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Como os estudantes têm transformado Portugal
Ajudar não tem dia nem hora marcada. Os doze projetos que conhecemos, ao longo das próximas páginas, são a prova viva disso mesmo. São o resultado do trabalho de jovens e cidadãos atentos à comunidade, prontos a arregaçar as mangas e capazes de, com uma ideia prática, impactar a vida dos que os rodeiam. O movimento Transforma Portugal apresentou o mote, disponibilizando um microfinanciamento para projetos de voluntariado realizados por estudantes no combate à Covid-19. O espírito crítico e a vontade de ajudar dos estudantes fizeram o resto. Conhece aqui algumas das suas histórias, contadas no início de 2020.
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Texto: Rúben de Matos
Easy Future. Descomplicar o futuro
Se a entrada no Ensino Superior já representa, por si só, um processo complexo, as alterações introduzidas pela pandemia vieram complicá-lo ainda mais. A “Easy Future” procura contrariar estas dificuldades, reunindo todas as dicas e informações numa só plataforma.
Quando, ainda no Secundário, a entrada no Ensino Superior começa a tornar-se cada vez mais próxima, há rituais que se tornam quase semanais na vida de um estudante. Para lá da normal busca intensiva de quais os cursos a ponderar, o cálculo da média torna-se tradição. Há quem utilize as calculadoras disponibilizadas online, e há quem crie o seu próprio método. Tiago Oliveira pertence a este último grupo. O famoso Excel que criou rapidamente tornou-se um sucesso na escola. O jovem de Barcelos, agora já a estudar Física na Universidade do Porto, confessa-se um “apaixonado” por todo o processo de entrada no Superior. Mais do que isso, aos poucos foi tornando-se um expert na matéria. Os colegas de turma já lhe reconheciam o valor, e era a ele que recorriam quando tinham alguma dúvida. Com o confinamento, decidiu começar a partilhar dicas nas suas redes sociais. Até que um amigo lhe lançou o desafio de tornar a paixão em algo mais sério.
Ligar os estudantes
Surgido o desafio, Tiago passou os dias a pensar como poderia dar corpo à ideia. A equipa começou com seis estudantes e, rapidamente, cresceu para lá das expetativas. “Foi um
crescimento brutal. O projeto nasceu apenas em maio de 2020 e já chegámos a milhares dos jovens em todo o país. Já temos buscas de todos os concelhos do país”, conta. O trabalho pode parecer fácil, mas Tiago leva-o muito a sério. “Eu passei as férias de verão (de 2020) a trabalhar nisto. Dá trabalho. E fomos bem claros nas últimas candidaturas que abrimos: conciliar tudo é difícil, mas temos de saber fazê-lo”, diz. Hoje, a equipa tem já 16 membros de norte a sul que asseguram conteúdos diários. Para além do site, há espaço para outros projetos. É o caso dos webinares online e da iniciativa “Interligar o País”, que conecta já mais de 500 estudantes por via do Whatsapp. O objetivo é simples, conta Tiago: “Queremos ligar os estudantes quando devíamos estar mais afastados do que nunca”. Com o financiamento do Transforma Portugal, querem “O projeto nasceu apenas em tornar-se Associação Juvenil. Já maio de 2020 e já chegámos a a espreitar o olho a um sonho milhares dos jovens em todo o que não é impossível, conclui: “Gostava que um dia a equipa país. Já temos buscas de todos pudesse ser remunerada. Se o os concelhos do país” conseguisse, provavelmente ficaria por aqui. Entre trabalhar nisto ou passar os meus dias a fazer relatórios científicos, não tenho dúvidas do que é que me dá mais prazer”.
UMSumário. Do problema à solução
A suspensão das aulas presenciais foi um desafio para todos os alunos, em especial para os mais jovens. A Associação Académica da Universidade do Minho (AAUM) mostrou-se atenta ao problema e lançou o projeto “UMSumário”.
