Fotografia et al #5 jun2016

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Junho 2016

C O N C E I TO | A R T E | E X P R E S S ร O

KAZUO OKUBO RODRIGO MELLEIRO GUILHERME LECHAT ANDRESSA CROSSETTI THE FOXY FOX CREW LEANDRO NEVES





NOTA DO EDITOR O maior desafio até agora! É como eu vejo esta edição da Fotografia et al. Uma edição dedicada a fotografia de nu. Fotografia de nu!? Isso é fácil, a internet está cheia disso. Sim, mas isso apenas aumenta o desafio. Como montar uma edição da revista com essa proposta, sem perder a classe e a categoria que estamos construindo a cada edição? Opções de artigos e colaboradores eram muitas, e todas de qualidade, mas saber dosar e combinar os estilos para montar esta edição foi uma tarefa muito mais difícil do que antecipado. Poderíamos ter “jogado na retranca” e convidado apenas fotógrafos consagrados, com trabalhos sólidos e conhecidos por todos; dessa forma teríamos uma revista de alto nível sem dúvida nenhuma. Mas essa não é a nossa proposta; nós queremos abrir espaço para os novos fotógrafos, os talentos ainda desconhecidos. Este é o nosso desafio a cada edição, e especialmente nesta, foi maior devido à natureza do tema abordado. Para muitos pode parecer exagero da minha parte, mas pense nas dificuldades que esse tema envolve. Para começar tem que ser censurado para menores de dezoito anos; isso quer dizer regras especiais para publicação e divulgação. Por exemplo, o ISSUU, onde nossas revistas ficam hospedadas, tem regras específicas para material contendo nu, limitações de acesso, etc. O Facebook, nossa principal plataforma de divulgação, não permite a publicação de imagens de nu e o mesmo acontece com várias outras mídias sociais. Como divulgar esta edição usando a nossa capa!?

Falando em capa, esta foi um capítulo à parte. A escolha do Kazuo Okubo para capa desta edição já estava feita a mais de um ano, desde quando surgiu a ideia de dedicar uma edição para fotografia de nu. O trabalho do Kazuo é bastante extenso e de grande qualidade, poderíamos ter selecionado uma das imagens da sua série “Paisagens”, uma série fantástica e que possui imagens de nu bastante discretas. Mas seu trabalho mais atual é a série “Inventário”, que é tão sensacional quanto é explícita! In for a penny, in for a pound; isn´t that right? Obrigado Kazuo, pela paciência e generosidade. Obrigado também ao Rodrigo Melleiro, autor do nosso tradicional artigo sobre viagem e o único não relacionado ao tema “nu”, e por isso mesmo tão desafiador quanto os demais. Obrigado ao Guilherme Lechat e ao Leandro Neves, dois fotógrafos talentosíssimos que com certeza contribuíram muito para esta edição. Obrigado a Andressa Crossetti, novata como fotógrafa, mas já veterana no mundo da fotografia e que chega mostrando muito talento, na frente a atrás das lentes. Muito obrigado também ao Bruno Massao, nosso colaborador desde a edição #2, que nesta edição além da tradicional coluna sobre fotografia de rua, também trouxe o trabalho do coletivo The Foxy Fox Crew, do qual faz parte. E finalmente, muito obrigado ao Marcelo Catacci, fotógrafo e diagramador visual, que nesta edição tomou as rédeas da diagramação e tornou a Fotografia et al ainda melhor. Carlos Alexandre Pereira


EXPEDIENTE A Fotografia et al é uma publicação da FEA Editora. Nossas revistas são publicações digitais distribuidas gratuitamente online. Por essa razão estamos sempre em busca de novos colaboradores. Se você possui alguma sugestão de artigo ou deseja colaborar com nossas revistas, entre em contato através do email contato@feaeditora.com Para participar de nossa Galeria de Imagens, mande suas imagens para imagens@feaeditora.com FEA Editora www.feaeditora.com Edição Carlos Alexandre Pereira Projeto Gráfico Marcelo Catacci Revisão Marcela Zullo Comercial comercial@feaditora.com

Marcelo Catacci é radicado em Marília, onde atua a 8 anos na área de design e produção editorial de impressos, na criação e execução de projetos gráficos diversos, como revistas, livros, CDs e LPs. Apaixonado por fotografia, há 2 anos decidiu se profissionalizar como foco em fotografia de gastronomia, editorial e retratos.

Carlos Alexandre Pereira, PMP. Fotógrafo comercial especializado em arquitetura e autoral; interessado por explorações urbanas, expedições fotográficas, fotografia abstrata e minimalista; com uma preferência por fotografia P&B que se reflete em um portfólio quase monocromático. Editor e autor de artigos sobre fotografia e viagens na FEA Editora. Instrutor de cursos e workshops de fotografia, individuais ou em grupo. Guia de expedições fotográficas e explorações urbanas. Fotografia fine art em edições limitadas disponível sob encomenda ou através da Galerize.

Fotógrafo de rua de São Paulo, Massao é um, dos poucos que conseguem lidar com o clima maluco dessa cidade. Faça chuva ou faça sol, lá está ele registrando cenas da capital paulistana.


Leandro Neves abandonou o emprego em uma multinacional e a bolsa no curso de Administração para se dedicar à carreira de fotógrafo. No começo de 2012, se mudou para Londres e Paris para trabalhar como fotógrafo e retocador de imagens. Sua fotografia é voltada principalmente à publicidade e retratos. Já realizou trabalhos para as empresas EasyJet London, Hyundai, Seguros Unimed, Unimed Odonto, GO Eyewear, Comgás, NET, Pernambucanas, Banco Santander, Estadão, Folha de São Paulo, Maxie Sports, Voith Hydro, Way Models, Revista L’Officiel Brasil, Revista Exame, Revista Status e Revista VIP. Há 4 anos é palestrante no Photoshop Conference, que é considerado pela Adobe Systems como o maior evento de Photoshop da América Latina e já ministrou Workshops de Fotografia e Photoshop em vários estados do Brasil além de Reino Unido e Japão.

Andressa Crossetti, natural de Porto Alegre (RS), escolheu morar em São Paulo em 2009 pois se apaixonou pela efervescência cultural da cidade. Por essa razão abandonou a faculdade de Artes Visuais na (UFSM) para estudar artes de forma independente na capital paulistana. Atualmente cursa o último ano de Psicologia na USP e utiliza os conceitos e experiências na formação em psicologia como fonte de inspiração para seus trabalhos autorais. Trabalhou como modelo de nu para fotógrafos e artistas plásticos durante 7 anos e hoje usa essa experiência para pensar a imagem e corpo femininos. Teve experiência com teatro, circo e performance, mas hoje se concentra em fotografia, desenho, dança e a psicologia, misturando todos esses meios em cada trabalho.

Rodrigo Melleiro é Graduado em Desenho Industrial pela Universidade Norte do Paraná, em Londrina, e com Pós-Graduação em Fotografia Digital na Escola Panamericana de Arte e Design de São Paulo; Street Photographer, freelancer e cidadão do mundo.

Guilherme Lechat é professor de fotografia desde 1994, publica seus trabalhos, didáticos e autorais, em diversas revistas nacionais e internacionais. Dedica-se à pesquisa da comunicação visual e da construção do discurso fotográfico. É autor do livro "Fotografia de nu artístico - linguagem, composição e técnica", pela Editora Photos.

Fundado em 2015, o coletivo The Foxy Fox Crew celebra a diversidade feminina com ensaios produzidos pelos seus membros. Bruno Massao, Pedro Costa Neves, Gabriela Joy, Lucas Maruo e Rafael Coala mostram a beleza e as singularidades de cada mulher em suas fotos."



