Revista Entrelinha

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Revista-laboratório da disciplina Design de Notícia - 2016/4 Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo / UCS

Adoção: um cálculo que não página fecha8 Gênero, históriapágina e luta 14 Quem são os tatuados nopágina Brasil 22


Expediente Reitor Dr. Evaldo Antônio Kuyava Diretora do Centro de Ciências Sociais Dra. Maria Carolina Rosa Gullo Coordenador do Curso de Jornalismo Dr. Álvaro Benevenuto Júnior Disciplina Design de Notícia Professora Dra. Marlene Branca Sólio Projeto Gráfico Ronaldo Bueno

Alunos Alana Rodrigues Alana Fernandes Alessandro Manzoni Caroline Rosa Cindy Joiner Cristina Rocha Daniela Basso Felipe Padilha Felipe Brambatti Isabella Silocchi Jerônimo Portolan Filho Jorge Rafael Leonardo Amaral Marina Nunes Milene Rostirolla Rafael Zanol Rejiane de Oliveira Rodrigo Moraes Rodrigo Fantinel Ronaldo Bueno Sarah Carvalho Tatiana Cruz Vitória Gobbi

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Editorial Mais uma turma cumpre sua missão na disciplina Design de notícia. O grupo, neste semestsre, foi maior do que costuma ser, o que multiplicou modos de ver os diversos temas eleitos para mais uma edição da revista Entrelinha. Como de costume, um dos trabalhos foi o slecionado para publicação na plataforma Frispit, do Curso de Comunicação da UCS. A escolha foi difícil, porque todos os projetos cumpriram seu objetivo maior. É justo enfatizar aqui o interesse no desenvolvimento de boas pautas, assim como o cuidado com a investigação e apuração de dados. Embora a essência da disciplina seja o design gráfico – o cuidado

com o layout, o aprendizado das técnicas adequadas para o fechamento de arquivos, o exercício da arte aplicada... –, a turma levantou pautas atuais, de peso na sociedade contemporânea; pautas que deixam clara a preo­cupação destes jovens cidadãos com reflexões e discussões acerca do mundo em que estão inseridos. Transformar uma sociedade passa por olhar para ela sob os mais diversos prismas e, nesse sentido, a turma que entrega o Entrelinha aos leitores cumpriu seu papel duplamente: com a construção de significação a partir do discurso gráfico e com a escolha e exploração de boas pautas.

Uma Caxias de muitos sotaques página 4

Talian, a língua de um povo página 7

Espaço público sem público não existe página 12

Agricultura orgânica página 13

A música clássica em Caxias do Sul página 21

Endereço Campus-Sede Rua Francisco Getúlio Vargas, 1130 Bairro Petrópolis - Caxias do Sul - RS 95070-560 Telefone: (54) 3218-2100


Crédito: Leonardo Amaral

Snap, um novo meio de comunicação A rede social com mais de 100 milhões de downloads, além de entreter, informa. Jornalistas explicam a importância do veículo na transmissão de conteúdo

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ada vez mais presentes em nossa vida, as redes sociais divertem, relacionam pes­soas,­­ entretêm e até informam. A instantaneidade dessas novas mídias proporciona a rápida troca de informações, e exemplo disso é o snap, anteriormente chamado de snapchat. O snap é uma rede social de mensagens instantâneas voltada para smart­ phones, criada e desenvolvida por estudantes da Universidade de Stanford. Segundo João Kurtz, jornalista e colaborador do site TechTudo, o aplicativo pode ser usado para enviar fotos, vídeos e textos, e seu diferencial é que o conteúdo pode ser visto apenas uma vez, sendo deletado automaticamente em seguida. O aplicativo, assim como as outras redes, é uma valiosa fonte de informa-

ção e, no jornalismo, pode ser usado para transmitir acontecimentos quase ao vivo, por exemplo. A professora Ana Laura Paraginski, do curso de Jornalismo da UCS, caracteriza o uso do snap no jornalismo como uma plataforma realtime, justificando sua utilização na cobertura de eventos. A equipe do Zero Hora, no entanto, embora tenha, inicialmente, optado por utilizá-lo em cobertura de eventos e shows, acabou optando por mostrar os bastidores da redação, ou como define Nathalie Córdova, coordenadora de redes do grupo, “mostrar o que ninguém vê”. Ela conta, ainda, que o objetivo não é transformar o perfil no snap em mais uma marca do grupo, assim como ocorre com o ZH Tablet. “O snap serve como um reforço de marca, mais do que uma busca por audiência ou estratégia comercial”, explica a jornalista. As redações jornalísticas usam essa ferramenta cada vez mais. Veículos internacionais, principalmente, conseguem transmitir um debate presiden-

cial, no mesmo momento em que ele ocorre, relata Nathalie. Ainda de acordo com a coordenadora das redes do ZH, as histórias postadas no perfil do jornal no aplicativo são vistas por cerca de 400 pessoas, e o número de seguidores cresce cada vez que é transmitido um evento ao vivo. Para o futuro, Ana Laura espera, e todos nós também, que as tecnologias nos surpreendam, oferecendo conteúdo com qualidade, em um formato ainda mais inovador.

Recentemente, o snapchat alterou seu nome para simplesmente Snap Inc. O motivo da mudança é o investimento da empresa na área de gadgets, com o lançamento dos Spectacles, óculos de sol capazes de gravar vídeos e enviá-los diretamente à rede social.

