12 ª Edição - XII ano
Editorial Especial Fotografia Em agosto de 2021, o Ponto Zero, projeto guarda-chuva responsável por esta publicação, retomou a III Semana da Fotografia, evento a partir do qual os e as estudantes puderam juntar forças, ideias, habilidades e talentos, em uma atividade interdisciplinar de proposta, organização, execução e cobertura de evento. A atividade aconteceu próximo ao Dia Mundial da Fotografia, dia 19 de agosto. Foram três dias discutindo sobre fotografia em suas temáticas de política e de esporte e em seus modos de fazer, como os projetos fotográficos. Foram dias de ampla e múltiplas trocas com as quais contamos com a generosidade de profissionais atuantes no mercado que toparam conversar entre si e com o público. A partir do evento, a equipe da Revista F montou, nesta 12ª edição, o Especial Fotografia, com produções de diversas naturezas - há reportagens, entrevistas, perfis e fotolegendas. São produções que partem do evento, mas não configuram-se como uma cobertura: os/as estudantes tomaram como ponto de partida algumas temáticas tratadas no evento e algumas histórias levantadas pelos profissionais participantes para constituir e executar suas pautas. Este especial conferiu um tom diferente à Revista F. Celebramos nesta edição a fotografia e suas multifacetas temáticas, técnicas, produtivas, experimentais. E acreditamos que este foi início de uma proposta de deve se repetir, de forma atualizada e reelaborada, nos próximos anos. Boa leitura!
SUMÁRIO
Brasil de 06 Todos os Cantos Entrevistas 14 Perfil 22 Especial 26 Frame 30
Especial Fotografia 14
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Com temperaturas frias e tons quentes, Parque Tingui ganha destaque em fotografias Um dos principais parques de Curitiba recebe de braços abertos as mudanças trazidas na passagem do verão para o outono Por Gabriele Rocco
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Em meio à nova estação, as árvores predominantes por todo o Parque Tingui ganham uma nova coloração: abandonam o verde para receber o amarelo, marrom, laranja e vermelho. A mudança não passa despercebido pelos visitantes, que logo registram tudo em belas fotografias. O Parque Tingui foi fundado pela prefeitura de Curitiba em 1994 e fica localizado entre as ruas Fredolin Wolf e José Valle, ao longo do Rio Barigui. O nome é uma homenagem a um dos povos indígenas que habitavam a região. Moradores da região há mais de 30 anos, Sueli da Conceição Machado e Luiz Campos de Lara relembram: “Quando viemos morar aqui não existia parque ainda, essa área era tudo mato”. Mesmo sendo incontáveis as mudanças de estações que já vivenciaram nos seus passeios diários pelo parque, os dois ainda se surpreendem com a beleza das cores trazidas pelo outono. O espaço é frequentado diariamente por quem busca praticar uma atividade física em contato com a natureza, passear com o seu pet ou fazer um piquenique em família. Também é atração para diversos turistas ao longo do ano, devido ao memorial Ucraniano, que fica nas dependências do parque.
Sueli e Luiz já conheciam a região antes da fundação do parque. Foto: Gabriele Rocco.
Serviço Parque Tingui - Av. Fredolin Wolf, 1870 - Pilarzinho, Curitiba (PR) Entrada gratuita, aberto todos os dias. Memorial Ucraniano - Dependências do Parque Tingui Entrada gratuita, de terça à domingo, das 10h às 18h. Contato (41) 3321- 3247.
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Maior jardim de esculturas do Brasil homenageia as obras de João Turin Com cerca de 6 mil m², o Memorial Paranista celebra a arte do paranaense que é considerado um dos maiores escultores brasileiros Por Lucas Geremias
A fachada da Casa Paranista convida para conhecer a obra de João Turin. Foto: Lucas Geremias.