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Kazuo Okubo por Carlos Alexandre Pereira

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Colombia Con Mucho Gusto por Rodrigo Melleiro

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A fotografia de Nu ArtĂ­stico por Guilherme Lechat

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Delicadezas no Ato e Retrato do Nu por Andressa Crossetti

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The Foxy Fox Crew

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Erika em Paris por Leandro Neves

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O Desafio de Fazer Uma Curadoria por Bruno Massao


Elizabeth Borges AUTORRETRATO 10


Simone Dib LIVIA 11


Jo Padovan MEN IN THE BOX 12


Lafaete Costa SEM TÍTULO 13


Vildnei Andrade TELA 14


Jefferson Ramos MARIANA 15


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KAZUO OKUBO por Carlos Alexandre Pereira

Kazuo Okubo é um fotógrafo de Brasília, com muitos anos de experiência, um sólido trabalho na fotografia comercial, mas que começou a carreira como dono de lojas de cine-foto. Com o plano Collor veio as dificuldades financeiras e a mudança de vida, de empresário para fotógrafo; primeiro como fotógrafo de eventos, atividade que já exercia desde a época em que era ajudante do pai, fundador das lojas; migrou para fotografia publicitária e finalmente, para fotografia autoral, concentrado unicamente na fotografia de nu. Mas Kazuo nunca esqueceu completamente sua vida de empresário. Além do trabalho como fotógrafo comercial e autoral, ele mantém uma galeria, especializada em fotografias comercializadas em edições limitadas e impressões com qualidade fine art, além de um ateliê de impressão. Como se isso não bastasse, Kazuo também faz questão de agitar o mercado de fotografia de Brasília, promovendo festivais, feiras e outros eventos relacionados a fotografia. Conheci o Kazuo pessoalmente na SP Arte/Foto 2014, quando ele marcava presença com sua galeria “A Casa da

Luz Vermelha”. Conversamos um pouco; ele apresentou o seu projeto em andamento e também o trabalho de outros artistas representados pela galeria. Já conhecia o trabalho autoral dele desde o projeto “Paisagens”, que gosto muito, mas desde nossa conversa acabei acompanhando mais de perto seu trabalho. Quando surgiu a ideia de produzir uma edição da Fotografia et al dedicada a fotografia de nu, já sabia desde o princípio que a capa seria dele. A grande dúvida era: qual fotografia colocar na capa? A decisão foi tomada nos últimos momentos e como vocês perceberam, resolvemos ser tão ousados quanto o Kazuo. Esta entrevista foi realizada em duas partes, a primeira pessoalmente, quando o Kazuo veio a Campinas para participar da 9ª edição do Festival Hercule Florence de Fotografia, em outubro de 2015; e a segunda em uma breve conversa por telefone. Conversamos bastante sobre sua história e seu envolvimento com a fotografia ao longo da sua vida. Espero ter feito justiça, na edição desta entrevista, ao prazer que foi conversar com o Kazuo. 17


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Quem é Kazuo Okubo? É um cara que gosta muito de fotografia... - Desde criança? Desde criança não, porque... Têm algumas coisas na vida em que eu acredito muito no que deu errado. Eu sofro como todo mundo sofre quando alguma coisa dá errado na vida; você se decepciona, chora, tudo isso. Meu pai foi para Brasília em 1959, para trabalhar no hotel do irmão mais velho. Só que depois de quatro meses morando em Brasília, meu tio vendeu o hotel e meu pai perdeu o emprego. Aí você pensa: 1959, Brasília, desempregado, com a mulher grávida, morando de favor na casa do irmão, se submetendo as regras da casa do irmão... Até que ele conseguiu um emprego de balconista em uma loja de cine-foto e começou a aprender fotografia. Um ano depois, meu pai mudou-se para uma cidade satélite e montou uma loja de fotografia. E uma coisa que poderia ter sido muito ruim na vida do meu pai - o desemprego, os perrengues na casa do meu tio - resultou em um emprego que mudou a vida de toda a família. Eu cresci nessa loja de fotografia, no meio de carretéis, filmes, reveladores. Com 10 anos de idade o meu pai me dava um balde com água e a fórmula - tantas gramas disso, tantas gramas daquilo - e eu fazia os químicos todos, secava mil fotos por dia, cortava 3x4, varria o chão, domingo lavava a loja toda... Era um trabalho infantil escravo pesado, e na época isso me afastou da fotografia. Quando me perguntavam: “O que você vai ser quando crescer? O que você vai estudar?”; eu falava “Eu quero ser Engenheiro Mecânico”. Estudei, fiz vestibular e passei para Federal de Uberlândia, fui para Minas, fiz seis semestres, e descobri que Engenharia Mecânica não era para mim. Aí liguei para o meu pai e falei: “Pai, eu quero voltar porque engenharia não é para mim”. Voltei para Brasília, comecei a ajudar ele na loja, fazia faculdade de administração de empresas à noite e, estava já meio que conformado com essa vida. Mas em 1983 meu pai foi assassinado em um assalto na 22

loja. Eu sou o filho mais velho, e em uma família japonesa, a responsabilidade pela família na ausência do pai é do filho mais velho. Então eu assumi a família, a loja, e fui levando, fui tomando gosto pelo negócio. Nós tínhamos duas lojas quando meu pai faleceu, eu fechei uma porque minha mãe ficou traumatizada com o fato; não conseguia ficar na loja onde tudo aconteceu. Então eu fechei essa loja e trouxe ela para perto da gente, na outra loja. Depois de um ano, eu reabri a loja. Nessa época eu queria ser empresário; queria ser dono de rede de cine-foto. Entre 83 e 90 eu abri cinco lojas e sete pontos de serviços. Por exemplo, dentro do banco central eu tinha um funcionário que captava revelação, vendia filme, pilhas, essas coisas. Eu cheguei a ser o quinto maior cliente da Fuji no Brasil. E em paralelo à vida empresarial, todo final de semana eu fotografava casamento. Eu comecei como fotógrafo de eventos junto com meu pai. Sete anos sem férias. Em 90 entrou o Collor e eu fui a falência. Fiquei devendo mais de meio milhão de dólares. Foi então que eu decidi ser apenas fotógrafo. Em 94 parti para carreira solo e fui construindo essa carreira aos poucos, até que cansei da fotografia de eventos e migrei para publicidade. Só que agora eu estou cansando um pouco da publicidade também. Eu não sou o autor da foto, não tenho um sentimento de propriedade e muitas vezes nem de orgulho do trabalho. E eu vejo na fotografia autoral esse caminho, essa possibilidade, só que ainda é um caminho obscuro, ainda em formação. Mas as oportunidades de trabalho estão diminuindo muito em quantidade e qualidade, e eu decidi que precisava repensar minha vida. Para não sair da fotografia, eu abri a galeria. Eu concluí que se abrisse a galeria de arte, juntaria meu trabalho autoral, com a minha vontade de continuar trabalhando com a fotografia. Já faz seis anos que abri a galeria, ainda não dá lucro, mas a gente vai levando. Nós inventamos projetos, agregamos outros serviços como o ateliê de impressão; tudo para amenizar ou reverter a dificuldade financeira da galeria. É por amor mesmo, hehehe.


- Essa mudança que aconteceu na sua vida é daquele tipo sutil, que você não percebe imediatamente que está mudando... É verdade. Aquele momento foi decisivo para virar a vida do jeito que virou. Eu fali em 90 com o Collor, foi um dos piores momentos da minha vida; banco correndo atrás, cheio de dívidas, impostos, demitindo funcionários, fechando lojas; uma coisa deprimente e, me levou ainda mais para fotografia. Mergulhei na fotografia de corpo e alma... Essas coisas erradas são boas. - Quando a gente consegue achar um lado positivo na dificuldade, sai fortalecido... Sim! A vida de empresário é insana. Todo dia tem problema; com funcionário, fiscalização; é muito angústia, pressão, pressão... Sete horas da manhã já estava na loja levantando a porta, varrendo o chão, arrumando os balcões para começar o dia, e a última loja fechava às dez da noite porque era dentro do shopping, que também abre sábado, domingo, feriado... É uma vida que me trouxe muita experiência, conheci muita gente, mas é uma vida muito sacrificante. - Ouvindo sua história, eu percebo que você está sempre tentando fugir da rigidez e ir em direção a liberdade de escolhas, da criatividade. Por exemplo; você largou a faculdade de engenharia que é o auge da rigidez (risos); depois deixou de ser empresário, que também precisa seguir processos e finalmente; está migrando da publicidade, onde você não tem liberdade de criação, para a fotografia autoral. Eu sou inquieto. Inquieto e inconformado. Quando eu percebo que estou na área de conforto eu me sinto incomodado e procura sair logo dessa posição. Agora a pouco no workshop, o Lilica (Ricardo Lima, fotojornalista e um dos organizadores do Festival Hercule Florence de Fotografia de Campinas) falou: “Fotógrafo não aposenta, morre!”. Eu

vou continuar trabalhando para o resto da minha vida, então eu quero trabalhar feliz! Quando eu estava na fotografia social, eu estava feliz, mas chegou uma hora em que eu não estava mais feliz, então sai. E na publicidade teve um momento em que eu amava, era muito feliz, mas hoje não estou mais. Então, sei lá... eu esgoto uma determinada situação e me provoco uma nova, entendeu? Faz parte do meu ser essa busca por provocações para sair da zona de conforto. Por que a preferência pelo nu? Quando entrei na fotografia de publicidade, eu pensava em fotografia editorial, em revista. Quem não gostaria de ser fotógrafo de um Playboy, de uma Trip? Eu pensei que poderia ser um caminho. Só que você casa, e de repente sua companheira não tem a cabeça tão aberta como você, e o sonho acaba engavetado. Eu digo que no trabalho autoral, as pessoas têm que buscar o assunto nas coisas que estão mais próximas. E a percepção que eu tenho sobre mim mesmo, é que quando tinha 10 anos subia no telhado para ver a empregada tomar banho; de tentar olhar no buraco da fechadura; e ainda tenho lembrança de antes disso, antes dos 10 anos, de entrar no depósito da casa do meu avô e ver lá uns gibis de sacanagem em japonês, e ficar lá vendo aquilo alucinado! (risos) Eu sinto que eu tenho esse olhar voyer desde pequeno. O nu e o erotismo, são assuntos que faz parte da minha vida. Me instigam, me provocam. A minha ideia de beleza é que o corpo é bonito, independentemente de ser alto, baixo, gordo ou magro. Como matéria prima para as minhas loucuras, as minhas invenções, na maioria das vezes não interessa a forma do corpo. Às vezes eu deixo a pessoa na sombra, mostrando apenas o contorno, muito mais porque a pessoas pediu para ser preservada do que, porque eu quis assim. Eu trabalho muito os limites; eu não gosto de ultrapassar os limites da pessoa que estou fotografando. Se ela pede “Me mantém anônimo”; eu procuro mantê-la anônima o máxi23


