Ceará Bar

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Mauro Arruda e Lígia Sancio

CEARÁ

BAR Peixe, pastel e

administração no cardápio 1ª Edição

Oficina de Letras Editora Vitória - ES 2008

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Mauro Arruda Villas Bôas Filho - mauroarruda.villasboas@gmail.com Lígia Sancio - ligiasancio@yahoo.com.br Produção: ESTÚDIO F. (27) 3228-6066 / 8818-4966 - estudio@forjador.com.br Design gráfico e diagramação: Maurílio de Queiroz Ilustrações: Jhonata Teles de Souza e Hilquias Paiva Scárdua Revisão de texto: Marisa Amaral

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Arruda, Mauro; Sancio, Lígia Ceará Bar: peixe, pastel e administração no cardápio / Mauro Arruda; Lígia Sancio. Vitória, ES: Oficina de Letras, 2008. (Coleção Facilitando; n. 4). 98 p. : il. – (Coleção Facilitando; n. 4). 1. Administração – ensino 2. Educação – aprendizagem I. Título II. Série CDD 658

Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa dos autores e do editor. OFICINA DE LETRAS Editora. Rua Alberto Torres, 933 - Jucutuquara 29040-700 - Vitória - ES Tel.: (27) 3222-6955 E-mail: oficina@deletras.com.br Impresso no Brasil - Maio de 2008

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Sumário Sumário..........................................5 Apresentação ..................................7 Introdução.................................25 No meio da fuzarca........................33 Como é o Lourival Nepomuceno Filho...........................41 O truque do pastel........................49 Ceará novo na sede antiga............55 Os louros de Lourival.....................63 Cada ser um universo....................67 O controle do futuro.......................79 Atenção e presença........................89

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Apresentação A ciência se constrói não pela prudência dos que marcham, mas pela ousadia dos que sonham. Todo conhecimento começa com um sonho. O conhecimento nada mais é que a aventura pelo mar desconhecido, em busca da terra sonhada. Rubem Alves.

Educação e administração, enquanto atividades humanas, são velhas companheiras nesta viagem que os homens empreendem ao longo do tempo. Ponce (1982) nos aponta indícios da existência de atividades educacional-pedagógicas e administrativo-organizacionais no seio das tribos primitivas. As primeiras eram de responsabilidade de toda a comunidade, enquanto as segundas ficavam centradas sob a figura de um “administrador-organizador”, que começa a entrar em cena após o homem ter conseguido produzir algum tipo de excesso de mercadorias destinadas à sua sobrevivência. Com o tempo, os conhecimentos produzidos pelas atividades educacionais e administrativas foram sendo sistematizados e gerando as teorias correspondentes, fornecendo o suporte necessário ao aparecimento de disciplinas específicas na área de administração e educacional-pedagógica. Ambas começam a 7


ser reconhecidas como científicas, ou seja, passam a ser vistas como conhecimento produzido proveniente de estudos e pesquisas reconhecidas pela comunidade de cientistas, a partir do século XIX. Tanto os conhecimentos de administração são utilizados por aqueles que têm sob sua responsabilidade a gestão de algum tipo de recurso material ou humano, assim como os conhecimentos desenvolvidos pelos estudiosos em educação vão ser empregados por aqueles que exercem atividades na área de ensino-aprendizagem. O diretor de uma escola busca ajuda das teorias administrativas para gerir bem sua instituição, assim como um professor de administração faz a mesma coisa frente aos problemas de ensino-aprendizagem que enfrenta no seu dia-a-dia dentro da sua profissão. Neste caso, como professor de administração, vou procurar explicar aos leitores, com base na história de um tradicional bar e da minha prática em sala de aula, como fui me aproximando, mesmo sem uma formação na área de pedagogia, de algumas teorias educacionais que nos ajudam a refletir sobre as possibilidades de utilização de uma narrativa, ao propor este tipo de linguagem como uma alternativa educativa e bem atual no campo de ensino de administração empresarial.

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A prática se encontra com a teoria De modo geral, todo professor sempre está a imaginar como proceder na condução de sua turma de estudantes, procurando aumentar as chances de melhorar a relação ensino-aprendizagem de sua disciplina. Caso tenha uma formação especializada em pedagogia, recorrerá ao que aprendeu e procurará aplicar o que julgar, entre seus saberes, os mais convenientes. No nosso caso, como não tenho tal formação, procurei desenvolver algumas atividades pedagógicas mais na base da intuição e do senso comum, além de algumas leituras eventuais no campo educacional. Com o tempo, fomos avaliando seus resultados e percebendo os erros e acertos. Plagiando as palavras do nosso Ceará, confesso que, assim como ele, fui “aprendendo com meus erros”. A partir da minha dissertação de mestrado (VILLAS BOAS Fo. 2001), quando optei por estudar o papel do currículo no curso de administração de empresas, fui me aproximando de algumas teorias educacionais, pois o currículo é um tema que pertence a esta área do saber. Além disto, durante a realização 9


deste trabalho, tive a oportunidade de entrevistar professores e alunos do curso de administração de empresas, sentindo, em algumas falas, as várias dificuldades que eles encontram nas relações de aprendizagem no ambiente escolar. Entre outras, chamaram-me a atenção as críticas quanto aos textos adotados pelas escolas de administração, especialmente aqueles que tratam das teorias introdutórias nas várias áreas da administração. Vejam as falas de alguns egressos do curso de administração onde a pesquisa foi realizada: “Então você vê aqueles TGAs, você vai lendo sobre as escolas de administração, vai lendo aquilo ali, vai achando que é uma coisa pronta, acabada. Na verdade, não é nada disso”, ou ainda: “Aquelas teorias que a gente lê, aquelas coisas de Fayol não sei o quê, eu tive tudo na aula. Mas não tenho noção do que se trata [...]. Eu não tinha saco para assistir àquilo ali. Então, eles cobravam um monte de teorias pesadas, sem eu saber do que se tratava. Não fazia sentido para mim, nenhum”. (p.106). Tal constatação, aliada à prática de sala de aula, animou-nos a prestar maior atenção nos textos tradicionais utilizados nos cursos de administração, com ênfase naqueles utilizados pela disciplina Teoria Geral da Administração e Introdução à Admi-

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nistração, esta última geralmente inserida nas grades curriculares dos cursos que procuram oferecer algum tipo de conhecimento administrativo aos seus alunos em outras áreas do saber. Fui responsável por esta disciplina nos cursos de Fisioterapia, Enfermagem e Gastronomia. Após algum tempo refletindo sobre estes textos utilizados nas disciplinas mencionadas, compartilhando as mesmas dificuldades com outros professores, vi que, apesar das concordâncias, as discussões estacionavam quando a conversa caminhava sobre alternativas viáveis de leitura especializada que pudessem substituir as de uso corrente. Geralmente as conclusões enveredavam para o surrado ditado popular: “ruim com ele, pior sem ele”. As saídas que se apresentavam não eram muitas. Ao fazer a leitura de Pedro Demo (1997), chamou minha atenção uma observação que este autor fez sobre a necessidade de o professor se preparar para produzir o seu próprio material didático, prática pouco verificada no cotidiano escolar. Isto não significa, de forma alguma, a dispensa da leitura de outros textos de outros autores. Ao contrário, valoriza-as. De fato, enquanto professores universitários escrevemos monografias, dissertações, teses, artigos para congressos, etc., ou seja, escrevemos para a comunidade científica e, dificilmente, fazemos 11


a mesma coisa para nossos alunos. De forma geral, neste caso, repassamos os conhecimentos redigidos por textos de terceiros, utilizando, na maioria das vezes, um livro texto e artigos de revistas especializadas. É uma educação bem ao estilo “livresca”. Frente ao impasse e a partir desta observação fui procurando, na medida do possível, escrever alguns textos voltados para meus alunos, tentando criar condições mais estimulantes nas relações de ensino-aprendizagem. Com a iniciativa percebi que, em se tratando, principalmente, de assuntos introdutórios, as discussões se tornavam muito mais produtivas e significantes, pois o projeto e o desenho do texto sob nossa responsabilidade nos ofereciam muito mais chances de destacar os pontos de maior interesse para as discussões com os alunos, além de facilitar a contextualização destes assuntos. Quanto a leituras de textos de terceiros, uma das estratégias que foram sendo utilizadas, especialmente na disciplina Teoria Geral da Administração, foi procurar iniciar este processo indicando aos alunos a leitura de Raymundo (2006), um pequeno livro sobre administração da coleção Primeiros Passos. A partir desta leitura, outras obras mais tradicionais eram indicadas.

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Um ponto importante que deve ser mencionado, por ter-se mostrado uma estratégia que deu bons resultados, tratandose da disciplina Introdução à Administração como parte do currículo de vários cursos, como Fisioterapia, Gastronomia, Enfermagem, dentre outros, foi combinar trabalhos práticos e teóricos dentro do campo específico destes profissionais. Assim, por exemplo, aos alunos de Gastronomia solicitou-se que organizassem um evento real, no qual deveriam promover um jantar para quem se dispusesse a participar comprando um convite. Após esta fase preliminar, desenvolvia-se o programa estabelecido pela disciplina, ou seja, tinham que planejar, organizar, executar e controlar todas as atividades administrativas e operacionais, desde a pesquisa do que iriam servir na oportunidade, passando pelo orçamento de despesas, cálculo do preço de venda de cada convite, decoração do salão, processamento dos alimentos aos convidados a serem servidos. Este tipo de aprendizagem, que pode ser adaptada à natureza de outros cursos, foi possível graças ao tipo de material que foi preparado com tal finalidade, que oferece muito mais chance ao aluno de praticar os conteúdos curriculares. Continuando o processo de leitura de outros autores da área de educação, comecei a ver algumas pistas que muito me aju13


daram na busca de algumas das respostas que precisava para poder prosseguir nesta caminhada. Espelhando-me no exemplo de Rubem Alves, ao comentar sua decisão de escrever a partir de um determinado momento especial de sua vida para que seus leitores pudessem entender com clareza seus textos, aprendi a importância da palavra e das metáforas no despertar do imaginário do leitor. Para isso acontecer, ele foi deixando um pouco de lado a linguagem mais formal, acadêmica, passando a escrever de modo a conquistar a atenção do leitor, conseguindo trabalhar seu lado emocional, sua imaginação. Ele “proseia” com seus leitores. É como se o leitor, mesmo sabendo não ser, ele próprio, um grande nadador, entregasse-se, sem receios, nas mãos de um barqueiro que lhe inspira absoluta confiança na hora da travessia, sabendo, de antemão, que vai chegar à outra margem do rio sem maiores problemas. Sente-se seguro. O barco pode até balançar um pouco mais ao longo do percurso, mas ele tem certeza do êxito de sua caminhada. Além disto, durante esta travessia, ele vai aprendendo com o barqueiro a importância de não carregar muito peso em seu barco. Sentindo-se mais leve, a viagem torna-se muito mais prazerosa. Caso contrário, poderá ir perdendo o gosto pela travessia e até chegar, em muitos casos, a desistir do empreendimento. O nú14


mero crescente de alunos que desistem de seus cursos ao longo dos anos é um indício que foi considerado nesta reflexão. A partir desta leitura, contando ainda com a ajuda de Rodari (1982), em sua Gramática da Fantasia, fui direcionando alguns dos meus textos, não só procurando trabalhar clareza e leveza, como também estimular a imaginação dos leitores, pois “a imaginação tornou-se o caminho possível não apenas para atingir o real, como também vislumbrar as coisas que possam vir a tornarse realidade” (LAPLANTINE E TRINDADE, 2003, p. 7). Ainda empenhado em perseguir a empreitada, faltava algo que já vinha tentando há muito tempo: conseguir a adesão por parte de uma organização representativa de nosso meio empresarial, para que pudéssemos contar sua trajetória histórica, falar de suas estratégias, fases de crescimento, estrutura, enfim, pudéssemos contar tudo isto partindo de uma narrativa, procurando sair um pouco dos estereótipos criados pela própria cultura escolar, ao privilegiar as formas discursivas herméticas como “quase exclusivas” a serem utilizadas, como material didático, nas relações de aprendizagem entre alunos e professores. O Ceará Bar foi esta porta de abertura para levarmos o projeto em frente. Junto a esta boa nova, precisava de uma pessoa disposta a enfrentar a empreitada de escrever um texto narrativo e estimulante para 15


cumprir um de nossos objetivos. Foi aí que apareceu a Lígia. Leiga em teoria da administração, propôs-se a ler sobre o assunto e com determinação enfrentou o desafio de redigir este trabalho, compartilhando com todos nós seu texto envolvente e criativo. Finalmente, ao ler Ghiraldelli Jr. (2002), em sua Filosofia da Educação, um livro com poucas páginas, pude começar a compreender a importância do uso das narrativas no atual contexto educacional. Percebi como outros saberes humanos situados no mesmo patamar estão sendo influenciados por várias circunstâncias, próprias de uma época considerada de transição “entre o paradigma da ciência moderna e um novo paradigma, de cuja emergência se vão acumulando os sinais, que, à falta de melhor designação, chamo ciência “pós-moderna” (Santos, 1989, p.11). Um desses “sinais”, segundo Ghiraldelli Jr. (2002, p. 58) é o surgimento de novos preceitos dentro do universo educacional, “que parecem querer vingar como a postura de uma nova geração de professores – professores mais comprometidos com a fertilização da imaginação do que com o conformismo dos saberes já instituídos” É dentro deste cenário que iremos fazer alguns comentários de como poderemos nos beneficiar de todas as observações contidas neste texto sobre o Ceará Bar para a aprendizagem da disciplina de Administração Geral. 16


