EDIÇÃO #6 | PRIMAVERA 2020
DISCÊNTRICA
\\ SOBRE A EDIÇÃO EDITOR: Matheus Lopes Quirino EDITOR-ASSISTENTE: André Vieira CAPA: Filipe Dantas CONTRACAPA: Igor Vice AUTORES: André Vieira, Bruno Pernambucano, Giovana Proença, Escritor sem história, Igor Vice, Juliana Gomes, Leopoldo Cavalcante, Lia Petrelli, Matheus Lopes Quirino, Nina Rizzi, Stephanie Borges, Tomás Fiore Negreiros e Victória Novais. PROJETO E PRODUÇÃO GRÁFICA: Victória Novais
\ sobre nós Fundada com o propósito de democratizar o acesso à cultura, a Frentes Versos busca compreender a produção artística e cultural independente da cidade de São Paulo. Acompanhando as estações do ano, a cada três meses, escritores, artistas e entusiastas de diversas áreas se debruçam na efervescência da grande selva de pedra e a digerem para trazer a você, leitor, o mais completo conteúdo sobre o lado B do que é dito no lado A. Em cada edição, distribuída digital e gratuitamente, nos dedicaremos a um tema, uma faceta, das inúmeras formas presentes na
\\ CARTA AO LEITOR É tempo das flores. Depois
de
mais
de
seis
meses
de
reclusão
imperativa, em inverno gelado, já podemos ver os primeiros sinais de alegria nos rostos cobertos pelas máscaras — pelo menos naqueles que se preocupam em usá-las. Mas não é porque era inverno que não pudermos crescer. Na reserva de nossos lares — para todos que conseguiram se isolar — aprendemos que não é preciso estar perto para se fazer presente, nem que a distância impediria que nos conectássemos para produzir e pensar coisas, juntos. Seja no cinema, no teatro, na live e até — pasmem — na suruba virtual, pudemos entrar em contato com o outro desde este lado da tela; conhecendo
projetos,
realidades
e
sobretudo
pessoas, muitas vezes mais próximas de nós do que imaginávamos. No emaranhado de cabos que virou nossa cuca santa celiers e faria limers nunca estiveram tão próximos de campo-limpers e água-espraiaders. Neste “novo normal”, as redes foram fundamentais por ampliar nossos olhares para aquilo que são espaços de cultura. Batalhas de Slam, espetáculos de dança, rodas de conversa e debates políticos continuaram suas atividades on-line mostrando que
existe,
sim,
muita
vida
além
do
eixo
Pinheiros-Augusta: uma cultura grande, plural e diversa assim como as pessoas que participam desse habitat paulista. Seja
nas
passagens
de
cena
da
Companhia
Mungunzá, localizada na Cracolândia, sejam os passos precisos e as palavras firmes de Rodrigo Alcântara, dançarino ativista da Zona Norte ou
cultura contemporânea.
pela iniciativa da Câmara Periférica do Livro,
\ entre em contato
periferias, temos certeza que a safra deste ano
EMAIL: frentesversos@gmail.com SITE: www.frentesversos.com INSTAGRAM: @frentesversos Frentes Versos é uma revista que não tem fins lucrativos e sim pedagógicos. É produzida e editada por estudantes e entusiastas da literatura, cultura e artes.
que promete criar um catálogo comum de obras das será farta, mesmo se on-line. E tem forma melhor de celebrar nosso florescer do que mostrar os frutos dessa grande árvore? Igor Vicente, Raul Sales e o Escritor sem história nos contam que é possível, sim, existir amor em SP, ao contrário do que Criolo afirma. Que essa primavera possa florescer como as mudas que nasceram desse novo ecossistema digital! Uma ótima leitura, A redação.
A LENDA
Juliana Gomes Dizia a lenda que... Se morasse na favela Fosse negro ou pardo Já nasceria sendo silenciado Culpado Injustiçado Condenado
Desde pequeno já teria seu maior rival O covarde que porta um distintivo e criminalidade Sem motivo, só por ter sua classe e sua cor Sem oportunidade, não tinha escolha Ou ia pro crime, ou morria de fome E por falar em fome... Fazia tempo que não comia Sua mãe em casa, sofria Tinha 17 e nos braços já tinha uma cria Não tinha como se sustentar, e a filha... Quem diria! E foi pro corre Pra arriscar a vida Vendia um barato na esquina Portava arma, várias bala no pente Além de tudo, ele ainda era crente Tinha esperança num mundo que melhoraria Mas não pra ele, não naquele dia Aquele rival desde o berço, da infância Já tava rodeando e ameaçando a cobrança O neguin só queria melhorar a vida da família Ver a filha crescer, a mãe parar de agonia
Mas o fardado era mais hábil Desde o nascimento daquele nego, já tava preparado Botava os olhos ensanguentados A vida amarga Enfim, sacou a arma E a lenda... Essa não era fantasia, era a realidade que doia. A mãe mais ainda sofria, a filha mal nascida o pai já não conhecia E esse era mais um fim de um mais um coitado, mais uma vítima, mais um número pra estatística
Ilustração de Victória Novais
Depois de tanta ronda, esquentou e ficou puto Sacou a arma e pretendia acabar com tudo
\\ PERSONAGENS
ÁRVORES DE OUTRAS ORIGENS QUE NÃO A MINHA
pensava que também vinha de Portugal, mas uma tia disse que poderia ser holandês. Eu, mais um admirador de Van Gogh, nem quis contestar.
Igor Vicente
Fiz o mesmo percurso, desta vez pelos galhos da família do meu avô paterno. Por que será que não subi nenhum dos galhos das minhas avós?
Quando mais novo, com uns 15 anos de idade,
Até então, eu não conhecia seus sobrenomes.
talvez, busquei a origem dos meus sobrenomes.
Gonçalves e Conceição. Nenhuma das filhas ou filhos
Vicente Gomes da Silva. Tinha a expectativa de
recebeu esses nomes quando nasceu. Minha avó
tirar um passaporte de nacionalidade europeia
disse que não sabia desses documentos europeus.
e quem sabe assim facilitar uma emigração para
Ela e meu avô também nasceram na mesma região
onde se fala outra coisa que não brasileiro.
do interior de Pernambuco, a mesma da outra
Ainda nas primeiras pesquisas descobri que Gomes
parte da família. Todos nasceram e cresceram em
vinha de Portugal, e isso era ótimo considerando
sítios ou fazendas ou pequenas cidades cercadas
que algum português eu já falo. A parte mais
de bananeiras. Era comum um registro tardio ou
complicada seria entender quem da minha família
mesmo um não registro, na época. Os poucos que
veio
Gomes
existiam se perderam junto ao tempo. Semana
vem do meu avô materno, que nasceu e cresceu
passada assisti um filme chamado Raízes em que o
numa cidade chamada Maraial, na Mata Sul de
protagonista viajou até outro estado buscando
Pernambuco. Conversei com minha avó, minha mãe
por encontrar informações sobre seus avós. Ele
e minhas tias, mas nenhuma delas sabia de alguém
e eu chegamos a galhos que foram interrompidos.
que veio de Portugal, não havia nem histórias e
É muito doído, nesse processo, chegar a galhos
nem documentos. Quem sabe, então, Vicente? Eu
que há muito tempo foram cortados.
de
lá
e
como
eu
provaria
isso.
Espécies de plantas nativas Só me faltou um nome. Aquele que a gente aprende a não buscar. Aquele que te relaciona a tantas outras pessoas que é até difícil dizer que é seu. Da Silva. Quem é Silva? E por que eu sou dele ou dela? Essa tem sido a parte mais difícil da busca por raízes. Às vezes eu penso que não fui atrás desse nome porque já entendia que era um galho interrompido. Também penso que esse é o único galho que ainda está conectado a alguma raiz. Eu vou pular essa parte. Ficaria
onde meus pais cresceram. Eu nunca conheci os sítios e nem as fazendas, mas íamos visitar os meus avós anualmente, ou quase isso. Aquele protagonista do filme não conhecia a cidade dos avós. Eu pude conhecer. A gente talvez não pense muito sobre isso, mas manter essa relação com o território-memória de nossos mais velhos também é um ato político contra o apagamento de nossas
muito longo e nem sei se o que cabe aqui seria
histórias. É importante que se entenda que eu
suficiente pra gente discutir sobre a violenta
não sou de ninguém, mas um dia fui. Fui porque
história de ser propriedade de alguém. Nessas
alguém foi. Tô numa conversa com um amigo de
últimas semanas voltei a conversar com um tio da minha mãe e com minha avó paterna sobre suas histórias. Queria escutar deles sobre como era vida nos sítios em que moraram. Essas terras Ilustração de Igor Vice
casa foi para uma cidade ainda no interior,
abrigavam meus avós e seus mais velhos dentro de um acordo de troca. “Vocês moram aqui nessa casa, plantam e colhem essa comida, ficam com uma parte e a gente com outra”. Essa era a palavra com os donos do terreno. No sítio, a vida era bem pobre. Quando passaram para a fazenda as coisas melhoraram um pouco: a última mudança dwessa
outro estado que talvez nunca acabe. Alguém nos disse que éramos portugueses, italianos ou alemães, mas não quiseram nos dizer que somos pretos e indígenas antes de qualquer coisa. Mesmo que eu tenha pulado uma parte, é bom acentuar que não nos disseram isso por conta da dor e da violência também causada pela memória. Chegamos a galhos que acabam por que dói pensar nas raízes. Agora, te digo que eu não quero um passaporte europeu. Tô me registrando aqui só agora.
Aguando a muda de uma árvore sagrada
Hoje moramos na Grande São Paulo, entre a
tava a vinte minutos de casa. Mas enfim, cheguei
Zona Oeste e a Zona Sul. Meus pais, tios e tias
na praça ouvindo o maracatu. Essa manifestação
migraram para cá buscando o que toda cidade
cultural tradicional que nasceu lá em Pernambuco
grande promete. Acho que também posso pular
e veio parar aqui, que nem minha família. Junto
essa parte. Para mim fica repetitivo contar essas
ao maracatu também estavam a capoeira, o teatro,
coisas e também já tô cansado de explicar o que
a dança, o rap, o jongo e tantas outras coisas
é óbvio. Quando fiquei um pouco mais velho e
que a gente vai descobrindo aos poucos. Tudo
comecei planejar possíveis futuros, entendi que
isso numa casa chamada Espaço Cultural CITA, ali
teria que realizar trajetos mais longos dentro da
mesmo em frente à praça. Em pouco tempo por lá um
cidade. Essa parte também me soa repetitiva, mas
amigo me disse: aqui havia uma senzala, quem nos
mesmo assim vou escrever: nas periferias ainda
contou foi Dona Raquel Trindade. Eita! Daí pra
estamos discutindo sobre ter acesso ao mínimo
frente não paramos mais. Vê bem: ali, naquela
do que as cidades devem proporcionar. Trabalho,
praça, tinha uma fazenda, tinha uma senzala.
educação, lazer. Se você quer o que quer que seja
Talvez poucas pessoas contem essa história. Uns
em melhor qualidade, precisa pegar um ônibus por
cem anos depois, sei lá, a praça ainda preserva
uma hora e depois um tanto de estações do metrô.
sua memória preta por meio da cultura, que bebe
Eu queria estudar. Então pegava dois ônibus pra
e alimenta todos nós. Ela guarda todas essas
fazer o cursinho popular. Mais tarde pegava um
histórias que a gente não consegue encontrar
ônibus e um metrô pra faculdade. E por fim pegava
documentadas em algum lugar. E foi por ela que
carona com meu pai pra ir trabalhar. O que quero
eu cheguei, que chegamos. Foi por ela, dois anos
elucidar aqui são esses longos trajetos que
atrás, que recebemos das mãos do Mestre TC Silva
percorremos há gerações pra conseguir alguma
uma muda de baobá, árvore nativa da África. Vou
coisa que chamam de básico. Sem saber onde
pular de novo, porque muitas dessas histórias
eu ia chegar, me joguei num curso que falava
ainda
sobre cidade, e aí percebi que era assim que
tentar amarrar esse texto todo nas próximas
eu encurtaria os trajetos das gerações futuras.
frases, e aí, continuamos num outro momento. O
Quem vai fazer a cidade sou eu. Eu e você,
baobá é ancestralidade preta. Antes de qualquer
evidente. Aí, foi nesse processo de encontrar
coisa, ele que é nossa raiz, e talvez seja
raízes e encurtar trajetos que cheguei na Praça
ele que vá fazer crescer novos galhos perto
do Campo Limpo. Ela é quase minha vizinha, chego
daqueles que foram interrompidos. Nossa missão
lá em vinte minutos, andando. O que torna ainda
agora é regar a muda da árvore sagrada para
mais evidente o tanto que nos perdemos seguindo
que ela cresça bem e forte, dando continuidade
esse papo de raiz na gringa. Eu ia lá pra Sumaré
aos nossos galhos e raízes, preservando nossas
e pro Ibirapuera achando que ia encontrar o que
memórias.
escrevendo.
Por
enquanto,
vou
Ilustração de Igor Vice
estamos
PROSA //
É no tempo de guerra, na terra que apaga a memória, que uma tela me espera nas regras, e em dólar cria moda. Me explode por dentro, estou atento que é uma bomba mental: Me partindo em mil fragmentos, cancela meu racional. Dissolve minha mente e meu dente, que hoje apodreceu. De repente água quente me vejo, expirando e indo para o céu. Para quem nem morre nem está vivo esse mundo é um mausoléu. A indiferença me beija, e logo me esqueço quem sou eu. A matéria, que de violenta forma me encosta, repercute nos traumas que é uma “matéria oposta”. E para não mais sangrar a antimatéria de agonia, pensamentos materializo e escrevo poesia. Minha poética, no texto, se constrói para ser remédio. Que eu leio, como sinto, existo e cicatrizo a alma. É meu ato de coragem de lutar contra o externo, e resgatar minha existência quando minha mente dá falha. A cicatriz que é advinda de um encosto, é memória. Mas, se ela em mim existe, é porque dela houve a vitória. Há muitos anos ele morre, ela adoece e eu estremeço. Hoje, o braço meu cicatrizado, escreveu este texto. Que minha mente imite o corpo, e cicatrize neste instante. Como no “Lavei meu rosto”, e dessa vez com muita calma. Sem depender de reciprocidade eu vou bem mais distante. Agora não lavei só o rosto, lavei bem também minha alma. Tudo aquilo que mais nutre o meu corpo vem da terra. Outra vida não merece ter sofrido por encosto. A nutrição da minha mente é minha escrita, em cada esboço. Que muita luta perdeu, mas resistindo ganha a guerra! * este texto é a 2ª faixa do álbum-livro “escritor sem história”
Escritor sem história
Ilustração de Victória Novais
CICATRIZES MEMÓRIAS*
\\ ENSAIOS
Qual a esperança possível em um Brasil ainda guiado pela lei espúria do mais apto?
Contra qualquer sentimentalismo, a prosa de
história a violência do mundo é, antes de tudo,
João Antônio transita entre as faces da violência
simbólica. Não à toa, só lembro de qualquer
urbana de uma São Paulo soturna da década de 50
ferimento em “Natal na cafua”. E é acidente
e a merencória estratificação social do Rio de
de carro, aliás. Antes disso, só em um judoca
Janeiro.
praticando sua arte. Depois, só na história que esse
ano
pela
Editora
34,
Malagueta, Perus e Bacanaço e Leão de Chácara
dá nome ao livro. Mas nada atordoante. O ápice dos relatos de João Antônio, em
aglomeram contos pautados pela prosa elíptica,
todos
que
exceção do último e mais famoso, está nos gestos
intensificam
relações
a
desiguais
crueldade nas
implícita
capitais
das
econômica
e
os
contos
desse
tempo desesperançoso,
ainda tentando entender para onde iria.
mudança,
dissonantes
e
sua
intransponível,
esse
país
possivelmente
Brasília:
uma
melodia
classe
média
com
comprimido
sem por
possibilidades todos
os
de
lados
por uma sociedade desencantada, que floresce a
individual,
riqueza estilística do autor. É na compaixão de um
alçava
um
cigarro, no chute minucioso de uma tampinha, numa
brasileiramente
marmita trazida pela mãe “miudinha, encolhida”,
intelectualizada
que podemos perceber não possibilidade, tampouco
movimento
possível,
livro,
miúdos. É em fugas pontuais do cotidiano, esse
cultural, respectivamente, de um Brasil ambíguo, Pensemos na Bossa-Nova. Com seus acordes
primeiro
enfeitando o som das ruas. João Antônio, por sua vez, traz as ruas para desafinar a média classe. Comecemos por Malagueta, Perus e Bacanaço;
esperança, mas sim beleza. No conto maior e homônimo do livro Malagueta, Perus
e
Bacanaço,
João
Antônio
extrapola
a
lançado em 1963, tornou-se um clássico instantâneo.
poética da malandragem com a sinuca. Sobre esse
Dividido em três partes, todas versando sobre o
aspecto, dos malandros tristes que vivem pro
universo suburbano e essencialmente masculino,
jogo, Antonio Candido percebe “uma técnica, uma
o livro explora a linguagem dos malandros tal
ética e uma estética”. A sinuca, nesse universo,
qual Guimarães Rosa fez com o sertão — só que
representa, de acordo com o crítico literário,
com mais vivência, talvez.
