Tua Colectânea Literária

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COLECTÂNEA LITERÁRIA o vale, o rio e a linha férrea MARIA OTÍLIA PEREIRA LAGE, org. • EDUARDO BEIRA, fotos



COLECTÂNEA LITERÁRIA: o vale, o rio e a linha férrea



ÍNDICE v 009 013 014 019 022 024 028 049 068 076 084 096 102 104 106 122 152 159 162 176 188 210 218 224 232 237 239



Olhar à volta, descobrir a imagem, saborear a vida e encantar o olhar.

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1. Textos e imagens, imagens e textos A selecção e ordenação das foto-

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Nuns casos, recorreu-se a fotogra-

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2. Uma descoberta pessoal do vale do Tua -

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COLECTÂNEA LITERÁRIA o vale, o rio e a linha férrea


“(…)Um universo virginal, como se tivesse acabado de nascer, e já eterno pela harmonia, pela serenidade, pelo silêncio que nem o rio se atreve a quebrar, ora a sumir-se furtivo por detrás dos montes, ora pasmado lá no “ (Miguel Torga, Diário XII)


“(…)Um universo virginal, como se tivesse acabado de nascer, e já eterno pela harmonia, pela serenidade, pelo silêncio que nem o rio se atreve a quebrar, Miguel Torga

Vale do Tua, visto da margem direita, próximo de Safres, na estrada entre Amieiro e São Mamede de Riba Tua. Vê-se a linha do Tua à direita do rio, no troço a seguir às Fragas Más. As encostas do lado direito da foto são relativas a Castanheiro do Norte.


Parado e sempiterno e velho de águas rio não passas repassando as águas de outro tempo, Jorge de Sena

Ponte ferroviária sobre a ribeira de Ribalonga, linha do Douro, pouco depois da estação de Foz Tua, na direcção ascendente, para o Pocinho. Fotografia tirada próximo da margem oposta do rio Douro.


“ No fundo os rápidos que de água se quebravam

(…) Verde tão verde era de rijas águas Tão verde ora de névoa surda

Parado e sempiterno e velho de águas rio não passas repassando as águas de outro tempo, verde tão verde na manhã parada

In Exorcismos, Poesia III)


(Antonio Cabral, Antologia dos Poemas Durienses)

Vale do Tua, visto da subida para Porrais (concelho de Murça), desde a ponte rodoviária da Brunheda. Do lado direito da foto é visível a linha do Tua (na margem esquerda do rio), pouco depois da estação de Brunheda.


Tua, 30 de Setembro de 1951 - O progresso muita pedra deixa ainda no seu caminho! ( Miguel Torga – Diário VI)

Pedras soltas resultantes da abertura de trincheiras na linha do Tua, ainda claramente visíveis na encosta do rio, próximo de S. Lourenço.



1 INTRODUÇÃO


O

presentações e impressões literárias que estamos a abrir, tem um percurso muito idêntico ao retratado na epígrafe pedido de empréstimo a Miguel Torga, um dos escritores mais falaLeva-nos num passeio inesquecível a tempos e lugares tecidos nas margens e junção de dois rios: o Tuela e o Rabaçal, fertiliza um vale ora plano, ora alcantilado, bordejado pela mais que centená-

em regra, como um estudo mais cuidaprodução literária sobre o Vale e Linha do quisa sistemática e compilação exaustiva empreendidas para a constituição do corpus literário divulgado e trabalhado neste livro, obrigaram-nos a optar, numa desig-

juízos de valor implícitos ou explícitos, exigem que se tenha em conta que a sua sivos e as suas formulações não são tamPor sua vez, cada colectânea tem o seu grupo social representado pelo destinatário que participa de modo permanente no discurso interior e exterior do homem e encarna a autoridade que o grupo so2

Uma colectânea, como uma antologia, ou implícitas, adverte-se que nesta como

e mercadorias várias circulantes num comboio de via estreita e de montanha Espelho de imagens refractadas de um

É formulação singular e expressão de sim lembrar que: livro não estão nunca rigorosamente re-

este livro foi composto a partir de uma re-

interna e forma que o autonomiza, está

textos literários de diferentes fases escritos em diversos estilos e por uma diversidade de autores portugueses, sobre as suas impressões e vivências do Vale, do Rio, do Perguntamo-nos se, do seu ponto de vista formal, se trata de uma colectânea ou de uma antologia tecida de variados textos tão singulares e impressivos quantas as caobjecto - o Vale e a Linha do Tua – onde, como diz o poeta, não cabem pronomes É suposto que uma colectânea propicia

outros livros, de outros textos, de outras

decorrem apenas de meros gostos privados do compilador e organizador, embora o argumento das preferências pessoais esteja explícito com frequência no intracolectânea, enquanto prática discursiva regrada, é produzida em condições socio-

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Então, ao analisar o resultado da compilação e selecção de materiais, materializada no corpus aqui constituído e divulgado, é preciso considerar essas relações entre enunciados e acontecinão deixa de depender também do trabalho e escolhas do compilador e orga-

Por outro lado, no horizonte previsto de divulgação, preservação e consolidação se espera esta colectânea possa contribuir, todos os textos reunidos (fontes primárias e secundárias) se encontram em língua portuguesa, a 5ª língua mais falada no mundo, com aproximadamente 280

Quanto a este, a apreciação crítica ou Suivi de écrits du 1

La arqueología del saber,


milhões de falantes, respondendo assim a condições de produção discursiva para Visa-se proporcionar em tal horizonte, ções contextuais e regularidades enunciativas que concorram para a construrária do Vale e Linha do Tua, tornando-a mente enraízado e enquadrado nas suas O corpus literário desta colectânea, muito variado quer ao nível dos temas, géneros e autores, quer nas dimensões contextuais de espaço-tempo representadas, introduz os leitores, simuldíspares mas muito impressivas e num A escolha dos autores apresentados não ções do organizador da colectânea que se limitou a investigar e reunir o maior das composições literárias, segue um poralidade de seu argumento), estrutura de organização base para que remetem os diferentes e complementares índices Entendida também como prática de interpretação crítica, a presente colectânea foi realizada como meio previsto de incenti-

da, contou directa e indirectamente com o apoio das populações locais, entidades particulares, fundações e instituições nacionais e estrangeiras patrocinadoras do

tânea em propostas educacionais, com 3

que por mais que avancemos nas novas tecnologias da informação e comunicação, a leitura do impresso continua a ser importante na nossa formação humana e

regional e nacional, abre, por outro lado, -

nos informar e, sobretudo, na busca do prazer e da descoberta do conhecimento e forma de viajar no espaço, no tempo, nas Sabe-se por outro lado, que há, entre

Uma colectânea como esta, com a preocupação evidente de enriquecer a condo objecto e temas nela representados, deve procurar tanto quanto possível uma composição geral e apresentação do material compilado, seleccionado e organizado que lhe permita compôr uma constelação em que os autores possam operar de modo simultâneo produzindo uma trama de leituras susceptíveis de remeter quer à actualidade quer ao passado e à genealogia do objecto representado, Assim, no campo da investigação, visase contribuir para o desenvolvimento de novos projectos de compilação organizada que alarguem e aprofundem o conhecimento, com enriquecimento do ral neles representada, e propiciem uma consideração renovada do género colec-

literárias, de textos escritos ou escolhidos para jovens e adultos em processo Por esse motivo, se prestou uma atenção particular ao objectivo de se conseguir com esta colectânea a produção de material de leitura susceptível de facilitar o acesso ao livro e à literatura por parte de centivo ao serviço de uma política de eduRecentrando então o nosso olhar, em simultâneo, nesta colectânea e nos seus futuros leitores, salienta-se que ela se caracteriza por divulgar textos sobretudo de escritores portugueses, de diferen-

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outros, menos conhecidos e ou mesmo bém diversos estilos de escrita: poemas e quadras, contos, lendas, fragmentos de -

encontrar palavras e frases (des)conhecidas; mas continuar a ler o que mais se gosta e tentar depois descobrir o que se O importante é aprender a gostar e quan-

reportagens jornalísticas e até mesmo letêm em comum referências e representario e linha do Tua, de suas povoações e populações ribeirinhas, mas também condensados de emoções experimentaAo começar a ler este livro talvez alguns se perguntem por quê misturar assim 1º - A literatura, arte da palavra, pode apresentar-se de muitas e diversas maneiras; se fosse sempre igual não seria arte; 2º - Permite que cada leitor compreenda de que autor ou de que género de escri-

3) Há sempre palavras e frases que se não conhecem mesmo quando já se leu muito; e é por isso que quem lê, está sempre a aprender coisas novas ou que não sabia 4) É importante não desistir dos textos que nos não agradaram à primeira leitura; é preciso descansar a cabeça, deixar pareceu aborrecido numa primeira leitu-

O importante é que nos desperte grandes emoções, para que se goste de ler, e se possa dizer que se gosta de alguma coisa Então, para ajudar na leitura talvez interesse lembrar algumas considerações: 1) Esta colectânea não é um livro escolar e não tem que se ler todo, do princípio um dos textos e saltar de um para outro seguindo a ordem do que se goste mais;

Vila Flor, comer o clássico leitão no hotel do Zé Maria em Mirandela, recolher a perfeita sugestão de um burgo medieval na cidadela de Bragantendo além disto um pelourinho manuelino sobre uma bárbara escultura zoo-

Leia este livro ao ritmo que quiser e do 1

matéria de jornais, etc, embora estas preferências possam e devam mudar

tura mesmo que não queiram ou não possam já percorrer como outrora a linha do Tua e deliciar-se com recantos, atractivos e sensações como as relatadas a seguir: “se não há o desejo de percorrer a linha do Tua, uma das mais pitorescas do país, para inquirir das sobrevivências romanas de Tralhariz ou das águas termais

como uma colectânea de textos literários de diversos tipos e estilos, escritos quer por alguns dos melhores escritores portugueses, clássicos ou actuais, quer por amadores e amantes da escrita, todos

100 anos decorreram desde que o autor destas impressões, o erudito Manuel Monteiro, assim nos falava do objecto e monumentos aí se conservam à espera de quem os queira visitar, mas outras Venham, daí, amigos leitores, conhecer muitas delas na leitura deste livro, que

literária e artística do Vale e da Linha do Tua, e para dar prazer aos seus leitores, Espera-se que quando fecharem este livro, possam continuar a reviver com gosto a singular viagem feita através da sua lei-

Boas leituras e novas viagens! Otília Lage 1 Manuel Monteiro – O Douro: principais quintas,


2 CORPUS LITERÁRIO


2.1. Inauguração da Linha do Tua pela Família Real

O

O comboio real partiu da estação de Campanhã às 5 horas e meia da manhã, tomando lugar nele toda -

Durante a viagem, os régios excursionistas continuaram a ser alvo das mais vivas demonstrações de simpaca, e à chegada do comboio o presidente da câmara ergueu vivas, que foram correspondidos pela multidão considerável de pessoas de todas as classes, entre as quais se destacava um formoso grupo de aldeãs com os O comboio partiu no meio de calorosas aclamações, que se repetiram com a mesma intensidade em outras estações da linha, tais como Mosteirô, Ermida, Rede e Moledo, onde o estrondear dos foguetes se casava

de Carrazeda de Anciães, lendo o presidente uma alocução, e outras autoridades e grande concurso de povo,

A família real entrou em um pavilhão, onde recebeu os cumprimentos das pessoas que a esperavam e às 10


A linha de Foz Tua a Mirandela, de via reduzida, atravessa uma região excessivamente montanhosa e agres-

Durante o percurso, a família real continuou a ser sempre alvo das mais febricitantes saudações por parte dos Em uma das estações, apresentaram a Suas Majestades como curiosidade, Domingos Catarino, o tipo mais

chior Azevedo, mestre-escola da localidade, que em uma petição em estilo bombástico que leu em voz alta, a Depois disso o orador, que era ao mesmo tempo poeta, recitou duas longas poesias em que repetindo o pediEl-rei, perante este singular meio de petição, considerou de tal modo os desejos do peticionário, que recoA entrada em Mirandela efectuou-se por entre as aclamações estrepitosas da multidão, que se atropelava para Depois de recebidos os cumprimentos das autoridades, incluindo as câmaras de Vila Flor e Mirandela, que se apresentavam com os seus estandartes, e das pessoas gradas da localidade, procedeu-se à bênção das locomotivas “Vila Real“ e “Bragança», lançada pelo reverendíssimo bispo da diocese acolitado por cerca de lunch -


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A família real não pôde assistir, por falta de tempo, ao Te Deum que devia celebrar-se na igreja matriz e voltando à estação, entrou no comboio que se pôs em marcha de regresso para o Porto, cerca das 3 horas e Estes demoraram-se algum tempo na Régua, onde lhes foi oferecido pela câmara municipal e por alguns outros cavalheiros da localidade um excelente lunch que se serviu em uma das salas da estação, para esse Ao champanhe o presidente da câmara da Régua agradeceu a el-rei a honra da visita àquela terra e terminou

O comboio continuou a viagem às 8 horas da noite, vendo-se algumas estações, e principalmente a de Pena-

R.


Em primeiro plano, bagas de uvas de cão, por vezes usadas na medicina tradicional. Em segundo plano a linha do Tua reflecte a luz de um pôr do sol ainda na sua fase inicial, no troço entre Brunheda e Codeçais, sentido descendente.


Rio Tua prĂłximo da praia fluvial de Ribeirinha, antes de Vilarinho das Azenhas. A margem visĂ­vel na foto ĂŠ a margem direita do rio.


ANTÓNIO JÚLIO ANDRADE

2.2. Uma Estátua ao “Dinamite”

(crónica jornalística) 1

Contexto: Descendente de família modesta de lavradores, estudou nos Seminários de Vinhais, Bragança e versidade do Porto e é, actualmente, Funcionário da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo,

Em traços gerais, direi que houve uma grande luta política, ao nível do distrito de Bragança, Dinamite, exactamente por defender a construção

a actividade docente em 1969, desenvolvendo a par do ensino, actividades sindicais, políticas sefarditas e outros sobre temas transmontanos, tem defendido a criação de uma rota turística a Tem vários trabalhos publicados, parte deles em ção do lagar comunitário da cera existente na sua terra natal valeu-lhe os prémios de conservação dos pelas Secretarias de Estado da Cultura e do

notas, por vezes muito agressivas, contra o Dinamite, no jornal sustentado pelo Margarido O semanário O Moncorvense Nordeste,

UMA ESTATUA AO “DINAMITE’ António Júlio Andrade

D

concelho de Mirandela era um feudo do partido progressista e que

Esta obra foi assunto de acesa polémica, defendendo os adversários que tal região deserta, centuplicavam--se os custos, porque o terreno era declivoso e 1


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Outras vezes, chamava-lhe mesmo “ladrão caloteir de Finanças de Mirandela, não hesitando escrever, preto no branco:

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causa duma promessa feita, mandou reproduzir esta dupla estátua; dá-a, dedica-a e consagra-a ao Povo de


Encosta na margem esquerda do rio Tua, entre as Fragas Más e a estação de Tralhariz. Vista da margem direita, próximo de Safres, na estrada entre Amieiro e São Mamede de Riba Tua.


O comboio arrasta, arrasta, Ó comboio arrastador; Quanta paixão me deixou Comboio de Trás-os-Montes, Leva a bandeira amarela; Comboio me hás-de levar À estação de Mirandela, Ao concelho de Vila Flor; Ó comboio, arrasta, arrasta, Levaste-me o meu amor, Por quem eu choro e grito; Ó comboio, arrasta, arrasta, Maldito seja o comboio, Que a Bragança vai parar; Levaste o meu amor Ó comboio, arrasta, arrasta, Ó comboio arrastador; Que me arrastaste p´ra França Vinhas (Macedo de Cavaleiros) 1 1 369


Comboio me hás-de levar

Na plataforma da estação vê-se um veículo ferroviário (automotora) do Metro de Mirandela.


Seguindo pela Linha do Tua, de Abreiro em direcção ao Cachão, a seguir à Estação de Abreiro avistam-se as ruínas da antiga ponte, uma bela construção e localizada num abismo que terá ruído aquando das cheias A actual ponte sobre o Rio Tua donde se pode ver a estação de Abreiro e a bela paisagem do rio circundante


Os dois pilares da antiga ponte do Diabo sobre o rio Tua, próximo da estação de Abreiro, são perfeitamente visíveis da nova ponte rodoviária. À esquerda do pontão do lado esquerdo na foto, podem-se também ver restos da tal estrada da ponte à povoação (que fica a cerca de dois quilómetros do rio). rico contexto local.


Os dois pilares que restam da ponte do Diabo, vistos da antiga estrada que dava acesso à ponte e que continuava para Mirandela). Por trás vê-se a linha do Tua, no troço entre Abreiro e Ribeirinha. A estação de Abreiro fica à direita, a umas centenas de metros.


Nova ponte rodoviária sobre o rio Tua, quase por cima da estação de Abreiro, vendo-se a linha do Tua por baixo da nova ponte.