Ceará Bar

peixe, pastel e administração no cardápio como “prato de entrada” para a aprendizagem da disciplina de Administração Geral. Antes de navegarmos nas águas da história recente do Ceará Bar, é importante esclarecer que não estamos considerando que o texto em forma de uma narrativa, tal qual o que estamos tratando, seja superior ao texto dissertativo. Estamos defendendo que, dependendo das contingências, uma narrativa é mais eficaz, frente a uma situação de aprendizagem, caso seja comparada com a forma dissertativa. Neste sentido, no caso de uma disciplina introdutória, nossa visão é de que é um momento de aprendizagem no qual a narrativa pode ter um papel importante. Em primeiro lugar, porque as narrativas são próprias do homem e não dá para tocar em qualquer assunto sem se envolver a história. Qual de nós não se lembra das várias histórias que vamos ouvindo desde muito pequenos sobre nossos heróis, nossa família, nossa terra e por aí em diante? Mesmo sem o perceber, ela é forma textual predominante nos diálogos humanos, seja nas famílias, no trabalho e na escola, inclusive. 17


Já imaginaram um professor dar uma aula somente utilizando-se da linguagem textual dissertativa? É impossível imaginar! Feitos estes esclarecimentos iniciais e voltando-nos ao texto do Ceará Bar, verificaremos que um dos primeiros benefícios que a narrativa nos oferece é poder nomear personagens, neste caso, reais, que dão vida à nossa história. Ao ligar os personagens com as caricaturas, além das fotos ilustrativas, o leitor vai poder se identificar melhor com estas pessoas e com suas falas narradas textualmente. Este fato deve estimular a curiosidade do leitor em prosseguir a leitura, além de trabalhar seu imaginário com muito mais intensidade, comparando-se com uma leitura de um texto tradicional, geralmente utilizado nas aulas de administração. Este último, pelas suas próprias características construtivas, não são apropriados para estimular a imaginação do leitor. E, sem dúvida, esta é uma das características que ajudam a aumentar o interesse do leitor pela aprendizagem. A partir desta tomada de conhecimento da história como um todo, após as discussões de praxe, a explicação do significado e o estudo de cultura organizacional ficarão muito mais agradáveis para ser transmitidos pelo professor e entendidos pelo aluno. Neste momento, caso este tópico sobre cultura faça parte do programa da disciplina, o professor poderá lançar mão do 18


livro texto e de outros meios didáticos apropriados para aprofundar este conhecimento específico. É bom esclarecer que, necessariamente, o professor não precisa dar início ao seu programa falando sobre o tema cultura. Poderá começar falando sobre o significado do que seja administrar ou mesmo o que faz um administrador, entre outros assuntos. Da mesma forma, após a leitura do texto principal, poderá promover uma discussão sobre como os alunos vêem o trabalho desenvolvido pelo Ceará neste papel. A discussão pode envolver, além das atividades tradicionais de um profissional nesta área, o despertar para o fato de o nosso protagonista não ter estudado formalmente esta disciplina. É uma boa oportunidade para discutir, por exemplo, o que um “administrador prático” pode ganhar juntando-se a um profissional com formação teórica. Com muita certeza esta discussão “dará muitos panos para a manga”. Quando o professor for falar sobre as teorias administrativas que vêm sendo desenvolvidas ao longo dos anos, após discutir algumas das principais, como o taylorismo e o fordismo pode pedir aos alunos para identificarem no texto narrativo onde eles perceberam a utilização dos traços destas teorias e quais suas implicações para o dia a dia nas relações de trabalho dentro das organizações. 19


A partir deste “prato de entrada”, procurando dar significado para tais teorias, facilitar-se-á a compreensão dos alunos quando estiverem frente aos textos elaborados pelos livros especializados em teorias administrativas. Em nosso caso específico, um bom indício para esta discussão começar seria solicitar aos alunos irem ao Ceará Bar ou em outro estabelecimento qualquer e pedir que eles identifiquem tarefas e processos reveladores destas teorias. Criar outras formas de aprendizagem ajuda a estimular não só a imaginação como também a criatividade de todos os participantes do objeto estudado, seja aluno ou professor, além de criar as condições para que aprendam a buscar informações, prática pouco usual em nossas escolas. Geralmente, enquanto aprendizes, recebemos quase tudo pronto em nossas mãos. Sem dúvida, é uma prática que precisa ser repensada nas escolas. Da mesma forma, o texto oferece “pistas” para que o professor de administração fale sobre vários outros pontos teóricos que constam de um programa de administração introdutória, estimulando o aprendizado de forma mais dinâmica graças à leitura de um texto desta natureza. Assim, o condutor da turma poderá abordar a questão da estrutura organizacional, as principais funções do administrador, 20


valorizando o estudo das teorias de Fayol, por exemplo. O texto aborda estas questões de forma “velada”. Os alunos poderão ser estimulados a procurarem estes indícios durante a sua leitura. Caminhando um pouco adiante, caso o professor queira discutir a questão do papel de uma estratégia, o exemplo do Ceará oferece um material muito rico. Através de sua leitura, podemos sentir o “olhar de estrategista” dos fundadores do bar. Ao definirem a “sardinha frita” como prato único de seu cardápio inicial, mesmo sem conhecer, naquela época, uma organização em grande ascensão como a rede de lanchonetes McDonald´s, adotaram a mesma estratégia e conseguiram o sucesso reconhecido. O casal Ceará (pai) e Oswaldina, de certa forma, em seu minúsculo bar, teve o mesmo pensamento dos irmãos McDonald´s, há milhares de quilômetros de distância, ao “desenhar” uma linha de produtos bem reduzida em que o importante era oferecer um produto feito na hora e em frente ao cliente. A diferença é que o casal não estava muito preocupado, diferentemente daquela cadeia mundial, em atender seus clientes com a máxima rapidez, nem de industrializar ao máximo sua forma de produção. No Ceará Bar, além de o processo ser artesanal, os clientes estavam ali não só para se alimentarem, mas para “papearem” com seus amigos. Pressa, nessa hora, não tinha

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muito a ver com o cenário. Uma discussão sobre tecnologia e administração, por exemplo, pode ser explorada com muito êxito em um estudo em sala de aula. Este assunto da estratégia pode ser retomado, alimentando uma nova discussão, caso se remeta ao texto e os alunos possam ver o que mudou a partir da entrada do Ceará Filho no negócio. Poderão perceber que, apesar de a estratégia de uma linha enxuta continuar, a questão da rapidez do atendimento foi levada em consideração neste novo cenário sem, entretanto, deixar de conservar, em seu espaço, as características de um “boteco” aonde as pessoas vão “papear”. E como tudo isto foi fundamental para o crescimento de seu negócio. Aí, sim, poderão adentrar na importância da cultura empresarial adquirida pelo Ceará em sua trajetória profissional, na área da informática e como exproprietário de um self-service onde o atendimento rápido era fundamental para a sobrevivência de seu pequeno negócio. Nossa sugestão é que este texto, além de fazer o papel de “entrée”, um estimulante para o “prato principal”, deve sempre permanecer presente nas discussões em sala de aula, servindo como um “fio condutor”, do qual alunos e professores possam lançar mão em todas as oportunidades em que precisem adentrar em “águas mais profundas”, fazendo o papel de “ca-

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talisador” entre os saberes narrativos aqui expostos e as outras linguagens comumente utilizadas dentro da academia, complementando os saberes e estimulando a imaginação e a criatividade, tão importantes em um mundo que, a cada dia que passa, exige-nos novas posturas educacional-pedagógicas. Por fim, comunicamos aos nossos leitores, alunos e professores que esta série terá continuidade com a redação de outros textos, com títulos voltados para facilitar a aprendizagem e o ensino das disciplinas administrativas, tendo exemplos retirados do Ceará Bar como nosso fio condutor. Entre os assuntos que iremos tratar estão listados Administração da Produção, Atendimento ao Cliente, Sistema de Informações, Receitas Culinárias, entre outros. Boa leitura! Mauro Arruda

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Referências DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. 2ed. Campinas: Autores Associados, 1997. GHIRALDELI JR., Paulo. Filsofia da educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. LAPLATINE, François; TRINDADE, Liana. O que é imaginário. São Paulo: Brasiliense, 2003. – (Coleção primeiros passos ; 309) PONCE, Aníbal. Educação e luta de classes. 3.ed. São Paulo: Cortez, 1982. RAYMUNDO, Paulo Roberto. O que é administração. São Paulo: Brasiliense, 2006. (Coleção Primeiros Passos; 260) RODARI, Gianni. Gramática da Fantasia. São Paulo: Summus, 1982. SANTOS, Boaventura de Souza. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989. VILLAS BOAS Fo. O papel do currículo na formação do administrador de empresas: o caso do curso de administração da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. Dissertação (Mestrado em Administração) – Faculdade de Ciências Econômicas – Centro de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração da UFMG, Belo Horizonte, 2001.

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INTRODUÇÃO Fui convidada pelo idealizador do Programa Facilitando, Mauro Arruda, a escrever um livro sobre a história administrativa do Ceará Bar e de seu atual proprietário, o Lourival Filho. Após reuniões e conversas, acertamos o trabalho e começamos a planejar a pesquisa qualitativa para a coleta de dados e “causos” para a construção do relato. O livro nasceu com a função de atender, prioritariamente, a dois públicos. O primeiro é formado por pessoas que querem saber o “segredo” do boteco que atendia a maior parte de seus clientes na rua, oferecendo meia dúzia de petiscos, que tinha o proprietário mais emburrado e carismático e que alcançou tamanho sucesso, visível hoje. Estes leitores vão desde os vizinhos aos amigos, curiosos, concorrentes, parentes, etc. O segundo público visado é formado por profissionais que tenham envolvimento com a área de administração, ou que tiveram contato com a disciplina acadêmica. Este público leitor vai desde o administrador de uma empresa aos próprios alunos dos cursos de Administração, Comunicação, Engenharia, Saúde, dentre outros. Muitos destes profissionais esperam, 25


depois de formados, alcançar o status de administradores de seus empreendimentos. Como não sou formada em Administração, precisei estudar e encarar o desafio de entrar em uma área de atuação profissional tão diversa da minha. Sou formada em Comunicação Social, com habilitação em Rádio e Televisão. Se o Mauro tivesse me convidado para fazer um programa de rádio com o Ceará, tiraria de letra, não só por conta da minha formação, mas porque o Ceará – apelido herdado de seu pai, antigo proprietário do bar – é uma pessoa com senso de humor e carisma como poucos que conheço. Mauro não poupou esforços em me ajudar nesta fase de incursão na área de Administração, sempre atento aos meus questionamentos e curiosidades, inclusive relembrando exemplos de estudiosos que mudaram com as próprias mãos o rumo que suas vidas estavam tomando, como é o caso de Lavoisier, e fez questão de lembrar: “Para Lavoisier se libertar do seu cotidiano de coletor de impostos, entregou-se de corpo e alma a entender a composição de átomos, as reações de elementos da natureza, e é hoje considerado o criador da química moderna.” O que Mauro quis dizer com este fato é que não podemos ter medo de nos arriscar e, arrisco dizer, medo de nos colocar26


mos à prova de nós mesmos. Nunca passou pela minha cabeça que estudar Administração em algum momento faria parte da minha vida. Passado o susto do novo, do desconhecido, depois de me acostumar com a idéia, fiz algumas visitas ao Ceará Bar, conheci os “personagens” que o compõem e aceitei o convite e o desafio.