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Leonardo Amaral lsamaral@ucs.br

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Crédito: Alana Fernandes

Uma Caxias de muitos sotaques Há pouco mais de cinco anos, Caxias ganhou um espaço que pretende valorizar e preservar suas raízes históricas, o Ponto de Cultura Casa das Etnias. O espaço é formado pelas associações ger­ mânica, polonesa, italiana e suíça, mas tem atividades para toda a comunidade Alana Fernandes afernandes1@ucs.br

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última estimativa populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em agosto, indica que Caxias do Sul tem 479.236 habitantes. Nesse mar de pessoas, dezenas de sotaques se misturam, bem como os traços culturais de quem ajudou a construir a cidade. O objetivo do Ponto de Cultura Casa das Etnias, criado em 2011, é fazer com que a identidade cultural dos imigrantes não se perca com o tempo. As atividades se concentram em um imóvel pertencente à administração pública, localizado no Bairro Panazzolo. No prédio de dois andares, com salas de aula, cozinha e teatro, as associações se reúnem semanalmente. No primeiro andar, há um teatro, com capacidade para 90 pessoas, construído por meio de doa­ ções da Lei de Incentivo à Cultura (LIC). Os encontros envolvem oficinas de _____ Entrelinha

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idiomas, musicalização, técnica vocal (canto) e teatro. Frequentemente, o espaço é usado para aulas de culinária, com pratos típicos de cada país representado pela sua associação. O advogado Iraci Marin, 66 anos, integrante do grupo polonês e membro Conselho Gestor da entidade, diz que a Casa das Etnias pode ser considerada um esforço de resistência. “Hoje, no mundo todo, a tendência da padronização está cada vez mais forte. A padronização desidentifica o grupo e o próprio indivíduo. E nós queremos o contrário: queremos manter a identidade cultural”, diz. Recursos e voluntariado O Ponto de Cultura Casa das Etnias surgiu de um convênio entre a Secretaria Municipal de Cultura e o Ministério da Cultura, em agosto de 2011. A parceria possibilitou o apoio financeiro e, consequentemente, a melhora da estrutura e a compra de objetos. O convênio com o órgão federal en-

cerrou-se em 2014 e, desde então, o espaço cultural é mantido com recursos municipais, leis de incentivo à cultura e doações. A Casa das Etnias é coordenada por um conselho gestor, formado por voluntários de cada uma das associações que compõem o local. As visitas ao espaço cultural são agendadas conforme a possibilidade dos voluntários, já que a Casa das Etnias não tem funcionários fixos. Segundo Marin, cerca de 150 pessoas circulam pelo Ponto de Cultura mensalmente. Os visitantes são, na maioria, de grupos escolares. “Nós temos que fazer as atividades para a comunidade, e não só para os integrantes dos grupos. Por isso, também se faz necessária a divulgação do nosso trabalho”, reforça o voluntário. Associações preservam a cultura Em comum as associações culturais têm o desejo de preservar e fortalecer as heranças deixadas pelos imigrantes que ajudaram a povoar a Serra gaúcha. Uma


Etnias se misturam Colonizada em sua maioria por descendentes de italianos, a Caxias do Sul de hoje mescla diversas culturas Daniela Basso dabasso@ucs.br

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mbora seja uma cidade tradicionalmente italiana, Caxias do Sul não é habitada apenas por descendentes desse país europeu. Poucos sabem, mas o município também abriga pessoas de etnias, como a alemã, a polonesa e até mesmo a suíça. Segundo Iraci Marin, ainda não foram realizados estudos sobre as culturas presentes em cada bairro da cidade, mas é possível ter uma base. “Podemos citar como exemplo o Bairro Panazzolo, que é povoado por descendentes de alemães”, conta.

Crédito: Alana Fernandes

Nos últimos anos, Caxias do Sul é o destino escolhido por diversos imigrantes, que buscam uma vida melhor e fixam residência na cidade. Com a mistura de várias culturas, podemos dizer que haitianos e senegaleses fazem parte do município. Várias são as dificuldades enfrentadas pelos imigrantes, quando se estabelecem em uma cidade diferente. Para auxiliá-­ los, Caxias possui o Centro de Atendimento ao Migrante (CAM), uma entidade filantrópica que realiza acolhimento e ajuda os estrangeiros no processo de integração com o Brasil, com sede no Bairro Marechal Floriano. Fundado em 14 de outubro de 1980, o Centro pertence à Congregação das Irmãs de São Carlos Borromeo, Scalabrinianas. Ele tem como objetivo promover e defender a vida; por isso, presta serviços de assistência social para apoiar os imigrantes. Também desenvolve ações solidárias com a finalidade de responder aos desafios que Caxias e região têm. A entidade ainda auxilia na promoção da cidadania, defesa dos direitos e inclusão nas políticas públicas dos imigrantes e refugiados. Além disso, o Centro atua em parceria com várias organizações presentes na sociedade, para melhor atender às necessidades dos imigrantes. De acordo com a assistente social Vanessa Perini Moojen, o CAM realiza de 10 a 25 atendimentos por dia. “A entidade recebe principalmente imigrantes oriundos do Haiti e do Senegal, mas também de países da América Latina, do Paquistão, Bangladesh, Afeganistão, Gana, República Dominicana, Cuba, Mauritânia, Portugal e Espanha”, relata. Vanessa acredita que para o futuro a quantidade de atendimentos aos imigrantes permaneça igual ou até aumente, devido ao que ocorre. _____ Entrelinha

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das mais antigas, a Associação Cultural Miseri Coloni, surgiu em 1982. Ao todo, 90 pessoas estão associadas, porém, atual­mente, apenas 20 ainda participam ativamente, conforme a produtora cultural Clerí Ana Pelizza, vice-presidente do grupo e secretária do Conselho Gestor da Casa das Etnias. “As associações possibilitam a permanência do que é mais precioso e importante ao ser humano: a sua história”, reforça Clerí. Há pouco mais de dois meses, a Associação Cultural Germânica AllesGut (em português: Tudo bem) comemorou 10 anos de uma maneira bem especial: com um baile de Kerb, bastante tradicional nos costumes alemães. Na festa, não pode faltar cuca, linguiça, chope e, claro, muitas danças típicas. Atualmente, cerca de 60 participantes frequentam as aulas de danças folclóricas, idioma e dialetos e oficinas de gastronomia na Casa das Etnias. “A associação começou com um grupo de aventureiros e hoje se expandiu”, diz o vice-presidente do grupo Leonardo HollandLeiser, 18 anos.

