Doa ÇÃO
A transfusão sanguínea é um método usado pelos seres humanos para salvar vidas. Em cães e gatos não está sendo diferente.
O desabafo é de Priscila Vieira, dona de Kira, adotada ainda filhote. “Kira
Carlos Gusmão, marido de Priscila,
estava sofren-
conta que a primeira gestação foi
do muito, não pa-
um período difícil. “Na clínica fiquei
rava de sangrar. Seu pêlo
sabendo que ela estava com a doença
branco, agora todo manchado de
do carrapato, por isso sua imunidade
riscos vermelhos. Os olhos grandes me
estava baixa gerando a hemorragia. Pre-
olhavam fixamente, era como se quises-
cisava urgente de uma transfusão de san-
se falar algo, mas não podia. Com oito
gue, caso contrário iria morrer”.
filhotinhos ao seu lado gemendo e chorando, eu não sabia quem acudir primeiro.
O animal de estimação recebeu duas bolsas de sangue, uma pelo método de
Apesar da dor que deveria estar sentindo,
bolsa (refrigerada) e outro atráves de san-
por conta da hemorragia, não parava de lam-
gue frescos (retirada na hora) de outro pitbull.
ber seus bichinhos. Morreria se não a levas-
Hoje, após dois anos, Kira está muito bem. Só
se logo ao médico. Nem sei como peguei um
não pode procriar mais porque teve que retirar o
pit-bull de 35kg e coloquei no carro.” Priscila.
útero na época.
Venda de Bolsas de Sangue Animal Em Campo Grande, dois vete-
No Brasil existem somente 16
(UCDB), a veterinária Laura Raquel
rinários são pioneiros nessa área de
dessas unidades. A maior parte con-
Rios Ribeiro e o biólogo Ricardo Mar-
coleta de sangue animal para estocar
centra-se no Sudeste, sendo nove
tins. A proprietária da BSA, Mariane,
em bolsas. Mariane Balta Andrade
particulares e sete públicas.
conta que Ricardo havia trabalhado
e Jorge Alex Rodrigues Fernandes
A iniciativa surgiu em julho de
em um banco de sangue humano. Ele
possuem o primeiro e único Banco
2008 por meio de dois professores
e Laura resolveram investir na ideia,
de Sangue Animal (BSA) do Estado.
da Universidade Católica Dom Bosco
mas por falta de tempo, ofereceram
o projeto a ela. “Iniciei com mui-
a venda de bolsas sanguíneas se tor-
dáveis”, destaca Mariane.
ta disposição e coragem. Na época
nou comum. Foi feito um processo
Jorge Alex, que acompanha a
foi um desafio, porque era pouco
de divulgação explicando para os
trajetória da empresa desde o iní-
conhecida esta prestação de servi-
profissionais de medicina veteriná-
cio, conta que vendem bolsas de
ço. Só vendia duas bolsas por mês”,
ria a facilidade e benefícios que tra-
sangue (com hemácias, plasma e
conta a veterinária.
ria ao trabalho.
plaquetas) refrigeradas e bolsas de
Antes de existir o BSA, o procedi-
Além de cães e gatos, quando
plasma congelado, ambas somente
mento para salvar vidas animais era
necessário, o BSA vende também
de cães. E a dos gatos, o sangue é
precário. “O veterinário comprava
bolsas de sangue de equinos, bovi-
fresco, coletado na hora.
uma bolsa vazia e coletava o sangue
nos, ovinos, caprinos e suínos, mas
O BSA atende 24 horas e as bol-
de um cão maior, sem procedência
desses animais não são estocados,
sas podem ser retiradas na sede da
de exames, ou o animal morria por
retira-se na hora. “Temos os doado-
empresa ou, se o cliente preferir, en-
falta de sangue”, explica Mariane.
res de grande porte que são acompa-
tregues em qualquer local através do
nhados regularmente, eles são sau-
pagamento de uma taxa adicional.
Atendendo todo o Estado, hoje
Bolsa de sangue de cachorro
Bolsa de plama congelado de cachorro
Materiais utilizados pelo BSA
Bolsa amarela para equinos, bovinos (até 7.000ml), ovinos, caprinos e suínos (até 600ml). Bolsa para cães, capacidade de até 500ml.
Filtro utilizado em equinos; o equipamento evita a passagem de eventuais coágulos e/ou fibrino.
Bolsa para cães e gatos, capacidade de até 100ml.