Planejando e organizando o texto Antes de resolver o problema do roteiro temático de entrevistas, eu tinha que saber quais eram os temas da Administração que me serviriam de guia. Depois de estudar e conversar com o Mauro, que lecionou muitos anos esta disciplina, pude selecionar quais tópicos eram os mais significativos para a pesquisa. Fui orientada para que o livro fosse dividido em capítulos temáticos. Por se tratar de um estudo de caso que também cumprirá a função de material didático, precisávamos deixar claro para o estudante do que se trata em cada fase. Cultura Organizacional, Estrutura Organizacional, Qualidade, Eficiência, Produtividade... Estes itens compõem o livro e as

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perguntas elaboradas para cada um deles guiaram a construção do texto que originou o estudo de caso. Todos os conteúdos vão interagindo no transcorrer do texto, o que o estudante da disciplina de Administração poderá identificar sem grandes dificuldades. “Isto foi feito com o objetivo de que os leitores, especialmente os estudantes, percebam a importância de saber o contexto em que está inserido o conteúdo ensinado, para uma aprendizagem eficaz”, explica Mauro e complementa: “Se o entorno do objeto de estudo aguça nossa curiosidade e nos mostra que precisamos entender melhor seus detalhes, estaremos prontos para consultar os livros especializados nas teorias necessárias, para ampliar o nosso interesse, podendo, até mesmo, provocar debates em sala de aula.” A diferença desta proposta é a possibilidade de proporcionar ao professor uma alternativa. Ao invés de introduzir o conteúdo acadêmico por meio de um livro teórico, escrito dentro de uma linguagem pouco comunicativa para quem está começando, que comece com um livro que conte como nasce e se desenvolve um empreendimento, que apresente o papel de um administrador, como ele age frente aos acontecimentos. Algo que tenha vida e que possa ser vivenciado pelo aluno. Depois desta compreensão inicial e quem sabe, até, depois de uma visita ao Ceará Bar, entendendo melhor a dinâmica de um 28


empreendimento real, o aluno passe a compreender que, para entrar neste universo organizacional, vale a pena se debruçar sobre as teorias administrativas que lhe dêem respaldo para seguir adiante. Em outras palavras, que “sinta fome” do saber. Este texto foi preparado para ser “o prato de entrada” e despertar o apetite de nossos leitores por novos conhecimentos. Outra preocupação esteve sempre ao nosso entorno: o livro é um estudo de caso, mas também precisa cumprir a função de resgatar a história recente do bar e a história de vida de seu proprietário, que é rica e surpreendente. Não podíamos construir um livro que se destinasse a uma ou outra função, precisávamos encontrar um meio em que a unificação dos dois objetivos findasse num texto dinâmico, para os leitores, e didático, para os estudantes. Ao longo do caminho da construção deste livro, inúmeras transformações surgiram até que o resultado final fosse o que está em suas mãos. Primeiro, não haveria divisão entre a parte teórica da Administração - na qual o Mauro é o mestre – e a parte histórica e biográfica, cuja pesquisa e texto foram desenvolvidos por mim. Seriam feitos boxes para que os links entre história e administração pudessem ser logo desvendados pelo leitor, tendo ele a opção de lê-los ou não.

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Depois de avaliarmos esta idéia, percebemos que o livro teria um formato dinâmico e eficiente, mas para o leitor que tivesse interesse maior na área de administração. Constatamos que estes links e teorias administrativas, permeados no texto literário, poderiam ficar um tanto pesados para o leitor mais interessado na história e biografia do Lourival Filho. Esta idéia foi abortada. Outra opção surgiu. Se precisávamos deixar o texto leve para o leitor “comum” e, ao mesmo tempo, teórico e informativo para o leitor da área de administração, por que não dividir o livro em duas partes? Na primeira, contaríamos a história de vida de Lourival Filho guiada pelos anos no setor alimentício e, na outra, os devidos links e apontamentos administrativos guiariam o estudo de caso. Já estávamos certos de que esta seria a melhor maneira de agradar aos dois grupos de leitores que teríamos. Mas como diz Guimarães Rosa, “a coisa não está nem na partida e nem na chegada, e sim na travessia.” E nesta travessia, mudamos de idéia mais uma vez. Mudamos porque observamos que, ao adquirir o livro, o leitor interessado no estudo de caso ficaria satisfeito com o produto, pois tudo que precisasse estaria ali, num só volume: o estudo de caso e as reflexões e apontamentos da administração. Mas o que diria o leitor que está interessado somente na história

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do Ceará Bar? O que faria ele com a segunda parte do livro se, dentro de seus interesses, a administração não ocupa um lugar de destaque? Avaliamos que este leitor compraria dois produtos, sabendo que só usufruiria um. A idéia de dividir o livro em duas partes também foi descartada. Decidimos, enfim, que o livro seria predominado pela parte administrativa, guiada pelas história e biografia de Lourival Filho, e a apresentação, em menor proporção do que se havia planejado, seria feita por um artigo expondo o que espera o Programa Facilitando, com essa linguagem comunicativa e dinâmica, tanto para estudantes como para leitores interessados em novas formas de linguagem acadêmica. Boa Leitura! Lígia Sancio

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NO MEIO DA FUZARCA Pedra dos Dois Olhos por Maurílio de Queiroz

__________________ SANDRA.Daniel. JUCUTUQUARA, Coleção Elmo Elton; 3 Secretaria Municipal de Cultura de Vitória, 1999. 1

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Ibid.

O Ceará Bar está localizado em um bairro tradicional de Vitória, ES: Jucutuquara. Jucutuquara é uma palavra do tronco lingüístico Tupi. O Espírito Santo foi povoado por povos nativos falantes desta língua, como os Tupinikim e Guarani, que resistem com uma população reduzidíssima ao norte do Estado, com cerca de dois mil e quinhentos indivíduos. De acordo com Adelpho Poli Monjardim, Jucutuquara significa “pássaro do buraco na pedra”, referência que os nativos faziam às aves que habitavam os buracos da Pedra dos Dois Olhos, o maciço central da Ilha de Vitória que dá nome ao bairro.1

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Jucutuquara abriga o Museu Solar Monjardim. O casarão colonial foi construído no final do século XVIII e era a sede da fazenda do então capitão-mor Francisco Pinto Homem de Azevedo, que a herdou de um tio. A fazenda passou a pertencer à família Monjardim no início do século XIX, devido ao casamento da filha do capitão-mor com o coronel José Francisco de Andrade e Almeida Monjardim. O Solar Monjardim era a residência rural desta família, que também possuía uma casa na Vila da Vitória, hoje centro da cidade de Vitória. 2 Jucutuquara, ao final do século XIX e início do século XX, ficava longe do centro da capital devido ao difícil acesso. A Avenida Vitória, hoje uma das principais vias de ligação entre a parte sul e norte da capital, era uma estrada sinuosa e alagadiça, devido à proximidade com o mar.3 No governo de Nestor Gomes (1920-1924), a Fazenda Jucutuquara teve áreas desapropriadas para dar lugar à construção de casas para funcionários públicos e o córrego Jucutuquara, que costumava alagar o bairro em períodos mais chuvosos, teve seu curso guiado por um canal. No governo seguinte, Florentino Avidos concluiu a construção da Av. Paulino Müller, então denominada 15 de Novembro. Como a cidade se expandia, a necessidade de esticar a linha do bonde levou a Jucutuquara seus trilhos de ferro.4 34

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Ibid.

4

Ibid.


O Bar do Ceará abriu sua pequena porta na década de 60, em frente ao Estádio Governador Bley, do Rio Branco Atlético Clube. O estádio recebia desde jogos do campeonato capixaba e brasileiro de futebol a bailes de carnaval, nos quais a mocidade capixaba estava sempre presente. O movimento era grande em frente ao bar, mas como todos os antigos proprietários do pequeno estabelecimento comercial falharam na missão de manter o negócio funcionando, o novo bar não era muito levado a sério pela vizinhança. Havia uma suspeita de que no local havia sido enterrada uma “cabeça de burro”. Pelo menos esse era o motivo atribuído pelos moradores do bairro por nenhum empreendimento ter vingado. Além do mito, nesta época as condições eram difíceis. O espaço que foi alugado pelo casal, o cearense Lourival Nepomuceno Silva e a capixaba Oswaldina do Carmo, era bem pequeno, pouco confortável. O peixe era comprado na Vila Rubim, no centro de Vitória, e tratado na casa da mãe de Oswaldina, em São Torquato, bairro do outro lado da baía, localizado no Município de Vila Velha. Além desta ajuda na logística, a mãe de Oswaldina contribuiu com uma quantia em dinheiro, garantindo a prosperidade deste novo empreendimento. O peixe tratado era levado para Jucutuquara e o trajeto era feito de bonde.

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O começo da história do Bar do Ceará não foi fácil e Oswaldina conta que chegaram a ficar quinze dias sem atender sequer um freguês. Como dentro do estádio do Rio Branco também tinha um bar, era para lá que todos iam em dias de jogo e festa. Mas os meses foram passando e a insistência chamou atenção. Fregueses começaram a surgir, e como o bar do estádio não abria diariamente, o Bar do Ceará era uma boa opção. O peixe frito na hora, a cerveja sempre gelada e as batidinhas de maracujá, limão e gengibre eram bons atrativos. Pouco a pouco os torcedores, atletas e diretoria dos times que passavam pelo estádio conheciam o Bar do Ceará e o elegiam como ponto de encontro. A Turma da Porrinha todo sábado à tarde está presente, há mais de quarenta anos. À mesa, cada um canta um número e as moedas – sem valor de uso, para não ter problema de sumiço – são somadas em voz alta. A regra do jogo é: a cada rodada o perdedor paga o que foi pedido em seu tempo de duração. O responsável, e muito concentrado na função de fazer as devidas anotações do que é pedido a cada rodada, é o João Francisco, o Carne Seca, um dos “sócio-fundadores” da brincadeira. Não deixa passar nada, é ele quem dá o ritmo do jogo, evitando que seus amigos se percam no meio de brincadeiras e implicâncias mútuas, o que faz brotar novos apelidos a todo o momento. 36


Fato curioso, segundo o Duda, um dos integrantes da Turma da Porrinha, é que o Ceará não era o tipo de proprietário que fazia de tudo para agradar seus clientes. Vascaíno roxo, não suportava torcedores do time rival Flamengo, não perdendo oportunidade de deixar isso claro. Certa vez, conta Claudionor Caldas, amigo das tardes de carteado no balcão, em certo episódio do futebol brasileiro, o Flamengo jogou em São Paulo e o Fluminense, no Japão. Os dois times perderam, mas a manchete com fotos ilustrativas e comentários prolongados só foram dedicados ao Fluminense, no jornal O Globo. Além de não gostar do Flamengo, Ceará fazia questão de torcer contra. Indignado com a falta de notícias da desastrosa derrota rubro-negra em terras paulistas, pois queria deleitar-se com a tristeza de sua torcida, pegou o telefone e ligou para a redação do jornal O Globo, do qual era assinante. Cobrou pelo resultado e como não foi informado, pediu para falar com Roberto Marinho. Não satisfeito com a indisponibilidade do responsável por aquela gafe, avisou que, “se o rapaz do jornal vier aqui de bicicleta amanhã eu vou cortar o pneu e ainda bater nele”, relata Claudionor, rindo das rabugices do falecido amigo. Este “mau-humor” característico não deixava de cativar as pessoas que freqüentavam o bar. Todos sabiam de cor e salteado 37


o repertório de desculpas e “grosserias” do Ceará, mas nunca deixavam de voltar. Os motivos? O peixe fresco frito na hora, sem dúvida, era um deles, somado à localização do bar em frente ao Estádio do Rio Branco, não havia como não dar outra passadinha para encontrar os amigos. O ponto final do ônibus que fazia o transporte dos moradores do bairro e estudantes também ficava em frente ao bar, assim como o Estádio Governador Bley, que mais tarde se tornou a sede da Escola Técnica Federal do Espírito Santo, hoje denominada CEFETES. Eliomar Mazzôco, presidente da Comissão Espírito-Santense de Folclore, confessa que, antes de ingressar em seus estudos técnicos, era aluno nota 9 e 10. Entre gargalhadas, conta que essa média abaixou significativamente, a ponto de ficar em recuperação em dezessete das vinte e três matérias presentes em sua grade escolar. A vida se tornou mais boêmia quando estudou no CEFETES e, apesar de não atribuir toda a culpa ao Bar do Ceará, confessa que este teve sua parcela. O bairro de Jucutuquara também é ponto de encontro dos sambistas amantes de escolas de samba e enredos carnavalescos. Oswaldina conta que, nos primeiros anos do bar, um bloco de algumas dezenas de rapazes calçava tamancos e, tentando

