A Vitrine, teフ…nica Mista, 2013, 174 x 42 cm (na capa, detalhe)
Marinaldo: urbano-pop 1.
Colagens de azulejos de Belém bandeirolas de procissões desenhos nublados de figuras / cotidiano vivenciado nos desenhos nas telas nas montagens coroas recortadas de lata dourada prateada encimando assemblages sagrados corações ou corações de galinha palavras do dia-a-dia decorando os compartimentos de armários verticais / horizontais subdivididos em planos quadrados retangulares armários desenhados pintados montados em madeira rústica (“parti do armário meu pai trabalhava com madeira fazia as peças para a casa brincávamos de esconder” com o fascínio do “dentro do armário”). Daí ser a constante de Marinaldo o armário fechado ou com prateleiras com objetos a partir do material colhido na cidade na casa na rua nas festas no restaurante no bairro. Mas o desenho geométrico se impõe nos quadrados ou retângulos da superfície para o observador. Pinturas e compartimentos povoados com imagens de garças pedaços de madeira colorida pregos enfileirados martelados louças latas recortadas amassadas inscritas com datas pratos de ágata decorados objetos do mercado perfis de lata arames condutores retorcidos lembretes balões ou “splashes” de quadrinhos a figura ou o carro do Batman a constante dos pés triangulares dos armários montados ou pintados e a projeção dos apertos de cada dia / “Bangalô do agiota“ / “Pago hoje” / “Aparelho de fazer gato medidor de luz”. E de repente nada de gambiarras mas um construtivo como o foram o “Armário do bicho“ (1997) seco de invejável reducionismo cromático ou “Trouxudu“ (2004) engenho/montagem. A terceira dimensão emerge naturalmente em Marinaldo decoradas as secções de suas construções verticais ou horizontais pictóricas ou nas montagens com acréscimos apenas inscritos as datas insinuadas as figuras humanas nebulosas justapostas às decorações de cromatismo aplicado com liberdade total: retoma a constante do Círio o açaí elementos da paisagem visual de Belém enfim o Porto o Mercado colagem completada pelo desenho com a nostalgia da velha fotografia aposta o Pará com o sangue que se esvai pelo caudal dos rios em direção ao Brasil central. E de repente uma composição vertical fora de série : supremacia visual de LP’s e três cintas masculinas sobre superficie vasta e formalmente reducionista com enigmático rosto linearmente esboçado. 2. Afinal, Marinaldo Santos é um artista do Pará. Onde, em Belém, suas obras se vêem por toda parte. Autor de trabalhos que conheci em inícios dos anos 1990 quando num júri paraense. Daquele tempo, guardo um desenho... sempre um armário. Estudando em escola do SESI, aos 12 anos trabalhava em fábrica de castanhas, e depois, em tempos difíceis, numa serraria recolhendo o pó da madeira. Aos 15 já saiu de casa vivendo por sua conta, num certo período distribuindo a Folha do Norte, até começar a expor em coletivas no Pará a partir de 1983, assim como apresentando-se em individual pela primeira vez em Belém, na Galeria Elf, em 1985.
Um artista do Pará. Estado poderoso, que projeta de forma explícita um orgulho, vinculado sem dúvida à sua riqueza e vastidão territorial. Com contribuição cultural que há tempos não se limita mais apenas à presença dos projetos grandiosos do arquiteto Antonio José Landi, nem à herança de Emílio Goeldi. Mas que lembra a ação do arquiteto Paulo Chaves. E hoje nem repousa mais apenas na tradição fotográfica (Luiz Braga, e que o digam com mais precisão Marisa Mokarzel e Rosely Nakagawa), ou em sua gastronomia reconhecida. Mas que nas artes visuais há muito chama nossa atenção seja com as obras de inspiração indígena na cerâmica de Ruy Meira, como no trabalho de Osmar Pinheiro e Sarubbi. Mas de maneira incisiva com a arte de Emanuel Nassar, a resgatar, ao lado de Luiz Braga, a luz, a cor e a visualidade do magnetismo dos subúrbios e de uma cidade como Belém. Captadas também nas montagens de Emanuel Franco com pinturas populares dos ribeirinhos. E mais recentemente, na vivência, em Marabá, por Marcone Moreira, em variações a partir de embarcações de rio, com partes seccionadas, isoladas e recompostas livremente em apreensão da memória de uma realidade. 3. Há muito já não acreditamos na falácia da universalidade da arte. A arte de qualquer lugar somente é decodificável a quem possui uma iniciação a ela. Ou uma cultura comum, enfim. Se raro é o europeu ou norte-americano ou qualquer estrangeiro que se sensibiliza com a arte de nosso país cujos desdobramentos nós, sim, conhecemos através de seu desenvolvimento, seria falso igualmente pretender que se conhece a arte chinesa, japonesa ou coreana apenas por percorrer museus desses países. Podemos ficar impressionados com a técnica ou o virtuo sismo de seus autores, sem dúvida. Porém apreender, avaliar de forma cabal seu sentido, sem conhecer a cultura, a filosofia de vida, a história, seria pretensão muito audaciosa. Assim como desejar poder definir com precisão o limite entre o popular e o contemporâneo... A arte do “outro” ou tem a conotação de fantástica, ou é exótica, se não se dilui no global. 