas conferências é a que a sua verdadeira importância emergiu. Cada conferência anual tinha resultado em pelo menos uma nova parceria ou consórcio de projecto, a partir dos quais os membros se juntavam para desenvolver novos projectos ou programas conjuntos. Alguns destes tiveram resultados importantes nas suas áreas e a sua origem poderá ser rastreada até ao papel das conferências da rede EuroNGO’s e à decisão consciente de criar espaços para os contactos informais. Tal como se pode ler na página anterior, estas relações individuais fortalecidas são, acima de tudo, um benefício para as organizações envolvidas. No entanto, as relações de trabalho mais próximas também tornam mais fácil o trabalho conjunto em outras circunstâncias, o que poderá beneficiar a entidade de coordenação quando as organizações individuais trabalham no seu âmbito.

“Benefícios rápidos”: o valor dos sucessos partilhados e dos benefícios individuais Uma das melhores formas de incentivar os membros a dedicar tempo e energia à entidade de coordenação é a demonstração do seu valor positivo para aqueles. A coordenação e a liderança têm que ser capazes de mostrar que algumas medidas tomadas pela rede contribuem positivamente para o bem colectivo ou para um conjunto alargado dos seus membros.

«A questão mais importante era: “Alguém necessita daquilo que faz?” A formação era a resposta mais óbvia naquela altura, mais ainda do que a legislação ou assuntos fiscais. Então começámos a formação para ONG com informação sobre oportunidades de financiamento de fundações estrangeiras. Depois advocacia, seguida pela legislação e assuntos fiscais… Mais tarde a formação tornou-se menos importante, em parte porque outros começaram a fornecer esse serviço.» — Urmo Kubar da Rede de Organizações Não-Governamentais da Estónia Nos casos em que a entidade de coordenação decide abordar assuntos externos em nome do colectivo, é importante não só trabalhar para um objectivo maior e de longo prazo, mas também demonstrar pequenas conquistas ao longo do percurso. Trabalhar em Rede | Um Guia para a Coordenação de Organizações da Sociedade Civil ACEP Associação para a Cooperação Entre os Povos e FONG-STP Federação das ONG em São Tomé e Príncipe

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Benefícios rápidos: BOND A BOND, a rede de ONG´s que trabalham em desenvolvimento internacional sediadas no Reino Unido, tem um conjunto de membros muito diversificado. No início da sua existência teve, portanto, que demonstrar o seu valor a diferentes tipos de organizações. As pequenas organizações queriam formação acessível em competências básicas, pelo que a BOND organizou um programa de formação em planeamento de projectos, avaliação e outras áreas. As organizações de dimensão média estavam interessadas em melhorar o seu acesso aos principais doadores e compreendê-los, pelo que a BOND adoptou três medidas: organizou um grupo de trabalho de financiamento, que permitiu aos membros partilhar conhecimentos e competências; providenciou um acesso directo aos financiadores-chave; e criou rápidas mudanças na forma como o governo doador se relacionava com as ONG´s. As organizações maiores preocupavam-se mais com o envolvimento político com o governo e, por isso, a BOND identificou uma necessidade de diálogo político que permitiu que os membros de maior dimensão pudessem trabalhar em conjunto e envolver-se directamente com o governo em nome de todos os membros da rede. Cada tipo de membro pôde encontrar algo em que ganharia rapidamente, o que ajudou a cimentar a sua convicção no valor da rede.

Se a entidade de coordenação decidir dar resposta às necessidades identificadas pelos seus membros, talvez através de programas de formação, terá que os conceber de forma a que cada tipo de membro os possa reconhecer como sendo de valor acrescentado para si individualmente.

“Unidade com diversidade”: diferença, inclusão e fronteiras Diversas entidades de coordenação descrevem-se a si próprias como tendo - ou esforçando-se para ter – “unidade na diversidade”. Isto expressa um dos enigmas centrais de uma entidade de coordenação, que por definição é composta por um amplo leque de diferentes organizações e procura formas de as unir. Elas podem diferir em termos de dimensão organizacional, de motivação ideológica ou religiosa, de orientação sectorial (educação, saúde, desenvolvimento comunitário, etc..), mas caminham juntas porque querem alcançar algo em comum. Algumas entidades de coordenação afirmam, explicitamente, os aspectos positivos da diversidade na declaração de objectivos ou noutras formas de auto-descrição. Enfatizam a riqueza que a diversidade traz às discussões, o potencial de aprender com os outros e a força e rigor de quaisquer acordos entre membros (tendo em conta as complexas discussões que por vezes surgem a partir de diferentes perspectivas para se alcançar um acordo). Mas a diferença também apresenta desafios. Nos estágios iniciais pode ser difícil conseguir alcançar o menor denominador comum sobre objectivos e bases de coesão. As discussões poderão concentrar-se nas diferenças e desentendimentos dos membros, ao invés de se concentrarem na procura de consensos. Alguns tipos de organizações podem sentir-se excluídas das decisões ou sub-representadas na coordenação, enquanto outras podem procurar dominar as estruturas de tomada de decisão. Outras ainda poderão pensar que os programas de formação ou actividades são concebidos para outro tipo de organização, que não a sua. Assim, as pessoas com responsabilidades na liderança e coordenação da rede necessitam de uma compreensão prévia das principais especificidades das diferenças entre membros, particularmente daqueles que causam tensões, discussões e sentimentos de exclusão. Esta com14