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A

MANUEL MONTEIRO

sia de São Victor, cidade de Braga, onde cresceu e fez Em Coimbra onde se licenciou em Direito, relacionouteve no seu desenvolvimento intelectual dando-lhe a cobra e, concluído o curso de Direito, regressou a Braga onde montou banca de advogado e iniciou a sua projec-

venção activa na actividade política em que exerceu váAdministrativo e Presidente da Câmara dos Deputados, Ministro do Fomento, deputado pelo Círculo de Braga, respondente da -

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deriva para a formidável artéria de viação acelerada que o transporte aos macadame alvadio, percorridos que sejam dois terços da jornada, poisando num cômoro em forma de pinha, cujo vértice é coroado pelo campanána margem direita do Tinhela oferece o aspecto pitoresco de um povoado castrejo; as suas habitações, na escurenta cor do granito, caracterizam-se pelo tipo rural de escada exterior e alpendre e com larga varanda correndo ao longo de uma das fachadas defendida pelo agasalhante beiral do sistemático processo adoptado nos lugarejos luso-romanos, nenhum dos edifícios do agrupamento se desvia ou tresmalha: todos se congregam e aglomeram, irradiando o enxame dos habitantes destas colmeias para a labuta do aro agrícola, envolvente, onde se cultiva o pão, planta a vinha e cresce, com o olivedo cinzento, o oiro verde gracioso dos laranjais de rude, produzindo tais dons preciosos da Mater natura; desvanecidamente se ufana de ter sido o berço da dinastia dos artistas Teixeira Lopes… A estrada prossegue derivando em encurvamentos que bizarramente furtam e restituem à vista do viandante os efeitos cénicos do povoado 1


proporcionando-lhe ao mesmo tempo rápidas incidências sobre as courelas e os risonhos esmaltes de vi-

ingloriamente com o seu braço, ou outras passam perto, saudando submissamente e despedindo olhares de O Macadam vai gibolando, e, dentro em pouco, rompe com audácia para a vertente da montanha, sobranceiro ao rio Tua que foge angustiosamente por entre a torva penedia numa profundidade estranha, vertiginosa e rocha contraforta, não brotam culturas, simplesmente uma vegetação bravia e rasteira cobrindo e adornando

talha-se a via férrea que leva a Mirandela e desaparece de quando em quando, sorvida, tragada, pela negra boca por algares e ravinas sulcadas no lanço da massa montanhosa através de pontes metálicas sob que tantas vezes se despenham com fragor, torrentes espumantes…2 Para o sul, já se descobrem os cimos ondulosos das serranias d´além Douro entre Pesqueira e Tabuaço, e mais um A estrada, logo abaixo, entra num declive mais intenso descendo em rápidos lanços para atingir, da maneira abandoná-la, porém, e enveredar com sangue frio para os empinados carreiros do íngreme alcantil e por eles As ribas vão assumindo proporções grandiosas e aspectam recortes de cenário fantástico e gigantesco, o 2


Assim se faz a travessia, com recolhimento, para o ancoradouro oposto donde sobe uma azinhaga que logo obliqua e cruza a via férrea em direcção ao lugarejo de Foz Tua, composto de alguns casinhotos amontoados entre vielas irregulares e tortuosas, muitas das quais com o piso 1

quadra estival pelo calor de brasido, concentrado, calcinando tudo, decompondo o asfalto, fendendo a rocha, entonuma guarida, uma sombra! A ramaria dos esguios eucaliptos, que formam nave, dispensa um abrigo ténue, quase frustro, ante a intensidade da torreira celeste; aproveita-se, todavia, para a contemplação do Douro, enrugado, carrancudo e faiscante às incidências da luz banhando a ourela das quintas fronteiras: a do Mileu, no ponto de embarque, e, Ferreirinha, e, mais ao longe, a das Barreiras com a sua vivenda muito alva, como branco ninho emergente do afago pendant a do Zimbro e, vizinhando, cindida pela estação, a da Chousa, com a cido de glicínia, estendendo-se a propriedade por cinco cerros, cujos píncaros, separados pela estrada caracolante que Entretanto o comboio parte pela via, rasgada na ilharga da montanha a golpes de dinamite, sumindo-se nos botareus tremendos, nunca se afastando um instante da caprichosa bacia em cujo fundo o Tua penosamente gulhos, que a poucos passos lhe formam lagoa onde parece imobilizar-se espelhando as margens; estas constituem-se por verticalidades de rocha, e encostas acidentadíssimas mas onde o bípede não trepidou em fazer tabuleiros de olival e socalcos de vinhedo por tantos tratos cadaverizado… A impaciência de início acalma-se no encanto desta bizarra panorâmica e uma vaga quietude envolve o vian-

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Fotografia tirada nas encostas na margem direita do rio Tua, abaixo de S. Mamede de Riba Tua. Em primeiro plano, os ramos de uma figueira, outra ĂĄrvore de fruto caracterĂ­stica da zona.


Vista sobre a povoação de S. Mamede de Riba Tua, a partir da estrada de Alijó para Foz Tua.


Casas no centro de S. Mamede de Riba Tua, pr贸ximo da igreja.


Encosta granítica na margem esquerda do rio Tua, vista da estrada de Alijó para Foz Tua, próximo do local onde está a ser construída a nova barragem, Ainda é possível descobrir alguns socalcos cultivados no meio da penedia.


Margem esquerda do rio Douro, em frente a Foz Tua. S Joรฃo da Pesqueira fica por trรกs da cumeada. Vista da estrada de Alijรณ para Foz Tua, numa tarde de nevoeiros persistentes.


Mirandela

Em baixo vê-se a linha do Tua, na margem esquerda do rio, troço entre o túnel das Prezas (visível à direita) e a estação de Tralhariz para a esquerda (não visível). Vista da estrada de Alijó para Foz Tua, uma vez mais, próximo do local onde está a ser construída a nova barragem (o muro de betão fica aproximadamente no canto esquerdo da foto).


A povoação original de Foz Tua ficava exatamente na confluência dos rio Tua e Douro, na margem esquerda do rio Tua na margem direita do rio Douro. A estação de Foz Tua fica a umas largas centenas de metros da confluência, arrastando ao longo dos anos uma continuidade entre o povoado original na foz do rio e a estação. Vista da estrada de Alijó para Foz Tua, pouco antes da ponte rodoviária sobre o rio Tua.


Plano da margem direita do rio Douro. No topo de uma colina, a casa da Quinta, a meio da margem, num plano inferior, os lagares (um dos quais robotizado) e as adegas, com um comboio a passar na linha do Douro. Foz Tua fica para a esquerda.


As vielas estreitas da zona antiga do povoado sobem atĂŠ Ă Quinta dos Ingleses, passando por baixo da estrada (na imagem vĂŞm-se os pilares do curto viaduto em curva) e cruzando a linha do Tua em plena


Os eucaliptos continuam lá, cem anos depois de Manuel Monteiro os descrever. Ao fundo, vinhas da margem esquerda do à estação de Foz Tua corre entre a vedação e os eucaliptos, por trás da locomotiva. A estação fica para a direita da locomotiva.


A ponte ferroviária da linha do Douro, a algumas centenas de metros da estação de Foz Tua (não visível na imagem, mas fica do lado esquerdo) passa exactamente por cima da confluência dos rios Tua e Douro. Na imagem vê-se a margem esquerda do rio Douro, com as antigos construções da Quinta dos Arciprestes.


Uma das quintas mais antigas da região, fica em pleno vale de Ribalonga, sendo atravessada pela ribeira com o

mesmo nome. As casas da quinta, visíveis à esquerda, ficam no fundo do vale, onde também se vêem laranjais. Ao fundo à direita, vê-se o rio Douro e a sua margem esquerda. A encosta que se vê ao lado direito, por cima das casas da quinta, é notável pela sua verticalidade e altura, com numerosos mortórios e terraços de altitude já abandonados.


Imagem obtida nas encostas na margem direita do rio Tua, abaixo de S. Mamede de Riba Tua. Em primeiro plano, os ramos de uma oliveira e pedras de um socalco antigo.


Túnel das Prezas, saída na direcção ascendente (Mirandela), cerca de dois quilómetros depois da estação de Foz Tua, e poucas centenas de metros antes do muro da nova barragem.


Imagem de S. Lourenço por cima do tradicional tanque de banhos, com uma arquitectura característica em pedra, especialmente na abóbada. A água cai para o tanque a partir da base da imagem. No local combinam-se devoções e superstições muito variadas, em que são frequentes as habituais velinhas e outros objectos, visíveis à esquerda da imagem do santo. Mais à esquerda, parte do banco de pedra, já exterior ao tanque.


A Quinta dos Ingleses (também chamada Quinta do Smith, ou simplesmente Quinta do Tua, agora propriedade do grupo Symington)) fica por cima do povoado inicial de Foz Tua, separada desta pela estrada que vai da ponte rodoviária sobre o rio Tua até à estação e daí para Carrazeda de Ansiães. Na imagem é possível distinguir o palacete da quinta e, à sua esquerda, as instalações de vinificação e adegas de envelhecimento. À direita, a ponte ferroviária sobre a confluência dos rios Tua e Douro. Ao fundo a margem esquerda do rio Douro. Imagem obtida a partir da estrada de Alijó para Foz Tua.


Socalcos na margem direita do rio Tua, sendo bem claras as oliveiras e menos claras as vinhas (efeito da altura do ano).


“ (…) Se não há o desejo de percorrer a linha do Tua, uma das mais pitorescas do país, para inquirir das comer o clássico leitão no hotel do Zé Maria em Mirandela, recolher as impressões paisagísticas de Romeu, co edifício românico que em arquitectura civil existe no pais, atravessa-se a ponte metálica sobre o ruído das

passa-se um viaduto e logo se defronta com o portão da quinta dos Malvedos ………………………………………………………………………………………………………………… falando…(…) O caminho de ferro [ da linha do Tua] divide-a, passando junto a casa de habitação e armazém a quem serve na carga e descarga do vasilhame do vinho por meio de um cais, que se estende em frente à fachada ocidental, com o seu escadoz e patamar engrinaldados de glicínia, e com a qual se alinha a frontaria puramente rocaille singular de um zimbro, várias vezes caduco, centenário, fendido, com uma armélia de ferro abraçando as Procede o titulo da quinta deste raro exemplar do Juniperus communis que os antigos consagravam a Apolo À sua sombra venerável já muitas gerações se acolheram dos raios do sol, quer no sossego breve da lufa, 1

1 Manuel Monteiro –


MANUEL CARDOSO

Licenciado em Medicina Veterinária, em Lisboa, depois de ter feito os seus estudos prévios, em Macedo de Cavaleiros, Cernache (Coimbra) e Mirandela, é professor na Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Bragança e médico - veterinário em Macedo de Cavaleiros. sua especialidade, estreou -se como escritor com o livro de Contos Quartzo ( Coimbra, 2000). Publicou “Um Tiro na Bruma”, seu primeiro romance, em 2007, o qual tem sido considerado um grande romance histórico-policial. A acção e acontecimentos narrados neste romance situam-se no Nordeste Transmontano, no inicio do séc XX, período conturbado, marcado pela implantação da Republica, golpes e contragolpes políticos, a participação de Portugal na I Guerra Mundial e o alastrar da gripe pneumónica que dizimou milhares de indivíduos e famílias inteiras. Neste cenário que o romance reconstitui com base em fontes regionais, locais e familiares, evoluem as personagens na sociedade transmontana da época para cujo desenvolvimento se considera ter sido de grande importância a Linha do Tua que é, também, dispositivo central da urUm Tiro na Bruma tem na Linha e Comboio do Tua um dos seus panos de fundo centrais e como protagonistas principais um médico de província, republicano, um maquinista da Linha do e mulher deste que fora empregada na casa do médico.

“ (…) Muito cedo, estação de Mirandela. O Artur era sempre o primeiro a chegar à locomotiva. Subia para ela ainda de noite, pousava a lancheira entalando-a entre dois rebites para que não deslizasse com o andamento. A máquina estava muda, metal inerte. Abria a boca da fornalha, com um atiçador empurrava para o ralo o resto das cinzas e com um escovilhão de de cabo esfregava por dentro toda a câmara de ferro onde depois iria acender o lume. Era agradável, no frio da manhã, sentir aquele calor residual que ainda vinha de dentro. Depois de escovado o ferro, batida a grelha, começava por pôr as acendalhas e por cima alguns cavacos, só depois o carvão. Dantes punha-se logo carvão, acendia-se a todo o vapor mas agora com as restrições da guerra e as faltas, tinham que se valer de turfa do Mondego, de lenha, de tudo o que ardesse. E reduzir a velocidade. Tinham tido que passar a andar mais devagar, a temperatura não dava para mais. O seu espaço de manobra naquela máquina de linha estreita não era muito, em momentos de mais serviço chegava a andar quase aos encontrões ao maquinista. De um lado tinha a boca da fornalha, as alavancas e os manómetros, os manípulos e volantes das válvulas dos circuitos, dos freios, do apito. Do outro tinha céu aberto, a caixa da lenha e do carvão. Entre um e outro havia o espaço necessário para subir e descer para fora da máquina. Não mais. Para acender o lume na bocarra, trazia umas brasas do fogão da estação numa caixa de ferro ou pegava fogo a desperdícios com a chama do farol de mão. Primeiro um fumito e depois uma fumarada preta elevava-se no ar, a sair da chaminé, devagar mas compacta. Quando começava o vapor a soprar qualquer coisa, abria primeiro uma das válvulas. Purgava os tubos. Os manómetros começavam a subir a sério. Voltava a abrir umas das válvulas, sentia a máquina a resfolegar como se estivesse viva, saía vapor pelas gavetas, estava quase pronta, tinha passado quase uma hora. Entretanto chegava o maquinista. Oleava aqui e ali com uma almotolia, com um pano limpava os manípulos e os punhos das alavancas. Apitava uma vez, entrecortada, aguardava o sinal do agulheiro com um farol ou


uma corneta e punha-a em marcha para engatar as carruagens. Amanhecia. As carruagens de passageiros estavam junto ao cais, fechadas, fogareiro de aquecimento aceso, chaminezitas a deitar um fumo esparso. Idas e voltas para trás e para a frente, atrelavam os vagões de mercadorias que cada vez se iam acrescentando por uma ordem indicada pelo factor ou pelo capataz de manobras, obedecidas por um carregador que fazia os engates. Antes de continuar, passavam pela tomada de água, um depósito um tubo de umas dez polegadas a despejar-se no lado do cilindro. Era aberto e fechado num volante que o som do vapor a escapar dos cilindros. Mais uns apitos esporádicos, uma cornetadas de agulheiro, até que o comboio tinha oito, nove, dez vagões. A arrancar da estação, as rodas tractoras esvaravam nos carris e o maquinista carregava num pedal que fazia despejar serradura para que tivessem atrito no ferro polido. Para mais peso a máquina já não dava, e mesmo assim ia ser um arfar ofegante e vagaroso nalgumas subidas, um esforço para o qual nem dava a temperatura de combustão da lenha. Nesses momentos atirava então umas pazadas de carvão lá para dentro, esperava uns minutos para que subisse a pressão no manómetro, aumentava a velocidade ligeiramente, bufava compassada a chaminé, baforadas de fumo muito preto a que se sucediam rolos e rolos de vapor de água. Ele sabia que era visto e ouvido de longe, que o passar do comboio fazia sempre especar as pessoas que lhe acenavam, saudavam com o chapéu, atiravam gritos. Por causa da máquina. A máquina era o fascínio daquele comboio. Ele ia nela. aquela perfeita e extraordinária harmonia das bielas-manivelas (…)Fora na Régua, numa hora de espera entre comboios. E essa imagem nunca mais o havia de abandonar. De tal modo que numa tarde de paragem reminiscência. O mecânico olhou para ele, viu que ele falava a sério e perguntou-lhe: - Ouve lá rapaz, tu andas a estudar ainda, não andas? - Sim, vou ser proposto para o exame da quarta por uma irmã do doutor Amadeu! – respondeu-lhe cheio de orgulho. - Então, olha, se calhar podes ir longe. Há aí umas reuniões que te podem interessar. Vou pedir a alguém que fale contigo. -Reuniões de quê? -Tu depois logo vês. Se te interessar, muito bem, se não, iças na mesma.