“um modo de existir que é principalmente um modo
Em artigo de 1976, para o Jornal do Brasil,
de subsistir”.
João Antônio define seu fazer artístico como
Dinheiro impreciso, tacos seguros, bolas
um corpo a corpo com a vida. Considerando a
calculadas além de qualquer matemática. Também
trajetória do autor, desde sua estadia constante
sorte e azar, pobreza e devoção. Eis o jogo.
por bares e joguinhos de azar até sua passagem
Financiados
pelo sanatório, parece ser mais do que uma
ludibriam apostadores de São Paulo. Pulando de
metáfora clichê sua afirmação de que “escrever é
bar em bar, o trio é devoto ao jogo. É no pano
sangrar”. Literatura, para ele, se faz no meio
verde que está qualquer esperança de superar a
da muvuca, correndo perigo de vida, entre a
condição de miséria.
picardia e a violência da malandragem.
por
Bacanaço,
Malagueta
e
Perus
Só que, ao invés de possibilidade, o vício
Todavia, o sangue, em seu livro, parece ser
se mostra uma armadilha cíclica. Um dia da caça,
mais sugestão de violência do que ação em si.
outro do caçador. Sempre na caçada, entretanto.
Mais pernicioso do que a possibilidade de um
É na existência de “alguns marginais moídos
esfaqueamento, está o dia a dia abatido, cíclico,
pela vida”, nas palavras de Antonio Candido,
de seus protagonistas; a humilhação diária das
que podemos perceber a semente estilística de
autoridades, seja da polícia ou patrão. Nessas
Leão de Chácara, de 1975.
Ilustração de Igor Vice
Relançados
PICARDIA PARA DESAFINAR OS CONTENTES Leopoldo Cavalcante
Enquanto o primeiro livro de João Antônio ainda trazia a esperança de uma quebra do ciclo vicioso em “Meninão do Caixote”, todos os contos de Leão de Chácara são marcados pela desesperança generalizada. Em “Três cunhadas – Natal 1960”, o bordão “Isto não é vida” repete-se constantemente na voz interna de um protagonista triste, ora concentrado
nos
antigos
jingles
natalinos
e
nas bugigangas dos camelôs, ora perdido nos devaneios depressivos sobre sua família. A
crueza
carioca
na
prosa
de
Leão
de
Chácara marca, talvez, uma transição do autor para uma realidade ainda mais pessimista, na qual nem os gestos miúdos transmitem beleza, apenas condicionamento eterno à violência e à desigualdade urbana. É no conto que dá nome ao livro que temos, por exemplo, um assassinato a sangue frio, narrado como uma novidade dos tempos. “Um leão bobear e meter a mão numa cumbuca dessas não se via no tempo dos antigos”, diz o narrador. Se antes, o sonho de um Brasil civilizado era
atacado,
sem
perder
algum
deslumbre
na
malemolência desse país, aqui, nada é sonho. Vivemos, em Leão de Chácara, o contrário de uma vida. Nem boa, nem ruim. “É vida”. Ler os dois livros de João Antônio, em ordem, é seguir um urro fortalecido pela experiência na miséria dos escombros de um projeto fracassado de país. Sua voz permanece ecoando pelas ruelas soturnas da São Paulo de hoje – imagino que no Rio de Janeiro também. Qual a esperança possível em um Brasil ainda guiado pela lei espúria do mais apto? Enfim, seguimos. No melhor dos casos, murchos, sonados e moídos.
\\ REPORTAGEM
André Vieira
O CAMINHO É PELAS BEIRADAS Crise das grandes livrarias pede por maior pluralidade no mercado editorial Na apresentação da primeira etapa da Reforma
que integra uma frente ampla da categoria.
Tributária do governo na Câmara Federal, no
De fato, não é de hoje que o grande mercado
dia 5 de agosto, o ministro da Economia Paulo
editorial vem sofrendo. De acordo com a pesquisa
Guedes ressaltou que era preciso mudar a forma
Nielsen Books/SNEL, o Sindicato Nacional dos
de taxação de alguns bens e serviços para que
Editores de Livros, de 2006 até 2019, o setor
o País voltasse a crescer, entre eles o livro.
encolheu 20%. Na pandemia (no primeiro semestre
No encontro, o ministro afirmou que o produto
de 2020), o cenário tampouco é animador, com
é algo próprio da elite, ressaltando que a
perdas acumuladas em relação ao primeiro semestre
população desassistida teria acesso a ele por
de 2019, o saldo do período é negativo em R$ 729
meio da ação do Estado: “vamos dar o livro de
milhões. Pela série histórica, o faturamento de
graça para o mais frágil, para o mais pobre
obras gerais — ou seja, todas que não tenham
[...]. Nós não precisamos de isentá-lo para ele
cunho didático, religioso ou CTP (Científico,
comprar o livro dele. Eu também, quando compro
Técnico ou Profissional) — teve recuo de 34%,
meu livro, preciso pagar meu imposto. Então,
reduzindo
uma coisa é você focalizar a ajuda. A outra
livros de ficção ou não ficção disponíveis ao
coisa é você, a título de ajudar os mais pobres,
público (biográficas, ensaios, estudos), como
na verdade, isentar gente que pode pagar.”
também reduzindo o espaço a debutantes no mercado
Isento do pagamento dos tributos PIS/Cofins desde 2004, o setor
assim
não
apenas
a
quantidade
de
livreiro e sem público formado.
editorial ficou receoso com
Soma-se a isso a situação desanimadora
a proposta de aumento da folha de impostos em
das duas maiores livrarias do País, Cultura
12% feita por Guedes, e no mesmo dia respondeu
e Saraiva, que em recuperação judicial operam
à fala do ministro publicando uma nota repudio:
no vermelho desde 2017. Quando em recuperação
“É fácil calcular o quanto o governo poderá
judicial, a empresa é obrigada a apresentar um
arrecadar com a nova CBS (Contribuição sobre
plano de retomada de suas atividades econômicas
Bens e Serviços), proposta em regime de urgência
em etapas, que geralmente têm validade de 180
ao Congresso. Muito mais difícil é avaliar o
dias e sempre as impulsionam para sair da crise;
que uma Nação perde ao taxar o bem comum da
contudo,
formação intelectual de suas cidadãs e cidadãos.
gigantes do setor fecharam juntas 58 lojas — 38%
Em perspectiva histórica, o dinheiro arrecadado
do total — e demitiram 2.451 funcionários, cerca
à cultura, aos livros e à formação científica
de 49% do efetivo, isso, claro sem contabilizar
significa,
os
de
fato,
um
desinvestimento
no
desde
estragos
o
início
desse
protagonizados
pela
processo,
pandemia
as
do
crescimento futuro do país – que não se dará sem
Covid-19. (Para entender melhor a encruzilhada
o crescimento intelectual amplo e igualitário de
que assola essas empresas, recomendo a leitura
sua população.”, afirma um dos trechos da carta
da matéria de Rogério Gentile e Bruno Molinero.).
REPORTAGEM //
Que país é esse? Se por um lado a crise é sentida pelo
coordenador cultural da ONG Ação Educativa no
setor livreiro, por outro a cifra de leitores
podcast Publishnews, no dia 24 de agosto. “Há
não para de subir no País. É o que diz a 4º
muito livro que não tem ISBN [sigla em inglês
edição da pesquisa Retratos da Literatura no
para número internacional padrão livro. Recurso
Brasil (Instituto Pró-Livro/Ibope), de 2015,
que permite que uma obra seja comercializada em
que apontou uma média de cinco livros lidos, em
livrarias físicas e digitais em todo País], mas
partes ou inteiro, por pessoa por ano, cerca de
mesmo assim possui uma vendagem admirável nos
um livro a mais do que na última edição do estudo
Slams e saraus que são organizados na periferia;
de 2011. Na capital paulista, segundo dados da
[então] é preciso ver qual é o enfoque dessa
análise desenvolvida pelo instituto J.L Leiva
pesquisa, porque os dados de acesso à cultura
em parceria com o DataFolha na pesquisa Cultura
no Brasil levam em consideração os circuitos
nas Capitais, de 2018, esse crescimento pode ser
institucionalizados,
reflexo do alto índice alto de pessoas com acesso
alarmantes: ‘ah, noventa por cento nunca foi a
ao livro na cidade (69% entre seus 12,1 milhões
um museu’. Isso não significa que a pessoa não
de
ressalta,
tem acesso à arte, existe a arte pública, a
apenas 39% afirma frequentar bibliotecas e 12%
arquitetura o grafite, então as pessoas têm sim
diz que vai a saraus.
acesso à arte, mas não aquela que outras pessoas
habitantes),
embora,
o
estudo
Nessa toada, se os estudos indicam a formação
Ilustração de Victória Novais
de uma cultura de leitores nos centros urbanos
e
daí
nascem
dados
concebem como arte.”, completa. A
opinião
também
é
compartilhada
pela
e no Brasil, contudo, o mesmo não pode ser
escritora e editora Raquel Almeida, que vê na
dito sobre a adesão desses leitores ao mercado
periferia o florescimento de uma cultura ampla
editorial. Ainda segundo a pesquisa realizada
de leitores e leitoras: “Nos Slams, nos saraus,
pelo Instituto Pró-Livro com o Ibope, em 2015,
nas batalhas e até mesmo pelas edições Elo
apenas 26% do entrevistados afirmou ter comprado
da Corrente [editora em que trabalha] há sim
um livro nos últimos três meses — sem considerar
essa vontade tanto por leitores, como autores,
aqueles
ou
ilustradores, revisores e, sobretudo, gráficas
apostilas —, o que quer dizer cerca de 140
em produzir e consumir um produto próprio, que
milhões de pessoas não compraram nenhuma obra
seja a nossa cara, sabe? Eu acho que os saraus
durante o período. Esses dados de acesso precário
periféricos possibilitaram à comunidade criar
ao mercado livreiro podem ser explicados, como
vários
comenta a pesquisa, pela prática de empréstimos
desde 2008 trabalha com mais de vinte autores e
de obras, por cerca de metade dos entrevistados,
produziu mais de 20 mil livros, entre romances,
que ocorre na casa de parentes,
bibliotecas
cordéis, materiais didáticos e poesias. Ainda
ou em outros locais em que se possa realizar
para Raquel, que organiza de segunda a quinta um
a troca de livros, geralmente sem nenhum custo
sarau do Elo da Corrente — realizado via Instagram
adicional pela nova obra. Em tempo, salienta o
por conta da pandemia —, o papel de uma editora
estudo, 30% dos entrevistados admite nunca ter
independente na periferia é: “produzir um selo
comprado um livro.
feito e pensado para que os nossos autores e
pagaram
“Creio
que
por
a
cópias
pesquisa
reprográficas
[da
Retratos
visionários.”,
avalia
a
editora
que
da
as autoras possam ter seu voo inicial e [para
literatura do Brasil] não consiga captar esse
que] as pessoas da região conheçam quem escreve
movimento cultural, [porque] tá nas bordas, é
no seu bairro. É uma [editora] realizadora de
periférico ao circuito comercial que estamos
sonhos.”, ressaltou.
acostumados”, acredita Antonio Eleilson Leite,
O livro e a periferia Nascido a partir da cena do Hip-Hop na periferia,
estrondoso
semimanufaturada e acabamento artesanal. Segundo
sucesso do álbum Sobrevivendo no Inferno, de
Ferréz, em entrevista à Frentes Versos, foi a
1997,
partir do momento que as atividades dos saraus
de
do
sobretudo grupo
saraus,
depois
Racionais
recitais
e
do
de trinta títulos, produzidos todos de maneira
MC’s,
o
festivais
movimento literários
foram para
gráficas e editoras, que o movimento
espalhados pelas regiões periféricas de São Paulo
se unificou e formou um público fiel, “teve algo
começou a ganhar fôlego na capital paulista no
histórico [a partir da propagação da literatura
início dos anos 2000. A cena da literatura na
nas periferias], as pessoas se reconhecerem na
periferia se consolidou, em um primeiro momento,
revista, nos textos, nos desenhos, virou um
graças à iniciativa do Cooperifa nos bairros
movimento. Ainda vejo isso na estética de muita
Taboão da Serra e Chácara Santa, e por meio da
coisa hoje, [como nos] muitos saraus formados,
popularidade do livro Capão Pecado, do escritor
[teve] gente que se graduou por causa dessa
Ferréz que nas palavras de Leite, no artigo
inspiração”.
Marcos fundamentais da literatura periférica em
Uma casa de publicações que nasceu desse
São Paulo, se trata de uma obra que coloca em
legado mencionado por Ferréz é a Elo da Corrente
evidência a importância da periferia por sua
Edições, que por meio do sarau homônimo publica
organização coletiva, embora se trate de uma
proporcionalmente autores e autoras desde 2008.
obra de um único autor: “Ferréz fez de Capão
Para Raquel, o que possibilita a periferia ler
Pecado uma obra coletiva. Não se trata de uma
romancistas e poetas da periferia é se embrenhar
autoria coletiva. A coletividade se expressa
em projetos culturais como VAI (Programa Para a
nos paratextos através da participação de seis
Valorização de Iniciativas Culturais) ou apostar
autores,
publicam
em editais específicos para a publicação de obras
seus textos na abertura dos capítulos e da
como o Edital da Cidade de São Paulo para livros,
orelha”.
caso contrário essas obras não circulariam : “a
quatro
deles
grupos,
que
Em virtude dessa cultura do livro instaurada
gente sempre tenta publicar autores por meio
nos recitais e saraus e na última década, os
de editais, até porque muitos autores não têm
Slams, começaram a surgir a primeiras editoras
condições de pagar o processo de publicação;
independentes que se propunham editar, diagramar
houve casos até tivemos que tirar [dinheiro] da
e
própria editora para pagar o livro. Ainda segundo
imprimir
cuja
obras
frequência
de
autores
produção
a Raquel, a missão de uma editora na comunidade
literária — seja oral ou escrita — era contínua
é promover cultura, mesmo que ganhando pouco:
e imprescindível. Um dos selos pioneiros que
“uma das coisas que sabíamos desde o começo [da
essa
a
Elo da Corrente Edições] é que não teríamos
partir de 2005, publicou romances, coletâneas
lucro: nossas editoras trabalham com um projeto
e livros de poesia elaborando até 2015, ano de
muito maior do que dinheiro.
empreitada
nesses
foi
a
espaços
desconhecidos
Edições
de
Toró,
que
encerramento da editora, um catálogo com mais
REPORTAGEM //
Um mercado subterrâneo A partir da consolidação da cena da literatura
organização. Por meio de ateliês de escrita
periférica nos bairros afastados, assim como em
e rodas de construção do conhecimento, temos
feiras de livros — sobretudo a FLUP e FLIPirata,
integrado os moradores do Grajaú ao processo
circuito alternativo da FLIP — e movimentos
de
culturais
revisão, edição e, sobretudo, diagramação”.
pelo
centro
da
capital
editorial:
pesquisa,
escrita,
paulistas, não demorou para que outros tipos
Com o apoio financeiro da Brazil Foundation, o
de editoras, segmentadas por produto, público e
projeto já publicou sete obras, entre coletâneas
propostas temáticas surgissem no horizonte. É
realizadas por meio de saraus — em tempos de
este o caso da editora Cordel de Areia Dourada que
pandemia realizados on-line — e romances, como
desde 2014 visa a publicação em cordel, embora
Tudo é problema com o Bruno, romance infanto-
apresente um catálogo democrático de gêneros e
-juvenil
autores. Encabeçado pela figura simpática de Josué
bibliotecas do Grajaú.