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preensão deverá guiar a concepção da estrutura de coordenação da rede para que se possa assegurar que todos os tipos de organizações — especialmente aquelas com maiores probabilidades de se sentirem excluídas — têm uma voz nas decisões chave. As pessoas com responsabilidades na liderança e coordenação também devem acautelar que as actividades se destinam a todos os membros: a formação oferecida, por exemplo, deve dirigir-se às necessidades de cada tipo de organização, para que todos sintam que estão a beneficiar da adesão à rede. Algumas diferenças podem ser tão profundas que a melhor solução para a entidade de coordenação é a exclusão de algumas organizações. Isto poderá ajudar a definir os limites para a adesão, uma vez que alguns tipos de organização podem ser tão diferentes dos outros que a sua presença na rede tornaria impossível os consensos ou desviaria decisões para áreas que não têm utilidade para a maioria dos membros. As exclusões mais comuns para outras entidades de coordenação, habitualmente definidas em critérios de adesão escritos, cobrem as seguintes organizações: • Entidades governamentais e quase-governamentais, cuja presença tornaria difícil o desenvolvimento de acções que pudessem diferir das linhas oficiais do governo. • Organizações cujos interesses sejam comerciais, e não de utilidade pública ou social, cuja presença possa impedir o desenvolvimento de políticas que sejam genuinamente do interesse do sector sem fins lucrativos. • Organizações com uma definição restrita de utilidade social ou pública. As entidades de coordenação incluem organizações motivadas por, por exemplo, princípios religiosos para praticar o bem, mas muitas excluem aquelas organizações cujos objectivos sejam a conversão religiosa ou as que excluam pessoas de outras religiões dos seus programas. O mesmo poderá aplicar-se às exclusões de etnia, de género ou de classe. Cada país, cultura e, por conseguinte, entidade de coordenação terá que definir as suas fronteiras. A discussão de uma declaração de valores apropriada ajudará a identificar essas fronteiras e a sua existência ajudará a determinar os futuros membros. • Organizações cujo comportamento seja perturbador, desrespeitoso ou inapropriado no contexto de discussões no espaço da entidade de coordenação. Tais atitudes são normalmente difíceis de identificar nos critérios de adesão para membros, pelo que muitas entidades de coordenação têm uma declaração de acordo sobre comportamentos adequados (ver página 12). Podem incluir um procedimento para a retirada da adesão de um membro como forma de sanção em caso de ruptura do acordo (pela experiência, no entanto, raramente é necessário). A entidade de coordenação deve esforçar-se para ser tão abrangente quanto possível e deve conceber as suas estruturas e os seus programas para maximizar o sentimento de inclusão de todos os tipos de organizações que queiram ser membros. Por outro lado, também tem que decidir quais devem ser os limites para a adesão, de forma a permitir um caminho razoável e construtivo para os seus principais propósitos e objectivos.

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Princípios fundamentais - sumário Gerir ou desenvolver uma entidade de coordenação ou de uma rede é uma arte, não uma ciência. Há regras e documentos que parecem fornecer respostas prontas, mas a essência do sucesso reside no processo. O sucesso é impossível sem um sentimento forte de apropriação, o que tende a vir com níveis progressivamente mais elevados de confiança quer na própria rede quer entre os seus membros. Apropriação e confiança são as palavras-chave - construílas é um processo sem fim e cada uma delas depende de vários outros elementos. Assim, não se trata apenas de prestar atenção a estes elementos-chave, mas também de lhes dar tempo para se construírem.

«Comecem devagar, saibam aquilo que realmente desejam alcançar e, sendo uma estrutura baseada na adesão de membros, tenham uma variedade de diferentes actores que representem o sector.» — Basak Ersen, Third Sector Foundation of Turkey (TUSEV)

