Fotografia et al #3

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diego kuffer

shinichi maruyama - myanmar - armando vernaglia jr - alan bamberger

fotografia et al conceito | arte | expressĂŁo

nÂş03

Junho 2014


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Nas

duas primeiras edições, nós apresentamos um fotógrafo consagrado na capa e um time de fotógrafos experientes e iniciantes nos demais artigos, onde o tom da edição era dado pelo estilo do fotógrafo escolhido como destaque. Para esta edição, decidimos experimentar mover o foco para um estilo de fotografia e escolher nossos destaques em virtude do seu envolvimento com o estilo fotográfico escolhido. Nossa ambição é produzir uma revista que explore o conceito de fotografia como arte e forma de expressão. Pensando nisso, escolhemos um estilo fotográfico que aproxime a fotografia das ‘belas artes’ tradicionais, também conhecidas como ‘fine arts’. Nessa edição trazemos na capa o fotógrafo Diego Kuffer que usa a fotografia como uma ferramenta para expressar seus sentimentos, sua arte. O trabalho de Diego é puramente autoral. Suas imagens são capturadas, editadas, trabalhadas, modificadas até expressarem aquilo que ele procura; uma resposta para suas questões internas. Seguindo o mesmo princípio utilizado na escolha de Diego para o artigo de capa, convidamos o artista japonês Shinichi Murayama

para uma entrevista. Sim, artista, é assim que ele se define: como artista, não como fotógrafo. O próprio Shinichi afirma que a fotografia é meramente a melhor ferramenta que ele tem à disposição para expressar sua arte no momento, mas que usaria qualquer outra ferramenta que melhor cumprisse esse papel e estivesse ao seu alcance. O artigo seguinte é uma pausa na fotografia conceitual para manter a tradição de trazer o relato de uma expedição fotográfica. Os autores, Arthur Monteiro e Isabela Lyrio, são um casal de amigos de Gui Galembeck e Tatiana Ribeiro que assinam o artigo sobre a China, da nossa edição de estreia. Arthur e Isabela nos contam como foi sua viagem por Myanmar, no leste asiático. Histórias de um país enigmático e fotos maravilhosas, cuidadosamente selecionadas e ordenadas pelos autores para ilustrar seu artigo. Em seguida mergulhamos de vez no relacionamento da fotografia com a pintura em um artigo interessantíssimo de Armando Vernaglia sobre a influência da pintura na fotografia em forma de lições que nós fotógrafos poderíamos aprender com os mestres da pintura.

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fotografia et al Para amarrar esse assunto, um artigo sobre a exposição Emovere, em cartaz no Espaço Arte em Campinas até o dia 14 de julho. A exposição Emovere fala sobre as emoções expressadas pelo corpo em movimento. O interessante é que essa exposição é o resultado de um projeto que integra o trabalho da pintura com a fotografia, mas sem cruzar as duas linguagens. Finalmente, temos a honra de trazer mais um artigo de Alan Bamberger, conceituado crítico de artes americano. Na verdade, este artigo é o resultado final da tradução, edição e reorganização de dois artigos originais de Alan Bamberger em um único texto. O tema deste artigo está relacionado com o artigo de Alan que trouxemos em nossa primeira edição: declarações e comentários sobre a obra artística. Muito útil para fotógrafos que desenvolvem um trabalho autoral. E para fechar esta edição, nossas tradicionais colunas sobre fotografia de cinema, médio e grandes formatos e fotografia de filme, seguidas pela coluna opinião, desta vez assinada por Diego Kuffer, o destaque desta edição. Muito obrigado ao Mario Amaya que assina o artigo de capa desta edição com o perfil de Diego Kuffer. Não apenas por este artigo que mostra todo seu talento em retratar personalidades, mas também 5

pela sua contribuição inestimável no planejamento desta edição. Obrigado também ao Diego pela sua atenção e colaboração. Obrigado ao Shinichi Murayama pela sua colaboração e paciência em responder todas as minhas perguntas em uma entrevista por email que durou pouco mais de 30 dias entre idas e vindas. Muito obrigado ao Alan por mais uma vez permitir a publicação de seus artigos, sempre muito interessantes. Obrigado ao Arthur e a Isabela pela sua colaboração. Obrigado a Luzia, Fernando e Cinthia por me receberem para a entrevista no Espaço Arte. E finalmente, muito obrigado aos já fiéis colaboradores, Alex Villegas, Bruno Massao e especialmente ao Armando Vernaglia que nessa edição contribui ainda com o excelente artigo sobre as lições da pintura, além da sua já tradicional coluna sobre fotografia no cinema. Sem mais delongas, com vocês a edição #3 da Fotografia et al. Divirtam-se!

Carlos Alexandre Pereira


Fotografia et al nesta edição com

A Fotografia et al está sempre em busca de novos colaboradores. Entre em contato através do email contato@fotografiaetal.com se você possui alguma sugestão de artigo ou deseja colaborar com a revista.

Consultor de arte, especialista, autor e avaliador independente desde 1985. Alan Bamberger comercializa arte e livros raros desde 1979.

Paulistano, Alex Villegas é fotógrafo dedicado ao retrato e fineart, sempre em PB. Leciona no Instituto Internacional de Fotografia e escreve livros técnicos nas horas vagas.

Mande suas imagens para imagens@ fotografiaetal.com para participar de nossa Galeria de Imagens. Revista Fotografia et al www.fotografiaetal.com Edição Carlos Alexandre Pereira Projeto Gráfico Carlos Alexandre Pereira Revisão Marcela Zullo Comercial comercial@fotografiaetal.com

Carlos Alexandre, fotógrafo de expedições e explorações urbanas, com uma paixão por fotografia P&B que se reflete no seu portfólio quase monocromático. Autor de artigos e palestrante de workshops sobre fotografia.

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Formado em Administração de Empresas com Pós-Graduação em Semiótica-Psicanalítica, trabalhou 10 anos em marketing para em 2010 largar tudo e mergulhar de cabeça na fotografia. Diego desenvolve um trabalhao de fotografia autoral e é representado pela Lume Galeria.


Fotógrafo e diretor de fotografia, Armando Vernaglia Jr. Especializado em fotografia de arquitetura, ambientes, turismo e produtos, é também professor de fotografia e cinema, consultor de imagem e palestrante.

Isabela Lyrio realiza um trabalho basicamente documental,motivado pelo desejo de compartilhar o encantamento que tem diante da vida. É fundadora do coletivo fotográfico Punctum e da AFOTO e representada pela galeria A Casa da Luz Vermelha.

Arthur Monteiro é fotojornalista independente, documenta as ruas e a vida nas cidades, manifestações sociais e culturais, usando a fotografia como maneira de intensificar sua relação com o mundo e compartilhar experiências. É representado pela galeria A Casa da Luz Vermelha.

Com 20 anos de experiência em jornalismo, artes e marketing, Mario Amaya envolveu-se cedo com a fotografia digital, escrevendo sobre o lado técnico das imagens. Dedica-se a fotografia de arquitetura, viagens e flagrantes urbanos, tendo lançado em 2014 o livro “I Shoot SP+NY”.

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Fotógrafo de rua de São Paulo, Bruno Massao é um dos poucos que consegue lidar com o clima maluco desta cidade. Faça chuva ou faça sol, lá está ele, registrando cenas da capital paulistana.


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66 Valorize Sua Arte Comentando Ela

10 Galeria de Imagens

Alan Bamberger

Imagens dos Leitores

76 Exposição Emovere

16 Shinichi Murayama

Carlos Alexandre Pereira

Carlos Alexandre Pereira

86 Fotografia de Cinema

26 Diego Kuffer

Armando Vernaglia

Mario Amaya

88 Médio e Grande Formatos

42 Myanmar

Alex Villegas

Arthur Monteiro & Isabela Lyrio

90 Fotografia de Filme

58 As Lições da Pintura

Bruno Massao

Armando Vernaglia Jr

92 Opinião Diego Kuffer

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Francine de Mattos “Menina”

Ronaldo Azambuja “Entardecer Silencioso”

Fernando gomes “Denso” 11


Marcello Sokal “Um Novo Amanhecer”

Paulo Matsumoto “Túnel do Tempo”

Francisco Cribari “Yumi” 12


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Shinichi Murayama por carlos alexandre pereira

Shinichi

Muryama nasceu em 1968 em Nagano, Japão. Formou-se em 1991 na Chiba University e em 2003 mudouse para Nova York. Estas são todas as informações oferecidas em sua biografia no seu website. Shinichi Murayama, ou Shin, como ele mesmo assina seus e-mails, tem uma postura diferente da maioria dos fotógrafos e artistas que conheço. Fala muito pouco sobre si, mas comenta bastante sobre seu trabalho. Seu website tem uma página – Statements – com explicações claras sobre a motivação e execução de cada uma de suas séries. Tem inclusive um vídeo de making-off dele trabalhando em uma de suas séries. Para quem não conhece seu trabalho, parece um pouco desnecessário, principalmente o vídeo de making-off. Quem quer ver um fotografo andando a esmo pela cidade ou parado horas a fio em um campo, a espera do momento certo do click, ou ainda, trabalhando durante horas na edição de imagens no computador? Acontece que Shin não é um fotógrafo tradicional. Na verdade, Shin é mais um artista plástico do que um fotógrafo. Ele mesmo afirma que a fotografia é apenas a ferramenta que ele vem utilizando para desenvolver seus projetos, mas que poderia usar qualquer outra ferramenta que melhor atenda suas necessidades no futuro. Mas por enquanto Shin tem usado a fotografia, em especial a técnica de fotografia em alta velocidade, usada para congelar o movimento. Uma sessão de fotos cuidadosamente planejada e uma boa dose 17

de edição de imagens é tudo que Shin tem usado para criar suas séries. Shin já usou água, tintas e até corpos humanos para criar suas obras de arte baseadas no movimento de líquidos e corpos. Na minha opinião são imagens incríveis. Ok, isso não é nada original, tem muita gente trabalhando com ‘splash’ e criando imagens incríveis também. Pode não ser original ou sequer as melhores imagens já criadas neste estilo, mas acho que o conjunto de cada série e a consistência do seu trabalho valorizam muito a sua obra. Como foi dito no início, Shin mora em NY e infelizmente não foi possível uma conversa pessoalmente. Por isso essa entrevista foi feita por email, ou melhor, e-mails. Shin teve a gentileza e a paciência de responder todos os meus e-mails com perguntas adicionais devido a algumas de suas respostas originais. 1. Como você se considera, um fotógrafo ou um artista plástico? Eu amo fotografia mas se houvesse outro método de produção artística que fosse melhor para expressar minhas ideias eu adoraria usá-lo. 2. Olhando para o seu trabalho, eu vejo um artista plástico que usa a fotografia como ferramenta de criação. Por que você escolheu a fotografia como ferramenta?


