FEIRAS LIVRES
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De moradores antigos atĂŠ os mais jovens, muitos sĂŁo os que frequentam as feiras da Capital
Aos domingos, a feira do Guanandi recebe mais de trezentas pessoas
FOTOREPOTAGEM POR
KIOHARA SCHWAAB
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om origem na Idade Média, as feiras tinham o intuito de vender mercadorias produzidas pelos próprios comerciantes, o que fazia rodar a economia da época. A “venda” ocorria de forma que o comprador negociava o que lhe faltava com o que ele tinha sobrando, ou seja, a base de trocas. À medida em que o tempo passou o sistema foi substituído pelo monetário. E assim, além da compra e venda, as feiras passaram a ser um lugar alternativo para passear com os amigos e familiares. 3
Hoje elas estão espalhadas por diversas regiões do Brasil e carregam uma história de muita tradição. Em Campo Grande há 53 feiras organizadas dos bairros mais pobres até os mais ricos. Elas acontecem uma vez por semana em cada região. Aos domingos, por exemplo, entre as sete da manhã e meio dia ocorre a do Universitário e a Feira do Guanandi, que são as mais conhecidas.
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A prefeitura informa que para conseguir montar uma barraca nas quadras reservadas para as feiras, é preciso comprar o espaço pelo valor de R$ 50,00 a cada dois metros e meio, como “ocupação de terra”. Além da compra, os feirantes pagam um alvará anual de funcionamento. As demarcações são feitas no chão, geralmente com tinta branca, para indicar o tamanho exato de cada banca.
Em algumas feiras as marcações são traçadas ao invés de numeradas, como mostra o círculo laranja ao lado 5
Ao fundo, o avô de Bruna Nantes também auxilia Edma na barraca em que vende salgados 6
A maioria dos feirantes são antigos. Uma das mais novas é Edma Ferreira que comercializa salgados há 6 anos. A filha dela, Bruna Nantes de 15 anos diz que é muito bom ajudar a mãe, “é divertido a gente tem bastante amigo, às vezes eu saio um pouco pra passear e conversar com eles”, relata. Afrânio Kakazuo está na feira há mais de 70 anos e vende as verduras que são cultivadas em sua própria horta. Ele diz que herdou a habilidade do pai e que não se vê fazendo outra coisa, pois adora o contato com as pessoas que passam por ali. Já a feirante Maria Aparecida Moreira possui dez metros de barraca e trabalha no bairro Universitário vendendo calçados há mais de 20 anos com a nora, Marta Fernandes. Maria revela que participa no local “desde quando isso tudo aqui era terra; criei meus filhos tudo na feira, isso aqui tem história”.
O feirante Afr창nio Kakazuo se diverte no trabalho pois possui um contato de amizade com seus clientes 7
Nas feiras, os produtos que podem ser encontrados são roupas, brinquedos, CDs, frutas, flores e objetos de decoração. As pessoas que as frequentam geralmente são moradores do entorno do bairro, como é o caso de Patrícia Alberto que mora no bairro Ametista, bem próximo do Universitário. “Eu venho mais pra comprar verdura e comer, é um lugar gostoso pra vir aos domingos”, conta.
Além da venda dos produtos de sua horta, o japonês Kakazuo (citado na página 7) personalizou suas caixas de verduras com uma marca própria
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O bairro Guanandi recebe uma vez por semana uma das maiores feiras da Capital 10
No Guanandi, são 15 quadras de muitas variedades. Segundo Delci Pereira Ribas que mora no bairro há 43 anos, a feira chega a ter um quilômetro. Ele também conta que acompanhou o início da feira quando chegou na capital em 1974. “Foi uma cuiabana que montou uma banquinha pra vender mandioca e através dela foi espichando. Eu lembro bem, ela já era uma senhora de idade, coroa morena e gordinha. Que falava alto: isso aqui vai ser a feira!”. O que muitos não sabem é que as carnes de porco e de vaca eram penduradas em uma corda e os cortes eram feitos ali mesmo. Mas hoje, muita coisa mudou. Delci conta que as carnes passaram a ser vendidas mais nos mercados e o número de frequentadores diminuiu, por isso boa parte da feira já não existe mais. Além disso, é possível notar espaços vazios na feira, devido ao fato de alguns comerciantes faltarem aos domingos. Aparecido Clabco, também morador e autônomo, conta que para controlar essas faltas, existem fiscais que anotam tudo e, caso ocorra um número de ausências superior a quatro domingos seguidos, o feirante perde a vaga e outro entra no lugar.