Interessaram-lhe as reuniões Aprendeu coisas de que nunca ouvira falar. O Universo era como se fosse uma grande máquina, articulada, perfeita. Havia uma explicação para todas as coisas, uma explicação tão de mão quem eram os da confraria e qual era o seu grau. Sentiu que depois havia quem se lhe dirigisse de outros modos, mais cordiais. (…) Passaram a encarregá-lo de levar recados a este e àquele, nem sempre inteligíveis mas que ele sabia desempenharem algo importante na harmonia do grande autómato de que aprendera a fazer parte. A pouco e pouco foi-se apercebendo de que ele era um elo daquela grande corrente, ao distribuir papéis dobrados predestinados para muita gente que lhos vinha buscar à beira dos cais das estações e apeadeiros da Linha do Tua. e discrição que os próprios destinatários se espantaram de ver o que estava a acontecer. Só souberam que estavam a participar de uma greve quando as informações do telégrafo começaram a matraquear a imobilização dos comboios e perceberam que aquelas ordens, cumpridas assim daquele modo predeterminado, constituíam um elemento de um conjunto mais vasto. Ele estava encantado com tal sucesso, antecipara mesmo que poderia ser assim – e fora! Graças à sua dissimulação e cumprimento exacto das ordens recebidas! explícitos numa coisa: se alguém aparecesse para tentar embarcar no comboio entre os Avantos e os Cortiços, não podia deixar. Se fosse preciso que usasse mesmo o revólver. Entregaram-lho embrulhado num pano oleado e sujo, como se fosse o seu pano de polir os amarelos. Estava carregado, pronto a disparar. O comboio seguia ronceiro linha acima, era um mercadorias suplementar por causa das encomendas de géneros que se estragariam se não seguissem despacho. Não levava passageiros, seguiam apenas um condutor e um guarda-freios num vagão de serviço. Pararam nos Avantos para meter água. Arrancaram mais ronceiros ainda. Descreveram a curva assinalada à direita com a entrada da ponte do Romeu, uma ponte alta e comprida, tabuleiro e pilares de ferro apoiados em arcos de cantaria, a que se seguia a passagem de nível da estrada nacional. Havia guardas de um lado e doutro da ponte. Uns civis armados estavam junto à estrada. Acenaram-lhe e ele respondeu-lhes. O maquinista estava em silêncio, observava a linha, mão no freio, manobrou para abrandar e começou a travar o comboio. Estação do Romeu. Alguns populares, um deles com uma bandeira verde-escarlate, outros com espingardas, dois deles com


mausers-vergueiro. Um grupo de mulheres protestava, de forma ruidosa e com espalhafato, o desapontamento por não poder seguir neste comboio, via-se que aguardavam transporte já há horas, deviam ser jornaleiras. A paragem foi breve, apito do chefe, bandeira verde, enrolada e levantada. Seguiram. Ele não estava a perceber bem o que se passava, não entendia ali a presença daqueles homens armados. Mas como havia episódios desses com uma certa frequência, já estava habituado. Com dois apitos, a passar sobre o arco de pedra de Vale do Couço, entravam nas trincheiras e na paisagem caótica do Quadraçal, sobreiros e penedos espalhados a esmo, neblina em penachos.Tudo deserto, não se via se por vencer aqueles quilómetros, subia-os a custo, lentamente, resfolegar contido. Mais dois apitos para o caminho que atravessava o sobreiral e que descia para o ribeiro, lá em baixo. Estavam ali dois homens a cavalo, rentes à passagem de nível sem guarda, chapéu de aba revirada, a um deles percebia-se-lhe a coronha duma carabina a sair do coldre da montada. Estava um outro a pé, correu ao lado do comboio, pôs um pé no estribo do vagão de serviço e ele percebeu mesmo que um braço o ajudou a subir. aquele homem? Que viria fazer? Disse ao maquinista que tinha que agir sem lho explicar exactamente. Combinaram que ele pararia quase à entrada da estação dos Cortiços, ao deixarem o Quadraçal. Depois iria a correr até ao vagão e obrigá-lo-ia a sair, se fosse preciso a tiro! Será que só ele é que estaria incumbido de impedir que alguém viajasse naquele comboio? Porque é que o guarda-freios e o condutor lhe tinham facilitado a entrada a bordo? passageiro não saltava em andamento. Minutos depois estavam quase a deixar o Quadraçal, as trincheiras de granito iriam dar lugar ao vale fértil e chão dos Linhares, o maquinista abrandou, podia acompanhar-se o comboio a passo, a estação estava escassas centenas de metros mais à frente. Saltou, foi andando no sentido o ver ali. Do outro lado viu saltar um homem, no momento em que passavam perto de um canavial que lhes encobria a estação. Deixou-se ultrapassar pelo comboio e correu para ele. Gritou-lhe sôfrego: - Alto ou disparo! Alto ou disparo! – E deu mesmo um tiro para o ar. aba revirada. Voltou-se para ele.


Reconheceu-o. Sentiu-se quase sem forças, deixou cair os braços, revólver suspenso da mão inerte. Tinha ………………………………………………………………………………………………………………… Era dia de feira e mercado, alguns feirantes tinham ainda montado tendas, havia mulheres a passar de cesta na mão, rostos contritos em lenços pretos, uma certa confusão que convinha a ambos os lados. Os monárquicos tinham escavacado as portas da cadeia à machadada, feito saltar os ferros com alavancas, solto os presos e posto em fuga a guarda e a polícia. Um carrillano,1 na confusão, compincha de um grupo de espanhóis que andavam no minério, preso uns dias antes por mais nada do que andar na boa-vai-ela com a mulher de um regedor, conseguira fazer saltar o poial da janela com duas velas e dera vazão da cela para fora a si e aos camaradas. no palheiro da casa, outros ainda, em desespero, no cemitério. (…) Estava quase passada a manhã, começara o vento e ameaçava chuva. Na estação do comboio, apinhada de populares, o chefe fazia por manter a compostura e a ordem, havia muito vinho a ferver naquelas veias de pessoal que queria partir para casa, cansaço a abater forças, pessoas à espera que tinham vindo no misto da manhã para a feira e encontravam um estado de sítio. misturavam-se com o povo que chegava. Tinha havido notícias de que a linha fora cortada no Quadraçal dos Cortiços, alguém tirara os carris. Voluntários republicanos em cachos, apetrechos e bandeiras, tinhamse posto linha abaixo de vagoneta até dar com o sítio. Faltava um troço, a linha do telégrafo estava cortada. Consertaram tudo. Discretamente o factor chamou o chefe. O telégrafo começara uma mensagem. Estava incompleta mas era uma Ao longe ouviu-se o silvo do comboio, longo, a repetir-se. Era o Artur a cumprir um trato secreto e combinado com o doutor Amadeu para ocasiões destas, a apitar vezes seguidas a letra A, em Morse. A tropa saiu do comboio, formou à saída da estação e foi em marcha rápida até ao centro. Os soldados Nome dado, na gíria da época, aos indivíduos que sabiam operar com explosivos em obras.


tinham tido ordem para ter as armas carregadas. Depressa chegaram à cadeia, que ocuparam, e ao largo, onde formaram em sentido. Voltou-se a retirar as bandeiras azuis e brancas e a pôr as republicanas. Não se ouviu um tiro. Chovia copiosamente. (…) O factor apareceu à porta: - Artur! -Sim? - Vamos fazer uma composição especial descendente. No Tua daqui a hora e meia! Foi como quem lhe acena com um prémio! - Para já! Para já! - Partida às oito e trinta e três! Vamos a isso! Vamos a isso! Avançavam com cautela, podia haver destroços ou a linha estar sabotada. Nada aconteceu. Havia magotes pelas estações e apeadeiros, quase todos à espera de transporte em sentido contrário. Uma coluna de fumo em Frechas, outra no Cachão, deixavam perceber que também ali tinha havido desmandos e desacatos. A ponte de Vilarinho estava intacta, apesar de.lhe terem garantido o contrário, na véspera. Quando chegaram foram alvo de todos os olhares. Desembarcaram os guardas e os presos que seguiam para o Porto. Uma patrulha saiu a bordo e passou revista aos pertences dos outros passageiros. De resto tudo parecia normal. No Tua estava parada uma comprida composição das do Douro. Havia gente e mercadorias para transbordo. Os carregadores mudavam e faziam a estiva dos pacotes, calados e sérios, não havia a descontracção e galhofa do costume. Militares omnipresentes. Curioso. Não se viam bandeiras. Nenhumas. ………………………………………………………………………………………………………………… receber a tiro. A vila estava semi – abandonada, com mais de uma dezena de casas reduzidas a paredes e escombros na encosta entre a igreja, o Paço dos Távoras e o rio, alguns estabelecimentos comerciais esventrados e saqueados, população desiludida e triste. Não foi comemorada a sua chegada. Apenas o hino, umas morteiradas de aviso, tropa formada em sentido no Largo da Ponte. (…) Ao lado da estação tinha-se juntado uma pequena multidão de gente esfarrapada e pé-descalço, ciganos à


mistura, pedintes de tudo. entretinha e lhes enganava a fome. Fogueira acesa com fumarada de esturro, comiam o que aparecia. De tudo. A começar por animais mortos do chiqueiro da estação onde às vezes as ninhadas levavam razias com diarreia. Aquele povo estacionava ali mas por pouco tempo. Todos os dias chegavam e todos os dias partiam dos sítios mais incríveis para os sítios menos verosímeis. Muitos de comboio, como clandestinos.E, não raro, via as mesmas caras nas feiras de Bragança, nos arraiais de Macedo ou nos ajuntamentos do Tua, nas vindimas. Volta e meia surgiam zaragatas tremendas, resolvidas a varapau e a tiro, que deixavam por uns dias em ponto morno os olhares e surtidas do mulherame que dali saia a pedir migalhas aos passageiros em trânsito ou a oferecer favores mais sórdidos a troco dum cobre. Nessa noite ele teve de atravessar a direito para ir mais rápido à camarata buscar a lancheira e meter-se na máquina de manobras. (…) Correu. Entrou na locomotiva, ofegante, estavam lá o maquinista e o fogueiro. Não se tinham apercebido do que se passara do outro lado da estação. - Sai, troco contigo, preciso de trocar o turno! – disse, de forma rápida e despropositada. -Eh, lá!Está bem! Está bem! Viste um lobo ou quê? Pôs carvão à boca da fornalha, gestos rápidos, automáticos, tensos, sem palavra. O comboio partiu. De noite. Para uma viagem lenta. Iam sair da área controlada pelos republicanos e passar para a que ainda era dos monárquicos. O comboio ia para Bragança. Sem tropas. Só civis. E poucos. (…) O Artur tinha chegado a Bragança de manhã, ainda antes de nascer o dia. A viagem fora interminavelmente freio. Despediu-se dos colegas. Olharam-no, surpreendidos. Onde queria ir tão lesto? Conseguiu comer uma malga de migas de centeio na taberna da estação e beber um copo de vinho zurrapa. Sala estranhamente vazia, ele solitário. Quando saiu para a rua sentiu frio, não estava agasalhado para aquele tempo. Bragança era um gelo todo o Inverno. (…)”

CARDOSO, Manuel – Um Tiro na Bruma.


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JORGE DE SENA

pelo tumulto insólito das imagens qualquer disciplina ultrapassada( e -

Um dos maiores escritores e intelectuais portugueses do séc XX, de projecção internacional, a sua vasta obra polifacetada e altamente criativa, diário poético, literário e ensaístico ininterrupto, é indissociável de sua vida de “cidadão do mundo”, curta mas intensa e plena culturais. Dada a sua grandeza, recorre-se então à apresentação que de si mesmo

Santa Bárbara (Califórnia) onde se encontra ainda grande parte do seu espólio literário gerido e editado por Mécia de Sena (sua mulher que aí que vieram para Portugal os restos mortais de Jorge de Sena. Quando com a publicação póstuma do livro de poemas dispersos e inéditos livro que foi a sua primeira obra editada postumamente, por Mécia de Sena. O longo e inacabado romance Sinais de Fogo, do grande escritor e -

Atlântico e em alguns países da Europa. Ensaísta, dramaturgo, contis-

Brasil, onde foi catedrático de Teoria da Literatura e de Literatura

gundo declarou uma vez numa entrevista, a sua poesia “representa um desejo de independência partidária da poesia social; um desejo -

Portugal, a geração artística e a sociedade do tempo do escritor, intitumas que deixou por concluir. Filipe Rocha, e tem sido considerado um romance de formação e inites relações entre a memória individual e a memória histórica, numa interpenetração entre a experiência individual amorosa e psicológica e a experiência colectiva relacionada com a crise histórica representada Para uma melhor iniciação à leitura deste romance, conhecimento da vasta do escritor, veja-se o texto de Introdução ao mesmo, escrito por sua mulher Mécia de Sena.2


Contexto: e conhecimento inesperados, na confusão de um comício no Campo Pequeno, Lisboa, entre Jorge, a principal personagem e protagonista narrador do romance e o seu amigo Luis, com uma personagem enigmática, poeta, jornalista e republicano coleccionador de aves e de livros. Com carro próprio e chauffeur privado, este é dono de um grande e antigo palacete em Lisboa onde recebe os dois amigos recém -conhecidos, e proprietário de uma pequena quinta produtora de Vinho do Porto, no Tua. Sobre a escrita deste romance e a criação das personagens, esclarece-nos Mécia de Sena (…) relações e vivências que Jorge de Sena teve com esta localidade, enquanto engenheiro da Junta Autónoma das Estradas (desde Para quem

“ (…) O carro eléctrico estava quase vazio, mas nas ruas ( aliás não mais cheias de gente que noutra noite de Verão) era evidente uma movimentação peculiar, em que a expectativa atenta dos que não circulavam contrastava com a forma dos grupos, ou alguns grupos, que as percorriam. - Mas que é que há hoje? – perguntei tanto a mim mesmo como ao Luís. - Não sei, mas…- e voltava-se, seguindo com os olhos, de cabeça erguida, para bem ver para fora, a um lado e outro do carro. Quando chegávamos à Baixa, e as poucas pessoas se levantavam para apear-se, eu parei ao pé do condutor que estava na plataforma a falar com o guarda-freio.


- O que é que há? Eles dois entreolharam-se, e olharam-nos reservadamente. Foi o guarda-freio quem respondeu : - O comício no Campo Pequeno. Já começou. A palavra “comício” era tão pouco do vocabulário corrente naqueles anos, e tão conotada de agitações préhistóricas, que a repeti interrogativamente. O guarda-freio, homem moreno, entroncado, baixote, de meia – idade ( o condutor, alto e magro, era mais em favor da revolução em Espanha. (…) - Os senhores não são de Lisboa? Chegaram de fora? - Chegamos – respondi eu. (…) Entrámos silenciosos no Rossio que atravessámos em direcção aos Restauradores. Magotes de povoléu, uns de curiosos, outros berrando desembaraçadamente, coalhavam os passeios. Alto-falantes cobriam de clamores, e de uma voz que rouquejava gaguejante de excitação patriótica o bru-á-á. Havia gente que vendia bandeirinhas. (…) Um dos vendedores de bandeirinhas como que farejou em nós recém-chegados, e aproximou-se, oferecendoas, dizia ele, a metade do preço para acabar…As bandeiras não eram bandeiras, e sim uma composição delas: a portuguesa, a italiana, a alemã e uma bandeira com a Cruz de Aviz, rodeavam todas a bandeira espanhola. E havia por sobre elas dizeres vários. O homem que as vendia (…) insistia agora em que o ajudássemos a viver, em que o salvássemos do prejuízo de não vender as bandeirinhas. E passou a ameaça: só os comunistas e que não compravam bandeirinhas daquelas.2 Parámos na esquina do elevador da Glória, e o Luís respondeu ao homem: - Então toda esta gente é comunista, se ninguém lhe compra as bandeiras. - Malandros, patifes…estes meninos são os piores…Vejam os senhores…(…) Mas tudo vai mudar, hoje tudo vai mudar…(…) A discussão generalizou-se, com as vozes a subirem de intensidade, a ponto de mais dois dos distribuidores


tumulto favoreceu que eu e o Luis, num roldão de povo (que talvez não tenha sido inteiramente ocasional), nos víssemos fora do ajuntamento onde braços se levantavam acompanhando os impropérios. No mesmo momento, um fulano de meia-idade, com um grande chapéu desabado e uma gravata lavelière, agarrou em nós, um em cada mão, e arrastou-nos pelo passeio fora. A mão dele, no meu braço, era de ferro, e o Luis quase ia de rastos. Resistíamos, protestávamos, mas ele só nos largou à beira de um automóvel, cujo chauffeur fardado veio a correr do outro lado para abrir a porta, de boné na mão, como se fossemos personagens - Entrem aí – e atirou-nos para dentro um após outro, forçando-nos a sentar só com o arremesso do corpanzil dele embarcado a seguir. Dentro do carro, alisando as luvas cinzentas de outras eras, deu ordem ao chauffeur (-António, vamos -), com uma voz suavemente autoritária, a mesma com que logo nos pregou um sermão: éramos doidos? Fazer provocações ali, nos Restauradores, precisamente naquela noite, quando a canalha combater o comunismo?... Eu e o Luis, entalados no carro, nem nos entreolhávamos de perplexos. O cavalheiro (era a melhor forma provocadores? Não éramos? Não? Não tínhamos cara de ser. E ria, acendendo um charuto. (…) Após guardar no bolso do colete onde brilhava uma corrente de relógio o cintilante isqueiro, o nosso salvador reatou o sermão: que tivéssemos cuidado, muito cuidado, não nos expuséssemos estupidamente, perdão, juvenilmente, oh, com a esturrada coragem dos jovens, e sim guardássemos as energias para o momento oportuno, e o momento agora não era oportuno. Ou alguém nos levara a pensar que era? Sim, ele sabia de grupos que pensavam assim, que queriam acção ostensiva, agitar o povo. O pior é que o povo estava adormecido por anos de propaganda e de censura, atemorizado pela polícia, receoso de perder o pão de questão de Espanha, por muito que a simpatia fosse pela legalidade do governo republicano espanhol, contra os militares que, aliados ao clero e aos potentados, faziam agora em Espanha, com sangue, o que dez anos antes haviam feito à sorrelfa em Portugal. Ajudar os republicanos espanhóis era uma coisa, e mesmo um dever dos democratas todos, certo, certíssimo. Mas um envolvimento directo em contra-manifestações era fazer o jogo da ditadura que não esperava outro pretexto para causar toda a gente de comunista…(…) ( o carro parara à porta de um palacete na Graça). (…)