Todos os elementos do círculo virtuoso estabelecido na Figura 1 (pág. 6) estão inter-relacionados. A falta de transparência na tomada de decisão irá desafeiçoar os membros, incentivando-os a acreditar que a entidade de coordenação é “deles”, não “nossa”. A confiança de uns nos outros advém da criação de espaços para o diálogo e de muitas oportunidades para a interacção dentro e à margem da discussão formal. Os sucessos iniciais (e o seu reflexo nos membros enquanto “a nossa proeza, agradecemos a vossa contribuição” em vez de “fiz isto por vocês”) produzem confiança e energia para as próximas etapas. Se todos os elementos receberem atenção será estabelecido um círculo virtuoso através do qual os elementos se aprofundam ao longo do tempo — e a entidade de coordenação irá, consequentemente, fortalecer-se e crescer. Se algum dos elementos for ignorado actuará como uma barreira ao progresso e poderá causar o retrocesso dos membros, a perda de interesse na apropriação e a diminuição de confiança. É importante ressaltar que a forma como se lida com cada elemento em diferentes fases de aprofundamento depende do progresso nos outros elementos. Um nível mais aprofundado de confiança permite formas diferentes (e mais distribuídas) de liderança e de tomada de decisão. Uma compreensão mais profunda dos outros permite estratégias comuns mais sofisticadas e uma maior coesão. Portanto, cada elemento deverá ser revisitado com regularidade. Até a entidade mais amadurecida deverá revisitar regularmente a conveniência das suas estruturas de tomada de decisão para reflectir os níveis de confiança que os seus membros têm. Neste ponto pretendeu-se apontar algumas das principais características de cada elemento do círculo virtuoso que possam precisar de atenção nos estágios iniciais de formação da entidade de coordenação. Na próxima secção usar-se-ão essas características como base para a identificação das questões fundamentais a colocar às organizações membro a serem discutidas entre todos.

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Questões centrais para o processo de formação O conjunto seguinte de questões a colocar a potenciais membros de uma entidade de coordenação foi retirado dos princípios definidos anteriormente. Conforme se sugere na primeira parte desta brochura, as respostas certas alterar-se-ão significativamente ao longo do tempo à medida que todos os factores que afectam a força e o potencial da entidade de coordenação se desenvolvam. No entanto, as respostas iniciais são necessárias para formar os princípios básicos de uma rede funcional. Nesta secção descrevem-se as principais questões e algumas das opções e desafios que se colocam ao tentar responder-lhes. Termina-se com a sugestão de um conjunto de documentos orientadores que reflectem as respostas às questões, de forma a dar à entidade de coordenação um enquadramento para o início da sua actividade. As questões consideradas aqui são: • Para que queremos uma entidade de coordenação? • O que nos une? • Quem deve estar na entidade de coordenação? • O que posso esperar da adesão da minha organização? • O que posso esperar das outras organizações? Espera-se que a minha organização contribua com o quê? • Quais são os nossos valores partilhados? • Quais são as nossas normas de comportamento acordadas? • Como serão tomadas as decisões? • Deveremos ter um secretariado? • Como iremos mobilizar recursos para a entidade de coordenação e porquê? • O que iremos fazer em conjunto enquanto entidade de coordenação?

Para que queremos uma entidade de coordenação? O princípio básico absoluto é o de clarificar as motivações que levam as organizações a envolverem-se numa entidade de coordenação. Estabelecer estas razões poderá dar origem a uma quantidade substancial de discussões. Algumas organizações podem querer aprender mais, quer seja através do envolvimento com outras que já trabalhem na área, da troca de experiências ou através da contratação de formadores externos e da aprendizagem conjunta. Outras organizações podem colocar a prioridade em encetar conversações com o governo acerca do enquadramento legislativo, regulatório ou fiscal para as ONG´s, reconhecendo que podem fazer mais progressos colectivamente do que individualmente. Outras poderão preocupar-se com o facto de que a utilização ilegítima do conceito “ONG” por parte de algumas organizações ou indivíduos possa prejudicar a reputação das outras, querendo que se crie um quadro de normas que demonstre claramente a diferença entre ONG´s legítimas e ilegítimas. Outras organizações poderão travar uma luta permanente para financiar o seu trabalho e po-

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dem estar à procura de abordagens comuns aos doadores ou de orientações de outros membros relativamente ao sucesso na obtenção de financiamentos. Não será necessário, especialmente nas etapas iniciais, encontrar actividades em que todos os membros queiram envolver-se. Será importante, contudo, que todos, ou quase todos, possam encontrar algo no âmbito das actividades desenvolvidas pela rede que vá de encontro a algumas das suas necessidades ou preocupações. Assim, o leque de actividades a desenvolver tem que ser criado com base na diversidade de respostas diferentes dos membros à questão básica. A selecção de actividades também terá que ser cuidadosa para não ultrapassar os limites que os actuais níveis de confiança permitem. Os potenciais membros poderão não ser confiantes o suficiente para permitir que, por exemplo, outros falem por eles a entidades externas, o que poderá levar à necessidade de trabalhar em áreas não controversas antes de abordar assuntos mais complexos. Com pouca ou nenhuma experiência acerca daquilo que a entidade de coordenação poderá trazer-lhes, as organizações membro poderão sugerir formas que possam beneficiar o seu trabalho e responder às suas necessidades. As aspirações terão que ser equilibradas de acordo com a capacidade da entidade de coordenação, que, podendo ser pequena ao início, deve ter objectivos atingíveis a curto prazo.