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mo possível. Eu respeito o máximo possível. Eu procuro não me envolver emocionalmente, fisicamente ou sexualmente com as pessoas que fotografo nuas porque eu acho que isso poderia além de tudo prejudicar o jeito que eu construo o meu trabalho. Quais as suas principais referências na fotografia? David Lachapelle, Spencer Tunick, Terry Richardson, Nobuyoshi Araki é o meu ídolo, para mim o maior deles; Jan Saudek, Francesca Woodman que é uma grande fotógrafa de nu, faz uns autorretratos de nu super interessantes, Robert Mapplethorpe... acho que são esses. O Araki e o Terry Richardson são os mais loucos, são pornográficos mesmo, hehe. Mas... eu gosto de pornografia... eu sei que muita gente não curte pornografia, se sente agredida, mas eu não me sinto assim, eu curto... Eu vejo atores atuando, eu vejo muita coisa falsa... é um universo louco, de coisas que, muitas, eu não toparia! (risos) A maioria eu não toparia. Têm umas coisas escatológicas, que Deus me livre! - Aproveitando o tema, a fotografia de nu é polémica por natureza. Como você se posiciona no seu trabalho para não se envolver em polêmicas? O corpo já é polêmico. Imagina se eu for misturar o nu com igreja, com religiosidade. Imagina o confronto que eu vou arrumar... Teve até um fotógrafo que fotografou umas modelos em uma igreja, escondido, saiu no globo. com e o cara foi escorraçado. Eu acho desnecessário; eu não preciso provocar Deus, nem a 26


igreja, nem a fé de ninguém. Eu respeito, mas eu também acho que muitas vezes reina uma hipocrisia muito grande. Eu já ganhei editais onde me fecharam em uma sala e falaram para trocar o trabalho; para colocar um trabalho de paisagem ou outro assunto, porque eles tinham lá três mil funcionários na matriz, metade era evangélico e que eles poderiam receber críticas muito fortes e até perder o espaço cultural por causa da minha exposição. Me falaram para ir para casa e pensar no assunto... eu fui para casa e nunca mais liguei... Eu acho um desrespeito. A pessoa que fazia assessoria de imprensa para mim na época falou “Vamos para imprensa! Vamos falar que você foi censurado!” Eu falei não, deixa eles de lado... eu continuei minha vida... Eu recebo muita censura, as pessoas veem o pecado, acham que o corpo nu é pecado. São ensinadas assim desde criancinha e crescem com essa ideia. - Você aprendeu fotografia com o seu pai. Os fotógrafos que você citou como referência, você conheceu eles enquanto pesquisava o assunto “nu, erotismo” ou conheceu eles enquanto estudava fotografia e se identificou com o assunto? Eu fui encontrando ao longo da vida enquanto pesquisava pelo assunto, e me apaixonando pelo trabalho deles, usando como referência no meu trabalho. A minha formação é basicamente de autodidata, ajudado pelo meu pai e por algumas pessoas que conheci. Eu ia em eventos de fotografia, ficava até o final, ia até o auditório, esperava pelos caras descerem, trocava cartões, perguntava se poderia visitá-los nos estúdios deles... Fiz amizade com 27


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vários fotógrafos, ia ao estúdio deles por uma semana inteira, observava eles fotografarem cerveja Antártica, carro da Toyota; e isso foi me alimentando de informação. Como funciona o seu processo criativo? Olha só, ele é muito... sofrido. Tanto que o meu primeiro projeto para exposição; eu fiz com um tema bem definido, com uma linguagem muito correta tecnicamente; e eu achei o resultado interessante. Mas quando fui desenvolver um segundo projeto para exposição eu não tinha um foco definido. Eu queria fotografar as pessoas nuas, mas não sabia o que, quando, como... Eu comecei o projeto sem pensar, sem estudar, sem elaborar, sem investigar mais os caminhos que teria que seguir e acabei tentando mostrar muita técnica; fotos em estúdio, fotos externas, fotos em locação, fotos com luz natural, fotos com luz artificial; e isso quebrou a linearidade do projeto. As pessoas que visitavam a exposição elogiavam a estética e a coragem das pessoas que aceitaram ser fotografadas nuas – porque eram pessoas comuns; vigilante, professor, publicitário; ninguém era modelo ou ator, ninguém tinha o corpo perfeito, ou quase ninguém – e eu pensei depois, que isso poderia ter sido a essência do projeto; a coragem de se expor. Seria melhor do que “De Todas as Formas” que é o nome do projeto, a ideia inicial. Todas as formas de corpo, todas as formas de técnica, todos os lugares. Eu fui um pouco confuso. Mas o meu processo é muito sofrido... Eu quero sair com uma imagem já definida na cabeça, e até chegar nessa imagem... Quando você conhece várias técnicas, acaba criando uma confusão. Qual é o caminho? Vou fotografar só em estúdio com uma determinada luz; ou vou fotografar a vida como ela é, com luz natural, levado pelo acaso... Esse início com diversas possibilidades de caminho me incomoda. - Você chega a trocar ideias com a família, amigos ou colaboradores sobre seus projetos? Sim, com a família, com amigos. O projeto que estou desenvolvendo agora do inventário é fruto de muitas con30

versas com amigos, busca de referências, pesquisa até no lado pornográfico por um ângulo, uma posição que talvez usando uma técnica high-key te ofereça algo diferente, interessante. Uma imagem que surpreenda positivamente. Então assim, o meu processo é... terrível, eu sofro, nossa, demais... - Muita autocrítica? Muitas, muitas dúvidas, muitos questionamentos. Eu mostro para minha curadora, ela diz “Fica por aqui!”; daí eu respondo que não que sinto vontade de ir além, de ter outras possibilidades. - Você sente que o seu segundo projeto não foi um sucesso? Eu acho que de público foi um sucesso, de mídia foi um super sucesso... - Mas e pessoalmente, na sua opinião? Eu acho que faltou profundidade. Não fiquei satisfeito. - E esse sentimento influência nas suas decisões futuras? Totalmente. É a dificuldade de desconstruir o velho e fazer o novo. Porque o velho está muito solidificado, muito enraizado. É o mal do automático. Eu falei no workshop sobre dirigir, é igual aos vícios da direção. A lei diz que tem que dirigir com as duas mãos no volante, mas você sempre dirige com apenas uma mão, com a outra come alguma coisa, bebe um refrigerante, e você não consegue mudar seu jeito. Então esses vícios que você tem no dirigir, você também tem na fotografia. Fugir deles é uma coisa terrível. Por que você decidiu abrir uma galeria de arte? Eu vi duas coisas. Eu vi o meu caminho dentro da fotografia autoral; eu como autor criando as minhas estórias; e vi também a possibilidade de não depender só da minha pessoa. Um artista vendeu, eu ganho uma parte, outro artista vendeu, eu ganho uma parte. O fotógrafo é um solitário; se ficar doente ele fecha a firma.