- António, estes senhores entram para tomar um café e um cálice de Porto. Oh, não recusem, precisam de dois correligionários da nova geração. – O Luís e eu apeámo-nos acanhados e constrangidos, e o ilustre estava sentado do lado oposto), olhava-nos com paternal superioridade, numa ironia condescendente que empurraram para a larga porta que já se abria na nossa frente e onde um porteiro muito velho e corcovado, de libré, estendeu uma mão mecânica para receber os chapéus que não tínhamos. À nossa frente subia uma enorme escadaria de pedra, com uma passadeira vermelha muito estreita para a extensão dos degraus. Lanternas como as das carruagens antigas, mas com lâmpadas eléctricas, ajudavam um lustre pendurado ao centro da entrada a iluminar aquele espaço. Mas nem lustre nem lanternas conseguiam exorcismar a pomposa e baça. lentidão que era como que um saborear dos degraus, forçou-nos a subir na frente dele. (…) - João – disse o dono da casa atrás de nós que íamos atrás do criado – serve o café na biblioteca. O João levantou um dos reposteiros da direita para que nós penetrássemos na biblioteca que era uma sala redonda, não muito grade, azul e dourada, cujas paredes eram estantes cheias de livrinhos encadernados, uns A um canto, uma escrivaninha, tinha um tinteiro de louça, com penas de pato. O dono da casa sentou-se à escrivaninha, numa cadeira moderna, giratória, que destoava inteiramente do conjunto. (…) Sem luvas e sem chapéu desabado, que entregara ao mordomo à entrada, não tinha o mesmo ar imponente que nos dominara. (…) – Não quero demorá-los.Estejam à sua vontade ( o nosso à-vontade apenas se manifestou em passearmos os olhos pela sala redonda e as lombadinhas). Depois do café e de um cálice de Porto, tomam café e Porro, sem duvida?, apenas lhes quero mostrar outra das minhas colecções, para se distraírem das emoções. (…) Hoje, a criação da Legião Portuguesa já é um roubo e um rombo (repetiu com gosto, sopesando as rimas:roubo e rombo) nas ambições deles. Amanhã, a criação de um movimento juvenil, que vai ser criado, oh, eu sei bem o que se planeia, acabará com eles.(….) ( o criado entrou com uma enorme bandeja carregada com um


bule de prata, açucareiro de prata, chaveninhas, cálices esguios, uma garrafa de cristal mais esguia ainda, que pousou numa mesinha pé-de-galo, a um canto). E agora vamos tomar o nosso café ( o criado começou a servir, primeiro nós, depois o dono da casa), e um cálicezinho de Porto, não façam cerimónia, esse vinho do Porto merece a vossa admiração ( o criado serviu o vinho). Espero que admirem esse vinho que não retirava: - O senhor tem quintas no Douro?). Oh, não me julguem um proprietário, não. Uma pequena quinta no Tua, que dá por ano um par de pipas, que mal chegam para obsequiar os amigos. Todos os anos lá passo as vindimas, com a família (olhei-o surpreso, porque ele parecia uma pessoa acima das contingências medianas de ter-se uma família, de que não havia sinais na atmosfera da casa). O meu jovem amigo admira-se? Supõe que numa casa como esta não há uma família? Há. Mas a vantagem de uma casa espaçosa, não direi grande, para que não se julgue que chamo palácio a esta choupana, esta em que todos da Figueira o senhor, e o senhor de Lisboa. Muito bem.(…) ( não, não conhecíamos, mas amigos nossos com certeza conheciam). Ah, é pena. O meu rapaz também conhece? Os senhores conhecem? Não, não se acanhem, vejo que não conhecem. (…) Há anos que só (…) Mas tenho o jornal. Que jornal? Mas A Democracia qual havia de ser?…Tenho os meus livros. E os meus pássaros. Sim, os meus pássaros, uma colecção que hei-de doar ao Jardim Zoológico. (…) Primeiras só portuguesas. As aves são de outros mundos. (…) Os senhores gostam de poesia? (…) Ninguém é ensinado a amar a poesia …Mas como ensinar-se o que não se aprende? A poesia é a criação do sonho e da beleza que não há no mundo. O poeta é o que sente e vê o que os outros não são capazes de ver. (…) Mas que estou eu Efectivamente, segundo informação de D. Mécia de Sena, estas aves foram mais tarde doadas ao Jardim Zoológico de Lisboa, pelo poeta Alfredo Guisado, referencial de construção desta personagem.


aqui a falar do que não interessa a ninguém? (…)Venham ver as minhas aves. Seguimo-lo por um corredor muito comprido, semelhante ao salão, só que um corredor atravancado de móveis ao longo de uma das paredes de onde a espaços reposteiros pendiam, até uma varanda envidraçada que ele iluminou. Imediatamente uma gritaria encheu a varanda muito larga e a todo o comprimento da casa. Uma passarada multicor esvoaçava em vastas gaiolas, e em dezenas de poleiros araras, papagaios, catatuas, colecção bonita, não é? Algumas destas aves custaram-me mais caro que muitas primeiras edições de poetas. Mas não quero prendê-los mais tempo. Não quero que pensem que os vou prender numa gaiola dourada, como as que Salomé tinha no jardim. Passou pelo meio de nós e regressou pelo mesmo caminho à biblioteca. (…) Não, não devíamos folheálos ali, nem sequer abri-los. Os livros dele não eram para ser abertos, a não ser que um dia sentíssemos o um pequeno poeta que se reformara da poesia. Podíamos mesmo, se quiséssemos, abandonar os livros em qualquer parte, atirá-los fora na rua, quem sabia se um qualquer pedinte, um mendigo de estrelas, os não recolheria…E tocou uma campainha. O criado apareceu, e recebeu ordem de nos acompanhar à porta. Recusámos o transporte em vão. No patamar da escadaria, o poeta despediu-se de nós efusivamente, recomendando que aparecêssemos de visita, seria do cimo da escada. O chaufffeur segurava a porta do automóvel, com o boné na mão. Entrámos, e a porta do palacete fechou-se. O chaufffeur voltou-se no assento para perguntar aonde nos levava. (…)” 2

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MIGUEL TORGA

Pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha este grande escritor português é autor de uma produção literária vasta e variada; escreveu poesia, contos, romances, teatro, diários, ensaios e discursos. Natural da região de Trás-os-Montes, cujas terras, gentes, costumes e modesta, pelo que emigrou para o Brasil onde trabalhou cará na sua obra . Regressado a Portugal, licenciou-se em Medicina, em Coimbra, cidade onde veio a residir e trabalhar como médico e escritor. Um lugar particular, na sua obra, ocupa o seu “Diário” A sua íntima ligação a Trás-os-Montes, sua terra natal quer sejam em prosa ou poesia: nos poemas da do Mundo, nos , nos da Montanha, nos Bichos, no Diário, etc. Ao longo da sua vida de escritor, com um estilo individualista, humanista, muito forte e original foi agraciado com vários prémios nacionais e internacionais.

“Linha do Tua, 22 de Setembro – Este Portugal só se pode amar ou por razões instintivas de resignação de pássaro que nasce em ruim ninho, ou então por um devotamento intelectual ao mirrado, à fraga, ao nada onde é permitido sonhar tudo. Esta subida é o exemplo vivo do amor sem esperança. O rio arrastou toda a terra, desnudou todos os ossos, impossibilitou para a eternidade toda a forma de vida nestas escarpas. A legenda do Dante podia-se escrever em é tão animal como dizem. Que não se preocupa tanto com o penso como se supõe. Que também gosta da terra improdutiva, livre, rebelde, preguiçosa como um mendigo com as suas chagas ao sol. “

uma vez a minha raíz humana estremeceu. São eles que me dão sempre a medida absoluta da liberdade que não tenho e por que suspiro. Anarquistas em espírito e corpo, lembram-me príncipes do nada, milionários do desinteresse, sacerdotes da preguiça, ampulhetas obstinadas onde o tempo se não escoa. Comem a podridão, vestem-se de absurdo, são marcianos na terra. E a vêlos caminhar na poeira do transitório, é a imagem do homem ideal que vejo passar, lírica e desdenhosa.” 2

Ser e Ler Miguel Torga Portuguesa, disponível em: http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial

Miguel Torga – Diário 2





ODE À POESIA Vou de comboio... Vou Mecanizado e duro como sou Neste dia; - E mesmo assim tu vens, tu me visitas! Tu ranges nestes ferros e palpitas Dentro de mim, Poesia! Vão homens a meu lado distraídos Da sua condição de almas penadas; Vão outros à janela, diluídos Nas paisagens passadas... E porque hei-de ter eu nos meus sentidos As tuas formas brancas e aladas? Os campos, imprecisos, nos meus olhos, Vão de braços abertos às montanhas; O mar protesta contra não sei quê; E eu, movido por ti, por tuas manhas, A sonhar um painel que não se vê! Porque me tocas? Porque me destinas Este cilício vivo de cantar? Porque hei-de eu padecer e ter matinas Sem sequer acordar? Porque há-de a tua voz chamar a estrela Onde descansa e dorme a minha lira? Que razão te dei eu Para que a um gesto teu


Poeta sou e a ti me escravizei, Incapaz de fugir ao meu destino. Mas, se todo me dei, Porque não há-de haver na tua lei O lugar do menino Tanto me apetecia agora ser Alguém que não cantasse nem sentisse! Alguém que viesse padecer, E não visse... Alguém que fosse pelo dia fora Neutro como um rapaz Que come e bebe cada hora Sem saber o que faz... Alguém que não tivesse sentimentos, Pressentimentos, E coisas de escrever e de exprimir... Alguém que se deitasse No banco mais comprido que vagasse, E pudesse dormir... Mas eu sei que não posso. Sei que sou todo vosso, Ritos, imagens, emoções! Sei que serve quem ama, E que eu jurei amor à minha dama, À mágica senhora das paixões. Musa bela, terrível e sagrada, Imaculada Deusa do condão: Aqui vou de longada; Mas aqui estou, e aqui serás louvada, Se aqui mesmo me obriga a tua mão! MIGUEL TORGA -


Porque hรก-de a tua voz chamar a estrela



MÉCIA DE SENA Contexto: Figura notável da cultura portuguesa do séc XX, Mécia de Sena, é mulher do escritor Jorge de Sena, curadora, orga-

e estudioso do Cancioneiro Musical Popular Português. Com o pai colaborou, desde muito jovem, no ensino da sua mãe eram exímias violoncelistas assim reconhecidas por Guilhermina Suggia. Teve mais quatro irmãos, sendo seu irmão mais velho o ensaísta e professor universitário Óscar Lopes, com quem Mécia sempre partilhou o gosto e o interesse pela cultura e a literatura.

actualmente reside. Individualidade literária portuguesa em estreito convívio com a cultura brasileira e anglo-saxónica, é autora de vastíssima produção escrita epistolar de valor histórico e documental, ainda inédita, em resultado da longa e regular correspondência travada numa rede de contactos, amizades e relações com brilhantes académicos, estudiosos de Sena, grandes intelectuais e vultos das letras, artes e cultura portuguesa, europeia, brasileira e norte-americana. Índices -

São inéditas as duas cartas que se transcrevem da autoria de Mécia de Freitas Lopes, escritas aquando de uma viagem sua a Bragança através da Linha do Tua, e enviadas a Jorge de Sena, seu futuro marido, com quem O texto que se lhes segue faz parte da singular obra memorialística de Mécia de Sena, intitulada Flashes e, no seu conjunto, igualmente ainda inédita. As três composições escritas de grande valor documental e literário compõem um sugestivo quadro de memórias vivas da estação do Tua e de uma viagem de comboio pela linha do Tua, feita pela autora, em meados

Luso-Brasileiro da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, onde se fundou no mesmo ano, o “Center for Portuguese Studies”.

1

fundadores e que justamente a distinguiu com o Prémio Pró-Autor que “consagra a acção de pessoas individuais e 2

A D.Mécia de Sena se agradece a autorização para importante correspondência entre Mécia e Jorge de

(policopiado).

Mécia e Jorge de Sena:

Guimarães: UM-ICS-NEPS, 2007.


Querido Jorge Vou de regresso. Percorrida a primeira etapa, a camionete, a estrada em zig-zag poeirenta, estou no “forno” da região. Lá cm cima, no planalto que deixei, havia fresco a pedir agasalho, aqui faz desejar um daqueles vestidos de sol quase sem tecido: uma amostra de corpo e outra de saia, qual a mais pequena. ritmo de vida normal: casa cheia de gente, bulício, correr aulas, deitar cansada mais de tudo isto do que propriamente do trabalho. E estão passadas talvez, de certeza mesmo, as férias melhores que até agora tive – esplêndidas, variadas e o mais a meu gosto que poderia querer. Também raras férias foram tão bem aproveitadas, vou pesar-me mas creio que só há cinco anos quando passei em Carrazeda dois meses, cheguei a pesar tanto. A minha cara faz concorrência, de redonda. Quanto a cores, se não chega naturalmente ao rosado é porque sou o trabalho e as contrariedades que possam surgir e a vontade ainda maior do voltar, do voltar sempre mais uma vez. A viagem promete — o compartimento vai cheio e deve ir num crescendo assustador até ao Porto, e carregada – além da mala, pasta e embrulho do lanche, três respeitáveis cestas merendeiras para entregar na estação de S. Bento duas delas, e mais uma para mim, carregada de maçãs, pão de centeio para o Rui sempre e acham sempre pouco para ofertar aos amigos. Estou a deixar o Tua. Deitarei no Porto a carta, sinal de que cheguei bem, pois só então a fecharei. Um beijo da Mécia





Querido Jorge Eis-me por terras de Bragança, acabadinha de chegar. A viagem decorreu com o previsível calor e as mais gargalhadas se levou o melhor possível. Apesar desta tremenda maçada sinto-me bem, mesmo muito bem, por me encontrar de novo em férias, o mais em férias que se pode imaginar. Em S. Bento ainda me encontrei com o Óscar que seguiu para Santarém onde há algumas horas deve estar. Amanhã, logo de manhã tenho de sair para levantar as malas despachadas. Irei almoçar com o delegado da MPF pessoa muito simpática e a quem desde o ano passado caí na simpatia, e à tarde irei passear com as Esta liberdade de movimentos agrada-me, mesmo que me traga a um quarto de hotel, com o que embirro um pouco, embora, ao mesmo tempo contribua para o ambiente de independência que tenho aqui e sujeita Escrevo-te à luz duma vela como nos bons tempos das nossas avós – nesta terra e por zonas determinadas Pena que não possas estar aqui, este ar é puro, cheira a campo – ouço os ralos e os grilos e sei que amanhã mal o dia é nascido e estarei acordadíssima quase à espera que chegue a hora do pequeno almoço. O ar da E isto é uma aldeia com o nome de cidade, mas com todas as características de aldeia, desde o próprio ar ao falatório. Em todo o caso devias gostar, e por isso tenho pena de que não pudesses ter vindo também. A costume. Boa noite, Jorge, desejo que tenhas uma noite descansada e para isso vai um afectuoso beijo com muitas saudades da Mécia


“Mas o Verão aproximou-se e com ele um convite para ir com eles para as obrigatórias férias em Carrazeda de Ansiães, a casa-mater. Quando me reuni a eles na estação de S. Bento senti-me um tanto confusa: havia umas nove pessoas e pressupunha-se que duas ou três já teriam ido à frente, se é que não viviam lá permanentemente, vo de concorrerem à escola do Exercito. Com o tempo, que a viagem era…larga e ronceira, fui tendo uma visão a “tia” Emilinha, uma espécie de governanta que era quem comandava na cozinha e na ordem da casa (encargo que fora da mãe, agora meio cega e plenamente na reforma). O primeiro dos irmãos que começou a tomar vulto para mim foi o Filipe – fazia brincadeiras inesperadas, dependurava-se das redes da bagagem coçando-se como os macacos e fazendo ruídos de muchocho com a boca, despenteado, roupa em semi-desalinho. Quando entrou o revisor estava em pleno exercício que suspendeu. Os bilhetes não apareciam – pânico, buscas e rebuscas, e, de repente, quando o homem começava a impacientar-se e como se não tivesse interrompido a macacal satisfação, o Filipe dá um salto na direcção da carteira que a mãe tinha ao colo e saca de lá os bilhetes. O homem ao ambiente um ar de mais à vontade, pois ninguém pudera deixar de rir ao inesperado pulo e da cara do revisor. já todos velhos amigos e festejáramos até, largamente, o aniversário da Ana Maria que se revelou ser naquele viagem, numa incrível camioneta que nos viera buscar, já foi de franca algazarra. Para mim era a alegria de rever Trás-os-Montes de que tanto gostava, na zona planáltica que não conhecia. E o que havia para explorar ! : um velho moinho onde nós trepávamos para ver o pôr-do-sol e de onde a Ana Maria se despenhou um ao Senhor de Matosinhos!); o estiranço ao Pé de Cabra onde era obrigatório subir a corta mato; o castelo de histórica e arqueológica) e a igreja em ruínas, cujas pedras examinávamos cuidadosamente e buscávamos num diâmetro larguíssimo, e cujo tímpano da porta principal foi objecto de horas de decifração e interpretação; e houve a Ida à Urraca, a quinta do Manuel, uma verdadeira expedição de cavaleiros, cavalos e mulas, onde estava um dos que nos havia precedido: o tio Alfredo. Era capitão, solteiro, fora viver com a irmã para ajudar a criar os sobrinhos que o respeitavam e temiam – era a voz da razão e da ordem, na casa. “







JOHN GIBBONS

Escritor inglês autor de vários livros de literatura de viagens. Residiu durante alguns meses na pequena aldeia de Coleja, do concelho de Carrazeda de Ansiães, junto ao rio Douro. Viria a receber com a obra “I Gafazem parte títulos como: Ireland – The New Ally, I Wanted to Travel, The Road of Nazareth, Afoot in Portugal, sobre essa aldeia, TramSarajevo.