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manter o equilíbrio, saía agitando as ruas do bairro. Dentre os criadores do bloco estava Mestre Ditão, o Mestre de Bateria da Escola Unidos de Jucutuquara. Mas de samba o Ceará não gostava, não. Todas as tardes o jogo de carteado, obrigatório, tomava conta do balcão e nada que atrapalhasse a sua diversão poderia acontecer. O samba, para ele, era alto e barulhento, incomodava os clientes e isso era motivo suficiente para dizer que a cerveja estava quente e que a última da espécie que estava gelada era a saideira do pessoal do samba. Manogim, irmão de Ditão e antigo amante do samba, conta que “os bares e botequins de Jucutuquara não permitiam muito essa história do samba, em meados da década de 70 e início da de 80.” Depois de uma fase em que os sambistas ficaram órfãos de um bar que aceitasse a cantoria, a rapaziada decidiu ter o próprio local, onde poderiam tocar sem ter medo de a cerveja gelada acabar. Depois de andar por vários pontos comerciais, o pessoal do samba acabou indo parar ao lado do Bar do Ceará. O samba rolava solto, mas as batidinhas e petiscos tinham o mesmo endereço de sempre.

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Como é o Lourival Nepomuceno Filho A primeira entrevista que fiz com o Lourival Filho foi sobre o tema Cultura Organizacional, dentro do qual elaborei perguntas que servissem de instrumento para desvendar como foi a maneira apreendida culturalmente, durante anos de experiência no setor alimentício, no convívio com a família e pessoas que admira, que fez com que ele escolhesse, dentre tantas opções, as formas de lidar com o seu empreendimento. Toda a bagagem cultural que carregamos determina nossas escolhas, e é com base nesse conhecimento acumu-

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lado que tomamos nossas decisões. Para saber em que se baseia o Ceará Filho na tomada de suas decisões, precisamos saber em que fonte “bebeu”, ou seja, qual é seu referencial. Como sabemos, o bar era do pai de Lourival Filho, a quem pertencia legitimamente o apelido de Ceará. O pai, que deixou como herança, além do nome, o apelido e o bar, foi quem abriu o negócio na década de 60, junto com sua então esposa Oswaldina. Por quase quarenta anos à frente do bar, conquistou seus clientes fiéis ao peixe frito na hora, sempre com o sabor e a qualidade impecáveis. Mas esta história, até a data em que o Ceará Filho assumiu o bar, não é linear como se espera. Herdar o bar, pensamos, significava também herdar o modo de gestão do empreendimento, a forma de lidar com os funcionários, a maneira de tratar os clientes, a receita do tempero do peixe... Mesmo que a personalidade do aprendiz interferisse numa ou noutra lição, tudo isto seria apreendido nos afazeres diários ao longo dos anos. Sim, isto teria acontecido se o Lourival Filho tivesse tido a vivência administrativa do bar com o seu pai. Mas não teve. Com a separação conjugal de seus pais, Lourival Filho perdeu o contato com a administração do bar. Apesar de sempre ter estado por perto, pois morava a poucas quadras do bar de seu pai, 42


“Ensinou a não ter vergonha de levar uma marmita, não ter vergonha de uma série de coisas que hoje em dia as pessoas têm vergonha. Ensinou a limpar um chão, lavar uma vasilha.” Oswaldina nos tempos do Trailler

não trabalhou com ele. Ia ao bar para conversar e tomar cerveja e vez ou outra o ajudava em pequenas coisas, como levar um peixe fresco até a mesa do cliente junto com uma cerveja gelada. Quando seus pais se separaram, Lourival Filho conta que sua mãe foi quem ficou responsável pela criação de seus três filhos, contando com a ajuda de sua avó. “Ela (mãe) ensinou a gente a trabalhar, ensinou a não ter vergonha de trabalhar. E isso é muito importante na nossa vida... Eu diria que ela foi tudo pra gente. Não só no campo emocional, educacional, financeiro... Ela é o alicerce da nossa família, ela e minha avó.” Oswaldina lembra que precisou arregaçar as mangas e ir trabalhar, pois nunca havia trabalhado antes que não tivesse sido ao lado de seu companheiro, nos dez anos em que estiveram casados tocando o bar juntos. Na época do casório, aos quinze anos, ela estudava no Colégio Americano, oportunidade que teve e que, por amor, decidiu abandonar para construir uma famí-

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lia. Quando se separou do Ceará, Oswaldina decidiu abrir outras frentes de trabalho no campo profissional, distintas do que vinha fazendo até aqui. Marceneira, lavadora de pratos, babá, vendedora de móveis, representante de cerveja, de tudo ela fez para levar para casa os meios necessários que garantissem uma boa criação para seus filhos. “Eu pegava da Jerônimo Monteiro e ia até a Vila Rubim. O dia em que eu vendia uma, duas caixas de cerveja eu estava satisfeita. Foi uma época de muito sacrifício.” Oswaldina conta que, apesar de não ter conseguido acompanhar tão assiduamente as brincadeiras de seus filhos, pelo fato de trabalhar fora de casa, ficava mais tranqüila por saber que sua mãe sempre esteve presente nestas ocasiões, desempenhando um papel relevante na criação das crianças. Apesar do longo período longe da convivência empresarial com seu pai, Lourival avalia que esta fase foi muito importante para a sua vida, no sentido de ter tido que aprender, na prática, como lidar com um empreendimento no setor alimentício. Antes de assumir o Ceará Bar, conhecido como Bar do Ceará quando era gerenciado por seu pai, Lourival trabalhou por doze anos no Palácio do Café, com o então presidente do Co44


“Gilberto Michelini me deu a oportunidade de aprender vendo as coisas que fazia, a maneira como agia. Ele me ensinou muito no trabalho.”

Ceará e amigos em festa no Trailler: ponto de encontro

mércio de Café de Vitória, Sr. Gilberto Michelini, a quem tem muita estima por ter lhe ensinado lições que considera valiosas para a sua formação de “homem honesto e trabalhador”. Gilberto Michelini afirma que o jovem Lourival, na época em que era chefe de informática no seu escritório, era um rapaz muito criativo, inteligente e pontual, características que o levaram a contratá-lo. E afirma que “ele é versátil, em qualquer posto se sairia bem.” Foi trabalhando no Palácio do Café que Lourival teve a iniciativa de montar seu primeiro negócio: um trailler na Enseada do Suá, que servia lanches, cerveja e aperitivos. Segundo o seu chefe nesta época, a vontade de ser dono do próprio nariz foi o que o motivou. Segundo Lourival Filho, foram cinco anos de muitas dificuldades e aprendizado, ressaltando que foi lá que viu “como é difícil começar, organizar. Como é difícil manter um negócio. Como é difícil administrar a falta de dinheiro”, frisa. Mas, apesar de todo o esforço, o Trailler só teve um salto na sua

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evolução quando sua mãe, Oswaldina, recém chegada dos Estados Unidos, foi ajudá-lo. A partir deste momento, o Trailler começa a servir refeições na hora do almoço, o conhecido PF, para os trabalhadores do Palácio do Café e da Telest – posteriormente Telemar e hoje junto da OI - que ainda tinha a sede na Enseada do Suá, na década de 90. O movimento, no início, era pequeno. O Trailler conseguia atender à demanda. A comida era caseira, simples, o que agradava a todos. A propaganda boca a boca, feita entre os trabalhadores, fez com que o espaço ficasse pequeno, com que a cozinha ficasse apertada... Para resolver o impasse, o aluguel de uma casa próxima ao Trailler foi a solução. Um pequeno restaurante atendia, agora com um pouco mais de conforto, aos clientes que se revezavam nas vinte mesas, das 11h da manhã às 14h da tarde, no sistema self-service. Lourival previu que a rapidez e a qualidade do atendimento fariam o diferencial do restaurante. “Eu tinha uma dificuldade de espaço muito grande, então tinha que atender muito rápido às pessoas e elas tinham que sair rápido para outras sentarem. Senão, não tinha jeito de rodar. Sem rodar eu não conseguia pagar nada. Eu tinha vinte mesas, servia cem refeições assim, rodando entre 11h30 e 14h. A necessidade era de atender rápido, bem e rápido.” 46

“Aluguei a casa de uma mulher e quebrei todinha. Montei um restaurante pequeninho e vinha me mantendo, com todas as dificuldades”


A falta de experiência em lidar com o ramo alimentício proporcionou ao Lourival a necessidade de procurar, na prática, onde encontrar as respostas e soluções para os problemas que surgiam. “Talvez se eu estivesse, nessa fase, acompanhando empresarialmente, o meu pai, não teria a oportunidade de desenvolver outras formas de ver o mundo organizacional. Eu aprendi muito fora dali, batendo cabeça, aprendendo com meus erros, aprendendo com meus acertos... Muitas vezes, ao deixarmos ser influenciados somente pelas experiências familiares, acabamos nos tornando verdadeiras “sombras” de nossos pais. Talvez, ao tomar este rumo, não estaria onde estou neste momento”. A informática enfeitiçou Lourival Filho nos tempos idos em que trabalhou no Palácio do Café. “Quando eu trabalhava no Palácio do Café, eu já comecei a adaptar meu pequeno trailler com um computadorzinho. Os clientes falavam: cadê meu prego eletrônico? Eu ia lá e olhava! Na verdade, eu nem tinha um computador, ia no serviço em que eu trabalhava, lançava e trazia os relatórios.” Esse conhecimento em informática, já previsto por Lourival como um instrumento importante, quando levado para o restaurante, proporcionou a rapidez não só no atendimento das pessoas à mesa, mas também na abertura e no fechamento das contas, além de ter reduzido o prejuízo causado por pequenos erros de cálculo.

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A partir do momento em que o Ceará, filho, reabriu o bar de seu falecido pai, no ano de 1997, foi a experiência de sua vida que contou pontos para a nova fase que começava. Logo que assumiu a gerência do Bar do Ceará, percebeu que a rapidez no atendimento era o primeiro desafio que precisava enfrentar. Como o bar era freqüentado, majoritariamente, por amigos e clientes antigos do seu pai, o fator rapidez não era uma preocupação. “Como eram todos amigos, todo mundo tinha aquela paciência de esperar. Só que, com agilidade, eu atendia eles mais rápido e atendia ainda outros que vinham. Então, apliquei muito bem minha experiência de self-service, de rapidez no bar.”

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O truque do pastel

Pouco espaço para muito pastel

A preocupação com o tempo do atendimento não se traduziu somente na demora em servir o peixe, até então único petisco, muito famoso por sinal. Aliás, o peixinho frito na hora sempre foi o diferencial do Ceará Bar desde o dia em que abriu suas portas, em 1960. A rapidez se refletiu no espaço reduzidíssimo da cozinha do antigo local onde o bar estava instalado. A agilidade foi alcançada até o ponto em que a cozinha não comportava mais a demanda crescente pelo produto. Depois de alcançado este limite de atendimento, aumentar a cozinha era a solução mais eficaz. O interessante é que a cozinha só veio a ter um espaço maior no ano de 2005,

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com a mudança da sede do bar para a Avenida Paulino Müller, do outro lado da quadra. E como a situação não poderia se prolongar, a solução encontrada pelo Ceará Filho, no meio do turbilhão, para que os clientes não ficassem esperando o peixe por muito tempo, foi criar uma pequena porção de pastéis fritos na hora, que eram oferecidos aos clientes para “enganar a fome”. E, para não fugir do cardápio oferecido no bar, o sabor escolhido foi o siri.