O que nos une? É útil, no início do processo, reforçar a ideia de que as organizações membro da rede têm laços comuns. Estes laços poderão incluir um entendimento comum daquilo que uma organização sem fins lucrativos é, quais as suas principais características e como diferem de outro tipo de organizações. Outros pontos comuns incluem convicções acerca dos benefícios para a sociedade, de um sector sem fins lucrativos mais forte, de valores pelos quais as organizações sem fins lucrativos devem tomar posições ou de padrões mínimos de desempenho. Estes valores comuns podem ser explorados em discussões, o que suscitará e clarificará áreas de diversidade entre participantes. Alguma exploração, nesta fase, das razões para valorizar a diversidade é útil, pois isso ajuda a que os participantes sejam recepetivos a estar no mesmo espaço apesar das suas diferenças. Desta forma, a coordenação e a liderança também serão alertadas para áreas de potencial conflito decorrente das diferenças, estarão preparadas para elas e reunirão condições para conceber abordagens que possam resolvê-las ou evitá-las. Evitar não é prejudicial: depois de percorrer o círculo virtuoso algumas vezes, deve ser possível resolver as diferenças e conflitos de uma forma que não teria tido efeito em fases anteriores.

Quem deve estar na entidade de coordenação? Uma entidade de coordenação, pela sua natureza, é concebida para ser abrangente e inclusiva. Assim, devem envidar-se esforços iniciais no sentido de definir limites para a adesão que permitam que tantas organizações quanto possível possam participar e apropriar-se da rede, o que implica que se seja claro desde o início acerca dos tipos de organizações que não são bem-vindas enquanto membros. Portanto, é necessário estabelecer os limites que definem tais tipos de organizações. Poderá ser necessário discutor a forma como é dirigida, dos limites do sector sem fins lucrativos (neste caso, as empresas sociais são, por vezes, motivo de divergência: são empresas, mas têm 18

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uma finalidade social) e os requisitos mínimos para se considerar uma organização como legítima. Esta discussão poderá ser mais complexa em países onde existam redes regionais fortes. Nesses países, as entidades de coordenação nacional tiveram que decidir, num primeiro momento, se as redes regionais podiam ser membros da entidade nacional de coordenação ou se teriam um estatuto específico como o de associada, por exemplo. Para uma entidade de coordenação nacional é possível - como sucede no Paquistão - ter apenas entidades de coordenação regionais enquanto membros, enquanto que as entidades de coordenação regionais têm como membros organizações sem fins lucrativos. Isto acontece para que as organizações sem fins lucrativos possam ser membros da entidade de coordenação nacional de forma indirecta. Quer esta abordagem seja seguida ou não, na criação da entidade de coordenação nacional terão que se considerar formas de lidar com organizações que não são parte da entidade regional, mas que querem ser parte da entidade de coordenação nacional. É raro as redes regionais terem critérios de adesão idênticos aos das redes nacionais, pelo que saber lidar com a diferença é importante. Alguns potenciais membros podem também ser de âmbito nacional, não se enquadrando numa estrutura regional - poderão, portanto, necessitar de uma categoria própria. Na Lituânia, a entidade de coordenação nacional é composta por redes sectoriais, cada uma cobrindo áreas como comunidades, juventude, mulheres, ambiente, cultura e assim por diante. Aqui, surgiram complicações semelhantes às do caso do Paquistão e das suas regiões. As organizações membro poderão sentir que há organizações que não devem ser membros de pleno direito da entidade de coordenação, apesar de a sua presença lhe adicionar valor. Portanto, algumas entidades de coordenação têm a categoria “plena adesão” para os seus membros principais, o que significa que estes podem votar em assembleias e reuniões gerais, mas também outras categorias como “associada” ou “amigo de…” para organizações menos centrais mas valorizadas, que não têm voto nas posições políticas fundamentais. Devem ser feitos esforços para garantir que uma grande variedade de organizações sem fins lucrativos estejam presentes nas fases iniciais, para que os critérios de adesão sejam definidos pelo maior número e adequados à diversidade de organizações interessadas em aderir à rede. No entanto, é importante reconhecer que nem todas as organizações irão estar presentes. Aquelas que têm um conhecimento e uma compreensão detalhada do sector sem fins lucrativos têm de estar cientes das ausências críticas e garantir que as organizações ausentes que possam sentir-se excluídas sejam incluídas nas definições e encorajadas a envolverem-se em fases posteriores do processo, especialmente se se tratarem de organizações que podem ser organizações que têm alguma influência nas esferas política, pública e mediática. Qualquer sentimento de ressentimento ou de competição pelo poder ou influência irá minar a legitimidade da entidade de coordenação aos olhos dos membros efectivos, dos potenciais membros e das entidades externas, tais como o governo. Tudo isto ajudará a assegurar que a entidade de coordenação seja entendida como bem-vinda, não excluidora, nem elitista ou exclusiva. Quem dinamiza a entidade de coordenação poderá querer começar a procurar adesões nas fases iniciais, convidando as organizações a participar ou a aderir à rede. No entanto, nem todas as organizações escolherão juntar-se. Algumas poderão necessitar de ver algum trabalho concreto ou algum êxito em áreas do seu interesse antes de considerarem associar-se.