Doadores
Wanderson Arruda, 25 anos, faz parte do programa de doadores há três anos. Quando iniciou tinha três cachorros. Hoje ele permanece com dois rottweiler, Titan [direita] e Aika [esquerda] que de três em três meses doam, e regularmente fazem exames. “Não tenho do que reclamar. Sempre que meus cachorros precisam, eles [BSA] me atendem. Poder ajudar outros cachorros que estão doentes é muito satisfatório”, completa.
O BSA conta com um programa
Os animais têm que estar com a
res. Jorge Alex revela que o interior é
de doadores felinos e caninos. Todos
vacinação em dia, principalmente con-
um dos seus maiores aliados. “Temos
os possíveis doadores passam por
tra a raiva. Cães também devem estar
em Dourados um laboratório par-
duas etapas: exames físicos (verifica-
imunes a cinomose, hepatite infeccio-
ceiro, Homovet, que revende nossas
ção do pêlo, pele, peso, vacina e ou-
sa, leptospirose, parvovirose, e coro-
bolsas na região Sul do município.”
tros) e clínicos (coleta uma amostra
navirose, bem como sem carrapatos.
O beneficio de ser um doador é
do sangue para análise laboratorial).
Gatos devem estar vacinados contra
que o animal terá atendimento vete-
Os resultados ficam prontos entre
rinotraqueíte, calicinose e panleucope-
rinário 24h e um acompanhamento
sete a dez dias e se forem favoráveis,
nia. O bom estado da saúde é primor-
periódico de exames clínicos.
ou seja, saudáveis sem a presença
dial para prosseguir no programa.
de nenhuma doença, os veterinários voltam para fazer a coleta.
Os cães devem ter peso mínimo
No Estado há cadastrados em
de 20 quilos (machos ou fêmeas) e
torno de 280 cães e seis gatos doado-
idade de um a oito anos. Os felinos
acima de 4,5 quilos e de um a seis
fungos, leveduras, e outros. O pro-
temperatura de oito graus. Antes elas
anos. As fêmeas não podem estar
cesso de captação não costuma durar
passam por um processo anticoagu-
prenhas, amamentando, ter histórico
mais do que 15 minutos e o animal
lante para aumentar a durabilidade,
de doenças graves ou recebido trans-
pode doar a cada dois meses. O cão
sem isso dura somente 8 horas.
fusões anteriores.
fica totalmente consciente e o gato
O volume máximo de sangue co-
precisa ser sedado.
As bolsas caninas que completam 30 dias e não são comerciali-
letado do animal é de 1% do seu peso.
A bolsa para cães é a mais procu-
zadas são doadas aos abrigos para
A bolsa de sangue canino pode durar
rada, por isso são estocadas em mé-
até 35 dias. A do gato dura até 30 dias,
dia de 80 a 100 por mês, variando de
Nos últimos dois anos cresceu
mas por precaução o BSA prefere re-
tamanho entre 50 a 500 ml. A dos ga-
muito a demanda e por isso o BSA
tirar-la na hora, pois o sangue felino
tos tem tamanho único de 60 ml. São
pretende aumentar a produção em
tem facilidade em produzir bactérias,
armazenadas sob refrigeração a uma
breve. “A proposta é, assim como em
animais que precisam.
A cor do sangue varia de acordo com a tipagem sanguínea do animal. “Vai do vermelho Ferrari ao vermelho vinho”, explica Jorge Alex
outras capitais que oferecem esse serviço, ter nosso próprio canil. Mas para isso temos que ter uma área boa, pois esses cães devem ter lazer e conforto, não somente serem criados para doação de sangue”, conta Mariane.
Faça parte, tenha um DOADOR: Entre em contato com o BSA. Localiza-se na Rua Saturno, 29 Vila Planalto. Celular (67) 8402-3320 / telefone (67) 3382-2149. E site: www.bancodesangueanimal.com.br
Zeus, Boxer, de dois anos e meio, teve a paleta e a orelha cortadas em uma briga com um tamanduá. O dono, Divino da Graça Freitas, conta que o cachorro ajuda na lida com o gado na fazenda em São Gabriel do Oeste. Machucado há 40 dias, o cão não melhorava, e por isso Divino resolveu levá -lo ao Hospital Universitário da Universidade Federal de
Transfusão: salva vidas de animais
Mato Grosso do Sul.