- Foi um pouco o seu lado empresário... Isso. Foi o meu lado empresário sendo resgatado. Eu pensei que se tivesse uma galeria, e ela estiver rendendo, vai permitir eu me ausentar do estúdio para desenvolver os meus trabalhos autorais. O trabalho do fotógrafo é ‘personalístico’, quando o cliente contrata você, ele quer você executando o trabalho. Se você mandar o João, pode ser processado porque combinou de você fazer a foto, mas mandou o João no seu lugar. A fotografia comercial, de publicidade, me ocupa durante um determinado tempo, que financeiramente é favorável, mas pessoalmente não é, porque me impede de realizar meus projetos; por falta de tempo. Eu vi na galeria uma possibilidade de me manter financeiramente, de financiar meus projetos, minhas loucuras, sem perder esse tempo que a fotografia comercial consome. Como você vê o mercado de arte fotográfica no Brasil? Eu vejo como sendo muito difícil. Muito difícil mesmo. Mas tem gente ganhando muito dinheiro. Se você é um dos top 3 da fotografia social na sua cidade, você tem agenda o ano inteiro. - Mas e especificamente da fotografia autoral? A fotografia autoral não tem mercado. Ela tem um mercado muito pequeno nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, porque é onde estão os colecionadores, pessoas interessadas e com condições de consumir arte. No resto do país não tem mercado. - E o que você acha de um caminho menos elitista, sem edições limitadas... Eu acho super válido. Eu acho que são caminhos. Você escolhe. Ou então você cria as diversas possibilidades. Eu penso se eu criar uma opção mais decorativa na minha empresa, eu não vou chama-la de “A Casa da Luz Vermelha”, porque essa é a minha galeria de arte – fine art – com edições limitadas.

- Cada um com seu foco... Exatamente, cada um com seu foco. Eu vou montar uma empresa XYZ para trabalhar com isso sem problema nenhum. Eu não tenho problemas com esse conceito. Minha ressalva quanto ao mercado de decoração é que para pagar fotógrafos é difícil, porque o retorno é muito pequeno, e se você pagar muito, você quebra. Os valores são menores, então as margens também são. Eu não monto um negócio de decoração porque eu não tenho coragem de pagar para um colega de profissão 10% de comissão, eu fico envergonhado. - Eu vejo também uma tendência do mercado de arte de minimizar o trabalho de quem trabalha com esse mercado de decoração... É verdade, o mercado de arte descrimina mesmo. Tem galeristas que não aceitam em hipótese alguma, autor deles entrar nessa de pôsters ou até mesmo tiragens altas. Bom, o Lilica está aqui do lado já impaciente para ir embora, deve estar querendo ir jantar, então vou fazer só mais uma pergunta para encerrar. A fotografia autoral é uma atividade artística derivada de uma atividade profissional intrinsecamente ligada a tecnologia. Eu acredito que a fotografia cotidiana está cada vez mais dissociada tanto da prática profissional quanto da prática artística devido aos rumos tomados pela tecnologia. Como você vê o futuro da fotografia em suas várias vertentes? Eu acho que a fotografia dominou o mundo e muita gente ainda não percebeu isso. Eu vejo uma educação visual em massa. Eu vejo muitas pessoas que não entendem nada de fotografia, aos poucos irem melhorando, irem percebendo que existe uma técnica de enquadramento. Estão se espelhando em outras pessoas que entendem do assunto no Instagram, no Facebook, no Flickr. Começam a perceber os cuidados que outros fotógrafos têm; “Porque que a foto 31




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dele fica bacana e a minha não fica!” Então eu estou vendo que as pessoas estão percebendo que fotografar é muito difícil, que tem que estudar muito, que não é só apertar o botão. Então eu acho que está acontecendo uma alfabetização visual, as pessoas estão melhorando seu jeito de enxergar. As vezes a gente vê um leigo falando em foco, enquadramento; e isso era assunto que antes era discutido só entre fotógrafos. É um universo que invadiu a vida de todo mundo. Os fotógrafos viraram personagens de novela, de filme; todas as famílias hoje têm um referencial de alguém muito próximo que fotografa, que vive de fotografia. Tudo por causa do digital, que aproximou as pessoas da fotografia, tornou ela mais acessível. Eu acho que a gente ainda está no meio de um ‘poeirão’ tateando para achar a saída. Por exemplo o fotojornalismo, como será que ele vai re-existir? - Ou resistir! Exclama o fotógrafo Ricardo Lima, que acompanhava a entrevista. Não, eu acho que re-existir mesmo; ele vai ter que se re-inventar, procurar outras formas. Eu assisti uma palestra do editor de fotografia do Clarín ( Jornal Argentino de grande circulação) na UNB em Brasília; e o cara mostrando uma foto que era o Menem (Ex-presidente Argentino) caminhando com um cara nos jardins da Casa Rosada. O título da chamada era “Menem está só”; apagaram o cara e publicaram a foto dele andando sozinho. É o jornalismo se apropriando de um “fato – não fato”. “E como é que fica a consciência de vocês?”; perguntaram para ele. “Não tem problema nenhum”; foi a resposta dele. Nós fomos assistir a palestra da menina que se apropria da obra de outro, mas o discurso não é de apropriação... Eu vejo que a informação está chegando e que no futuro vai acontecer a fotografia autoral. Vai existir um mercado de fotografia autoral no Brasil, e ele vai se interiorizar, mas, vai levar um tempo. Não sei se, nessa vida. (risos) Quando abri a galeria pensei, daqui a dois anos eu vou estar vendendo foto 36

“pra caralho”. Só que nada aconteceu. Vou completar seis anos de galeria, eu vendo, mas ela dá prejuízo. Eu penso “Vou manter, temos que manter”; pelo meu sócio a gente fechava a galeria. Mas eu acredito. Vai ser um caminho. Ou a decoração, ou o fine art. Para terminar, fale um pouco sobre o seu projeto atual, “O Inventário”. É um projeto que ainda está na fase de estudo. É um projeto antigo que começou com uma foto que fiz de uma guria de costas e depois brincando com ela no photoshop, eu super expus e pensei: “Pô, aqui dá uma onda!” E a partir daí eu procurei fazer a repetição. No começo, o projeto tinha um outro nome, mais no tom de brincadeira, chamava: “O Inventário do Pererecário Brasileiro”, hehe. A intenção era fazer um inventário das pererecas brasileiras, neh. Eu queria ir em todos os estados do Brasil, fotografar uma meia dúzia de pererecas de cada um, e produzir um livro das pererecas brasileiras. Mas quando começamos a colocar no papel; passagem, hospedagem, aluguel de estúdio; ficou muito caro. Um livro com 200 pererecas, são pelo menos 200 páginas, um pouco mais na verdade. Quando você vai orçar um livro desse porte numa gráfica de qualidade como a IPSIS, mais projeto gráfico e curadoria; fica inviável para um projeto sem patrocínio. E aí você pensa: “Se eu entrar numa Rouanet, quem é que vai colocar dinheiro em um livro de vaginas? Quem vai querer colocar sua marca em um livro de vaginas?” Entendeu? Eu fiquei refletindo sobre isso por muitos anos, pensando quem eu poderia procurar; marcas de absorventes, camisinhas? E outra; duzentas imagens iguais? De repente vai ficar muito monótono. Todas as fotos branquinhas, de costas, apenas variando o meio. Por isso eu pensei em criar outras situações. Eu já fiz novos estudos; pode ser que outros surjam. Eu tive a oportunidade de expor esse trabalho no Museu da República aqui em Brasília, no SP Arte/Foto por três opor-


tunidades, tive oportunidades de mostrar também em Paris e Miami. Numa dessas oportunidades do SP Arte/Foto, um fotógrafo – que eu não conhecia na época – começou a conversar comigo, bastante interessado no projeto. Depois eu descobri que ele trabalhava para uma revista de arte bastante conceituada, onde ele escreveu artigo falando muito bem sobre o projeto, sobre a forma como estava sendo conduzido, mas criticou o nome – ele achava um pouco tosco, grosseiro, e não condizia com a qualidade do projeto. E isso ficou gravado na minha cabeça – eu dei razão para ele. E como o projeto ainda está na ase de maturação, resolvi mudar o título para “O Inventário”. Eu mostrei para mais algumas pessoas, alguns curadores, e ouvi deles algumas sugestões, por exemplo, eu queria dar nome para cada perereca: Maria, Joana, etc. Poderia ser verdadeiro ou não; não importa, a dona iria saber que a Joana ali era ela. Mas aí, um curador me perguntou: “Pra quê?” Aí eu também refleti sobre essa sugestão e mudei para anônimas. Eu estou abrindo minha cabeça, é a primeira vez que estou trabalhando para publicar um livro, é um assunto delicado, eu gostaria de ter investidores. E tudo isso me faz refletir sobre a finalidade do projeto. Será que vale a penas fazer um livro, ou só uma exposição e um catálogo? Eu inscrevi o projeto em um prêmio, se dar tudo certo, eu vou ter grana para produzir o livro.