Gonçalves de Araújo, o selo publicou mais de 66
como Raquel não vê retorno financeiro para a
títulos, entre romances, poesias, biografias e
editora no horizonte: “Mesmo que a gente tenha
cordéis totalizando quase 10 mil impressões “em
participado de várias feiras, festivais e editais
acabamento impecável, arte singular e papel de
de livros para prefeitura [de São Paulo], o
ótima qualidade”, relata Seu Gonçalves, ganhador
nosso objetivo sempre foi fazer o ‘trabalho de
em 2011 do Prêmio Mais Cultura de Literatura,
formiguinha’, isto é, promover uma base sólida
no município de Assaré. “Sou uma editora de
onde todos possam se apoiar: porque é esse o
um homem só!”, esbanja carisma Seu Gonçalves,
centro do nosso projeto, é a pessoa, é o ser o
quando perguntado se a editora lhe vem dando
humano.
de
Vinicius
Rossato,
sucesso
nas
Silvana, contudo, assim
muito trabalho: “é uma alegria ver a realização
Pensando em congregar autores, títulos e
de uma pessoa frente aos seus olhos; na vida
talentos de editoras espalhadas pelas bordas da
você não precisa fazer nada por recompensa, se
cidade São Paulo, Leite, juntamente com autores
você estiver fazendo um pouquinho pelo outro,
consagrados da cena da literatura periférica
você já faz muito pra você”, completa.
como Sérgio Vaz e Sacolinha [Ademiro Alvez],
Outro projeto editorial que tem chamado
está agregando pessoal, recursos e pesquisas
muita atenção nas periferias é a iniciativa
para fundar a Câmara Periférica do Livro (CPL),
Selo Capsianos. Criada dentro projeto social
uma “paródia” como mesmo brinca no programa
CapsArtes(Centro de Arte de Promoção Social)
PublishNews: “o objetivo principal do projeto
que ocorre no bairro do Grajaú há 30 anos, a
é visibilizar, dimensionar e apoiar o recente
editora nasceu de um desejo antigo do núcleo duro
movimento
da organização, como afirma Andressa Silvana,
independentes situadas e atuantes nas periferias
coordenadora de atividades culturais da ONG “em
de São Paulo, criadas por coletivos e escritores/
2016 pudermos realizar um sonho antigo nosso,
as, a fim de difundir a literatura por eles/
que
as
inclusive
consta
no
estatuto
da
nossa
de
produzida
editoras
e
e
fortalecer
selos
editoriais
economicamente
os
Ilustração de Victória Novais
espalhados
elaboração
\\ REPORTAGEM
empreendimentos”, acredita Leite evocando no projeto uma saída para a crise que desmorona o mercado editorial brasileiro: “é perceptível que
“Nosso estilo literário é nosso maior desafio”
há um esgotamento das megalojas, um dos motivos da crise das gigantes Saraiva e Cultura, a CPL aposta também na volta das livrarias de bairro. Se cada livro tiver um potencial de venda de 300 exemplares em média, estamos falando de um público consumidor de 75.000 pessoas, se considerarmos, ainda, o preço médio de R$20,00 chegamos a um volume de R$ 1,5 milhão”, completou. Com
data
de
lançamento
prevista
para
novembro, Leite acredita no sucesso da Câmara Periférica do Livro dependerá do engajamento das editoras e dos autores que delas fazem parte:
“oficialmente,
a
gente
vai
lançar
a
Câmara Periférica do Livro (CPL) em novembro. Terminado esse primeiro momento de pesquisa e de conhecimento das possibilidades de mercado, vamos abrir a Câmara nesse mês para que novas editoras possam participar dessa rede.”, afirmou ao podcast. No programa, leite dá uma prévia para o que vem por aí: “o projeto tem seis ações, sendo a primeira uma pesquisa de perfil: afinal, quem são essas editoras de periferia? Como publicam, de que modo vendem, o que pensam pra o futuro? ; A segunda é um catálogo comum, são 375 livros, de dezoito editoras”; a terceira coisa, é que nós vamos sistematizar cinco estratégias conjuntas de
publicação:
criar
um
depósito
comum
no
centro, por exemplo; a quarta coisa é criar uma feira de livros onde esses selos editorias sejam as protagonistas, que seria, se possível, feita presencialmente em novembro e se der [em função da Covid-19] on-line mesmo; a penúltima é fomentar um subsídio para que essas editoras entrassem de graça em feiras do livro, como a Unesp; e por fim, teremos fóruns de negócios que darão um apoio às editoras para as três possibilidades de sobrevivência para editoras da periferia.
Se
para
editoras,
autores,
gráficas
e
ilustradores da periferia a CPL representa uma alternativa rentável de seus pequenos núcleos, assim como deslumbra uma saída para as crises das grandes editoras e livrarias, Caio Vitor Miranda, professor de literatura comparada da UNESPAR e idealizador do canal Littera-se — onde promove cursos gratuitos sobre a literatura produzida nas franjas da sociedade —, acha melhor ver com cautela esse movimento de inclusão de autores às margens: “hoje na pandemia, depois do movimento do Black Lives Matter, o que nós observamos é um boom de livros de autoria negra sendo vendidos,
sobretudo
aqueles
mais
conhecidos
pelo público [Djamila Ribeiro, Carolina Maria de Jesus e Angela Davis]”, diz. Na avaliação do professor há um oportunismo de grandes editoras como
a
Companhia
das
Letras
em
capitalizar
sobre autores negros e na diversidade quando os protestos tomavam as ruas e os leitores ficam reclusos em suas casas: “ao meu ver, quando este momento passar da pandemia passar, e os ânimos do Black Lives tiverem se apagado, as editoras vão
voltar
a
divulgar
aquele
Best-Seller
motivacional pasteurizado. É só ver a carta que a Companhia [das letras] publicou outro dia. Assim, é uma onda onde a produção [de livros de autores negros] está alta, mas penso que logo ela cairá, certamente”, completa. Ainda segundo Miranda essa onda de apropriação não é novo na literatura das periferias, sendo protagonizada sobretudo pelos próprios autores: “[O movimento de literatura periférico] está se tornando um movimento de moda, porque ao mesmo tempo que você vê que existem vozes que questionam, tem uma galera que entra por uma questão de moda, pra ganhar um certo renome. É aí
REPORTAGEM //
que você vê que a pessoa não é da literatura e ela
livros sejam lidos, mais textos sejam divulgados,
não tem nenhuma pegada para discutir aquilo que
que o contexto de nossas falas seja por meio da
ela escreveu, mas tá lá pra colher os louros do
leitura do que se narra nas histórias.”
trabalho dos outros; um nome onde isso fica muito
claro é no próprio Geovani Martins”, completou.
literatura, sobretudo nos espaços da Academia é
Raquel, por outro lado diverge do professor:
“saber reconhecer naquela literatura algo tão
“Não vejo problema em caras tipo o Sérgio Vaz
bom quanto Machado de Assis”. Ainda segundo o
e o Ferréz sendo publicados por editoras mais
professor, felizmente há motivos para se manter
comerciais,
esperançoso com
porque
esses
autores
são
a
Miranda,
a
maior
barreira
dessa
reconhecimento, mesmo tardio,
nossa porta de entrada para as livrarias e pro
do movimento literário das margens: “pelo menos,
pessoal que não é de periferia. Mesmo assim [com
pelas experiências que eu tive na universidade
autores marginalizados sendo publicados pelas
onde leciono, conheci vários professores que
grandes editoras], a ‘barreira invisível’ que
têm tido outros posicionamentos frente às obras
nos segrega é a forma como escrevemos: nosso
desses autores do dito nicho periférico. Não
estilo literário é nosso maior desafio, digo isso
sei se é algo geracional, mas acho que com
por experiência própria”, completa. S e g u n d o
esses novos docentes, tenho esperança que essa
Ferréz, essa dificuldade de publicação de obras
Academia mude, sabe? É saber legitimar essa
vindas das quebradas ocorre em decorrência do
sabedoria, esse poder artístico que eles têm.”,
preconceito
diz.
que
essas
obras
e
seus
autores
sofrem, uma vez que elas não são vistas como “literatura”
eles
são
considerados
o
reconhecimento
nos
espaços
como
acadêmicos e nas grandes redes de livrarias,
“sérios”: “Tem uma coisa aí de olhar o assunto,
Souza diverge de alguns pontos do professor
e não a obra de arte, de olhar pra vida do cara,
Miranda, mas ressaltou a força que emana das
e não o trabalho em si, isso é triste, porque
próprias comunidades que marca
como artista o periférico nunca fica legitimado,
“Ficamos
ele fica relegado ao assunto.”, afirmou. Elizandra
com exceções, a maioria de nós — e falo isso
Souza,
muito em minhas palestras —: tem, e falo por
do
nem
Sobre
autora de Águas da Cabaça e ativista
feminismo
trabalhar
negro(a) desconhecida na sociedade no geral,
lidos,
apreciados
mas reconhecido(a) e legitimado(a) pelos saraus
pelo contexto... falamos em mesas de debates e
periféricos. Dentro desse universo sei o quanto
bate-papo sobre tudo, contexto, discriminação,
a minha literatura é potente e curativa”. “Volto
periferia, machismo, racismo, menos do texto
a dizer: minha escrita também está a serviço da
literário. Eu estou sempre conversando e colocando
luta e ao mesmo tempo buscando reconhecimento
literatura
socióloga,
das nossas subjetividades e anseios literários.
antropóloga, historiadora, cientista social, eu
Só consigo falar desse poder de transformação
sou escritora!
de dentro dos nossos quilombos”, completa.
na
conversa;
entrevista
podemos
Frentes Versos concorda com o autor: “não somos são
em
não
mim mesma, consciência que é um(a) escritor(a)
textos
também
mas
à
nossos
negro,
felizes,
os leitores:
sempre
não
sou
É isso. Precisamos que nossos
Ilustração de Victória Novais
até
Para
VERSOS DA MUDANÇA
Giovana Proença
Retrato da marginalidade brasileira na literatura anterior merece destaque para compreendermos a cena literária marginal e periférica de nosso tempo.
Das
margens
se
abrem
novos
De
ângulos:
caráter
essencialmente
político,
a
visão
poesia marginal combatia repressões múltiplas,
marginal. O centro ganha uma nova ótica e novos
que ultrapassam a força autoritária no regime
prismas refletem zonas nunca antes iluminadas.
de
Como na fotografia, a câmera apreende a imagem
estabelecidos
em expansão. Paisagens e horizontes captados
lirismo de formas cultas e rígidas, às vezes
pela primeira vez invadem as cenas literárias e
herméticas, que a liberdade de experimentação
constroem imagens poéticas de versos que trafegam
dos poetas mimeógrafos pretendia flexibilizar.
por estradas desbravadas. Mas um problema se
Abusam da escrita coloquial, próxima à fala
coloca: qual o caminho dessa nova luz incerta
cotidiana, da condensação dos versos, do poema
que foi desfocada por tantas outras?
piada oswaldiano, da narratividade dentro da
perspectivas
ocultas
se
desvendam
na
Geração marginal. Poesia marginal. Geração mimeógrafo. Muitos termos nomeiam o movimento
exceção
e
se na
emaranhavam literatura,
nos a
padrões
partir
do
poesia; em inovação próxima da proposta pelos primeiros poetas modernistas brasileiros. A proximidade com a fotografia — expressão
que se apoderou da arte e da cultura brasileira durante a década de 70. Na sucessão dos ritmos
artística
da
modernidade
e cores do Tropicalismo, a Geração marginal foi
no
também resposta sociocultural se
diferenciando
momento, em analogia à febre polaroid que tomou
da música que dominou o cenário da Tropicália
os anos 70. Mais do que a fotografia, a poesia
por meio da apresentação de forma mais latente
marginal nos coloca em relação íntima com o
na poesia. Seja Marginal Seja Herói crava obra de
fotógrafo, ser em latente presença, que entra
Hélio Oiticica, um dos mais relevantes artistas
em descompasso com a sua ausência, graças à sua
visuais relacionados ao movimento, ao lado de
interlocução interrompida no enquadramento da
Lygia Clark.
história em nossos olhos.
poema-minuto,
a
—
se
revelação
mostra
ainda
instantânea
do
poéticos,
A Contracultura, rastros de contestação de
a primeira leva de marginais revolucionou o
movimentos das décadas anteriores, na busca social
mercado
ao
por novos meios de comunicação e em preceitos
eixo, em meio à repressão da ditadura militar,
alternativos dentro da mordaça do status quo,
com a instauração do AI-5 e a vivência dos Anos
foi o ambiente de liberdade propício para a
de Chumbo. O problema da veiculação e custo
flexibilização temática e do verso da geração
das obras de seus expoentes encontrou resposta
marginal. “Viva a sociedade alternativa”, canta
em um instrumento que estampa o nome daquela
Raul Seixas, enquanto o Secos & Molhados agitam
geração: o mimeógrafo, a cópia da escrita em
em suas performances o som nacional da década
termos etimológicos.
de 70, com Ney Mato Grosso rebolando em frente
Com
seus
clamores
editorial,
em
versos
heroicamente
fugiram
ENSAIOS // às câmaras de um regime de aço. A poesia marginal, em sua faceta de geração mimeógrafo,
trouxe
a
valorização
de
Poesia: 1970
livros
artesanais, produzidos fora dos eixos do mercado
Tudo que eu faço alguém em mim que eu desprezo
editorial, quase sempre pequenos e que deixam
sempre acha um máximo.
a dúvida: seriam capazes de aplacar a fome do leitor?
Curtos
e
selvagens,
semelhantes
aos
plaquetes e zines de hoje, subvertiam o verso e
Não dá mais pra mudar nada.
causavam a indigestão poética de uma refeição
Já é um clássico
farta.
- Paulo Leminski, em Distraídos Venceremos
Os
poetas
símbolos
da
geração
marginal
apresentavam um perfil comum: eram intelectuais e artistas de classe média, universitários, e foram consagrados pela antologia 26 Poetas Hoje, organizada
por
Heloísa
Buarque
de
Hollanda.
Pioneiro na utilização do mimeógrafo, o carioca Chacal foi manifestante pela renovação da poesia e um dos fundadores do coletivo de arte Nuvem Cigana, famoso por suas artimanhas em meio ao cenário de repressão do regime militar. Cacaso, também natural do Rio de Janeiro, era sempre registrado e
os
com
óculos
os
cabelos
redondos.
compridos
Sintético,
soltos
satírico,
Revelado,
o
filme
da
máquina
fotográfica
nos entrega Ana Cristina César: ar superior na postura estática e os volumosos cabelos na altura dos ombros, o mistério completo pelos óculos escuros, modelo clássico dos anos 70. Ana se apresenta, mas mostra apenas o que escolhe exibir. Os penetrantes olhos azuis, esconde atrás das lentes. Com eles, grande parte da intimidade que fascina os adeptos de sua literatura. Se me arriscasse a definir Ana Cristina César em uma palavra seria “múltipla”; transita com
reflexivo: o fluminense brincava com as palavras,
elegância entre a poesia, a prosa, o ensaio e a
a emotividade contida em versos condensados.
tradução. Ana oferece um respiro: a politização do cotidiano. Com a astúcia necessária para
MEDITAÇÃO
ironizar
Com meu amor eu me envolvo felizmente.
métodos
de
seu
próprio
movimento,
reproduz cartas e diários. Indissolúveis, ficção
Mas também me des
e fatos são mesclados. Na máquina de escrever,
envolvo
ata no mesmo laço prosa e poesia.
Infelizmente?
O
– Cacaso, no livro Lero-lero, Cosac Naify
poder
de
Ana
C
está
na
configuração
de sua sintaxe, única na poesia brasileira,
O mineiro Francisco Alvim, que também foi diplomata, goza do reconhecimento pelo Prêmio Jabuti de 1988, concedido à coletânea Poesias Reunidas. Paulo Leminski, expoente do haicai em terras tupiniquins e principal nome da poesia Ilustração de Isabella Nakano
Mal rabisco
sobretudo, em busca de agarrar o agora. A poesia de Ana Cristina se desenrola no momento, não é apenas o presente suspenso, é o instante. Mas o agora é arredio, ele muda de ângulo, obrigando a escritora a alternar os focos de sua
concreta – dono de uma das mais concretas obras
câmera. Nasce a velocidade do ritmo poético, a
poéticas brasileiras do século XX – tem sua
profusão de cenas e sentimentos que se lançam
celebridade estendida ao século XXI: é um dos
em velocidade. Um relance do olhar e o instante
vários fenômenos efêmeros de compartilhamento
já vira memória, carregada de seus sentidos
nas
redes
sociais.
Grande
experimentador
e
muitas vezes provocativo, Leminski flertou com a música, gerando uma poesia de contrários, na erudição e na desconstrução formal.
emocionais. Ler Ana é acompanhar a recordação e a estranheza em velocidade máxima, os tempos em colisão.
