O despertar dos filhos de Gaia

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O despertar

Gaia

dos filhos de

Fotos e texto de Luana Campos


E

m estudo recente, o World Wildlife Fund (WWF Brasil), avaliou os hábitos de consumo da população campo-grandense apontando uma pegada ecológica de 3,14 hectares globais por pessoa. A pegada ecológica é um sistema de medida que contabiliza a quantidade de terra e água que seria necessária para sustentar as gerações atuais. Se cada pessoa do planeta resolvesse viver neste padrão, precisaríamos de pelos menos três planetas Terra. Acontece que nós só temos um e ele passa por uma grave crise. Um grave problema que tapa olhos e ouvidos para problemas ambientais é a transferência de responsabilidade. Muitas vezes coloca-se a culpa somente nas indústrias, ou nos governos que não tomam atitudes decisivas quanto à poluição. Atribui-se a estes e muitos outros fatores a responsabilidade que não abraçamos para nossas vidas. A prática de permacultura urbana é uma possível solução de sustentabilidade para se re-conectar a natureza vivendo em um ambiente drasticamente urbanizado.


Os populares saquinhos de leite demoram muito tempo para se decompor e por isso são ótimos na composição de mudas. Sua alta resistência permite que sejam usados até duas vezes.


A SAÍDA DE EMERGÊNCIA O sonho de viver de uma maneira especial, mais integrado ao meio ambiente é antigo. Na Austrália, nos anos 70, os ecologistas Bill Mollison e David Holmgren desenvolveram o sistema de agroflorestas para substituir as monoculturas de trigo e soja, responsáveis por grande parte dos desmatamentos. Dez anos mais tarde, aliaram seu conceito de sistemas naturais aoutros sistemas vitais da sobrevivência humana: o monetário, o urbano, o social e o de crenças. Nasceu a cultura permanente, a permacultura, que hoje conta com mais de dez mil praticantes pelo mundo. O desafio de introduzir as técnicas de práticas agrícolas nos meios urbanos, dominados pelas loucuras da sociedade de consumo é a resposta para muitos que buscam formas de contribuir para a diminuição de seus impactos ambientais. Elder Alves Severino faz trabalhos com bambu e é um exemplo dessas pessoas. Fez acordos com a família para introduzir novos hábitos no cotidiano. Ele mantém um jardim de ervas medicinais no quintal da casa e no momento prepara um canteiro onde fará sua horta. Tudo isso

Bananeira não é só pra dar banana Material versátil e abundante na natureza, a bananeira dá frutos somente uma vez em seu ciclo de vida. Assim, o sistema de cultivo da banana prevê o corte do tronco (pseudocaule) a cada colheita. É dele que se extrai os diversos tipos de palhas: lateral, rústica, interna, intermediária (rendada) e externa, através de cortes longitudinais, para posterior lavagem e secagem, que depois serão utilizadas para a fabricação dos mais diversos tipos de artesanato.

Cada indivíduo deve se responsabilizar pelos dejetos que cria, pensar sobre o que consome e o destino de seu lixo. Reciclar é uma maneira de fechar ciclos. aproveitando espaços. “Não precisa ser radical, eu mesmo adoro shopping. Mas se dá pra reduzir o uso do carro, então eu ando de bicicleta ou eu vou a pé”. A prática da permacultura pode ser traduzida como filosofia ou estilo de vida sustentável. O importante é que cada indivíduo se responsabilize pelo seu consumo e pelos dejetos que cria. A casa que ocupamos, a comida que comemos, a água que sai das torneiras e dos vasos sanitários, as embalagens que consumimos e que são produzidas pelas indústrias, é o conjunto de fatores que gera esses impactos.


O despertar dos filhos de

Gaia

Trabalho realizado para a disciplina de Fotoreportagem Jornalística do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul sob orientação do Professor Silvio da Costa Pereira


COOPERAÇÃO Outrora o quintal da casa de Maria de Fátima só continha entulhos. Hoje a horta que ela cuida com a ajuda da filha produz alimentos e aproxima mais a família.

Adriana Galbiati, mestre em Tecnologias Ambientais pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, já tem pelo menos 10 anos de permacultura. Ela é a responsável técnica do projeto Quintais Verdes, que leva a permacultura urbana para as pessoas do bairro Jardim Noroeste. Lá ela dá palestras e oficinas de agricultura urbana e ajuda as pessoas a montarem e a manterem suas hortas. O projeto também inclui oficinas de culinária, plantas medicinais e saneamento ecológico. O objetivo é ter a possibilidade de produzir alimentos nas cidades. Tudo é reaproveitado: o resíduo

OS SANTOS REMÉDIOS DA NATUREZA O tratamento para muitas doenças pode vir dos ‘matinhos’ que temos em nossa casa. O chá da folha de alfavaca por exemplo é ótimo para manter em alta a imunidade.