- E a reação do público ao seu trabalho, como tem sido? São as mais diversas. Tem lugares que eu sou bem recebido, tem lugares que sofro sanções. Tem pessoas que passam e olham, outras viram a cara. Tem mulheres que tampam os olhos dos companheiros, tem pais mais liberais que deixam as crianças se aproximar. E as crianças que se aproximam, chegam, olham, as vezes perguntam “mãe é a perereca?”, hehe, elas olham com inocência, sem malícia. - Você disse que teve oportunidade de expor também em Miami e Paris. Você percebe alguma diferença no comportamento do público em outros países? Esse assunto, não é todo mundo que leva para casa. Eu já vendi exemplares desse projeto para colecionadores, para profissionais da área médica; uma ginecologista comprou para colocar no consultório dela. Essa temática, o nu, tem um público comprador em potencial muito reduzido. - Para encerrar, como você acha que o público da revista vai reagir a capa desta edição? (risos) Eu acho que as reações vão ser diversas. Vai ter gente que vai ficar surpreso, outros vão ficar chocados, outros vão achar graça, alguns vão até achar que sua revista ficou pornográfica, hehe. Mas pelo púbico da revista - fotógrafos - eu acredito que a reação em geral vai ser boa.

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COLOMBIA CON MUCHO

GUSTO por Rodrigo Melleiro

Viajar pela Colômbia era um desejo antigo que consegui realizar em 2015. A ideia era viajar para aprender um pouco de Espanhol, vivenciar uma outra cultura e, obviamente, fotografar todos os dias, a exemplo de como já faço aqui no Brasil. Foram mais ou menos três meses viajando pelo país. A Colômbia é muito parecida com o Brasil em muitos aspectos, pela diversidade geográfica e problemas socioeconômicos. Assim como os brasileiros, os colombianos são muito receptivos aos estrangeiros. A viagem começou e terminou em Bogotá, que é uma mini São Paulo e de longe, a minha cidade preferida da Colômbia. A capital colombiana transpira street art e o governo está começando a tirar proveito disso para atrair mais turistas. Grafitar não é crime, o que serve de convite para artistas do mundo todo. Por outro lado, os chamados puristas, por vezes torcem o nariz para essa legalidade, acham que de certa maneira isso descaracteriza o propósito do grafite. Enfim, nunca vai estar bom para todo mundo, mas o que importa é que a cidade está cada vez mais bonita e revitalizada graças também a estas intervenções. Bogotá é uma cidade grande que não tem metrô, e isso para mim, é um dos pontos negativos. Entretanto, esta falta

é amenizada por um sistema de transporte público chamado Transmilênio, que foi inspirado no sistema de Curitiba. O táxi também é outro meio de transporte muito utilizado já que tem um preço bem acessível. E claro, a bicicleta, amplamente empregada, por conta do grande número de ciclovias espalhadas por toda a cidade. Bem, para quem quer fotografar a cidade e seu cotidiano, prestando atenção aos detalhes, o melhor jeito é caminhando mesmo. Fotógrafo de rua não pode ter preguiça de andar! Outra cidade que vale a pena destacar é Medellin, sede do quartel de Pablo Escobar nos anos 90, que ficou marcada por esse estigma durante muito tempo, mas a cidade hoje não reflete mais isso. É muito limpa e organizada, a única cidade do país que tem metrô. Conta também com um sistema de teleférico para acessar as áreas mais remotas. Essa organização toda é ótima, mas para mim falta um pouco de caos, talvez também por isso eu prefira Bogotá. Medellin é ainda a cidade natal de um dos artistas colombianos mais famosos mundialmente: Fernando Botero. No centro da cidade há uma praça inteira dedicada a ele. A Plaza Botero, reúne dezenas de esculturas do artista e é onde se localiza também o Museu Antioquia. Durante a minha visita tive muita sorte de conseguir visitar uma exposição 39


de obras inéditas que estavam no Museu. Uma compilação de pinturas e desenhos de Botero com o tema do circo. Simplesmente fascinante! De lá segui para Cali, cheguei para passar uns quatro dias e acabei ficando dez. A cidade é muito quente (comecei a chamá-la de Caliente), famosa por suas belas mulheres, também é conhecida como capital mundial da salsa (ritmo que, se somado a todos os outros que derivam dele, literalmente ecoam todos os dias, em todos os lugares pelo país). No hostel em que fiquei hospedado, tinha aula de salsa e vivia lotada. Eu não me arrisquei, no me gusta bailar. Para eles era muito estranho um estrangeiro que não se interessasse por pelo menos, tentar aprender o ritmo. Tive a impressão de que caleño é uma mistura de carioca com gaúcho: tem aquela malandragem do Rio de Janeiro e aquele ar de superioridade do gaúcho, onde tudo é maior, melhor e mais bonito...hehe. Mas foi lá também que fiz várias novas amizades, inclusive com artistas locais, que me ofereceram a oportunidade de deixar meus trabalhos à venda numa mistura de loja e galeria que gerenciavam. Só mais tarde, já no Brasil, descobri que o dono da mesma, um francês que estava viajando no período que estive por lá, é um conhecido meu que viveu na minha cidade natal, Rio Claro; e que já tinha inclusive frequentado minha casa, quando eu morava em São Paulo. O mundo é mesmo um huevo! Como fiquei rodando por lá por quase três meses, tive tempo de passar por cidades menores como Popayan, Santa Marta, Guatapé, Silvia, Santa Fé de Antioquia e Salento. Umas valeram a pena, outras nem tanto. Na Zona Cafetera, fiz um tour por uma fazenda de café orgânico, que incluía conhecer o cultivo, os processos de separação, secagem e moenda dos grãos, além de almoço, degustação de café e claro aquela comprinha básica de café ao final do dia. Dizem que o café colombiano é o melhor do mundo, e é realmente muito bom, mas eu ainda prefiro o nosso que é mais encorpado. 40

Cheguei no Caribe pela ilha de San Andrés, um lugar extremamente quente e turístico, que está mais próximo da Jamaica do que da própria Colômbia. Diferentemente do resto do país, a ilha foi colônia inglesa e isso se reflete na arquitetura e nas relações estabelecidas com os turistas. Me senti mais acolhido na parte latina. Ouvi muito que San Andrés era um destino imperdível, mas talvez pelo fato de viver em Florianópolis, a ilha caribenha não tenha me impressionado tanto assim. Sim, a ilha é linda, a cor do mar é de um azul impressionante, mas também é muito cara e a desigualdade social é bastante evidente. Visitei também a turística - e cara - Cartagena. A parte da cidade murada é belíssima e bem conservada. A vida noturna é bastante agitada e, infelizmente, a prostituição é escancarada logo ao cair da noite pelas ruas. Na verdade, o Caribe foi uma das partes mais cansativas da viagem, talvez pelo calor extremo que fazia, eu não via a hora de voltar para o friozinho da velha Bogotá, hehehe. Durante minha passagem pela Colômbia, peguei três ou quatro feriados, dentre eles o dia do trabalho, 1o de Maio, e pude acompanhar as manifestações que aconteceram por lá. De cara, o que chamou a minha atenção foi a presença massiva de jovens, de grupos diversos; punks, skinheads, hippies, anarquistas e militantes estudantis. Além de um contingente inimaginável de policiais. Como já era previsto, o confronto, entre policiais e manifestantes, não demorou muito para acontecer, mas a cena mais marcante durante o evento (e vai ficar para sempre na minha memória, já que ocorreu bem ao meu lado), foi uma surra que um rapaz levou de alguns skinheads. Uma sucessão de chutes, socos e pauladas que duraram alguns segundos e que eu acabei conseguindo fazer o registro da cena toda, numa sucessão de quatro clicks. Apesar dos gritos e chamados de muita gente, a polícia ficou parada olhando, e o garoto só parou de apanhar quando outros skinheads disseram “Basta, basta”. A presença do exército nas ruas é constante, e isso para mim, era muito bom, já que sempre rendia boas fotos. Tam-



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bém me sentia mais seguro em relação ao meu equipamento. Muitas pessoas me alertaram sobre roubos e furtos, mas nada aconteceu; ainda bem, já que eu só levei uma câmera e uma lente! Em resposta a esses alertas, eu tentava explicar que, sendo fotógrafo de rua tenho que estar preparado para apontar e clicar. Que para mim era pior perder uma foto do que a câmera. A câmera é apenas uma ferramenta. “Ah tá, você é rico e pode comprar outra câmera”; essa foi uma das resposta que eu ouvi, quando tentei argumentar. Mas eu entendo que é entender este conceito quando não se vive em função da fotografia. A maioria das pessoas não entende o que eu faço. Como fotógrafo de rua, estou sempre em busca de um momento decisivo e uma expressão ou situação que me chame a atenção. Apontar a câmera com uma grande angular na cara de alguém é uma situação louca, e apesar de fazer isso há uns dez anos, sempre rola aquela adrenali-

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na. As reações são as mais diversas e é isso também o que me motiva, hehe! Acho que o fotógrafo de rua é parte artista, parte antropólogo. Enfim, um documentarista. Houveram duas situações em que fui reprimido por tirar fotos; uma vez por um morador de rua, que não queria que eu fotografasse seus cães e outra, por um senhor que segurava seu guarda-chuva enquanto tinha seus sapatos engraxados. Em ambos os casos, fui repreendido veementemente. E, nas duas ocasiões, tentei argumentar com meu portuñol, mas não adiantou. Por fim, acabei deixando-os falando sozinhos e segui fotografando. A viagem foi chévere! Fotografei bastante, trouxe muitas imagens e novos amigos. A Colômbia é um país fantástico, com pessoas incríveis, que ainda lutam para limpar sua imagem manchada nos anos 80 e 90 pela guerra contra o narcotráfico e as FARC. Gracias Colombia, logo mais tô de volta!