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O Parque São Lourenço já é um renomado ponto turístico da cidade de Curitiba (PR) desde a sua inauguração. Em maio de 2021 o local recebeu um novo espaço chamado de Memorial Paranista, que conta com obras do escultor paranaense João Turin (1878-1949). O acervo com reproduções em bronze possui as réplicas de “Marumbi”, destaque da coleção, que possui 3 metros de altura e cerca de 700 quilos, representando um duelo entre duas onças, “Pietá”, esculpida
em 1917 na França em homenagem aos soldados mortos na Primeira Guerra Mundial e “Frade”, um presente para o Papa Francisco em sua visita ao Brasil em 2013, além de esculturas “Animalistas” nas quais Turin representou diversas onças. Parte do acervo foi doada pela família Lago, dona dos direitos autorais das obras do artista paranaense. Segundo Felipe Zeem, educador do Memorial, “o local possui mais de 100 peças, entre réplicas ampliadas e em tamanho
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A réplica de “Pietá” é uma das obras esculpidas por Turin e faz parte do acervo do Memorial. Foto: Lucas Geremias.
original, desenhos e modelos de fachadas criadas por Turim. O principal objetivo é manter viva a história e obra do autor e divulgar o Movimento Paranista”. O espaço também conta com ateliê de esculturas e fundição, loja, teatro e um laboratório de criação que oferece cursos de artes. Serviço Memorial Paranista, Parque São Lourenço - Rua Matheus Lemos, 4700, Bairro São Lourenço, Curitiba (PR). Entrada gratuita, de terça à domingo, das 10h às 18h.
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DE TODOS OS CANTOS
A famosa lenda urbana sobre o Casarão de Maria Tangará A moradora da cidade Pitangui que ficou conhecida por ter sido a mulher mais cruel da região Por Guilherme Lobato
10 Lateral do Casarão com visível desgaste pelo tempo. Foto: Guilherme Lobato.
Localizado na Rua Coronel Américo Bahia, no número 115, o casarão construído no século XIX abrigou Maria Tangará e seu marido Ignácio Joaquim da Cunha. Juntos formaram um dos casais mais influentes
da época. Maria ficou conhecida por ter sido má com seus empregados, fazendo crueldades com as mulheres que recebiam elogios de seu marido. Segundo relatos é possível escutar barulhos de correntes e
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gritos vindo do local após a meia noite. Herbert Viana, morador da região, comentou sobre a lenda. “Várias histórias surgiram com o seu nome e acabaram se popularizando pela cidade. Uma delas a Maria Tangará teria obrigado os empregados a enterrarem um tesouro no quintal da sua casa. Para que eles não contassem para ninguém a localização, ela teria mandado matar todos eles. ” Não existem informações sobre a data exata da morte de Maria Tanguá, mas ela é sempre lembrada pelos cidadãos pitanguienses. Desde 1930, o casarão abriga a Escola Estadual Professor José Valadares, que atualmente está em reforma devido a precária estrutura que se encontrava. Serviço Escola Estadual Professor José Valadares, Pitangui (MG). Contato: (37) 3271-4283.
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O Casarão de Maria Tangará se destaca dos edifícios da rua. Foto: Guilherme Lobato.
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Centro histórico-cultural Santa Casa se reinventa na pandemia Com o local fechado fisicamente, responsáveis pela programação propuseram solução para continuar atendendo o público Por Andreana da Silva Chemello
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As atividades presenciais do Centro Histórico-Cultural Santa Casa, em Porto Alegre (RS), foram paralisadas no dia 18 de março de 2020, quando o vírus SarsCoV-2 chegou ao país. Para seguir oferecendo conteúdo, apenas duas semanas depois, foi criado um projeto para transmissões virtuais por um canal no Youtube. “A gente tenta ter no mínimo uma vez por semana eventos culturais, espetáculos, shows, atividades de educação patrimonial e curiosidades históricas. O resultado foi melhor do que esperávamos. Eventos, que antes recebiam 20 pessoas, estão com audiência de 150. Então, vamos manter o on-line mesmo com a retomada do funcionamento presencial”, conta Renata Meirelles, produtora cultural do espaço. O local é responsável pela guarda, conservação e disponibilização de documentos do hospital mais antigo de Porto Alegre, a Santa Casa de Misericórdia. Além disso, conta com museu, teatro, arquivo histórico, biblioteca, sala de aula, loja e bistrô, ambientes que aos poucos voltam a receber visitação.
Serviço Centro Histórico-Cultural Santa Casa, Av. Independência, 75, no bairro Independência, Porto Alegre (RS). Funcionamento: de terça a sábado das 9h às 18h e domingos e feriados, das 14h às 18h. Contato pelo (51) 3214-8255.