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Eu sempre fui fascinado pela fotografia e este foi o método que usei incialmente para me expressar. Isso não quer dizer que uso apenas a fotografia. Se a fotografia não puder expressar adequadamente minhas intenções eu usarei outra ferramenta. 3. Eu percebo que você trabalha principalmente com fotografia de alta velocidade, que é uma técnica que demanda um certo tempo de aprendizado e prática para dominar. Você escolheu a fotografia como ferramenta antes e depois se preparou estudando e praticando as técnicas necessárias, ou você já era experiente em técnicas fotográficas e viu uma forma de combinar este conhecimento com suas tendências artísticas? Desde a infância, eu tenho me interessado não apenas no potencial criativo da fotografia, mas também nos seus aspectos técnicos. Eu me graduei em ‘Química de Fotografia’. O potencial criativo e os elementos técnicos da fotografia e vídeo sempre tiveram grande destaque no meu trabalho. Sempre me interessei igualmente por ambos os lados desta atividade. 4. Em sua última edição, a Fotografia et al trouxe na capa um artigo sobre Claudio Edinger, um importante fotógrafo brasileiro. Claudio, com uma carreira de mais de 40 anos e uma produção extensa e diversa, concentrou grande parte do seu trabalho em uma técnica específica que ele vem aprimorando ao longo dos anos, o foco seletivo. O trabalho exposto no seu website – Kusho, Water Sculpture, Garden e Nude – é todo construído a partir da mesma técnica: fotografia de alta velocidade. Você acredita que esta técnica é suficiente para continuar sua produção artística ou você sente a necessidade de ampliar seus horizontes a este respeito no futuro? Eu sempre tive o desejo de descobrir novas imagens. Novas imagens que eu gostaria de criar podem às vezes ser criadas com tecnologias antigas. Mas algumas das ideias que tenho requerem tecnologias que ainda não existem ou não são acessíveis, e eu estou aguardando

ansioso por elas se tornarem disponíveis. 5. Em suas declarações sobre seu trabalho artístico você declara que sua inspiração vem da escrita chinesa. Esta é sua única fonte de inspiração? E mais, você foi de alguma forma inspirado pelo trabalho de algum fotógrafo? Eu me inspiro na história e em todas as minhas experiências. 6. Você tem em seu website declarações explicativas sobre sua própria produção artística, algo que ainda não é muito comum em fotografia, assim como making-off videos. Em sua edição #1 a Fotografia et al trouxe um artigo de Alan Bamberger discutindo a importância de declarações artísticas apropriadas como ferramenta de valorização do trabalho artístico. Qual sua opinião sobre o assunto? Às vezes eu gostaria que as pessoas apenas olhassem para o meu trabalho e o apreciassem sem nenhum tipo de declaração ou explicação. Entretanto, quando eu olho para o trabalho de artistas que eu respeito, suas declarações artísticas me ajudam a compreender melhor os conceitos por trás de sua obra. As declarações dão mais profundidade a obra artística e uma nova impressão da mesma. Eu também quero criar um trabalho com um significado mais profundo. Neste caso, eu penso que declarações artísticas ou outras ferramentas úteis para este fim são muito importantes. 7. Seus três primeiros projetos são bem similares, e o quarto é uma variação da mesma ideia. Como funciona seu processo criativo? Eu estou interessado no conceito do tempo, especialmente na sua natureza efêmera e eu venho tentando expressar estes pensamentos através do meu trabalho. Deste ponto de vista, eu diria que todas as minhas séries derivam de um mesmo ponto de partida.

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8. Uma vez que você determina um objetivo, um novo projeto, como é o seu processo de trabalho? Eu trabalho em diferentes trabalhos ao mesmo tempo. Minha velocidade de produção não é rápida mas eu foco em um único tema no momento certo, e meu objetivo é completar e introduzir uma nova série por ano. 9. Quanto tempo leva para você completar um projeto e, você usa algum método específico para selecionar as imagens finais ou se baseia apenas no seu sentimento pessoal do que ficou melhor? Para mim, leva usualmente dois anos para completar uma série. Uma das formas que uso para julgar se devo ou não apresentar este trabalho é avaliar se ele poderá ser apreciado por um público de vários anos no futuro. 10. Você pode comentar algum projeto que esteja trabalhando atualmente? Em meus trabalhos passados eu tentei expressar e compartilhar com outras pessoas algo que todos nós sentimos, mas em meu trabalho atual estou focando em assuntos de interesse mais pessoal. 11. Qual sua opinião sobre o papel da fotografia no mercado de arte atualmente? Você acredita que os colecionadores de arte estejam valorizando mais as obras fotográficas, ou ela ainda é subvalorizada em comparação com obras de arte mais tradicionais?

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Apesar da fotografia ser um meio relativamente novo no mercado fine art, eu acredito que é razoavelmente bem valorizado. Eu acho que é impossível comparar a fotografia com a pintura e escultura, por exemplo, visto que estas têm uma história muito mais longa e um número muito maior de artistas e obras de arte de destaque. Estas diferenças são muito grandes para permitir uma comparação justa. 12. E para terminar, há algum fotógrafo ou artista brasileiro que você admira e ou acompanha o trabalho? Sim, com certeza eu admiro o trabalho de artistas brasileiros, mas infelizmente não há nenhum em especial que eu acompanhe atentamente.


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Diego Kuffer por mario amaya

Diego

Kuffer possui dois perfis no Facebook. Um pessoal e outro como fotógrafo, mas poderia ter um terceiro como artista plástico. Bateu uma dúvida sobre qual dos perfis criaria o ambiente mais adequado para conversar com ele sobre sua produção autoral, que é com base fotográfica, porém transcende muito aquilo que convencionamos chamar de fotos. Em séries fotográficas como ‘Transitórios’ e ‘Intempéries’, a abordagem consiste em fixar tecnicamente as variações no tempo da cena fotografada, utilizando camadas e subdivisões do espaço. Algumas vezes as subdivisões acompanham os contornos da cena, outras vezes se intercalam num padrão abstrato. É como se o artista pegasse partes de imagens impressas em papel, os recortasse e os trançasse, formando uma narrativa visual temporal-espacial que cabe nas duas dimensões limitadas da imagem impressa. Ao mesmo tempo em que estende a informação visual a respeito do assunto,

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essa linguagem expõe para o espectador as lacunas da percepção e da memória. O entrelaçamento de imagens ele executa de maneira física e literal em ‘Comunhão’, uma das séries presentemente em andamento. Nas demais séries a implementação foi digital, por um processo exclusivo e laborioso. Obtivemos uma visão clara de sua abordagem sensorial e psicológica conversando com ele ao vivo. Despojado e sem ambiguidades, ele explicou em primeiro lugar a sua escolha pela fotografia como o suporte fundamental para suas explorações visuais. Segundo ele, as limitações do meio são, paradoxalmente, a fonte de sua força expressiva. Para entender melhor, fique com suas próprias palavras daqui em diante.


As pessoas criam porque precisam criar. Todo mundo tem uma fantasia de dizer: ‘Tchau, vou embora do dito mundo civilizado’. Mas para mim é inevitável, ao me instalar num lugar, sacar a câmera, pois simplesmente preciso fazer a foto. A necessidade de fotografar me atravessa de forma irresistível. A parte menos ‘documentada’, por dizer assim, da minha biografia, é que antes de querer ser fotógrafo eu queria ser psicanalista. Formeime em Administração e fiz pós em Semiótica Psicanalítica na PUC-SP. Nesse período, resolvi que seria analista da linha lacaniana. Depois mudei de ideia e desisti, porque o processo psicanalítico não era ideal para mim; muito lento e sofrido. Nessa altura, já tinha começado a fazer fotografia como hobby. Talvez a principal questão da psicanálise seja a certeza da morte: saber que em algum momento a gente vai acabar. E somos talvez a única espécie de seres vivos no planeta que possui o conceito do tempo. O projeto ‘Transitórios’, que poderia ser chamado de ‘cronocubismo’, foi uma maneira de expor uma noção do tempo. Percebi ali que a fotografia seria capaz de responder a essa pergunta, porém de maneira subjetiva; cada espectador interpreta a arte de forma diferente.

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Todos os meus trabalhos surgem assim, de um questionamento; cada um deles busca responder a uma pergunta. Durante o processo de resposta, surgem novas perguntas. A única maneira de parar de fotografar seria parando de fato, porque as perguntas são infinitas. Eu faço muitas manipulações no computador - ‘Transitórios’ é um exemplo - mas tenho um trabalho em desenvolvimento de longo prazo, para fazer até meus últimos dias na fotografia, sem pressa. Esse projeto é ‘Comunhão’. Nele, fotografias são impressas, recortadas em tiras e trançadas à mão. É um trabalho que contém um questionamento: se eu estivesse atuando antes do advento do computador, será que eu conseguiria transmitir a mensagem? ‘Comunhão’ foi uma maneira de provar que sim. O suporte tem que ser coerente com o objetivo da obra. As pessoas só têm dúvidas quanto ao suporte quando não sabem bem qual mensagem pretendem passar. Inscrevi o ‘Transitórios’ em um concurso de fotografia que mostrava na Internet o processo de seleção dos vencedores. O pessoal olhou o trabalho e o descartou na hora, pensando: “É Photoshop”. Não chegaram a ver a mensagem!

