O COPIANÇO
NA
UNIVERSIDADE: o grau zero na qualidade
Título: O Copianço na Universidade: O grau na qualidade Autor: Ivo Domingues Design gráfico e paginação: Media XXI / Ana Chapado Editora: Media XXI / Formalpress – Publicações e Marketing, Lda Impressão e acabamento: Gráfica Almondina
Reservados todos os direitos de autor. Esta publicação não pode ser reproduzida, nem transmitida, no todo ou em parte, por qualquer processo electrónico, mecânico, fotocópia, gravação ou outros, sem prévia autorização escrita da Editora e do Autor. Media XXI / Formalpress – Publicações e Marketing, Lda Rua Professor Vitor Fontes, n.º 8D, Telheiras, 1600-671 Lisboa E-mail: formalpress@gmail.com Telefone: 217 573 459 Fax: 217 576316 ISBN: 972-99351-8-1 Depósito Legal n.º 000000/06
ÍNDICE DE CONTEÚDOS
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Cap I Práticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
17
Cap II Atitudes face ao copianço . . . . . . . . . . . . . . .
57
Cap III Controlo Social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
91
Cap IV Viva a Reprodução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147 Cap V O grau zero. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189 Bibilografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 219
ÍNDICE DE TABELAS Tab 1
Quem copia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
21
Tab 2
Quando se começa a copiar . . . . . . . . . . . . .
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Tab 3
Associação entre sexo e início da prática do copianço . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Associação entre curso e início da . . . . . . . . prática do copianço. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Tab 5
Associação entre curso e modos de copiar . .
28
Tab 6
Associação entre género e modos de copiar .
29
Tab 7
Razões para copiar . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
31
Tab 8
Razões para não copiar nalguns exames . . . .
36
Tab 9
Prática de não copiar segundo área
Tab 4
científica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
38
Tab 10 Razões para não copiar em nenhum exame. .
39
Tab 11 Efeitos do copianço. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
47
Tab 12 O que se valoriza na avaliação . . . . . . . . . . .
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Tab 13 Quais os professores que mais e menos controlam o copianço . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Tab 14 Controlo aquiescente instrumental . . . . . . . .
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Tab 15 Controlo denunciador inibido . . . . . . . . . . . . 100
Tab 16 Controlo dramático . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101 Tab 17 Controlo denunciador condicionado. . . . . . . . 104 Tab 18 Controlo aquiesecente instrumental . . . . . . . 106 Tab 19 Controlo denunciador penalizador. . . . . . . . . 108 Tab 20 Controlo dramático . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111 Tab 21 Controlo denunciador condicionado. . . . . . . . 112 Tab 22 Controlo preventivo activo . . . . . . . . . . . . . . 114 Tab 23 Controlo passivo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116 Tab 24 Controlo preventivo normativo . . . . . . . . . . . 117 Tab 25 Controlo preventivo retórico . . . . . . . . . . . . 119 Tab 26 Controlo correctivo penalizador . . . . . . . . . . 121 Tab 27 Controlo correctivo instrumental defensivo . . 123 Tab 28 Controlo correctivo penalizador progressivo. . 125 Tab 29 Controlo correctivo instrumental demissionário. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127 Tab 30 Controlo preventivo penalizador . . . . . . . . . . 129 Tab 31 Controlo preventivo activo . . . . . . . . . . . . . . 131 Tab 32 Controlo preventivo normativo. . . . . . . . . . . 132 Tab 33 Controlo penalizador . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134 Tab 34 Controlo instrumental defensivo . . . . . . . . . . 136 Tab 35 Controlo retórico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138 Tab 36 Controlo penalizador retroactivo progressivo . 140 Tab 37 Controlo correctivo instrumental demissionário. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142 Tab 38 Controlo correctivo progressivo . . . . . . . . . . 144 Tab 39 Denúncia dos colegas . . . . . . . . . . . . . . . . . 168 Tab 40 Cooperação no desvio segundo os alunos . . . 171
ÍNDICE DE IMAGENS Imagem 1 Representação discente do copianço . . . . 178
APRESENTAÇÃO
PORQUÊ O COPIANÇO As práticas de fraude na avaliação escolar são muito diversas e ultrapassam as provas de exame, incluindo a apresentação de trabalhos, a assinatura de folhas de presença nas aulas e a justificação de faltas. Restringi este estudo às práticas de copianço por estas razões: os exames são, na maioria dos casos, a principal prova de avaliação escolar; os exames são a mais ritualizada das provas e, por isso, mais convoca as posições sociais e a cultura organizacional; os exames são a mais controlada prática de avaliação, pois são realizados em situação de co-presença. Por isso, a prática do copianço é mais fiel indicador da eficácia e da eficiência dos processos de avaliação e da organização normativa das condutas docentes e discentes. Esta pesquisa foi realizada numa universidade portuguesa, constituindo estudo de caso que, por compreensível conveniência, aqui se não identifica. A sua natureza não permite a generalização de resultados ao universo das organizações de ensino superior com o apoio da legitimidade estatística. Contudo, a ideia de que a realidade nesta universidade retratada se pode encontrar, nos seus traços essenciais, nas demais organizações de ensino conta com o apoio de inúmeras evidências empíricas que todos conhecemos. O estudo de caso permite a generalização do modelo de análise teórica nele usado quando este se revela capaz de proporcionar leitura problematizadora da realidade organizacional e facilitadora da compreensão do objecto investigado. Contudo, neste caso não sigo nenhum quadro teórico previamente constituído, pois vou convocando e