\\ ENSAIOS “e na deck chair
como narrador, como afirma Antonio Candido —
ainda te escuto folhear os últimos poemas
retrato satírico do povo brasileiro. O
decênio
de
1930,
marcado
por
forças
-Ana Cristina Cesar, em Cenas de Abril
ideológicas, resgata o regionalismo em tom de
Ana
de Queiroz descobrimos a aridez da vida no
Cristina
Cesar
questiona
a
criação
marginal. Em matéria para a IstoÉ, nomeada “Muito riso, muito siso”, afirma que na época não era mais possível a “produção marginal inocente, de pequeno circuito”. Cercada de nomes da linha cultural avançada do país, como Cacaso e Maria Padilha, a autora chega a indagar Leminski sobre os moldes independentes. A Geração Marginal da década de 70 marcou a incorporação lírica de novos moldes, em rompimento com formas rígidas estabelecidas na poesia e fuga da estrutura cultural tradicional. Ainda assim, é importante pensar o lugar de onde falavam seus representantes, universitários, intelectuais de classe média. O histórico brasileiro de retrato da marginalidade na literatura, seus temas e personagens, merece destaque para iluminar o momento literário marginal de nosso tempo. Ainda no romantismo, se estabeleceu uma tentativa de representação de populações nunca antes colocadas na literatura, mas ainda repletas de idealismo pelo olhar colonizado, como o romance indianista de José de Alencar. No pré-modernismo, Euclides da Cunha e Monteiro Lobato instauraram a figura do sertanejo, embebida de preconceitos e teorias de racismo científico. Com maior êxito, Lima Barreto – o triste visionário — construiu uma obra que abrangia grupos marginalizados com olhar empático, provável reflexo da trajetória do próprio Barreto, interrompida pelo alcoolismo descometido. Os modernistas foram responsáveis, na década de 20, por incorporar inovações temáticas e estéticas que influenciaram a Geração Marginal cinco décadas depois. Oswald de Andrade, difusor do poema-piada, escreve os versos em “Erro de português”: “Quando o português chegou/ Debaixo duma bruta chuva/ Vestiu o índio/ Que pena! Fosse uma manhã de sol/ O índio tinha despido/ O português”. Mário de Andrade, em seu esforço pela
denúncia, por meio de Graciliano Ramos e Rachel sertão nordestino, um mundo à margem das cidades ascendentes, já Jorge Amado
volta seu olhar
para os conflitos proletários e a consciência dos trabalhadores,
ao mote de Capitães da
Areia. Mais do que nunca, grupos marginalizados são retratados como personagens na literatura, em teor social. Em seu regionalismo próprio construído com maestria em Primeiras Estórias, Guimarães Rosa coloca os sertões em conflito com a urbanização crescente na segunda metade do século XX, definindo as fronteiras de um mundo rural colocado à margem e suas desrazões. Duas mulheres negras podem ser consideradas percursoras da literatura marginal que circula nos dias de hoje: Maria Firmina dos Reis e Carolina Maria de Jesus. Primeira romancista brasileira, Maria Firmina dos Reis usou seu romance
Úrsula,
abolicionistas.
como
veiculação
dos
ideais
Carolina Maria de Jesus foi
morador da periferia paulista e sustentou os filhos com a função de catadora de papéis. Uma das primeiras autoras negras publicadas no Brasil, sua principal obra, Quarto de Despejo, de 1960, repercute sua própria experiência “A tontura da fome é pior do que a do álcool. A tontura do álcool nos impele a cantar. Mas a da fome nos faz tremer. Percebi que é horrível ter só ar dentro do estômago”. A questão da literatura marginal brasileira de hoje é sobre ter voz. Os poetas marginais têm se feito escutar, não mais como personagens retratados, mas como narradores e eu-líricos com protagonismo próprio. A nova geração usa das inovações propostas e da desconstrução de moldes tradicionais, para fugir ao academicismo rígido da literatura e partir disso cria uma poética de vivência e universalidade.
Assim, nos dias
de hoje, assistimos os caminhos mais plurais da literatura brasileira, versos de conquista
linguagem coloquial e no resgate da mitologia
do espaço para novas vozes se manifestarem na
brasileira, escreveu Macunaíma — sua rapsódia
poesia.
Ilustração de Isabella Nakano
com metade de um sorriso”
ATÉ ONDE SOA O VERSO? Em entrevista à Frentes Versos, Raul Sales, poeta e produtor cultural, fala da importância da poesia nas quebradas.
Tomás Fiore Negreiros
ARTISTAS FALAM //
Frentes Versos — Para começarmos a conversa,
“Como um ataque cardíaco No verso violentamente pacífico, verídico Vim pra sabotar seu raciocínio Vim pra abalar o seu sistema nervoso e
(Trecho de “Capítulo 4 Versículo 3” música dos Racionais MC’s)
MC’s sabotavam raciocínios e abalavam sistemas nervosos com suas rimas e versos violentamente pacíficos. Na época o grupo lançava seu quarto álbum, Sobrevivendo no Inferno, que bateu 500 mil cópias vendidas. O “fenômeno na periferia logo fez sucesso entre outros grupos sociais de diversas regiões”, conta Raul Sales, autor do artigo “Capítulo 4 Versículo 3” na academia, Domício Proença e Alfredo Bosi na periferia (publicado no site da Frentes Versos). Morador do Parque Savoy City (Zona Leste de São Paulo), organizador e frequentador de saraus, Slams e batalhas, Raul é um dos muitos artistas fortemente influenciados pelos discos e letras dos Racionais MC’s. Estudante de Letras no Instituto Singularidades, Raul já atuou em coletivos culturais e organiza oficinas de rimas e poesia em escolas públicas na Zona Leste. Em nossa conversa virtual, pudemos falar Ilustração de Victória Novais
educador,
sua
te
agradecer
pela
participação,
Raul. Queria que você contasse um pouco da sua
história: Como que você começou a se envolver com sarau, com produção cultural? Como que foi
experiência
organizador
Raul Sales — Bom, queria agradecer o convite.
(risos) Já deixar antecipado. O meu corre começou através de organização
Era 1997 quando Mano Brown e os Racionais
a
de
a sua trajetória?
sanguíneo”
sobre
gostaria
de
de
poeta,
saraus
artista, e
Slams,
estudante, consumidor de cultura, participante de batalhas de rimas e cidadão paulistano. Além disso, Raul contou sobre seus trabalhos, o que planeja para o futuro em vista da pandemia e concebeu uma palinha ao recitar uma poesia de sua autoria. (poesia esta que você pode ouvir no Podcast com a entrevista na íntegra).
de batalha e saraus. O primeiro contato foi direto com o coletivo Ocuparte, que é um coletivo que residia no Parque do Carmo e a gente fazia alguns saraus mensais; através desse coletivo também conseguimos alguns projetos que a gente rodou bastantes casas de cultura na Zona Leste. Também conseguimos iniciar um projeto bem legal que “foi” as oficinas de poesia e de rima, que deu uma sequência em algumas escolas. E aí eu participei, fui oficineiro e organizei junto com um amigo meu. Esse projeto das oficinas ganhou oportunidades: fizemos ele em duas, três escolas aqui da Zona Leste mesmo. Tudo escola pública. E aí o fizemos fora do coletivo, foi bem legal! Foi o início de tudo; quando tudo era mato (risos).
E você fazia essas oficinas nas escolas,
para criança ou adolescente? Como é que você
via a percepção deles quanto a esse trabalho? Você acha que a poesia impactou a vida dessas crianças?
Mano, foi uma experiência muito legal porque eram crianças do fundamental II e próximas aqui ao bairro. Então eles, de certa forma, também conseguiram ter contato com as batalhas que eu estava organizando na época, que já aconteciam. Alguns
deles
tiveram
contato
e
tiveram
oportunidade de ir e participar. Eles gostaram muito; foi um projeto muito legitimado pelos alunos porque, através dele, eles conseguiram
\\ ARTISTAS FALAM aprender a criar os zines, a criar rimas na
Exatamente isso.
hora e poder dar mais valor a esse trabalho de
Acho que a situação é que a valorização da
português, que também trabalha com aspectos da
cultura da periferia deve ser maior, mas nós
poesia. Eles curtiram bastante. Teve aula com
já produzimos cultura: os saraus, os Slams,
Rap, com Funk e foi onde eles quebraram aquele
as batalhas que acontecem na Zona Oeste, no
muro que tem entre o aluno e o professor, porque,
extremo da Zona Leste, Tiradentes, Itaquera, [a
com o projeto, eles [alunos] conseguem ver que
cultura] já é produzida. E não é de meses, não
a cultura da escola também pode ser a mesma que
é de dias, são de anos atrás. É a valorização
a deles, só que apresentada de forma educativa.
delas que deve ser levada em conta.
Qual que é a importância dos movimentos
culturais
dentro
cada território?
das
comunidades,
dentro
de
Fazer com que as zonas se locomovam até o centro não é tão bom quanto se você tiver uma batalha na sua quebrada, quanto se você tiver
Mano é de suma importância. Porque, tipo,
uma batalha perto de onde você mora. E aí isso
eles [alunos] já estão em contato com diversas
vai fazer com que a comunidade já se una. Porque
situações que não são boas pra eles. E a gente
o pessoal pensa: “ah, eu já conheço aquele mano
sabe que o acesso à educação, à cultura, a museu
ali que eu vi na minha escola e, eu vendo ele no
é muito forte no centro; só que nas periferias a
movimento da batalha, ou do sarau, eu tenho mais
gente não tem acesso a um museu aqui próximo, a
um motivo pra gente trocar ideia e tal”. Rola
gente não tem uma Casa de Cultura aqui próxima,
muito aquela identificação com os lugares que
não tem dispositivos de cultura. E quando eles
a gente frequenta, isso pode até ser um passo
[alunos]
eles
a mais pra você ir - “ahh vamo lá na batalha
conseguem perceber que não existe só um caminho:
da Zona Oeste, que é de um amigo meu e tudo
existem diversos caminhos, e isso pode levar
mais.” — E aí você já entra em contato com uma
à valorização dos estudos deles, e fazer com
outra cultura, que é da Zona Oeste e tudo mais.
que eles cheguem mais longe no progresso que
E por mais que esteja dentro de São Paulo, são
eles querem percorrer. Eu acho que isso é muito
diferentes as batalhas, são diferentes os modos
importante: acesso à cultura, e a valorização
de produzir cultura.
entram
em
contato
com
isso,
dela dentro das escolas e das comunidades devem
Fiquei pensando agora nisso: em 2018 eu
ser cada vez maior.
fui na final do Campeonato Brasileiro de Slam lá
ver apenas como receptor de cultura, para se
pessoas valorizando e gerando visibilidade para
É aquela coisa também: você deixa de se
enxergar como produtor de cultura também, né?
Exato, exato. Porque eles também têm muito essa percepção de que cultura é algo distante deles, algo que já foi, de que é uma vivência muito específica. Agora, quando eles passam a
no Sesc Pinheiros, e o lugar estava cheio de o evento; mas pensando naquilo que você falou,
também é importante que esses eventos sejam em
outras regiões menos centrais, onde você possa criar uma cultura própria dessas localidades, né?
produzir cultura, aí eles já começam a ter uma
Exato, é muito importante! Eu acho que o
perspectiva diferente e há uma valorização com
Slam tá ganhando mais a cena, tá sendo mais
isso.
valorizada
pela
conseguindo
entrar
Então,
pensando
um
pouco
no
seu
olhar
sobre a distribuição da cultura no território
paulistano, você acha que a importância dos
movimentos culturais está em poder trazer a
cultura para mais próximo dessas regiões que são tão…, são tão… não sei que palavra poderia usar.
Não são tão valorizadas!
sociedade, nos
porque
espaços
de
ele
tá
educação:
a gente tem o Slam Interescolar hoje, e ele consegue abranger diversas escolas de São Paulo e fazer com que surjam mais torneios de batalhas de poesia,
isso faz com que os alunos escrevam
e tenham mais motivação pra se expressar, pra escrever. Isso é um modo de produzir cultura também:
fazer com que as crianças tenham esse primeiro
escreveu porque percebe que ela teve contato
acesso desde o começo da educação delas é algo
com aquilo, mas também não desandou, não foi pra
maravilhoso. Se você for pegar no começo do
outro caminho e tudo mais. Valorizando
essa
produção
cultural
da
começava a ser formada na pessoa só depois dos
criança, do adolescente, ou do adulto, você
20 anos de idade. E se ela fosse correr atrás
tira ele desse caminho que ele vivenciou e que,
ainda, pode ser que nem ocorreria, né? Agora, se
muitas vezes, pode ser um caminho perigoso. Você
você já pode colocar isso direto na educação, no
faz com que ele se motive mais para produzir
fundamental, é algo sensacional.
cultura e faz com que ele viva com isso também.
do
Na sua visão, qual é o potencial da poesia,
Slam,
para
transmitir
uma
mensagem
que,
muitas vezes, não seria tão bem recebida, ou não
seria tão impactante, caso fosse apenas falada? Mano, o impacto dela [poesia] é enorme: às vezes as crianças passam por diversas vivências que a gente não faz nem ideia. São absurdas, mas pra elas é normal porque elas não têm essas perspectivas, não têm esse senso do que que é perigoso e o que não é. E aí, quando elas tratam isso na poesia, numa maneira de retratar o dia a dia, ou numa maneira de criticar o dia a dia, você vê o quão absurdo pode ser alguma coisa que
Essa é um pouco da importância (risos): você tirar ele do caminho que, muitas vezes, não vai ser um caminho muito bom, que pode acabar levando à morte, à prisão, às drogas, a milhares de coisas. Pra você fomentar a produção cultural dele e a poesia dele: a arte dele. Você
fala
dessa
questão
como
um
espaço
de legitimação, né? Você está legitimando a experiência dela. Total!
Passando um pouco para a sua experiência:
você falou que organizou muitas batalhas. Você chegou a participar delas também?
ela tenha passado numa vivência de quebrada. E
Eu participei pouco de batalhas de rima.
aí você dá uma valorização para aquilo que ela
Participei mais de Slam, de batalha de poesia.
Ilustração de Victória Novais
século, a cultura, a produção cultural, ela
\\ ARTISTAS FALAM
Batalha de rima, sinceramente, eu não consegui
é uma forma de se expressar; é uma arte, uma
desenrolar
mais
crítica, ou pode ser um abraço pra alguém que
ali. Mas eu já organizei [batalhas de rima]
precisa de um abraço. Quando eu trago esse
e quando eu participava, quando eu encostava,
repertório de poesias que acontecem no Slam
eu gostava de recitar poesia no intervalo das
— que muitas vezes até não são minhas, mas é
fases. Normalmente tem 3 ou 4 fases: aí temos a
legal se trabalhar outros autores também, com
primeira chave, segunda chave, terceira chave,
diversos usos de texto — eles conseguem ter essa
até chegar na final. Normalmente eu pedia pra
perspectiva e já quebrar isso de que poesia é
recitar uma poesia durante esse intervalo das
algo clássico, que só Camões poderia falar de
chaves.
amor, sendo que não é bem assim que acontece.
ler uma poesia entre as batalhas? Não destoava
ler entre as batalhas, o que você geralmente
Era da hora porque, por mais que seja uma
Bom, eu trago muitos poetas da atualidade
batalha, e eles estão ali pra ver rima na hora,
que eu vejo nos Slams. Como a Kimani, que esteve
pra ver improviso, quando você manda uma poesia,
esses dias no Ted Talks e foi uma conquista
e às vezes a sua poesia vai passar uma ideia —
enorme no corre dos Slams e no corre de produção
ou não também, não precisa passar uma ideia —
é
cultural. Trago também poesias do Rob Soulza,
algo diferente do que está acontecendo naquele
um poeta muito da hora que faz quase que uma
momento ali, é mais uma produção cultural que
poesia no ritmo de Rap, e ele consegue fazer
se soma ao evento. Na hora eles não chegam a
isso à capela, sem beat, é sensacional! E também
pensar “nossa, mais uma produção cultural….”.
tem outros poetas, como o Coca, que está na
Mas sim: “pô, isso daí é diferente. Não é rima
Malhação hoje: ele faz teatro, faz poesia e ele
de improviso, não é rima na hora e tal. Isso
é um moleque muito bom e desenrola.
(risos).
Tem
que
ter
um
a
E a galera curtia? Você acha que casava bem
muito?
aí já foi escrito, foi pensando naquilo e tudo mais”.
Você comentou que leva outros autores para
traz de poesia que não é sua?
Eu trago normalmente esses poetas. E pra aproximar,
algumas
vezes
eu
trago
poesias
E eu também levava os meus zines, né? O
Haicai também, pra mostrar que existem diversos
zine é um jornal de poesia, em que cada página
tipos de poesia, diversos tipos de texto. Aí
que você abre, tem uma poesia. Eu levava eles
eu trago Leminski, trago outras coisas que da
também pra vender, ou pra dar como premiação nas
pra cumplimentar pra trazer esses formatos de
batalhas de rima. E a ligação com os moleques
poesia. Não só poesia marginal, não só poesia
sempre foi muito boa.
clássica. Mas Haicai também, que é algo bem
Que legal! E você acha que, ao levar as
poesias para as batalhas, é desconstruída a ideia de poesia como uma coisa muito distante,
interessante, e é mais simplista, entre aspas (risos).
Exatamente. É simples, mas não é simplista
não sei se “erudita” é a palavra, mas uma coisa
(risos). Como é que se dá o seu processo criativo?
Alguma coisa com esteriótipo de ser algo
Como é que a poesia chega no papel pra você, ou
muito canônica?
muito clássico, né? De ser com palavras de norma culta, e algo mais distante da periferia. Sim, acredito que sim.
O que você gosta de abordar nos seus poemas? no próprio Slam?
Então, eu gosto muito de escrever poesias com críticas sociais, geralmente eu trago mais
Quando eles entram em contato com a poesia
isso no repertório. Mas eu tenho também muitas
marginal, ou com os zines, eles já quebram isso
poesias em que elas falam sobre o tempo; o tempo
e conseguem ter um entendimento de que poesia
é um tema que eu gosto muito de abordar, eu
ARTISTAS FALAM //
Você falou que faz faculdade de Letras:
consigo ver ele de diversas facetas. Bom, a poesia no Slam é diferente de quando vai
escrever
poesia
pra
colocar,
por
exemplo, em uma música. Numa música, que agora
Você traz poesia, Slam, para o que você aprende, pra sua vida acadêmica?
que eu tô produzindo meu EP, ela é de uma forma
Então, os meus projetos de oficina de poesia
diferente: eu preciso ter o beat junto comigo,
e rima, eles aconteciam antes da minha vida
a batida, né? Preciso escrever de uma forma que
acadêmica. Eu tô engatinhando na vida acadêmica,
case com a harmonia e com a melodia, etc.
mas já tá sendo uma experiência muito sensacional,
Já na produção de poesia de sarau, ou de
porque eu tenho contato com pessoas que têm um
Slam, isso não é levado tão em consideração: é
conhecimento muito forte sobre cultura, sobre
mais a sua palavra, é mais a sua rima — se você
produção cultural, sobre Arte Educador. E isso
quiser colocar rima também. Mas a poesia do Slam
tá sendo muito positivo pra mim.
é quase que uma poesia livre: ela não tem tema
Acredito que, quando eu for retomar com
específico, não tem métrica específica, você pode
os projetos de oficina de poesia e rima, vou
brincar da forma que você for. No meu caso eu
ter um repertório muito maior do que eu tinha
trago mais rimas, e trago temas como o tempo
antes, porque o que eu tinha era mais força de
e críticas sociais que eu vejo aqui dentro da
vontade, era querer estar presente, era querer
periferia, e vivências também que eu tive com
mudança. Não tínhamos muita burocracia; a gente
os meus parceiros, ou com os meus amigos, ou
ia nas escolas, batia lá na porta e perguntava:
com a minha família, etc. Eu perdi o pai faz
“ó, tô aqui com um projeto que acontece assim,
dois anos, e esse foi um divisor de águas na
assim, assado e a gente quer trazer aqui pra
minha vida, isso fez com que eu tivesse outras
essa escola. Vocês topam?” Às vezes recebíamos
perspectivas pra outras coisas, e produzisse
não, às vezes recebíamos sim, às vezes nem nos
também com esse tema.
atendiam.
Como a pandemia impactou a sua produção, o
que você escreve?
Mas agora a situação mudou. Acho que, com esse repertório de experiência acadêmica, quando
No meu caso eu acredito que eu estou tendo
chegar com os projetos vai ser algo diferente,
mais tempo pra poder escrever (risos). Antes
vai ser com um repertório e um material bem
era
maior. Com certeza, com amadurecimento vou poder
muito
importante
estar
no
corre,
estar
presente nos eventos, nos saraus. Hoje também
passar isso de uma forma
é importante, assim como vai ser quando as
metodologias ativas que tem hoje na educação.
coisas voltarem. Mas eu acredito que tiveram
Dentro
da
mais mediadora, com as
faculdade
eu
ainda
não
tive
muitas mudanças, porque as batalhas de rima,
nenhuma oportunidade de participar de um sarau.
por exemplo, elas não acontecem da mesma forma:
Ia acontecer no final do semestre passado. Mas,
é muito diferente a presença do público, a
por conta da pandemia, acabou não acontecendo.
presença das pessoas fazendo a rima na hora, da
É algo que eu ainda to criando mais presença,
caixa, é muito diferente no online.
criando meu espaço ali. Ainda não tô tão solto
E pro Slam a mesma coisa, pro sarau a mesma coisa. O que acontece é que eu acredito que o sarau foi o que conseguiu se encaixar um pouco melhor, porque nele você pode ter duas pessoas apresentando e pedir para que os artistas façam o vídeo e te mandem, mas, ainda assim, é outra situação.
(risos).
Você poderia falar um pouco mais sobre a
sua experiência no Slam? Você falou que os Slams estão crescendo, está ganhando outros espaços, mas que que forma?
Eu iniciei a minha participação no Slam no Slam Resistência, mais ou menos no final de 2015,
Ilustração de Victória Novais
você
Como que é? Você traz pra lá a sua vivência?
\\ ARTISTAS FALAM
começo de 2016. Aquele momento foi um choque de cultura na minha vida: eu tava muito forte
topou, que era de outra região, e te reconheceu de algum Slam?
nas batalhas, nos saraus, nos Slams, [tinha
Já aconteceu por conta de estar sempre na
presença] muito forte na cena, e nos projetos
correria: de estar recitando, vendendo zine,
também.
rimando no metrô, vendendo alguma arte. Então
Teve muita gente que eu conheci no Slam que
a gente sempre dá um salve, sempre se conecta.
eu levei pra caminhada e levo até hoje. Eles têm
A gente tá sempre presente em ocupações
um movimento muito legal, muito interessante.
culturais, fazendo sarau. Acho que o momento
Hoje, por exemplo, o Slam da Guilhermina: eles
do sarau é o momento de mais ligação. Porque
conseguem
educação
normalmente as batalhas de rimas e de poesias
pros livros didáticos, coisa que isso nunca
sempre tem a competição. Já no sarau é todo
seria imaginado 10 anos atrás, quando o corre
mundo ali, tá todo mundo junto, às vezes recita
do Slam estava iniciando, e era quase que uma
a mesma poesia que recita no Slam. Mas aí é
utopia. Mas, o Slam da Guilhermina tá ganhando
sem intuito de ganhar alguma coisa, é mais por
uma forte presença nisso e eles estão arrasando
presença, é mais por estar junto, de querer
com os Slams Interescolares também, que estão
produzir mais cultura e ligar a mente junto com
aparecendo em diversos veículos.
o pessoal.
trazer
um
repertório
de
Tem a Batalha Racional, que acontece na Paulista, que também é um Slam; tem o Slam Resistência, que acontecia na Roosevelt; tem o Slam da Guilhermina, tem o Slam do Corre, tem o Slam que é em Libras [Slam do Corpo].
E rola uma articulação entre as organizações
desses Slams? O pessoal de várias regiões da cidade se encontra pra trocar uma ideia?
Agora,
vamos
falar
um
pouco
sobre
seus
gostos: o que você consome de cultura? O que você lê? O que você tá ouvindo? Você acha que
o fato de você ser um produtor cultural te influencia? Eu
to
ouvindo
muita
música
(risos),
tô
ouvindo muito Drill, que é quase que uma nova vertente do Hip-Hop e se assemelha muito com o
Muitas vezes tem batalhas de dois Slams
Trap. Tem um pessoal muito da hora chegando, e eu
contra dois Slams, ou um Slam contra um Slam. E
acho que tem alguns elementos que eles utilizam
eles fazem um evento a mais no mês, porque o Slam
dentro da métrica das letras deles que é muito
acontece uma vez ao mês. E aí ocorre, mais ou
positivo de utilizar em Slams, em saraus. Acho
menos, com 16 poetas e cada um tem três poesias
que esse tem sido uma vertente que eu ouço.
pra poder recitar num total de três fases. A
De leitura, eu tive contato com o livro dos
ideia é que na primeira fase venham 16 poetas,
Racionais [Sobrevivendo no Inferno, Companhia
na segunda fase fiquem 9 poetas, e na terceira,
das Letras], que foi mais pra trabalho com a
e última fase, fiquem 5 poetas, ou 3 poetas, e
faculdade no último semestre. A maioria dos
daí vence um. Sempre tem diversas premiações.
livros que eu vejo são mais pra faculdade,
É mais ou menos assim que funciona a estrutura
como o livro do Saussure [Curso de Linguística
do Slam, assim que ele acontece. Quando a gente
Geral], que fala sobre linguística. Então eu
tem eventos de Slam contra Slam,cada um tem o
acabo pegando mais os livros acadêmicos; não
seu time; aí tem os poetas da casa, eles são
tô lendo tanto livro pra entreter. Isso tem me
residentes do Slam que eles mais participam. É
faltado.
muito da hora. uma
Que massa. Esses eventos acabam se tornando forma
de
frequentar
a
cidade
e
de
ver
lugares onde acontecem esses eventos e a gente
nem sabia. Nessa linha, teve gente com quem você
Tô focando mais em produzir: a forma que eu vi esses últimos tempos o Gregório de Matos, a forma acadêmica que eu também vi a perspectiva de produção cultural dos Racionais mudaram um pouco a minha forma de produzir cultura. E eu
ARTISTAS FALAM //
acho que eu tô tentando absorver isso ao máximo para produzir nesse momento. Então tá sendo um intervalinho entre o semestre anterior e o semestre que vai vir agora.
Sobre os Racionais: você falou que tinha
escrito um trabalho, né? Como foi?
Foi um artigo muito legal, que relaciona a produção dos Racionais, do Sobrevivendo no Inferno, com as teorias literárias do Domício Proença e do Alfredo Bosi, que são dois grandes professores que têm umas ideias muito legais: a do Alfredo Bosi é mais ou menos de captar a imagem e transcrever ela em poesia; a do Domício Proença é mais a situação de tom nas linhas da poesia —
que pegaria a tonalidade que as
melodias, que as músicas dos Racionais tem. Eu fui aprofundando [a discussão] e lá tem muita coisa legal; deu um artigo imenso. Aí eu contextualizei tudo, o Racionais anteriormente, antes deles serem lançados como um grupo. E a música que eu trouxe como análise foi “Capítulo 4 Versículo 3”, do álbum Sobrevivendo no Inferno, e ela traz umas informações muito importantes da época que vale a pena perceber, vale a pena você ouvir e dar uma atenção, ainda mais relacionado com
essas
teorias
literárias
desses
grandes
mestres que são o Alfredo Bosi e o Domício. Ficou muito interessante. Eu fiquei morrendo de vontade de ler esse
texto. Quando você falou pra mim, achei muito
legal o tema. Bom Raul, muito obrigado cara. Foi
muito bom poder falar com você, poder ouvir a sua experiência.
Só agradeço meu mano, de verdade! É muito da hora, muito importante esse corre que vocês
Ilustração de Victória Novais
[Frentes
Versos]
estão
fazendo
de
levar
a
informação concreta da produção cultural que acontece nas periferias de São Paulo, é de suma importância. É daí que acontece a valorização, é daí que acontece a reflexão das pessoas sobre essas produções culturais, sobre esses artistas. O trabalho de vocês é veicular, é fazer essa mediação, é fazer a informação chegar. Da hora mesmo, de verdade.
PASSAGENS DA CENA Bruno Pernambuco
Na era da dinâmica de redes, as relações centro-periferia, clarasgema são ressignificadas a partir das
dinâmicas
sociais-políticas
realizadas nesses espaços, isto é centralidade das franjas e rearranjo de centros. O tempo também apresenta suas esperas, e suas contradições. A vivência do tempo, especialmente num momento em que essa experiência perdeu todo o seu significado social compartilhado, não é uma mesma: é diferente o
tempo de uma espera
pacata e particular, que ora se vê destituída de sentido, ameaçada por angústias e aflições; mas que parte de uma segurança, daquele tempo de uma vida indigente, a quem a própria existência de
existência,
da
condição
mais
elementar
da segurança e da garantia da vida, depende da
transitoriedade,
experiências
perdem
e
ao
mesmo
qualquer
tempo
unidade
essas diante
de um esvaziamento do espaço público e dos atravessamentos que lhes põem frente a frente. A forma como essas múltiplas vivências do tempo se colocam em sobreposição geram cisões, atritos, e dessas linhas de força surge uma matéria para a elaboração artística, que, ao mesmo tempo, aí se vê numa posição delicada, que facilmente se escapa para um lugar privilegiado, altivo e que assim incorre numa reprodução dos preconceitos e da violência que é posta sobre essa gente desamparada. Especialmente as ações teatrais, na região há
muito
tempo
têm,
contidas
em
si,
como
forma de seu próprio trabalho as contradições que se estabelecem num espaço transitório e multiplicado. Durante a escrita deste texto, foi determinada pela Justiça uma nova ação de despejo contra a Companhia Pessoal do Faroeste, em sua sede na região da Luz, e junto à revolta
Ilustração de Igor Vice
da Cracolândia, no centro velho de São Paulo,
ANÁLISE //
persiste, também, uma sensação de pouca surpresa
integrante da companhia, em nossa conversa. “Isso
com a notícia. A tentativa de desfazer a memória
tem muito a ver com a nossa atuação política,
toda uma luta dos direitos humanos traduzida
especialmente considerando como o trabalho no
naquele espaço — através da ação da Ocupação
Teatro de Contêiner começa a acontecer muito
Cultural Jeholu, e do funcionamento de um balcão
próximo da eleição do Dória, e da promessa de
de
Advogados
‘limpar a Cracolândia.’”, entoou. A demagogia do
do Brasil (OAB) — através de uma intervenção
caso é emblemática: a jura de “proteger o corpo
seca, precisa e indiferente é uma imagem que cai
social” a partir da exclusão e do apagamento
perfeitamente com as incongruências trazidas
figurado e literal de um grupo repete a ideia da
para
e
criação de um povo, e de uma dita unidade que só é
vida
interessante na medida em que legitima a violência
social de um país, deixada sem amparo com a
necessária para manter uma esfera dominante,
queda de tudo aquilo que (mal) estabelecia uma
definida por classe, por raça e por status. Assim
aparente coesão social .
se reproduz uma lógica punitiva e militarizada
atendimento
um
espaço
sentimentos
da
Organização
num
momento
radicais
dos
em
atravessam
que toda
ações a
A atuação engajada do Faroeste, contudo, reflete
também
uma
necessidade
específica
do
trabalho que se liga com o seu espaço — de
da segurança, num reestabelecimento constante de uma reversão do papel do Estado: a proteção e o acolhimento dos mais vulneráveis
expansão de um sentido teórico, distante, da
O teatro, assim, existe num deslocamento em
obra artística, e de um entendimento de que tudo
relação aos dispositivos culturais oferecidos
aquilo que é proposto artisticamente se coloca
no centro.
numa ação política, social, carregado de uma
para o público, e há lugares que buscam um
literalidade real. O antigo prédio da Rua do
público, ou uma público, ou ume público”, define
Triunfo e o espaço do Teatro de Contêiner, da
Felipe. “Mesmo em espaços públicos que existem
Companhia Mungunzá, de qualquer forma, se unem
no nosso entorno, e espalhados pelo centro,
num sentido literal, de uma ação humanitária e
isso está colocado na estrutura desses lugares:
emergencial. Os dois espaços servem como centros
é visto na oferta dos serviços mais básicos de
de distribuição de refeições desde o início da
atendimento possíveis, banheiros, vestiários,
pandemia do COVID-19, atendendo às populações
bebedouros... Essa concepção aparece no quão
de rua. Há um apoio do Estado na preparação
receptivos são esses espaços para essa ocupação
das marmitas que são distribuídas diariamente
que
no espaço, mas a distribuição das refeições é
‘consumo cultural’. Essa arquitetura é pensada
deixada inteiramente às parcerias estabelecidas
de forma excludente, afasta quem não se encaixa
no local: a Craco Resiste, Pagode na Lata e
nesse ideal de público”, completou.
Tem
Sentimento,
além
de
outros
coletivos
e
foge
“Há lugares que tem uma abertura
desses
Para
o
parâmetros
integrante
do
tradicionais
grupo,
há
de
uma
instituições espalhados por outros pontos do
potência social e política dentro da colocação
centro, assumem a responsabilidade de fazer com
apresentada
que as bocas de rango alimentem de fato.
antes
Deslocamentos do Centro
da
pela
Companhia
pandemia,
Mungunzá.
apresentar
esse
“Mesmo espaço,
apresentar, e se oferecer ao público, é um ato político. Da mesma forma é um ato teatral, pois o teatro não se limita ao significado de um
As tensões do espaço onde o seu trabalho
espetáculo, ou de uma apresentação definida, mas
está localizado movem a atuação da Companhia
é uma intersecção de todas essas linguagens: da
Mungunzá. “Nós ocupamos aquilo que é, de certa
saúde, dos direitos humanos e do amparo contra
forma, uma periferia do centro”, definiu Lucas,
uma vulnerabilização social que é pensada.”,
\\ ANÁLISE
afirmou.
A situação única desempenhada pela
companhia se traduz em tensões, atravessamentos e rasgos da experiência teatral: “o teatro é presentificação de tudo aquilo que faz o espaço do palco, e mesmo nesse espaço do ‘velho normal’ o palco já está deslocado. Ele está nesse espaço que
atende
a
todo
esse
trânsito
nós estamos falando — sobre algo que precisa ser falado.”
Na Tela Do momento da escrita deste texto, o perfil do
indigente,
Teatro de Contêiner publica os vídeos da mostra
ignorado, e assim, se ele se insere dentro
TransPassando, que reúne respostas de artistas
de toda essa situação, ele já está invertido,
trans, de diferentes histórias e atuações, a
expandido em relação ao seu sentido original.”,
provocações trazidas pela organização. Antes
atesta.
disso,
As permanências e as quebras com as formas trazidas
excludente dos dispositivos públicos e também
mostrava um panorama de uma produção local,
em uma cultura teatral que é elitista, e que se
engajada. O registro histórico que é construído
encerra numa discussão intelectual excludente —
claramente não é apenas o de um momento único,
se dão numa ação literalmente estética, e que
com o caos trazido por um pandemônio imprevisto
assim envolve em si sentidos políticos, sociais,
à ordem social, mas é, também, a documentação
imediatos e simbólicos. Assim crê Felipe: “nos
de vozes historicamente rebaixadas, oprimidas,
colocamos em meio a muitas tensões: tensões do
numa reflexão a respeito de sua própria forma de
espaço, e da nossa atividade, que nos cercam.
estar nesse presente excepcional.
expressada
o
artistxs negrxs de diferentes áreas refletiam em momento aflitivo, enquanto em Bora Bahêa se
—
define
Digital,
atuação
central
que
Aquilombamento
sobre a arte negra, sobre seus papéis e questões
região
cultura
edição
trabalho
na
pela
na
na
Lidamos com a especulação imobiliária, com os
Nessa
lobbys políticos, com os efeitos da violência
movimento
que define esse espaço em que o nosso trabalho
tomado e, assim, simultaneamente é transformado,
acontece,
embora
descaracterizado no próprio pressuposto de que
estejamos
em
nós
outra
tenhamos posição
uma
quanto
proteção, a
dinâmica
das
particular:
redes,
esse
acontece
espaço
central
um é
isso.
se deve existir um “centro”. Essas são novas
Estamos constantemente lidando com essas coisas,
contradições que ocupam de maneira mais rica
às vezes desamparados, fudidos, às vezes numa
essa construção, em documento, de conhecimento,
situação um pouco melhor, como é agora, em que
enquanto, na falta de ocupação do espaço público,
conseguimos a contemplação por um edital para
no espaço central se reincide a desigualdade e a
continuar com o trabalho aqui no Contêiner.”
agressão racista e classista a quem vem de fora
Por outro lado, afirma o integrante da
dessas construções estabelecidas.
companhia, há de se reconhecer os frutos colhidos
Contudo, essa mudança no discurso trazida
em meio à busca pela humanidade entre invisíveis,
por novos artistas não traz, por si só, uma
embora isso também desvele o próprio privilégio
mudança econômica que emparelhe os diferentes
dos idealizadores do projeto: “Isso é um ponto
espaços e ainda assim, não é possível dizer
de reflexão para nós. Eu não posso dizer o quanto,
de forma alguma que essa “autoridade” central,
a partir desse lugar de um privilégio, nós somos
elitista e racista, não tenha, também, sido
bem-sucedidos em transformar uma realidade que
transformada, retalhada.
é desigual. Não acho nem que me cabe dizer
curso da pandemia essa discussão, da maneira que
isso. O que eu sinto, nesse momento, vendo as
foi posta, é uma forma de estabelecer segurança,
produções que são feitas, os diálogos que estão
contato e uma rede de amparo entre quem é pela
sendo colocados, a partir daquilo que fazemos
estrutura
no Instagram, é que se está falando mais — e que
própria sorte, além de simultaneamente deslumbrar
estatal,
Em tempo, durante o
especialmente
deixado
à
os resultados dessa discussão se encontram com um espaço público transformado, do qual, após a retomada daqueles vários trânsitos que sobre ele se sobrepõe, no pós-pandemia, surgirão novas complexidades,
passagens
e
outras
formas
de
encontro .É claro que nada que seja aqui escrito sequer começa a entrar nas complexidades que estão envolvidas em cada uma dessas ações, e é claro que só a partir da retomada da ocupação desse espaço é que vão surgir as novas imagens que assim podem aprofundar e refletir os sentidos dessas transformações. Em cada uma dessas discussões, e dessas reflexões que ganham o caráter de documento, está posto aquilo que reflete não só as macroestruturas, de opressões históricas, mas a experiência da individualidade, da reflexão, das minúcias e dos detalhes, e de uma forma de estar no mundo que é, em partes suas, definida por essas marcas, mas que também age sobre elas, se coloca e as transforma. Assim, permanece ainda um elitismo traduzido numa zona central que incorre em si várias camadas dessa opressão de identidade, e que se em uma face se traduz num reducionismo da cultura, e em discussões que circulam em espaços fechados e que partem de um pressuposto muito específico
para
falsamente
universalizar
uma
experiência, em outra se apresenta literalmente no direito à vida e à morte, na segurança, no direito das condições mínimas de vida — isso que se apresenta também numa desigualdade geograficamente estabelecida, e que se reproduz mesmo nessas orelhas das áreas centrais. Assim, a forma com que o acontecimento artístico ocupa esse lugar — para o qual adentrar realmente ele deve se expandir, e entrar nos significados sociais desse abandono — vem também
Ilustração de Igor Vice
de
diferentes
perspectivas,
de
diferentes
experiências e diferentes construções que chegam nessa recriação do espaço. O que é certo é que com novas formas de estar, de amplificar vozes e de quebrar a centralidade de um domínio material da técnica e da produção artística, se coloca em prática uma transformação, que se movimenta e que ainda se refrata em múltiplas faces.
O texto a seguir se refere à fala de Rodrigo Alcântara, durante o fim de tarde do sábado de 15 de agosto de 2020. Convidei o bailarino, que tenho o prazer e orgulho de dizer que é meu Professor, quem me iniciou no universo da Dança Contemporânea, ao lado de Marcos Abranches durante a construção do espetáculo O Que Ver, apresentado no Teatro Sérgio Cardoso em dezembro de 2019, resultado dos trabalhados realizados na oficina Dança para Todos os Corpos, pela SP Escola de Teatro, em parceria com APAA (Associação Paulista dos Amigos da Praça) e o Governo do Estado de São Paulo. Integrando o educativo do Museu da Diversidade Sexual (Estação República, SP), Rodrigo segue dançando. Diário de Um Certo Artista, teve sua estreia em 2019 no Espaço Cultural Adebankê, onde esteve em cartaz até o início da quarentena, quando ganha o formato online Duca na Sua Casa, em agosto 2020. Diário de Um Certo Artista retrata os desafios do fazer artístico. Dentro do Zoom, Rodrigo nos cutuca a perceber momentos, lugares e sensações presentes no dia a dia, que ora brilha, ora invade aqueles que se desconectam da essência. Com sutileza Rodrigo costura as dificuldades-possibilidades, por conseguir tocar sutil e poeticamente em pequenos desconfortos e memórias que também ativam lugares dolorosos. O trabalho adquire força em ambos os espaços, o ao vivo também acontece, em sincronia ao digital. Caminhando junto à possibilidade os corpos se adaptam a todo momento: com linguagens diferentes e sem perder a potência. A imagem é a própria construção do Diário que nos convida a percorrer memórias, primeiramente de Rodrigo, que colorem memórias que são nossas. Em uma das cenas do espetáculo on-line a mão da mãe de Rodrigo, se cruza com a mão da Avó de Rodrigo, registrando texturas, marcas, diferenças e aproximações. Pintura viva, que sente e está. A delicadeza da imagem nos leva a lugares extremamente particulares: relatos de alegria, dor, tombo, acolhimento, resistência, afirmação, afeto, amor, amarrados no ponto de encontro entre o antigo e o “novo normal”. No relato a seguir, me permiti o silêncio, pois tenho muito mais a aprender quando calo, restringindo minha fala somente ao final da fala de Rodrigo. É importante prestar muita atenção, pois todo o relato é de extrema preciosidade. Sou imensamente grata por poder escutar e compartilhar com você, leitor.
CORPO
RELATO //
SENTE E
Isso
que
você
está
fazendo,
acho
muito
importante, e digo isso – eu sempre uso uma frase, que é uma reafirmação – eu digo: sou uma bicha, dançante e periférica, e quando digo isso até, às vezes, assusto minha família, assusto minha mãe. Eu venho de um berço matriarcal. Eu já começo desse ponto, que acho muito importante de pontuarmos, que é: para eu hoje estar aqui falando com você, para estarmos aqui
DANÇA,
nessa tarde, eu precisei que uma mulher, minha avó Rosa, que apanhava do marido na década de 60/70, abandonasse a sua vida no Paraná – e viesse para São Paulo com três filhos. Por aí você já percebe o protagonismo das mulheres de ter que abandonar, por sofrer nessa estrutura
DENTRO
tão
machista,
tão
patriarcal.
Nós
pensamos que o casamento é a única opção para as mulheres. Ela abandona sua vida e vem para São Paulo. Acredito muito que minha vida já começa ali, quando ela abandona e anula sua história, quando ela vem para uma cidade grande porque apanhava – e é muito importante falar isso, porque a bebida influenciou essa estrutura, quando ela vem pra
E FORA
São Paulo tentar uma nova vida.
LIA PETRELLI
machista, capitalista, patriarcal. Como nós,
Eu, sendo esse corpo periférico, que vive essa estrutura, é muito triste ter que falar disso, mas é importante compartilhar com vocês – com você principalmente, que é mulher – que é
isso:
corpos
nós
que
vivemos
num
incomodamos,
sistema podemos
totalmente furar
essas
bolhas? Sempre digo: somos corpos políticos e somos
e somos corpos que incomodamos 24 horas. Tem uma frase que carrego comigo
sempre:
“Quem
esquece
de
onde veio, não sabe para onde vai.” É
sempre
importante
furarmos
as
bolhas e termos acessos a lugares inimagináveis.”
corpos que incomodamos 24 horas. Tem uma frase que carrego comigo sempre: “Quem esquece de onde veio, não sabe para onde vai.” É sempre importante furarmos as bolhas e termos acessos a lugares inimagináveis. Ontem uma amiga minha, Ellen Joyce, postou no Facebook uma frase assim: “Onde eu estava com a cabeça quando eu resolvi fazer faculdade?”, ela é mulher negra, com um corpo fora do padrão. É uma mulher. Na hora mandei uma mensagem para ela, falando: “Mana, o que você precisar, eu
Fotos por Yasmin Santos
“Sempre digo: somos corpos políticos
\\ RELATO
estou aqui. E saiba que você é exemplo para as
estudante. Vejo que está em horário de pico de
manas que vem aí, para a outra geração!”
estudante.
A gente, da periferia, tínhamos lugares limitados. Falo isso pela minha mãe. Minha mãe
Há dez anos, quinze anos atrás, não era. Só era lotado em horário de pico comercial.
só tem o ensino médio. Quando nossa geração –
A minha geração, da minha mãe – falo isso com
e não estou desmerecendo as outras gerações,
toda a segurança e toda vivência – a perspectiva
porque são outros lugares de conquista – vêm
que minha mãe via para mim era: se o Rodrigo
pelas redes sociais trazer esse empoderamento,
está empregado, com uma carteira assinada, ele
é algo muito significante.
está ótimo na vida. Quando eu venho com esse
Agora pelo meu corpo: vem com essa vivência de um corpo LGBTQIA+, somos corpos que incomodamos. Pela minha trajetória, quando estou lá no Teatro Sérgio Cardoso, sendo assistente coreográfico do Marcos Abranches, quando estou em outras camadas
incomodo: Sou artista. Eu quebro uma barreira. Eu sei que ela fica preocupada, ela pensa: “O Rodrigo vai viver do quê?!” A gente sabe que a arte não é valorizada no nosso país. É nítido e explícito isso.
da sociedade, sou um corpo que incomoda. Mas não
Mas quando pego metrô dez da noite, vindo
podemos esquecer das nossas origens. Não posso
de algum ensaio, vindo de uma aula que estou
esquecer da minha avó, que apanhava; não posso
dando, eu fico muito feliz. Que bom que a quebrada
esquecer da minha mãe, que foi abandonada.
está estudando. Que bom que tiveram as cotas!
O que é ser abandonada? Falo isso com muito
Que bom que teve o ENEM! Que bom que teve uma
orgulho, é a fala dela, mas hoje EU falo: Sou
instituição
filho de uma mãe solo.
possibilitadas, principalmente, que a galera da
O que é ser uma mãe solo na década de 90? É ser tachada como vagabunda. É ser tachada como um corpo que só serviu
e
políticas
públicas
onde
foram
negritude, tivesse acesso à faculdade. A gente sabe que não é fácil. Quando vejo esse metrô lotado eu falo: Mano, é isso!
para prazer, para gerar filho. É muito louco
É isso porque somos gerações que vêm para
falarmos isso, porque é essa perspectiva que a
fazer essa diferença. Não condeno nossas mães,
gente tem da quebrada.
porque são outras vivências. Temos que lembrar
Peço licença para você, que é mulher, porque
que são gerações que não tinham celular. São
é um lugar de fala seu, das mulheres, mas que
gerações que só o que chegava, talvez, era pela
perspectiva é essa que a gente vê da quebrada,
televisão, pelo FAX, por uma carta. Eram outras
onde a menina não consegue nem terminar o ensino
formas de acesso à informação.
médio? É tristíssimo falar isso. A trajetória
Eu tenho 29 anos, Lia, eu NUNCA ia ter a
dela é bloqueada porque ela tem um filho. Ela não
coragem que minha vó teve de vir para São Paulo com
tem esses sonhos inimagináveis.
20 poucos anos com TRÊS filhos, semianalfabeta,
Quando falo para Ellen não pensar assim e
sem estudo, com a garra que ela teve.
continuar firme, é para quebrar esses paradigmas
Olha que louco: A vida nos dá coragens em
que eles colocam da gente, principalmente nos
uma dimensão, mas em outras eu não tenho essa
corpos periféricos, sabe? Não podemos esquecer
coragem. Eu não teria essa coragem, se eu passasse
das nossas origens. O lugar acadêmico tem seu
por essas coisas, de vir com três filhos. Nem a
lugar de fala, o seu lugar de existência, muito
pau. Não teria. E ela não tem faculdade. Eu fico
necessário. Compartilho isso com você porque
pensando que são outras formas de enfrentar a
acho de extrema importância:
vida que temos hoje.
Fico muito feliz, quando pego o metrô e
Eu particularmente acho muito importante
o trem para vir para minha casa, às dez da
pontuar, e acho muito bonito falar isso para
noite, onze da noite e vejo que está lotado de
você, que é: nós vivemos na maior cidade da
RELATO //
América Latina. Nessa cidade chamada São Paulo.
o mesmo intuito), estão ali pela democratização
Criolo diz que não existe amor em SP, e eu
da arte.
rebato: existe amor em SP sim, mas são amores
Então, falando por esse ponto de vista da
diversos. Quando digo isso é porque eu vivo no
Adebanke, e das minhas produções artísticas da
Itaim Paulista, no extremo na Zona Leste. No
quebrada: não estamos nunca parados. Estamos
mapa da cidade, eu sou a borda. Mas, depois de
sempre nos reinventando.
mim, tem outras bordas.
Tem
Eu moro na divisa com Itaquaquecetuba. Na
um
amigo
meu
que
não
gosta
dessa
palavra “reinventar”, mas a gente está sempre
divisa com Guarulhos. Na divisa com Mogi das
se
Cruzes. Quando você me pergunta sobre a reinvenção
minhas produções culturais, minhas produções
da
artísticas sempre vêm de uma dor. Eu nunca parei
cultura
que
não
habita
completamente
os
centros urbanos, eu nem me coloco nesse lugar.
reinventando.
Pela
minha
perspectiva,
as
para fazer alguma coisa “de boa”, sabe, como se
Dentro do meu trabalho Diário de Um Certo
eu estivesse aqui em casa e pensasse: “Ai, eu
Artista (DUCA), eu falo isso: nós não podemos
vou montar um espetáculo de dança falando sobre
esquecer
o céu.” Não. Nunca parei.
que
ainda
vivemos
numa
periferia
“privilegiada”.
Eu
Primeiro que se compararmos a periferia da cidade de São Paulo com uma periferia do Nordeste,
faço
um
questionamento
pensando
nas
produções artísticas periféricas: Por
que
as
nossas
produções
artísticas
do Acre, de Manaus, são periferias totalmente
periféricas só vêm de uma dor? Só vêm de um
diferentes. Talvez ainda, nós tenhamos acessos
“não”? Só vêm de um assassinato?
e lugares que para eles não existem. Não existe
A gente sabe que a polícia, que todo o
sequer cogitar que se tenha por exemplo, acesso
regime da periferia sempre diz sobre nós como
a cinema, teatro, a
uma casa da cultura, a um
os suspeitos e como resto. E eu digo isso porque
edital de políticas públicas, a essa conversa
sou uma bicha. Eu tenho amigos negres que são
que estamos tendo eu e você: acesso a conversar
parados quase todos os dias. É muito triste.
sobre arte num sábado à tarde, sobre a produção
Nossas produções sempre partem de uma dor.
de uma revista digital cultural.
Um amigo, Rafael Oliveira – que está com um
Eu falo através da minha lupa, também, mesmo
projeto maravilhoso agora nesse segundo semestre
sendo da periferia da Zona Leste, as periferias
–, estava me dizendo isso: por que a gente
de São Paulo também são distintas.
sempre tem que fazer para defender ou provar?
A periferia do Sul: Grajaú, Capão Redondo, Capelinha, Parelheiros, tem outros corres.
