8 minute read

Confraria da Lampreia de Entre os Rios 5

Papuda

Os doces tradicionais de Conceição Magalhães eram confecionados com ovos frescos, farinha de padeiro e açúcar. “A massa da papuda é muito idêntica à do biscoito. É uma massa que tem de ser devidamente trabalhava, leva farinha de saco de padeiro e fermento de padeiro. Também dá da outra farinha, mas o sabor não é o mesmo. Primeiro faço um fermento, deito açúcar, canela, limão na farinha e trabalha-se tudo à mão”, manifestou, salientando que o fermento tem que ficar a levedar durante umas horas, dependendo do fermento que levar. “Depois de levedar verifica-se se a massa está fofinha, terminando com a pintura dos bolos e vai ao formo”, confessou, acrescentando que chegou a vender papudas pequenas, mas, também, papudas grandes, embora estas demorassem mais tempo a confecionar e as tradicionais cavacas. “Cheguei a cozer muitos quilos de farinha que dava para fazer muitas papudas. Comprava aos sacos de 50 quilos”, confessou. Sobre a forma de degustar esta iguaria, Conceição Magalhães assegurou que pode ser saboreada como sobremesa ou degustada simplesmente sem nada. “É um doce que se come bem”, afiançou. “É um doce que dá muito trabalho a fazer. No meu tempo era tudo feito à mão, de forma artesanal. Era preciso fazer muito esforço de braços até que o processo ficasse concluído. Hoje, já não é assim. É tudo feito nas máquinas”, sustentou, sublinhando, no entanto, que gostava de ver a papuda fazer parte do cabaz das doceiras de Entre-os-Rios.

Advertisement

“PÃO DE MILHO “

Uma simples forma de ver e apreciar o pão, em particular o de milho, ao qual normalmente chamamos “Broa”. Sabemos que há vários tipos de pão e hoje até a nossa alimentação é muito diversificada e o pão não foge à regra, desde a sua composição até ao processo de fabrico, mas Vou tentar não me dispersar e tentar transmitir a tal visão pessoal, sobre a broa de milho da nossa terra. Como introdução digo que o milho é uma planta tropical, originária da América, introduzida em Portugal entre o ano de 1515 e o ano de 1525. Existem diversos tipos de milho, no entanto reporto-me em particular ao milho branco e amarelo, sendo o que se cultivava predominantemente nesta região. O ciclo iniciava-se com a preparação da terra, durante a primavera, com o estrumar das terras, cujos estrumes eram proveniente das camas dos animais (matos e juncos) e moliço vindo da ria de Aveiro, entre outros. Procedia-se então ao lavrar (amanhar a terra) com charrua puxada por junta de bois ou vacas (onde dava mostras da grandeza do lavrador), seguindo-se o gradar de forma a amaciar e alizar a terra (grade de dentes e de costas) puxada pelas referidas juntas. Então com a terra fresca procedia-se à semeadura do cereal de milho, que também levava misturado algum feijão (aproveitamento da sementeira) através de semeador, normalmente puxado por duas pessoas e ao semeador uma pessoa, que regulava a quantidade de cereal a semear e procurava fazer linhas direitas e paralelas com distancias pré-estabelecidas para uma boa produção e posteriores tratamentos.

Após o crescimento até à altura de monda e sacha, procede-se a estas operações de forma manual e normalmente por grupos de pessoas que se entre ajudavam nestas tarefas, sendo que mais tarde a sacha já se fazia por meio de sachador puxado por um animal, sendo que este trabalho mesmo assim era completado por tarefa manual, Não esquecendo nestas tarefas a merenda (pão, figos e azeitonas) e a respetiva moringa com água da fonte e os mais abastados uma pinga de vinho americano/morangueiro. Seguiam-se a abertura de regos para a irrigação no tempo de verão, com água proveniente de minas (águas de giro) após emprazamento em represas (gerido os prazos e dias pelos donos das minas e ou prédios de cultivo) e ainda de poços através de engenhos movidos por animais.

A tarefa seguinte seria a de colher o feijão, tarefa efetuada pela manhã cedo por razões de proteção da não desbulha do grão (trabalho maçador e normalmente pouco apetecível, principalmente para os mais novos). Quando o milho já punha maçaroca e bandeira, procedia-se ao corte do milho que não tinha maçaroca e da bandeira, servindo de alimentação para o gado bovino. Estando na fase final de produção do milho (maduro) teremos que proceder à colheita efetuada normalmente nos meses de Agosto, Setembro e Outubro, dependendo do tempo mais ou menos seco e dos terrenos.

A colheita era efetuada manualmente, por grupo de pessoas, corte com foicinhas, formando pequenos molhos, os quais eram depois carregados para carro de bois, onde havia uma certa vaidade, tornando-os imponentes e arrebitados os seus cantos. Estes seguiam para os quintais, arrumadas e eiras para se proceder à desfolhada. A desfolhada tem por objetivo retirar a maçaroca do folhelho (sendo que para esta tarefa existem várias designações), bem como eram utilizados acessórios como o riscão (tem outras designações) para facilitar a tarefa e normalmente as desfolhadas eram à noite, pela disponibilidade das pessoas, porque o pé do milho era mais macio e porque se tratava de uma pequena festa onde não faltavam umas cantigas, umas maçãs, broa e uma pinga (americano /morangueiro). Não faltavam também os serandeiros (homens fantasiados com gabões para não serem reconhecidos e que davam a cheirar aos presentes manjerico ou outras ervas aromáticas em particular às moças. Também não era menos interessante o aparecer de uma maçaroca /espiga de milho rei (cor avermelhada) o qual sortudo tinha o direito de beijar e abraçar os presentes e em particular o sexo oposto.