Durante o ano de 2020, as novidades na vida dos estudantes não se traduziram apenas em mudanças na forma de ingresso no Ensino Superior. Se, nas instituições de ensino superior, a adaptação pode ter sido mais fácil, dada a maior autonomia dos estudantes, do lado dos mais novos o processo foi mais exigente. E o que tem uma universidade que ver com isto? “Tudo!”, responde sem hesitar Margarida Santos. Com 21 anos, Margarida é vicepresidente para a área social da AAUM. “Como associação académica, não queremos apenas influenciar a vida dos nossos estudantes. Queremos também ter um impacto real na comunidade que chegue ao maior número de pessoas”, destaca a estudante de Medicina. De uma adversidade identificada – a suspensão do ensino presencial –, a equipa começou a pensar como poderia atenuar o impacto negativo da mudança, especialmente junto das crianças do Ensino Básico. “As crianças não iam só ficar com fragilidades na aprendizagem. Iam a passar a sentir algo que muitas nunca tinham sentido – a solidão. Achámos importante procurar contrariar as duas coisas”, recorda. Assim nascia o “UMSumário”. Os alunos de todas as áreas da instituição foram aos poucos tornando-se voluntários. Atualmente, a iniciativa vive já a terceira edição, e chega a cerca de 100 crianças. Em todo o processo, a equipa da AAUM assegura a ligação entre os pais que inscrevem os seus filhos e os voluntários. Cada um dos voluntários especifica quais as disciplinas em que se sente mais à vontade, e recebe depois uma formação base para estar à altura do desafio. Uma vez feito o match, o voluntário assegura um acompanhamento escolar à distância, onde há sempre espaço para o convívio. O projeto aposta ainda na lecionação, em formato presencial, de Português Língua Não-
“Como associação académica, Materna a crianças e jovens migrantes, em articulação não queremos apenas influenciar com um colégio e uma a vida dos nossos estudantes. ONG local. Mas o objetivo é sempre crescer, e chegar até a Queremos também ter um impacto crianças institucionalizadas. O real na comunidade que chegue ao maior número de pessoas.” financiamento do Transforma Portugal pode ajudar: “O nosso sonho é podermos adquirir computadores para poder chegar a cada vez mais crianças”. Para já, o feedback das que integram o projeto é recompensador. A prova de que a solução certa permitiu dar a volta ao problema, com pontos extra: “Conseguimos perceber que, realmente, aquela hora semanal marca pela positiva a vida das crianças”.
Friends in the arts. A jogada certa no momento certo
Para lá da saúde, a Covid-19 veio por à prova a economia e o mundo laboral. O trabalho remoto é uma nova realidade e pode abrir portas por todo o mundo.
Também no mundo da arte. O “Friends in the arts” quer dar uma ajuda.
É difícil conseguir associar uma cidade à vida de Francisca Gigante. Em Portugal, licenciou-se em Comunicação Social e Cultural. Nessa altura, o sonho de ser jornalista começou a ser ultrapassado pela vontade de trabalhar no mundo da arte. Por isso, rumou a Nova Iorque para tirar um mestrado na área. Em solo norte-americano, conheceu os maiores galerias e empresários da área. Na parte final do mestrado, já em Londres, surgiu a oportunidade de estagiar numa das mais prestigiadas galerias de Veneza. À segunda tentativa conseguiu uma vaga. Foi lá ainda que nasceu a ideia do “Friends in the arts”, no início de 2020. A pandemia veio cancelar toda a programação cultural da cidade e Francisca, hoje com 27 anos, decidiu regressar a Portugal. Em outubro de 2020, a plataforma foi lançada. “Nascemos com o objetivo de facilitar a procura de emprego dos jovens nesta área. Queremos juntar estes novos talentos a outros profissionais que já estão enquadrados no mundo de trabalho e a associações já estabelecidas que possam facilitar a procura”, explica. Os jovens podem fazer uma subscrição mensal, e assim ter acesso a todas as ofertas. Em pouco mais de sete meses de atividade, os friends eram já 153. Oito já conseguiram fechar contrato. lançando a “FITA´S magazine” – uma publicação artística bianual aberta à comunidade. Está na calha também a promoção de uma série de eventos culturais em Lisboa, durante o verão, em parceria com uma das freguesias da cidade. A meta máxima é fácil de definir: “Queremos fazer os possíveis e os impossíveis para que todos os friends consigam encontrar emprego”. “Acreditamos que o emprego é a base para o sucesso não só profissional, mas também para o próprio bem-estar das pessoas. E depois essas pessoas ficam tão contentes, que querem ajudar. E assim continuam a criar-se oportunidades”. “Não estava a contar, mas neste
“Queremos juntar estes novos momento isto é já quase como se fosse uma fita que está a talentos a outros profissionais crescer e a espalhar-se pelo que já estão enquadrados mundo”, acrescenta Franscisca. no mundo de trabalho e a Os tempos, apesar de difíceis para a Cultura, foram a altura associações já estabelecidas que certa para a jogada certeira de possam facilitar a procura.” espalhar o talento pelo mundo, “de Nova Iorque a Xangai”.