É muito triste. A gente não consegue fazer um trabalho de boa. temos
que
Sempre temos que provar.
Periferia da Zona Oeste, outro corre.
Sempre
chamar
nossos
amigos
para
Periferia da Zona Norte, outro corre.
somar, sem ganhar nada, para só depois o negócio
Respondendo você pelo meu ponto de vista:
existir.
Eu faço parte do Espaço Cultural Adebanke, que
Respondendo a ele: a periferia sempre está
você já teve o privilégio de ir – e é debaixo
se reinventando e, do meu olhar aqui do Itaim
de um viaduto.
Paulista, da Zona Leste – que também é a maior
É um lugar de três mulheres negras, que
zona da cidade de São Paulo.
reafirmam nossa existência e lutam todos os dias
Itaim Paulista é diferente de São Matheus,
para estarmos ali debaixo daquele viaduto, onde
diferente da Penha, diferente do Tatuapé (que é
era um ponto de drogas, onde era um lixão.
uma área nobre da Zona Leste), é diferente do
Acredito que esses lugares – dizendo isso com todo o carinho – esses Quilombos (que são lugares onde existem encontros de pessoas que têm
Anália Franco, é diferente do Sapopemba – nós somos diferentes. É isso. Nossas
produções
artísticas
periféricas,
\\ RELATO
quando vão para o centro, precisam ir para o
gate, o trabalho vai continuar, meu amor. Você
centro. Precisam entrar nesses lugares.
mora no centro, mas eu moro na periferia e,
Tenho
grandes
amigos
que
participam
do
antes que meu trabalho chegue em você, o meu
Fragmento Urbano, que é um grupo de dança que
trabalho tem que chegar nos meus. Tem que chegar
produz espetáculos primeiro para sobreviver,
na minha rua, tem que chegar no meu bairro, tem
porque pagamos contas de luz, conta de água,
que chegar na minha ancestralidade, para depois
e por isso precisamos estar nesses lugares.
chegar em você. Então, se você não vem, que
Sempre passa por uma modificação, e sempre é um
pena. É você que está perdendo o trabalho, é
outro território. Menciono o Fragmento Urbano
você que está perdendo uma produção artística.
porque eles ensaiam na rua deles.
Que pena que você não vem, mas a gente sempre
Como que é um espetáculo que é feito na rua quando vai para uma instituição privada, para
continua por aqui. É louco a gente falar isso, mas nossos pais
um teatro que tem linóleo, que tem refletor, que
sempre
tem cortina, que tem todo um aparato?
eu preciso ter esse posicionamento, com toda
Ressoa
diferente,
porque
são
lugares
diferentes. Pelas minhas experiências, dos meus amigos e artistas da periferia: não esquecemos nunca nossas origens. É muito importante e que bom que existem esses lugares. Quando instituições
sobreviveram
aqui
na
quebrada,
então
a franqueza. Quero sim, apresentar em lugares inimagináveis, quero apresentar no Municipal, lógico, num SESC, quero sim, mas também quero apresentar na minha casa, aqui na periferia. O
formato
que
vou
apresentar
agora
é
exatamente dentro da minha casa.
culturais fazem um contrato com um valor de
Eu tinha voltado com as apresentações em março
cachê X, e chega lá e tem um puta banquete de
– uma semana antes da reclusão social – e agora
comida, é isso! É para além disso! Tem que sim
estou retomando nessa forma virtual. Tô fazendo
ter banquete, tem que ter cachê, tem que ter
uma adaptação: tenho uma captação de imagens
visibilidade, e tem que saber de onde vem esse
do espetáculo, e estou fazendo experimentos na
trabalho: das periferias.
minha casa. Vai rolar uma edição, que vem desse
Porque é isso! Precisa ir lá para enxergar!
“se reinventar”, que estou fazendo nas redes
Quem vem aqui na periferia assistir as coisas
sociais. As compras de ingresso [é] como se
que a gente produz? Falo isso pelo meu trabalho.
fosse um teatro, mesmo. Estou usando a frase:
Não vem, Lia, não vem.
Você não vai até o teatro, mas o teatro vai até
Eu também me vejo nesse lugar. Falo isso
a sua casa. E é isso, Lia.
dentro do meu trabalho, mesmo. Quando eu estava
É importante a gente cobrar. É importante
em cartaz com o Diário de Um Certo Artista
cobrar pelas nossas produções artísticas. Você
(DUCA) eu faço questão de mencionar: uma pessoa
me conhece, você sabe da minha trajetória, mas
me abordou no centro e me disse “Nossa Rô, eu
chega um determinado momento em que a gente
vi que você tá em cartaz com seu trabalho, que
cansa de as pessoas olharem para a gente e
você está soltando nas redes sociais, mas puta
dizer: “Ai que lindo! Ai você dança! Que lindo
que pariu, que longe!”
que você faz teatro!”, mas ninguém vê nossos
Quando essa fala chega em mim, hoje, eu já tenho a resposta na ponta da língua:
boletos, tá ligado? É importante cobrar e ter esse cuidado com
“É... E o quê que é longe para você?!”
os nossos. Se os nossos não têm ingresso, é
É na puta que pariu que eu dancei, é na puta
outra ideia: me chama no privado, chama a gente
que pariu que eu vou dançar.
que a gente manda o link, com certeza. A gente
Eu preciso me colocar nesse corpo político.
sabe que para a periferia, às vezes, 20 reais
Eu preciso falar. Se você não vem gato, gata,
é muito. Às vezes cê não tem o dinheiro de uma
RELATO //
passagem, mas em outros bolsos, 20 reais são
um tio, não tem um conhecimento ou o contato de
pães de um café da manhã.
uma rede em que possa fazer uma aula. Quando
Nesse formato do DUCA vão estar duas artistas
eu coloco ali esse relato do secretário é para
convidadas, que chamei para serem provocadoras.
dizer que sim, nós somos o resto. Nós somos a
Na noite de sábado a Munique Mendes vai estar
borda. Tem artistas que até hoje não tiveram
comigo, que é uma mana negra lá da periferia
acesso ao auxílio. Como esses artistas estão
de Diadema, ou seja, uma outra periferia, uma
vivendo?
outra borda, uma outra vivência.
Lia,
E na noite de domingo é Paola Valentina, uma mulher trans, ativista da cena LGBTQIA+.
estão
vivendo
de
doação
de
cestas
básicas. Com esse celular, as pessoas estão entrando
Eu não tenho dinheiro para pagar elas, sabe?
nas casas umas das outras. Estava falando com
Se eu tivesse, adoraria pagar um cachê de uma
meus amigos artistas que tenho um outro lugar
noite para elas. Mas é isso: as nossas produções
de trocar ideia: gente é muito louco, hoje você
artísticas
São
entra numa live, numa chamada de vídeo – como
amigas minhas. Eu queria muito ter grana para
estamos aqui: você está no seu quarto e eu
pagar elas, mas eu não tenho.
estou no meu, mas se eu virar a câmera, você tem
periféricas
são
outro
rolê.
Quem fez a arte da divulgação, eu também não pude pagar. É tudo na amizade.
acesso a toda a minha vida. A nata artística não faz isso. Eles têm
Até quando vamos ficar com nossas produções
um estúdio. A gente vê as lives dos grandes
pela amizade? Até quando a gente vai ter essa
cantores – não precisa nem mencionar o nome,
política pública que possibilitam as ações sair
é só uma googlada – são estúdios, fazendas,
desse nicho das amizades?
resorts, na beira da praia. A gente não, Lia.
É lindo a gente ter amigo, é lindo! É lindo
Ou você entra na minha casa e eu entro na sua.
eu ligar para uma amiga as três horas da manhã
Ou eu invento uma aula aqui no meu quarto para
e falar: “Oi, amiga, tudo bem, você pode fazer
sobreviver, ou eu vou morrer de fome.
a arte de divulgação pra mim?”
Essa é a verdade.
É outro lugar se eu falar assim: “Luiza,
São lugares também invasivos. As produções
cê faz a minha arte, eu tenho uma grana aqui,
artísticas
você topa?” É outra forma de valorizar. Estamos
pandemia, com essa reclusão social, essa tela
chegando, vamos caminhar!
aqui é invasiva às vezes. Às vezes esses encontros
Quando mencionei a fala do secretário de
são
invasivas
também.
Com
essa
virtuais são, sim invasivos.
cultura de São Paulo no artigo que você leu
Eu venho de uma formação acadêmica na dança
[Uma Conversa no Meio de uma Pandemia], sobre a
que é muito profissional, eu passei por artistas
entrevista que fiz com Anelise Mayumi e Douglas
que são muito importantes para a cena da dança
Iesus, foi porque me incomodou muito quando
na cidade de São Paulo e menciono eles com todo
ele disse “eu sei que terão pessoas que serão
o afeto: Miriam Druwe, Paula Petreca, Cláudio
mais
Thebas,
prejudicadas,
com
essa
perspectiva”
e
Chris
Belluomini,
Susana
Yamauchi,
essas pessoas que serão prejudicadas, é nítido
Fernando Machado, Ana Luisa Seelaender, Márcio
e explícito que serão os corpos periféricos
Greyk, Mauro J. Alves, Pedro Peu, Penha Pietros.
artísticos.
Eu tenho essa formação, eu passo por essas
Sempre somos esquecidos.
pessoas, mas quando eu entro no Núcleo Luz, onde
É importante ressaltar: um artista periférico
tenho a minha formação de dança, e o meu corpo
não tem uma poupança com 30, 40 mil reais. O
passa por essas pessoas e por esses repertórios,
artista periférico não tem um espaço para dar
mas eu não esqueço de onde vim.
aula. O artista periférico não tem um teatro de
Eu comecei dançando na igreja. Não podemos
\\ RELATO
esquecer da questão da religião. Por experiência
públicas que trazem a dança vocacional, o teatro
de vida: os dois eixos de religião na periferia
vocacional, isso tudo vem no meu repertório.
são o Catolicismo e a Igreja Evangélica, e são
Eu sou um bailarino que pensa muito que
lugares de apoio. A gente pensa que não, mas
cada um tem sua singularidade e sua pluralidade
são os primeiros lugares que a juventude que
na dança. Quando eu passo por esses corpos que
pensa em querer fazer arte vai entrar em contato
eu mencionei, mais o meu passado, a minha dança
com esse meio. Se eu não tivesse passado pela
se modifica. Esteticamente eu acho maravilhoso
igreja, acho que hoje eu não estaria vivendo da
um bailarino que tem uma abertura de perna, que
dança.
tem uma elasticidade, mas a minha dança vem antes disso.
não posso esquecer disso; não posso esquecer da
Você já fez aula comigo e com o Marcos
minha vivência no Teatro Vocacional, porque eu
Abranches, e sempre que ministro minhas aulas eu
moro aqui do lado do CEU Vila Curuçá. Eu disse
falo: a sua dança é a sua vivência. Não adianta
isso numa entrevista há um mês: eu sou muito
eu ensinar uma abertura de perna para você, uma
grato ao CEU, porque ali antes era um terreno
pirueta, um Rond de Jambe, um espacate, uma
baldio, onde a gente brincava e empinava pipa,
movimentação de dança contemporânea, um chassé,
brincava de pega-pega no terreno, e todo final
um rolamento, se você não conhece o seu corpo.
de semana tinha um corpo assassinado, desovado
Você precisa conhecer seu corpo. Você precisa
ali.
saber quem é que habita o seu coração, você precisa A galera ouve isso e “Nossa!! Misericórdia!!”
saber as dores. Não adianta você vir dançar
Gente, para nós isso é coisa mais natural.
comigo por duas horas e achar que está tudo bem.
É triste falar isso? É. Mas nesse terreno aqui,
Eu quero, na minha dança, atravessar as pessoas,
todo
porque eu sou atravessado constantemente. Eu
fim
de
semana,
tinha
um
corpo.
Quando
constroem um CEU, e quando se pensam políticas
sou atravessado pelos meus alunos.
Fotos por Yasmin Santos
Quando você me pergunta das minhas vivências
RELATO // Quando a minha aluna me liga, agora nesse contexto de pandemia, na sexta-feira, querendo falar comigo sobre ansiedade, isso é dança. Quando ela faz uma chamada de vídeo e me fala “Rô, eu preciso muito conversar com você, eu ia para sua aula muito triste, mas eu sabia que eu ia sair modificada.”, eu fico emocionado, porque não temos dimensão do exemplo que somos para as pessoas. Eu preciso continuar na dança. E eu
É
muito
atravessado
bom
por
saber
uma
que
fala
você
minha,
se
sentiu
porque
no
momento em que falei isso, eu fiquei pensando,
depois – e olha como o machismo está intrínseco
– “será que eu fui muito grossa; será que eu não deveria ter falado isso?!” Porque a peça não era minha. Quer dizer, era porque eu estava fazendo
parte, mas isso eu descobri bem depois. É uma desconstrução constante.
Realmente, mas olha que legal você falar
não sou psicólogo, eu não sou terapeuta, eu sou
isso. Olha como o sistema é machista! Você se
apenas uma bicha, dançante e periférica, mas eu
posicionou e só por isso já te reverbera como um
tô junto com você, vamos conversar sobre isso. A minha dança é nesse tipo de vivência. Falo isso para você com toda a sinceridade, porque o seu posicionamento enquanto mulher é muito importante, nos atravessa enquanto homem. Mesmo eu tendo minha orientação homossexual, eu sou um homem CIS, eu sou um corpo de homem na sociedade. Falo isso porque lembro do seu posicionamento
no
espetáculo
que
fizemos
no
Sérgio Cardoso, quando você falou do corpo da mulher: “Por que a mulher tem que ser mandada? Por que ele está mandando ela parar de rodar, ou tirar a sapatilha?”, eu lembro quando você se posicionou na roda. Isso é muito importante para nós enquanto professores, para nós enquanto seres humanos que trabalham com arte: ouvir e saber que todo o trabalho e todo o resultado é uma consequência de energias do professor e energias dos alunos. São essas duas energias: se você não se entrega, e eu não me entrego, não acresce em nada. Digo
isso
para
você,
porque
é
muito
importante: o seu posicionamento enquanto mulher, o seu posicionamento enquanto uma mulher que vive da arte. Você nessa produção da revista:
lugar de culpa! Como se você estivesse errada, e os homens não. E isso tem que acabar. Nas microssociedades: nós somos microssociedades. Quando eu abro uma turma de dança, é uma microssociedade. Quando estamos num grupo de amigos, nós somos uma microssociedade. Mas nós somos
reflexo
de
uma
sociedade
patriarcal
e
machista. A gente nunca pode esquecer disso. Exatamente! Eu comecei a me desconstruir
ali dentro com vocês. Eu lembro de cada choro,
de cada conversa dentro do Sérgio Cardoso porque
foi muito importante para o meu crescimento enquanto
mulher,
enquanto
artista,
enquanto
dançarina. Inclusive, por isso mesmo quis te chamar, porque tenho um respeito enorme por você e pelo seu trabalho.
Muito obrigado! E eu agradeço o convite, Lia. É muito importante saber desses afetos e desses encontros. Digo por uma camada espiritual, porque sou candomblecista. Com a espiritualidade, não se brinca. Com nenhum encontro se brinca. Vou acrescentar inclusive, porque eu sou ousado e você me conhece. Repito: isto que vocês estão fazendo é do caralho, e queria deixar a reflexão sobre o entrelaçamento dos artistas periféricos nas produções. Sendo da cena eu sei que nós precisamos quebrar as barreiras e
isso aqui é um trabalho! É uma revista! Isso
reafirmar que somos corpos periféricos porque
aqui é dinheiro.
existe
Quem
valoriza
uma
mulher
no
mercado
de
trabalho? Quem aceita que uma mulher enquanto diretora principal, num cargo de chefia? O homem não está preparado para ter uma mulher mandando, para ser orientado por uma mulher. A gente ainda vive num sistema machista.
o
preconceito,
mas
a
sugestão
é
a
seguinte: não pense na separação de cenas, pense no entrelaçamento. A gente precisa se cruzar. A gente precisa se misturar, porque eu sei que vou aprender com a mana que mora no centro e ela vai aprender comigo. Eu também vou para o centro.
\\ POEMÁRIO CASIDA PARA FEDERICO minhas mãos buscam o que a rosa declina
a aurora, a sombra, carne e sonho da rosa o verdevermelho agônico, absoluto todo sangre que fere.
eu não quero mais que uma mão com uma rosa
sete palmos de pétalas sob o perpétuo e triste vento.
OTRA CASIDA A FEDERICO escondida entre o cabelo e olvido
descobri a rosa, significado da rosa o que odiava desde o fim e até agora?
efemeridade, impermanência, humanidade? o rio sem margens, poesia-coisa. cuidado com a rosa.