Bible of Wenceslaus IV. 1389

As espigas são retiradas para o espigueiro (raros na nossa zona) ou para a eira onde aguarda a malha e as canas são retiradas em pequenos molhos e colocadas no cabanal, mais frequente na nossa zona que a meda/moreia. A debulha ou malha era efetuada por meios manuais, normalmente por grupo de dois a quatro homens, através do maoal (peça de madeira com duas partes ligadas por uma peça de couro) e posteriormente por meios mecânicos a chamada malhadeira, para separação do grão do sabugo ou carolo. Procedia-se de seguida a limpeza através de crivos ou ventiladores (equipamento de madeira com tremonha, ventilador movido manualmente e rampa de descarga) para limpeza do grão, retirando resíduos e os pedaços de carolo ou sabugo provenientes da desbulha. O milho seguia para a eira onde era secado durante os dias de sol e guardado ao anoitecer em rima coberta ou guardado na pequena arrecadação designada normalmente por casa da eira. Após secagem voltava a ser limpo através de crivarem ou ventilação e guardado em caixas de madeira, não faltando na sua superfície as folhas de figueira para evitar infestantes. Era daqui que saía o milho para venda, para nova sementeira, para alimentação animal (principalmente aves) e para a fabricação do pão de milho “Broa”, como um dos principais sustento da época e acompanhamento de todas as refeições (desde o pequeno almoço ao jantar).

Book of Hours (`Hours of Simon de Varie'; use of Paris). Guillaume Alecis (Alexis), Prayer to Mary Place of origin, date: Paris, Master of Jean Rolin, Master of the Dunois Hours (illuminators); 1455. Added miniatures (74 G 37a): Tours, Jean Fouquet (illuminator); c. 1455

MOLEIRO COM DOIS BURROS CARREGADOS DE TALEIGOS Capa da revista “Ilustração Portuguesa” nº 730 de 16 de Fevereiro de 1930. DENTRO DO MOINHO aguarela de Raquel Roque Gameiro Ottolini (1889-1970).

Assim, começa o ciclo do grão até à mesa.

Para se transformar o grão em farinha, o homem utilizou vários métodos e energias, mas falarei apenas no mais comum na nossa zona, pois era utilizado quase na sua totalidade os moinhos movidos a água, embora existissem um número reduzido movidos a vento. Não vou descrever a forma e tipo de equipamento que fazia parte dos moinhos, bem como as tarefas desenvolvidas pelo moleiro (picar das mós, regulação do caudal da água, regulação do caudal do grão, entre outras) sendo que o grão era desfeito entre duas mós de granito, a inferior fixa e a superior rotativa, que em movimento circular recebia o grão por gravidade no centro, ia desfazendo o grão a meio e soltava a farinha na periferia, tarefa que o moleiro fazia com sabedoria e mestria. O mais tradicional era o moleiro transportar o grão de milho, depois de medido, em medidas de madeira, como o alqueire e a quarta, em sacos de serapilheira, ao ombro, carregado em burro e até em carroça. A farinha era ensacada em sacos de linho ou semelhante e normalmente já com a medida pretendida. Para esta operação havia, como prática corrente, a paga feita através de uma quantia de grão de milho ou de farinha, consoante o acordado entre o cliente e o moleiro, designada normalmente por maquia.

Posto isto, estamos no ciclo de fazer o pão.

O fazer do pão é uma tarefa essencialmente feminina e cabia sempre à mulher que trabalhava o campo e que normalmente escolhia o sábado de tarde para preparar a massa e à noite para cozer o pão. Assim, dava-se inicio a preparação da masseira, da peneira, da farinha, do fermento (isco), sal, água quente e pano para cobertura da massa durante o período de levedura. Inicia o trabalho com o peneirar da farinha através de uma peneira de malha fina, para separação do carolo e tornar a farinha mais fina e limpa. Começa por misturar todos os ingredientes com uma pá de madeira até a mistura estar a uma temperatura aceitável para amassar com as mãos, tornando-a homogenia, macia e fina. Então junta-se a um canto da masseira, cobre-se e aguarda-se que a mesma levede. No entanto existem vários mitos e um é fazer uma cruz no cimo da massa e dizer uma oração:

“S. Mamede te levede, S. Vicente te acrescente, S. João te faça pão. Nome do Pai, do Filho, do Espirito Santo. Amen”.

Oração utilizada na entronização dos Confrades/Confreiras no grande capítulo da Confraria da Broa d’Avanca.

c. 1370-1400 - Tacuinum sanitatis (ÖNB Codex Vindobonensis, series nova 2644).

This article is from: