Dança

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CORPO EM

CENA O papel da danรงa em Campo Grande e como ela atua na cultura da regiรฃo


Grupo Funk-se


FORMAÇÃO DE

IDENTIDADE

CULTURAL


Q

uem nunca dançou ao escutar uma música? Com seus movimentos corporais expressivos e ritmados, a dança é uma das formas mais antigas que o ser humano encontrou para exprimir suas emoções. E constitui um processo artístico e criativo, que comunica informações com o corpo e transmite sensações a quem assiste as performances. Capital do estado de Mato Grosso do Sul, a cidade de Campo Grande é o polo de dança da região. Seu cenário artístico é formado por grupos e academias que vão desde o ballet clássico até as danças contemporâneas e étnicas. Mas são as danças urbanas, de salão e contemporâneas as mais procuradas por aqueles que se interessam em aprender a dançar. As linhas de trabalho desses grupos e academias, variam de acordo com as pesquisas que os coreógrafos de cada um deles estudam e resolvem trabalhar. Os temas abordados são muito diversificados, já que há preocupação de alguns grupos e academias em trabalhar com pesquisas ligadas à identificação cultural sul-mato-grossense. “Tem muitos alunos já pertencentes à grupos que tem como linha de trabalho esse mergulho na cultura popular local. E a partir disso, com uma abordagem bastante contemporânea, eles trazem uma releitura, construindo uma própria dramaturgia, uma poética própria do grupo”, afirma a professora do Curso de Artes Cênicas da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Dora de Andrade, referindo-se ao fato de que vários bailarinos e coreógrafos da cidade passam pela instituição. Outros grupos e academias por sua vez, não tão interessados na busca por uma representação sul-matogrossense, preferem pensar em criações que se originam dos estudos do corpo e suas possiblidades, como por exemplo o autoconhecimento de quem dança, e o que é possível transmitir ao público a partir disso. Roberta Siqueira, bailarina do Conectivo Corpomancia, diz que

mesmo que a coreografia não traga traços culturais, esses já estão intrínsecos no corpo do dançarino. “Acho que a nossa essência traz toda essa bagagem de morar nessa cidade e a nossa ancestralidade”, completa. Os grupos engajados na produção artística ligada às tradições regionais tratam de temas da história do estado, como a questão indígena e a representação do homem pantaneiro. “Eu sempre procuro localizar as minhas angústias, os meus anseios aqui. Eu tenho vontade de falar de coisas daqui através da minha dança. O último trabalho que a gente fez, antes do ‘Tem Trem?’, foi ‘Frágil ou o sentido da ruptura’, que falava da realidade de uma tribo Guarani Kaiowá na região de Dourados, onde no período de 2007 a 2009 acontecia uma faixa de 30 suicídios de jovens indígenas por ano”, conta o diretor e coreógrafo do grupo Funk-se, Edson Clair. Ele pesquisou o tema antes e durante a montagem do espetáculo. Esse tipo de abordagem temática ligada à identificação cultural, torna-se complicada quando os coreógrafos não pesquisam detalhadamente o tema e não se aprofundam em filmes, livros, viagens e outras referências que possam ser usadas no momento da criação. O que ocorre nesses casos é apenas a explanação estética da apresentação, sem o compromisso em levar conteúdos que causem reflexão à platéia. “Eu vejo muitas coreografias serem montadas em cima dos povos indígenas, mas aquilo é apenas uma exploração estética, porque faz parte do estado. Mas eu não vejo que tenha um aprofundamento e uma manutenção disso”, afirma o artista cênico e diretor coreográfico do grupo Funk-se, Jair Damasceno. Campo Grande possui também academias que visam apenas ensinar as técnicas ao bailarino, e não instigam nele nem a reflexão sobre a dança, nem o estímulo de criação, importantes diferenciais entre o artista e o bailarino somente técnico. “As escolas estão preocupadas muito com uma formação mais ligada às técnicas [...] raramente você vê