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Quando a série ficou pronta: pensei: ‘E aí, continuo usando essa técnica ou não?’ Preferi investigar outras formas de fazer aquilo, assim como outros assuntos para falar a respeito através de imagens, mu processo exploratório. ‘Dejetos’ foi um processo artístico para me desvincular do tipo de vida corporativa que então vivia, como se me projetasse no personagem fotografado. Quando eu cursava a Escola Panamericana de Arte, meu professor me acusou de ser ‘técnico’ demais. E eu achava isso muito legal, mesmo que viesse com um tom de crítica e não de elogio. Demorei muito a realmente entender o que ele dizia: que minhas fotos ainda não tinham poesia própria, porque se baseavam na técnica como o meio para atingir a poesia - algo que simplesmente não poderia acontecer. A fotografia em si é limitada, especialmente do ponto de vista técnico. Nas artes em geral, existem muitos recursos para contar uma história e controlar o que o espectador recebe. Não é assim na fotografia. Mas em última análise, as barreiras técnicas da fotografia são, na realidade, barreiras do fotógrafo em si.

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Há muito respeito e obediência do fotógrafo a certas leis e normas. ‘A fotografia é assim, assado...’ Mas o artista tem a prerrogativa de dizer ‘As coisas para mim não devem ser assim’, em vez de simplesmente aceitar o que foi anteriormente decidido pelo projetista da câmera. Na era do filme existia um amplo campo de experimentação na revelação cruzada, Redscale e outros processos químicos que traziam resultados imprevisiveis, porém eram frequentemente incríveis. Eu não sou único: faço parte de uma certa escola ‘subversiva’ no sentido técnico, em relação à maneira de utilizar as ferramentas. É uma forma de dizer que não aceito a maneira como as ferramentas vêm prontas. O retorno do interesse dos fotógrafos nos processos alternativos está vindo por meio de simulações da fotografia filme, como no Instagram, que facilitam chegar a novos resutados estéticos que não referenciam necessariamente a realidade. Eu já comecei a fotografar com digital; só depois passei para o filme. Para a série ‘Transitórios’ fotografei demais, porque isso era uma exigência do projeto: cada imagem final envolvia muitos cliques. Ao final do trabalho senti uma ‘ressaca’ e resolvi aprender a fotografar com filme, de maneira a poder reduzir a minha velocidade. Ao retornar ao digital senti a influência desse aprendizado.

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Minha câmera de rua é de filme: uma Zeiss Ikon recente, com uma lente 35mm f/1.4 da Voigtländer e uma 50mm f/2 da Zeiss. Adoro equipamentos, gosto de tecnologia de forma geral, e as câmeras são tecnologias muito práticas. Adoro ficar desvendando o funcionamento das lentes. Mas sinto que cada vez mais restrinjo as objetivas que uso. Não quero mais saber de zooms, teles... Minha câmera ideal seria uma full-frame com uma lente fixa de 35mm. E talvez uma macro, às vezes... Não tenho opções fechadas como regras e posso sempre mudar de ideia. Analisando os resultados obtidos com o equipamento, escolho as coisas que me agradam mais; ao mesmo tempo, percebo que certos resultados só se atingem empregando um certo tipo de equipamento. Por exemplo, outro dia saí à rua com uma tele zoom de 100-400mm... Tenho curiosidade em relação às câmeras digitais ‘mirrorless’, pois as máquinas mais recentes produzem resultados comparáveis aos das melhores DSLRs, com talvez metade do peso. Para quem viaja fotografando, o peso é muito relevante. O peso é o pior aspecto da fotografia; os fotógrafos da velha guarda preferem a Leica em boa parte por causa da sua dimensão e discrição. As DSLRs são trambolhos; é inviável andar por aí com três objetivas L a tiracolo... Se um fotógrafo na rua não tem uma atitude segura, as pessoas leigas percebem de longe. Outra coisa surpreendente é que é possível conversar na rua com qualquer pessoa. Se a pessoa achar ruim que teve sua foto tirada, você pode elogiar algum aspecto da sua roupa, por exemplo, que a barreira é derrubada na hora.

Ministrei dois cursos no SESC: um de fotografia de rua e outro detalhando as técnicas do meu próprio trabalho, ajudando as pessoas a desenvolverem suas próprias ideias sobre o tema ‘tempo’. Mostrei meus trabalhos a alguns fotógrafos de rua que admirava, inventei minhas próprias técnicas, fiz saídas com alunos e fiz exposição com as fotos dos alunos. Gostaria de dar mais aulas, estou procurando oportunidades para isso. É interessante pegar o ‘input’ de outras pessoas para que sirva como estímulo e não como direcionamento. No workshop de Bruce Gilden, uma parte consistia em cada participante mostrar o trabalho para ele. Quando mostrei meu trabalho, o ‘Transitórios’ chamou sua atenção, mas ele não gostou: “Colagem eu não acho legal”. Mas esse trabalho foi ao mesmo tempo o favorito da filha do Gilden. Imaginei: ‘Por ser quem ela é, deve ver muitas coisas diferentes...’ Por que é tão emocionante o trabalho de Vivian Maier, que fez toda sua obra fotográfica na obscuridade? Por ter um frescor no olhar e por abrir uma janela para sua época. Eu a imaginei como uma espécie de Van Gogh da fotografia. Não apenas por isso, mas por ela ter tido um reconhecimento póstumo. Ela fotografou para ela mesmo, ela era seu próprio público. Todo fotógrafo deve sentir um prazer ao segurar uma câmera na rua, porque isso expressa um propósito. Quando saio para fotografar com filme, sem ver o resultado na hora, sempre tenho consciência de quando o rolo contém uma boa foto. Quando você experimenta a magia do clique, está “perdido” para ela... para sempre.

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Myanmar - A Terra Dourada por arthur monteiro & isabela lyrio

alguns anos, ganhamos uma antiga revista Geográfica Universal de um irmão, e foi nestas páginas que a Birmânia deixou de ser apenas um nome de país exótico e foi para nossa lista de desejos. Na revista, de 1995, o Myanmar ainda se chamava Birmânia, mas desde sempre fantástico e digno do olhar aguçado de muitos exploradores. O Myanmar é um país cuja história teve muitos protagonistas: oito grandes grupos étnicos se espalham por planícies, montanhas e florestas, reinos que foram suprimindo uns aos outros no decorrer dos séculos e unificaram o país. Após três guerras perdidas contra o Império Britânico, em 1885 o Palácio de Vidro em Mandalay foi finalmente conquistado e a Birmânia se tornou província da Índia Britânica - um status que ressentiu um país até então entre os mais ricos da Ásia. Mesmo trazendo tecnologia e infraestrutura, os britânicos trouxeram também o desprezo ao povo e às tradições birmanesas, além de saquear florestas e recursos minerais do país. Embora independente desde 1948, graças a um golpe militar nos anos 60, a corrupção governamental e aos conflitos separatistas, se tornou um dos mais pobres do continente e vive uma guerra civil desde então.

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Após décadas fechado para o mundo, o Myanmar começa a se abrir para o turismo, seguindo o rastro bilionário de seu vizinho Tailândia. Encontrar informações sobre fronteiras e travessias entre cidades se mostrou tarefa complexa, pois as regras do país mudam com o humor militar e a grande maioria das informações encontradas estava desatualizada. Durante os anos mais escuros da ditadura, os estrangeiros só podiam ficar no máximo uma semana no país e apenas em agosto de 2013 as fronteiras terrestres foram abertas. A infraestrutura é precária e confusa, em algumas regiões o acesso de estrangeiros é proibido e em outras só é permitido com guia autorizado. Sobrevoando os arredores de Mandalay, a última capital real, a paisagem do país se revelou: campos de arroz cercando pequenos vilarejos em planícies semiáridas e estupas douradas pontuando a vista. O caminho entre o aeroporto e a cidade era seco, mas o ar que inspirávamos trazia encantamento e insinuava que tínhamos chegado onde há muito sonhávamos. A cidade lembra a Índia, um caos colorido e poeirento onde tudo de alguma maneira dá certo, uma urgência em nos fazer encontrar a paz no meio da loucura e a opulência de paisagens humanas.


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O rosto mais conhecido do país está impresso em revistas, livros e pôsteres de norte a sul: Aung San Suu Kyi. Filha do líder da independência, desde 1988 luta pacificamente pela democracia e liberdade no Myanmar. Por sua voz a favor dos direitos humanos, passou 15 anos em prisão domiciliar, sendo libertada em 2010 após muita pressão interna e externa, incluindo o Prêmio Nobel da Paz em 1991 e sanções econômicas internacionais. Hoje é parlamentar e é comparada a Mahatma Gandhi e Nelson Mandela. Um dos três lugares mais sagrados para os budistas no Myanmar, Mahamuni Paya, fica ao sul de Mandalay. Arcos dourados formam o terraço do templo, que tem em seu epicentro o Buda Mahamuni, estátua mais reverenciada do país e que acredita-se ter sido forjada durante uma visita do próprio Buda Gautama ao rei (2500 AC), sendo considerada seu retrato mais fiel. Para prestar homenagens ao Buda, os homens aplicam folhas de ouro nas estátuas e locais sagrados, o que faz com que o Buda Mahamuni tenha vários centímetros de camadas de ouro em seu corpo. Mulheres não podem se aproximar da imagem e, apesar do questionamento sobre a origem dessa tradição que contradiz os ensinamentos agregadores de Buda, todas as mulheres se prostram respeitosamente do lado de fora da sala sagrada. Do outro lado do Irrawaddy - o grande rio-mãe que cruza o país carregando histórias e mercadorias através dos séculos - está Mingun, vilarejo que abriga o que seria a maior estupa do mundo, não fosse pela morte de seu rei-idealizador e um terremoto em 1839, que deu às ruínas charmosas rachaduras. Por ter uma estrada em péssimas condições e um barco que faz a travessia de maneira idílica e acessível, é um trajeto pouco percorrido por estrangeiros, mas fizemos questão de ir de moto e sem pressa. Precisamos de passo lento para sentir os tons de cada lugar, o ritmo das ruas. Gostamos do fluir natural da vida, de seguir a luz do sol e o convite das pessoas para tomar parte em seus dias. Para fotografar é preciso ter liberdade, autonomia sobre o tempo. Saber esperar acontecer, saber perceber quando acontece.