Lá foi informado que o animal teria de passar por uma cirurgia, na qual foi descoberto que o cão era portador da doença do carrapato. “Na operação ele perdeu muito sangue e me disseram que precisaria de sangue. Me orientaram dizendo que eu tinha duas opções: ligar para o BSA e pedir a bolsa ou arrumar um cachorro do mesmo peso que o dele pra transfundir na hora. Isso sairia a R$ 130,00”. O proprietário optou pela primeira sugestão, e solicitou uma bolsa de sangue de 450ml, pagando R$200,00 pelo serviço. “Ao meu entendimento a bolsa pronta seria melhor, pois traria um sangue limpo e de boa qualidade, sem doenças, e se eu optasse por trazer outro animal aqui não saberia se esse teria alguma doença. E no BSA eles fazem exames, me trouxeram até um documento de
garantia”, esclarece Divino. O procedimento de transfusão de Zeus durou em torno de cinco horas, e o animal não teve nenhuma reação (teve uma boa aceitação do sangue doado). Mariane explica que existem mais de 10 tipos sanguíneos caninos. Há um teste de compatibilidade, mas quando ele não é solicitado, é necessário que a transfusão seja feita junto com o uso de um corticoite. “Esse medicamento evita reações leve como prurido e vermelhidão, porém reações mais fortes como um choque anafilático só se evita fazendo o teste de compatibilidade”. Para Divino esse procedimento é algo surpreendente. “Tenho mais quatro cachorros e o que puder fazer pra salvar a vida deles quando precisar eu farei.” Mas ele considera que o programa é pou-
co divulgado e
pouco acessível,
pois não aceita parcelamento e só é
o veterinário Diogo Helney Freire do hospital.
permitido o pagamento em dinhei-
Leandro Menezes, residente da
ro. “Acho que deveriam ter outros
Clínica Cirúrgica do hospital, expli-
fazendo esse trabalho também. A
ca que a transfusão sanguínea para
própria universidade poderia ter
casos cirúrgicos, podem ser realiza-
uma e também eles [BSA] deveriam
dos em três momentos no: pré-ope-
lançar campanhas de divulgação,
ratório, transoperatório e pós-ope-
pois a falta de orientação faz a gen-
ratório, ou seja, antes, durante e
te pegar caminhos errados”.
depois da cirurgia. A instituição faz
No Hospital Universitário da
mais uso desse procedimento antes
UFMS são atendidos em média 600
da operacão. “Temos que verificar o
animais por mês. Em torno 20 de-
quadro do animal e escolher o mais
les precisam de sangue para sobre-
adequado naquele momento. Nor-
viver. Os cachorros utilizam mais
malmente eles já chegam fracos,
esse método do que os gatos. “Ge-
por isso já recebem o sangue para
ralmente eles chegam aqui com al-
aguentar a operação”. A reposição
guma doença infecciosa. No caso do
sanguínea na hora da cirurgia é a
cachorro é comum encontrarmos a
mais rara, até o momento o hospital
doença do carrapato. Mas existem
só realizou uma esse ano.
pacientes com hemorragia, anemia,
Independente do caso quando
atropelados, que precisam de san-
o animal precisa de sangue, o dono
gue com urgência também”, aponta
é imediatamente informado. O hos-
pital tem o cuidado de orientar as
do, assim o cliente decide qual ira
que ela chega e a praticidade para o
alternativas que são duas: comprar
fazer”, conta Leandro.
cliente. Além da garantia de um san-
bolsa de sangue refrigerada ofereci-
O hospital utiliza as duas ma-
gue sem doenças. Já o sangue fresco
da pelo BSA ou utilizar a transfusão
neiras de transfusão, mas normal-
tem uma desvantagem, que é a falta
de sangue fresco, coletado na hora
mente os clientes solicitam a bolsa
de procedência de exames clínicos,
refrigerada. “A vantagem da
às vezes, o animal não aparenta fi-
bolsa é a rapidez
sicamente doença, mas pode estar”,
de
outro
animal.
“Nós explicamos as
diferenças
existentes em cada méto-
expõe Diego. Tatiana Ojeta Verão, médica veterinária da Clínica Ponto Dog, conta que por mês são atendidos em torno de 200 animais no estabelecimento. Em média 10% deles precisam de sangue. Diferente do Hospital Universitário, são os felinos que ganham destaque como os maiores receptores lá, devido a anemia. “Nós preferimos usar a bolsa de sangue do BSA, raramente usamos sangue fresco. O cliente pede e paga diretamente com eles, ou compramos e parcelamos para eles no cartão”, diz Tatiana.