academias atuando nesse sentido de formação do bailarino num lugar de criação”, afirma a diretora do Ginga Cia de Dança, Renata Leoni. Essa falta de interesse em formar artistas engajados nas criações, segundo Jair Damasceno, é evidenciada também pelas poucas referências culturais que esses grupos utilizam. “Aí você vê vários grupos em Campo Grande que não tem pesquisa, que não tem estudo. Eles não têm referências a quase nenhum grande diretor ou algum teórico de teatro. Os mais profissionalizados são os que têm esse processo de pesquisa”, comenta ele. As danças étnicas por sua vez, são representadas em Campo Grande a partir de grupos que tenham descendência com a cultura retratada ou se simpatizem por ela. O grupo T’ikay, por exemplo, é formado por descentes de bolivianos que se apresentam todo segundo domingo do mês na Praça Bolívia. A intenção deles com suas coreografias é apresentar a cultura boliviana para o público, além de buscar um intercâmbio entre as diversas influências étnicas e regionais presentes em Campo Grande, e assim quebrar a barreira que existe nas apresentações folclóricas. “O T’ikay surgiu da necessidade da gente divulgar a cultura da Bolívia através da dança, porque não existe aqui em Campo Grande nenhum grupo assim. Nós somos o único grupo do Centro-Oeste que faz a divulgação de danças folclóricas bolivianas”, conta a coordenadora geral do grupo, Ingra Flores. Independente da linha de trabalho de cada grupo ou academia, eles sentem que há pouco público interessado em assisti-los em Campo Grande. Isso ocorre pela falta de divulgação dos espetáculos nos meios de comunicação e a pouca permanência das apresentações em cartaz. Para atrair um maior público, os grupos buscam provocálo nas apresentações, instigar sua curiosidade e convidá-lo a vivenciar o espetáculo. A formação de platéia também inclui uma maior participação dos bailarinos como espectadores em outras apresentações. “O público das academias que faz aula de dança, não vê dança. Vê a dança que ele faz e

olhe lá. Esse poderia ser um público em potencial”, afirma o coreógrafo e bailarino do Cia Dançaurbana, Marcos Mattos. Outra possibilidade para chamar o público é a criação de espetáculos mais acessíveis, que representem de formar mais simples a identidade da platéia. “Fazer com que o espetáculo seja de alguma forma atraente para esse público e que ele se identifique com aquilo, que ele se veja naquilo. Eu tenho que falar para as pessoas comuns e não só pensar em iniciados em dança”, comenta Edson Clair. Grupo Funk-se


Grupo Funk-se



Grupo Funk-se

Grupo Funk-se

Grupo Funk-se


Grupo Funk-se

Grupo Funk-se

Grupo Funk-se


Grupo Multicultural e Grupo T’ikay em apresentação conjunta na Praça Bolívia


Grupo Multicultural e Grupo T’ikay

Grupo Multicultural e Grupo T’ikay

Grupo Multicultural e Grupo T’ikay



Zoe Escola de Dança

FORMAÇÃO DE

ESPETÁCULOS


D

ar origem a um espetáculo é um processo criativo que envolve as capacidades de pensar no que será abordado como tema, pesquisar o assunto e, a partir disso, desenvolver sozinho ou em conjunto com o grupo uma coreografia. “Em termos de dança, eu penso hoje que dançar é o menos importante pra você criar um espetáculo de dança”, afirma Jair Damasceno. Para ele o processo de pesquisa é um dos principais fatores quando se pensa no desenvolvimento de uma apresentação. Depois de escolher um tema a ser abordado, os criadores e bailarinos, buscam referências em livros, filmes e outras criações que lhes tragam diversas referências visuais e sonoras. Até se chegar no produto final, ou seja, o espetáculo, há um processo de experimentação tanto dos movimentos dos bailarinos, quanto dos elementos cênicos, tais como a iluminação, o figurino e o cenário, que complementam e dialogam com a obra. É preciso que haja também um bom conhecimento em expressão cênica por parte dos bailarinos, para que não sejam feitas apenas coreografias, mas uma narrativa, uma história a ser contada. “Tudo pode, mas não pode qualquer coisa, porque você não pode esquecer os processos artísticos e pedagógicos que essas danças têm passado durante o decorrer do tempo”, afirma Marcos Mattos. O diferencial de cada grupo parte da relação que ele tem com sua obra. Cada um tem uma peculiaridade e um jeito de fazer os diferentes diálogos corporais. O modo de criar é influenciado também pela identidade do coreógrafo daquele grupo, já que mesmo em um contexto contemporâneo de muita troca de ideias entre as companhias, é possível enxergar traços muito fortes de criador para criador. O ideal é que as intenções dos espetáculos não sejam apenas estéticas, mas que se busque transmitir sensações ao público e que haja preocupação em promover a identificação das pessoas com a apresentação. Segundo