Uma FITA pelo mundo
A equipa, agora com nove pessoas, apostou também na criação de uma publicação impressa, com o apoio recebido do Transforma Portugal,
RITMOSS. Aliar a música à solidariedade
A música é a linguagem universal. Vários géneros e diferentes artistas conseguem chegar a todos. Com o projeto RITMOSS, três jovens de Braga querem utilizá-la para chegar às crianças. E ainda falar de saúde.
O nome do projeto não deixa esconder durante muito tempo qual é o seu maior propósito. Ainda assim, há uma explicação mais complexa por detrás destas sete letras. RITMOSS é o mesmo que dizer “R”espeito, “I”integração, “T”olerância, “M”otivação, “O”timismo, “S”ociabilidade e “S”olidariedade. A explicação é dada por Francisca Campos. “Estudo Direito, mas sempre tive em mim o desejo de querer fazer qualquer coisa na área da música. Com a pandemia, queria mesmo sentirme útil e percebi que era o tempo certo para o fazer acontecer”. Em duas amigas de sempre, a bracarense de 20 anos diz ter encontrado as pessoas certas para meter em marcha um duplo desejo. Francisca e Mara ficam-se pela música. Beatriz, estudante de Enfermagem, é a responsável pela partilha de conhecimento na área da saúde. Querem, com a música, chegar aos bairros mais carenciados da cidade e permitir que essas crianças contactem com uma realidade a que dificilmente teriam acesso de outra forma. O financiamento do Transforma Portugal ajudará na compra de instrumentos a ser usados nas sessões. Do lado da saúde, não querem deixar de ter em cada sessão aquilo a que chamaram de “10 minutos de saúde”. Numa altura em que os mínimos cuidados podem fazer a diferença na prevenção do contágio, a mensagem a passar é mais importante do que nunca. “Quando dizemos que devemos lavar as mãos regularmente, que fumar mata… aquelas crianças não têm essa noção. Não têm as bases que nós tivemos”, conta Francisca. A música, dizem, é a melhor forma de o fazer. Apesar de criado, o projeto ainda não está no terreno. Fazê-lo nos próximos meses é um desafio a cumprir. Isso e alargar as sessões a um conjunto de outras áreas, como o ensino do Português ou o Teatro. Se conseguir passar a estas crianças o quão importante a música também foi na sua infância, Francisca diz-se feliz: “Eu quero que aquelas crianças saiam dali e digam: ‘Isto foi mesmo bom’. Mas também quero passar valores. Eu sei o quão importante foi para mim ter desde nova o método e a disciplina que a música nos passa”. Com a música e a solidariedade, a jovem espera conseguir cumprir este objetivo com distinção. “Isto não é mesmo conversa. Se acrescentar alguma coisa à vida destas crianças, já vale a pena”, conclui.
Serenatas Solidárias. O mesmo encanto de sempre
O Fado é o elo de ligação dos dez jovens que integram o Grupo de Fados do Instituto Superior de Engenharia do Politécnico do Porto (ISEP). A pandemia obrigou-os a parar. Querem agora reavivar a tradição e levá-la aos mais velhos, através de “Serenatas Solidárias”.