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A pandemia obrigou o espaço a adaptar suas apresentações para o ambiente online. Foto: Andreana da Silva Chemello.
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‘Ouvir as pessoas e trabalhar a serv delas é a missão do jornalismo’, diz Annelize Tozetto
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Por Patrícia Gaudêncio
Ouvir as pessoas e trabalhar a serviço delas parece que é o fio condutor do entendimento de Annelize Tozetto sobre o jornalismo. Nesta entrevista, a fotógrafa e fotojornalista conta o que a motivou a fazer faculdade de jornalismo e como o curso contribuiu para a formação de um olhar
crítico. Annelize é nascida em Ponta Grossa (PR), formada pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e pós-graduanda em Fotografia como Suporte para a Imaginação. Hoje, reside na cidade de São Paulo, onde trabalha como assessora parlamentar. Em agosto ela participou como convidada na mesa ´Fotografia e Política´, durante a III Semana da Fotografia da Uninter.
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Cobertura da peça ‘ A Barca dos Corações Partidos’, no teatro Carlos Gomes - Rio de Janeiro/RJ 2019. Foto: Annelize Tozetto.
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Revista F: Acompanhando seu trabalho no Instagram @annelizetozetto, percebemos que você tem uma atuação na fotografia que transita em diferentes vertentes. Mas como foi seu começo na fotografia? Annelize Tozetto: Sou jornalista de formação. Escolhi fazer o jornalismo porque era o mais próximo da fotografia. Lembro de ter pesquisado algumas faculdades, algumas até fora da minha cidade, mas meus pais não teriam condições de me bancar em uma mudança para um lugar muito distante. Minhas opções eram tentar fazer em Curitiba, ou em Ponta Grossa, onde eu morava, o que seria o ideal. Minha escolha, então, foi a UEPG. Na faculdade desenvolvi bem a escrita jornalística e me apaixonei pelo jornalismo literário, que é muito conectado com o que faço na fotografia. Depois que me formei eu
fiz um curso de fotografia pelo Centro Europeu para conseguir aprender na prática outras formas de fotografar. E nesse meio tempo, comecei a fotografar peças teatrais. Fui aprovada em uma seleção para fotografar o Festival de Teatro de Curitiba. E ainda em tempo de faculdade, cheguei a fazer estágio na área de assessoria política. Então nasceu tudo junto, praticamente: a fotografia de teatro e a fotografia de movimentos políticos. Eventualmente fazia ensaios, festas, para levantar uma grana, afinal, eu precisava pagar as contas. Claro que também era prazeroso, fotografei muitos amigos e me divirto fazendo isso. Então, sempre mesclei um pouco de tudo. Hoje cada vez mais quero me voltar para projetos e documentários. É bom uma virada de chave, mas sempre com a fotografia como prioridade.
ENTRE -VISTAS Revista F: Então a vertente de fotografia política começou nos tempos de faculdade? Annelize: Sim, comecei a fotografar na área da política em tempo de estágio. Fiz a cobertura de uma campanha do Partido Verde (PV) e na época não foi a melhor experiência do planeta, tanto que eu dizia que não queria mais isso na minha vida. No entanto, em 2012 eu voltei e voltei muito ligada. O trabalho com o teatro nessa época estava bem intenso e me dividi para cobrir duas campanhas, uma em cada cidade. E hoje atuo como assessora parlamentar. Então desde sempre estive envolvida com a política. Não caí de paraquedas nesse meio. A política e o teatro são minhas grandes paixões, até porque o teatro é político. A arte é política.
A política e o teatro são minhas grandes paixões, até porque o teatro é político. A arte é política.
estou. Meu trabalho me permite isso. A fase do receio de me posicionar já passou. Agora está bem claro, sou uma fotógrafa de esquerda. E o jornalismo não é isento, a fotografia não é isenta, tudo que faço parte de um recorte do meu olhar. Revista F: A faculdade de Jornalismo foi importante na formação do seu olhar nas ruas? Annelize: Sim, com certeza. A faculdade em si me trouxe muitas questões. Eu era uma menina do interior do Paraná, que cresceu com valores cristãos, quase fundamentalistas. A faculdade me permitiu mudar a minha visão de mundo. Quando participei do Movimento Estudantil, na Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social, aí eu me encontrei. Foi quando eu entendi que o Jornalismo serve também para fazer a diferença na vida das pessoas, serve para informar, mas também para questionar e cobrar respostas do poder público.