(…) Nestes sítios não circulam comboios expressos. A maioria deles para em todas as estações ou quase e alguns levam atrelado um vagão de mercadorias. Os comboios de mercadoria dos portugueses servem para tudo. Há ramais em que apenas circula esta espécie de comboios e há linhas em que seguem “entalados” entre comboios normais, parando mesmo nos apeadeiros mais passagens são mais baratas, mas existe limitação de bagagem; são, no fundo, comboios de abastecimento. (…) Tinha quatro horas e meia de viagem à minha frente. (…) O comboio deslizava agora entre enormes montanhas e parecia-me que ia sendo altura de olhando de vez em quando lá para fora. Apesar de já ter feito duas viagens, que os outros passageiros diziam. Os nomes das estações, quando lidos, eram completamente diferentes do que estava escrito. Devíamos estar mesmo a chegar. Alguém me iria esperar, prevenira o meu amigo e não tinha por isso que preocupar-me com a possibilidade de me perder. (…)

ridículo metido naquelas roupas londrinas – casaco preto, calças às riscas, colete – carregando um saco e um guarda-chuva numa mão e a máquina de escrever na outra. (…) Ali estava o que parecia ser o de recepção: dois portugueses com GIBBONS, John – de John Gibbons.


enormes chapéus agitando cortesmente um envelope com a direcção do meu amigo de Londres. Claro, não sabiam ler o envelope! Bem como eu não sabia uma palavra da língua deles, íamos com certeza entender-nos às maravilhas. Começámos por fazer barulhinhos amigáveis uns aos outros. O porteiro da estação também se associava aos barulhinhos amigáveis. Nada disso! Nem por sombras! Estava a pedir-nos uma coisa tão mesquinha como o meu bilhete! Começou a abrir uma porta que estava fechada e a falar qualquer coisa acerca de copo. Percebi o que queria dizer! Tomaríamos um copinho de vinho para festejar o nosso encontro. Comecei a acreditar que iria compreender os portugueses com bastante facilidade. (…) Em seguida os dois homens pegaram na minha bagagem rumo ao desconhecido. Cada um deles levava uma arma e uma bandoleira. Que esquisito! ………………………………………………………………………………………………………………… bolos de um desconhecido, a quem a mulher preparara um farnel abundantíssimo, do qual ele se queria ver livre o mais rapidamente possível. (…) Muitas vilazinhas têm as suas especialidades regionais que, naturalmente, são apregoadas e vendidas nas plataformas das estações. A mulher viajou na carruagem até á estação seguinte – pois neste tipo de comboios não há comunicação entre as carruagens- e certamente tomou novo comboio de regresso à estação onde entrara. Havia sempre quem quisesse que os outros provassem do seu farnel e lembro-me até de ter visto um homem que levava um recipiente de pele, provavelmente de cabrito, por onde saía um jacto de líquido.2 Utilizava-se de uma maneira bastante original: abria-se a boca e deixava-se que o jacto acertasse na boca e escorregasse pela garganta abaixo. A nossa carruagem era de facto muito simpática e acabei até por tornar-me grande amigo de uns soldados que nela viajavam. (…) Da parte reservada aos passageiros de terceira classe, onde estava abancado com um companheiro de viagem, observei um grupo de ingleses que atacavam furiosamente a sopa, sem conversas, para terem tempo de completar a refeição antes de o comboio partir. (…) A estação seguinte era o Tua e, extraordinariamente – apesar de faltarem ainda três ou quatro estações para chegarmos àquela em que eu ia sair – vi que pessoas totalmente desconhecidas que iam entrando, me apertavam a mão, parecendo saber perfeitamente quem eu era. Ao chegarmos à estação todos se despediram de mim. (…)”

2 “A bota”, de origem espanhola, muito utilizada no transporte de vinho.




... tomarĂ­amos um copinho de vinho para festejar o nosso encontro ...



2.11 VINDIMA DE SANGUE1 (Fragmento) Alves Redol

ALVES REDOL [Vila Franca de Xira, 1911 – Lisboa, 1969]1 Vida Ribatejana.

Carrazeda, 19. – Ontem, ao

-

Notícias Ilustrado Gaibéus, que

-

vozearia e ao toque de um clarim,

Ciclo Port-Wine sobre o Douro que Horizonte Cerrado (1949); Os Homens e as Sombras Vindima de Sangue -

1


... dirigiu-se ao Tua e ... invadiu a estação de caminho de ferro ...

Estação de Foz Tua, vista das curvas da estrada entre a ponte rodoviária de Foz Tua e Carrazeda de Ansiães. Dezembro de 2010, Nikon D90, 18 mm, original a cores.


2.12 O BALOIÇO

ALFREDO GUISADO [ Lisboa, 1891- 1975]

-

Num constante desatino.

-

Alfredo Guisado1 - A Lenda do Rei Boneco / Líricas Portuguesas - 2.ª Série (edição de Cabral do Nascimento)

Rimas da Noite e da Tristeza; Tempo de Orfeu; A Pastora e o Lobo anil; As Treze Baladas das Mãos Frias; Mais Alto; Ânfora; A Lenda do Rei Boneco; Xente de Aldeã.

1


ANTÓNIO CABRAL

1

-

-

Fundou em Vila Real as revistas Setentrião (1962) e Tellus

Nordeste Cultural

-


azul que vai subindo e transborda como um cravo.

do ovo que a noite vimes inclementes.

4. Rasante, aqui tudo ĂŠ rasante,


Os barqueiros sentavam-se nas inclementes noites

- diz-se.


tocam,

do seu arco em voo rasante.

(António Cabral) 1 1 António Cabral – Antologia dos Poemas Durienses.


E ao longo da ponte, debruçada sobre o rio ...

Ponte ferroviária, linha do Douro, na confluência dos rios Tua e Douro, próximo da estação de Foz Tua (que fica para a direita). Maio de 2011, Nikon D90, 92 mm, original a cores.


Aqui é o lugar onde se chega para partir.

Plataforma da estação de Foz Tua, linha do Douro: relógio e lanterna. Dezembro de 2010, Nikon D90, 62 mm.


Rio Douro, próximo de Foz Tua, direcção para montante. As fragas em primeiro plano, à direita, são na margem esquerda do rio. No rio, um dos modernos barcos hotel, a subir na direcção do Pocinho. Maio de 2011, Nikon D90, 105 mm, original a cores.


... lua cheia, redonda.

Céu enevoado de uma noite de inverno, próximo de Carrazeda de Ansiães. Fevereiro de 2012, Nikon D90, 105 mm, sem tripé, original a cores.


Uma viola 茅 quase em tudo semelhante a uma papoila.

Papoilas no vale do Tua, encostas pr贸ximas de S. Mamede de Riba Tua, margem direita do rio.


... A luz e a água falam uma com a outra, jogo de espelhos ...

Leito do rio Tua, entre penedos e fragas, próximo da estação de Castanheiro do Norte, ao fim de um dia de Verão. As árvores situam-se na margem direita do rio.


(Ant贸nio Cabral)1 1


(Ant贸nio Cabral)1

1


... um palacete, a habitação dos caseiros, ...

Quinta do Smith, Foz Tua. Num primeiro nível vê-se a linha do Douro. No nível superior vê-se a estrada de Foz Tua para Carrazeda. Num plano acima vê-se a casa da quinta, com a habitação dos caseiros ao lado direito. Da janela central da casa tem-se uma vista única sobre o vale do Douro e a confluência dos rios Tua e Douro (ver foto seguinte). Maio de 2011, Nikon D90, 105 mm, original a cores.


... assiste da janela a uma cargação …

Vista da janela da sala principal da casa da Quinta dos Ingleses: a ponte ferroviária (linha do Douro), a estrada de Foz Tua para Carrazeda, o rio Douro, e num primeiro plano aa confluência dos rios Tua e Douro.


a acordar sobressaltos na blusa. connosco. À esquerda,

(…)

(…)

Aqui termina, é verdade,

(António Cabral)1

(António Cabral)2

1

2


... a curva do violão, a cavaleiro do Tua …

Linha do Tua em primeiro plano, ao lado da estrada entre a ponte rodoviária sobre o rio Tua e a estação de Foz Tua. O rio Tua (não visível) corre entre a estrada (na margem esquerda do rio Tua) e a margem direita, em plano de fundo. A ponte rodoviária fica á direita, a seguir à curva. A linha do Tua segue, à direita, no sentido ascendente, para o viaduto das Prezas. Março de 2011, Nikon D90, 48 mm, original a cores.


De Graça Morais os quadros …

A pintora Graça Morais diante de um dos seus quadros da colecção permanente do Museu de Arte Contemporânea, em Bragança. A pintora é natural do vale do Tua e habitualmente vive parte do ano em Freixiel, concelho de Vila Flor. A sua obra foi sempre muito influenciada pela vida no vale do Tua. Agosto de 2008, Sony DSC-T5


2.14 VIAS E PONTES …. LINHA DO TUA Sant’Anna Dionísio

SANT’ANNA DIONÍSIO [Porto, 1902 – 1991]1 -

-

ciano onde ambos éramos code “A Águia : revista quinzenal ilustrada de literatura e crítica” Apontamentos (Cultura e Politica) Leonardo Coimbra Pensamento de Raul Proença (1949); Alto Douro Ignoto Ares de Trás-os-Montes (1977), etc.

(…) -


* -

-

-


por simpatia simpatizar por instantes cheirar à distância

1

(…)

Sant’anna Dionísio2

1

2 Ares de Trás-os.Montes


Estrada de Alij贸 para Foz Tua, passando por S. Mamede de Riba Tua. Ao fundo, as cumeadas de S. Jo茫o da Pesqueira. Dezembro de 2005, Sony DSC-T5


A ponte, que finalmente uniu os concelhos de Alij贸 e de Carrazeda de Ansi茫es, na zona do baixo Tua, foi inaugurada pelo general Oscar Carmona, em 1942. Dezembro de 2005, Sony DSC-T5.


“LINHA DO TUA1

s.2 terminus

altitude.

1 2

terminus,


esq. brio Farpas “ Para se fazer uma viagem ao Bragançano ano pouco remoto de 1903 escolhia-se o Verão, seguia-se pela linha férrea do Douro, fazia-se um transbordo na estação do Tua e subia-se pela via reduzida, aberta na margem esquerda deste rio. Pelo arrostar ofegante e moroso do comboio através da penedia britada a golpes de dinamite sobre a corrente coleante, profunda e torva, chegava-se a Mirandela ao cair da tarde. Aqui jantava-se na mais reputada hospedaria de Trás-os-Montes, a do Zé Maria, que presidia pessoalmente silencioso perscrutar, se familiarizavam lentamente, compelidos pela violenta resignação e camaradagem

até aos pináculos da imperial onde se confundiam com a massa das bagagens que alastravam pelo tejadilho. se e, oscilando, desaparecia na treva. Passadas as onze horas arribava a Macedo para preencher as lacunas do que havia alijado no trajecto, deixando o excedente de malas e viajantes à espera de lugar e vez para


a noite imediata. Depois, de novo abalava para de novo poisar, já noite alta, num lugarejo com a sua taberninha de interior denegrido, que uma luzerna de azeite alumiava, e onde um vulto feminino distribuía vinho, aguardente e aniz aos intrusos que desciam a desentorpecer-se. despontavam timidamente os primeiros alvores do dia. Então, entreabriam-se os olhos, bocejava-se e respirava-se a plenos haustos na pureza virginal da manhã. A paisagem, ainda adormecida, oferecia-se na monotonia dos pastios e das terras ceifadas, cobertas do restolhiço dos trigais e centeios e rindo-se apenas de vez em quando no alegre verdejar de um retalho de vinha; nos campos a amanhar, viam-se os rebanhos acocorados na clausura das cancelas junto dos carros de leito fechado com toldo onde se acoitavam os pastores. O sol entretanto explodia no horizonte dourando os cimos envolventes; ao longe divisava-se o casario; dentro em pouco transpunha-se uma corrente – a do Fervença – serpeando entre hortejos e árvores A traquitana parava solene ao meio da rua, depois de ter despertado os habitantes que acudiam às portas e janelas ou esburacavam os caixilhos com as cabeças desgrenhadas, para pasmarem com as carantonhas de quem acorda em sobressalto, da intrepidez dos viajeiros.

(Sant’anna Dionísio)


É particularmente impressionante o trecho das chamadas Fragas Más.

O conjunto das Fragas Más é formado por dois túneis intercalados por um viaduto. Foz Tua fica para a direita. Quem vem daí, no sentido ascendente da linha, encontra um primeiro túnel em curva para a direita, precisamente na linha de separação das duas encostas. Poucos metros depois deste túnel aparece um viaduto que tradicionalmente deixava os passageiros “suspensos” sobre o desfiladeiro, a que se segue um segundo túnel. A linha do Tua segue aqui uma linha de nível paralela ao leito do rio Tua. Vista do cimo da margem direita do rio Tua, próximo de Safres, na estrada entre Amieiro e São Mamede de Riba Tua.


Defronte, ao cimo, situa-se a aldeia vinhateira de Nagoselo.

Nagoselo fica na margem esquerda do rio Douro, Em baixo a praia fluvial tambÊm chamada praia de Nagoselo, embora a povoação fique no cima da encosta, encoberta pelas nuvens. Dezembro de 2005, Sony DSC-T5.


GARGANTAS DO TUA1

1

Alto Douro Ignoto.


esquecendo-se

ilustrador do Inferno.


Quintos.

mam么as.

twice-born man


Ferrado, de Abreiro. escalvado serro.

monte do Faro,

(Sant’anna Dionísio)


... o longo viaduto, mais idoso e misto, de pilares de granito e tabuleiro metĂĄlico, de vigas encanastradas, ...

Viaduto das Prezas e entrada do tĂşnel das Prezas, visto da outra margem do rio, da estrada que chega a Foz Tua, vinda de S. Mamede de Riba Tua e de AlijĂł. Dezembro de 2010, Nikon D90, 105 mm, original a cores.


Vista da linha do Tua, pr贸ximo do viaduto das Prezas. O rio Tua passa por baixo da ponte. O rebanho vai da margem esquerda para a direita do rio Tua. Mar莽o de 2011, Nikon D90, 45 mm.


É ver, por exemplo, este pedaço de muro de suporte, que parece uma verdadeira varanda do Diabo ...

O nome popular desta trincheira da linha do Tua é “púlpito do diabo”, entre as estações de Santa Lúzia e São Lourenço. Dezembro de 2011, Nikon D90, 18mm, original a cores.


A via férrea continua na sua audaciosa cornija, assente em consecutivos muros de suporte ...

Muros de suporte na linha do Tua, troço entre as estações de Castanheiro do Norte e São Lourenço.


... situa-se, no alto, a velha aldeia alcandorada de Tralhariz ...

O rio Tua segue no vale a seguir à aldeia. A aldeia fica quase “por cima” de Foz Tua, a uma altitude superior, cerca de 400 a 500 metros acima, e oferece uma das vistas mais espectaculares do Alto Douro. A confluência dos rios, e a ponte ferroviária sobre o Douro, assim como a construção da barragem, são visíveis do extremo da povoação.


Descobre-se, ao cimo, o casario vetusto e confuso de São Mamede do Tua, ...

Imagem da povoação, vista da fase inicial da linha do Tua, entre o túnel das Prezas e a estação de Tralhariz. Março de 2011, Nikon D90, 105 mm, original a cores


O túnel das Falcoeiras fica entre as Fragas Más e a ponte de Paradela, antes da estação de Santa Luzia, no sentido ascendente. Março de 2011, Nikon D90, 105 mm, original a cores


A capelinha da Senhora da Cunha, num cerro próximo da povoação de Santa Eugénia, e da antiga vila de Carlão, é um ponto de referência para todo o Alto Douro, quer vista do vale do Douro como do vale do Tua. Neste caso, visto ao fim do dia na aldeia de Lavandeira, próximo de Pombal de Ansiães.


... na margem oposta, num recôncavo, um poviléu empoleirado. É a aldeia do Amieiro.

Imagem tirada da linha do Tua, entre as estações de Castanheiro do Norte e de Santa Luzia. Amieiro fica na margem direita do rio Tua, e a estação de Santa Luzia fica na margem oposta. Para servir a aldeia, foi construído a conhecida cadeirinha de “vai e vem” entre as duas margens, depois da ponte sobre o rio ter sido destruída numa cheia no início da década de 90. Março de 2011, Nikon D90, 58 mm.


O Tinhela é um afluente do rio Tua, que passa pelas termas de Carlão e desagua perto da ponte rodoviária da Brunheda, por entre fraguedos. Numa manhã de inverno, ainda com restos de neve nas fragas. Dezembro de 2012, Sony DSC-T5.


... A velha ponte de pedra (medieva, mas porventura de raiz romana), de que ainda restam dois peg천es escalavrados ...

Imagem tirada da margem esquerda do rio Tua, vendo-se os dois pont천es e ainda restos do caminho empedrado de acesso.


... Abreiro. A povoação, antiga e recolhida, ...

Rua interior da povoação de Abreiro, onde se misturam materiais e técnicas de construção de diferentes períodos.


Noutros tempos aqui passava uma das vias secundárias, romanas, que serviam esta zona planáltica e desafogada ...

Antigo caminho empedrado de acesso à antiga ponte do Diabo, sobre o rio Tua, na margem direita do rio Tua. Na margem oposta corre a linha do Tua, entre a estação do Abreiro e na proximidade de Vilas Boas.


Imagem tirada da margem direita do rio Tua. Na margem oposta, e por debaixo da ponte, vê-se a estação de Abreiro.


De novo entramos num trecho de desolação. Nem árvores, nem casas.

Trecho de linha do Tua pouco depois da zona da ponte do diabo, entre as estações de Abreiro e Ribeirinha.


Um pequeno oásis! E ver este belo açude com um renque de choupos e um risonho valeiro, humedecido e fecundo …

Açude no rio Tua, na zona de Ribeirinha, próxima da estação, junto da praia fluvial. Maio de 2011, Nikon D90, 105 mm.


2.15 [JORNADAS PELO TUA]

ANTERO DE FIGUEIREDO

(Antero de Figueiredo1)

-

1

Jornadas em Portugal Cem Anos de Caminho de Ferro na Literatura Portuguesa


[TUA]

CARLOS SANTOS [Porto]

-

-

(Carlos Santos)2

2


... que uma ponte de ferro liga à outra margem ...