Aparecido (à esquerda) e Delci (à direita) conversavam sobre as mudanças que a feira trouxe para a região
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As barracas possuem um padrão de montagem, elas são construídas em estruturas de ferro com lonas. Mas alguns resolvem inovar. A feirante Roseni Aparecida, por exemplo, aproveita o espaço do irmão para colocar sua “barraca” em dias que o tempo está chuvo12
so. Além da feira, ela também possui uma loja e faz uma avaliação da diferença. “Eu vendo mais na feira. O comércio em si é diferente, tem dia que enche e tem dia que não. A feira em si é diferente de uma loja, ela tem vários tipos de pessoas que passam. A loja já tem uma clientela
fixa. Mas lógico na feira sempre tem uns que vem comprar, só que não são tão fieis”. Por ser mais conhecida, a Feira do Guanandi, atrai não só moradores como também pessoas de todos os lugares. O espanhol Manoel Melendes e sua esposa Vera Lúcia são um
exemplo deles, que estavam fazendo uma pesquisa de preços. Após isso, diferente de uma grande parte de pessoas, eles chegaram a conclusão de que comprar no mercado é muito mais viável. “Porque na feira é muito caro. Deveria ser mais barato, pois teoricamente toda essa
O casal de espanhois Manoel e Vera pesquisavam alguns produtos com menor preço para comercializar em um futuro empreendimento
gente é produtora de horta. Tomate você vê por 5 reais, você vai pra fora e compra por R$ 2,50. O pimentão é um real, um único. Normalmente as pessoas acham que é mais barato, mas estão equivocadas”, comenta. Sua esposa Vera ainda completa “aqui encontramos dificuldade porque não tem por quilo, peso, só encontra de bolsinha e é mais caro que você ir no mercado central, por exemplo, e comprar por quilo”. Em contrapartida, o motorista Leandro Silva defende que na feira é mais barato e que prefere comprar verduras lá ao invés das mercearias. Ele se considera um fã de carteirinha do Guanandi, pois todos os domingos leva os sobrinhos para passear. “É um bom lugar para trazer as crianças, nós lanchamos, brincamos e passeamos por tudo”, revela. Além dos preços alguns acreditam que a feira traz mais comodidade, por estar perto de casa e disponibilizar “tudo na mão” como é o caso do autônomo Flávio Manuel Jesus da Silva, que frequenta o lugar há mais de 6 anos. 13
Das ruas para a praça
O presidente Abrão Bezerra circula no local toda vez que tem feira para fiscalizar possíveis irregularidades 14
A
s feiras são tradicionais e, normalmente, acontecem na rua. Mas na Orla Morena um novo modelo está sendo implantado. Ela, que antigamente era conhecida como Feira do Cabreúva, e existe desde quando o trem passava por aquela região, era montada na rua como todas as outras da Capital. Porém com a construção da Orla Morena houve uma negociação entre os feirantes e a prefeitura com o objetivo de abrir um espaço para realocar as barracas dentro da praça. De acordo com a feirante Maria das Neves, a mudança foi positiva. “Ficou bem melhor sendo aqui na praça, porque ganhamos visibilidade e podemos trabalhar melhor, sem contar que temos mais espaço para nossas barracas”. O novo modelo pode vir a ser um exemplo para a prefeitura na organização das demais. Segundo conta o presidente da feira Abrão Alves Bezerra, ela possui um projeto especial. “Tudo aqui é planejado. As barracas com lona na cor vermelha são de comida, amarelas são para doces, crepes e pão, essas coisas. A verde é de verdura e azul são armarinhos, artesanatos, objetos para casa”. A prefeitura está estudando tomar essa feira como um modelo para todas as demais.
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