Chegamos em Bagan de madrugada e com uma energia insólita, deixamos as mochilas no hotel e seguimos de bicicleta por alguns quilômetros até chegar à planície árida. Primeira capital do Império Birmanês, falar que Bagan é incrível seria redundante. São mais de dois mil templos espalhados por uma área de 42 quilômetros quadrados, o que confere ao horizonte sua mais peculiar paisagem: os incontáveis picos de templos desenhando pequeninas montanhas no finito. Além de nos oferecer um nascer e pôr do sol impressionante, os templos de Bagan são obras de arte rústica, com Budas e pinturas dos mais variados estilos, construídos principalmente entre os séculos X e XIV, que se cruzam por estradas de fina areia e cactos. As constantes restaurações feitas pela junta militar nunca respeitaram os estilos arquitetônicos e artísticos, utilizando materiais modernos e chegando a refazer pinturas inteiras sem coerência com as originais, mas ainda assim um espetáculo à parte em todos os sentidos. Em Yangon, a maior cidade do país, está a vibração urbana mais latejante da nação. Dizem que o Myanmar é onde a China encontra a Índia, e Yangon é a concretização do dito. Bairros chineses e indianos preenchem o coração da cidade, trazendo o pulsar da alma mercante destes dois povos em cada centímetro de suas caóticas artérias. Mesquitas, templos chineses, hindus e budistas e até uma sinagoga dividem espaço com inúmeros mercados, restaurantes, escritórios e apartamentos. Grande parte dos prédios data da época colonial e parecem não ter manutenção desde então, uma paisagem urbana e concretamente impressionante. A cidade abriga também a Shwedagon Paya, local sagrado muito importante para os budistas, e cuja história lhe dá a idade de 2600 anos. Uma visão sublime de uma estupa dourada de 90 metros de altura, cuja circunferência é percorrida com fervor e encanto por todos os passantes, sejam peregrinos, sejam curiosos.

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A região sul teve suas estradas abertas para o turismo apenas em 2013 e Mawlamyine é a primeira cidade no caminho, nas margens do rio que parece ser cenário dos romances britânicos escritos na colônia. Fora os agitados mercados à beira do porto, a cidade leva um ritmo tranquilo - palmeiras balançam com o vento emoldurando estupas douradas e casas coloridas cobrem os morros, uma espinha dorsal que corta a cidade entre bucólico e urbano. Outro local de peregrinação é a pagoda de Nwa La Bo, onde rochas se equilibram uma em cima da outra e são consideradas sagradas por acreditar-se em cima delas há um fio do cabelo de Buda mantendo seu equilíbrio. No caminho acontecia a procissão que marca o início da vida monástica das crianças, shinbyu, um momento muito importante na vida de todo budista do país, cerca de 89% da população. As crianças são enviadas ao monastério para aprender a disciplina budista e ali ficam por ao menos um ano. Para as famílias mais pobres, é a única oportunidade de garantir uma boa educação para seus filhos. Na shinbyu, os meninos andam a cavalo, cobertos por brilhantes parassóis dourados e com roupas que lembram as de um príncipe, simbolizando a renúncia de Siddhartha Gautama ao palácio real por uma vida de asceta. Com muita música, dança e oferendas, é

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realizado um banquete. Depois as crianças têm as cabeças raspadas e recebem a túnica monástica, iniciando seu caminho de disciplina e desapego. Viajamos no tempo. Fomos à nossa Ásia Imaginária, um lugar que só tínhamos ouvido falar em relatos fabulosos de viajantes antigos e nem sabíamos onde poderia estar. A Terra dos Sorrisos Dourados tem um ritmo de vida que perdura em alguns países como o Laos, ou áreas remotas de Tailândia, China e Vietnam. Mesmo tendo viajado por estas regiões, foi no Myanmar que este sentimento se tornou plausível. O modo de vida tradicional, repleto de sabedoria que vem da terra e dos ancestrais é a maior riqueza deste povo. Hábitos modificados a conta-gotas pelas trocas entre os povos e que hoje se transformam instantaneamente na velocidade da informação virtual. Estes lugares-passado são raros e muito preciosos - para onde é preciso voltar.


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Algumas Lições da Pintura por armando vernaglia jr

Gosto

de pensar que a fotografia e a cinematografia sempre existiram, do momento em que a evolução nos deu olhos, a fotografia e o cinema estavam ali, prontos. Com nossos instrumentos ópticos dotados de comprimento focal, controle de abertura, balanço de branco automático, sensibilidade, além desse processador potente chamado cérebro, podíamos registrar tudo, era só questão de tempo para encontrarmos um jeito de colocar o que víamos em um suporte mais rígido. Dos muitos suportes que inventamos ao longo dos tempos, o primeiro aparentemente foi a pintura, pelo menos é o primeiro que temos registro, mas fotografia e cinema estavam ali, só esperando sua vez. Consta que há cerca de 17.000 anos uma ou mais pessoas se dedicaram a pintar os monumentais tetos das cavernas de Lascaux, em um lugar que hoje chamamos de França. Antes disso, cerca de 30.000 anos antes de nosso tempo, também na França, alguns de nossos parentes distantes deixaram um documento visual de sua existência nas paredes das cavernas de Chauvet.

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Lá estavam nossos ancestrais registrando visualmente o mundo que os cercava, com animais, rituais, lutas, com as palmas de suas mãos embebidas em pigmento e estampadas nas paredes. Só faltava a câmera, o filme, o sensor de captura, mas sobrava a vontade de gravar em algum suporte aquilo que era apreendido pela visão. Gosto de, em minhas aulas e palestras, situar nessas cavernas o nascimento simultâneo da fotografia, do cinema e da pintura. Daí em diante é só questão de ferramentas, mas o documento de que o ser humano estava ali, e o que ele via, ficou gravado para sempre. Desde então muita coisa mudou, evoluímos na técnica da pintura, inventamos a lente, a câmera escura, descobrimos o escurecimento da prata, juntamos tudo e da soma inventamos a fotografia e com pouco mais de estudo descortinamos o cinema. Disso para o digital foi só um pulinho, mais uma etapa nessa longa jornada visual. Graças a este costume que tenho, de dizer que fotografia, cinema e pintura nasceram juntos, três irmãos, cada uma com sua personalidade, mantenho também o hábito de ficar observando as lições que cada membro desse trio pode dar.


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A fotografia ensinou muita coisa para a pintura, fosse pelos pintores impressionistas que usavam a fotografia para criar as referências, como Degas que fotografou suas bailarinas antes de pintá-las, fosse pelo uso da câmera escura desde a renascença. A pintura por sua vez forneceu muito estudo sobre harmonia de cores, proporções, composição e enquadramento, aí entra o cinema, e o cinema vem sempre juntando a todos com sua forma de contar histórias visualmente, dando movimento para as idéias da pintura e da fotografia. Um dos pontos mais interessantes, em minha opinião, dessa longa colaboração entre as artes visuais surge no ateliê do pintor holandês Johannes Vermeer, que viveu entre 1632 e 1675. Conta a história, ou as lendas, que Vermeer fazia usa da câmera escura em suas pinturas. A precisão de perspectiva, o aparente controle de regiões focadas e desfocadas em algumas de suas obras bem como a precisão fantástica na direção das sombras dão alguns indícios de que ele pode mesmo ter feito um bom uso da câmera escura. Mas mais que isso, o pintor holandês deixou uma grande lição sobre iluminação. Vermeer dominou como poucos a arte de iluminar com uma única fonte de luz, neste caso, uma grande janela. Simples, funcional, e de uma beleza poética, a luz da grande janela de Vermeer vai deixar uma lição magistral sobre as infinitas possibilidades estéticas de uma fonte de luz única, com posição e direção definidas, assim como é a luz do sol, marcando sua presença de um lado e deixando seu rastro de sombras do outro.