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A FOTOGRAFIA

DE NU ARTÍSTICO por Guilherme Lechat

Dentre todos os temas fotográficos, talvez seja este o mais fascinante. Uma área que inspira ao mesmo tempo, as mais diversas reações. Ninguém fica indiferente diante de um nu. Até mesmo o simples ato de baixar os olhos, desviando a visão daquilo que não se quer ver, é a comprovação de que a obra surtiu efeito. A arte não é feita para agradar. Sua finalidade é produzir sensações, instigar os instintos e o imaginário. E o que poderia ser mais eficiente para atingir tais finalidades do que imagens de corpos nus? A nudez promove a reflexão. Ela nos faz pensar! As Cores e o Preto e Branco A presença das cores é fundamental para que se obtenha uma reprodução mais fiel da realidade. No entanto, a arte é a busca do ideal, do belo e muitas vezes do onírico. Ora, não vemos o mundo em preto e branco – o vemos em cores. Imagens em preto e branco criam desse modo um distanciamento da realidade. Incita ao sonho. A ausência das cores gera um estranhamento que se transforma imediatamente em elemento constitutivo da imagem. É o algo mais, um admirável mundo novo para onde transportamos o observador. É o terreno do desconhecido. As opiniões são divididas: há os que amam o preto e branco, e há os que odeiam. E os últimos geralmente criticam exatamente o fato de não vermos em preto e branco.

Os Grandes Planos A escolha do ponto de vista no momento da tomada da cena também influi decisivamente no resultado final. Em meio à natureza, por exemplo, tentar aproveitar o máximo possível da cena pode ser uma ideia muito interessante. Ao contrário das tomadas de cena mais fechadas, que proporcionam um clima mais intimista, os grandes planos transmitem a sensação de liberdade. A grandiosidade da cena liberta o olhar. A força da imagem, neste caso, vem do conjunto, não mais apenas da pessoa retratada. A Harmonia Com a Natureza Uma ideia bastante interessante é tentar integrar modelo e ambiente. A natureza oferece uma infinidade de formas, tons e texturas diferentes, que podem ser aproveitadas na composição da imagem. Elementos naturais como pedras, árvores e água podem ser empregados. Mas a essência da fotografia de nu reside na forma pela qual são representados o modelo e seu corpo. Um de seus principais aspectos está na postura, na linguagem corporal, cujo entendimento é universal. Criar poses que dialoguem com o ambiente, proporcionando a integração do humano ao meio natural é o grande desafio. A análise minuciosa do lugar e das condições de luz é indis55


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pensável. Cada localidade apresenta condições próprias. A iluminação, em locais distintos, nunca é igual. Um mesmo lugar, em diferentes momentos do dia, ou épocas do ano, apresenta significativas mudanças de luz. Da mesma forma, as pedras de uma praia são únicas. Cada canto do mundo possui suas próprias formações rochosas. Assim, praias formadas por seixos permitem fotografias completamente distintas daquelas que apresentam areia branca e fina. As árvores também mudam de lugar para lugar. Nunca são iguais. O importante é saber captar a “essência” do lugar. Um campo aberto não pode ser tratado da mesma maneira que um recinto fechado. Tudo muda muito de uma locação para outra e uma adequação ao lugar se faz necessária. Os modelos não devem posar sempre da mesma maneira. Devem mudar sempre, estejam sobre uma pedra à beira de um lago, em primeiro plano, ou diluídos na imensidão de uma paisagem. É do contraste, muitas vezes, que surge a força da imagem. A pele suave contra a aspereza de uma parede. A fragilidade dos corpos em oposição à força bruta das rochas. O tom das peles alvas confrontando o asfalto negro. Saber retirar o melhor resultado das condições naturais do ambiente, tais como se apresentam, é uma habilidade que deve ser desenvolvida, treinada. Porém, é a pose do modelo o elemento definitivo. O toque final. Por isso, deve vir por último. Analisadas todas as condições do ambiente, estudadas todas as possibilidades, só então é que seus modelos devem ser posicionados na cena. Assim, completa-se o quadro: o cenário, a luz, o enquadramento, a composição e a modelo. O Elemento Água Rios e lagos são ótimas locações para nus artísticos. Esses são os locais perfeitos para tomadas externas. O mar também proporciona belos cenários. As rochas, as ondas e a modelo, tudo se funde em uma só imagem impactante. O elemento água confere graça e suavidade à imagem. É um instrumento de purificação. A integração com a natureza, sobretudo com o elemento natural água, é muito benéfica para a fotografia, principalmente para a fotografia de nus artísticos.

Paisagens Urbanas Um grande galpão industrial desativado pode se tornar um cenário incrível. A luz, presente nestes grandes espaços, costuma ser bem diversificada, tanto em quantidade, quanto em qualidade. Há os claros e os escuros, as luzes e as sombras. O espaço amplo também confere à cena certa imponência. Fotografar a cena por inteiro, da forma mais ampla possível, é, novamente, uma boa ideia. Tudo é elemento de composição. É o humano o que destoa na cena, ainda que edificações sejam uma característica humana. Um rico paradoxo se forma em locais assim. É o humano versus o concreto inanimado. O habitante e o desabitado. Geometria Há linhas, figuras geométricas, formas que devem ser observadas no local. Escadarias formando perspectivas, árvores e seus galhos criando molduras. Corpos, em posição vertical, podem se fundir quase imperceptivelmente em meio às árvores. Na horizontal, completamente encolhidos em formas arredondadas, simulam rochas. É a adaptação ao meio, ou o contraste em relação a ele. Tudo depende da proposta, da ideia. Mas o projeto deve levar em consideração todos esses detalhes desde o princípio. É o binômio “proposta versus ambiente” que define o posicionamento do modelo na fotografia. O Processo de Construção da Pose Cada projeto fotográfico demanda determinados tipos de poses. Há sempre um estilo mais adequado para ilustrar aquilo que se deseja dizer. Assim, o importante é saber quais são os objetivos. Qual a mensagem a ser transmitida. Existem poses suaves, que transmitem calma, tranquilidade, paz. Existem poses mais vigorosas que denotam tensão, agressividade, drama. Quaisquer poses podem produzir resultados interessantes e visualmente atraentes. O corpo fala. O que desejamos dizer? Que história queremos contar? 63


DELICADEZAS

NO ATO E RETRATO

DO NU por Andressa Crossetti

Posar nua é entrega. Poucos profissionais da fotografia possuem a sensibilidade de compreender que corpo é expressão e que a modelo, ao despir-se para a câmera, precisa confiar em quem fotografa. É um trabalho em equipe, precisa haver cumplicidade e respeito mútuos. Os profissionais que possuem a sensibilidade de captar que corpo é muito mais que imagem, é história, memória, traumas, identidade, além de veículo para expressão e arte, da modelo, são os que captam imagens poderosas. É importante respeitar a modelo. Respeitar sua doação, compreender que é um ato de generosidade e coragem dispor-se às câmeras alheias. Entre 2007 e 2014 posei nua para diversos fotógrafos e fotógrafas. Foram mais de 60 pessoas; desde o estudante que tremia ao fotografar e dizia “faz o que você quiser”; passando pelo “dedo nervoso”, que fica mudo e não para de clicar freneticamente, se escondendo atrás da câmera; até o profissional que sabe exatamente o que quer, trata a modelo com educação, conversa sobre o briefing e, entre outras coisas, já deixou a luz pronta em seu estúdio. Dessa experiência aprendi que um bom trabalho é realizado com estudo, prática, doação e boas relações humanas. A sessão fotográfica sempre me pareceu uma “dança dialógica” entre fotógrafo, modelo e equipe. O fotógrafo ao orientar