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O que posso esperar da adesão da minha organização? A discussão colectiva acerca da função da entidade de coordenação (ver página 17) ajudará os líderes a definirem projectos e programas que se dirijam às necessidades e das organizações membro. Igualmente importante é a capacidade de todos os potenciais membros responderem por eles próprios, tão claramente quanto possível, à questão: “O que é que a minha organização espera ganhar com a adesão?”. A entidade de coordenação necessita, então, de uma “proposta de adesão” que possibilite uma resposta franca e aberta. Tal não será fácil nas fases iniciais, uma vez que as demonstrações efectivas do benefício da adesão serão raras, mas terá que se focar nos benefícios potenciais. Poderá ser adaptada mais tarde, à medida que a entidade de coordenação ganhe experiência, que os membros entendam melhor o que já alcançaram e que os potenciais membros possam observar com mais clareza aquilo que estão a perder. A “proposta de adesão” poderá incidir não apenas nos ganhos materiais directos (as novas competências que se adquirem em formação, por exemplo) mas também nos benefícios da participação no processo de tomada de decisão, do intercâmbio com outros membros ou do acesso aos órgãos de decisão do governo. Estes benefícios podem parecer indirectos e improváveis, mas são reais para quem participa activamente. Assim, quem dinamiza a rede poderá ter que conversar com membros individuais acerca destas áreas menos concretas e construir uma compreensão acerca dos benefícios percepcionados, bem como terão que se concentrar em resultados concretos. Esta questão é particularmente importante porque a ênfase excessiva nos benefícios materiais pode levar os membros a acreditarem que a entidade de coordenação é uma instituição de serviços em vez de algo de que se apropriam e de que são parte. Isto foi tão importante na Estónia que a entidade de coordenação se afastou de uma “proposta de adesão” clara, de acordo com Urmo Kurbar: «Dantes, quando listámos esses benefícios, os membros eram como clientes - eles esperavam algo depois de pagar a quota. Agora é mais igualitário, fazemos tudo em conjunto. (...) há uma divisão do trabalho - os colaboradores têm as suas funções - mas é mais saudável desta maneira». Uma “proposta de adesão” bem formulada é a base para incentivar as organizações a associarem-se, e pode ser usada em materiais promocionais para enfatizar o valor da adesão. Também poderá ser usada se e quando se solicitar o pagamento de uma quota aos membros: um lembrete dos benefícios da adesão, articuladamente declarados, faz uma grande diferença. Apesar de tudo, é normal que os membros tenham diferentes motivações para a adesão.

«Muitos juntam-se por diferentes razões. Alguns para desenvolverem as suas capacidades, outros querem partilhar a sua própria experiência com outros nas suas áreas de especialidade. Acesso a conferências, acesso a financiamento, apoio técnico para a elaboração de candidaturas, alguns para fazer advocacia colectiva, outros para disseminar os seus próprios programas junto dos outros membros. Não é fácil mapear claramente. Mas nós tentamos mapear o nosso trabalho para ir ao encontro das expectativas» — Oyebisi Babatunde Oluyesi, Rede Nigeriana de ONG

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O que posso esperar das outras organizações? Espera-se que a minha organização contribua com o quê? Uma entidade de coordenação é uma organização colectiva: funciona porque os membros a fazem funcionar. Poderá haver um secretariado, mas a verdadeira actividade provém do envolvimento e da participação dos membros, das suas contribuições com competências e conhecimentos e da sua participação nos processos de tomada de decisão e de governação. Neste contexto, a abordagem mais fácil para um membro é sentar-se e deixar que os outros façam o trabalho difícil. Se todos os membros agirem deste modo, nada acontecerá e a entidade de coordenação falhará - o que não é do interesse de ninguém. Assim, é necessário algum entendimento entre os membros acerca do que é razoável esperarem uns dos outros para fazer da entidade de coordenação um sucesso. Muitas redes e entidades de coordenação documentam esse acordo na forma de uma “carta de direitos e deveres”, que descreve esse entendimento e que os novos membros são obrigados a assinar quando se associam. É necessário o reconhecimento das diferentes capacidades dos membros para o sucesso da rede e é igualmente importante expressar que até as mais pequenas e mais recentes organizações têm perspectivas valiosas para trazer à entidade de coordenação, perspectivas essas que devem ser valorizadas e respeitadas pelos outros membros e que devem ser reconhecidas como contribuições para os resultados colectivos da entidade de coordenação.

