Dependência química e alcoolismo Ivan dos Santos Oliveira, médico formado na UniRio, no Rio Janeiro, em 1977, com especialidade em clínica médica e medicina do trabalho, fala sobre a dependência química e alcoólica. Nascido no Rio de Janeiro, vive há 30 anos em São Sebastião. Como e quando o senhor começou a atender pacientes com problemas de drogas e bebidas alcoólicas? Trata-se de doenças em ambos os casos? As pessoas nascem com pré-disposição a estes males? Comecei a trabalhar com estes pacientes em 2006, quando estava na Prefeitura de São Sebastião. Uma assistente social montou a Unidade Municipal de Saúde Ocupacional para abordar o funcionário público, quando foi possível detectar o consumo de álcool dizimando famílias, em termos financeiro, matrimonial, de relação entre pais e filhos. Trabalhei nesta unidade como médico para esses pacientes. Criamos núcleos de ajuda dentro do poder público, entre 2006 a 2012. Quanto à pré-disposição, há estudos com gêmeos de mesmas famílias em que alguns ou todos são usuários de álcool “eventualmente ou recreativamente”, alguns desenvolvem a dependência na mesma família. A ciência ainda não provou se tratar de doença ou não o alcoolismo? O que ocorre muitas vezes nesse indivíduo é a presença do que chamamos de comorbidades, ou seja, são outras doenças da esfera afetiva ou emocional que fazem com essa pessoa se torne mais adicto ao uso da substância. Exemplo: indivíduos depressivos, com nível de ansiedade muito elevado, com pré-disposição ao chamado TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade). Indivíduos calmos e sociáveis não estão livres de fragilidade emocional. Poderia citar alternativas a medicamentos para tratamento de dependentes químicos e de bebida alcoólica? O tratamento tem que ser mais amplo do que a farmacoterapia. A tendência de muitos é acreditar que com remédio tudo se resolve. Antigamente, inclusive, usava-se medicamentos de efeito antabuse (aversão proposital à bebida alcoólica). Colocava-se o produto na comida do paciente; ao tomar bebida alcoólica ele sofria de náuseas e vômito, reflexo negativo ao uso do álcool. Hoje, esta terapêutica não é mais utilizada por implicar em riscos. Pág 14
É relevante predisposição genética nos casos de dependentes? Eu, em particular, acredito que quase tudo na vida está integrado ao ambiente social. É muito complexo porque dentro da esfera social esse indivíduo nasce em um ambiente onde pode estar propenso a fatores de risco ou de proteção. Então o uso dessas substâncias também está dentro desse contexto. Fatores de riscos sociais, quais os principais? Um jovem tem um pai usuário contínuo. Alguém na família, avô, avó ou a mãe também são usuários. O consumo de bebida alcóolica começa sob o caráter de prazer nas reuniões familiares, e aos poucos, o jovem vai transformando esse prazer em uso frequente, até o momento em que a substância, agindo sobre o cérebro, cria vínculo de prazer tão intenso que ele começa a abandonar outros setores de sua vida, dependente dessa substância. Portanto, os fatores são o ambiente social, agravado pela permissividade de uso, e o acesso às bebidas alcóolicas. Políticas públicas podem dificultar este acesso. Por majoração de preços e eliminação das campanhas publicitárias pró-bebida de álcool será possível reduzir cada vez mais o consumo, principalmente, entre jovens. Drogas e alcoolismo afetam homens e mulheres sem distinção? O número de mulheres dependentes começou a aumentar bastante a partir do ano 2000. Antes havia maior repressão contra as mulheres. Na medida em que o papel da mulher foi se tornando mais social, mais presente, com decisão dentro da sociedade, ela passou a se integrar aos grupos de consumo. Dentro desses grupos, muitas perderam o controle para o vício. Este drama também afeta muitas crianças como usuárias? A Uniad (Unidade de Pesquisa em Alcoolismo e Drogas, da Unifesp) realizou pesquisas nacionais em 2004 e 2007. Ambas revelaram redução na idade de consumidores destas substâncias, de 13 para 11 anos. O cigarro teve queda no consumo pela campanha muito forte. Mas o álcool veio na contramão. O futebol tem marcas de cerveja como patrocinadores. O Carnaval, até um tempo atrás, trazia a bebida como grande patrocinadora dos desfiles com máxima divulgação, grande estímulo ao consumo. SINTONIA SOCIAL | NOVEMBRO - 2021