Revista F: Em relação à presença da mulher no fotojornalismo, como você vê esse cenário? Sabemos que em algumas outras áreas, como no esporte, a presença da mulher na fotografia ainda é rara. Revista F: Alguma vez você já sentiu que Annelize: Acredito que a popularização da fotografia ajudou a aumentar o seu trabalho relacionado à política atrapalhou algum trabalho de outra natureza? número de mulheres fotografando nas ruas. Temos ótimas referências de foAnnelize: Talvez não tenha nem chetógrafas, por exemplo a Gabriela Biló gado algum trabalho por conta do meu que faz um trabalho incrível e está lá em posicionamento político. O meu perfil Brasília. Mas é certo que ainda existem de trabalho no Instagram, atualmente, muito mais homens nessa categoria. deixa tudo super à mostra. Hoje meu Tem a questão do assédio que é real, perfil pessoal é separado do profissionacontece muito. E na rua a disputa por al, afinal é bom manter um pouco de um espaço na cobertura de movimentos, privacidade. Há alguns anos, postava por exemplo, é acirrada. Ser mulher, ser menos coisas relacionadas à política e baixinha como eu, é um desafio maior na nem usava tanto o Twitter. Mas hoje eu consigo expressar melhor o lado em que disputa por espaços na rua.
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ENTRE -VISTAS Revista F: Você já sofreu algum preconceito, por ser mulher, enquanto fazia coberturas políticas? Annelize: Já aconteceu. Tinha ido para o Paraná, para fazer uma cobertura do Guilherme Boulos. E aí ouvi alguns comentários, perguntas dos rapazes que já atuavam ali há mais tempo, do tipo “Você já fez alguma cobertura ao vivo?”, “Sabe fotografar ao vivo?”. Simplesmente, me olharam de cima a baixo e deduziram que eu não soubesse. E ali eu já tinha grande experiência, anos de formada nas costas. Poderiam ter me abordado de uma outra forma. Mas passou essa primeira impressão e hoje temos uma boa relação. Eu também já cheguei a ser proibida de fotografar um evento por causa da cor do meu cabelo. Disseram que eu estava chamando muita atenção. Foi bem constrangedor esse episódio.
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Revista F: Como aconteceu o convite para atuar como assessora parlamentar? Annelize: Em 2019 tinha ido passar o carnaval no Rio de Janeiro. Estava lá quando completou um ano da morte de Marielle Franco, dia 14 de março, e fotografei os atos que aconteceram nessa data. Dali fui para São Paulo e a Isadora Penna havia tomado posse como deputada estadual. Eu a conhecia por conta do PSOL, mas não éramos tão próximas. Mandei uma mensagem para ela, dando os parabéns e desejando boa sorte. Dois dias depois, era um domingo, ela me mandou uma mensagem e eu levei um susto. Na mensagem ela dizia que precisava falar comigo. Senti logo um frio na barriga. Em seguida ela me ligou e falou a respeito da vaga. E quando ela terminou de explicar, eu já disse: “ok, eu topo”. Fiz a entrevista no domingo
mesmo e em uma semana já estava no cargo. E estou adorando. Estou aprendendo muito, acompanho a Isa em todos os lugares. Hoje conheço bem a cidade de São Paulo, o estado de São Paulo. Fico emocionada por fotografar as transformações e todo esse movimento. Isso é o que realmente me move nessa profissão. Revista F: Você consegue perceber um clima diferente entre as manifestações que acontecem neste governo em comparação aos anteriores? Annelize: Sim, muita coisa mudou. O
Ato pelo 1 ano de assassinato de Marielle Franco, Rio de Janeiro/RJ - 2019. Foto: Annelize Tozetto.
governo federal é um desserviço, para começo de conversa. É horrível toda essa confusão que se causa para desviar a atenção do povo. Os profissionais estão ali trabalhando e qualquer trabalhador, de qualquer área, merece respeito. E toda essa questão das fake news e a forma como nosso trabalho é deturpado só prejudica a sociedade. Então a gente vê o povo nas ruas mais intolerante, mais agressivo. Os jornalistas são agredidos moralmente, fisicamente. Mas acredito que o que a gente não pode deixar acontecer é a perda da
essência do jornalismo. Nosso papel é informar e é também conscientizar a população. É para as pessoas que a gente trabalha. Revista F: Que cobertura política foi a mais impactante para você? Aquela que te fez voltar para casa diferente? Annelize: O trabalho de conclusão de curso na faculdade de Jornalismo, sobre moradias em área de risco, foi o primeiro grande marco. Fiz um livro-reportagem em parceria com o meu amigo Saulo. Passamos um ano acompanhando
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Luiza Erundina no exercício da cidadania. São Paulo/SP 2020. Foto: Annelize Tozetto.