“Consegui ampliar até meu limite de espaço físico e equipamento. Então, precisei pensar em uma saída. Eu fiz o pastel pra que, enquanto fritavam o peixe, eu servia às pessoas para que a espera parecesse menor. Uma opção, exatamente, pra agilizar o atendimento.”

Esta pequena invenção é hoje responsável pela maioria dos pedidos do Ceará Bar! O pastel, antes servido como solução para que o cliente não “sentisse” tanto a demora do peixe, tornou-se o carro chefe de vendas. Começou com siri e hoje já são oito sabores: siri, camarão, queijo, carne, palmito, carne seca com catupiry, frango com catupiry e bacalhau.

O cesto de pastel servido no Ceará Bar hoje.

Mas não foi somente o tamanho da cozinha que impedia o crescimento da oferta do peixe.

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Como dito parágrafos acima, além de ter herdado o bar e o apelido de seu pai, Ceará Filho herdou a história do bar, seus amigos antigos, sua tradicionalidade. Como conciliar a história, os amigos e o tradicional peixe com, por exemplo, uma frigideira maior para a demanda cada vez mais crescente? Era quase uma superstição! Se a frigideira em que seu pai fritava o peixe há anos fosse trocada, era “batata” que a qualidade, o sabor do peixe seria alterado! E ninguém queria isso! Não importava o quanto demorasse, o peixe era frito, um por um, na frigideira de costume. Os amigos e clientes antigos não se importavam com a demora, que para eles era mais um motivo para tomar outra cervejinha, rodeados dos amigos. Mas para o novo público que surgia, seria fatal tal demora no atendimento. Para driblar esta situação, Lourival Filho precisou ser literalmente aceito pelos amigos e antigos clientes de seu pai. Durante dois anos e meio precisou administrar esta situação. Tudo que queria mudar no bar precisava do aval dos fiéis freqüentadores do Bar do Ceará. Eram tão féis ao amigo falecido que diziam: “Isso aqui é do seu pai, herança do seu pai, nós gostamos assim.” Alem da persistência natural que tem, Lourival Filho procurou saber dos amigos e antigos clientes como o seu pai costumava gerir o negócio.

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Osmar e o antigo fogão: aval dos amigos para mudar.

Essa atitude de saber valorizar o carinho e a amizade que tinham pelo seu pai, além do saber acumulado durante anos pela “velha guarda”, foi, segundo Osmar, uma atitude sábia e merecedora dos créditos que hoje tem o Ceará Filho. Osmar foi peça fundamental neste período de “estágio probatório”. Como pouquíssimas pessoas o conheciam – sabiam que era filho do Ceará – ele precisou fazer as mudanças no bar gradativamente, para que os mais antigos não se sentissem desrespeitados, ou mesmo parassem de freqüentar o bar. “Foi muito di-

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fícil, realmente. As pessoas não imaginavam, não achavam que eu ia dar certo, achavam que eu não tinha capacidade, por não me conhecerem. Achavam que eu tinha caído de pára-quedas. Essa foi uma grande dificuldade.” Quando o bar foi assumido por Lourival Filho, Osmar já trabalhava lá como garçom há quatorze anos. Como conhecia todos os clientes e amigos, nesta nova fase era ele quem apresentava o filho do Ceará para todos. “Osmar deu muita força ao Lourival. Porque era ele que o apresentava aos clientes. Muitos deles falavam: “Ah, agora com o filho do Ceará à frente do bar, não sei se vamos gozar da mesma atenção que o ‘velho’ nos dispensava. Talvez, até pare de vir aqui!” Aí o Osmar dizia: “Não, o menino é um menino bom, ele é um menino educado, vocês vão gostar dele”, relata Oswaldina. Com tantos anos de casa, a credibilidade que Osmar tinha, e continua tendo, com seus clientes funcionou como “a benção” para que Lourival Filho pudesse ser aceito entre a clientela da velha guarda.

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O Bar do Ceará literalmente “bombava” em dias de festa!

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“A transição do Ceará Bar foi a mesma coisa da transição do Trailler. Então, olha só, inclusive isso serviu como experiência. A necessidade de sair, de ampliar o local do bar por não suportar o crescimento que eu podia ter.”

Ceará novo na sede antiga Com o passar do tempo, as mudanças feitas pelo novo proprietário começaram e ser vistas como coisas importantes e necessárias. Lourival Filho chegou com um “gás” novo, novas idéias, um novo produto. O bar precisava estar apto a atender, conseqüentemente, a este público que surgia junto da oferta de novos produtos. “Teve uma época em que eu atendia o peixe uma vez, o cara pedia outra vez e eu não tinha como atender. A demanda era muito grande e eu tinha que optar pela mesa que chegou, não voltava nele porque não tinha jeito. Eu acho que foi a grande diferença: agilidade e qualidade no atendimento que eu trouxe. Uma agilidade do self-service para um boteco.”

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Aspecto antigo do Ceará Bar.

As mudanças e melhorias na apresentação e no atendimento foram feitas gradativamente. Primeiro se consertou um azulejo quebrado, depois pôs-se mais um fogão pra ajudar na cozinha, a pia da cozinha foi trocada... E estas pequenas mudanças foram se revelando de tamanha eficácia que, além da cozinha, o próprio bar passou a não ter espaço suficiente para o número de pessoas que o freqüentava. Sua área física sempre foi reduzida, o Bar do Ceará que se localizava na Av. Alberto Torres comportava somente duas mesas em seu espaço interno, e em torno de vinte pessoas no balcão. Como antes a clientela não era tão grande, a calçada comportava umas doze mesas, o que não atrapalhava o fluxo dos mora56


dores do bairro e não incomodava a vizinhança com o barulho até tarde da noite. Mas o crescimento ganhou a esquina, a Av. Alberto Torres nos dois sentidos da pista, e o que se via eram os garçons correndo de um lado para o outro, com bandejas rua afora. Mais de sessenta mesas eram atendidas do lado de fora do bar, na rua. Osmar conta que “lá o cliente era servido na rua, e era fiscal da prefeitura dizendo que aquilo não podia acontecer, era fiscal de trânsito, era fiscal de não sei de quê. Além disto, quando chovia, o jeito era parar nosso trabalho. Sem contar com as reclamações dos vizinhos. Coincidência ou não, como aconteceu no Trailler aconteceu no bar herdado de seu pai. Lourival precisou mudar de lugar para que pudesse atender, com conforto, aos clientes antigos e aos novos, que não paravam de chegar. Apesar de a necessidade de um novo espaço ser visível, o que não se via era a pressão feita pela Prefeitura Municipal de Vitória para que o bar não atrapalhasse o trânsito no Bairro de Jucutuquara. “Eles me deram um prazo, o bar ia fechar de qualquer jeito. Eu tinha sessenta mesas na rua e duas dentro do bar. Eu fiz um croqui de trinta mesas na rua e eles disseram que eu não podia botar nenhuma, e que tinha que ter um metro e meio de calçada.

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Eu não tinha nem um metro e meio de calçada. Era fadado a fechar o bar, não tinha jeito.” O plano de Lourival, desde que assumiu o negócio, era comprar o ponto antigo, localizado na Av. Alberto Torres, que já pertencera ao pai. Desde sua entrada no negócio, juntou fundos com este objetivo. Mas no meio deste plano começaram a surgir problemas com a falta de espaço para acomodar os clientes no interior do bar. A compra da antiga sede já não resolveria os problemas, como imaginava no início. Não havia mais motivos para este investimento. O que Lourival não previu foi o aparecimento de uma oportunidade irrecusável de investir em um novo espaço, na mesma quadra, para a ampliação que se fazia necessária ao empreendimento. “Eu não sabia disso aqui (galpão da sede atual), não existia isso aqui na minha cabeça! Foi uma oportunidade, novamente, que apareceu. Lá, eu compraria um local em que eu teria que usar a mesa na rua e a Prefeitura não permitia mais. Não seria um bom negócio, eu ia comprar um problema. Aqui eu comprei uma solução.” Quando assumiu o Bar do Ceará, em 1997, Lourival não previa todo este crescimento. Como as coisas não andavam bem no restaurante da Enseada do Suá, pela dificuldade de se tra58

“Lá era um restaurante que eu ia viver a vida toda catando... Não tinha muito retorno, era pra pagar as coisas, comer e deixar o final do ano pra pagar alguma coisa. E, houve um grande problema, o nosso grande público era Telest, Telemar: fechou! Saiu da Praia do Suá, o movimento caiu muito.”


balhar sem dinheiro em caixa, e por isso sem poder contar com um capital de giro para investimentos, Lourival decidiu assumir o bar de seu pai. Ficaria lá e cá. Não pretendia fechar o restaurante, até então achava que conseguiria gerir os dois empreendimentos.

O dia em que Ceará Filho reabre o bar depois do falecimento de seu pai.

Esta opção não foi, de fato, uma opção. Foi uma necessidade. Era o segundo turno de seu trabalho. “A gente que mexe com comércio, principalmente refeição, nunca tem dinheiro no caixa, ou é ticket ou é fiado. Seriam 20% de dinheiro, nem isso, 10% de dinheiro, 70% de fiado e 30% de ticket. Essa é a dificuldade de manter as coisas.”, pondera. No dia em que reabriu o Bar do Ceará, Lourival abasteceu o freezer de cerveja e repôs o estoque de peixe. Era preciso arriscar, e isso não poderia ser feito sem que o bar estivesse preparado para receber os clientes. Mesmo que nada fosse vendido, abrir o bar com falta de produtos a serem oferecidos seria um começo trágico demais 59


para quem já havia “ralado” seis anos no ramo alimentício. “Quando entrei no bar, eu não tinha esse movimento todo que eu tenho. Vendia o suficiente pra manter o bar e guardar um pouquinho”, lembra. Lourival sabia do sucesso que o peixe frito de seu pai - tratado e temperado pelas hábeis mãos do Osmar - fazia entre seus amigos e clientes antigos. Afinal, o Bar do Ceará fora aberto na década de 60, ainda na época em que o Estádio do Rio Branco, hoje atual sede do CEFETES, era referência no circuito do futebol capixaba. Mas o que Lourival não esperava é que todo o estoque de peixe e cerveja que ele repôs fosse, simplesmente, esgotado no primeiro dia da reabertura do bar. E mais do que isso. Ficou surpreso, ao final do expediente, com o fato de o bar ter sido fechado com dinheiro em caixa. “Eu abri aqui, fechei, tinha dinheiro no caixa. No segundo dia fiz a mesma coisa, tinha dinheiro no caixa. No segundo dia eu falei, é um bom negócio! Então, passei a trabalhar com uma coisa que eu não tinha: verba.” A possibilidade de trabalhar com verba, com segurança de investir e ter retorno, fez com que Lourival tivesse um pouco mais de estabilidade para investir nas melhorias de que o estabelecimento precisava.

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Ceará começou, então, a aplicar o dinheiro que entrava no bar no próprio bar. Começou a fazer pequenas melhorias e com isso a aumentar sua clientela. Como ele mesmo diz, “é uma questão de sabedoria. Não se pode tirar dinheiro de onde está entrando. E pensando que era um bom negócio, eu não poderia comprar um carro, ou outro bem qualquer, que não proporcionasse o mesmo retorno que estava conseguindo até ali. Não tive dúvidas, depois de retirar o necessário para garantir as despesas pessoais, aplicava todas as sobras no meu empreendimento”.