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Crédito: Rodrigo de Oliveira Moraes

Discursivização do estrangeiro O ser humano, por natureza, é um ser nômade, sempre desterritorializando m busca de novas e condições para melhor Rodrigo de Oliveira Moraes romoraes@ucs.br

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Brasil, nos últimos anos, vem recebendo imigrantes haitianos, ganeses, senegaleses, toguenses, entre outros. Nesse processo de transição, criam-se conflitos culturais. Os últimos eventos mundiais, como as Olímpiadas Rio 2016, e a Copa do Mundo de 2014, abriu-se portas para os imigrantes contemporâneos, por tempo indeterminado, e sem perspectiva de volta para o país de origem. Tais pessoas chegam em busca de melhores condições de trabalho, alimentação, moradia e necessidades básicas para o ser humano. A discursivização do estrangeiro é tudo aquilo que é produzido discursivamente em relação ao estrangeiro, imagens, músicas, entrevistas, diálogos e tudo o que interage com o receptor de uma mensagem; é como as pessoas percebem o estrangeiro, e como o estrangeiro se percebe. _____ Entrelinha

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O apontamento que deve ser feito não é só o da aceitação dos imigrantes contemporâneos, como potenciais consumidores e parte de um fortalecimento do capital, mas também como seres carregados de subjetividade e história, que devem ser analisadas com maior sensibilidade. O psicólogo e pesquisador das discursivizações do estrangeiro, Ismael Pereira, ressalta que é necessário responsabilidade social, “o estrangeiro precisa de lugares especializados de escuta para suas demandas, onde possam falar em francês e inglês; quando morei na França, procurei fazer terapia, mas é necessário alguém que possa entender as especificidades; para isso o imigrante tem que se sentir confortável falando sua língua”. Estabelecer essas relações de escuta especializadas é uma demanda ainda não discutida na cidade de Caxias do Sul, e um apontamento das lacunaem que a maioria da população, mesmo quando com acesso à formação superior, não está preparada para falar outra língua que não o português. Cher Cheik, empresário senegalês,

fala sobre sua filha com a jornalista, Kamila Zatti, a Mame Diarra. “Estou feliz da família que construí, poder criar a Mame no Brasil; com certeza vai ser algo incrível, espero que os brasileiros respeitem ela, pois ela também é brasileira.”.A pequena de menos de um ano, é uma das crianças que vivem esse processo de transição dos imigrantes contemporâneos; mesmo não acessando a educação, já familiarizado com a língua dos pais.

Está sendo disponibilizado intensivo de aulas de português para que os imigrantes possam se integrar à sociedade de forma mais confortável. Mas, ainda aponta pistas de carem que as aulas de língua estrangeira são superficiais e não oferecem um preparo para a população, que não tem condições de pagar por ensino na rede particular.


Crédito: Merlo Fotografias

Talian, a língua de um povo O agora idioma de origem italiana vivencia tempos de instabilidade, mas iniciativas podem auxiliar para a sobrevivência desse símbolo da cultura italiana no Brasil

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erpetuar a cultura provinda dos imigrantes italianos. Essa é a grande e honrosa missão do Talian, língua originária do Norte da Itália, a partir de dialetos falados pelo povo local. Desde a imigração, a língua se faz presente em algumas regiões do Brasil e, devido a isso, a manutenção e a propagação desse idioma devem ser postas em prática, a fim de que se garanta a sobrevivência de um dos elementos mais importantes e emblemáticos das tradições italianas no Brasil. Vários pesquisadores iniciaram um resgate histórico, a fim de obter uma padronização dessa linguagem. Consequentemente, os estudos foram avaliados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que, por meio da instituição do Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL), estimou que houvesse mais de 250 línguas faladas no País, e o Talian é umas das sete reconhecidas como Referência Cultural Brasileira, sendo a única língua de imigração.

Esse fato repercute nos municípios onde o idioma é falado pelos “nonnos” e pelas “nonnas” cotidianamente. Em Monte Belo do Sul, na Serra gaúcha, a maioria da população é composta por descendentes de italianos. Em vista disso, foi criado o Centro de Tradições Italianas (CTI), que fomenta o desenvolvimento da cultura, por meio de reuniões e iniciativas artísticas, como o grupo de dança típico italiano Ballo d’Itália e o grupo de teatro Fratelli di Cuore. A peça teatral é falada inteiramente no dialeto Talian e retrata a jornada dos imigrantes, desde sua partida da Itália até a árdua visão da tão sonhada América. O presidente do CTI, Nelso Uliana, enfatiza que esse tipo de iniciativa faz com que a população local perceba que não deve ficar envergonhada por falar o idioma, ao contrário, deve sentir orgulho de fazer parte de algo tão grandioso para a história do nosso País. “Não podemos deixar que as pessoas parem de falar o Talian. Precisamos que elas encham o peito para dizer: Eu sou descendente e falo o Talian com muita satisfação!”, reitera com entusiasmo. Partindo para um cenário mais abrangente, a pesquisadora, escritora e jornalista