OTRA CASIDA A FREDERICO, OTRA apesar de dizer: “fica ainda”
“fica ao meu lado” isso não passa de poesia
– teus passos me caminham pela [noite
- extraña rosa delicada
– vi
o
l
NINA RIZZI
e
n
t
a
Ilustração de IIgor Vice
POEMÁRIO //
MARESIA o vocabulário do desejo enche a boca d’água respira, para que o corpo não tropece nas palavras que voltam a ter gosto agora, o sal é sutil depois do mergulho é inevitável lamber os lábios a alegria de chegar de mansinho, descobrir a temperatura com os pés saber entrar pedindo licença, batendo cabeça avançando de lado para que a onda te atravesse equilibrar-se gingando, sim, é uma dança os músculos sabem de cor essa língua nativa submersa aparentemente esquecida
Ilustração de Isabella Nakano
maré que transborda quando se te sem com quem falar
STEPHANIE BORGES
TORTO ARADO: uma história cheia de som e fúria William Faulkner, autor símbolo do retrato da
decadência
regionalista
norte-americana,
retirou o título de sua maior obra, O som e a fúria, de uma citação de Macbeth, uma das mais proeminentes tragédias shakesperianas: “A vida [...] é uma história cheia de som e fúria, contada por um idiota e que não significa nada”. Torto Arado, romance de Itamar Vieira Junior, semifinalista do Prêmio Oceanos, aproxima-se em tópicos
dos
versos
dramáticos.
Sem
dúvidas,
estamos diante de uma história de sons - cantigas, encantos, discursos inflamados, o fustigar da enxada na terra – permeada por um grande silêncio. A fúria se faz presente e movimenta a narrativa em esquema quase euclidiano, forças contrárias de destruição marcam a terra, a aridez duela com o rio de sangue das águas. O homem, e sobretudo, a mulher, vivenciam a obstinação das opressões, e assim surge a luta semeada de cabeça baixa e olhar altivo no arado. A divergência está em quem conta a história, não há idiotas na fazenda de Água Negra, pelo menos não entre os trabalhadores; as vozes que se colocam como narradoras impressionam pela consciência narrativa aguçada e o alto grau de percepção do mundo que conhecem. O significado é arado por Itamar Vieira Junior com habilidade e maestria na condução de uma história repleta por estórias, em mise en abyme; a leitura do romance torna impossível a crença na afirmação de que a vida não significa nada. Polifônico, os silêncios de Torto Arado gritam na gravitação de um acidente. O brilho da faca de marfim reluz, acentuando dois reflexos, as
GIOVANA PROENÇA
irmãs Bibiana e Belonísia. Duas vozes narrativas
RESENHANDO //
que se fundem pelo corte afiado da lâmina e uma
protagonismo feminino resiste a queda de braço
língua arrancada. Unidas, a irmã com voz torna-
com as violências de gênero, enquanto a submissão
-se tradutora do silêncio da irmã muda, mas com
e o domínio senhorio se perpetuam.
Ilustração de Isabella Nakano
a pulsão do tempo e da juventude, outra vez se
Personagens
silenciadas
historicamente
–
dividem. Bibiana segue o caminho dos discursos
nada mais significativo do que uma língua mutilada
inflamados, da mudança, da luta por terra, assume
na
a palavra quilombola; enquanto Belonísia resiste
com aguçada consciência narrativa. O romance
as opressões de gênero e torna-se, a seu modo,
de Itamar Vieira Junior gravita em torno de
também líder. A narrativa em reflexos duplos
silêncios que se respondem ao longo da leitura,
pela voz das duas irmãs, ganha consistência
em gritos, sussurros, cantigas e sons da terra.
na terceira parte do romance, pelo ponto de
Um mundo de heranças coloniais, construído por
vista
entidade
descendentes de escravizados, é marcado acima
espiritual do Jerê. A narradora metafísica nos
de tudo, pela resistência. As transformações
entrega os silêncios dos mistérios que permeiam
chegam devagar pela estrada de terra e mudam
a
transformações
em proporções as regras de um microcosmo de
da comunidade, ressentida com o abandono das
opressões com a conquista de direitos. O filho
tradições espirituais.
de Bibiana, já rapaz, deixa Água Negra, terra em
onisciente
narrativa,
e
de
uma
evidencia
encantada,
as
infância
-
narram
sua
própria
história
Itamar Vieira Junior constrói e cria um novo
que seus antepassados se fixaram em obstinação
regionalismo, com influência das obras de Rachel
resignada para estudar na cidade, os primeiros
de Queiroz e José Lins do Rego, uma nova face de
passos para fora do mundo esquecido à margem.
renovação da temática que perpassou a primeira
O arado na voz calada pela lâmina é um
metade do século XX na literatura brasileira.
grunhido torto, intraduzível grito de força.
Torto Arado se passa em um cenário rural a margem
A terra encantada perde duelo com o realismo
dos centros urbanos ascendentes, permeado por
da violência que paira suspensa, e o combate
violência, magia, afetos e laços. Encantado,
às injustiças. Mas não nos enganemos, a força
o romance se aproxima do realismo mágico caro
antepassada está na movimentação da luta. O
aos autores latino-americanos, como se A casa
realismo mágico colhe frutos nas páginas de
dos espíritos de Isabel Allende se localizasse
Torto Arado. “Sobre a terra há de viver sempre
no sertão nordestino; pois acima de tudo, o
o mais forte”, a frase que ecoa Euclides da
romance é pautado no mais profundo realismo
Cunha ganha subversão positiva como linha final
de denúncia. Na fazenda de Água Negra a força
do livro, Itamar Vieira Junior finaliza com a
do povo negro, descendente de escravizados, é
exaltação da força do povo de Água Negra, e
cortada pelos rios de sangue da opressão, no
de tantos outros calados pela lâmina afiada da
microcosmo de poder do mundo que ainda guarda
opressão.
profundas heranças coloniais. Em paradoxo, o
\\ CRÔNICA
NÃO LEIA ESTE TEXTO MATHEUS LOPES QUIRINO Você está na primeira linha. Caso insista
Pode rir, eles provavelmente vão te dar um susto,
antes do ponto final. Aviso que não é boa coisa
o que acontece. Se ainda sim você, nobre sr.
em permanecer após esta vírgula, peço que pare
esta crônica. Por isso, leitor desregrado, volte ao título deste texto, sempre que chegar ao
final de uma frase. Não leia mais, adianto para seu bem. Você continua aqui, talvez eu precise
elencar as razões para que este texto não seja
lido, muito além do título. Mais do que pedido,
que você certamente não acatou, significa que quanto ao autor você nada tem de simpatia, ou companheirismo, ou qualquer coisa sã, passível
pois eles leram este texto até o fim e sabem Coragem, persistir neste afã leitor, até o final deste texto espero que você tenha uma diarreia
e não o possa concluir. Mas se o lê no banheiro, depois de tantas advertências, só posso desejar
que seu celular caia na privada e mergulhe ralo
abaixo. E se nada disso aconteceu, torço para que você seja vencido pelo cansaço. Porque não é para ler.
Droga. Já sei. Talvez esteja perdendo. Vou
de pedido. Você continuou. Me odeia?, embora,
precisar codificar o texto. Escrever através de
nessa sua rebeldia.
espanhol, francês, italiano, hebraico, japonês,
também, confesso, que possa ter um tanto de amor Vamos às razões. Não leia este texto porque
ele não pede leitura. Ele não lhe trará conteúdo algum. Tampouco vai lhe informar sobre qualquer
coisa. E antes que eu me esqueça, ele não é sobre o nada. Apenas peço que não leia. Pare imediatamente,
repito.
Se
aqui
você
enigmas. Em línguas estranhas, que não inglês, chinês, ianomâmi. Isso tudo você pode desvendar. Posso partir para uma língua mágica. Um dialeto
Celta, sei lá. Mas o importante é que alguns de vocês já tenham desistido até aqui.
Meus argumentos estão minguando, parece que
procura
não tenho mais munições verbais para ataca-lo,
lugar errado. Este texto tampouco é chato, pois
que fiz eu de errado? Não cansam deste texto que
entretenimento, diversão, com certeza veio ao se fosse, cá você não estaria. E você continua
a passar os olhos por essas linhas, talvez se pergunte o porquê. Não tem um porquê. Eu avisei. Neste texto não há nada inédito. Outras
tantas páginas dessa revista abrigam conteúdos relevantes, diferente desta. Este texto não é
um não texto, - para responder à pergunta dos
leitor. Você continua aqui, impávido, atento. O não vai a nenhum lugar? Não tem pé, nem cabeça?
Vou precisar implorar para que vocês parem?!
Fechem os olhos! Vão passear, vão ler bula de
remédio, a Piauí, Crime e Castigo, revista de fofoca, legenda de filme pornô. Sei lá, só chispem daqui, pra ontem.
Realmente, eu desisto. Não. Calma lá, ainda
filósofos. Não sei o que é um não texto. Não
tenho a última sacada. A carta mestra. A jogada
exatamente aqui, neste parágrafo, você leia em
eu, apenas eu, a possuo em segredo. E com ela
sou filósofo, nem poeta. Só insisto que aqui,
alto e bom tom o título desse texto. Pela enésima vez. Ainda tento lhe convencer. E se você não se
dá por dobrado, ainda assim, vou ter que partir para a ofensiva, já que, por bem, você não tira os olhos desta página.
Se você ler mais uma linha deste texto,
serei obrigado a mandar a máfia atrás de você.
chave. A surpresa. A incrível artimanha que só você, leitor teimoso, será vencido de uma vez
por todas. Sei que você é durão, vai tentar vencer a todo custo, vai querer seguir até o fim, desregrado, incorrigível. Eis que lanço aqui,
finalmente, minha arma secreta que o impedirá de continuar este texto. Ei-la: fim.
SONAR //
VICTÓRIA NOVAIS
QUANDO ESSA AQUI TOCAR EU QUERO O SOM BEM ALTO
rapper, acho que podemos afirmar que Dro é rapper.
Não pelo estilo musical de suas produções, ou pela simples necessidade de pormos artistas em caixinhas,
mas porque Dro é daquelas pessoas abençoadas pelo talento com as palavras. E quando digo “talento com
as palavras” eu me refiro a um verdadeiro talento
com a fala que vai muito além dos significados das
palavras, está no som, na habilidade de usar a língua para fazer música. Por isso que Dro é rapper, senão seria poeta, e acho que esse é o encanto do rap.
As músicas do Dro sempre me tocaram muito. Por
quê? Não sei.
Eu acho que não o conheço pessoalmente, ou se
conheci estava bêbada. Mas de alguma forma, eu sinto como se fossemos amigos de longa data. E isso tem muito a ver com o que disse no começo deste texto:
alguém me apresentou o som do Dro, mais especificamente uma amiga em comum.
Dro é um artista independente de São Caetano
do Sul, e como todo artista independente a única coisa que o sustenta são as pessoas seu
que
trabalho
acreditam e
no
valorizam
sua arte. E, vou te contar, não tem um lugar por onde suas
músicas
passem
que
as pessoas não se comovam
instantaneamente com o que toca.
Dro é feito de muitos
amigos,
muita
gente
que
se sente de alguma forma
conectada com o que ele diz. Acho que é por isso que sinto como se fossemos amigos.
Mas estamos aqui por um
motivo, no dia 17 de setembro foi lançado seu mais novo trabalho.
Meu
coração
é
meu veleiro e meu guia é o
do Dro, não sei exatamente também qual foi a faixa
que me mostraram que me fez literalmente derreter
ao tocar de cada segundo da música. Mas o que eu gostaria de enfatizar aqui é o fato de que foi alguém que me apresentou as músicas dele. Não uma pessoa
qualquer, inclusive, uma pessoa especialmente chata em termos musicais - não citarei nomes, mas quem é
sabe. O fato de que alguém um dia falou “posso por uma música, acho que você vai curtir” diz muito sobre quem é o Dro.
Dro é um rapper? Acho que sim. Embora eu
pessoalmente não saiba a exata definição do que é um
a sorte de presenciar. Eu não vou nem gastar papel
aqui tentando explicar as músicas como se isso fosse possível. Para você que gosta de rap, e para você que ainda não tem tanta certeza, eu posso dizer que esse álbum é sem exagero uma das melhores produções
nacionais desse ano. E não me limito ao gênero para dizer isso.
Contando a colaboração de Serkiary, Victor Xamã
e MAND’NAH; masterização por ABOMININVTION; capa por Beatriz Ruston e programação visual por Kyalanvinck; essa é uma captação de Em Casa Mesmo Studio e está
disponível gratuitamente nas principais plataforma de streaming. Não deixa de conferir!
Ilustração de Beatriz Ruston
Eu não lembro a primeira vez que ouvi algum som
segundo EP do Dro que temos
\\ ANTENA ARTÍSTICA O espetáculo Diário de Um Certo Artista foi
tão
bem
recebido
pelo
público,
que
será apresentado on-line novamente dias 26 e 27 de setembro, às 20h. Os ingressos, disponíveis
pela
Sympla,
também
abrem
espaço para outras opções de compra, clique na imagem para descobrir.
Explorando a linguagem áudiovisual, Rodrigo desperta
memórias
adormecidas,
tocando
lugares, sentimentos e memórias através da delicadeza dos sutis movimentos que misturam possibilidades de decifrar o diário vivo.
Todo o material, pensado através de pautas
educativas, inclui o público que não vê e não ouve.
A cada apresentação uma artista provocadora é convidada a iniciar a mesa de debates.
Horizontalizar debates como estes são de extrema importância.
Direção Cênica: Anelise Mayumi Apoio: Espaço Adebanke
Imagem divulgação da peça Diário de um certo artista
Link para ingressos aqui.
DIÁRIO DE UM CERTO ARTISTA
Uma Luiza Pessoa é artista representante
da cultura LGBTQIA+, pessoa cantadeira e poeta natural da cidade de São Paulo. A música que produz enfrenta com elegância os
obstáculos cotidianos, trazendo esses como tema principal para sua produção poética.
A Cigarra na Folha de Pedra é o álbum de Uma Luiza Pessoa lançado, produzido e realizado em 2018 por Pessoa com auxílio de Amabile Roberta,
gravado
por
Adonias
Junior
no
Estúdio Arsis, com colaboração de Vinícius Pessoa, Ravi Landim e Arthur Vital.
O impacto do play que ressoou nos meus fones
de ouvido não parou por ali, sem perceber
meu corpo se mexia pelo quarto, pela casa inteira,
na
celebração
maravilhosa
que
foi escutar “Para Para”, a quarta música
do álbum. O plantio se faz presente nas palavras,
na
sonoridade
dos
nomes
de
plantas e alimentos que estamos habituados
a ver, mas não a ouvir, entrecortados pela sobreposição de vozes que avisa “Próxima estação: Trianon-MASP”. O
Pandeiro
é
convite
certeiro
para
pés
brasileiros. Impossível que o corpo pare.
Ilustração de Luiza Pessoa para o single A cigarra
na folha de pedra
A CIGARRA NA FOLHA DE PEDRA – Uma Luiza Pessoa
ANTENA ARTÍSTICA // “A costura das pétalas” é o mais recente lançamento
do
Escritor
sem
história,
compondo a quarta faixa de seu álbum-livro, Escritor sem história (ainda em produção). Contando com a produção de Menino Thito e do Estúdio MDB, a faixa segue a linha pessoal e intimista das demais músicas do álbum. Introduzida por um solo de piano, a música traz uma atmosfera fantasiosa, quase que um sonho. Mas não se iluda: nem tudo são flores; ainda há cicatrizes e traumas deixados pelo dia que se findou. Eis
a
importância
de
momentos
de
recolhimento, de sonho. Como diz o refrão da faixa: “Se não tivesse anoitecido, em um dia aborrecido não existia canção! A noite é um tecido que a gente costura as pétalas que cairão.” Afinal, pétalas
como da
descosturar existência,
e com
costurar
as
autoria
e
intencionalidade? lustração para o Álbum-Livro
A COSTURA DAS PÉTALAS
A
de
programação vídeos
de
segue
lives
no
e
perfil
a
do
publicação Teatro
de
Contêiner. A partir do dia 22 de setembro
retorna à programação do perfil a mostra Aquilombamento negrxs
refletem
Digital sobre
a
onde
artistxs
elaboração
e
a recepção de sua arte. Além de vídeos publicados no feed, são organizadas lives e discussões com convidados que permitem mais detalhadamente se aprofundar nas questões
postas, e apresentar um retrato múltiplo a respeito da negritude no fazer artístico.
O primeiro episódio do espetáculo “Poema em
Queda-Live”, adaptação de foi apresentado em
setembro, no perfil da companhia Mungunzá no Instagram e em sessões nas redes de unidades do Sesc. Lucas, integrante do coletivo,
destacou a procura constante do grupo por um
trabalho inovador com a linguagem digital, assumindo as características do meio como uma
forma
de
pensar
novas
propostas
e
interações. O segundo episódio da narrativa, “A mulher que pariu o pai e o fazedor de
abandonos”, já está em preparação e tem estreia marcada para outubro, igualmente nas redes da companhia.
Imagem Divulgação por Victor Iemini
TEATRIO CONTÊINER - CIA. MUNGUNZÁ
Ilustração de Igor Vice para Frentes Versos