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alinhavando contributos teóricos à medida que eles se revelam capazes de explicar a realidade observada. Por isso, ele ganha em diversidade o que perde em consistência e a generalização teórica permite adopção de diversos e complementares olhares sobre a prática do copianço. No início, eu apenas queria exercitar o jeito dos sociólogos para se distanciarem da familiar realidade e, nesse gesto quase mágico de transfiguração, transformar o familiar em estranho, o conhecido em desconhecido, para mais facilmente penetrar as estruturas aparentes da realidade e construir olhar que viabilizasse interpretação sociológica das práticas sociais da formação superior. Depois, à medida que fui construindo sentidos para os resultados que a investigação ia libertando, fui alargando o objecto, um pouco surpreendido pelas estruturas que ia descobrindo e, o mesmo é dizer, pelas interpretações que ia formando para as minhas próprias práticas de ensino e avaliação, como quem se redescobre à medida que avança no conhecimento dos outros. Agora, que escrevo esta introdução, sinto que os resultados do estudo não terão escapado à disciplina intelectual do investigador, mas receio que a leitura que deles faço e a atribuição de significados que proponho possa aqui e acolá sair do caminho da disciplinada lógica da leitura científica que, em consciência, sempre quis seguir. E, sobretudo, receio ainda mais que possam alimentar formulação de juízos demasiado fáceis e até injustos sobre práticas de professores e alunos. Este estudo oferece oportunidades de reflexão sobre práticas académicas e estimula adopção da melhoria dos processos formativos. Pelo menos, eu acredito que as O Copianço na Universidade: O grau zero na qualidade
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organizações de ensino devem fazer esse caminho para melhor realizarem a missão que a sociedade lhes confia e para mais contribuírem para a competitividade nacional. Toda a gente passa pelo sistema educativo formal largo tempo da sua vida, incluindo período da formação do seu carácter. Se a frequência escolar socializa para a prática mais ou menos generalizada da fraude, a longa passagem pelas organizações formativas socializa para o desvio e desenvolve competências éticas orientadas para a não conformidade normativa. Os processos de formação e avaliação escolar permitem indesejáveis efeitos. Por um lado, por meio da substituição de objectivos formativos que permite, dificulta o desenvolvimento de desejadas competências, enfraquecendo a empregabilidade dos formados e deslocando para as organizações empregadoras indesejados custos de formação básica. Por outro lado, ao socializar para o desvio durante o longo percurso da formação escolar, estimula a interpretação permissiva das regras que integram os diferentes códigos – civil, rodoviário, administrativo, fiscal, deontológicos – e este currículo oculto é mais importante do que se conhece ou reconhece. Por fim, através da socialização institucional que opera, favorece práticas de infidelidade normativa em vez de práticas respeitosas das normas, desenvolve a cultura da permissividade face à cultura do rigor, reduz a capacidade competitiva das organizações e enfraquece as possibilidades de sucesso da nação. Arrisco esta leitura porque vislumbro relação entre o laxismo na avaliação e a socialização para o desvio normativo,
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entre a lassidão normativa e a predisposição para práticas desorganizadas e mesmo corruptas. Por outras palavras, não se pode pensar em potenciar a competitividade do país sem reduzir a desregulação e a corrupção, não se pode atacar estas deixando de fora a longa formação praticada nas organizações educativas. A grande maioria da população é socializada, nas organizações escolares, para práticas de fraude e o modo interiorizado de ver as regras como constrangimentos a contornar ou como oportunidades a explorar converte-se em hábitos organizadores da conduta diária. Este argumento parece e acredito que seja lógico. Contudo, não nos podemos esquecer que, em matéria de comportamento organizacional, existem diversas lógicas, variados caminhos possíveis. Assim, a predisposição socializada para a fraude pode ser inibida pelo conteúdo dos cargos e dos papéis sociais que os materializam, bem como pelos dispositivos de controlo organizacional da actuação. Esta possibilidade permite admitir que esta relação não seja linear e que haja alunos que praticaram a fraude escolar e, apesar disso, se tornam bons cidadãos.