O nosso primo distante, aquele das cavernas de Chauvet e Lascaux, já tinha a luz do sol, dura num dia aberto, suave quando as nuvens passam, indireta quando adentrava pela porta da caverna, estava tudo ali. Mas foi Vermeer quem gravou da forma mais inequívoca a beleza dessa luz natural e simples. E das telas de Vermeer para o cinema foi mais um pequeno salto, quando em 2003 o diretor Peter Weber, com a ajuda do genial diretor de fotografia Eduardo Serra deram ao mundo o filme Moça com Brinco de Pérola (Girl with a Pearl Earring), com todo o trabalho de fotografia, e mesmo com o enredo e roteiro, inspirados no trabalho de Vermeer. Ver este filme é observar pelas lentes modernas das câmeras aquilo que Vermeer pintava e que o homem das cavernas já testemunhava. A beleza versátil e poética da grande e suave fonte de luz única, que entra pelo ambiente, rebate em superfícies, distribui-se e vai sumindo em sombra. Uma luz que está nas pinturas, na fotografia de inúmeros mestres e no cinema de alguns geniais diretores, se hoje gostamos e desejamos aquele imenso softbox em um flash ou refletor, esse desejo carrega esse lastro de História, da luz do sol passando pela grande janela. A pintura certamente tem muitas outras lições, essa é uma, única como a fonte de luz que a gera. Experimente fotografar com fonte de luz única, seja uma grande janela, uma porta, um só flash, com um grande softbox, quem sabe você não descobre nessa simplicidade a sua assinatura de luz

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Valorize Sua Arte Comentando Ela por alan bamberger

Os

seres humanos se comunicam com palavras. Quando vemos alguma coisa que não entendemos, nós fazemos perguntas ou lemos sobre o assunto, coletando e processando informações escritas. Esta é a forma como formamos nossas opiniões, tomamos decisões e agimos... com palavras. Arte, por exemplo, é uma das coisas que as pessoas menos entendem. É também uma das coisas que as pessoas mais querem entender. Eu raramente encontro alguém que não gosta de arte, mas ao longo dos anos encontrei inúmeras pessoas que precisam de ajuda para entender a arte. É nosso trabalho ajudar essas pessoas nesse sentido e a forma mais fácil de fazer isso é escrevendo... com palavras. Basket Carrier – Carlos Alexandre Pereira Esta foto foi tirada em Cambridge, UK no verão de 2012. Apesar de ser um fim de semana e a cidade estar cheia de turistas, estava andando por uma área bem vazia, onde apenas moradores eventualmente cruzavam o meu caminho. Estava mais interessado em fotografar a arquitetura local e por isso a câmera estava regulada para uma distância focal bem curta e uma velocidade bem lenta para compensar a pouca abertura do diafragma. Quando a moça atravessou minha linha de ação resolvi tirar a foto mesmo assim, pois sabia que pelo menos a exposição sairia correta. O borrado do movimento acabou dando um interesse maior a esta imagem que ficou melhor do que a foto original do prédio.

Nos velhos tempos, antes da internet, escrever sobre seu trabalho artístico não era muito importante. Isto ocorria principalmente devido ao fato de que o mundo artístico era bem menor, muito mais local ou regional em sua grande maioria, não havia tantos artistas, e quase todo mundo que era interessado em arte já era razoavelmente bem informado sobre o assunto. Nos dias de hoje o mundo artístico é bem diferente, tão diferente que o mercado potencial é basicamente o mundo todo, para ambos, artistas e compradores. A internet mudou totalmente o modo como a arte deve ser apresentada. Agora a audiência não está mais confinada a uma área limitada geograficamente ou a um seleto grupo de pessoas, mas a todos e em todos os lugares, independentemente do quão pouco as pessoas entendem sobre arte. Qualquer um que tenha um mínimo interesse em arte, agora tem a oportunidade de procurar no mundo inteiro por qualquer objeto de arte ou pelo artista que mais lhe atraia e fascine.

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O que isso significa para o seu perfil online é que você não pode mais escrever sobre sua obra artística apenas para um seleto grupo de pessoas que sejam bons entendedores de arte, porque você está apresentando seu trabalho para todos. Para maximizar sua audiência você deve maximizar suas oportunidades de exposição, você deve escrever de um jeito que qualquer um possa entender, inclusive total desconhecidos... ou talvez, considerando o jeito como as coisas estão agora... principalmente total desconhecidos. Você nunca saberá de onde poderá surgir uma grande oportunidade, ou quem poderá se revelar como um potencial comprador, ou porque alguém pode se interessar pelo seu trabalho, portanto é sua responsabilidade fazer com que todos os interessados tenham uma boa chance de te conhecer melhor, da forma mais simples e fácil possível. E a forma de fazer isso é escrevendo. Não cometa o mesmo erro que tantos outros artistas, e pensar que basta as pessoas entrarem em contato com o seu trabalho para elas se tornarem imediatamente tão fascinadas e absorvidas por ele, que irão fazer qualquer coisa para conhecer melhor você e a sua arte. A internet não funciona assim. Se você não conseguir prender a atenção dos novos visitantes, ou pelo menos reter eles por 30 segundos ou talvez 1 ou 2 minutos durante o primeiro contato com seu trabalho, são grandes as chances de que eles irão sair do seu website e se dirigir a outro mais interessante. O período de atenção online é curto – bem curto – então você deve fazer o que for preciso para convencer imediatamente alguém que possa gostar do seu trabalho artístico a permanecer mais tempo no seu website e conhecer melhor você e a sua arte. Depende de você ter as palavras no lugar certo – de fácil leitura e entendimento – para qualquer um que tenha interesse em aprender mais sobre você e seu trabalho artístico.

Se você for como a maioria dos artistas, provavelmente você mesmo irá escrever sobre o seu trabalho artístico, mas artistas tendem a escrever para outros artistas ou para entendedores de arte – isso assumindo que eles possam sequer escrever adequadamente o que infelizmente muitos não conseguem. Pior ainda, inúmeros websites de artistas não tem qualquer conteúdo neste sentido, nenhuma explicação clara ou informações básicas sobre o trabalho artístico, não são muito melhores do que jogos de adivinhação. O que acontece com este tipo de comentário falho sobre o trabalho artístico, ou total falta dele, é que apenas um seleto grupo de pessoas conseguem entender o que ele significa – por exemplo amigos, outros artistas, curadores, donos de galerias, colecionadores ou qualquer outra pessoa entendedora de arte – e só, mais ninguém. Todos os outros permanecerão ignorantes no assunto, inclusive potenciais compradores totalmente desconhecidos. O resultado disso é que sua base de admiradores permanecerá estável em um mundo que tem potencial para aumentar continuamente com admiradores provenientes de todos os lugares. Esta forma ultrapassada de escrever e comentar sobre o trabalho artístico de forma descuidada não faz mais sentido nos dias de hoje. Na verdade você não precisa ser um escritor para poder escrever adequadamente, basta tomar alguns cuidados básicos. Seus comentários devem se concentrar em fatos, não em interpretações. Interpretações são pessoais, deixe que cada um interprete sua arte como achar melhor. O que você deve fazer é fornecer mais informações para ajudar as pessoas a formar suas próprias interpretações. Uma breve introdução do seu trabalho, uma caracterização do local e época em que você produziu sua arte, são informações típicas que ajudam a contextualizar o seu trabalho.

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Seus comentários devem introduzir e comunicar o componente linguístico da sua arte. As pessoas que entram em contato com o seu trabalho e quiserem saber mais, irão fazer perguntas. Quando você está presente, elas lhe perguntam e você responde. Quando você não está presente, seus comentários tem que responder por você. Ou quando você está presente, mas não pode responder a perguntas, ou quando alguém é muito envergonhado a ponto de não conseguir fazer as perguntas, ou quando você é muito envergonhado a ponto de não conseguir responder as perguntas, então seus comentários irão fazer o serviço por você. Então vamos ao trabalho e escrever estes comentários logo! Praticamente todos os artistas querem que o maior número possível de pessoas conheçam e se interessem por sua arte. Uma boa explicação sobre o seu trabalho artístico ajuda muito neste sentido, e o fator mais importante desta explicação é o linguajar empregado. Escreva suas explicações em um linguajar que todos possam compreender, e não de forma que apenas você ou alguns poucos iniciados no assunto entendam, mas um linguajar simples, igual ao que você usa diariamente para se comunicar com todo tipo de pessoas. Um comentário artístico eficiente atrai e interessa as pessoas no seu trabalho artístico, independentemente do quão pouco ou muito estas pessoas sabem sobre arte incialmente, sem ser exclusivo. Fique descansado que aqueles que lerem seus comentários e quiserem saber mais sobre seu trabalho irão, futuramente, criar oportunidades suficientes para obter todos os detalhes técnicos, metafísicos, filosóficos, pessoais, emocionais, orais, sociais, históricos, ambientais, políticos, etc.

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Como a introdução de um livro, seu comentário apresenta os conceitos fundamentais de seu trabalho artístico, escreva-o para pessoas que gostem do que estão vendo e se interessem em saber mais sobre o assunto, não para aqueles que já o conhecem e sabem tudo sobre você e seu trabalho. Em três a cinco parágrafos, de três a cinco frases cada, forneça as informações básicas como as razões pelas quais você produz a arte que produz, o que te inspira, o que sua arte significa ou representa, o que é único e especial sobre sua arte e, resumidamente, o que ela significa para você. Seu objetivo é atrair a atenção dos leitores para sua arte, deixá-los interessados em saber mais, por isso cuidado, dose bem a quantidade e a qualidade das informações para não se tornar entediante ou desinteressante. Como qualquer boa impressão, seu comentário precisa capturar e incentivar novos questionamentos, como qualquer boa estória prestes a ser contada. “Give too little, not too much!” As pessoas em geral possuem uma capacidade de foco muito curta. Quando você sobrecarrega os leitores com detalhes, você se arrisca a afoga-los com detalhes desinteressantes e desencoraja aqueles que de outra forma poderiam se interessar pelo seu trabalho se você se explica-se de forma mais simples. Responda a perguntas normalmente feitas em relação a sua arte. Guarde as informações mais profundas e complexas para o próximo estágio de interatividade. Não se preocupe em satisfazer seus fãs mais dedicados. Você não irá desapontá-los e eles não irão deixa-lo, eles já te adoram. E se eles tiverem perguntas, eles sabem como obter as respostas diretamente com você. Lembre-se: suas declarações são para aumentar sua audiência, e não mantê-las como estão. Você terá muito tempo para dar aos seus fãs mais recentes a apresentação completa – MAIS TARDE, AGORA NÃO – você precisa conquistalos primeiro!


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E mais, suas declarações devem ser sobre você. Então torne-as pessoais. Escreva na primeira pessoa e não como se você estivesse falando sobre você abstratamente. Insira suas perspectivas pessoais e únicas. Sempre que possível, torne-a um diálogo, como se você estivesse conversando diretamente com o leitor (obs.: um bom editor pode fazer maravilhas nesse sentido). Quanto mais complicada, teórica, arcana, ininteligível, pomposa, elitista, egoística, bombástica, arrogante ou impessoal for sua declaração, mais dificuldade as pessoas terão para digeri-la e criar uma conexão com você e sua arte em níveis significativos. Poucos leitores querem queimar calorias tentando decifrar complexidades; eles as queimam durante o dia inteiro; no momento eles querem apenas ver sua arte e se entreter de forma simples, descomplicada.