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Os louros de Lourival Todo este esforço era reconhecido pelas pessoas que freqüentavam o bar e, na propaganda boca a boca, o Ceará Bar aumentava sua clientela gradativamente. Em pesquisa realizada recentemente, em sua nova localização, obteve-se a comprovação de que 90% das pessoas que vão ao Ceará Bar foram levadas por alguém que freqüenta o bar. Dessas pessoas que foram “apresentadas” ao bar, 90% retornam com mais “convidados”. E o que é mais surpreendente: já se sentem clientes do bar em sua segunda visita. É um ciclo vicioso: uma pessoa foi ao Ceará Bar, ficou surpresa com o movimento que tem, com a qualidade e o sabor da comida, com a eficiência do atendimento. “A pessoa vem e primeiro fica impressionada com o volume de gente, com a rapidez do atendimento e com a qualidade das coisas. Depois ela sente, assim, que descobriu uma coisa e precisa mostrar para os outros.” Um achado! Vou chamar fulano para mostrar a nova descoberta: um boteco com um astral muito bom, petiscos de63


liciosos e atendimento rápido, com garçons simpáticos e educados. Quem não aprova? Especialmente depois de provar o famoso pastel de siri. E pastel de siri sem limão e azeite não é pastel de siri. Porque capixaba que é capixaba não consegue comer marisco sem limão. Nem admite que uma posta de badejo seja completamente despedaçada na panela. Mas isso é outro papo. Estamos falando do limão. Em cada mesa, Lourival mantinha uma latinha de azeite e o limão era servido somente quando requisitado. Ao receber o limão, cortado em quatro pedaços, o cliente precisava espremê-lo no recheio, dentro do pastel. Além de fazer uma lambança danada, acertar o pastel sem ter umas boas esguichadas direcionadas, certeiramente, no olho, era bem difícil. Dava muito trabalho e o desperdício em servir o limão cortado era muito grande. O sumo não era todo aproveitado, o que 64

Limão espremido diariamente.


levava o cliente a pedir outra rodada. Mas o que fazer para manter o limão à mesa e diminuir o desperdício? Lourival encontrou uma solução simples e extremamente eficaz. Em garrafinhas vazias de pimenta que, aliás, estão sempre compondo o trio à mesa, decidiu espremer o limão e depositar seu sumo. Diariamente, algumas dezenas de limão são espremidas e postas nas garrafinhas. A garrafinha não é preenchida completamente com o sumo verdinho dos limões frescos. Somente 1/3 dela é utilizada. Isso se explica pelo fato de o limão não resistir muito tempo sem que seu paladar se torne amargo. Assim, como o consumo é alto, não há desperdício. Lourival é uma pessoa muito prática, e esse tipo de decisão expressa como lida com os desafios que encontra. Além de diminuir o desperdício, facilitou o uso do limão aos seus clientes que, com certeza, agradecem. Aliás, os clientes do Ceará Bar agradecem por muito mais coisas, prova disto é sempre voltarem ao bar. Certa vez, conta Lourival, uma cliente chegou querendo saber quem era o Ceará. Ele se identificou e ficou surpreso com a resposta que a moça lhe deu: “Meu médico me mandou aqui.” “Seu médico?”, ele perguntou. “É, pedi um antidepressivo e ele me falou 65


pra esquecer o antidepressivo, vai lá no Ceará, toma uma batida e conversa com ele!” Conversaram até o bar fechar as portas e, no meio da conversa, ela perguntou em que o Lourival era formado, depois de citar duas ou três formações que tinha em seu currículo. Lourival explicou que havia começado o curso de História, mas que não o completou. Nesse momento, ele fez uma reflexão. “Eu falei que não era formado. Foi aí que me toquei que, até então, aqueles cinco anos em que eu passei dificuldade, estava fazendo um curso, uma faculdade. Exatamente cinco anos que Deus me proporcionou isso, a dificuldade.” Durante os cinco anos em que passou administrando, com muita dificuldade, o Trailler e o restaurante, ele fez sua faculdade. Faculdade da prática, da resolução de problemas em tempo real. Essa experiência acumulada é que faz com que hoje as decisões tomadas no Ceará Bar tenham bases seguras. “Exatamente cinco anos”, foi o tempo em que Lourival cursou Administração de Empresas e Gestão Empresarial. Muitos alunos se formam sem ter a chance de lidar com um caso real. Ficam “presos” aos livros didáticos, ou aprendem a lidar com problemas que ocorreram longe de sua realidade.

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“Então, quando vim do restaurante para o bar, eu vim formado. Como muitas pessoas foram formadas dessa maneira. O aprendizado daquela época é fundamental pro meu negócio, hoje”.


Cada ser um universo Administrar o setor de finanças é sempre um desfio para qualquer empreendimento. E junto com este desafio vem o setor humano do negócio. À medida que o Ceará Bar foi crescendo, o número de funcionários aumentou, hoje são trinta. No início, quando ainda o “Velho Ceará” geria o negócio, somente um funcionário trabalhava com ele. O bar era pequeno e a freguesia era atendida sem maiores problemas, apesar do trabalho duro sempre lembrado pelo Osmar. Para se ter uma idéia, o balcão era quase uma extensão da cozinha. O peixe era frito na lendária frigideira, um por um. Os fregueses, além de ver todo este processo, ficavam, literalmente, defumados

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com o cheiro que tomava conta do bar. A gordura que saía da frigideira era tão temperada quanto a própria pescadinha. O Osmar, que trabalha no bar desde o ano de 1983, conta uma história hilária sobre este “problema”. Muitos freqüentadores do bar, como hoje também, são apaixonados por samba. É só falar que vai ter ensaio com todas aquelas beldades femininas dançando que, sem pestanejar, mudam os rumos de casa para o galpão de ensaio. Era uma carta na manga dos mais “saidinhos”: antes de irem para casa, já tarde da noite, depois de todos os caminhos terem sido desvirtuados, dar uma passada, rápida, muito rápida mesmo, no Bar do Ceará. O álibi de que de lá não havia saído só funcionava se, ao chegar à casa, a esposa sentisse o cheiro de peixe frito incrustado na roupa. O perfume das sambistas precisava ser camuflado pelo perfume da pescadinha frita mais famosa de Jucutuquara. Não é mito, não! O bar ficava, mesmo, empesteado do cheiro que saía da frigideira, que não era tirada do fogo, sequer uma vez, durante todo o expediente, que ia das 9h da manhã a meia noite. Não tinha esposa que desconfiasse que seu querido esposo houvesse se esbaldado nos ensaios carnavalescos, se a roupa que vestia estivesse encharcada do cheiro da pescadinha do Bar do Ceará. 68

Osmar, em plena juventude, nos seus primeiros anos no Ceará Bar.


Hoje, este cenário não se vê mais no Ceará Bar. Como tudo cresceu, cresceram a cozinha e o número de cozinheiros. Cresceram o número de mesas e de garçons. E lidar com o número ampliado de funcionários é um desafio para ele. Ainda mais com funcionários que foram admitidos de uma forma que o próprio Lourival considera que deu certo até aqui. Com o aumento do quadro de funcionários, o processo de admissão está passando por algumas mudanças, próprias de uma empresa que está em fase de crescimento. Desta forma, os recém admitidos, ao contrário do que acontecia antes, devem passar por um processo seletivo profissionalizado, receber um treinamento inicial mais apurado, entre outros cuidados que estão sendo implantados. Neste ponto, Lourival se diz um aprendiz, inclusive sente algumas dificuldades em se adaptar ao novo momento de sua organização. Quando investiu na nova sede do Ceará Bar, Lourival já contava com um quadro de quase dez funcionários, muito mais que o número que seu pai costumava ter. Essas contratações foram feitas à medida que a demanda dos serviços aumentava. A primeira pessoa a ser contratada foi Marlene. Nesta época, o bar começava a ter um movimento que Lourival e Osmar já não podiam tocar sozinhos.

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Marlene foi indicada para a vaga por um amigo de um amigo de Lourival. O marido de Marlene conhecia esta pessoa que era próxima do dono do Ceará Bar. Como a situação estava difícil, ele resolveu pedir um emprego para a esposa. Acompanhada pelo amigo do esposo, ela foi levada ao Ceará Bar. “Então, a partir de hoje, você já pode começar a trabalhar”, anunciou Lourival. A Marlene chegou para tirar Lourival e Osmar do sufoco. Ela atuava em todas as áreas, desde a cozinha, na preparação dos recheios, até à organização e limpeza do bar. “Eu chegava cedo e organizava tudo. Limpava os banheiros, limpava o chão. Porque a gente começou do nada. Eu fazia o café, fritava o peixe, lavava louça, era eu sozinha.” Quando Lourival percebia que estava precisando de reforço, falava da necessidade e logo vinha a solução: “Ceará, tem um sobrinho meu, rapaz muito tranqüilo, nunca trabalhou e acho que já é hora. Posso falar pra ele vir conversar com você?” E assim foi feita a maioria das contratações do bar: filha de uma

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Marlene na nova cozinha do Ceará Bar.


“Eu tenho uma verdadeira paixão por eles, todos eles. Trato eles como se fossem meus filhos. E, como um bom pai, passo a mão na cabeça, dou presente e puxo a orelha!”

funcionária antiga e de confiança; sobrinho de outro funcionário; vizinho de alguém que ficou sem emprego recentemente... “Isso é uma falha minha. Eu ainda não passei por essa fase de profissionalizar as contratações”, avalia. O quadro de funcionários foi aumentando e, à medida que chegavam, já iam percebendo que o clima no ambiente de trabalho era muito tranqüilo, apesar do volume de afazeres. Como cada funcionário que era admitido no bar já conhecia alguém que trabalhava lá, a integração e a adaptação não eram difíceis.

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Esta harmonia entre os funcionários influencia bastante na harmonia presente no ambiente de trabalho do Ceará Bar. Não é difícil perceber que os garçons – os funcionários mais vistos pelos clientes - são sempre muito simpáticos e bem dispostos. Não que esta não seja uma exigência, e das maiores, que o Ceará faz. Tratar bem os clientes e ser rápido no atendimento é regra geral, isso qualquer um que trabalha lá pode confirmar. Mas é perceptível que este bem estar, transparente, não existe somente porque “o chefe mandou”. Profetiza Lourival: “Para o bem estar geral do bar, seja ele do limpador de chão ao gerente, ao dono, tem que ter harmonia, é harmonia. Olha, é muito complicada a parte humana, e é muito importante.” Na visão dos funcionários, trabalhar junto de Lourival é a me72

O clima do ambiente de trabalho no Ceará Bar.


lhor coisa que já lhes aconteceu. A admiração que têm por ele é perceptível no cotidiano do bar. Eles não respeitam só o patrão, mas o homem que ensina, ajuda, dá conselho, é amigo, pai... “Ele é excelente. O que eu vejo aí fora, pessoal reclamar de patrão, a gente não tem esse problema”, confirma D. Marlene, que está lá há sete anos. O que Lourival vê como desafio é o fato de, em dados momentos, precisar ser mais enérgico e não encontrar espaço sem que alguma mágoa seja criada. É a preocupação de não machucar uma pessoa que respeita. Os funcionários do Ceará Bar são tratados, sempre, com muito respeito. Por isso tanta admiração pelo patrão. Todos se vêem como família, e separar isto da hierarquia, necessária na gestão de um empreendimento, é o desafio. Ao longo dos anos, esta relação foi crescendo e Lourival diz que tem um carinho enorme por eles mas que, em certas ocasiões, isso oferece condições para situações embaraçosas. “Eu tento chegar e dizer, ‘não faça isso’, de uma maneira mais carinhosa, eu diria. Mas, às vezes a gente não obtém o resultado desejado.” Diante de uma situação deste tipo, diz: “Esquece que você é meu parente, esquece que está aqui há muito tempo, não está funcionando da forma como está fazendo.” 73


Este processo para adaptar-se a uma postura mais firme, sem recorrer ao autoritarismo, é uma questão difícil para o Ceará. Afinal, ele percebe que muitas vezes neste processo de desenvolvimento e formalização do seu negócio já não é mais possível repartir algumas decisões com seus funcionários da mesma forma que fazia tempos atrás. Este novo cenário exige pessoas que ocupem cargos com responsabilidades gerenciais, criando níveis hierárquicos que antes não existiam. Ele reconhece que, apesar da amizade e do carinho que sente pelos seus auxiliares, esta situação está criando uma diferenciação no seu estilo de gerenciar o empreendimento, que precisa de algum tempo para ser absorvida, principalmente, pelos funcionários mais antigos. A situação demonstra como é contraditório este processo para Lourival. Esta riqueza de ter funcionários que “são quase parentes”, como ele diz, está diretamente relacionada com a harmonia no ambiente de trabalho que, em sua concepção de empreendedor, tem importância ímpar para o funcionamento do bar. Apesar desta contradição, os planos são de fazer as novas contratações utilizando critérios de seleção e treinamento mais profissionais, que acompanhem as novas demandas do negócio. A empresa está passando por uma reestruturação administrativa,