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três famílias. Isso me fez entender muito sobre como funciona uma cidade, sobre tantas injustiças que acontecem, esse processo todo me transformou. E um momento mais recente que eu destaco, e até comentei na mesa da III Semana da Fotografia da Uninter, foi fotografar a Erundina votando no primeiro turno nas eleições de 2020 e fazer toda a cobertura da campanha no segundo turno. Ela move multidões em São Paulo. Foi muito emocionante testemunhar isso. Olho com imenso carinho para essas fotos. Uma senhora com 86 anos, em meio a uma pandemia, firme, indo votar, foi lindo. Se eu tiver um terço da garra dessa mulher, estarei feliz da vida. A presença da Erundina é realmente transformadora. Revista F: Que episódio histórico você gostaria de ter presenciado para registrar com suas lentes?
Annelize: A Revolução Russa de 1917, pelas mulheres revolucionárias já que pelos homens tem muita história já contada. E um outro episódio seria a Revolução Cubana. Bem suave, não é? Destacando um momento brasileiro, seria o movimento das Diretas Já. Revista F: Que conselho você deixa para os profissionais iniciantes na área de Comunicação? Annelize: O meu conselho é: sejam pessoas legais. Na época da elaboração do meu trabalho de conclusão do curso, em conversa com uma pessoa que morava em situação de risco, a Tereza, ela falava sobre o fato de profissionais fotografarem e irem embora, sem terem um mínimo de contato com a realidade deles. Isso ficou na minha memória. Depois de um tempo a Tereza se mudou e não consegui mais encontrá-la. Gostaria
ENTRE -VISTAS muito de saber como ela está. Acho que a fotografia, o jornalismo, as artes, precisam chegar até as pessoas, deve existir este compromisso. As histórias das pessoas são importantes. Não somos donos da verdade, não sabemos tudo. Ouvir as pessoas de coração aberto faz você enxergar muitas coisas além da sua realidade, do seu mundo. Pude me redescobrir jornalista através desse trabalho que tenho feito no parlamento. Como disse antes, o jornalismo é feito de pessoas para pessoas. Imagine que você possa resolver algumas questões da vida das pessoas através do jornalismo. Passar a ouvi-las com humildade foi o que fez toda a diferença no meu trabalho. Não é uma missão fácil, mas não deixem de acreditar que é possível. Participação de Annelize Tozetto na III Semana da Fotografia da Uninter. Foto: Bárbara Tagliani.
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Perfil
’Descobri que o meu jeito de enxergar e viver o mundo era através da fotografia’ A fotógrafa Mariana Alves usa seu trabalho para criar e reelaborar conceitos de espaços e pessoas. Por Paulo Pessôa
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”Fotografar é relação, interação”, diz Mariana. Foto: Mariana Alves.
Mariana Alves diz que já estava destinada à vida fotográfica. Desde que ganhou sua primeira câmera, aos 15, descobriu o mundo com o qual mais tarde viria a trabalhar. “Tinha acabado de ganhar uma câmera pequena, e não larguei mais. A partir desse momento, descobri que o meu jeito de enxergar e viver o mundo,
era através da fotografia”. O amor pela fotografia a levou a cursar Jornalismo, juntando o que amava ao seu ganha pão. A fotógrafa atua como fotojornalista e, além de ser jornalista, é especialista em História da Arte pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Na pós-graduação dedicou-se ao estudo da fotografia
O projeto “Não Repare na Bagunça” visita os espaços íntimos das pessoas explorando as definições de “lar”. Foto: Mariana Alves.
de família produzindo “Os Retratos da Família Sally Mann: da construção da memória à encenação”. Ela tem experiência em áreas como editorial, museus, rua e eventos e desenvolve projetos pessoais nos quais exerce sua independência artística e fotográfica. Esses projetos são fundamentais para Mariana exercitar seu olhar fotográfico e artístico. Apesar de defender e enfatizar seu trabalho com fotografia de rua – como forma de entender o espaço do profissional fotógrafo -, uma das suas mais trabalhosas produções é o “Não Repare na Bagunça”, projeto que retrata espaços domésticos. A ideia surgiu como uma revisão dos espaços domésticos que estamos inseridos após Mariana ter analisado como essa representação foi feita em outros trabalhos.
“Contar a história das pessoas através dos espaços mais íntimos, era algo que me encantava. Cada lugar tem uma história, cada um se coloca nesses espaços, e conseguimos ver muito da nossa vida e da nossa cultura através disso.” afirma Mariana. O projeto teve que ser pausado por conta da pandemia da Covid-19 já que exigia interação próxima entre a profissional e as residências (e pessoas) fotografadas. Os efeitos da pandemia não foram sentidos apenas neste projeto da artista. “No caso da fotografia, ela impacta totalmente a forma como a gente trabalha. Afinal, fotografar é relação, interação. E estar longe disso tudo faz com que a riqueza desse processo não aconteça da forma como esperamos.” Apesar do impacto, Mariana destaca como a pandemia alterou o conceito
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”Contar a história das pessoas através dos espaços mais íntimos era algo que me encantava”, explica Mariana sobre o que o projeto. Foto: Mariana Alves.
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de lar, residência e espaços domésticos, mudando o modo como vemos as moradias que se tornaram também local de trabalho, estudo e isolamento. “Acho que voltando esse projeto, vão ter outras questões, outras histórias e outras relações que vão aparecer depois disso tudo que a gente tá passando.” afirmou a fotojornalista durante sua apresentação na III Semana de Fotografia Uninter, no qual debateu sobre o mercado fotográfico atual, sobre como montar projetos fotográficos e como construir um olhar fotográfico em um mundo onde a maioria das pessoas possuem uma câmera em seus aparelhos celulares. No mesmo evento, Mariana Alves também apresentou seu projeto ainda em
construção, chamado “Moradas”. A ideia era trazer em forma de ensaio fotográfico as residências de moradores da cidade de Porto Camargo no interior do Paraná. A concepção de moradia e tempo na cidade é outra; por conta do tamanho pequeno da cidade, as cenas têm sido congeladas no tempo. Estamos sempre indo atrás de novas histórias e novas formas de contar. Esse ano eu termino um trabalho com o lançamento de um livro e de uma exposição itinerante, que foi adaptada também para o período pandêmico”, conta. A pausa obrigatória nos dois projetos fez Mariana retomar olhares sobre a Fotografia de Rua que tinha no início de sua carreira como fotógrafa. Ela revisitou lugares que já conhecia, assim
Perfil como conheceu novos - prática que faz questão de manter na sua vida profissional e que contribui para constantemente mudar sua visão sobre o mundo. “Acho que encontrar pessoas não só mudam nossa visão de mundo, como acrescenta e enriquece nossa vida. Encontrei muita gente, ouvi muitas histórias, e tudo isso é extremamente enriquecedor.” reforça Mariana, sempre lembrando da interação necessária entre o fotógrafo e as pessoas fotografadas para evolução do olhar por trás da câmera. A prática de estar sempre observando lugares ao redor, revisitando lugares antigos, conhecendo pessoas novas e lugares novos, é algo que Mariana Alves aconselha para fotógrafos iniciantes, visto que é uma rotina que mantém em sua carreira profissional e em seus trabalhos fotográficos pessoais: “Acho que a melhor coisa pra começar na fotografia é estar
sempre fotografando. Não importa se em casa, na rua ou em festas, é estar atento, praticando o olhar. E nem é preciso tanto, pode ser até com o celular mesmo. Importante é ir praticando e pensando nessa construção mesmo”.
”Encontrei muita gente, ouvi muitas histórias, e tudo isso é extremamente enriquecedor” reforça Mariana. Foto: Mariana Alves.
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ESPECIAL FOTOGRAFIA
Memórias de resistências negras Movimento negro brasileiro utiliza fotografia como construção de memória coletiva Por Jana Costa
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O movimento negro brasileiro vem se constituindo no país desde o período da escravidão e uma das principais formas de preservação de sua cultura e história foi a oralidade. No entanto, ao longo do tempo surgiram outras formas de deixar registros para gerações futuras, como o uso da fotografia. A fotografia constitui a memória social. Nos movimentos negros, ela permite que pessoas negras vejam outras pessoas negras ocupando espaços, conquistando direitos, se unindo, manifestando suas ideias e pensamentos. Para Giorgia Prates, fotojornalista, mulher preta criada na periferia de São Paulo, os registros feitos pelas mídias que falavam sobre seu lugar de pertencimento eram realizados a partir do olhar de pessoas que nunca haviam pisado ali, criando pontos de vistas estereotipados. Hoje, Giorgia atua como militante, fotografando e registrando a história do movimento negro que participa. “Tem a ver com a minha luta diária de existir. Acabo conhecendo outras realidades de vida, pensamentos, vivências, aprendizados. Eu tenho muita sorte de poder me envolver de uma forma tão direta”, explica. A fotografia é, ao mesmo tempo, a captura de um momento que se findou e uma história que se vive e se atualiza por meio da imagem. Assim, assume um importante papel na construção e preservação da memória social da população negra, que, por meio dela, pode ressignifi-
car e construir memórias de resistências e existências negras. A importância de fotografar os movimentos sociais está no ato de registrar e representar lugares possíveis e compreender espaços, papéis sociais, possibilidades de assuntos e demandas da população negra. É uma forma de tornar visível aquilo que não é. Miriane Figueira, mulher negra, fotógrafa, artista visual e pesquisadora da memória e da negritude, afirma que “é importante e necessário ter a memória preservada, mas ao mesmo tempo a gente precisa ressignificar a memória, de um modo que a gente consiga ascender”. Por meio dessas fotografias pode-se reconstruir as memórias de uma maneira afirmativa e coletiva. Quebrar estereótipos, descolonizar corpos negros, desconstruir uma imagem conferida à população negra são algumas funções políticas da fotografia no movimento negro. Ela permite mostrar, por exemplo, que as pessoas de periferia passam por outras realidades além da fome. “Com a fotografia estamos fazendo e registrando a nossa história, construindo essa memória do movimento negro, do lugar que a gente tem e pode estar”, afirma Giorgia. A internet tem tido um papel fundamental na divulgação de trabalhos com propostas afins, uma vez que dá espaço para circulação de trabalhos de fotógrafas e fotógrafos negros que pensam
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ESPECIAL FOTOGRAFIA
negritude e fotografia. No Instagram podemos acompanhar alguns trabalhos como o projeto Olhos Negros (@projeto. olhosnegros) que tem como objetivo dar visibilidade a fotografia negra, mapeando fotógrafos negros e construir um arquivo de imagens de memórias da negritude. Sob memoração: fotografia, memória e negritude
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Nesta perspectiva, a exposição “Sob Memoração” que durou cerca de sete anos, buscou, por meio de documentos e registros fotográficos, resgatar e mostrar a história da Associação 13 de Maio, de Curitiba (PR). Para a realização da exposição, Miriane Figueira e mais dois amigos fizeram uma pesquisa ao longo de 2012, construindo uma narrativa visual para contar e ressignificar memórias das pessoas que ali fizeram e fazem parte da história do Clube. Miriane tinha uma relação afetiva com o lugar: “Foi bonito reconstruir essa história do clube. O 13 de maio foi um espaço onde eu entendi muitas coisas”, conta mostrando sua admiração pelo clube e entendendo o que esse espaço significa para a história da cidade. (https://mirianefigueira.com.br/sob-memoracao-negros-libertos-e-associados/) Em 2016, Miriane conectou seu trabalho de artista visual e de fotógrafa com o projeto autoral “Desapropriaram-me de mim”, no qual pensa o corpo negro e sobre o que é ser uma mulher negra. Esse projeto utiliza imagem como forma de afirmar de maneira positiva e ressignificar a negritude. “Sempre tivemos a imagem do colonizador como fonte, agora nós estamos construindo essa história. São heranças, que estão presentes na nossa cultura, mas a gente não dá o nome certo. As pessoas precisam saber dessa herança”, explica Miriane.
Obra Constança do projeto autoral “Desapropriam-me de mim” de Miriane Figueira. Foto: Miriane Figueira.