Quem já pisou um palco, dificilmente esquece a sensação. Estar em cima das tábuas, a cantar ou tocar, torna-se quase viciante, mesmo para quem não é músico a tempo inteiro. No caso de dez estudantes do ISEP, a Engenharia ocupalhes grande parte do tempo. Com 23 anos, João Pedro Novais, por exemplo, está a terminar o mestrado em Engenharia Mecânica. A par da exigência do curso, o espaço para cantar está sempre lá. O grupo organiza todos os anos uma Grande Noite de Fados. Mas também “Os idosos são os nossos melhores surgem os convites para tocar em outros palcos, espetadores. Há sempre muita emoção até além-fronteiras. França, à mistura. Porque o Fado Estudantil EUA ou Suíça são alguns dos países que relembra tocou a vida destas pessoas.” sem pensar muito no assunto. “Lembro-me especialmente de um concerto em França. Cantámos numa Catedral para 600 pessoas”, recorda. As memórias vividas em grupo são muitas: “Quando atuamos juntos, é uma montanha-russa de emoções, para o bem e para um mal”. Com a pandemia, essas atuações deixaram de acontecer. A feitura de memórias ficou em suspenso. Mas a vontade de fazer música manteve-se lá. Foi então que a Presidência do Instituto lhes lançou o desafio: cantarem para os mais velhos.
O fado e a gratidão
O desafio foi aceite. O grupo entrou em contacto com a junta de freguesia de Paranhos, uma das maiores da cidade, que assegurou a ligação aos lares. Pouco tempo depois, o Transforma Portugal abriu candidaturas e assumiu-se como mais um apoio no caminho até dar vida ao projeto. A abertura do país vai permitir chegar a ainda mais pessoas. Para lá do gesto, o fado traz à tona lembranças de uma vida. “Os idosos são os nossos melhores espetadores. Há sempre muita emoção à mistura. Porque o Fado Estudantil tocou a vida destas pessoas. Algumas das músicas tiveram um papel de luta muito grande durante o Estado Novo, e fazem recordar esses momentos”, lembra o portuense. Não dá para esconder o brilhozinho nos olhos, de um lado e do outro. “É muito recompensador. Somos bem recebidos a fazer uma coisa de que muito gostamos. Queremos continuar a fazê-lo, menos que não seja por uma prova de gratidão. Porque o país que hoje temos também a eles muito se deve”. Ainda que com máscaras e distanciamento social, o Fado Estudantil continuou com o mesmo encanto de sempre.
Mais Comunidade. Uma nova alegria
No Minho, o projeto “Mais Comunidade” pretende melhorar a qualidade de vida dos mais velhos. Estudantes de Gerontologia do Politécnico de Viana do Castelo querem por à prova os seus conhecimentos e combater a solidão.
Grande parte dos projetos que temos vindo a apresentar nas últimas páginas são fruto de uma situação que poderia ser paralisadora, mas que, pelo contrário, culminou em ideias e respostas inéditas. O “Mais Comunidade” não foge à regra. Num curso que vive tanto da parte prática como o de Gerontologia, a impossibilidade de a realizar tornou necessária uma alternativa. Cinco alunas, onde se inclui Mariana Malheiro, confrontadas com um estágio por completar e o fecho total dos centros de dia, decidiram por mãos à obra e encarar o problema como uma oportunidade. “Queríamos muitos desenvolver um projeto em grupo. Vimos que o Transforma estava à procura de projetos e que os centros de dia estavam fechados. Por isso, tentámos preencher essa lacuna”, resume. Numa primeira fase, o processo passou pela identificação de quantos centros de dia existiam em Viana do Castelo. A listagem
continua, mas a segunda fase já está em marcha: recrutar voluntários. O projeto foi dado a conhecer a alunos do segundo e terceiro ano do curso, mas também a toda a comunidade estudantil do Politécnico.