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“Não adianta atender rápido com um produto que o cliente não gostou. Tem que atender com rapidez e qualidade.”

com o auxílio de profissionais das áreas de administração, nutrição e de comunicação gráfica. Descrição de funções, manuais de procedimentos, além de um programa de treinamento nas áreas de atendimento, higiene e métodos de trabalho começam a ser desenvolvidos e implantados nas diversas áreas de trabalho do estabelecimento. Lourival acredita que o Ceará Bar precisa crescer muito ainda, e para isso acontecer a qualidade dos serviços prestados precisa ser sempre a mesma. A qualidade de um produto é o seu padrão. Se hoje é a D. Marlene quem faz o recheio do pastel de camarão, amanhã, quando sair de férias, o sabor precisa ser o mesmo. Não se pode admitir que hoje o pastel seja servido de uma forma e amanhã de outra. “Qualidade é padronização. As pessoas vêm

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hoje e comem o pastel de uma maneira, amanhã precisa ser da mesma maneira. O peixe hoje é de um jeito, amanhã é do mesmo jeito.”, frisa Lourival. Para esta padronização ser alcançada, além da elaboração dos manuais de procedimento para cada setor do bar, a matéria prima dos petiscos servidos no Ceará Bar precisa ter sua qualidade sempre assegurada. E mais uma coisa que não é deixada de lado, quando se fala da qualidade dos produtos: a harmonia. Sim, para ele, a harmonia influencia até mesmo na qualidade dos produtos oferecidos pelo Ceará Bar. “Eu acho que o carinho também é muito importante, porque se a pessoa que há dez anos faz a mesma receita estiver aborrecida, com problemas em casa... Influencia até isso.” A preocupação em manter um ambiente de trabalho agradável é tão grande quanto em manter a padronização da qualidade dos produtos oferecidos. E estes produtos vão desde os petiscos ao atendimento dos clientes à mesa. Petiscos frescos e saborosos,

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Pescadas selecionadas e sempre frescas tratadas pelo Osmar.


atendimento rápido e simpatia. Essas exigências são sempre lembradas por Lourival: “A diferença é muito pequena, imperceptível para o cliente, mas para a gente, não”. Grandes parceiros neste aspecto dos negócios, na concepção de Lourival, são os fornecedores, ele os considera uma extensão do seu negócio. Alguns são antigos, trabalharam com seu pai e agora trabalham com ele desde quando assumiu a primeira sede do bar, em 1997. Outros estão com ele desde a época do Trailler, na Praia do Suá. Apesar de não ter muitos fornecedores, por ter um cardápio relativamente pequeno, a relação de confiança e respeito estabelecida permite que Lourival possa negociar sem temer que imprevistos aconteçam, como, por exemplo, ser abandonado nas épocas de reprodução do camarão. Ceará acredita que existe uma cadeia dentro do setor de fornecimento e compra de produtos que precisa ser respeitada. Quebrando esta cadeia, ao contrário do que se pensa, não há um lucro maior ou preço menor no processo de compra e venda até o produto final. A quebra da cadeia, dessa rede entre compradores e fornecedores pode pôr em jogo a confiança adquirida em anos de negociações. Tentar obter vantagem nesta cadeia pode trazer prejuízo, ao contrário da economia esperada. O pescador pesca o peixe, o 77


comerciante o compra e o vende no mercado, ou faz as entregas programadas, de acordo com a demanda do freguês. Se esta corrente é quebrada, alguém sai perdendo e, para Ceará, “todo mundo tem que ganhar”. Ir diretamente ao pescador comprar o peixe por dois, três reais mais barato, por estar “poupando” um atravessador, pode sair mais caro. O fornecedor já sabe o produto que o freguês quer, e no caso do Ceará Bar o peixe, o camarão, o bacalhau, o siri, todos têm o padrão de tamanho e qualidade assegurados por esta relação de confiança ser respeitada. E esta relação de respeito também é construída com responsabilidade nos prazos de pagamento, com pontualidade na hora de receber os produtos, com honestidade e, muito importante, com o cumprimento das normas da Vigilância Sanitária e do IBAMA, no caso dos peixes e mariscos. Certa vez, quando pediu que um fornecedor regulamentasse a embalagem de seu produto de acordo com a legislação vigente, estabelecida pela Vigilância Sanitária, e o mesmo não teve como se enquadrar à exigência, Lourival, mesmo sabendo que era uma pessoa em que confiava, viu-se obrigado a procurar quem estivesse regulamentado, para não correr o risco de ser penalizado.

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“Além de confiar no fornecedor, ele tem que confiar em você, tem que ser parceiro para, nas épocas de dificuldades, podermos nos ajudar.”


O controle do futuro

A primeira fase do Bar do Ceará, e ele á direita.

O Ceará Bar está numa nova fase de seu crescimento. Podemos apontar cinco etapas distintas de sua evolução: a) fundação do bar em 1960 – uma pequena porta, sem espaço suficiente para tratar o peixe; b) ampliação do bar, em 1979 – com a saída de Oswaldina da gestão, Ceará precisou estruturar a cozinha para cuidar do peixe no próprio bar e contratar um funcionário; c) falecimento do Ceará Pai em 1997 – Ceará Filho assume o negócio: implanta sistema de computação, aumenta o quadro de funcionários, faz melhorias nas instalações do bar e inclui novo produto no cardápio, o pastel de siri; d) mudança de sede do Ceará Bar – o 79


reduzido espaço das instalações não comporta mais a demanda crescente da nova clientela conquistada com a gestão de Ceará Filho e o bar passa a ter sua sede na Av. Paulino Müller, do outro lado da quadra onde estava localizado; e) avanço na forma de gestão – quadro de funcionários passa a ter trinta pessoas, o número de mesas a serem atendidas chega a cem e surge a necessidade de aproximação com profissionais da área de administração para a melhoria no atendimento e crescimento do empreendimento. A quinta fase está em pleno andamento e teve início quando, ao perceber que precisava aperfeiçoar certos setores do funcionamento do bar, Ceará decidiu que a nova empreitada deveria ser discutida com profissionais da área de administração. O negócio continua crescendo e começam a surgir demandas que exigem conhecimentos técnicos para serem executadas. Para pensar no futuro de um empreendimento, é preciso ter coragem para ousar pensar em mudanças. Nos quase oito anos da “Era Lourival Filho” no Ceará Bar, isto tem sido feito constantemente. Também, pudera, Lourival é comerciante em sua essência e apostar nos seus palpites e previsões trouxe, até hoje, bons resultados. É claro que todos erramos. Mas erramos para poder acertar, senão não vale a pena o erro. Ver o erro somente como uma falha é, em si, um erro. E como diz Ceará, “todo mundo 80

Ceará antes de assumir o bar de seu pai: churrasquinho e persistência.


sabe que todo mundo errou! Mas tento sempre me espelhar nas vitórias. Sou um cara otimista.” É com este espírito que Ceará aposta nas mudanças. Como foi falado anteriormente da necessidade de profissionalizar a contratação dos funcionários, outros ajustes precisam ser feitos. Dentro das cinco fases administrativas identificadas acima, as decisões de manutenção e estratégia do bar foram tomadas com base empírica, muito eficaz até este momento. Apesar de esta experiência não poder ser descartada, outras formas de conhecimento começam a entrar em cena, promovendo um diálogo que só pode dar em crescimento e bons resultados. No início de 2007, Ceará contratou a Consultoria Administrativa de Mauro Arruda, consultor com grande vivência nesta área. Formado em Economia com Mestrado em Administração e Especialização em Consultoria de Pequenas e Médias Empresas, Mauro está fazendo este diálogo com Ceará, para que seu empreendimento possa continuar crescendo sem perder as importantes características construídas e mantidas até aqui: ambiente de boteco com atendimento rápido e comida de qualidade. O que surpreende não é o fato de Ceará ter contratado uma assessoria administrativa, um empresário com visão de futuro não faria diferente. O que chama a atenção é que esta assessoria 81


não teve o prazo comum para que seus resultados fossem apresentados. Há muitos anos prestando consultorias em diversas empresas, Mauro pediu que este trabalho não fosse feito em um prazo pequeno, vinte ou trinta dias. Com mais tempo para fazer uma análise aprofundada, mais pontos poderiam ser observados e mais melhorias poderiam ser feitas. Ceará aceitou a proposta e Mauro começou a sua análise. Mas este encontro é mais imprevisível do que parece. Mauro não é um consultor comum. Professor durante muitos anos na área de administração, lecionando matérias que derivam desta área do conhecimento, começou a se interessar por uma parte de seus estudos que não recebe muita atenção: a educação. Sempre interessado em “fisgar” seus alunos em sala, durante anos desenvolveu aulas que envolvessem seus alunos em exercícios que tinham como foco casos reais de empresas atuantes no mercado, procurando aproximar os estudantes do mercado de trabalho que enfrentariam. Esta iniciativa foi levada ao Ceará Bar para a realização da consultoria que foi contratado a prestar. Como a administração é matéria que ocupa a ementa de muitas áreas do saber, como gastronomia, nutrição, publicidade, engenharia de produção, fisioterapia, arquitetura, comunicação, Mauro aproveitou toda a gama de profissionais com os quais tinha contato para prestar 82


a assessoria. Toda a mão-de-obra especializada necessária para a realização de uma consultoria foi contratada entre os alunos dos diversos cursos nos quais Mauro lecionava. “Em um curso de Gastronomia no qual lecionava Administração, os alunos tinham que organizar um jantar e o jantar tinha que sair. Aprendiam a fazer orçamento, pesquisar para saber que tipos de pratos seriam servidos, fazer levantamento dos custos, procurar fornecedores, divulgar o jantar. Tinham que vender, servir, fazer o jantar... Altamente envolvente!” Com esta gama de profissionais à sua disposição, uma assessoria que duraria menos de um mês está sendo feita cuidadosamente, com um aproveitamento grande e perceptível em seus resultados. Apesar dos acertos e formatações que estão sendo feitas no funcionamento e logística do Ceará Bar, seu gerenciamento e organização são muito eficazes, segundo Mauro. “A cozinha já era muito organizada, muito limpa, mas a nutricionista contratada, Renata Ferraço, deu a formatação técnica indicada para esse tipo de ambiente. Hoje todos que trabalham na cozinha têm treinamento técnico para manusear alimentos. A Renata toda semana faz nova vistoria e conversa com os funcionários.” Além dela, primeira sugestão de contratação de Mauro ao Ceará, outros profissionais passaram e continuam passando pelo bar.

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Ceará e Mauro na nova sede do Ceará Bar.