Ponte ferroviária, linha do Douro, sobre a confluência dos rios Tua e Douro. Imagem a partir do caminho ribeirinho que contorna a povoação antiga de Foz Tua, e que passa por baixo da ponte. Dezembro de 2010, Nikon D90, 105 mm, original a cores.


VERGÍLIO ALBERTO VIEIRA [Amares / Braga 1950]

OS ANOS DE NINGUÉM [excerto]1 (…) “ 2. -

-

-

-

1

Chão de Víboras.


ĂŠ curto, tem um modo arrevesado de estar no mundo.


(VergĂ­lio Alberto Vieira)


Descompor a Companhia na pessoa de algum funcionário, mas não vejo ninguém ...

Imagem da plataforma de via estreita da estação de Foz Tua, terminus da linha do Tua. Na plataforma oposta (do outro lado da estação) fica a plataforma de via larga, que serve a linha do Douro. Dezembro de 2010, Nikon D90, 45 mm, original a cores.


traz emigrantes, traz emigrantes MÁRIO CONTUMÉLIAS

velhos soldados e estudantes faz pouca terra a noite encerra

Jornalista, no Século e Diário de Notícias, sociólogo, escritor e poeta, foi professor na área de Ciências Sociais em que é doutorado e investigador. Fundou e dirigiu empresas de comunicação e escreveu numerosas letras de canções, algumas Canção. É autor de várias obras publicadas desde 1985 até hoje. ria deste concurso, com a canção O Comboio do participantes neste certame.

lenços bordados roupas de cama brincam crianças soltas na rua por entre as pedras no meio da lama os namorados levam um beijo antigo sonho dormir na rua sofrida infância sempre desejo trás viajantes, trás viajantes e o rio à espera espelho da lua leva saudades dos emigrantes o luar enche a charrua de sol a sol tal como dantes leva saudades dos emigrantes o luar enche a charrua de sol a sol tal como dantes


... olha o comb贸io que sobe o tua ...


... e o rio Ă espera espelho da lua ...


ANTÓNIO CRAVO

vo, este escritor transmontano descendente de famílias do no associativismo da comunidade portuguesa radicada na região francesa em que vive, sendo colaborador assíduo de jornais de língua portuguesa aí editados e ainda dando aulas aos nossos emigrantes aí radicados. É licenciado em Sociologia pela “École des Hautes Étu-

- Ó rapazes, puxai essa vagoneta que está sobre aqueles carris para a alinharmos aqui com esta velha locomotiva. peças juntas, distintas uma da outra, mas concorrentes no mesmo bem social das populações transmontanas. outro, mas todos certinhos como faziam as equipas dos distritos ou dos “partidos” que era assim que se chamavam as secções de conservação

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as ferramentas que se usavam, quando aquelas equipas conservavam a merendeiras de lata e de zinco que uns e outros usavam, para transportar as refeições do meio-dia e ide colocá-las também dentro da vagoneta, para dar a aparência que vão para o trabalho como dantes

É autor de considerável obra literária em que se contam

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- Depois fechai a porta, porque ainda não temos pessoal permanente para Alto Durienses, Cidade Berço.

Dicionário dos mais ilustres Trasmontanos e Editora

1 BRIGANTIA. REVISTA DE CULTURA


receber os visitantes deste museu. No meio da escuridão, lá dentro, depois que a porta se fechou, uma velha locomotiva que ali se encontrava, há vinte anos. cumprimentou a recém chegada e começaram a recordar os seus tempos da vida ativa o ferro-velho. visitadas. Já não somos bem, bem, os ferros velhos, depois que se lembraram fazer deste barracão um museu. Somos como eles dizem, objetos museológicos. então que nos limpem, nos lavem e nos dêem a conhecer o que fomos na nossa vida activa. - Que queres que eu diga, sentir-me aqui fechada entre quatro paredes que neste espaço escuro, mais me

os humanos, não me toca só a mim. Eu imaginava-te a coabitares ainda com a minha irmã mais nova. nos Eu encontrei o teu trabalho duma utilidade primordial, tanto para mim que me sentia, à vontade, nas minhas cinquentenas correrias, como para a minha irmã Diesel com mais razão ainda, pois corre mais que eu com a pos de ervas, silvas e arbustos. Era um prazer rodar por aquela linha tão bem tratada e tão bem conservada. - Sim, tens razão, porque eu estava lá só para cuidar dela com os meus homens. Eu nasci para a sua conserxada pela força dos braços dos meus homens ou pela linha abaixo, guiada pelo capataz com a mão na minha alavanca, apertando-me contra as rodas, andando só como ele queria.


Quantas vezes te invejei, quando te via correr garbosamente pelos carris da nossa linha, limpos e escarolados, a cantares o pouca-terra, pouca-terra e às vezes piares mais alto que os homens ou que as aves do céu. envolta na tua cabeleira morena, como as moiras encantadas ou na tua cabeleira branca como as nuvens do -

Essas populações também sabiam receber. Desde os lugares às aldeias, desde as vilas às cidades que atravessava, elas estoiravam de hospitalidade, nas recepções que nos davam por aqueles apeadeiros ou estações Conheci-as bem durante umas cinco ou seis décadas que não cessava de contactar todos os dias. Nos lugares, onde parava, vi aquelas gentes transmontanas chorarem o adeus dum familiar que partia para o

tombavam no chão pesados pelas lágrimas de uma eterna despedida. Naquele tempo, os que partiam para outros continentes, era pouca a esperança de os voltar a ver. E quando observo toda esta atmosfera em ti, pareces exprimires-te também à transmontana.

para os que «andavam a comer».

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com eles e como eles, tivesse bebido o encanto sublime da sua natureza e descoberto naquela gente, uma forma bem transmontana da alegria de viver, individualmente e por vezes em grupos. - É verdade, boa amiga. Eu também pude apreciar o coração da gente transmontana, a expressão cambiante da sua alma fervorosa, a alegria transbordante no seu lazer. Quando puxava, puxava, no meu pouca-terra, pouca-terra as «camaradas de segadores” com canções na garganta e as «seitouras» a brilharem, terra quente abaixo ou terra quente quem vende» e “o cá se vende” e embrulhavam aquelas comunicações com um molete de trigo, uma sardinha frita

arraiais e no regresso a abarrotarem pelas janelas das minhas asas, como as cabeças dos pintainhos sob as galinhas. E com um certo orgulho de locomotiva portuguesa, arrastei comigo também centenas de soldados transmontanos que se E para voltar ao teu espaço de vida quotidiana, minha amiga vagoneta, também sentia prazer ouvir cantar os inverdos «segadores». aproximando-as cada vez mais umas das outras. hoje, os homens das contas atiraram-me para aqui abandonada. -


Os homens das contas despoetizam a vida como dizem alguns existencialistas. Os homens das contas abriram as portas à avidez dos seus acólitos, permitindo-lhe substituir-nos por táxis e carreiras, que uma vez sozinhos a dominar os transportes transmontanos, sacudirão quase à força as saquitas dos tostões, das coroas, dos centavos, dos escudos e até dos contos das populações que eu transportava economicamente por

penso que o patrão grande deste país, obrigava o nosso patrão a pagar-lhe a mim e aos meus homens, para nistas e os outros a pagarem para a conservação das suas estradas. Quando penso nisto penso que o patrão grande favorece uns e desfavorece os outros. Então, que assegure a conservação de linhas e estradas totalchefe de família, poder bem servir os que precisam de andar de camioneta ou de comboio e mesmo os que contas. fazes lembrar outra coisa. O mesmo grande patrão também tem dispensado rios de dinheiro que vem do contribuinte de todos os lados com as necessidades da maior parte daqueles contribuintes. Quantas vezes aplicado mais para o prestígio dos -

à outra, diariamente, por isso tiveste oportunidade de aprenderes muito e de falares melhor. Eu só conheci a toda a minha vida quotidiana sempre no mesmo «distrito» mais ou menos limitado entre Castelãos e Sendas.


evidente, quanto se nota a degradação, em que deixaram cair a nossa linha que poderá ser a causa de graves desastres que só o grande patrão lerá toda a responsabilidade. nossos carris. Depois os homens das contas dar-lhe-ão o golpe fatal, num puro desprezo pelos direitos das populações locais que durante um século, servimos com prazer, economicamente e em segurança. - Eu não sei como ainda não houve descarrilamentos mais graves e até mortes, provenientes daquele total

mação dos comboios pioneiros da nossa linha que todos se tornarão esquecidos, perante a irresponsável indiferença dos homens das contas. «partido». - Sim, sim. Durante os primeiros ensaios pelos carris fora, ainda vi grupos de homens com pás e picaretas na era o prémio do seu trabalho. - Era esse o objectivo da sua pá ou da sua picareta e como tinham chegado à sua meta. sentiam-se felizes, o que é normal. Contudo, outros houve que não tiveram a mesma sorte de te ver. Nos episódios trágicos que observei e que eu própria provoquei, houve sustos, houve feridos e até mortos -


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pedi a um boieiro que passou por ali, que me desapertasse as correias dos sapatos para os poder largar e Salselas, hoje, completamente ao abandono. do fenómeno físico do plano inclinado, se vínhamos linha abaixo. - Então continua. - Desatadas as correias pelo boieiro que é uma forma de falar ou então, melhor dizendo, retirada a porca da minha «galga», sem que ninguém se tivesse apercebido, podia-me sentir livre a qualquer momento da alavanca do capataz que tratava a minha velocidade. quando descêssemos a linha. ram-se no meu dorso, onde melhor se puderam instalar, no meio das travavas velhas, dos parafusos e ferramentas e algumas merendeiras de zinco. -E depois, continua - Depois, um dos meus homens sentado à beirinha de mim, perto do capataz que se sentou ao lado da alavanagarrando-se bem a mim como faziam sempre e eu comecei a rodar. mal e a carga humana seguia-me tranquilamente como era habitual. meu caminho, a minha velocidade começava a sair do que era hábito em mim. Eu comecei a sentir-me mais dade começava a dar-me patas como um cavalo desenfreado, rodas como tu e mesmo asas como o milhafre, quando ataca a pomba descuidada À medida que ia aumentando aquele transe velocípede, o capataz tentava acalmar-me com gestos carinhosos


frouxas e os sapatos prontos a saltar. ça, quando ganhava rodas cada vez mais desenfreadamente. que sonhava numa velocidade cada vez maior. -

minar o medo e saltou mortalmente para terra, no meio daquela velocidade. O chefe do grupo gritava para que ninguém mais saltasse. Outros iam mudos como o silêncio e eu corria, corria como uma doidinha. O medo apoderou-se completamente dos homens. Os gritos ecoavam por todas as bocas e os camponeses e

agora em voar como os aviões. O capataz quando me viu naquela loucura e sem forças para me dominar, disse para todos que era melhor pensar nas respectivas famílias e «rezar o acto de contrição». alheia ou aleando-me à atmosfera que pairava em cima de mim. perigo geral, porque a um dado momento eu já não rodava. Dava solavancos. Ora me inclinava para um lado minhas rodas da direita se levantaram dos carris e depois as do lado esquerdo, faziam o mesmo. Em cima de mim. os materiais e os humanos balançavam também ora para um lado, ora para o outro, quase tudo mis-


de Castelãos. nos desviassem para a beira da estação, pela pequena via que serve os vossos cruzamentos que ali fazeis habitualmente, como sabes. - Se sei. Quantas vezes ali entrei por aquelas agulhas, à espera da outra colega, que vinha em sentido con-

macabra continuava a ganhar velocidade e as agulhas estavam cada vez mais perto. bom sentido... Os humanos estavam salvos. começar uma outra marcha, mas agora no sentido da retaguarda. Quando a minha velocidade se reduziu quase a zero, os homens saltaram sem nenhum perigo e com a força dos seus braços ampararam-me e dominaram completamente a minha loucura Entretanto. um dos homens foi pedir socorro à estação, mas o chefe, o carregador e alguns populares vinham ao nosso encontro. porem dos nervos e seguimos depois para a minha casa como habitualmente. —Calemo-nos.


... essa vagoneta que estรก sobre aqueles carris ...


... para a alinharmos aqui com esta velha locomotiva.


... sempre no mesmo “distrito” mais ou menos limitado entre Castelãos e Sendas.


... cairia da ponte ao rio Azibo ...


... avistava-se já a estação do Azibo.


A. M. PIRES CABRAL

ganizador das Jornadas Camilianas e de outros eventos culturais e literários. Escritor, publicou dezenas de títulos de poesia, teatro, romance, conto, ensaio e crónica que tratam essencialdos com diversos prémios. Das suas obras destacam-se por exemplo Algures a Nordeste Solo Arável O Saco de Nozes O Diabo Veio ao Enterro Memórias de Caça Crónica da Casa Ardida Raquel e o Guerreiro Os Arredores do Paraíso O Diário de C* Sancirilo Vilar Frio Portugal Terra Fria Artes Marginais

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O Livro dos Lugares e Outros Poemas Vila Real: Um Olhar Muito de Dentro Douro Leituras tos, edição de autor.

um país que realmente apostasse no turismo não desperdiçaria tão ingloantiquíssima do santo preside às abluções colectivas, dando-lhes qual-

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- Carrazeda de Ansiães.


mais belas do mundo e, apesar disso, parece igualmente destinada à desactivação total, porque não responde

as águas turvas e em turbilhões, um rio de que se adivinhava o mau navegar na revolta de quem acha que

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Pequenas aldeias penduradas sobre o rio, como S Lourenรงo, a das รกguas termais, ..., ganham por vezes um ar de cascata que fascina.


Correndo, e ate à foz

Se os salgueiros chorassem, como diz a gesta, meu amor, o povo chorariam. mas só a pulso alguém a poderá fazer subir de novo as águas quase mansas.

Que comboio é este que me leva entre sobressaltos e tumultos em visita ao miolo da noite - até ao seu mais fundo patamar onde a própria memória dos dias estagnou e já é só um charco de si mesma, e já não se ouvem rãs, mas choro e ranger de dentes. Que comboio é este, que viagem, que galáxia por destino.

a marca enorme do que passa devagar no sal e no fermento do destino terrestre de quem vive e morre ribeirinho.

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O Livro dos Lugares e outros poemas.

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Que comboio é este.


Se os salgueiros chorassem ...


Infunde, 贸 rio, a l铆quida dedada, a marca enorme do que passa devagar ...


Rio Tua, diz da tua


Que combóio é este, que viagem, que galáxia por destino.


Sapateando na noite, o comboio faz tã-tã

Um pedregulho na linha. falésias, abismos, referver de águas indisciplinadas.

entre desconfortos e perigo. Chuva, vento, negrume. diz que não consegue adormecer por causa do trape-trape das rodas nos carris. o comboio como quer. senão um silêncio aterrador. Nós é que lhe fazemos o ruído.

Na estreita faixa do meio, os carris são um pavor perpendicular. do lado de lá é o mesmo comboio e a viagem a mesma viagem na mesma direcção.

por onde avança, estouvado saltimbanco de olhos vendados, sem vara e sem cautelas, o comboio e nós dentro.

Só existe um comboio. Ou então não há transbordo que altere

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senĂŁo um silĂŞncio aterrador.


Um pedregulho na linha.


Na estreita faixa do meio os carris s達o um pavor perpendicular.


HELDER RODRIGUES Quando eu era menino tendo sido professor do ensino primário em várias loonde se encontra há anos radicado.

comprido e escuro a abarrotar de gente e coisas, eu parava fascinado a olhar o manso monstro e dizia para mim

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e ele respondia-me, respondia-me sempre através dos ventos, num silvo cavo e cansado, como se quisesse comprometer-se ainda mais com a minha fascinação. O meu sonho, o meu grande sonho de verdade, era um dia meter-me dentro dele para que me levasse sei lá para onde a acenar na janela aos mil mundos que eu não sabia.


Quando um dia me vi Diante do belo monstro de ferro e me instalei nas suas entranhas em forma de bancos de madeira amarelo-torrado mesmo mesmo a condizer com a minha fatiota, chorei. Chorei de espanto de alegria e de tudo, Num amplexo mudo e Ă­ntimo entre mim e o comboio. vomitando fumos e chinfrins ĂŠ que me lembrei com a cara suja

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A palavra na boca- poesia,

Concurso de Jogos Florais do


“Pouca terra pouca terra pr’a chegar a Mirandela”


O meu sonho ... era um dia meter-me dentro dele para que me levasse sei lรก para onde


Diante do belo monstro de ferro ...


... vomitando fumos e chinfrins ...


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Os cabelos desgrenhados e brancos, quase lhe cobriam os olhos e as orelhas nem se viam, tapadas com os mesmos e com as barbas que ali nasciam e lhe chegavam ao segundo botão da camisa. abriam e fechavam em simultâneo, como simultâneas eram as caretas. Esta agora, dizia o velho quando se descobriu ali espelhado. E desatou a rir, primeiro baixinho e incrédulo, depois gradativamente mais alto até chegar às gargalhadas sonoras que transportou para o interior da casa em direcção à lareira, onde pousou o molho de lenha para acender o lume. Das profundezas do bolso de fora do velho casaco tirou uma caixa de fósforos e do os dedos, um pouco trémulos, transportaram a pequena chama bruxuleante até à ponta do cigarro que logo brilhou na semi-obscuridade, à primeira fumaça que o velho puxou. Só depois, ainda com a pequena chama quase a extinguir-se no fósforo, chegou-o às giestas que içaram sob o molho de lenha e, como se houvera um milagre, as chamas começaram a crescer e a crepitar, até se transformarem em altas labaredas a iluminar e a aquecer o lar. rua nos pulmões. como se estivesse a espera do comboio que nunca mais chegaria, pois o iriam substituir por uma barcaça navegando sobre as águas paradas de uma barragem. Depois de olhar para os lados, olhou em rente para as águas do rio que ali corriam num sussurro, tranquilas e transparentes, entre pedregulhos e tiras de areia. Não, o comboio não mais passaria ali nem pararia à frente daquele triste apeadeiro que o tempo e o abandono de muitos anos quase tinham destruído. casa.” 2

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... o molho da lenha para acender o lume ...