De braços abertos
Neste momento, os voluntários vêm de áreas tão diferentes como o Jornalismo, a Enfermagem ou Gestão, e recebem uma formação à altura, para estarem aptos para o meter em prática junto dos idosos. Já nos centros de dia, para lá da normal interação, o projeto quer apostar na estimulação cognitiva e física. “Espero que este projeto me ajude As instituições só os podem a ganhar experiência, a saber receber de braços abertos: “Receberam o projeto com colocar em prática aquilo que bons olhos, porque é a estive tantos anos a aprender. oportunidade de poderem Se os utentes saírem das nossas meter em prática aquilo que às vezes não têm tempo para sessões a dizerem ‘Isto fez-me fazer”. mesmo bem! Quero continuar A prática tornar-se-á mais intensa nos próximos meses, a fazer!’ é suficientemente não só porque a evolução da recompensador.” pandemia assim o permite, mas também porque o número de voluntários está a possibilitar o crescimento do projeto. Neste momento são 40, a esmagadora maioria mulheres. Entre aquelas que construíram a ideia, a esperança é de que os frutos sejam mais que muitos. “Espero que este projeto me ajude a ganhar experiência, a saber colocar em prática aquilo que estive tantos anos a aprender. Se os utentes saírem das nossas sessões a dizerem ‘Isto fez-me mesmo bem! Quero continuar a fazer!’ é suficientemente recompensador”, conclui Mariana.
Não só o isolamento do resto do mundo passou a ser algo novo na vida de milhares de centros de dia. Coisas tão simples, como a higiene dos idosos, tornaram-se processos mais complicados… e caros. Bárbara Pereira quis minimizar o problema. Com a sua ajuda, “Os jovens seniores da Calvaria sorriem”.
O voluntariado não é propriamente algo novo na vida de Bárbara. As primeiras experiências deram-se muito por influência da disciplina de Educação Moral e Religiosa, ainda na escola. Por essa via, a sua ajuda chegou a associação como o Banco Alimentar ou a Liga Portuguesa Contra o Cancro. Já no Secundário, a estudante de Engenharia Biomédica começou a fazer voluntariado numa instituição de apoio a crianças deficientes na sua zona. “Não fazemos muito, mas para eles aquilo vale tudo. Só o facto de estarmos ali já para eles é uma alegria. É uma alegria eles receberem-me, nem consigo expressar”, confessa a jovem de 22 anos, natural de Leiria. A vontade de inventar e ajudar está também longe de ser nova. A mais recente teve como intermediária a mãe. Contabilista, a mãe de Bárbara assegura a contabilidade de um conjunto de Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) da região de Leiria. Um dia, numa simples conversa entre mãe e filha, a mãe comentou as dificuldades que uma IPSS da Calvaria de Cima, freguesia do concelho de Porto de Mós, estava a sentir na higiene que prestava aos idosos que já existia e na entrega de alimentos. É nesse ponto que o projeto “Os jovens seniores da Calvaria sorriem” surge para ajudar.
Ajudar e fazer a diferença
“Não tinha noção do total de despesas que era necessário para assegurar a higiene destes idosos”, conta Bárbara. O Transforma Portugal veio ajudar à materialização dessa vontade, ajudando a pagar as deslocações e o material necessário para a higiene. Para a ajudar, Bárbara lançou o convite a duas colegas de mestrado.
“Não tinha noção do total de Sentiu-lhes o espírito e, por isso, o tiro foi certeiro: “Apesar de despesas que era necessário trabalharem e estudarem ao para assegurar a higiene destes mesmo tempo disseram “sim” ao desafio”. A ajuda, ainda que idosos. Por isso, qualquer ajuda é pequena, faz toda a diferença. bem-vinda.” “Por mais pequena que seja a ajuda, é sempre bem-vinda”, completa. A ida a casa dos idosos tornou-se mais necessária durante os períodos de confinamento, mas continua a ser ainda urgente. “Não vejo porque não o continuar. Claro que os objetivos podem mudar, mas na prática continua a ser sempre precisa alguma ajuda”. Objetivos diferentes à parte, o desfecho é o mesmo. Com os mais novos ou os mais velhos, “basta um sorriso” para ter valido a pena, conta.
Já Dizia a Minha Avó. Recuperar tradições
Só em Portugal, meio milhão de idosos vivem sozinhos. Alguns, ainda que em lares, foram separados da família. Longe de ser uma novidade, a solidão é agora mais forte. O “Já Dizia A Minha Avó” pretende quebrá-la com o envio de cartas.