italiana Giorgia Miazzo Cavinato, se dedica há 10 anos ao estudo do Talian no Brasil, além de pesquisá-lo ao redor do mundo. “Eu acredito na salvação do Talian no país, porém é necessário que se inicie agora um trabalho com as crianças nas escolas, pois não adianta trabalhar somente com os mais velhos”, afirma. Giorgia propõe que se introduza o ensino da língua juntamente com a história da imigração e com a geografia, para, em primeiro lugar, acabar com a vergonha e o desconhecimento dos jovens. Além disso, ela defende que busquemos o aprendizado do idioma, não apenas pela possibilidade de passaporte italiano. “Nós precisamos de cultura, pois com ela nós podemos nos defender”, enfatiza. O futuro, em sua essência, é incerto. Contudo, planejamento é fundamental. Assim ocorre com o Talian: um idioma que está vivo nos que receberam a influência italiana em seu desenvolvimento, mas que está se perdendo devido à falta de incentivo aos jovens. Projetos devem ser executados, com certa urgência. E o Talian? – Bem, fica no aguardo e na busca da mesma glória conquistada há 140 anos, como na imigração. _____ Entrelinha

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Alessandro Manzoni amanzoni@ucs.br

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Crédito: Marcello Casals Jr. / Agência Brasil

Um cálculo que não fecha Para cada criança na fila, existem pelo menos cinco famílias dispostas a adotar. O perfil que os futuros pais desejam, no entanto, emperra o processo de adoção e faz com que pré-adolescen­ tes de 12 a 17 anos fiquem por mais tempo em abrigos públicos Cristina Rocha ccrocha1@ucs.br Ronaldo Bueno rvbueno@ucs.br

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s abrigos para recém-nascidos, crianças e pré-adolescentes em situação de abandono e vulnerabilidade social são o retrato de uma das maiores mazelas do Brasil contemporâneo. Conforme dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), quase seis mil crianças estão inscritas atualmente. Já o número de pretendentes ultrapassa os 33 mil. A ferramenta digital, lançada há oito anos, evidencia um cálculo que não fecha. Para cada criança na fila de espera, existem pelo menos cinco famílias dispostas a adotar. O cenário preocupa juízes das Varas da Infância e da Juventude. Um levantamento realizado em maio deste ano, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ouviu os magistrados que trabalham na condu_____ Entrelinha

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ção dos processos de adoção em todo o País. Conforme o documento, a principal barreira é o perfil das crianças que os futuros pais desejam: um terço das famílias quer adotar somente meninas e quase 70% não aceitam ficar com irmãos. A faixa etária e a etnia das crianças também são fatores determinantes. Mais da metade dos casais deseja que seu futuro filho tenha até 18 meses de idade e a cor da pele semelhante à da família adotiva. Dessa forma, meninos pardos de 12 a 17 anos ficam mais tempo à espera de um lar. Além disso, os dados mostram que 69% dos pretendentes somente aceitam crianças sem doenças crônicas ou deficiências. Na fila de espera, no entanto, uma em cada quatro crianças possui problemas de saúde. O resultado direto é a superlotação dos abrigos públicos. A situação não é diferente em Caxias do Sul, na Serra. O Instituto Filhos, criado para atender a famílias no processo de adoção, contabiliza 17 crianças inscritas e mais de 250 famílias à espera, ou seja, para cada criança na fila, há 14 famílias

querendo adotar. De acordo com a presidente da entidade, Marta Mazzuchini, o que dificulta o processo é a exigência das famílias em relação às crianças. “A maioria dos casais que buscam o Cadastro de Adoção querem bebês recém-nascidos, de até um ano de idade. Além disso, as pessoas procuram características físicas semelhantes: famílias brancas querem filhos adotivos brancos”, afirma. Quando o amor e a razão vencem O autônomo Cláudio Silva tem 41 anos e é casado há dez. Ele conheceu seu companheiro em uma viagem de férias, ainda em 2004. “Na época, era muito difícil sonhar que eu e meu namorado conseguiríamos adotar juntos, então resolvemos que eu entraria no processo sozinho. Eu estava muito disposto, tanto que se nosso casamento não desse certo, falei para ele que a guarda seria só minha”, lembra descontraidamente. O autônomo ainda ressalta que, após receber a sentença negativa na primeira


Experiência de amor Rejiane de Oliveira rooliveira@ucs.br

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maior parte das experiências de adoção resulta em laços de amor, que vão além da genética. Neide Machado, 67 anos, é mãe de dois filhos e reside em Rosário do Sul, na fronteira oeste do estado. Há 26 anos, ela adotou Caroline, então com três meses de idade. “Ela possui atrofia cerebral e autismo, doenças que requerem atenção especial”, explica. Segundo Neide, as dificuldades emocionais fortaleceram os laços familiares. Atualmente com 24 anos, Caroline passou a fazer equoterapia, método terapêutico que utiliza cavalos para auxiliar na sociabilidade. Os resultados obtidos culminaram por melhorar o relacionamento familiar e social. “Nunca me arrependi da adoção de uma criança com necessidades especiais; pelo contrário, este fato fez com que minha condição de genitora a acolhesse e de-

dicasse parte de minha vida a cuidar de outra, a de Caroline”, relata a mãe, emocionada. Em outro caso, Ana Hélia de Castro Andrade, mãe de duas filhas e com 38 anos de idade, adotou Nataniely, filha de seu irmão, falecido tragicamente em um assalto. Na época, a criança tinha dois anos. Como as filhas biológicas de Ana tinham cinco e seis anos, a relação entre elas foi muito harmônica. Ana explica que a menina cresceu num ambiente muito mais familiar do que o de adoções convencionais, circunstância que diminuiu as dificuldades que circundam essas relações. Depois de dez anos, a mãe biológica, que à época da morte do marido não podia sustentar a própria filha, se encontrava em boa situação financeira e pediu de volta a guarda da menina, já com 12 anos. Por razões diversas, a adoção, mesmo sendo um ato de amor incondicionado, tornou-se uma relação transitória, segundo Ana.