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a modelo cria imagens. A modelo cria opções de poses a partir de orientações e de seu repertório pessoal. E a equipe precisa compreender a proposta do trabalho para facilitar o desenvolvimento do mesmo. Um diálogo, então, deve ser estabelecido. Quando tudo funciona cria-se um ritmo fluído na sessão, como em uma dança; primeiro o aquecimento, depois o ápice e então o cansaço. Esse ritmo deve ser escutado e pertence a todos os envolvidos. Como modelo, adquiri a consciência de que ser fotografada é tornar-se imagem. Por isso, é preciso atenção aos significados que podemos construir enquanto corpo que performa diante de uma objetiva. A seleção do que a modelo propõe é responsabilidade do fotógrafo e por isso a modelo deve confiar em seu olhar para que se sinta à vontade e consiga doar-se na sessão. A primeira e última fotógrafa para quem posei, fui eu mesma. Posar foi como um palco para me expressar e, por que não, para me conhecer. Cada mulher que posa nua o faz também como ato de autoconhecimento. Comecei a posar quando estudava Artes Visuais, sequer tinha 18 anos, mas já buscava me entender como mulher e como performar o gênero feminino. Fotografar a mim mesma fez parte do percurso de inventar e experimentar possibilidades de ser. Para as mulheres, a questão de sua imagem é bastante carregada de importância, não só em termos pessoais, mas em termos culturais e históricos. Segundo o crítico de arte John Berger, em seu livro clássico Ways of Seen, “In the art-form of the European nude 66


the painters and spector-owners were usually men and the persons treated as objects, usually women”. Na história da arte, a mulher foi incontáveis vezes representada. Em nossa cultura, infelizmente, o valor da mulher muitas vezes passa por sua aparência. Esse peso cultural dado à imagem feminina pode gerar angústia e sofrimento. Mesmo a modelo profissional, enquadrada no estrito padrão de beleza fashion, carrega inúmeras preocupações, inseguranças e ansiedades quanto à sua aparência. Compreender criticamente que a imagem produzida de uma mulher implica valores históricos, culturais e psicológicos é uma responsabilidade que deve ser assumida por quem trabalha com criação de imagens do feminino. Fazer arte é, inevitavelmente, um ato político — é melhor fazê-lo com consciência. Fotografei algumas mulheres nuas também. Nenhuma modelo profissional, apenas amigas que buscavam algo e usaram a fotografia como meio para ajudá-las nessa busca pessoal. Cada uma dessas mulheres é única, cada corpo carrega uma vivência própria. Foi ótimo conversar com cada uma delas antes de começar a fotografá-las. É essencial uma aproximação e diálogo empático entre fotógrafo e modelo antes da sessão começar. O corpo nu é potência, a nudez será vestida pela modelo e saber um pouco de sua história ajuda a captar o corpo em sua melhor expressão, enquanto performance, na sessão. Decidi não mais posar para outras pessoas, com raras exceções. Cansei de fotógrafos pouco profissionais que descumpriam os acordos ou que possuíam segundas intenções. Claro que há bons profissionais, mas os 67


ruins fazem não valer a pena arriscar. Percebi também que me divirto muito mais sendo modelo de mim mesma e assumindo o que chamo de “Autonomia do Retrato”. Me inspiro em fotógrafas e artistas como Francesca Woodman, Hester Scheurwater, Rita Lino, Cindy Sherman, Ana Mendietta, Helga Stein, Sophie Calle, entre outras. É sempre importante perceber uma tradição artística que lhe precede e dialogar com ela. Então, performo para um “olho invisível” que capta o ângulo, a luz e a pose que eu desejar. Gosto de intervir digitalmente e aproximo minhas fotografias à arte digital; talvez porque também flerto com a pintura. O enquadramento é mais difícil de comandar pois a posição da câmera é fixada no instante que antecede o ato. Em dez segundos, de fotógrafa viro modelo. O fluxo do autorretrato é menos fluido do que desempenhar apenas um papel; fotógrafa ou modelo. É mais anguloso; em zigue-zague; um angulo é o da câmera, o outro é da pose. Por outro lado, é interessante me surpreender com o que a câmera captou e

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ir fazendo ajustes até que a imagem esteja montada e encenada como eu preferir. Criar o cenário, desenhar a luz, performar diante da câmera e intervir digitalmente faz desses autorretratos uma produção híbrida onde posso evocar minha experiência com teatro, dança e pintura. Perceber que emprestei meu corpo para fantasias alheias que muitas vezes representavam uma noção de feminino que pode violentar a dignidade e saúde emocional de muitas mulheres me fez repensar meu papel. A consciência de que a imagem da mulher tem densa tradição histórico-cultural, que cada corpo é repleto de memórias, é grávido de múltiplos sentidos e que há um inevitável posicionamento político ao representar um corpo; é essencial para exercer a profissão com responsabilidade. Acima de tudo, respeitar quem trabalha com você, ser confiável, cumprir compromissos e levar seu trabalho e o trabalho da modelo e da equipe a sério, são o básico para quem vai fotografar nu, assim como todas as outras coisas.

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THE FOXY

FOX CREW Ah, a beleza feminina. Em todas suas formas e nuances, o corpow da mulher é lindo - e tão interessante quanto o corpo é a fotografia. Pode se dizer que, de certa maneira, eles andam lado a lado. A admiração pelo corpo feminino por parte de fotógrafos não é algo atual, mas sim que vem de outrora, desde seus primórdios. Fotógrafos especializados em nu se tem aos montes - seja pelo Brasil, seja pelo mundo afora. Em São Paulo, uma das maiores capitais brasileiras com esse tipo de fotografia, muitos consideram outros fotógrafos concorrentes - mas não foi o que Bruno Massao, Gabriela Joy e Pedro Costa Neves pensaram. Ao contrário da maioria, que pensa em segregar, os três preferiram se unir, formando um coletivo fotográfico focado na beleza feminina. Nascia, então o coletivo The Foxy Fox Crew. Apesar do coletivo ser relativamente novo, os fundadores não são caras novas no meio da fotografia: Pedro e Gabriela fotografam desde 2012 - enquanto Pedro tem um trabalho mais autoral, focado em sua estética artística, sobre a alcunha de The Killer-Rabbit Photography; Gabriela possui uma abrangência de fotografia mais comercial, com trabalhos editoriais envolvendo nu e lingerie - como o calendário da revista digital ESTORO, especializada em grafite. Já Bruno tra-

balha com fotografia há mais tempo, com mais de dez anos na área - entretanto, boa parte de seu foco é com relação à tecnologia e a parte didática da fotografia: Bruno não apenas fotografa, como escreve para sites e revistas especializadas na área. Bruno, Gabriela e Pedro se conheceram devido a uma paixão em comum: a fotografia analógica. Apesar disso, apenas Pedro produz seus ensaios inteiramente com filme, seja com luz natural ou artificial. Bruno e Gabriela produzem seus ensaios com equipamento digital, mas Bruno também fotografa usando equipamento analógico - essas fotos, porém, são fotos de bastidores, como uma forma de documentar o dia do ensaio dessas modelos. Sobre o gosto de fotografar com película, os três concordam que o resultado é único - ainda que nem todos utilizem o meio como principal forma de capturar um ensaio. O coletivo, inicialmente situado em São Paulo, expandiu e se tornou nacional em 2016, com a inclusão de mais dois fotógrafos: Rafael Coala, de Salvador, e Lucas Maruo, de Curitiba. A adição de ambos foi pensada de modo a possibilitar que novas modelos, interessadas em posar para o coletivo, não precisem aguardar por longos períodos - até uma viagem ser marcada por um dos fotógrafos. A inclusão dos novos mem71


bros se provou um sucesso para o coletivo; menos de um mês depois de anunciado, mais de 20 garotas das regiões metropolitanas de Salvador (BA) e Curitiba (PR) se interessaram em serem clicadas para o site. “Todas as mulheres têm belezas individuais, então sempre consideramos fotografar todas as garotas que nos procuram - mesmo que o ensaio, no final, acabe não acontecendo”, explica Bruno. “Às vezes fotografamos garotas que namoram ou cuja profissão pode ser afetada pela exposição, acabamos por produzir um ensaio mais leve, às vezes sem qualquer nudez. Mesmo assim, problemas podem ocorrer, e nós temos que lidar caso a caso”, complementa. Mas se problemas com mulheres que não são modelos são constantes, por que insistir em fotografá-las e não trabalhar com modelos profissionais? Gabriela responde: “Não tem graça. Qualquer um pode contratar uma modelo profissional e trabalhar com ela. Se por um lado você tem total controle sobre o ensaio com uma profissional, você não tem o desafio de dirigir uma garota que, muitas vezes, nunca foi fotografada na vida”. Vale citar, porém, que eles não se recusam a trabalhar com profissionais, como foi o caso da modelo Catharina Bellini, fotografada tanto por Pedro quanto por Bruno. Financeiramente, o coletivo não foi feito para esses fins. Bruno explica: “Nós não cobramos os ensaios das modelos - como precisamos de autorização para publicar as fotos, o que fazemos é uma espécie de permuta, onde oferecemos fotos extras sessão fotográfica. Além disso, as modelos têm autorização para utilizar as imagens dos ensaios em suas redes sociais. Nós dividimos os gastos entre nós, do coletivo, e as modelos. Então, muitas vezes, conseguimos usar locações mais legais do que o usual.” Ele continua: “A ideia da The Foxy Fox Crew nunca foi ser uma empresa, para ter ganho financeiro. Para isso, todos nós temos nossas carreiras individuais e cobramos por nosso trabalho. A The Foxy Fox Crew pode ser considerada nossa válvula de escape para fazer arte sem se preocupar com parâmetros impostos comercial72