Quais são os nossos valores partilhados? Quais são as nossas normas de comportamento acordadas? Estes pontos foram abordados na página 14. É importante colocar tais questões durante o processo de criação da rede. Estas questões devem ser colocadas regularmente ao longo de toda a sua existência, uma vez que, à medida que o círculo virtuoso se repete, as organizações tornar-se-ão mais próximas umas das outras, compreender-se-ão e confiarão mais umas nas outras. Isto permitirá que a rede se mova para novos níveis de cooperação, coordenação e eficácia, resultando em níveis mais profundos de valores partilhados. Essas mudanças devem ser identificadas e explicitamente reconhecidas. Na página 14, observou-se que as normas de comportamento são difíceis de estabelecer em abstracto e por isso podem ser difíceis de discutir nos momentos iniciais de constituição da rede. É necessária alguma experiência e observação dos comportamentos particularmente valorizados - bem como dos comportamentos problemáticos - para documentar os acordos entre membros sobre este assunto. No entanto, quem coordena a rede necessita de registar essas primeiras aprendizagens para que estas possam ser devolvidas aos membros e ponderadas em conjunto quando as discussões acontecerem.

Como serão tomadas as decisões? No sentido de fazer progressos em qualquer uma destas áreas, é necessário alcançar, no início do processo, um consenso acerca da forma como as decisões serão tomadas durante o período inicial de criação da rede. Em pouco tempo será necessário criar um consenso acerca Trabalhar em Rede | Um Guia para a Coordenação de Organizações da Sociedade Civil ACEP Associação para a Cooperação Entre os Povos e FONG-STP Federação das ONG em São Tomé e Príncipe

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da forma como as decisões serão tomadas na entidade de coordenação estabelecida. Tal como foi apontado na página 12, as organizações membro e os potenciais membros necessitam de se sentir confiantes de que as decisões serão tomadas tendo em conta as suas perspectivas. Nas primeiras fases, isto significa provavelmente que as decisões têm que ser tomadas nas reuniões alargadas em que estejam presentes a maioria dos membros - pois será prematuro para elegerem um conselho directivo que conselho de direcção que tome decisões em seu nome. No entanto, são necessárias bases - especialmente tendo em conta a liderança partilhada - e poderá ser útil seleccionar, na primeira reunião, um pequeno grupo de membros que faça alguns trabalhos antes da reunião seguinte: esboçar caminhos possíveis, comunicar com organizações ausentes na primeira reunião, etc. Este grupo, deve ficar claro, não deverá ir mais além dos esboços. Qualquer trabalho que faça será levado à reunião seguinte para discussão, alteração e aprovação. Seria útil que, para além de garantir que os membros têm vontade e capacidade para contribuir para o grupo, se assegurasse a presença na reunião de uma grande diversidade de vozes de organizações, para que as pessoas possam elas próprias dar contibutos para o grupo em vez de ter alguém que fale por elas. Quando chegar a hora de decidir acerca da estrutura de governação da entidade de coordenação será necessário tecer uma série de considerações: • Haverá a necessidade de continuar a haver uma assembleia ou reunião geral de membros que tenham o poder de seleccionar ou destituir a estrutura de coordenação ou conselho directivo da rede, assim como a responsabilidade para aprovar estratégias e políticas-chave. A experiência normal sugere que estes poderes são bastante activos em estádios iniciais da existência da entidade de coordenação, tomando muitas decisões operacionais, mas que se movem na direcção de funções estratégicas e de supervisão depois de construída alguma confiança e confidência. • Uma estrutura de coordenação tem que ser suficientemente pequena para funcionar de forma eficaz, mas grande o suficiente para conter uma variedade de “vozes-chave” dos membros. Algumas redes elegem um conselho directivo, outras estão estruturadas de modo a assegurar a presença de vozes relevantes dos vários sectores. A experiência sugere que a apropriação é mais forte se todos os membros forem auscultados. • Os termos de referência do conselho directivo e da assembleia geral têm que ser claros, nomeadamente na prestação de contas do conselho directivo aos membros, de modo a que todos tenham um sentimento de apropriação sobre as decisões que foram tomadas entre duas reuniões alargadas. Os termos de referência também deverão ser explícitos acerca da transparência nas reuniões de direcção, através, por exemplo, da circulação de minutas ou descrição das decisões da direcção na assembleia geral. • Algumas entidades de coordenação entenderam ser útil a assembleia escolher ou eleger a presidência, que podia presidir às reuniões em assembleia e às reuniões da direcção, sendo, possivelmente, um porta-voz chave para a entidade de coordenação. Isto ajuda a dar confiança aos membros numa posição-chave de liderança.