4. Imagine-se então quando nos aproximamos do universo do popular. Nem todo brasileiro que vive nas grandes cidades de nosso país se sente tocado, ou é sensível ao dado popular. Seja do Brasil, seja do México, da Guatemala, do Peru, ou de qualquer outro país dono de riqueza como a que possuímos no Ceará, Pará, Mato Grosso, Goiás ou no interior de Minas, dos sertões do Nordeste, e mesmo da imaginária do interior de São Paulo. No entanto, é exercício de pura educação visual ocorrer a sensibilização do olhar para o universo maravilhoso desta arte tão próxima de nós. Marinaldo Santos nos oferece agora com sua arte urbano-pop a oportunidade de podermos apreciar a criatividade que sai de seus olhos e de suas mãos, atentos ao cotidiano e aos sabores de sua cidade, seu tempo e sua circunstância. Olhos que buscam em seu entorno os materiais, as palavras, as cores que resgata, recorta, reúne e constrói com áspera serenidade. E que projeta em nova imagem para nosso encantamento. Aracy Amaral
página ao lado: Homem do Cinto, Acrílica sobre Tela, 2010, 155 x 52,5 cm
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Ela Tá Só, Técnica Mista, 2015, 40 x 30 x 9 cm página ao lado: Armário de fazer chuva, Técnica Mista, 2015, 223 x 25 x 7 cm
Marinaldo: urban pop 1. Belém tile collages procession banners nebulous figures / daily life rendered in drawings canvases and arrangements, gold-plated or silver tin cut-out crowns topping assemblages sacred hearts or chicken hearts everyday words decorating compartments of vertical / horizontal cabinets subdivided into rectangular square planes drawn and painted closets made from rustic wood (“I started out with cabinetry my Dad was a woodworker he made pieces for our home we played games of hide-and-seek with the allure of being in a closet”). Hence the frequent attendance of closed cabinets or shelved closets with objects made from material collected in the city at home on the street at parties at the neighborhood restaurant. However geometric designs in squares or rectangles stand out from the surface before the viewer. Paintings and compartments populated with images of herons pieces of colored wood lined-up hammered nails crockery crushed cut-out cans inscribed with dates decorated agate plates market objects tin rods twisted wire conductors memos comics balloons or splashes Batman’s figure or car Batman the ubiquitous triangular feet of mounted or painted cabinets and the projection of daily predicaments “Bangalô do agiota“ [Loan shark’s bungalow] (2010) / “Pago hoje” [I’ll pay today] (2010) / “Aparelho de fazer gato medidor de luz”[Apparatus for illegal power tapping] (2010). Suddenly no more makeshifts but constructive pieces such as “Armário do bicho” [Animal’s cabinet] (1997) stripped by enviable color reductionism or “Trouxudu” (2004) device / arrangement. The third dimension emerges naturally in Marinaldo’s decorated sections of vertical or horizontal pictorial constructions or arrangements with add-on inscriptions only hinted dates blurred human figures juxtaposed to liberally-applied color decorations: he revisits the traditional Círio procession the açaí and views of Belém its port and its marketplace a collage rounded out by drawing with the nostalgic tone of old photographs wagers the state of Pará with blood flowing down copious rivers towards central Brazil. And suddenly a unique vertical composition: visual supremacy of LP records and three men’s belts on a vast and formally reductionist surface with linearly sketched enigmatic face. 2. After all, Marinaldo Santos is an artist from the state of Pará where, in Belém, his works are seen everywhere. He is the author of works that I came to know in the early 1990s when integrating a Pará jury. I have one of his drawings from those days... always a closet. At age 12, while attending school at SESI he worked in a Brazil nut processing plant and later, during times of hardship, in a sawmill collecting timber dust. At age15, he left home to live on his own. For a while he worked as paperboy for “Folha do Norte” daily, until 1983 when his work was presented in group exhibitions in Pará. In 1985, a first solo exhibition of Marinaldo’s art production was held in Belém, at Galeria Elf. He is an artist from Pará. This mighty state explicitly boasts its pride undoubtedly related to its wealth and territorial expanse. For a while, its cultural contribution has not been