O último ano das nossas vidas foi produtivo no que ao uso de formas de reunir online diz respeito. Dezenas de aplicações, à distância de uns segundos, conseguem estabelecer o contacto visual com pessoas de outras partes do mundo. Para trás, ficaram um conjunto de tradições que correm o risco de desaparecer. Pelo menos uma delas está a ser salvaguardada pelo “Já Dizia A Minha Avó” – o envio de cartas. A ideia nasceu entre seis amigas de faculdade, a estudar no Instituto Superior de Agronomia (ISA), em Lisboa. Uma delas participou num envio de cartas a idosos, e já na altura o gesto ficou-lhe na cabeça. Numa insónia, conta-nos Maria Almeida, nasceu a conceção do projeto. A data do lançamento não foi escolhida em vão – 25 de dezembro. Porquê no fim do Natal? “Os idosos precisam de nós o ano inteiro, e não só nessa altura. Esta é uma forma de
voluntariado super fácil de pôr em prática. Não há desculpas”. A divulgação começou nas redes sociais, mas aos poucos foi chegando aos jornais e até à televisão. “Foi tudo muito orgânico. Não precisámos de ninguém para o publicitar. O projeto cresceu naturalmente”, diz. A ideia é simples: cada jovem fica ligado a um idoso inscrito no projeto, trocando cartas um com o outro. “É uma forma de criar uma relação aos poucos, quase como antigamente”, “Os idosos precisam de nós o ano acrescenta Maria. inteiro. Esta é uma maneira de “A vida do avô” voluntariado super fácil de pôr em A equipa procura agora chegar ao maior número prática. Não há desculpas.” de lares e centros de dia pelo país, mas também aos idosos que se queiram inscrever a título individual. Esse é mesmo o maior desafio. Nos primeiros meses de 2020, eram 800 os voluntários e 500 os idosos. Quantos mais os idosos, mais voluntários conseguirão participar ativamente. Hoje, a logística é bem mais complicada. “Até os intervalos de 10 minutos entre aulas servem para respondermos a e-mails”, reconhece. O Transforma Portugal veio também ajudar a cobrir os custos relacionados com os envios das cartas em algumas instituições que têm já muitos idosos a participar. A reação de jovens e idosos é recompensadora. “Ainda no outro dia estávamos numa reunião e um amigo recebeu em casa uma carta. Perguntámos-lhe o que dizia, e ele disse: ‘Não posso dizer, isto é a vida do avô’”, conta Maria, antes de conclui: “É isto que nós queremos”.
SPES. A visita possível
A solidão chegou também aos hospitais. Muitos doentes viram-se privados de receber visitas. O SPES, um grupo de estudantes de Coimbra, quiseram manter-se perto dos doentes, ainda que à distância.
Em circunstâncias normais, a visita a doentes no Centro Hospital e Universitário de Coimbra (CHUC) era já um hábito recorrente entre os estudantes que integram o SPES da cidade – um grupo do Instituto Universitário Justiça e Paz para a Pastoral do Ensino Superior. Na cidade dos estudantes, estes jovens há já muito que procuram fazer algo em prol da comunidade. Vinda diretamente de Santa Maria da Feira, Maria João Nunes, pouco depois de ter chegado a Coimbra para estudar Engenharia Química, decidiu juntar-se ao grupo. Chegou a ir ao hospital por duas vezes visitar os doentes. “Na nossa primeira ou segunda visita não nos levam a um paciente podíamos deixar morrer, ainda para mais numa circunstância dessas”, resume. Mais uma vez, a ajuda da Irmã Inês continua a ser preciosa. No hospital, foi ela quem ajudou a identificar que doentes é que estariam interessados em participar nos contactos à distância, não só por videochamadas, mas até mesmo contactos telefónicos ou cartas. Fazem parte da “Visita aos Doentes” um total de 15 voluntários.