METODOLOGIA Recorro a dados quantitativos, recolhidos junto de alunos, e qualitativos, recolhidos junto de alunos e professores. Em qualquer dos casos, foi realizada por alunos. A pesquisa quantitativa teve dois momentos. Um de maior dimensão, teve por universo todos os alunos da universidade. A amostra é não probabilística e foi constituída pela técnica da amostragem por cachos. A
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recolha ocorreu no final do ano lectivo de 2002/03, foi realizada por alunos nas salas de aulas, depois de pedida autorização aos docentes. A amostra tem a seguinte composição que passo a descrever. Sexo: feminino 60%; masculino - 39%; não responde - 1%. Idade: <20 anos - 6%; 20-25 anos - 82%; >25 anos - 11,5%; não responde - 0,5%. Regime de estudos: ordinário - 89%; estudante trabalhador - 10%; outra - 1%. Ano curricular frequentado: 1º ano - 7%; 2º ano - 4%; 3º ano - 12%; 4º ano - 74%; 5º ano - 3%. Foram usados dois questionários. Estes tinham em comum todas as variáveis analisadas no capítulo I e no capítulo IV, onde foram tratadas em conjunto, e tinham de diferente dois conjuntos de variáveis que permitiam, num deles, medir a frequência das práticas e, noutro, a adequação das práticas de professores e alunos, cujos dados são analisados no capítulo III. Foram obtidos 584 exemplares válidos do primeiro questionário e 584 exemplares do segundo, totalizando 1177 questionários válidos. O outro momento, de reduzida dimensão, ocorreu no ano lectivo de 2001/02, numa turma de 50 alunos, do 3º ano, e recorreu a questionário com escala de diferencial semântico. Os seus dados são usados no capítulo IV. A pesquisa qualitativa foi realizada no ano lectivo de 1997/98. A recolha foi realizada junto de 20 professores e de 40 alunos nos bares e corredores frequentados por colegas e nos gabinetes dos professores. Recorreu a entrevista semi-directiva. Estes dados são usados no capítulo II e, de modo mais latente, no capítulo IV.
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ESTRUTURA DO LIVRO No capítulo I, designado ‘Práticas’, faço descrição do copianço. Apresento dados sobre quem copia e quanto copia, por que se copia e se não copia, os efeitos percebidos do copianço, os objectos de avaliação escolar, os professores que não deixam copiar. Aqui procuro, sobretudo, descrever quantitativamente alguns aspectos da realidade, tidos por relevantes para descrever o fenómeno do copianço. No capítulo II, designado ‘Atitudes’, rastreio e descrevo atitudes de estudantes e professores face ao copianço. Produzo leitura do copianço como prática adaptativa à contextualidade da avaliação. No final, apeio a descrição para dar lugar a análise das tensões normativas e contradições pragmáticas de estudantes e professores, realçando as ambiguidades, contradições e omissões daquele complexo fenómeno. No capítulo III, designado ‘Controlo social’, caracterizo e analiso diferentes componentes permitidos pela análise factorial. Analiso, quanto à frequência e quanto à adequação, as práticas docentes e discentes percebidas pelos alunos. Aqui identifico, caracterizo e ponho em confronto diferentes práticas de controlo social. Os dados foram recolhidos com base em questionário estruturado inspirado nos dados da pesquisa qualitativa descrita no capítulo II. No capítulo IV, designado ‘Viva a reprodução’, proponho explicações diversas e convergentes das práticas de avaliação e de silêncio. Aproveito a diversidade de
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pontos de vista teóricos que convoco para libertar tantas interpretações quantas possíveis de modo a proporcionar leituras compreensivas diversas e, sobretudo, procurar factores que permitem o copianço como prática massificada e recursivamente actualizada nos processos de avaliação. No capítulo V, designado ‘Grau zero’, exploro definições consagradas da qualidade que aplico à análise da avaliação escolar. A aplicação daquelas definições apura o olhar e torna mais visíveis aspectos que doutro modo menos bem se descortinariam. Analiso o copianço como prática da não qualidade para convocar a ideia de que, nesta matéria, nos encontramos no limite mínimo que também pode ser limiar das práticas da melhoria e da mudança.