6 minute read
Dependência Química e Alcoolismo | pág
Dependência química e alcoolismo
Ivan dos Santos Oliveira, médico formado na UniRio, no Rio Janeiro, em 1977, com especialidade em clínica médica e medicina do trabalho, fala sobre a dependência química e alcoólica. Nascido no Rio de Janeiro, vive há 30 anos em São Sebastião.
Advertisement
Como e quando o senhor começou a atender pacientes com problemas de drogas e bebidas alcoólicas? Trata-se de doenças em ambos os casos? As pessoas nascem com pré-disposição a estes males? Comecei a trabalhar com estes pacientes em 2006, quando estava na Prefeitura de São Sebastião. Uma assistente social montou a Unidade Municipal de Saúde Ocupacional para abordar o funcionário público, quando foi possível detectar o consumo de álcool dizimando famílias, em termos financeiro, matrimonial, de relação entre pais e filhos. Trabalhei nesta unidade como médico para esses pacientes. Criamos núcleos de ajuda dentro do poder público, entre 2006 a 2012. Quanto à pré-disposição, há estudos com gêmeos de mesmas famílias em que alguns ou todos são usuários de álcool “eventualmente ou recreativamente”, alguns desenvolvem a dependência na mesma família.
A ciência ainda não provou se tratar de doença ou não o alcoolismo? O que ocorre muitas vezes nesse indivíduo é a presença do que chamamos de comorbidades, ou seja, são outras doenças da esfera afetiva ou emocional que fazem com essa pessoa se torne mais adicto ao uso da substância. Exemplo: indivíduos depressivos, com nível de ansiedade muito elevado, com pré-disposição ao chamado TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade). Indivíduos calmos e sociáveis não estão livres de fragilidade emocional.
Poderia citar alternativas a medicamentos para tratamento de dependentes químicos e de bebida alcoólica? O tratamento tem que ser mais amplo do que a farmacoterapia. A tendência de muitos é acreditar que com remédio tudo se resolve. Antigamente, inclusive, usava-se medicamentos de efeito antabuse (aversão proposital à bebida alcoólica). Colocava-se o produto na comida do paciente; ao tomar bebida alcoólica ele sofria de náuseas e vômito, reflexo negativo ao uso do álcool. Hoje, esta terapêutica não é mais utilizada por implicar em riscos. É relevante predisposição genética nos casos de dependentes? Eu, em particular, acredito que quase tudo na vida está integrado ao ambiente social. É muito complexo porque dentro da esfera social esse indivíduo nasce em um ambiente onde pode estar propenso a fatores de risco ou de proteção. Então o uso dessas substâncias também está dentro desse contexto.
Fatores de riscos sociais, quais os principais? Um jovem tem um pai usuário contínuo. Alguém na família, avô, avó ou a mãe também são usuários. O consumo de bebida alcóolica começa sob o caráter de prazer nas reuniões familiares, e aos poucos, o jovem vai transformando esse prazer em uso frequente, até o momento em que a substância, agindo sobre o cérebro, cria vínculo de prazer tão intenso que ele começa a abandonar outros setores de sua vida, dependente dessa substância. Portanto, os fatores são o ambiente social, agravado pela permissividade de uso, e o acesso às bebidas alcóolicas. Políticas públicas podem dificultar este acesso. Por majoração de preços e eliminação das campanhas publicitárias pró-bebida de álcool será possível reduzir cada vez mais o consumo, principalmente, entre jovens.
Drogas e alcoolismo afetam homens e mulheres sem distinção? O número de mulheres dependentes começou a aumentar bastante a partir do ano 2000. Antes havia maior repressão contra as mulheres. Na medida em que o papel da mulher foi se tornando mais social, mais presente, com decisão dentro da sociedade, ela passou a se integrar aos grupos de consumo. Dentro desses grupos, muitas perderam o controle para o vício.
Este drama também afeta muitas crianças como usuárias? A Uniad (Unidade de Pesquisa em Alcoolismo e Drogas, da Unifesp) realizou pesquisas nacionais em 2004 e 2007. Ambas revelaram redução na idade de consumidores destas substâncias, de 13 para 11 anos. O cigarro teve queda no consumo pela campanha muito forte. Mas o álcool veio na contramão. O futebol tem marcas de cerveja como patrocinadores. O Carnaval, até um tempo atrás, trazia a bebida como grande patrocinadora dos desfiles com máxima divulgação, grande estímulo ao consumo.