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limited to the grandiose projects by architect José Antonio Landi or to Emilio Goeldi’s legacy. This contribution brings to mind the achievements of architect Paulo Chaves. Today it no longer involves only photographic tradition (Luiz Braga and others more accurately indicated by Marisa Mokarzel and Rosely Nakagawa) or its celebrated regional cuisine. In the visual arts, the pottery of indigenous inspiration by Ruy Meira and the work of Osmar Pinheiro and Sarubbi are also noteworthy. Yet even more incisive is the art production of Emanuel Nassar who recovers, along with Luiz Braga, the light, the color and the visual magnetism of working-class neighborhoods and a city like Belém. These elements are also captured in Emanuel Franco’s arrangements of naïf paintings done by low-income riverside artists. A more recent contribution comes from Marcone Moreira’s lived experience in Marabá: variations developed from sawed-off parts of river vessels, isolated and freely recombined to apprehend of memory of a reality. 3. For a while we have stopped believing in the fallacy of art’s universality. Art created anywhere can only be decoded by those who are somewhat familiar with it. Or by those who share a same culture. Rarely do we meet Europeans, North Americans or other foreigners who are touched by the art of our country – an art whose advancements we Brazilians have come to learn while accompanying its development. Likewise, no one can claim to have become familiar with Chinese art, Japanese art or Korean art after merely visiting museums in their respective countries. An artist’s technical skills or virtuoso talent may impress gallery visitors, no doubt. However, these visitors cannot apprehend the works on display and fully appreciate their meaning without knowing the culture, philosophy of life and history of that people. Any claim in this respect would be a very bold pretension. The same applies to the desire to define precise boundaries between popular and contemporary... The art of the Other either has a fantastic connotation or is exotic – otherwise, it will be diluted in nowadays globalised art production. 4. Let us imagine, then, the situation as we turn to look at the popular realm. Not every individual living in large cities in Brazil is touched by, or sensitive to, popular art output. In their view, this output could be from Brazil or Mexico, Guatemala, Peru, or any other country with similar wealth to that which we have in the states of Ceará, Pará, Mato Grosso, Goiás or Minas Gerais, the backlands of the Northeast, and even from the imaginary of the São Paulo countryside. However, training the sensitivity of the gaze on the wonderful world of this art, so close to us, is an exercise of pure visual education. With his urban-pop art, Marinaldo Santos now offers viewers an opportunity to appreciate the creativity conveyed through his eyes and his hands, which remain aware of the everyday life and the flavors of his city, his time and his circumstance. They are eyes that scrutinize the surroundings for materials, words and colors that he recovers, cuts, brings together and builds with rough serenity. And then presents as a new image for the viewer’s enchantment. Aracy Amaral
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Santo do Pau Oco, Técnica Mista, 2014, 24 x 18 x 4.5 cm Armário de Escama, Técnica Mista, 2015, 111 x 24 x 7.5 cm página ao lado: Índio, Técnica Mista, 2015, 76 x 20 x 5.5 cm A marca é tudo, Técnica Mista, 2015, 78 x 20 x 17 cm
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Litrão, Técnica Mista, 2015, 53,5 x 159 cm Casa do Guamá, Técnica Mista, 2015, 36 x 30 x 9 cm página ao lado: O Armário do Belisca Lua, Técnica Mista, 2015, 222 x 31 x 7,5 cm (com ampliação de detalhe, À ESQUERDA)
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Caixa Prego, Teフ…nica Mista, 2014, 140 x 36 x16 cm (com detalhe ampliado na pテ。gina ao lado) Nem Sai, Nem Entra, Teフ…nica Mista, 2010, 140 x 32 x 18 cm
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Calendário, Pintura Mista, 2014, 168 x 42 cm Cria da Casa, Técnica Mista, 2015, 40 x 30 x 9 cm página ao lado: Memórias, Técnica Mista, 2015, 27 x 18 x 4,5 cm
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Linha do Equador, Acrílica sobre Tela, 2007, 127 x 49 cm PF, Técnica Mista, 2015, 24 x 20 x 5,5 cm página ao lado: Torre 3, Técnica Mista, 35 x 25 cm Torre 2, Técnica Mista, 2015, 23,5 x 13 x 3 cm Torre 1, Técnica Mista, 2015, 22 x 15 x 3 cm Armário, Técnica Mista, 2015, 15 x 30 cm
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Ela, Técnica Mista, 2012, 32,5 x 50 CM O Batman Espera, 2010, Técnica Mista, 32,5 x 50 CM página ao lado: Armário de Todos Nós, Acrílica sobre Tela, 2015, 157 x 137,5 cm
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Falta Ela, Acrílica sobre Tela, 2015, 91 x 51 cm página ao lado: Rosa Pro Bicho, Acrílica sobre Tela, 2014, 122 x 71 cm
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Açai Grosso, Técnica Mista, 2015, 40 x 30 cm Banho Chama $, Técnica Mista, 2015, 40 x 30 cm página ao lado: Pingado, Técnica Mista, 2015, 42 x 30 cm Chama, Técnica Mista, 2015, 40 x 30 cm
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Coisas da Terra, Acrílica sobre tela, 2015, 147 x 70 cm página ao lado: Elementos Futuristas, Técnica Mista, 2008, 135 x 105 cm
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Marinaldo Santos Belém, Pará, 1961. Vive e trabalha em Belém.