Aos poucos, a equipa foi percebendo que existiam muitos doentes que queriam receber essas visitas, mas que não o poderiam fazer por não terem equipamentos. O Transforma Portugal veio resolver o
qualquer. Porque sabem que podemos não estar preparados para visitar essas pessoas. Para nos ajudar nessa gestão temos a ajuda da Irmã Inês”. A verdade é que a pandemia veio tornar impossível essa proximidade. Uma vez regressados à cidade em setembro, perceberam que a pandemia veio agravar a solidão desses doentes. A realidade parece ainda mais dolorosa por se tratar de um hospital central e que, por isso, recebe pessoas de todo o país que ficam longas temporadas afastadas da família. “A atividade já existia há tantos anos. Não a problema, ao possibilitar a compra de um tablet e internet para chegar a esses doentes. O SPES e as experiências que lá vive são, para Maria, como se de uma família se tratasse. “Eu recebo muito mais do que dou. Eu estou ali porque quero colaborar e aquilo que eles me dão e que me permitem crescer pessoalmente não tem preço.” Mas não haja ilusões. Nestes moldes, a “visita” aos doentes é a possível, não a desejada por todos: “Nós somos humanos, por isso queremos voltar a ter esse contacto presencial”.
Reciclar Saúde. Ajudar e receber
Sempre estiveram numa situação de vulnerabilidade. Agora ainda mais. “Reciclar Saúde” é a iniciativa que pretende ajudar os sem-abrigo de Lisboa e, ao mesmo tempo, tirar grande parte do lixo das ruas.
Se, para alguns, férias são isso as duas equipas no Cais do Sodré ou em mesmo, para Diana Rosa e duas Santa Apolónia, no Rossio ou na zona da colegas do curso de Psicologia Avenida Almirante Reis, distribuindo kits de a definição da palavra é um proteção contra a Covid-19 e alimentos. bocadinho diferente. Terminado A equipa de voluntários recolhe ainda o primeiro semestre e com dois o lixo que possa estar acumulado meses de férias pela frente, para depois fazer a reciclagem. Neste a abertura de candidaturas campo, a separação das rolhas permite do Transforma Portugal fez até já ajudar quem se pode servir nascer uma perspetiva de que, desse material para conseguir pagar pelo menos, iam ter algo com tratamentos de saúde. que se entreter nos próximos Apesar de não haver uma história tempos. O ponto de partida igual, o sentimento é sempre o pode ser traduzido em duas mesmo. “Eles conversam e ficam questões simples: “Como é que sempre agradecidos. No início podemos ajudar os sem abrigo? tinham receio, o que é normal. E como é que podemos ajudar o Não sabiam quem éramos, planeta?”. A resposta surgiu com nem quais eram as nossas o “Reciclar Saúde”. intenções. É também uma forma A plataforma disponibilizada de se protegerem pelas histórias pelo Transforma ajudou a recrutar complicadas que alguns já viveram”, voluntários, o que conta a jovem de Sintra. permite que a equipa Depois que os restaurantes esteja divida em duas puderam voltar a abrir frentes na cidade. as portas, querem poder Diana destaca ainda estabelecer parcerias com o apoio dado pela alguns estabelecimentos Comunidade Vida e Paz, do setor na cidade, para que ajudou a identificar distribuição de refeições que os sem-abrigo que possam sobrar no fim de um poderiam ser ajudados dia de trabalho. A seu tempo pelo projeto. Todas as esse crescimento deverá sextas-feiras lá estão surgir, acredita Diana.
Safe Mask Spot. As máscaras protegem a saúde, não o planeta
Nos últimos meses, nasceram novos hábitos que são hoje mais do que normais. O uso de máscara, quer em espaços interiores ou mesmo na rua, é um dos pilares na prevenção do contágio. Uma novidade com implicações significativas para o planeta.
Sair de casa para um dia de aulas ou de trabalho tem um antes e um depois. Até há um ano, era fulcral não esquecer objetos como a carteira, as chaves ou telemóvel. Neste momento, há que juntar pelo menos mais um acessório a esta equação – a máscara. O acessório, mais do que se ver onde deve verdadeiramente estar – no rosto de cada um de nós –, vê-se também cada vez mais nas ruas e passeios. E até nas praias. Se, até 2020, a poluição atmosférica era uma
das frentes que deveria merecer mais vigilância no combate às alterações climáticas, o uso de máscaras e outros plásticos descartáveis assume agora uma preocupação crescente. Miguel Matos mostrou-se atento ao problema. O jovem de 21 anos, em colaboração com dois colegas da licenciatura em Gestão no Instituto Politécnico de Castelo Branco, conta que não existiram grandes dúvidas quando lhes foi lançado o desafio de criar um projeto no âmbito do movimento Transforma Portugal: “Assim que o nosso professor de Estratégia e Inovação nos propôs a criação de um projeto, pensámos logo na questão das máscaras”, lembra. O resultado foi a criação do “Safe Mask Spot”.