Spookie Path – Carlos Alexandre Pereira A foto ‘Spookie Path’ ou ‘Caminho Assustador’ foi tirada em uma trilha próxima a cidade de Redhill, UK, no inverno de 2012/13. Esta imagem faz parte de uma série intitulada ‘Caminhos’, onde grande maioria das imagens são em P&B. Mas esta imagem já nasceu colorida pois uma das coisas que me atraiu nessa cena foi a tonalidade das folhas ainda não totalmente secas cobrindo a passagem. Foi por essa razão que abaixei a câmera, para ficar bem próximo das folhas. Essa ação me levou a perceber outra característica dessa cena, a forma como as árvores desfolhadas parecem se inclinar ameaçadoramente sobre os arbustos rentes a grade da propriedade paralela a caminho.

Explicações e comentários profissionais sobre trabalho artístico são diferentes; são escritos por pessoas que não apenas entendem o mundo da arte, mas também acompanham e se informam sobre como este mundo evolui e, portanto conhecem o linguajar para melhor se comunicar neste mundo em mudanças. Dessa forma sua esfera de influência será expandida alcançando todos aqueles que gostarem do seu trabalho o suficiente para pararem por um momento, longo o suficiente para considerar seriamente seu significado – não importando quem sejam ou quão pouco eles possam saber sobre o que estão observando. Estas são as pessoas que você deve querer convencer, não as que você já tenha convencido anteriormente ou aquelas que já o conhece e apreciam o seu trabalho ou pelo menos já entendem do assunto. E a forma como escritores profissionais convencem esta nova base de admiradores é apresentando o seu trabalho artístico de forma que qualquer um possa compreendê-lo, não de forma confusa ou através da linguagem errada como expressões artísticas complicadas, mas sim de forma simples, concisa, acolhedora e intrigante de um modo que encoraja as pessoas a quererem saber mais.

Imagem disponível no site www. photostandonline.com em séries limitadas em impressão e moldura com qualidade fine art. Ver bio do autor no final do artigo. 71


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É isso que a escrita profissional sobre arte significa. Primeiro, explica seu trabalho artístico de uma forma que o deixa acessível a uma audiência muito maior, não apenas as pessoas que você já conhecem ou que conhecem o seu trabalho, mas todas as pessoas, principalmente aqueles que ainda não conhecem você ou o seu trabalho. Segundo, diferencia o seu trabalho artístico do trabalho de outros artistas e fala sobre o que o torna especial, significativo ou memorável; com tantos artistas online nos dias de hoje e tanta arte tão facilmente disponível, fazer seu trabalho se distinguir do resto é uma necessidade crítica. Terceiro e mais importante, estimula visitantes interessados a querer ver mais do seu trabalho e conhecer melhor você – e esta é a parte importante. É a parte que cria contatos, interatividade, questionamentos e oportunidades de diálogo e discussão, e se feito corretamente, pode, em última instância levar a exibições, vendas, representações ou qualquer outra coisa que esteja dentro das suas ambições como artista. Este artigo é na verdade o resultado final da tradução, edição e reorganização de dois artigos originais de Alan Bamberger em um único texto. Os artigos originais são “Good Art Writing Makes Good Art Better” e “Your Artist Statement: Explaining the Unexplainable” e estão disponíveis na íntegra em seu website www.artbusiness.com. O trabalho de tradução, edição e reorganização do texto final, assim como as imagens usadas na ilustração, são de Carlos Alexandre Pereira.

Missing Amy – Carlos Alexandre Pereira Este banco fica em Camden Town, bairro de Londres, onde nasceu e morou Amy Winehouse, cantora inglesa. Esta foto foi tirada em dezembro de 2012, alguns meses depois de sua morte. Estava passeando pelo bairro quando vi o banco com o copo abandonado e logo pensei na minha série ‘vide’ (vazio em francês) e fiz a associação do banco vazio com a ausência da cantora, que sempre gostei muito.

A edição #1 da fotografia et al trouxe um artigo de Alan Bamberger intitulado “Como Valorizar Sua Produção Artística“, onde Alan explica que o simples ato de comentar sua obra artística agrega valor a mesma. Para ilustrar o artigo eu havia usado três imagens de minha autoria e como todas as outras imagens presentes na revista, não poussiam legenda. Acontece que uma das críticas que recebi (obrigado Pepe Mélega) foi de que no artigo que defendia a tese de valorização das imagens através de comentários, as imagens não tinham sequer uma legenda. Eu prontamente adicionei comentários apropriados as imagens no post do artigo, acessível no website da revista e, por uma questão de coerência, inclui neste artigo comentários sobre as imagens utilizadas para ilustração.

Imagem disponível no site www. photostandonline.com em séries limitadas em impressão e moldura com qualidade fine art. 73


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Emovere por carlos alexandre pereira

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exposição “Emovere” é um projeto conjunto entre a fotografia e a pintura tendo o tema como denominador comum e ao mesmo tempo, total liberdade de criação para os artistas envolvidos, o fotógrafo e a pintora. Fernando Righetto, o fotógrafo, e Cinthia Picceli, a pintora, foram convidadas por Luzia Castañeda, a curadora, para realizar este projeto que resultou na exposição Emovere, apresentada no Espaço Arte, em Campinas. O tema principal da Emovere são as emoções. Aliás, a palavra “emoção” vem do latim “emovere” que significa abalar, sacudir, deslocar. É através do movimento que as emoções foram representadas neste projeto. Eu fui ao Espaço Arte para conversar com a Luzia, o Fernando e a Cinthia sobre o projeto. 1. Luzia, como surgiu a ideia da exposição? Eu já conhecia o trabalho individual de cada um deles, e já tinha proposto ao Fernando fazer uma exposição no Espaço Arte em Campinas. Quando conversamos sobre o tema da exposição abordando o corpo e o movimento, onde o corpo se funde com o fundo criando um limite misterioso, eu me lembrei do trabalho da Cinthia. Eles não se conheciam e eu propus eles desenvolverem o trabalho em conjunto. Até porque falar de corpo e movimento na

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arte visual de uma forma inédita é uma coisa difícil. E o trabalho da Cinthia tem muita emoção nos traços. Cada traço dela no corpo traz uma emoção. E esse trabalho do Fernando com movimento também vai além do simples deslocamento de membros. Então a proposta era que os dois olhassem para o mesmo corpo durante a captura da imagem, que na minha opinião foi um momento precioso para a exposição. O Fernando teve a sensibilidade de escolher a modelo certa para esse projeto. Ela não é uma modelo típica de fotografia de moda, mas sim uma atleta com um corpo muito bem formado, com músculos bem definidos, o que foi excelente para pintura e também para fotografia. Então a partir desses olhares diferentes sobre uma única modelo, os dois foram trabalhar independentemente. Mas naquele momento houve a explosão da emoção, o início do trabalho. Então há um fio condutor, tanto na fotografia do Fernando, quanto na pintura da Cinthia, apesar de serem imagens diferentes, totalmente diferentes. As fotografias que a Cinthia se baseou para fazer as pinturas não são as fotografias que o Fernando trouxe para exposição, mas mesmo assim você percebe que há um fio condutor do trabalho, que é a emoção. Ela não é dita, ela não é revelada na forma ou na figura, ela está no traço, no ângulo da fotografia.


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2. Fernando, conta um pouco como foi o processo do ponto de vista técnico. Foi bastante interessante. A Luzia fez a proposta e a gente não se conhecia, então fizemos uma reunião onde a Cinthia veio apresentar alguns trabalhos que ela já havia feito. Inicialmente tínhamos uma noção de que deveríamos buscar a emoção no projeto. Depois que vimos o trabalho da Cinthia nós batemos o martelo: “É isso, vamos fazer um trabalho focado nas emoções, mas vamos tentar desenvolver o trabalho de uma maneira diferente.” Depois disso, em conversas com a Cinthia, nós procuramos uma figura para representar isso, e a Lélia (modelo) foi sensacional, acho que ela resolveu o nosso trabalho. Por ela ser fisioculturista e não modelo, não tem vícios de modelo, as poses são bem naturais. E ela tem uma fisionomia muito forte, visualmente forte, que é muito legal no contraponto ao universo feminino. Eu acho legal você mostrar isso na figura feminina. Mostrar que a emoção não é necessariamente uma questão de fragilidade. O senso comum está acostumado ao conceito de sexo frágil, mas não é. Quando fizemos o ensaio - eu, a Cinthia e a Lélia – inicialmente nós tentamos dirigir a Lélia, mas a partir do momento que ela captou a ideia do que era nossa proposta, ela tomou a iniciativa e resolveu o assunto. Foram duas horas e meia de um ensaio intenso, onde a gente precisava pedir para ela parar: “Olha, dá um tempo, pra gente poder respirar um pouco”. Ela desenvolveu aquilo e nós dois ficamos pasmos com o que ela fez. Ela trabalha muito com o corpo, ela já fez diversos tipos de dança e esportes, enfim, acho que isso tudo veio a somar e foi também interessante e uma surpresa para ela, porque acho que nem ela sabia que seria capaz dessa performance.