Crédito: Marcello Casals Jr. / Agência Brasil _____ Entrelinha

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tentativa independente, o casal desanimou por um período, mas resolveu não desistir e entrarou com um pedido oficial em Florianópolis, cidade onde residem atualmente. “O processo de adoção nunca foi algo simples. Eu vejo que tem muito casal cisgênero tentando adotar e demora anos para conseguir. Talvez para nós as coisas sejam um pouco mais complicadas, mas nada que um pouco de luta e sabedoria para usar as leis a nosso favor não resolvam.” Silva avalia a situação como favorável, pois recentemente ele conheceu a menina que o casal quer adotar e que, segundo ele, foge dos padrões mais procurados historicamente. “Ela não tem olhos azuis, muito menos cabelos lisos e loiros. Quero ter o prazer de explicar que esses padrões de beleza não são absolutamente nada e só servem para diminuir as pessoas. Ela vai ser nosso maior amor!”, idealiza. O autônomo explica que está ansioso para receber a filha em casa e já está em busca de uma decoração especial para o quarto da menina. “Ela só tem quatro anos e já entendeu que terá dois pais. Está empolgada com a ideia. Disse que quando crescer terá orgulho de levar suas amigas para conhecer os dois papais dela”, conta ele, animado.

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Crédito: Marcello Casals Jr. / Agência Brasil

Grupo presta auxílio em processos de adoção Jerônimo Portolan Filho jdpfilho@ucs.br

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m Farroupilha, o grupo DNA da Alma auxilia pretendentes a adotarem crianças, e o sistema não é complicado. Os interessados devem ter mais de 18 anos, com diferença de 16 anos em relação ao adotado e sem antecedentes criminais, além de comprovar condições de oferecer um lar adequado para o desenvolvimento da criança. Os interessados devem encaminhar um pedido ao Fórum da cidade em que residem. Depois disso, ocorre uma avaliação social e psicológica de habilitação, e o pretendente é inserido no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). Para a criança, o processo é mais complexo. Já que os pais não abrem mão de seus filhos, é necessário um processo de destituição familiar. Quando isso se confirma, a criança pode ser cadastrada para a adoção. Depois desse passo e com o processo de habilitação deferido pelo juiz, os adotantes têm seus dados incluí­ dos no CNA. A psicóloga do grupo DNA da Alma, Rejane Comin, respondeu algumas das principais dúvidas das famílias quando o assunto é adoção. _____ 10 Entrelinha

Qual é o tempo de demora para a adoção? Para essa pergunta não há uma resposta exata. O tempo de espera está bastante relacionado com o perfil de criança que o pretendente escolhe. Quanto maiores forem as exigências e restrições (por ex: idade, raça, sexo, nível de saúde…), maior será o tempo de espera. Portanto, o pretende que optar pela adoção de um bebê ficará muito mais tempo na fila de espera do que aquele que aceita crianças até 10 anos de idade. Existem pré-requisitos? Os pré-requisitos são aqueles verificados no processo de habilitação: condições adequadas para oferecer um ambiente saudável, para que uma criança cresça e se desenvolva; aspectos sociais e psicológicos que atendam às demandas na maternidade e paternidade, e nenhuma situação de vida

pregressa dos adotantes, que possa colocar em risco a criança a ser adotada. DNA da Alma faz que tipo de acompanhamento às famílias que querem adotar e às que já adotaram? O trabalho de qualquer grupo de apoio à adoção, inclusive do DNA da Alma, é o de oferecer um espaço de reflexão sobre o tema adoção para todas as pessoas que têm interesse, mas especialmente para aquelas que estão aguardando seus filhos ou que já os receberam. Este trabalho se dá por meio de encontros coordenados por uma psicóloga e uma assistente social especialista no assunto, que trabalham aspectos relacionados ao processo de espera do filho por adoção (pré-natal) e questões que emergem, após a chegada do filho (pós-natal).

Crédito: Marcello Casals Jr. / Agência Brasil

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Crédito: Divulgação Pexels

Uma resposta a favor da inclusão social A inovadora alternativa de geração de trabalho e renda que conquista holofotes

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m jeito diferente de produzir, vender, comprar e trocar o que é preciso para viver. Assim podemos definir o tema que ganha atenção nos últimos anos. A economia solidária é um modo de produção que se caracteriza pela igualdade. Ao invés de estimular a competição, essa forma de economia traz um ideal de colaboração: todos buscam objetivos em comum, e a união dos esforços traz resultados para o coletivo. Como o esperado, é a ação econômica a motivadora das iniciativas da economia solidária; no entanto, há outro fator que impulsiona o ideal: a solidariedade. A preocupação com o próximo está presente nas relações com a comunidade; na atuação em movimentos sociais; na preocupação com o bem-estar dos envolvidos, e na constante busca por um meio ambiente saudável e desenvolvimento sustentável. Atualmente, diversas iniciativas de projetos coletivos dinamizam as economias locais; garantem trabalho e renda às famílias envolvidas, e promovem a preservação am-