Exposições individuais 1985 Santos e bichos, Galeria ELF, Belém, PA 1987 Diário de Marinaldo Santos, Galeria 115, Belém, PA 1990 Elétrica Mundo, Galeria Rômulo Maiorana, Belém, PA 1997 Aparelhos de Chuva, Galeria ELF, Belém, PA 2000 Brasil Outros Quinhentos, Galeria Imaginário, Belém, PA 2001 Pele, Galeria Fidanza, Belém, PA 2014 Conserta-se, Galeria Urban Art, Belém, PA 2015 Urbano Pop, Galeria Berenice Arvani, São Paulo, SP
Principais exposições coletivas 1983 Artistas Paraenses, Museu da UFPA, Belém, PA 1987 Coletiva de Artistas Paraenses, Roterdã, Holanda 1992 Coletiva de Artistas Paraenses, Maine, Estados Unidos 1994 Coletiva de Artistas Paraenses, Exposição Itinerante, Frankfurt, Munique, Alemanha 2012 Roupa de Domingo, Galeria Edna Pontes, São Paulo, SP
PREMIAÇÕES 1982 Prêmio Aquisição, Salão Arte Pará, Fundação Rômulo Maiorana, Belém, PA. 1986 Prêmio Aquisição, Salão Arte Pará, Fundação Rômulo Maiorana, Belém, PA 1989 Grande Prêmio, Objetos e Desenhos, Salão Arte Pará, Fundação Rômulo Maiorana, Belém, PA 1995 Grande Prêmio, “Aparelhos de Fazer Gato de Luz”, Salão Arte Pará, Fundação Rômulo Maiorana, Belém, PA 1999 Grande Prêmio, “Objetos Varas”, Salão Arte Pará Fundação Rômulo Maiorana, Belém, PA 2001 Prêmio Aquisição, Salão Pequenos Formatos, Galeria Graça Landeira Unama, Belém, PA 2004 Prêmio Graça Landeira, Salão Pequenos Formatos, Galeria Graça Landeira Unama, Belém, PA
PRINCIPAIS SALÕES DE ARTE 1982 Salão Arte Pará, Artista Convidado Fundação Rômulo Maiorana, Belém, PA 1984 Salão Nacional, Belo Horizonte, Minas Gerais 1985 Salão Paranaense, Curitiba, PR 1996 III Salão MAM, Salvador, BA 1997 IV Salão MAM, Salvador, BA 1998 V Salão MAM, Salvador, BA 2001 Salão Flamboyant, Goiânia, GO 2003 Salão Flamboyant, Goiânia, GO
A Bicicleta Pro Duchamp, AcriĚ lica sobre tela, 2013, 75 x 138 cm
marinaldo SANTOS: Urbano pop exposição 31 de março a 30 de abril 2015
Coordenação geral • Berenice Arvani Assistentes de Coordenação • Leonardo Guedes e Jorge Albuquerque curadoria e texto • Aracy Amaral tradução • Izabel Murat Burbridge Assessoria de Imprensa • Décio Di Giorgi Projeto gráfico • gilberto tomé / Fonte Design Fotografia das obras • Sergio guerini Impressão • PRINTCROM
Agradecimentos Edna Pontes, Marisa Mokarzel, Roberta Maiorana, Rose Maiorana, Aurelio Meira ao apoio especial de Paulo Portella Filho
Rua Oscar Freire 540 • cep 01426 000 São Paulo SP tels 55 11 3082 1927 • 3088 2843 galeria@galeriaberenicearvani.com www.galeriaberenicearvani.com