... chegou-o Ă s giestas ...


... para um lado e outro dos carris ferrugentos, como se estivesse Ă espera do comboio que nunca mais chegaria ...


...daquele triste apeadeiro que o tempo e o abandono de muitos anos quase tinham destruĂ­do ...


sentia roncar do fundo de uma caverna. Que não se lembrasse agora de parar a longa caminhada. Estava ali sozinho, há mais de duas horas, no escuro da noite acabada de se instalar. Era a sala de espera de uma velha e pequena estação. da lua encavalitada no pico da escarpa que se erguia do lado de lá do rio, parecia querer enganá-lo e achava escuridão estender o seu xaile negro por aquele lugar ermo e frio. Cerrou mais a gola da samarra cinzenta à volta do pescoço. Não sentia os pés, frios como códo, colados olhar aguado, o beiço grosso pendente, trejeito triste como se sentisse ali a morte a germinar. Dentro de si, o velho sentia a noite ainda mais escura que a da rua que ele via mesmo à sua frente. Se apanegro comboio já tardava. Se calhar nem comboio havia. mastigação dos dias. Sempre a remoer memórias, mas há muito tempo que ele, o velho passageiro, perdera o futuro de ontem quanto mais o de amanhã. do não há o comboio das vinte e uma e quarenta e cinco. Esse só passa aos domingos, foi o que sempre lhe

Sentiu-se mais abafado. Com a manga da samarra limpou o nariz sujo de muco e sentiu pena dele próprio, impotente perante aquela triste e inexorável condenação.


Com o dorso alquebrado do esforço da tosse, grotesco e fraco, sacudido pelo arfar do peito roufenho, sententativa de adivinhar a luz ofuscante do pretenso comboio. estreito vale de fragas, o silêncio haveria de ser mais ensurdecedor nas paredes da salinha de espera do velho Não passava ali o comboio das vinte e uma e quarenta e cinco. Encolheu as pernas para enganar o estilete do frio. Sentiu-se molhado de um mijar sorrateiro e inconsciente, rompendo-se assim o sigilo do seu descomposto torpor. Entrelaçou as mãos como que para aparar a lágrima ao lado e caiu-lhe nos pés cruzados. Sentindo-se desfalecer, deixou-se tombar lentamente no banco comprido de madeira. Que sentido poderia ter a presumível bênção terrena daquele corpo mirrado e doente, daquele piedoso invólucro de água, sangue Deixou-se estar deitado. Encolhido sobre as tiras do banco de madeira, ainda ressonou um pouco, zangado

molhado e enregelado. Fechou de novo os olhos à realidade e ao tempo que pareciam querer enganá-lo. E Quando o comboio parou na gare numa chiadeira de travões e com um olho de luz matando a noite toda em volta, um funcionário desceu, acercou-se do corpo gelado, estendido sobre o banco de tiras de madeira e

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Era a sala de espera de uma velha e pequena estação ...


do toural, com o rapazito preso por uma mão, ambos a toque de caixa, pois o sino da igreja não tardaria a bater as oito da matina e o comboio partia sempre às oito e um quarto. e, por isso, se tornava mais difícil a corrida contra os tempos, o do relógio e do temporal que se abatia cruelEm chegando à passagem de nível, já fechada ao trânsito, atalhavam pela linha em direcção à gare, pois já Àquela hora da manhã, a estação abarrotava de passageiros, acompanhantes e mercadorias. É que, pratica-

no banco almofadado e verde da automotora das oito e um quarto. Estavam ambos como pitos, molhados da cabeça aos pés. O garoto, sete anitos acabados de fazer, frequentava o seu primeiro ano de escola com a própercorrendo depois, cerca de uma légua, subindo e descendo e subindo. -


Quando se apearam da motora, a chuva tinha acalmado e era agora uma morrinha fria que rompia do nevoeiO chefe, fardado a rigor, do alto do seu chapéu redondamente branco, condoeu-se daquela aparição matinal e quis que entrassem no espaço do edifício ocupado para sua residência, para se aquecerem na lareira da cozinha. -Ò senhora professora, é só um bocadinho para secarem ao menos a roupa, enquanto chamo o barqueiro.

de rachar que mordia, a coberto do nevoeiro cada vez mais denso.

corrente a enfurecer-se. choramingava agarrado à mãe.


lizaram para o meio do leito. O velho transpirava e praguejava ainda mais, num esforço titânico para fazer o velho, o barco e as águas enfurecidas. O nevoeiro, entretanto, resolvera regressar como querendo ser tesComo a professora já demorava, os alunos foram descendo do povoado ao rio, para ver se ela vinha de barco. Uma a uma, as crianças iam-se juntando na margem direita, e chamavam pela professora, pois apenas ouviam os barulhos difusos da corrente e do vareiro roçando no barco de madeira, enquanto subia e descia

Como estavam relativamente perto, as crianças conseguiram ver agora o que se passava no rio. Estavam elas aos pulos de contentes, quando repararam num enorme tronco que deslizava, rápida e perigosamente

Juntou-se logo o povo correndo em direcção ao local da tragédia. Já tocava o sino da igreja a rebate, quando alguns conseguiram vislumbrar o pequeno saco de lona com o

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As estaçþes que havia eram a de Vilarinho ...


... e da Ribeirinha, na margem esquerda.


... e ir a penates, passando a ponte e percorrendo depois cerca de uma lĂŠgua, subindo e descendo e subindo ...


... do edifĂ­cio ocupado para sua residĂŞncia ...


... perigosamente impelido pela forte corrente das รกguas ...


DANIEL CONDE

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cientemente ouvirão destas páginas, é uma história de valentia, sonhos inolvidáveis, e suor arrancado das veias da própria alma. -

pela organização e realização de debates e intervenções escritas, bem como pelo questionamento das opções pela qual se interessa desde muito jovem, ainda aluno criticamente sobre o processo de desativação da mesma e defende, em contrapartida, a implementação de um projeto turístico regional mas alargado em torno da

o ancestral das bestas verdadeiras. E chegou o dia em que se destinou que o cavalo de ferro viesse também galopar nas terras do distrito de Chamavam-lhe comboio, e muitos se insurgiram contra ele, uns porque lhe apetecia, outros porque era uma máquina assassina e perigosa, outros porque era uma afronta contra os céus. sas de que hoje até o próprio clero se ri com benevolência. O que é certo é que o comboio e a sua estrada de ferro vinham aí, lançados a partir do ganhou forma e apoiantes. caminho para se cair nas forjas do inferno. Foram feitos dois projectos,


santos pela vida. O trabalho aventureiro de construir a estrada de ferro atraía muitas vezes gentes de pouca de Outubro as obras arrancaram. Construir um caminho-de-ferro em terra plana e branda é uma coisa, e enquanto os trabalhos se passaram e a tudo isso a gente seguia com a indiferença de um lavrador ao que se passa em seu redor. Seja a levar o arado a direito pelo sulco, ou a carregar as travessas da via, o que de mais se passe no mundo não existe. Só era necessário prestar atenção às ordens de direcção da via, e a isso todos deviam olhar religiosamente.

o trabalho prosseguia... desde os tempos bíblicos se dizia que se não trabalhares, também não necessitas comer. E cedo os desacatos estalaram, em olhares raivosos, vívidos, de homens que tentavam roubar à calada, e não se submetiam a ordens imperiosas para que o comboio alguma vez pudesse ultrapassar aquelas penedias. O engenheiro da bichos do monte. Foi aí, nessa altura, que foi chamado um homem que ainda hoje respeito como a um mes-


e até o mais feroz lobo de barbas negras de entre os trabalhadores, ou fazia as malas e saía sem ai nem ui, ou

corda que passava numas roldanas, baixavam-me à altura da plataforma da via, acendia ao rastilho, e grita-

sem limites. Um passo em falso, e toda a gente rezaria um padre-nosso à hora do caldo pelo infeliz que se perdesse lá em baixo. nem o canto dos pássaros se atrevia a interpor-se ao silêncio ancestral dos fraguedos, e ao ribombar conscheiro macio a madeira das travessas, uns grelhados dalguma truta arrancada ao rio, contavam-se histórias,

seus heróis ali a construir a via-férrea, ou dali a semanas, com alguém da terra a comandar os passos caden-

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se valer por várias gerações. da construção da linha. E eram os adultos a rir com as peripécias de um ou outro dia de confraternização, -

das automotoras regiam um povo ao minuto, sem falhas. Cultivos cresceram, cereais embarcaram, tropas se foram, amores se tornaram possíveis, tudo graças ao pendular constante dos comboios pelas serras e vales -

que subiu este caminho de Santiago nessa data imemorial. E há gente que por ela luta, que dela reconhecem o esforço e apoio na construção de uma região melhor, que por ela saiu à rua numa noite de roubo não te-

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Construir um caminho de ferro em terra plana e branda ĂŠ uma coisa ...



... como bandeirantes nos penedos do Baixo Tua.


Sem um único casario à vista por semanas, além dos do Amieiro, ...


2. 21 BARRAGEM DO TUA / TERMAS DE S. LOURENÇO Rafaela Plácido RAFAELA PLÁCIDO É o pseudónimo de Gabriela Sá, transmontana, licenciada em Direito pela Universidade de Coimbra, funcionária administrativa no departamento de investigação criminal da Polícia Judiciária do Porto, que tem alimentado, há anos, com as suas histórias um fórum electrónico do Jornal de Notícias. A sua primeira obra editada “Cãodómino”, sai no Brasil pela editora “t.mais.oito”, no âmbito da 20ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Tem publicado sobretudo na Internet onde conta “dispersos mais de uma centena de contos, crónicas e outros textos” como a própria refere.1

1 Rafaela Plácido: Do fórum JN para os livros, disponível em: http:// www.jn.pt/paginainicial/interior.aspx?content_id=980772&page=-1, consultado em 5 de Fev. 2012

“A barragem do Tua vai começar a ser construída dentro de um ano. É a primeira das 10 previstas no Plano Nacional de Barragens. A prioridade anunciada, anteontem, pelo Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, não colheu de surpresa os cinco autarcas dos concelhos abrangidos pelo empreendimento hidroeléctrico, mas o de Mirandela não poupa nas críticas pois vê mais próxipiada do JN, talvez valha a pena perguntar aqui sobre o destino das Termas de S. Lourenço, de quem vou contar um fragmento de história: Nasceram quase a medo, escondidas no sopé de uma montanha abrupta, com águas medicinais sulforosas e quentes que, uns metros mais abaixo, desaguam no velho rio, agora o palco de mais uma barragem portuguesa, a construir dentro de um ano. No século passado, uns alemães quiseram explorá-las e torná-las num centro termal que bem poderia ter desenvolvido um pouco a zona. Não fazia mio, abundante na região. Mas, aqueles alemães termalistas esbarraram na inércia do poder político e no direito consuetudinário que atribuía o uso das águas às povoações vizinhas de Paradela e Pombal, já para não falar no próprio lugar baptizado de S. Lourenço, o mesmo santo incrustado na boca da fonte de onde jorra a água que cai num pequeno tanque, mais ou menos com dois metros de largura por 3 de comprimento. Sem mais. Disseram que não. Não era possível conciliar uma actividade que deveria nascer para ser lucrativa com uma tradição, quiçá oriunda da época das Ordenações Afonsinas, que permitia ao povo dos arredores ir a banhos gratuitos, pudessem embora ser banhos com horas marcadas e sem o dever de, depois de cada um se banhar dizer: obrigado, meus senhores!... e até um médico, o Dr. Morais, pretendeu montar lá uma clínica sobranceira à casa do tanque e de S. Lourenço. Mas, mais uma vez as forças da inércia


exerceram o seu direito de veto ao progresso do lugar e as termas por lá se quedaram, até o tempo mirrar a vida que um dia por lá houve. Nos últimos anos, as termas foram dadas à exploração nos meses de estio e o até que o nome do homem coincidia com o do santo, mas não levem isto muito a sério porque também posso ser eu a inventar... naquelas névoas brancas e eternas como as barbas do Pai-natal. Um dia perguntei-lhe o porquê do seu isolamento. Não sei se era um criminoso fugido à lei ou apenas uma criatura eremita que resolvera isolar-se inverter o seu curso para um sítio onde possam ter um outro tipo de bilhete de identidade e uma outra cidadania. O homem respondeu-me que aquele era o melhor sítio para se morar, ali no sopé da montanha e em plena harmonia com a natureza que, ao que sei, ele apenas poluía ligeiramente com o fumo e os gases de uma pequena motorizada que o levava, lugar acima, às aldeias e à sede do concelho já que, ao fundo, lá estava o rio intransponível e soberano... Não deve ser, digo eu também, com as bençãos de S. Lourenço e da sua imagem de granito incrustada no tanque dos banhos. Tanto mais que para santo padroeiro de umas águas e daquele lugar remoto, foi sempre um santo de segunda ou de terceira grandeza, como muitos dos lugares nascidos em Trás-os-Montes... Assim, S. Lourenço, no tempo de todas as greves e de todos os direitos, uma vez que sempre foste tão abandonado, é altura de fazeres o teu milagre maligno e secares a fonte que eu conheci quando tinha quatro anos. Já agora, peço-te que me perdoes o medo que me inspiravas, relevando os gritos e o meu choro com que te ensurdecia os ouvidos quando dizia à minha avó paterna: - ò vó!... Não quero... Esse santo é feio... Insisto que me desculpes a criancice. Agora, se deves ou não perdoar a quem te abandonou sem apelo nem agravo, isso é lá contigo!... quanto desejo, para ti e para as tuas águas nascidas no sopé de uma montanha íngreme com o Rio Tua a beijar-te os pés onde, dentro em breve, com um novo e amplo leito, tu próprio poderás banhar-te... Com amor” (Rafaela Plácido)1

1 Disponível em http://pensar-ansiaes.blogspot.com/2008_01_01_archive.html consultado em Julho 2011


O pequeno casario, hoje abandonado, ...

Povoação termal de São Lourenço. Na realidade há muitas décadas que ninguém habita de forma permanente na povoação. Mas nem todo o casaria está abandonado. A “casa amarela”, no plano superior, propriedade de um almirante, continua preservada. Os “quartos e cozinha” do “hostal” tradicional, à direita, ainda hoje são alugados nos meses de verão a clientes dos banhos no tanque tradicional - e têm sido objeto de benfeitorias nas ultimas décadas. O teto do tanque vê-se á esquerda, com uma cruz no topo, por baixo de uma casa em ruínas - por cima do novo balneário provisório instalado na última década pela Câmara Municipal de Carrazeda de Ansiães.


Diz ter nacionalidade chilena e chamar-se Jorge, mas é um nómada genuíno, e nunca se fixou verdadeiramente em São Lourenço embora durante uns tempos tenha usado a antiga “casa do baile” como atelier. Cultiva um estilo próprio, algo “naif”, com tintas de anilina sob suporte de rede fina, e com preferência por temas religiosos e místicos. Aliás ganhava, e presumo que continua a ganhar, a vida no restauro de igrejas e obras religiosas. A Câmara Municipal de Carrazeda de Ansiães promoveu uma exposição de obras da sua autoria, há alguns anos. Maio de 2010, Sony DSC-T5.


... quando as neblinas pendiam das copas dos pinheiros ...

Rio Tua, em São Lourenço (na margem esquerda, mas não visível), em tarde de névoa de inverno. Imagem tirada da estrada que liga Pombal de Ansiães a São Lourenço, na aproximação ao povoado.


Uma imagem alternativa do santo no tanque de banhos. Na realidade os detalhes da face do santo quase não estão definidas. O ambiente húmido, escuro, quente e fechado onde fica o tanque certamente que impressiona os mais susceptíveis - e não só as crianças ...


FRANCISCO JOSÉ VIEGAS [Vila Nova de Foz Côa Pocinho,

Francisco José Viegas1

1

Filho de professores do ensino primário, fez a escola primária na aldeia do Pocinho, Vila Nova de Foz Côa, Alto Douro, os estudos secundários em Chaves e licenciou-se em Letras/ Estudos Portugueses na Universidade Nova de Lisboa. Foi professor na Universidade de Évora (1983-1987), director da revista “Ler” do Círculo de Leitores e da revista “Grande Reportagem”, tendo dirigido em simultâneo uma revista literária e um jornal desportivo e participado em séries televisivas sobre divulgação cultural, literatura e viagens. Foi editor da revista “Oceanos” - editada pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses – tendo colaborado em muitos órgãos de comunicação social portugueses: na imprensa (O Jornal, Sete, Jornal de Notícias, Visão, Diário de Notícias, O Independente, Record), na televisão («Falatório», «Prazeres», «Primeira Página» e «Avenida Brasil», para a RTP), na rádio (TSF, Antena 1, RCL). Escritor, crítico literário e jornalista, é autor de crónicas jornalísticas que o tornaram conhecido do público, romances policiais, contos, teatro, poesia e textos de viagem. Entre outros títulos, publicou “ Comboios portugueses” (1988). Na sua obra, são recorrentes os temas do rio, as saudades da terra natal, os lugares a que se sente ligado por elos emocionais, a infância transmontana versus cosmopolitismo das grandes cidades, e a dimensão da religião e do ancestral. Viveu algum tempo no Brasil e foi Secretário de Estado da Cultura.

1 Ver mais em http://www.portaldaliteratura.com/autores. php?autor=44#ixzz1jjKBKMmm, e. “Centro de Documentação de Autores Portugueses” 09/2004, disponível em http://fjv-cronicas. de 2012.