biental. Dentre tantos exemplos, podemos citar o Recicla Luxo, um comércio eletrônico de itens de luxo seminovos, com 100% da renda revertida para instituições beneficentes. A ideia do e-commerce é construir uma ponte entre pessoas que consomem produtos autênticos de grifes famosas e instituições que realizam trabalhos sociais. “O comprador tem a oportunidade de adquirir produtos de grandes marcas a preços competitivos e ainda contribuir com nobres causas” enfatiza a equipe do site. Projetos que apoiam a economia solidária também vêm sendo desenvolvidos em Caxias do Sul. A 2ª Feira Municipal Ecossolidária ocorreu em junho, no Parque de Eventos Festa da Uva, e arrecadou mais de três toneladas de resíduos. A feira é um espaço no qual os visitantes trocam seus detritos por diferentes produtos, através da moeda verde. O objetivo é promover o consumo sustentável, por meio da venda de alimentos orgânicos e artesanais. “A Feira foi um sucesso, assim como toda a Semana do Meio Ambiente. Essa participação dos caxienses demonstra que o município está empenhado em investir na qualidade de vida da população”, destaca Paulo Ballardin, diretor-presidente da Codeca.

Escritórios colaborativos Uma tendência que, cada vez mais, ganha destaque é a de escritório colaborativo, chamado coworking. O modelo surgiu nos Estados Unidos, e suas principais propostas são o compartilhamento de experiências e a mistura de habilidades como combustível para parcerias. “Somos um espaço aberto que estimula a interação entre as pessoas; o ambiente facilita a troca de experiências, novos negócios, visibilidade e networking. Na hora de trocar uma ideia, é só olhar para o lado e cutucar o vizinho”, ressalta Elizandro Ferreira, CEO e idealizador do One Coworking, escritório fundado em Pato Branco, Paraná. Os espaços de coworking visam a atender a demanda de empreendedores e profissionais autônomos, iniciando suas empresas, sem muita previsão de quantas pessoas ou de qual espaço precisarão nos primeiros meses ou anos de negócio. Todos trabalham em uma mesma área – ou várias áreas conjugadas – dividindo custos de um local que traz não somente facilidades e serviços, mas também a chance de conhecer pessoas similares e fazer negócios internamente. _____ Entrelinha 11 _____

Isabella Silochi de Amorim isamorim@ucs.br


Crédito: Coolture Trip

Espaço público sem público não existe Ocupar os espaços públicos é o que nos torna parte da cidade. Não existe cidade sem cidadão. Deixar de ser refém das paredes de concreto e se misturar é um passo importante nas relações Milene Rostirolla mrostir1@ucs.br

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esgatar a convivência pessoal, religar o contato humano e ocupar os espaços públicos que são de todos é preciso. Vivemos em cidades cada vez mais frias, com altos muros e trancas. Isolados em condomínios fechados, acreditamos que, para haver diversão com segurança, é preciso pagar. Nesse sentido, a cidade se fecha e se torna um local de passagem, uma rodovia sem cor. As pessoas da cidade precisam voltar a se encontrar, se reunir, como em outros tempos. Humanizar praças, ruas, calçadas é essencial para melhorar a qualidade de vida. Existem espaços que precisam ser tornados públicos pela ocupação, com intervenção de diversas formas: rodas de conversa, arte, cultura... “O objetivo da intervenção é o mesmo da composição da arte: você olha a cidade como uma tela e quer interagir com o lugar, colocar mais poe­sia, mais arte, mais questionamentos. Por que a parede tem que ser branca? Toda parede branca tem fome de poesia, de cor, de respiro”, diz

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Patrícia Del Rey, atriz e poetisa. Fazer isso com a cidade é tornar acessíveis a todos a arte e a cultura. É compartilhar.

música de rua com independência, mostrar que a mudança depende somente das pessoas e não das instituições.

Música na rua

Dançar para ocupar

No sentido de pertencimento e ocupação dos espaços públicos, surgiu o Ar-te Livre, projeto criado pela insatisfação de músicos de Caxias do Sul com o sempre mesmo circuito de apresentações. Para sair da monotonia, eles começaram a desbravar a cidade, usando a arte como combustível; aproximando o artista do público, e criando um novo desafio. O projeto cresceu e somente foi possível com o apoio de todas as pessoas que acreditam na arte, como fator positivo na mudança do cotidiano. “A rua é o maior palco do mundo. Ocupar os espaços públicos é um dever que assumimos com as pessoas da cidade e nada se torna mais gratificante do que o reconhecimento desse ato constitucional”, diz Bruno Ortiz cofundador do projeto. Os músicos acreditam que é preciso coragem para ocupar os lugares que são do cidadão. O projeto ocorre de forma espontânea e itinerante. Os músicos envolvidos buscam legitimar a

Geovani de Gregrori, idealizador de vários projetos de inclusão e transformação social por meio da dança, faz sua parte no sentido de ocupar os espaços públicos com o projeto, no parque dos macaquinhos, desde 2005. No local, juntamente com meninos e meninas da periferia, apresentam a arte da dança de rua, colorindo e alegrando o domingo de quem passa por lá. O local não é o ideal. Precisa de reformas, já solicitadas, mas não executadas. “São coisas simples, como uma tomada mais acessível, para evitar a utilização de extensão, ou o piso, com defeitos que já provocaram acidentes com os dançarinos”, diz Gregori. Skate que une Felipe Varela, representante da União do Skatistas de Caxias do Sul, relata que “existem muitas áreas de lazer abandonadas na cidade, as quais são construídas para

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o bem comum, mas são esquecidas pelo Poder Público”. Segundo ele, é visível que houve um investimento considerável nos últimos anos em espaços de lazer, principalmente academias para a terceira idade e parques infantis. Mas, acredita ser necessário ampliar o leque de opções, para atingir todas as idades. Vemos Caxias ganhar muitos adeptos na prática de esportes e, por isso, precisamos de espaços adequados para cada prática, incentivando atividades: corrida, bicicleta, roller, skate, futebol, vôlei, ou outros. Na opinião de Varela, o estímulo para as ações de ocupação dos espaços públicos vem muito mais de ações sociais organizadas por pessoas e grupos voluntários do que de projetos municipais. As ações dão sentido de pertencimento ao lugar, geram desejo de cuidado. Nesse contato, é estabelecida a relação com a cidade, trazendo vida. Os lugares ficam mais interessantes, mais seguros, valorizados como espaços de convivência. Estudos mostram que pessoas não brigam, não vandalizam um lugar com o qual se identificam. Se elas sentem que de alguma forma esse lugar faz parte da rotina delas, nadafarão para estragar.