Proteja seu corpo, seu patrimônio
Beber socialmente, qual o limite? Um questionário foi aplicado por muito tempo no Reino Unido a indivíduos que chegavam acidentados ou agredidos ao pronto-socorro. Apurava-se condições ligadas aos acidentes: bebida alcóolica integrava a rotina. Veja: quanto custa uma lata de cerveja? Quantos empregos gera a produção desta lata? Quem realmente ganha com a venda da cerveja? De certo, não são os consumidores. Daí, qual é a bebida segura? Como se bebe seguramente? Estudos sugerem que o “beber social”, sem grandes riscos, seria 2 doses de bebida alcoólica por dia.
Qualquer dose de bebida alcóolica causa impacto ao corpo? É tóxica? Uma lata de cerveja tem 12 gramas de álcool, assim como uma dose de cachaça e uma dose de uísque. Só que o indivíduo, em churrasco de fim de semana, não toma somente duas latas de cerveja - 24 gramas de álcool. E ninguém realiza churrasco sem cerveja. E tem a cerveja gelada na praia, entre amigos (...) o peso social é intenso. Duas doses não são mais suficientes. O indivíduo passa a ser tolerante ao álcool e consome cada vez mais doses. E doenças se instalam. A bebida de álcool é substância estranha ao organismo, assim como a cocaína. O sistema de defesa no início consegue confrontar essas substâncias agressoras, mas depois não mais.
Dependência química e alcoólica cerca imaturidade e desconhecimento? Um menino sem coragem pra chegar à gatinha recebe cocaína de um “amigo”. O menino cheira e se dá bem com a garota. Para ele, mudou o mundo porque venceu o ego massacrado. Então, ele já sabe o que consumir antes de ir pra balada. A força deste “negócio” é muito grande. São bilhões de dólares por ano, a terceira maior indústria no mundo. Só perde para indústria bélica e farmacêutica. Há quem defenda liberar a maconha para acabar o tráfico. É preciso mais discussões com a sociedade. Diadema (SP) criou lei seca com fechamento de bares em horários específicos e controle do consumo de álcool, trabalhou também em escolas por 6 anos. Há política em nível nacional para álcool e drogas e que prevê a questão das fronteiras. O Brasil precisa deixar de ser porta de “transferência” da droga produzida na Bolívia e Venezuela. São necessárias políticas públicas em todas as esferas de governo? Sim. Precisamos de um programa forte de governo envolvendo as três esferas: Município, Estado e Federação.
O que acontece com o corpo em coma alcóolico? O coma alcoólico acontece a partir do momento em que esta substância interfere no sistema cerebral. O álcool diminui a capacidade dos neurotransmissores. Antigamente se chamava esses neurotransmissores de endorfina. Exemplo: quando o indivíduo sai da academia ele sai mais energizado, sente-se bonito. É porque ali, após a atividade física, ele produziu endorfina, dopamina principalmente, que é o hormônio da euforia, do bem estar. As substâncias químicas, cada uma delas, tem uma forma de agir. O álcool propicia euforia no início. Aos poucos isso decai e na maioria das vezes se chega à depressão. Existe o alcoolismo agudo ou o “coma” que você pergunta. Existe o alcoolismo crônico em que o consumidor mantém certo “controle”, mas lá na frente ele terá seu fígado lesado, as pernas fragilizadas (má circulação sanguínea), cérebro com alterações, etc.
O excesso de álcool causa desnutrição? Sim. A medida que a dependência de álcool se instala o apetite sofre alterações.
Quais as consequências da “ressaca” do dia seguinte A ressaca é gerada pela presença de um subproduto do álcool na circulação sanguínea. Dores de cabeça, náuseas, visão e audição alteradas são os sintomas predominantes. Esse subproduto age sobre o sistema nervoso alterando os parâmetros químicos cerebrais, inclusive a chegada de glicose.
É possível viver com prazer, sóbrio. Ter saúde plena já é grande desafio, não é? Saúde plena nos dias de hoje é um desafio. Temos a situação genética, ambiental e familiar. Tem ainda o acesso aos serviços de saúde básica. O SUS ainda é muito melhor que sistemas de outros países. Viver bem com sobriedade e equilíbrio, sem álcool e qualquer substância química é fundamental. Quanto ao tabaco também sabemos que destrói.