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Deveremos ter um secretariado? As entidades de coordenação podem, de facto, ser administradas de forma económica, se os seus membros fornecerem todos os recursos humanos necessários para que funcionem. Se forem geridas através de grupos de trabalho compostos pelos seus membros, coordenadas por um conselho directivo e se os dinamizadores daqueles grupos dinamizarem reuniões e conseguirem uma efectiva divisão de tarefas entre todos os membros do grupo, as entidades de coordenação podem quase não ter custos associados. Os membros têm que reconhecer, apesar de tudo, que a alternativa à procura de recursos financeiros é o investimento em recursos humanos. A maioria das pessoas entende que um secretariado é útil. Há um perigo aqui: é fácil que os membros da rede esperem que o secretariado faça todo o trabalho, dando origem a membros que se tornam inactivos e beneficiários passivos de serviços. Perde-se assim a energia que está por detrás de todas as entidades de coordenação bem sucedidas e os membros sentem que são apenas receptores de mais um serviço. No entanto, é importante que sejam elaborados “termos de referência”, que definam claramente as funções administrativas e facilitadoras do secretariado, clarificando, igualmente, aquelas que não lhe competem por serem da competência dos membros. Poderão ser também necessárias algumas considerações acerca da localização do secretariado. Nos primeiros tempos, um único membro poderá ser capaz de dar um valioso contributo ao oferecer o espaço para o escritório do secretariado, mas esta situação terá de ser considerada com cuidado, porque, enquanto essa oferta possa resolver a falta de recursos, a entidade de coordenação poderá começar a identificar-se em demasia com aquela organização e isso poderá prejudicar a sua reputação de imparcialidade. A identidade da entidade de coordenação tem de ser percepcionada como genuinamente colectiva, quer pelos seus membros quer por outros actores. Existem considerações semelhantes se um membro se oferecer para ser o secretariado, pelo menos numa fase inicial. Isto aconteceu na Sérvia. Dubravka Velat, da Federação de ONG da Sérvia, afirmou recentemente: «Deveríamos ter criado um secretariado desde o início. Da forma como fizemos, estando ligados à Civic Iniciatives por dez anos, teria sido melhor sermos independentes desde mais cedo.»

Como iremos mobilizar recursos na entidade de coordenação e porquê? Se os membros decidirem que precisam de um secretariado e definirem os seus termos de referência de forma apropriada, será necessário pensar, em seguida, na forma como se mobilizarão recursos. Há certos factores a considerar:

Os membros devem contribuir financeiramente? A existência de quotas é considerada, muitas vezes, como a derradeira prova do compromisso dos membros para com a entidade de coordenação - até certo ponto isto é verdade. No entanto, o tempo e os recursos humanos que os membros se comprometem a dar à entidade de coordenação é um indicador tão importante quanto a disponibilidade financeira. Para alguns, esta poderá ser a forma mais apropriada de demonstrar (e mobilizar) o seu compromisso. Contudo, muiTrabalhar em Rede | Um Guia para a Coordenação de Organizações da Sociedade Civil ACEP Associação para a Cooperação Entre os Povos e FONG-STP Federação das ONG em São Tomé e Príncipe

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tas das entidades de coordenação tem um sistema de quotas para os membros. As quotas podem aplicar-se geralmente em escala, com os membros maiores a pagar mais do que os mais pequenos - a contribuição destes será mais simbólica do que significativa. A escala de quotas, ou a disposição dos membros para concordar com elas, tem uma relação directa com a “proposta de adesão” - o que os membros podem esperar alcançar com a entidade de coordenação.

«Até 2010, as quotas de associação eram 2 a 3% do nosso orçamento; agora vão de 25 a 30%. Eu diria que até agora não temos dado aos membros os benefícios certos, de modo que tem sido difícil pedir-lhes dinheiro. Por isso, as quotas têm de depender da “proposta de adesão”, dos benefícios e dos resultados para os membros. É preciso justificar as quotas, por isso tivemos de lhes dar os benefícios que queriam e só depois pudemos pedir-lhes a renovação da inscrição com quotas superiores» — Oyebisi Babatunde Oluyesi, Rede Nigeriana de ONG

A entidade de coordenação deve considerar subvenções do governo? Várias entidades de coordenação optaram por recusar subvenções do governo, pelo facto de uma grande parte do seu trabalho consistir na representação do sector sem fins lucrativos, junto dos poderes públicos, nomeadamente através de acções de influência política ou de monitoria. É uma forma de assegurar a sua independência. Aquelas que recebem subvenções do governo têm normalmente a regra de não excederem uma determinada percentagem do seu orçamento, para que a existência da entidade de coordenação não seja inteiramente dependente do governo e para que possa garantir a sua própria subsistência mesmo que o governo tente influenciá-la, ameaçando interromper o financiamento.

Devem ser abordadas fundações ou financiadores multilaterais para apoiar a rede? Esta é uma opção real para muitas entidades de coordenação, mas que também deve ser abordada com cautela. Tal como acontece com as subvenções do governo, a dependência excessiva a um doador pode ser um problema e regras como a de garantir que qualquer fundação ou outro doador não financiará mais que uma determinada percentagem do orçamento da entidade de coordenação poderão ser úteis.

«Nós temos uma experiência de financiamento por parte de uma agência multilateral. Decidimos agora não obter dinheiro de fora - muita influência. Queremos ser livres, ter a nossa própria agenda. Também não queremos dinheiro do governo. Temos a nossa própria agenda sobre a criação de um ambiente propício para as ONG. Não podíamos ser vistos pelo governo como sendo financiados a partir de fora - nós tínhamos que poder dizer que éramos puramente paquistaneses» — Mohammad Ismail, Fórum ONG Paquistão

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A entidade de coordenação deve cobrar pelos seus serviços? Muitas entidades de coordenação cobram uma taxa para, por exemplo, participações em cursos de formação ou publicações. Isto é útil ao providenciar uma fonte de rendimento que é independente de influência externa, e não dependente de negociações em assembleia dos níveis das quotas de inscrição - que são notoriamente difíceis. No entanto, a entidade de coordenação deve ponderar bem esta medida, atendendo a que as taxas excluem dos serviços os membros mais necessitados e ter atenção ao definir este tipo de custos para garantir que tal não acontece. É possível ter taxas de formação subsidiadas para organizações muito pequenas, paralelamente a taxas que geram excedentes por parte de organizações maiores. A maioria das entidades de coordenação mobiliza recursos através da combinação destas quatro fontes. Os ambientes político e de financiamento a organizações sem fins lucrativos fazem com que hajam diferentes respostas adequadas para diferentes situações.

O que iremos fazer em conjunto enquanto entidade de coordenação? Na página 17 abordou-se o processo de determinar, em sentido amplo, para que serviria a entidade de coordenação. Ultrapassada esta etapa, é necessário um exercício mais detalhado, a intervalos regulares, para desenvolver estratégias e planos de trabalho. Para a maioria das entidades de coordenação, estas estratégias e programas incluem: uma combinação de programas de formação; um programa de diálogo com o governo acerca do enquadramento fiscal e de regulação para as organizações sem fins lucrativos (e, por vezes, sobre assuntos de política social) e um sistema de melhoria da qualidade ou auto-regulação para as organizações sem fins lucrativos, que lhes permita assegurar a transparência, a prestação de contas e legitimidade no seu trabalho e desenvolver relações adequadas e eficazes com os seus doadores e beneficiários.

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Documentos orientadores para uma entidade Com um determinado nível de resposta a todas as questões anteriores, é possível dar forma aos principais documentos necessários ao estabelecimento da entidade de coordenação. Sugere-se a seguinte estrutura: Questão fundamental Para que queremos uma entidade de coordenação? O que nos une?

Acordos fundamentais | Documentos Declaração de Estratégia Programa propósito de trabalho Descrição dos membros (“Quem somos”) Quem deve estar na entidade de Descrição dos memCategorias e Pedido de adesão coordenação? bros (“Quem somos”) critérios de e procedimentos de adesão decisão O que podem esperar os membros? Proposta de adesão Espera-se que os membros contribAcordo de membros uam com o quê? / carta de direitos e deveres Quais são os valores partilhados? Declaração de valores Quais são as normas de comportaAcordo de membros mento acordadas? / carta de direitos e deveres Como serão tomadas as decisões? Estrutura organizaConstituição Termos de cional e directiva referência para órgãos chave Estratégia Como iremos mobilizar recursos para Categorias de membros e quotas; Candi- de financiaa entidade de coordenação, daturas a financiamen- mento assegurando a apropriação e a independência? to; Discussões com o governo Como lidamos com a diferença? Categorias de assoEstratégia Planos de (tipos e dimensão dos membros; ciados; Estrutura de comunicação diferentes agendas) direcção Estratégia e planos Sobre o que queremos (e se querProposta de adesão Estratégia Programa emos) dialogar com o governo? de trabalho O que queremos aprender uns Proposta de adesão Estratégia Programa com os outros (ou o que queremos de trabalho aprender em conjunto com outros)? Regulação e auto-regulação são as- Proposta de adesão Estratégia Programa suntos para as organizações sem fins de trabalho lucrativos? Queremos que a entidade de Proposta de adesão Estratégia Programa coordenação canalize fundos de trabalho para os membros?

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Conclusão Esta brochura é um recurso pertinente para quem pretende criar uma entidade de coordenação. É uma leitura essencial, porém deve ser adaptado a cada contexto e não ser entendido de forma estrita. Concentra-se, ao invés disso, nos aspectos de gestão e de criação de uma entidade de coordenação que sejam focados no processo. Sugere um modelo que demonstre a interacção dos princípios fundamentais e dos elementos que afectam a eficácia da rede, descreve o modo como podem ser tratados na fase inicial e, por fim, usa este conhecimento como base para uma série de questões que os participantes na criação da rede terão que ser capazes de responder. O documento expõe as principais considerações que aqueles que pretendem criar uma entidade de coordenação devem ter em conta. É importante repetir que este guia não oferece respostas específicas; é vital que estas surjam das interacções dos potenciais membros da rede. Cada contexto é diferente, cada grupo de organizações tem uma dinâmica diferente e, principalmente, o sentido de apropriação cresce com o desenrolar do processo.

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