Com o avanço da consultoria, Mauro constatou que Ceará é uma pessoa de muita visão empresarial e que o conhecimento acumulado durante os anos em que atua no ramo alimentício tem um valor maior do que seu detentor imagina. “Sugeri que a gente organizasse o estabelecimento para vender este know how que ele tem. Já prestei muita consultoria, muito treinamento para muitas empresas, mas o Ceará é um dos empresários mais cabeça aberta que eu já conheci”, assegura Mauro. A partir desta sugestão, aceita pelo Ceará por ter entendido a amplitude de sua experiência e conhecimento no ramo, um tra84


balho que teve início em Campinas (SP), cidade onde Mauro morou muitos anos, pôde ser aplicado no Ceará Bar. Como dito antes, Mauro procura uma inovação dentro do ensino universitário e busca criar novas formas de envolver os estudantes com o conteúdo apresentado em sala de aula. Além da diversificação e, muitas vezes, escapulidas dos programas elaborados, Mauro criou na década de 80 uma coleção de livros didáticos e propedêuticos, que podem ser aplicados em diversas áreas do conhecimento. Esta coleção teve o objetivo de pôr à disposição do estudante livros didáticos com linguagem acessível e que condizesse com a maturidade e volume de leitura dos alunos quando adentram nos estudos universitários. Indo além, Mauro acredita na evolução de um material didático que seja fácil de manusear e que não assuste o estudante no primeiro contato. “Diante de um livro com quinhentas, seiscentas páginas, o aluno que acabou de entrar na universidade com seus dezessete, dezoito anos se assusta.” O mais importante para Mauro, na sua visão de educador, é despertar no aluno o desejo de ler. “Livros grandes não são para uso diário, estes precisam ser mais leves”, pontua. Este projeto nascido em Campinas, em parceria com o Prof. Antônio Suarez Abreu, se chamava Universidade Vida, realizado sob patrocínio da DPaschoal, uma das maiores redes de distri85


buição de pneus da América Latina. À época, teve três livros produzidos: Currículo, Manual de Sobrevivência Universitária e Como Conseguir um Emprego. Ao vir para Vitória, a vontade de continuar com este projeto não acabou e Mauro continuou produzindo. Com uma nova roupagem, o Programa Facilitando já tem publicados os seguintes assuntos: apresentação oral, normas da ABNT, leitura, redação e consultoria. Unir os dois projetos. Isso que Mauro e Ceará fizeram. A venda do know how do Ceará Bar começa pelo livro que relata a história recente do bar e sua história administrativa. “O livro é considerado o carro chefe, vai dar abertura para escrever outros nas diversas áreas envolvidas na manutenção, gerenciamento, organização, nutrição, produção, marketing do Ceará Bar”, afirma Mauro. Profissionais de todas estas áreas escreverão, de acordo com sua competência, livros didáticos explicando qual é o modo operacional escolhido para cada setor do Ceará Bar. O objetivo do Programa Facilitando é proporcionar ao professor um material que estimule o diálogo perante um estudo de caso real. Material didático que dinamize o aprendizado com uma linguagem acessível e abrangendo diversas áreas do conhecimento, a partir do exemplo real e pulsante do Ceará Bar. E mais do que o material didático, o know how do bar também está disponível. “Os livros

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estão sendo escritos para vender este conhecimento para faculdades ou mesmo outros donos de bares que se interessarem.” Este projeto para o Ceará é de grande valia, por colocar o bar em evidência, permitindo que seja objeto de estudo e, quem sabe, modelo de gestão para outros empresários. A perspectiva de vender o know how que detém abre possibilidade para ele ocupar outros espaços dentro de seu empreendimento. Depois desta fase de formatação setorial e aperfeiçoamento de seus serviços, o Ceará não precisará ocupar funções que hoje são de sua responsabilidade, podendo direcionar sua atenção para outros projetos. Este investimento na reorganização do bar vai um pouco mais além do que a real necessidade de melhorar os serviços oferecidos. Quando pensa no futuro do Ceará Bar, Lourival avalia também qual será o lugar que quer ocupar no negócio e não, como agora, o lugar em que precisa estar presente. Esta projeção está sendo feita e a possibilidade de vender o conhecimento abre um leque de novas funções que poderão aparecer. Vender a experiência acumulada durante esses anos demandará ao Ceará tempo para prestar consultorias, conversar com estudantes e receber interessados em conhecer seu estabelecimento. Outro projeto especulado desde o dia em que adicionou o pastel de siri ao cardápio do Ceará Bar, ainda quando se localizava 87


na Avenida Alberto Torres, é a ampliação da venda do produto que hoje é carro-chefe de seu empreendimento. Pensando em alternativas, durante sete anos ele vem observando que tem aumentado o número de clientes que vão ao bar, fazem o pedido e o levam para casa e isso o estimulou a pensar na idéia de montar um delivery do famoso petisco. “Acho que é um bom mercado, muita gente já está fazendo, não é novidade. Mas em termos de boteco, é um dos primeiros”, aposta. Apesar de o bar hoje ter uma cozinha muito bem estruturada e um quadro de funcionários em ascensão, devido ao aumento do número de clientes, Ceará acredita que o delivery não pode ser instalado na mesma cozinha que atende ao movimento intenso do bar. “Não pode ser aqui. Não dá pra atender os dois ao mesmo tempo. E essas coisas você tem que entrar pra fazer direito. Tentou, demorou a atender, não atendeu bem: você morre.” E como não pode arriscar entrar despreparado neste novo caminho, já estuda a possibilidade de ampliação da estrutura física do bar.

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Atenção e presença Todos estes cuidados que Lourival tem com o seu negócio se refletem na sua presença constante no Ceará Bar. Sempre com um sorriso no rosto, conversa com os amigos que chegam ao bar, com os clientes que semanalmente marcam presença e também com as pessoas que vão ao Ceará Bar pela primeira vez. Não é difícil vê-lo indo, de mesa em mesa, cumprimentar as pessoas e perguntar se foram bem atendidas, se o peixe estava fresco e suculento, se a batidinha estava como um sorvete e se a cerveja estava gelada, como deve ser. 89


E, pontuando, o Ceará Bar vive repleto de mesas ocupadas, sua rotatividade é bem alta. Não é somente na hora de abrir o bar que ele está presente. Também não é difícil encontrar Lourival no início da manhã. Chega cedo para resolver as demandas do dia, junto com sua mãe, seu braço direito. Ligar para fornecedores, fazer o pagamento dos funcionários, checar as contas do dia anterior, verificar o que precisa ser reparado no bar, receber a encomenda de peixe... Dentre outras coisas, como conversar com o Osmar, gerente do bar, para ver se está tudo correto; conversar com sua mãe, para saber o que precisa ser comprado para que não falte no estoque. Participar de todos os passos do seu empreendimento é algo que Lourival sempre fez. Esse é um traço bem definido de sua personalidade. Como aprendeu desde criança, Lourival não se furta a limpar mesas, pegar cerveja, fechar contas no caixa, servir batidinhas ou pegar os pedidos de pastel e peixe na cozinha. Mesmo tendo uma equipe estruturada de funcionários no atual momento, ele não se sente acomodado. A atenção aos pequenos detalhes do funcionamento é fundamental para que o dono saiba o que está acontecendo em seu estabelecimento. Esta proximidade permite que Lourival per90


ceba, logo no início, quando um serviço não está sendo oferecido de acordo com os critérios de qualidade estabelecidos por ele, ficando mais fácil encontrar a solução adequada antes que um descuido se transforme em um problema. “As coisas são imperceptíveis. Vai perdendo seu cliente, perdendo uma coisa, perdendo uma qualidade aqui, outra ali, só se dá conta quando o negócio já está à vista.” O ato de observar e estar atento se complementa com as sugestões e críticas que chegam até ele. Como tem entre seus clientes muitos amigos e velhos conhecidos, pode sempre contar com a opinião deles. O interessante é que esta “rede” de amizade funciona como um termômetro de qualidade para o Ceará. “É uma rede de amigos, as pessoas que vêm ao bar sabem que eles são meus amigos. Então, como não se dirigem a mim, por não terem intimidade, falam com eles.” Como Ceará não é adepto da “caixinha de sugestões”, procura ouvir com atenção as críticas que o alcançam, e afirma: “Um grande erro do empresário é achar que se a casa está cheia e o dinheiro está no caixa, as coisas estão certas. É o que eu falo sempre, não é assim.” Ele associa este descuido a uma doença: “É uma doença, um cancerzinho, sem sintoma. Só vai percebêlo quando já está completamente enraizado, quando é muito mais difícil de curar.” 91


Todo este cuidado é para não ouvir sequer uma reclamação. Infelizmente é muito mais comum ouvir reclamações do que elogios. E para Lourival, o fato de uma reclamação ter chegado aos seus ouvidos significa que outras cem já estão sendo feitas sem que ele saiba. Por isso, ele faz questão de estar presente no bar. Fato interessante ocorreu quando seu amigo e ex-prefeito de Vitória, Luiz Paulo Velloso Lucas - chamado por Lourival apenas por LP - junto com mais dois amigos do mesmo círculo de amizades, numa tarde, foram fazer uma visita ao Ceará. Ao sentarem na varanda da sede atual, os três sacaram, cada um, um charuto. Levando em conta que um charuto não é coisa que acabe rápido, e preocupado com sua clientela que logo chegaria, Ceará pediu que não os ascendessem. O pedido foi motivo de chacota, por saberem como é o amigo quando se trata do cuidado que tem com seus fregueses e como isso é importante para ele. Estar sempre presente significa, para ele, passar segurança aos seus clientes. Com esta prática ele está dizendo que, se algum problema ocorrer no bar, ele estará lá, a postos, para resolver. Além disso, como ele mesmo diz em tom de brincadeira, “todo mundo quer ser amigo do Presidente, no mínimo do Ministro!”, referindo-se ao fato de os fregueses terem a oportunidade de fazer a reclamação ou sugestão diretamente à pessoa respon-

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sável pelo estabelecimento. É com este espírito empreendedor que Ceará administra o bar, desde quando o assumiu. A recompensa da dedicação chega de várias maneiras, desde a satisfação do cliente com o clima e o que consome até a premiação tripla da edição de 2007 do Prêmio O Melhor da Cidade da Revista Veja Espírito Santo nas categorias Melhor Boteco, Melhor Pastel e Melhor para Petiscar. Pessoa que sempre está ao lado de Ceará atuando para o sucesso deste investimento é sua esposa Adriana. Desde a época do Trailler, na Enseada do Suá, estão juntos e unidos quando o assunto é a melhoria do bar e seu atendimento. Hoje o casal tem a felicidade de ter o Eduardo. Com quase um ano de vida, a semelhança com a agitação e o sorriso do pai já é explícita. Além das conversas com sua esposa, Ceará presta muita atenção no que dizem os amigos de longa data que sempre estão presentes em sua vida. O Sr. Gilberto Michelin é um deles. Conselho por ele dado e praticado à risca por Ceará é: “Tenha sempre o pé no chão e se mantenha em atividade.” Sobre esta iniciativa de vender o seu know how, o amigo Luiz Paulo avalia: “É muito interessante que o Ceará esteja procurando teorizar sua experiência para que possa ser ensinada, 93


valorizada como um caso de sucesso no negócio em que se tornou especialista. É importante analisar como o Ceará Bar agregou valor ao bairro, à cidade, à vida noturna e à vida social da família capixaba.” Luiz Paulo acredita que o Bairro de Jucutuquara tenha um nato potencial para abrigar a noite cultural da capital Vitória. “O freqüentador do bar do Ceará é um tipo típico de Vitória, de uma Vitória tradicional. É um torcedor do Saldanha ou do Álvares, que acompanha o remo, que acompanha o basquete, que gosta de samba.” Como passou muitos anos morando no Rio, compara Jucutuquara com uma mistura de Madureira e Vila Isabel, bairros boêmios freqüentados por cariocas. Apesar desta comparação, pondera que “o Ceará é único. No RJ não tem nada parecido, nunca vi. Nunca vi um bar tão focado, com tanto sucesso, com uma personalidade tão bem definida”. Ele conta que, certa vez, em uma de suas voltas de Brasília – hoje ocupa uma cadeira na Câmara dos Deputados – ouviu dois homens conversando no avião e o assunto era o Bar do Ceará. Um deles, que já havia ido ao bar, comentava que levaria o amigo para conhecer o local que havia descoberto. A presença de familiares também é marcante nas decisões administrativas do empreendimento. Cláudia, sua irmã do meio, 94


A badalação na nova sede do Ceará Bar.

formada em Artes, elabora, junto com Mauro, um livro sobre manutenção. A Solange, irmã mais velha, é a responsável pelas sobremesas servidas no bar e já está escalada para compor o time que trabalhará no delivery.

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Tio Onésio, como todos o chamam, é irmão de Oswaldina e sempre, desde a primeira fase do bar, está por perto. No começo, ajudava quando o movimento ficava muito intenso, conta Oswaldina. Hoje, é o braço direito de Osmar, ajudando na gerência do bar. O futuro do Ceará Bar é promissor e mais uma pessoa da família está presente nele. A filha de Ceará, Camila, uma moça simpática e sorridente, acaba de entrar na faculdade e optou pelo curso de Administração. Alguém tem dúvida de que o tradicional Ceará Bar fará parte da vida social capixaba ainda por muitos anos? Camila aos oito anos filha de peixe...

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