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Em seguida eu fiz o copião das fotos e passei para a Cinthia. A partir desse momento nós não nos falamos mais. Ela não sabia o que eu ia escolher, eu não sabia o que ela ia escolher. Eu não sabia se ela ia fazer uma pintura em cor ou P&B e ela não sabia nada a respeito do meu trabalho e mantivemos isso dessa maneira, para ver se no final ia dar liga ou não. E minha grande surpresa foi já na montagem. Montamos os quadros da Cinthia e na hora que eu pus as minhas fotos na parede eu falei: “Cara, deu certo, a coisa amarrou mesmo!” Eu não sei dizer bem o que aconteceu para dar certo, sabe? A gente se preservou no sentido de não ter comunicação, de realmente não saber o que o outro estava fazendo, mas a ideia estava muito bem definida... 3. Geralmente quando a gente fala sobre pintura em fotografia, fala-se muito no que os fotógrafos podem aprender com os mestres da pintura sobre a relação entre luz e sombra. Entre as suas imagens, a que mais me chamou a atenção usa highkey, apesar de também ter algumas em low-key. O que você pode falar sobre essa imagem? É uma preferência pessoal. Eu tenho desenvolvido alguns ensaios assim, eu gosto muito da luz, eu gosto muito dessa difusão da luz. Como a Luzia colocou, quando o corpo vai se dissolvendo na luz, que é o tema da foto principal do “Emovere” onde os pés dela (modelo) vão quase sumindo na luz. Eu tenho um outro trabalho feito anteriormente onde os contornos do corpo não estão nítidos devido a uma invasão da luz. Eu acho que apesar da força da imagem nesse trabalho, das emoções fortes, não diria agressivas, mas dramáticas, a questão da luz forte, dessa claridade, dá uma leveza ao trabalho em geral.


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4. Como foi a escolha do papel para esse trabalho onde sem dúvida alguma haveria uma comparação com telas de pintura? Além de fotógrafo eu também sou impressor. Eu gosto muito do papel, da textura do papel. A questão da impressão é que os papéis têm que fazer parte da obra para valorizar e não apenas serem usados como suporte. Para mim a escolha do papel foi fundamental. Eu já fiz ela pensando no Arches Aquarelle, que é o papel mais texturizados da Canson. Esse papel tem uma textura que torna a imagem mais dramática. Ele agrega uma força às imagens. Se fosse uma obra mais suave com nuances mais delicadas, teria usado um papel liso, com uma textura bem suave, mas não é o caso. Nós temos que ter o cuidado de selecionar um papel que vá valorizar a imagem. Se tivesse um papel mais texturizados ainda, eu acho que o usaria. 5. Cinthia, quando você recebeu as imagens do Fernando, você já tinha uma ideia do que gostaria de fazer baseado na sessão de fotos? como foi o seu processo nesse projeto? Desde o início do ensaio eu buscava ver as emoções, então a escolha das fotos foi baseada nisso, em tentar ver o que estava dentro da pessoa. Foi esse o meu instinto nesse projeto. Eu trabalho muito com aquarela, mas nesse projeto escolhi o óleo para marcar essa força das emoções. Em nenhum momento me limitou, pelo contrário, as imagens contribuíram para essa busca pela emoção. Toda a sensibilidade do fotógrafo e da modelo, as expressões da modelo, tudo isso contribuiu para me ajudar a captar as emoções nesse projeto. Eu fiquei muito satisfeita com tudo; com o trabalho da modelo, com o desenvolvimento do trabalho; acho que foi muito feliz o nosso encontro. Eu sempre tentei trazer o sentimento para fora e o monocromático tem a ver com o íntimo mais obscuro de dentro do ser. É o algo mais íntimo que você tem dentro de si e não necessariamente quer

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mostrar... está ali ainda, dentro dela (da modelo). E a transparência também é uma tentativa de mostrar o que está dentro. Apenas o lápis aparecendo... inacabado. 6. Luzia, qual sua impressão final? Eu acho que esse processo de captura da imagem serviu para Cinthia como um catalizador. Em nenhum momento ela deixou de ser coerente com o trabalho dela por sedução ao que a fotografia estava apresentando. É muito fácil um artista visual se deixar seduzir pela imagem de uma fotografia e se perder nessa linguagem diferente. Mas a Cinthia não. Ela foi muito fiel e coerente com o estilo dela, e isso foi muito importante. Quando você trabalha duas linguagens distintas dessa forma você precisa tomar muito cuidado para manter a coerência. Acho que também houve uma complementação. As personalidades dos artistas se complementaram como numa fusão, uma união de talentos bem interessante. Isso se reflete nas cores usadas, na complementação entre o branco e o preto, como na paleta da Cinthia que não usa cores vibrantes, que passa de um branco e preto para um colorido que complementa, que não choca. Esse quadro não acabado, que acho que conversa muito bem com a fotografia definida onde o Fernando coloca com muita propriedade onde a coisa começa e onde termina. Então parece que sempre trabalharam juntos. Foi um encontro muito feliz. Acho que dá para fazer muita coisa entre fotografia e pintura, mas você tem que ter um ponto de sinergia, um ponto comum, e que transcenda o óbvio, que transcenda o dito, que vá além. Esse é o ineditismo do trabalho, aquilo que não está explicito: a emoção. Aquilo que eles foram olhar: o movimento. Buscando e sentindo a emoção do momento. E resultou nessa coisa maravilhosa. Emovere é de fato um sucesso, com uma grande aceitação entre o público que veio conhecer a exposição.


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Um Gênio Se Foi - Gordon Willis - 1931-2014 fotografia de cinema, por armando vernaglia jr

Como

qualquer forma de arte, a cinematografia, ou fotografia de cinema, tem seus ícones. Aqueles grandes nomes, deuses do Olimpo artístico, que não importa quanto tempo passe, seguem sendo referências obrigatórias, necessárias e fundamentais. Se na pintura temos Michelangelo, Da Vinci, Vermeer, Picasso, Van Gogh, na fotografia temos Henri Cartier-Bresson, Robert Doisneau, Richard Avedon, se em cada arte podemos citar tantos grandes nomes, não seria diferente na cinematografia. Nomes como Néstor Almendros, Greg Toland, Gianni Di Venanzo, Vittorio Storaro, Roger Deakins, Jordan Cronenweth, Michael Chapman, Janusz Kaminski, Walter Carvalho, Emmanuel Lubezki, Cesar Charlone e logicamente Gordon Willis, estão entre estes deuses do Olimpo da cinematografia. Gordon Willis foi o diretor de fotografia da trilogia Godfather (O Poderoso Chefão) do diretor Francis Ford Coppola. Também esteve diante da fotografia de clássicos do diretor Woody Allen como Annie Hall, Interiors, Manhattan, The Purple Rose of Cairo (A Rosa Púrpura do Cairo), entre outros. As histórias de como Gordon Willis ajudou a definir para sempre a estética dos filmes de gângster e máfia, impondo um estilo visual sombrio e recheado de influências da pintura napolitana para Godfather - indo contra a vontade da produção do filme que esperava uma filmagem mais tradicional - nos ajuda a ver como um artista que acredita em seu talento e estilo consegue impor ao cliente sua visão, e ao mostrar que tinha razão obtém o máximo de sucesso e reconhecimento, entrando para a história de forma indiscutível.

Mas infelizmente, Gordon Willis se foi. Cito aqui um amigo, o fotógrafo Ivan Alecrim, que por ocasião da morte de Oscar Niemeyer disse mais ou menos o seguinte “penso que as pessoas que ajudam a deixar este mundo mais bonito não poderiam morrer, deveriam viver para sempre”. Concordei com ele sobre Niemeyer, e pensei imediatamente nisto quando soube da morte de Gordon Willis. Como o mundo seria se os deuses das artes pudessem receber uma licença especial e nos brindar eternamente com sua presença e sabedoria. Foi um dia triste para as artes, para todas as artes e não só para o cinema, na verdade um dia triste para a humanidade, pois alguém que nos fazia sonhar não está mais aqui, alguém que nos transportava para um mundo de fantasia através de suas imagens não mais irá fazê-lo, partiu em sua viagem final. Se nos serve de consolo, seguiremos viajando através de suas obras monumentais, belas, poéticas e inspiradas, pois se tem algo que une a todos os grandes gênios da arte, é que suas obras vivem para sempre, e assim os deuses seguem entre nós. Sorte a nossa que assim seja. Vida longa a Gordon Willis!

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Vermeer, Betty Edwards e a Tela de Vidro médio & grande formatos, por alex villegas

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teorias não comprovadas, dois motivos inesperados para fotografar em grande formato. Por mais que a gente investigue previamente uma ferramenta, ela sempre abre todo um universo de possibilidades que não tínhamos enxergado, e não é diferente com a câmera técnica. Quando consegui uma para trabalhar, estava de olho apenas na resolução e no vasto controle de perspectiva e do plano de foco, mas fui surpreendido por uma série de novas variáveis que influenciavam profundamente o resultado. A diferente relação com o retratado já foi abordada na edição passada; o assunto de hoje são outras duas características que praticamente redesenharam meu processo criativo, por mudar completamente a maneira de que vejo o mundo - e não, não é uma metáfora. Instrumentos óticos são utilizados há muito tempo como auxiliares na difícil tarefa de interpretar o mundo; dos espelhos côncavos à câmera clara, todo tipo de projetor tem sido usado para viabilizar a expressão visual de desenhistas, pintores e gravadores. No impressionante livro O Conhecimento Secreto, o artista britânico David Hockney explora a fundo a relação entre as artes e a tecnologia ótica, e encontra indícios importantes de que a lista de artistas usando de artifícios óticos seria muito maior e mais antiga do que se esperava, causando um relacionamento quase que de causalidade entre pintura e fotografia. Artistas ligados à tradição setentrional como Van Eick, Johannes Vermeer e outros, ao tratar de assuntos mais mundanos e de uma forma mais “documental” do que seus companheiros italianos e franceses, antecipam incrivelmente a visualidade da fotografia com sua habilidade inacreditável para registrar detalhes e o muito provável uso de um equipamento muito semelhante à câmera fotográfica: a câmara