Ao alcance de todos Carolina Rosa crosa7@ucs.br

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arte de rua está presente no dia a dia de todos, por meio do grafite e também das pichações. Pouco paramos para pensar na abrangência social e nas possibilidades que as “artes de muro” proporcionam a milhares de pessoas todos os dias. O alcance, principalmente do grafite, cresce mais e chega até mesmo às galerias, que trazem muitos debates sobre o significado das manifestações mais populares e sobre o que, de fato, as define. O grafite que transforma Um dos pontos mais positivos do grafite é o papel social que ele assumiu no País. Ele ajuda a transformar a vida de muitos jovens, que passam a ver na arte

uma opção para fugir da criminalidade. Em Caxias, a prefeitura promove eventos que utilizam o grafite como base para a educação de crianças em vulnerabilidade. Sobre como o grafite pode transformar a vida das pessoas, Gustavo Gomes, 27 anos, grafiteiro desde os 11 anos, responde da seguinte forma: “Quem muda a vida da gente é a gente mesmo, mas a linguagem do grafite possibilita a mudança. Ela é fácil de se inserir.” Assim, o grafite é apenas uma ferramenta, mas que permite que as pessoas expressem seus sentimentos. Boa parcela da sociedade se sente excluída justamente por não ser ouvida, e o grafite é o que dá voz a essas pessoas. Mas se engana quem pensa que a arte de rua muda apenas a vida de pessoas carentes. O grafite muda todo o cenário urbano, acrescentando cor ao que era para ser cinzento. Assim, o grafite ultrapassa os limites da periferia e atinge milhares de outras pessoas que utilizam a vias públicas.

O pixo como manifestação social

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ão histórias contadas e documentadas em muros e paredes. Além de expressão artística, também podem e devem ser vistas como a voz dos excluídos. Os muros que dividem a sociedade são o papel para a tinta de um manifesto dos que ali não podem estar e que não identificam suas ideias representadas na mídia tradicional. As paredes das moradias, que dão o conforto e a individualidade a alguns, também são plataformas para os traçados que propagam nomes, grupos e pensamentos inconformáveis. A rapidez do risco e a semiótica dos símbolos, ocasionadas pela repressão policial, que classifica o ato como “dano ao pa-

trimônio público”, muitas vezes tornam essa mensagem incompreendida e ignorada pela grande massa. Trata-se da pixação ou o pixo, que tem origem na França, para expressar contrariedade ao conformismo e à homogeneização das ideias de ordem capitalista. Em Caxias, essas expressões situam-se em bairros mais afastados, populares, ricos e também no centro da cidade, com significados amplamente políticos e sociais. O estudante de jornalismo Fábio Becker Lopes, 25 anos, desenvolveu uma pesquisa sobre a sociologia do pixo, com análise da ação em Caxias do Sul, e constatou que os pixos são reflexos de uma desigualdade social. Ele ressalta, ainda, que “os principais grupos na cidade, que que se manifestam pelo pixo, são da periferia, bem como as feministas, a popu-

lação contra a repressão policial e os grupos que guerrilham entre si”. De acordo com Fábio, a assinatura, ou seja, o nome do pixador em fonte popular, ou até mesmo mais elaborada, é um protesto dos excluídos do Centro, para mostrar que existem; pedir atenção especial e deixar sua marca em um local onde ninguém os conhece ou também onde eles raramente têm acesso ao lazer. Porém, os muros e as paredes são as plataformas que, mesmo vulneráveis às tintas do sprays, também estão à mercê de banhos de pintura, apagando o documento ou a mensagem registrada. Tal fato torna essa manifestação visivelmente efêmera. Entretanto, mesmo que momentânea, essa força intervencionista vem para cumprir seu papel de propor reflexões e dar voz aos que não têm.

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Vitória Gobbi vpgobbi@ucs.br


Crédito: Pixels

Gênero, história e luta Quando uma comunidade transforma sua vida Cindy Joiner cjmoliveira@ucs.br

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esde o momento em que nascemos, ensinam-nos o que devemos ou não fazer, de acordo com o nosso gênero. A distinção entre menino e menina já é imposta desde o começo: as meninas ganham roupas rosa, utensílios domésticos de brinquedo e bonecas para brincar, desenvolvendo experiências submetidas à maternidade. Já os meninos usam camisetas de super-heróis, fazem diferentes atividades físicas, e têm mais contato com o mundo exterior. Esse tipo de doutrinação acaba causando reflexos à cultura de nossa sociedade. As crianças aprendem que meninos podem fazer mais coisas e meninas têm que ser submissas e obedientes. Essa forma de pensamento faz crescer cada vez mais o machismo que existe em nossa sociedade: homens aprendem a ser predadores e mulheres são vítimas da violência deles. Gênero é um tema de extrema importância, pois, de modo geral, a intolerância ainda existe, e é acentuada. Devemos debatê-lo e discuti-lo, especialmente nas es_____ 14 Entrelinha