Proteger a saúde e o planeta
Se há um pilhão, porque não criar um contentor onde só são depositadas máscaras? A pesquisa feita pelos estudantes levou à conclusão de que a forma correta de depositar uma máscara num contentor do lixo dito normal está longe de ser a ideal. Tal só se verificaria se cada máscara fosse condicionada num saco do lixo próprio, que, já selado, seria depois depositado no contentor. Dessa forma, não só se evitaria um possível contágio do restante lixo, como também se protegeria quem depois tivesse que recolher e tratar esse lixo. O contentor, já idealizado pelo grupo, tem um design apelativo, em formato de máscara com a cor azul. O apoio do Transforma Portugal foi visto como uma ajuda para a concretização do modelo. Com os apoios certos, e colocado nos
sítios certos, o “Safe Mask Spot” pode ajudar a tirar as máscaras das ruas. “Claro que não conseguimos resolver o problema a 100%. Mas a nossa ideia pode ser uma ajuda importante”, reconhece Miguel. Há que continuar a usar as máscaras, não deixando de ter em mente que, em média, demoram 500 anos a decompor-se, recorda o estudante, destacando que as máscaras protegem a nossa saúde, mas não o planeta.
Pets & Friends. Os cães não conhecem o isolamento
Levar o cão à rua é um hábito inadiável na vida de quem tem este amigo de quatro patas em casa. E se toda a família estiver em isolamento profilático? O “Pets & Friends” resolver o problema.
Os confinamentos trouxeram mais tempo chegaram também por via da plataforma para estar em casa, e também para estar disponibilizada pelo Transforma Portugal. com os animais. Se nem todos são iguais, “Temos um papel importante de sabemos que os cães, especialmente, responsabilidade social. Queremos precisam sempre do seu passeio diário que as pessoas não se sintam fora de casa. Com mais ou menos tentadas a quebrar o isolamento, tempo, lá se arranja um furo na por não terem sintoma agenda para o conseguir. Em certas nenhum ou por sentirem que condições, durante a pandemia da podem nem estar infetadas”, Covid-19, realizar esse momento destaca a estudante. Está pode tornar-se impossível. já apontada uma meta a O cenário é hipotético, mas está cumprir em breve: chegar a longe de ser raro nos últimos ainda mais pessoas que meses. Numa casa onde toda possam querer usufruir uma família testou positivo “Acho que estamos a perder um bocadinho do projeto. à Covid-19, ou onde alguns o que é ser humano. E ser humano é Essa responsabilidade estão infetados e outros têm que ficar em isolamento ajudar os outros da forma mais básica que faz-se também sentir no tipo de conteúdos profilático, o que fazer quanto conseguirmos, como fazemos com o Pets.” que a equipa partilha ao passeio diário do cão? nas redes sociais da A pergunta começou a iniciativa. A ligação pairar na cabeça de Sofia Gonçalves, de 20 anos, entre os voluntários disponíveis e aqueles que se quando se deparou com um caso desses na inscrevem no projeto é importante, mas a equipa família. A estudar Gestão de Atividades Turísticas no quer também ajudar a desconstruir alguns mitos Politécnico do Porto, o surgimento do Transforma que existem sobre determinadas raças, ou até Portugal e o mote depois lançado pela Associação alertar para o aumento exponencial da venda de Estudantes da qual faz parte permitiu dar início ilegal de animais durante os últimos tempos. ao “Pets & Friends”. Este é um projeto de compromisso que, conclui O movimento solidário chegu a toda a Área Sofia, lhe permita ganhar um conjunto de Metropolitana do Porto, com o objetivo de competências para o futuro, também a nível pessoal: tornar possível os passeios de animais cujos “Acho que estamos a perder um bocadinho o que donos estão infetados ou em isolamento é ser humano. E ser humano é ajudar os outros da profilático. Os voluntários rondam os 20 anos e forma mais básica que conseguirmos”.