escura. Embora Vermeer nunca tenha admitido publicamente o uso de um aparato desses, há indícios muito fortes do uso de lentes em suas pinturas, segundo Hockney. E embora a tese seja controvertida, o fato é que o uso de distâncias focais mais longas - que seriam típicas das câmaras escuras - trazem uma agradável sensação pictórica à foto: a sensação é de ver proporções e perspectiva que aparecem na pintura holandesa do século XVII, em especial as de Vermeer. As proporções corporais e a perspectiva obtidas com uma lente 150mm em uma câmera 4x5 são incrivelmente agradáveis. Mas não é possível usar uma 150mm em uma câmera 35mm? Claro que é. Mas à distância de três metros, por exemplo, é um mero close que posso conseguir com esse conjunto - o aumento brutal do suporte permite que eu fotografe praticamente uma figura inteira na versão de grande formato, mantendo a distância. Claro que é possível recuar com a 35mm, mas esse recuo irá trazer um aumento na profundidade de campo que vai diminuir a qualidade escultórica da imagem - diminui a sensação de tridimensionalidade. E isso sem falar nos movimentos de câmera - inclinar o plano de foco é uma ferramenta inacreditavelmente eficiente na construção de uma ilusão de tridimensionalidade mais sólida; as coisas parecem saltar para fora da superfície da foto. Se realmente usou uma câmara escura, não se sabe ao certo; mas Vermeer não via a imagem de cabeça para baixo, apenas invertida da direita para a esquerda, graças ao espelho que a câmara possui. Câmeras técnicas não possuem espelho - nesse sentido, chegam a ser ainda mais primitivas que suas “mães” - então apresentam a imagem invertida em ambos os sentidos, vertical e horizontal. Hoje usamos prismas para corrigir essa apresentação, mas com o 88


passar do tempo comecei a achar que essa correção poderia vir a ser prejudicial, graças a outro livro interessantíssimo: Desenhando Com o Lado Direito do Cérebro, da professora de artes Betty Edwards. Para quem não conhece, é basicamente um seminário de descondicionamento do olhar, que faz com que nos livremos de condicionamentos prejudiciais à nossa capacidade de desenhar. Deixamos de prestar atenção a como sabemos que são as coisas, e passamos a entender como elas se parecem no momento - e um dos exercícios mais valiosos é o de desenhar um objeto de cabeça para baixo. Com o objeto invertido, nossa ideia do que é esse objeto é rompida, e podemos nos concentrar em luz, sombra e forma, da maneira que a percebemos. Ou seja, a inversão típica da imagem que se forma na tela de focalização de uma câmera técnica é algo incrivelmente apropriado para a análise da forma e do sombreado; a composição se torna mais fácil e atingir harmonia gráfica é um objetivo alcançado com muito mais frequência. Ritmo, peso, equivalências, até mesmo a paleta de cores: uma estranha cena de cabeça para baixo se entrega à análise minuciosa com muito mais boa vontade. Assim como a teoria de Hockney, a de Betty também carece de comprovação científica; mas tenho de admitir que ambas são muito interessantes, e ambas tiveram resultados reais na minha fotografia se for placebo, tenho de admitir que fez efeito mesmo assim. Um bom fotógrafo é aquele que aprende a ver como sua câmera vê, e instrumentos óticos exóticos fornecem pontos de vista muito interessantes. Em um mundo movido a tendências e que unifica o olhar por osmose, refrescar os olhos com novas maneiras de ver é absolutamente essencial.

Moça com o Brinco de Pérola, de Johannes Vermeer, como aparece em uma Sinar F1 4x5.

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Por que você faz fotografia de rua com filme? fotografia de filme, por bruno massao

Eu nunca fui muito fã de equipamentos instantâneos, mas sempre gostei de fotos instantâneas. Existe algum charme em fotos instantâneas, algo que me atrai nelas - mas que nem eu mesmo sei explicar. Ou melhor, não sabia explicar. Mas se eu não gosto das câmeras que fazem fotos instantâneas, qual seria a saída? Eu teria a alternativa de utilizar alguma câmera mais séria, como uma. Hasselblad, com um back instantâneo. O problema aqui seria que o quadro 6x6 não cobre toda a área do filme instantâneo. Uma Pentax 67 resolveria o problema, porém teria que ser adaptada para uso exclusivo desses filmes. Financeiramente, não seria viável, até porque eu não pretendo utilizar uma câmera dessas a sério, e ela provavelmente não se pagaria com o tempo. A solução, então, seria utilizar uma câmera que utilizasse os packs de Fuji Instax Mini, fosse uma câmera da própria Fuji ou uma Lomography LC-A+ com o Instant Back. Nunca consumei nenhum dos dois itens.

Fatores chaves como ergonomia ou consumo de baterias superaram minhas expectativas, e existe um controle considerável por parte do usuário, mesmo pra uma câmera automática. Entretanto, a falta de um modo de foco mais preciso fez eu reconsiderar a aquisição de uma. Mesmo assim, a câmera é bem divertida. Ela acabou por se tornar uma câmera para todos os momentos. Eu poderia fazer fotografia de rua, paisagem ou mesmo festas. Eu poderia fotografar pessoas. Eu poderia fazer macro. Ela é, definitivamente, uma câmera bem legal de se ter, principalmente para quem quer se aventurar no mundo das fotos instantâneas e não sabe por onde começar. Porém, a grande sacada na minha cabeça veio quando eu passei a utilizar a câmera no meu dia a dia. Eu descobri que a intenção por trás de qualquer câmera instantânea não é no que se diz a respeito de qualidade técnica, ou funções mirabolantes. A grande ideia por trás delas é a criação de laços entre as pessoas. Um elo, uma aproximação. Tudo isso é possível.

Isso até meados de abril, quando eu fui à Feira Fotografar. Conversando com o pessoal da Fuji, descobri que eles estavam para lançar a Instax Mini 90 em território nacional. Combinamos o empréstimo de uma unidade para que eu a testasse e escrevesse a respeito para o Queimando Filme. E, para minha surpresa, a câmera me agradou em inúmeros aspectos - até mais do que eu esperava.

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Você mesmo pode fazer o teste: ofereça um retrato na rua, feito com sua DSLR, e veja a reação das pessoas. Agora, ofereça um retrato com qualquer câmera instantânea: as pessoas reagem de forma completamente diferente. No tempo que eu fiquei com a Instax Mini 90, ofereci algumas fotos para pessoas aleatórias na rua. Eu as abordava, explicava como a câmera funcionava, e fazia a foto. Das pessoas abordadas, todas ficaram felizes com a foto que ganharam. É completamente diferente - é mais pessoal, é mais, digamos, íntimo. Pode ser que você nunca mais veja a pessoa, assim como pode ser que você se torne amigo dela. O que eu posso garantir é que, nesses anos que eu tenho feito fotografia de rua, essa foi uma das abordagens mais legais que eu já pratiquei, com praticamente 100% de retorno positivo. Confesso que agora penso numa maneira de incluir essa abordagem em meu fluxo de trabalho. A principal dificuldade, no caso, é o fato das fotos serem únicas e fica aquele impasse de “quem vai ficar com a foto”. Mas sejamos sinceros: é justamente isso que dá graça à brincadeira toda.

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Minhas Fotos São boas? por diego kuffer

Vai

lá e tira umas fotos. Depois, dá uma olhada, pensa, analisa. Será que são boas? Dá uma tratada no Lightroom, tira algumas coisas que incomodam no Photoshop. Ficaram boas? Aplica uns filtros, aumenta o clarity. High pass, na medida certa, que nem aprendeu naquele tuto esperto do YouTube. E agora? Melhor? Um crop usando a razão de Fibonacci, acho que agora vai... Do jeito que eu vejo, o ofício mais semelhante ao do fotógrafo é o do escritor. Ele para, olha, pensa. Depois fica horas escrevendo. Dias. Depois rescreve tudo de um outro jeito. Pensa mais um pouco, troca as palavras de lugar. Deleta parágrafos, capítulos. Vai arredondando os cantos, para chegar no seu ideal. Ele tem uma história para contar, uma ideia a transmitir, uma mensagem a passar, uma emoção que ele quer que os outros, ao lerem seu texto, sintam. O escritor é uma pessoa com propósito. E o fotógrafo também. Ou pelo menos deveria ser. Já pensei muito em porque eu fotografo e consegui chegar a duas respostas. A primeira é amparar um pouco meu medo da morte, tentando eternizar minha passagem por aqui, deixando um rastro por meio de imagens. Assumo, é narcisista, como todo fotógrafo é, mesmo que não o assuma. A segunda, consequência da primeira, é que acho que tenho uma mensagem a passar. Tenho consciência desta mensagem que não consigo verbalizar, talvez pela minha pequena envergadura léxica, mas que com minhas fotos, acredito que consigo apontar na direção. E, com várias fotos - uma série - acho que consigo cercar a ideia.

“E minhas fotos? São boas?” Já me perguntei isto; já me perguntaram isto. Afinal, se uma pessoa se coloca no papel de produzir fotos, quer que sejam boas. E o que eu consigo dar como resposta é outra pergunta: elas têm que ser boas para que? Mas e aí? São boas? Não sei. E talvez, em alguns momentos, isto não me importe. O que me importa é a tal mensagem a ser passada. Que seja algo como “olhe que beleza é a natureza” ou “esta é a dor insuportável que eu carrego”, não importa. Se conseguem despertar as ideias e emoções que se queria no “leitor”, aí acho que são boas. Fotografar é escrever com palavras que não podem ser ditas. É aí que o ofício de fotógrafo é análogo ao do escritor. Fotografar e fotografar, fotografar mais e mais um pouco. Juntar e separar as melhores, separar mais um pouco. Cortar algumas, reagrupar. Fotografar mais. E mais um pouco. E cortar fora mais algumas. Remexer nas imagens até que, juntas, elas digam o que se está tentando dizer. Se você tem uma mensagem a passar, e ela é entendida por quem você quer que a entenda, acho que aí são boas: é o supra-sumo para um fotógrafo. Mas, se você não tem o que dizer, corre o risco de suas fotos serem só mais blá-blá-blá. E aí, suas fotos são boas?

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fotografia et al Conceito

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