Jair Damasceno, é preciso não ter medo de desconstruir uma coreografia quando ela está só bonita, para assim produzir outra melhor. “Isso ajuda a descobrir essa coisa de ser honesto com a cena, porque o que está em cena tem que ser verdadeiro”, completa ele. Mas não basta somente criar a coreografia. É preciso também que as criações sejam apresentadas ao público. E para que isso seja possível é necessário financiamento. Em Campo Grande, o dinheiro vem de editais públicos, como os oferecidos pelo Fundo de Investimentos Culturais (FIC) da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul e pela Fundação Nacional de Artes (Funarte). Segundo os grupos, não há patrocínio de empresas privadas locais, e por isso muitos buscam formas de produzir apresentações sem financiamento. Em alguns casos, os locais onde os grupos ensaiam também são utilizados para dar aulas particulares de dança. Ballet Isadora Duncan


Ballet Isadora Duncan


Espaรงo de Danรงa Selma Azambuja

Cinese Cia de Danรงa


Espaรงo de Danรงa Selma Azambuja

Cinese Cia de Danรงa

ODFC de Corumbรก



Studio de Dança Mayara Martins

EstĂşdio Beatriz de Almeida


Grupo Express達o de Rua


Ballet Isadora Duncan



Ballet Isadora Duncan

FORMAÇÃO DO

BAILARINO


A

formação de um bailarino começa dentro das escolas ou academias de dança, com aulas em estilos de dança mais tradicionais, como o ballet clássico, o sapateado e o jazz, embora hoje a dança urbana também tenha uma presença bastante forte em Campo Grande. Depois, muitos procuram se profissionalizar em cursos de graduação relacionados à área. Mas a formação de um dançarino como intérprete também ocorre nas companhias, que geram criadores a partir das reflexões que provocam nos bailarinos, com o pensar sobre a dança e os movimentos corporais que se produz com ela. Dos que ingressam nas academias, poucos seguem a vida profissional. “Durante esses 40 anos eu conheci centenas de meninas e dezenas de rapazes, mas deve ser um por cento que está na dança como professor ou bailarino. Atuando com relação à dança”, comenta Jair Damasceno. A ruptura na continuidade da carreia dos bailarinos ocorre pela falta de suporte financeiro oferecido a eles, principalmente em relação ao mercado de trabalho. Ballet Isadora Duncan

Para serem artistas completos, os bailarinos precisam reunir uma bagagem cultural, a partir de estudos, pesquisas e viagens. É preciso também ter um bom conhecimento do mundo e das diversas formas de expressar arte. “É preciso ter vivência e amadurecer enquanto pessoa”, comenta Jair. Segundo ele, o bailarino necessita se sentir como artista a ponto de absorver o que acontece na sociedade e processar isso, de forma a repassar esse conhecimento a partir das estéticas das artes. Todo o aprendizado adquirido pelo bailarino tornase sua subjetividade como indivíduo. Ele assimila essas informações com sua experiência de corpo e as utiliza no palco. “Dentro de um estado corporal que você vai levar para a cena, sempre está impregnada sua história de vida, sua história corporal do que é formado e o que foi informado no seu corpo em termos de técnica”, afirma Dora de Andrade. E completa ao dizer que o bailarino sempre está conectado consigo, com o que ele faz, com o outro que é o público e com o espaço que ele ocupa.


Ballet Isadora Duncan


Grupo Funk-se

Espaรงo de Danรงa Selma Azambuja


EstĂşdio Beatriz de Almeida

Studio Blanche Torres


O fotolivro “Corpo em Cena: o papel da dança em Campo Grande e como ela atua na cultura da região”, foi realizado pela estudante do terceiro semestre de Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Nayla Brisoti Barbeta. Produzido para a disciplina “Prática em Reportagem Fotográfica”, ministrada pelo professor Me. Silvio Costa Pereira, o fotolivro expõe temas que tratam da elaboração dos espetáculos e da formação dos bailarinos e de uma identidade cultural em Campo Grande.


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