Fotógrafa e artista visual Miriane Figueira. Foto: Gabriel Maça.
Frame
Por Talita Lopes
Um olhar rural por trás das lentes
O Museu da Imagem e do Som, em Curitiba (PR), recebe a primeira exposição do 14º Prêmio New Holland de Fotojornalismo. Com o tema “Agricultura, substantivo feminino”, traz trabalhos de fotógrafos amadores e profissionais. As histórias de simplicidade e o trabalho duro do campo ganham vida com cores, olhares, animais e jogos de luz e sombra.
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Frame
Por Naya Alonso
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Nascimento do Bloody Mary
Como todo clássico, o Bloody Mary não tem documentos que comprovem sua origem e criação. Alguns alegam que foi criado na década de 1920 por Fernand Petiot - barman do Harry’s New York Bar, em Paris. Os frequentadores pediam a criação de um drink que mascarasse a aparência e a fragrância do teor alcoólico, já que o país estava submetido à Lei Seca. Petiot, resolveu batizá-lo de Bucket of Blood (Balde de sangue), pois a mistura dos ingredientes resultou em uma cor exuberante em vermelho.
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Por Renata Cristina
Desenvolvimento do olhar fotográfico
Os primeiros contatos de Henry Milleo com a fotografia foram manuseando uma câmera que era de sua mãe, e somente em momentos especiais. Deste início até o trabalho atual na agência alemã, DPA, e a brasileira, Fotorarena, seu olhar fotográfico sempre esteve em constante desenvolvimento. Milleo costuma revisitar trabalhos antigos e diz que isso é fundamental para a percepção e o desenvolvimento do olhar fotográfico. - Henry Milleo e a jornalista Ma. Elaine Schmitt na III Semana da Fotografia Uninter.
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Por Lucimara Artussa
Cultivar, registrar e compartilhar
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Na pandemia, a fotografia se fortaleceu como arte de resistência e humanização, permitindo-nos compartilhar com outras pessoas o que fizemos durante o isolamento. Dentre tantas atividades em alta, o cultivo de plantas foi uma das formas de trazer vida e esperança em tempos tão incertos.
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Por Bárbara Tagliani
Fotografar como um ato político
Para Giorgia Prates, a fotografia é uma forma política de colocar seu corpo no mundo. Especialmente, quando cobre atos e protestos em espaços público. Ela participou da III Semana Fotográfica Uninter por meio de uma vídeo chamada de dentro do carro, durante cobertura fotográfica de uma manifestação no centro de Curitiba (PR). - Giorgia Prates na III Semana de Fotografia Uninter.
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Por Jennifer Eduarda
Fotografia esportiva não é só jogo e treino
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O fotógrafo colaborador da agência FotoArena e do Sevilla F.C., Adam Escada, e o fotógrafo do clube Athletico Paranaense, José Tramontin, concordam em um ponto: fotografar esporte não é só fazer foto de jogo e de treino. Quem cobre a área também trabalha com gestão da imagem dos clubes, dos jogadores e dos patrocinadores, cobertura de eventos, fotos para imprensa, redes sociais e produtos e banco de imagens (privados e internos). - Adam Escada e José Tramontin na III Semana da Fotografia Uninter, com mediação de Marcia Boroski.
Expediente A Revista F é uma produção laboratorial do curso de Jornalismo do Centro Universitário Internacional Uninter. Chanceler Prof. Wilson Picler Reitor Dr. Benhur Gaio Coordenador do curso de Jornalismo Dr. Guilherme Carvalho Professora responsável Ma. Marcia Boroski (MTB: 10737/PR) Projeto gráfico Núcleo de Imagem Ponto Zero Diagramação e layout Renata Cristina Foto capa Naya Alonso Assistente de textos e Editoria Frame Paulo Pessôa Estudantes de Jornalismo Andreana da Silva Chemello, Bárbara Tagliani, Gabriele Rocco, Guilherme Lobato, Jana Costa, Jennifer Eduarda, Lucas Geremias, Lucimara Artussa, Naya Alonso, Patrícia Gaudêncio, Paulo Pessôa, Renata Cristina e Talita Lopes Endereço Rua Saldanha Marinho, 113, Centro, Curitiba (PR) Contato nucleopontozero@gmail.com
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