“ (…) O comboio da Linha do Corgo, que fazia a ligação perfeita entre a pequena civilização do Douro (partia da Régua) e a então longínqua Chaves fronteiriça, demorava quatro horas de caminho no início dos tivas que já não eram deste tempo e carruagens que não deviam ser desta gente, porque a humilhava. A linha estreita do Sabor, que ia de Pocinho às portas de Miranda, em Duas Igrejas, mal suportava o peso e a agitação das velhas automotoras inglesas, azuis e vagarosas. E o comboio da Linha do Tua, partindo do Douro para Bragança, foi conhecendo a devassidão do deserto a partir da Vilariça, essa alastrando como uma mancha esbranquiçada onde nada foi crescendo, poucos foram vivendo, e quase ninguém foi passando senão nesse cerimonial da visitação à província e ao «reino maravilhoso». Tenho, por isso, saudades …dos pássaros da Senhora da Assunção, entre Vila Flor e Mirandela (andar de cavalo e saborear chupa-chupas?).(…) ”

1 Francisco Jose Viegas Trás-os-Montes, uma estrada no meio dos bosques, Homenagem a Manuel Hermínio Monteiro. “Expresso”- A escrita dos sítios.) Disponível em http://www.bragancanet.pt/vinhais/vslomba/ imprensa_4.htm


O santuário fica próximo de Vila Flor, num cimo que domina todo o planalto e zonas do alto Tua. Um conjunto de imagens de mármore complementam a igreja, com uma escadaria notável. A romaria (a 15 de Agosto) é uma das mais importantes do Norte de Portugal.


“O SONHO que era um projecto tornava-se em sonho, palpável e objectivo. gravada numa travessa um poema avulso, tudo se transforma numa vontade de preservar aquilo que, ultimamente, até porque a memória dos autores não perscruta tão longe assim, os sucessivos governantes (propositadamente com g minúsculo) tendem a fazer: fazer desaparecer o sorriso digno dos transmontanos em geral e dos habitantes dos concelhos directamente afectados pelo assassínio da linha do Tua em particular. Sem ter quem defenda a bondade da arrogância política, os que não têm voz e que pela força do isolamento acreditam em quem lhes atira umas palavras caras acompanhadas de fato e gravata, que se chamou domingueiro há idos, soçobram ao genocídio mudo, à devassidão moral de quem promete e nunca cumpriu. 1

1 (Disponível em http://www.almatua.com/#!vstc6=24, consultado em Outubro 2011)


“SINOPSE Tralhão vive num lugar moribundo, habita um local onde não correm os dias. A chegada de um comboio paisagens se convertem nos olhares de quem não vê. Cadente cai-lhe nos braços e no coração para beber os locais que nunca verá. À sua cegueira sucumbem os Com o carinho de quem se vê mundo no mundo, segura nos braços as memórias de quem foi, revendo na nadas que fazem o todo. Um par de carris que leva comboios prenhes de gente com pessoas dentro Um par de mãos que troca poemas Um par de olhos, cegos, que vê o silêncio Um par de poemas fotografados Sobre o rio, sob a linha Alma Tua. Sentado debaixo de um telhado invisível, pálida lembrança de um passado demasiado perto do olhar, mas profundamente longínquo de um futuro por percorrer, olhava para o céu como quem lia nuvens e tacteava o horizonte como quem escrevia dias.” 2

2 Ibidem


Apeadeiro do Tralhão, linha do Tua, sentido descendente. Este apeadeiro fica na base da Quinta do Tralhão, que continua a ser uma das mais importantes quintas do Tua, a cerca de um quilometro da estação de São Lourenço.


GRAZIELA VIEIRA

Poetisa transmontana é autora de vários poemas sobre diversos temas e localidades de Portugal.

“O COMBOIO DO TUA Anda no comboio da linha do Tua, Desfruta a paisagem, perto da janela, Doirada p’lo sol, banhada p’la lua, E as gigantes fragas que se fundem nela. Cavalo de ferro que rasga as montanhas, Relincha nos túneis que atravessam montes! Carrega no ventre fragrâncias estranhas, Da rara beleza que tem Trás-os-Montes. Ó comboio, és Fogoso a subir! Com o Tua aos pés A ver-te partir. Cruzas-te com outros Nas breves paragens, Renovam-se votos De boa viagem. Sente-se no peito fugaz calafrio: Cavalgando as serras, onde nasce a brisa! Parece que cai, mas não cai ao rio Que embeleza as terras, e as fertiliza. Fica mais um pouco naquela janela! E sente a pureza da mais linda imagem, Que Deus concebeu, para Mirandela.” (Graziela Vieira)1 1 Maio, 2001, Ourém; disponível emhttp://jornal.netbila.net/index.php?option=com_ content&view=article&id=1111:o-comboio-do-tua&catid=86:graziela-vieira&Itemid=62, consultado em Out. 2011.


Entrada do tĂşnel das Falcoeira, linha do Tua, visto da margem oposta, nas encostas baixas de S. Mameda de Riba Tua.


“TORNAR A AUMENTAR O COMBOIO1 (Uma crónica de ficção que supera a realidade) “As reiteradas e polémicas notícias sobre a construção do comboio de alta velocidade levou os alunos de uma turma do oitavo ano de uma escola do Nordeste Transmontano, situada na parte mais a sul do concelho de Bragança, a querer visitar um comboio, que só conheciam pelas imagens televisivas. (…) Na aula a seguir, foram lidos os textos escritos pelos alunos sobre as histórias que os pais lhes contaram a viagem deixou-o enjoado durante dias, ao ver todos os montes a andar para trás. se metia no comboio, na estação de Vale de Malho, com um cesto cheio de ovos, galos e coelhos, trazendo para os celeiros e compravam o adubo para a próxima sementeira. Também era no comboio que vinham as caixas das sardinhas, as caixas do bacalhau, o correio, a semente da batata e tudo o que era preciso na agricultura. Ela leu então: O meu pai disse-me que a primeira vez que andou de comboio foi quando ia para a tropa no Porto, tendo tido nesse dia um acidente, pois conheceu a minha mãe, de que nunca mais se viu livre, e a minha mãe respondeu que ainda estava a tempo de fazer a viagem ao contrário, pois quem descarrilou foi ele e não o comboio. acabaram, e era melhor que a escola nos ensinasse a semear batatas, nabos, abóboras e feijões, que é coisa que se vê e se come. antes era uma estação. Estava tudo abandonado, cheio de silvas ao redor e de garrafas vazias e seringas por dentro. A casa até era boa e já tinha casa de banho das que se usavam antigamente. Agora não serve para nada. francês, mas teve de comprar um carro, porque já não havia comboio do Tua para a Espanha. A seguir, a professora aproveitou a oportunidade para sublinhar a importância do caminho-de-ferro na comunicação entre cidades, regiões e povos, no transporte de pessoas e mercadorias e em viagens de turismo, além de informar que, historicamente, é o mais antigo e mais usado meio de transporte moderno. Também disse que, infelizmente, era verdade que em Trás-os-Montes já tinha havido comboios e que as linhas tinham sido encerradas por governos que os transmontanos ajudaram a escolher. 1 “Palmeira: Revista dos alunos redentoristas”, Dezº 2010


1

Alex Liddell ALEX LIDDELL

tivamente na Universidade de St. Andrews e na Universidade de Reading, que sempre se interessou, por vinhos licorosos como o Vinho do Porto e o Vinho da Madeira, sendo desde 1987 consultor no domínio dos investimentos em vinhos. Tendo vivido no Douro, cujas histórias e tradições, quintas, famílias e casas exportadoras, conhece bem, o livro “Douro: As Quintas do Vinho do Porto”, cuja 2ª edição, versão portuguesa, tradução de Isabel Motta é da responsabilidade da Quetzal Editores Lisboa /95.

“ (…) Atravessando a ponte sobre o rio Tua vamos dar à Quinta do Tua, que pertence à Cockburn Smithes & Ca., Lda.2 Quinta do Tua A Quinta do Tua está situada na margem oriental da foz da Tua, virada a oeste para alguns dos patamares da Quinta dos Malvedos, da Graham, e a sul para a quinta dos Aciprestes. Englobando desde 1973 a Quinta entre os rios e estende-se para montante, ocupando juntamente com a Chousa um outro monte. A leste faz fronteira com a Quinta do Zimbro. Na altura da demarcação pombalina, a zona à volta da foz do rio Tua era basicamente uma zona de pequenas vinhas. Uma delas chamada Eira do temos de avançar um século e irmos até 1867, altura em que, segundo apurámos, D. Antónia comprava vinho no Tua. Quatro anos mais tarde, no dia 21 de Agosto, comprou um armazém e vinhas na mesma zona, a Nicolau de Almeida. Curiosamente, tendo em vista o que se passou depois, os apontamentos de D. Antónia também nos dizem que, em 1871, John T. Smithes prar toda a produção das suas principais quintas na próxima colheita. Os registos das produções dos anos subsequentes sugerem que as quintas de D. Antónia deviam ser bastante pequenas: uma só pipa, em 1875, embora chegasse às seis, em 1877. No ano seguinte, Francisco Torres, marido de D.Antónia, recebeu a seguinte carta, datada d 7 de Junho e enviada por Lopo Vaz:

1 . 2ª edição. Lisboa: Quetzal Editores, 1995, p. 129-131. 2 A Quinta do Tua e a Quinta dos Malvedos pertencem actualmente a família Symington.


barão de Roêda trouxe há alguns dias, porque disse que a grande maioria das vinhas, do Alto Corgo até ao Seguiu-se a mesma terrível história, com a produção a cair para meia pipa, em 1888, e para zero, em 1889. D. Antónia decidiu reduzir os prejuízos e vendeu a quinta a Cockburn nesse mesmo ano. Assim se explica o outro nome que por vezes é dado à quinta pelos naturais da região – Quinta dos Ingleses ( e até mesmo, A vizinha Quinta da Chousa, hoje parte integrante da Quinta do Tua estava no mesmo estado. Esta encontra-se assinalada no mapa de Forrester. Até 1890 pertencera à viscondessa de Ervedosa. Nunca chegara a recuperar do oídio, pois em meados da década de 1870 Vila Maior lamenta que “ a ultima vez que vimos esta propriedade esEm 1890, quando Francisco da Rocha Leão a comprou, as coisas ainda estavam pior. Os edifícios tinham sido deitados abaixo para a linha do caminho de ferro passar e as vinhas produziam apenas uma pipa de vinho. Mas Rocha Leão depressa construiu novos lagares e um armazém bastante grande, de onde partia uma estrada empedrada, até um chalé. A replantação começou em 1891 e em 20 anos a produção subiu para Monteiro clamasse, com arroubos de lirismo, que “ os seus produtos são dos mais selectos da terra duriense”. (…) diz-se que John Smithes comprou a Quinta do Tua, fundamentalmente para ter um quartel – general no Douro. Seja como for, mesmo que as vinhas não tivessem grande importância neste contexto foi empreendido um enorme esforço para as implantar. O bisavô do actual administrador da Quinta do Tua, Floriano Malheiro trabalhava como pedreiro para John Smithes e dirigiu a construção dos socalcos, feita por galegos em 1893. Os socalcos da Quinta do Tua são, sem dúvida, dos mais sólidos do Douro, tendo em média 1,5 m de espessura. Esta grossura dos muros deve-se, simplesmente a necessidade de retirar do terreno a enorme quantidade de 3 lheres, em cestos transportados a cabeça. (…) ” (Alex Liddell)

3 Tal quantidade de pedras poderá estar relacionada com a então recente construção da Linha do Tua, na sua 1ª fase de Foz Tua a Mirandela, em 1885-1886?!


Vinhas da atual Quinta do Tua, incluindo vinhas que eram da antiga Quinta da Chousa. Em baixo, à direita, as últimas casas da atual povoação de Foz Tua, e a linha do Douro, depois d estação de Foz Tua (sentido ascendente). Vê-se a estrada que vai de Foz Tua para Ribalonga, e daí sobe para Castanheiro do Norte.


Imagem dos socalcos, pr贸ximos da casa da quinta do Tua - socalcos antigos e estreitos.



3 CONSIDERAÇÕES FINAIS


C

Literária, duas perguntas se nos impõem, sem que tenhamos a pretensão de lhes responder. Para que serve, hoje em dia, a Literatura? O que pode ela de especial que outras manifestações do espírito humano não conseguem atingir? Muitas são as respostas possíveis, já que teratura, do seu poder e da sua imprescindibilidade. Não vamos porém, deter-nos nesses meandros longos e complexos pois não é este o momento próprio, nem o espaço adequado.

utilidade da Literatura e da Leitura, socorrendo-nos, mais uma vez de autores que são nesta matéria referência. O grande escritor italiano Ítalo Calvino pouco antes da sua morte, em 1985, escreveu nas suas …Seis Propostas para o próximo milénio: que há coisas, sei-o bem, que só a literatura pode oferecer pelos seus meios próprios.” E, inspirando-se nessa ideia, lembranos o professor francês A. Compaghon (2010:49): “A literatura é um exercício de pensa-

mento; a leitura uma experimentação de possíveis” Estas as duas lições, com tanto de simples como de profundo, que gostaríamos pudessem ser retiradas da leitura deste livro, repositório de textos literários, os mais diversos e com múltiplos usos, tantos quantos a nossa imaginação, necessidade e curiosidade forem capazes de criar. A literatura e as leituras que possamos fazer dela, ou através dela, não nos ensinam a andar, mas permitem-nos respirar! São, por isso, insubstituíveis.


ÍNDICE CLASSIFICADO 162 014 019 176 177 224 194 199 202 231 022 024 210 218 159 096 155 080 106 114 115

CONTOS O Drama da Linha do Tua… CRÓNICAS E FICÇÕES JORNALÍSTICAS Inauguração da Linha do Tua pela Família Real Uma Estátua ao “Dinamite”

Ficções O comboio das vinte e uma e quarenta e cinco

104 119 119 179 179 184 184 184 159 229

Tornar a aumentar o comboio CULTURA POPULAR (CANCIONEIRO, LENDAS…)

226 227

Lenda da Ponte do Diabo / Abreiro HISTÓRIAS Tua-Mirandela: 120 anos de história Barragem do Tua / Termas de S. Lourenço LETRAS DE CANÇÕES O Comboio do Tua MEMÓRIAS E FICÇÃO Não criei musgo… Os anos de ninguém POESIA Ode à Poesia Polyptoton do rio Douro ao passar no Tua A Quinta do Sr. Smith A Quinta do Sr. Smith

102 068 049

Memória de um outro rio

085 090 152 153 122 127 132 028 232

O baloiço Iniciámos o Dia Azulejos Rio Tua Que Comboio é este Ruído Transbordo E nós dentro O comboio do Tua O comboio do Tua PROSA POÉTICA O Sonho Sinopse ROMANCE Vindima de Sangue (fragmento) Sinais de Fogo (fragmento) Um Tiro na Bruma (fragmento) ROTEIROS E IMPRESSÕES DE VIAGENS Flash / Mécia de Sena

Vias e Pontes Linha do Tua Gargantas do Tua TESTEMUNHOS E DISPERSOS A Riba – Tua Quintas do Tua


ÍNDICE ONOMÁSTICO 19 106; 115; 116; 119 176; 177; 179; 184 22 49; 55 210 162 159 152 096 104 232 028; 048 218 102 188; 194; 199 122; 127 153 4; 5; 68 84; 85; 89; 90 2; 3; 7; 9; 76; 80 224 155

ANDRADE, António Júlio CABRAL, António CABRAL, A.M. Pires CANCIONEIRO POPULAR TRANSMONTANO E ALTO DURIENSE CARDOSO, Manuel CONDE, Daniel CRAVO, António CONTUMÉLIAS, Mário FIGUEIREDO, Antero de GIBBON, John GUISADO, Alfredo LIDDEL, Alex MONTEIRO, Manuel PLÁCIDO, Rafaela REDOL, Alves RODRIGUES, Helder SANT’ANNA DIONÍSIO SANTOS, Carlos SENA, Jorge de SENA, Mécia TORGA, Miguel VIEGAS, Francisco José VIEIRA, Vergílio Alberto

ÍNDICE DIDASCÁLICO 202 176 114 115 028 119 218 085 184 194 090 132 014 119 152 024 176 177 096 104 022 224 199 159

A cheia do Tua A Linha do Tua A Quinta do Sr. Smith A Quinta do Sr. Smith A Riba – Tua Azulejos Barragem do Tua/ Termas de S.Lourenço E nós dentro Ficções Flash/ Mécia de Sena Gargantas do Tua Inauguração da Linha do Tua pela Família Real Iniciámos o Dia Jornadas em Portugal Lenda da Ponte do Diabo / Abreiro Linha do Tua Memória de um outro rio Não criei musgo… (fragmento) O baloiço O comboio arrasta, arrasta O comboio da Linha do Tua O comboio das vinte e uma e quarenta e cinco O Comboio do Tua


229 162 226 155 080 155 106 179 232 179 184 068 227 231 184 153 210 049 019 122 102

O comboio do Tua O Drama da Linha do Tua… O Sonho Os anos de ninguém Ode a Poesia Os Anos de Ninguém (fragmento) Polypton do rio Douro ao passar no Tua Que Comboio é este Quintas do Tua Rio Tua Ruído Sinais de Fogo (fragmento) Sinopse Tornar a aumentar o comboio Transbordo Tua Tua-Mirandela: 120 anos de história Um Tiro na Bruma (fragmento) Uma Estátua ao “Dinamite” Vias e Pontes Vindima de Sangue (fragmento)


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