orgânico da cozinha para as composteiras, saquinhos de leite para colocar mudas, baldes para a fabricação de minhocários, restos de podas e folhas para a fabricação de canteiros instantâneos, tudo que seria considerado lixo é empregado. Maria de Fátima Alvarenga participa do projeto desde janeiro. Ela e a filha Lucilene construíram sua horta em um espaço do terreno da casa que estava em desuso e cheio de entulhos. Contam que esse cuidar conjunto trouxe mais união entre a família. Lucilene se sente gratificada ”a gente come mais verdura do que antes e não precisa comprar nada, é tudo limpinho, sem veneno, ao alcance das mãos. Tudo tem um gosto diferente. Nem precisa ter carne todo dia, verdura enche”. Muitas pessoas que não aderiram o projeto


inicialmente agora começam a ver os resultados e demonstram interesse. Maria de Fátima já faz mudas para os vizinhos criando uma rede de solidariedade e sustentabilidade. Mas adverte “Tem que ter capricho, dedicação, carinho, tem que conversar com as plantinhas se não elas não crescem”. Adriana comemora, porque mais importante que os resultados, é a idéia que vai se espalhando. NOVOS PARADIGMAS Na casa de Rossany Mouji, observa-se na prática os benefícios da permacultura. A conta de água é ínfima, uma vez que ela adotou o sistema de reutilização de água e sanitário seco. Rossany faz parte do Instituto Pantanal Sul que desenvolve trabalhos de agricultura familiar em pequenas propriedades. Coloca que se sente bem e útil fazendo algo que ajuda o planeta, “é uma coisa verdadeira, sustentável mesmo”. Sua casa é localizada na frente de uma praça. De lá ela recolhe sacos e mais sacos de folhas secas pra colocar no jardim. Essa cobertura de matéria orgânica mantém o solo sempre úmido, a terra solta e com todos os minerais necessários para as plantas.

Composteira, minhocário e sanitário ecológico são formas viáveis para produção de adubo natural e maneiras inteligentes de reciclar o lixo orgânico.


PAISAGISMO PRODUTIVO Nas lajes, em jardineiras, nos canteiros, todo tipo de solo pode ser recuperado e utilizado para produção de alimentos, temperos, ervas medicinais além do cultivo de flores. Ao lado Adriana prepara um canteiro instantâneo a partir de restos de podas do jardim.


O princípio de toda a permacultura é o respeito pela sabedoria da natureza. Tudo parte da observação minuciosa da inteligibilidade dos sistemas naturais. Vivemos de acordo com paradigmas. Para mudar hábitos precisamos primeiro abrir nossa mente para novos sistemas de pensamento, para novas formas de entender o mundo. As pessoas ainda não entenderam que essa transformação é urgente no sentido de que os resultados das atitudes tomadas agora para reverter o quadro de degradação ambiental só serão sentidos efetivamente daqui vinte anos. Dos milhões de anos que o planeta existe, são só cento e poucos de destruição. “Este é um lapso na história”, argumenta Adriana que acredita que a humanidade está acordando e percebendo que o mundo não foi sempre assim, competitivo, consumista, desenvolvimentista e que traga os recursos naturais. “A gente foi adormecendo, se anestesiando com as maravilhas do consumo, conforto, comodidade, tecnologia e em pouco tempo passou-se a acreditar que o mundo é assim desde sempre, por pura falta de parar pra pensar um pouco.” No momento em que estamos, fechar a torneira e apagar a luz são fundamentais, mas não são mais suficientes. Podemos fazer um pouco mais.

Nas regiões urbanizadas isso é possível reaproveitando a água das chuvas com sistemas de captação e armazenamento; utilizar tudo até o máximo e reciclar todos os detritos, fechando ciclos; fazer uso de energia solar; cultivar ervas, hortaliças e frutas nos quintais e nos tetos das casas, assim o gasto com transporte, armazenamento e perda dos produtos será reduzido; incentivando economias locais e desenvolvendo sistemas de trocas não só baseados na moeda corrente, mas na troca de serviços e saberes por exemplo; utilizando o saneamento ecológico, que além de diminuir o consumo de água, evita a poluição de rios, e claro também pode ser aproveitado na produção de plantas; o essencial é saber que é possível fazer permacultura onde você estiver, não importa se você mora na fazenda ou em um apartamento nocentro da cidade. A permacultura é o cultivo da paz e do amor. Amor a Terra, o planeta que nos acolhe e nos trata como filhos, e que nos provê tudo de que necessitamos para sermos felizes. Da paz de entender a impermanência de tudo, principalmente a nossa, e por isso mesmo estar em paz e amor com todos os seres. São as sementes que brotam nas consciências que as fazem perceber que o futuro está em nossas mãos. E o futuro é o que decidimos fazer no presente.


NOVOS PRISMAS Edson Perdiguero desenvolve trabalhos audiovisuais. Depois de morar em uma ecovila decidiu espalhar as idĂŠias de permacultura pelo mundo atravĂŠs de suas obras.


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