mente.” Rafael concorda: “Uma das primeiras conversas que eu tive com o (Bruno) Massao a respeito da minha entrada no coletivo foi justamente a respeito de grana. Ele me explicou que, no máximo, a modelo divide os custos do ensaio com produção e locação, até porque ela pode usar as fotos após o ensaio produzido.” “A grande sacada é que isso abriu uma porta para minhas sessões de retrato íntimo. Se uma garota se interessa em fotografar um ensaio e não quer que suas fotos sejam expostas pela gente, eu acabo oferecendo o meu serviço, onde ela agenda uma sessão, faz o pagamento e tem as fotos apenas para ela. O que ela faz com as fotos desse ensaio é algo que diz respeito apenas a ela, afinal ela pagou pelas fotos”, explica Bruno. “Pelo menos comigo, eu consigo balancear entre os ensaios para o coletivo e os ensaios em que eu sou contratado.” O modelo de atuação do coletivo funciona consideravelmente bem, visto que muitas garotas que querem começar uma carreira como modelo acabam por se interessar em posar para o coletivo. Para o futuro, o coletivo tem planos. “Estamos pensando em convidar mais alguns fotógrafos, mas não temos nada concreto por enquanto. A ideia, no momento, seria convidarmos fotógrafos de fora da nossa base de atuação - São Paulo, Curitiba e Salvador - onde já estamos firmados, mas eu gosto muito do trabalho de uma fotógrafa daqui de São Paulo, e pretendo conversar com ela a respeito do coletivo, fazer o convite e ver se ela aceita”, diz Bruno. E quem é essa fotógrafa? “Prefiro conversar com ela primeiro, mas se der certo, logo todos saberão. As únicas coisas que eu posso dizer são que ela fotografa com filme e é muito talentosa”, completa. Gabriela toma a palavra: “também pensamos em produzir uma exposição. É uma ideia que está começando a brotar, mas que parece ser bem interessante tanto para o coletivo quanto para os membros.” Seja lá o que o futuro aguarda, a The Foxy Fox Crew só tem a crescer.


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ERIKA

EM PARIS

por Leandro Neves

Paris surgiu para iluminar mais nossas vidas, nossas fotos, nossa relação e nossos conhecimentos. Primeiro, alugamos uma casa incrível, toda rústica com cara de casa de vó, jardim, árvores, janelas enormes, cores e ar puro. A casa ficava nos arredores de Paris, mas dizer perto de paris é bem diferente do que dizermos que moramos perto de São Paulo; lá pegávamos o trem e em apenas 15 minutos estávamos no centro de Paris. Essa casa foi muito especial, pois ali nos unimos muito. Todos os dias fazíamos nossos jantarzinhos com vinho e velas no jardim, trabalhávamos ao ar livre, o clima estava perfeito; nem frio, nem calor demais; tínhamos muito espaço, janelas enormes que deixavam entrar uma luz linda todos os dias e estar ali aguçou muito a nossa criatividade. A vida a dois é um exercício de concessões. Inúmeras vezes abrimos mão de hábitos, crenças e desejos em nome de uma relação. Como diria Rousseau; “só é possível ao homem ter um certo grau de liberdade se ele abrir mão da mesma, visando o bem comum”. Quando chega o momento em que acredita que está perdendo sua personalidade, é só olhar para fora, para perceber que o fato de estar aberto lhe permitiu receber inúmeras coisas boas e agregar outras

qualidades que jamais se alcançaria sozinho. Hoje, mais do que nunca, je ne regrette rien! Em Londres já tínhamos feitos algumas fotos da Erika, mas foi em Paris que isso tudo ficou sério. Começamos a fazer testes de várias coisas que tínhamos vontade de pôr em prática, desde ângulos, poses e até aproveitar todas as luzes das janelas de todos os ambientes da casa e em todos os horários. E foi aí que os resultados foram ficando cada vez mais incríveis. Nós estávamos, naquele momento, viciados em fotografar um ao outro. Pelo menos duas vezes por semana a gente desmontava a sala da casa, arrastava os móveis para conseguir os cantos mais bonitos da casa, as luzes mais especiais entrando por aquelas janelas. Fazíamos a maquiagem mais simples possível, pouca roupa, dávamos uma olhada em algumas referências como inspiração e era sempre assim que começava. Mas o que contou realmente para que tudo fluísse foi a nossa intimidade, nossa confiança um no outro e o momento que estávamos vivendo ali e assim, eu aprendi a fotografar a Erika. O resultado foi maior do que esperávamos e nossa história foi parar na Revista VIP, fechando com chave de ouro toda essa experiência que tivemos. 81


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O DESAFIO DE FAZER

UMA CURADORIA por Bruno Massao

Desde que me dediquei mais a fotografia de nu, acabei deixando um pouco a fotografia de rua de lado, mas isso não significou, em momento algum, que meu interesse por esse tipo de foto tenha diminuído. Pelo contrário, eu acabei ficando cada vez mais inspirado a rever meu trabalho do gênero. Com o aniversário da cidade de São Paulo se aproximando, decidi fazer uma curadoria das fotografias de rua que produzi ao longo do ano. O objetivo era separar as imagens e produzir um ensaio sobre minha cidade natal, a tempo de publicá-lo online para as comemorações do aniversário de 462 anos. Sendo assim, estipulei algumas pequenas regras para facilitar a curadoria, mas que no final acabaram provando ser desafiadoras. Essas regras eram: • Todas as fotos precisavam ser de filme. • As fotos deveriam ter sido produzidas entre 2013 e 2015. • Eu não poderia ultrapassar 20 fotos. • Todas as fotos deveriam ter sido produzidas, exclusivamente, na cidade de São Paulo. • Apenas fotos coloridas poderiam integrar a curadoria. Regras impostas, comecei a rever meu trabalho. Separei todas as minhas fotos de filme desse período de 3 anos, totalizando incríveis 897 fotos. Eliminei todas as fotos P&B – que na verdade eram poucas, apenas 5 rolos – e o número total de imagens caiu para aproximadamente 710 fotos. Passei um pente grosso, eliminando todas as fotos que eu não gostava, reduzindo para apenas 213 candidatas para a seleção final. Não parece tão difícil, pensei, já contente por ter que escolher apenas dez por cento desse total de imagens.

Mas aí é que complica; já que os detalhes acabam importando mais do que o geral: eu gosto do enquadramento dessa; dessa outra eu gosto das cores; e assim por diante. Acabou que se passaram três dias e eu ainda tinha 67 na lista. E por mais que eu tentasse, não conseguia eliminar a quantidade excedente de fotos. Decidi deixar as fotos de lado por um dia. Talvez, pensei, se eu deixasse de olhar para essas imagens por um mísero dia que fosse, eu conseguiria olhar com um pouco mais de clareza e procurar nas entrelinhas o que eu queria para montar o ensaio. O descanso de um dia acabou se provando extremamente proveitoso, e logo consegui reduzir o total de fotos para um número mais maleável: 26. O problema é que eu já havia perdido a data limite para a publicação; era quase 22 horas do dia 25 de janeiro. Acabei engavetando o projeto por ora. A semana passou, e no sábado seguinte eu resolvi retomar essa curadoria, apenas para dar um ponto final. E qual não foi minha surpresa quando a seleção final fluiu de modo natural? Não precisei forçar a barra, não precisei me apressar e ela aconteceu de modo tranquilo. As 26 fotos iniciais, em questão de minutos, viraram 20 fotos. Confesso que a experiência foi, acima de tudo, interessante. Ao fazer essa curadoria, eu percebi uma quantidade de fotos que eu havia negligenciado inicialmente, mas que acabaram por entrar nesse ensaio. Também houve fotos que, na época, eu considerei uma boa foto, e que no momento da escolha acabaram não me interessando tanto. Esse exercício, de rever imagens antigas, é praticado há anos por fotógrafos, e é algo que eu sugiro que todos façam. Eu mesmo irei praticá-lo mais vezes. 87




fotografia et al Conceito

Arte

Expressão


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