colas, principal lugar de aprendizado e começo do convívio da criança com o mundo. A luta é diária Arthur tem 18 anos. É estudante de Jornalismo e compartilhou sua trajetória, contou os obstáculos que enfrentou desde a infância até os dias de hoje. “Minha infância foi solitária, sem amigos. Meu primeiro amigo só conheci na 7ª série. Até aquela época, eu sempre fui muito distante das outras crianças, sofria muito bullying, agressão física. Acredito que tudo isso me moldou para a pessoa que eu sou hoje”, relata. A batalha por aceitação foi a parte mais dolorosa, pelo fato de não seguir o padrão heteronormativo. A luta não é só dele, pois, no momento em que se aceitou, precisou lutar pela comunidade LGBT inteira. “É aí que vem tua obrigação moral de mudar a visão das pessoas, sobre o que é ser parte dessa comunidade”, complementa. Durante esse processo, o apoio da comunidade LGBT foi de extrema importância. “Tenho até um pouco de medo em contar para minha família, porque eu já vi algumas reações bastante negativas sobre a questão de gênero e de sexualidade”, afirma.

A dica mais importante que daria para si mesmo, quando ainda não se aceitava, é seguir em frente. “Tu podes ser tudo o que quiseres. O mundo é teu. Não deixe que ele te esmague antes de tu conseguires conquistar ele”, finaliza. Diversidade no teatro O grupo de teatro (A)Temporal, criado em 2015, visa a mostrar a questão por meio de suas peças e espetáculos. Essa foi a forma que os atores e atrizes encontraram, para mostrar sua arte e poder expressar questões que consideram importantes. Arthur é um dos atores do grupo. Conta que sente muita liberdade na atuação. É nessa hora que ele desabafa, joga o corpo em cena, sente essa energia no momento em que o grupo está se apresentando, e ainda pode criar um vínculo com o público. “Adoro ver a reação das pessoas com o tipo de arte que faço, pois sinto que o teatro é transformador”, declara. O grupo já fez peças como, “Julgo”, “A menina da bolsa vermelha” e “A mulher, o homem e o guarda-roupa”, além de participações em festivais e performances, nesse um ano e meio, desde que se formou.

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Crédito: War Production

A vez delas

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to de conceder o poder de participação social às mulheres. Esta é a definição encontrada, ao se pesquisar, na internet, a expressão “empoderamento feminino”. Entretanto, na prática, as mulheres sabem que isso tem uma relevância muito maior. Desde o auge da luta feminista, elas ocupam espaço cada vez maior na sociedade. Contudo, ainda são unânimes em afirmar que a luta está longe do fim e que há um longo caminho a percorrer. A militante feminista Bruna Rodrigues, compartilha essa opinião. “Sempre tive a certeza de que não estou abaixo de ninguém por ser mulher, mereço exatamente o mesmo que qualquer outra pessoa, e por isso o feminismo se encaixa no que eu acredito”, destaca. Ela concorda que existe muito a ser feito, e que as diferenças sociais entre os sexos ainda são gritantes, como a desigualdade salarial e a participação política; ressalta que esse momento político conturbado que o País vive não deve calar o movimento. Já a estudante de História e ideali-

zadora do projeto Marias Lavrandeiras, Pâmela Cervelin Grassi, acredita que a atual conjuntura política não é favorável ao movimento. “A luta feminista caminha ao lado das bandeiras que combatem o capitalismo, o racismo e a homofobia. A situação política que enfrentamos no Brasil e no mundo, com o avanço de ideias conservadoras, não é favorável”, garante. Ela, que entendeu a importância do feminismo ainda jovem, percebe que há equívocos em como o movimento é visto. “Feminismo não é o contrário de machismo. Enquanto um violenta mulheres todos os dias, o outro parte da ideia de que mulheres, homens e LGBTs são sujeitos com acesso a direitos e liberdades equivalentes”, relata. Essa opinião também é aceita pelo sexo masculino. O técnico de informática Gustavo Costa, compartilha o mesmo ponto de vista. Exercendo uma profissão que até há alguns anos era predominantemente masculina, ele percebe o aumento do número de mulheres na sua área, e destaca que ainda há muitos homens resistentes à presença feminina. “Tem muito cara que não aceita que as mulheres possam exercer as tarefas tão bem quanto nós, ou até melhor”, comen-

ta. Empoderamento nas redes Não é de hoje que as mídias sociais ocupam grande espaço em nosso cotidiano. E é também através delas que se pode perceber o grande engajamento de pessoas em torno de uma causa ou movimento, fato que não é diferente no feminismo. O uso das redes sociais como ferramenta de mobilização se tornou comum e essencial, até certo ponto. Páginas de coletivos feministas no Face­book, por exemplo, tornam-se um canal de apoio e divulgação. É por meio delas que muitas mulheres buscam reforço e informações acerca do movimento. Dali também surgem eventos e manifestações em prol da causa. E, da mesma forma como as redes facilitam e agilizam o modo como as informações são repassadas, muitas vezes o que é difundido é um conceito invertido da causa. Bruna, por exemplo, acredita que a internet é uma via de mão dupla. “Do mesmo modo que contribui para divulgar o movimento, propaga o machismo e várias ideias erradas da nossa luta”, finaliza. _____ Entrelinha 15 _____

Alana Rodrigues aermaciel@ucs.br


Crédito: Banco de Imagens

Mulheres que sofrem em frente aos presídios Reportagem aborda como vivem famílias de presidiários, as humilhações que passam durante revistas íntimas, e o preconceito diário que sentem na pele, diante do olhar rigoroso da socie­ dade Rafael Jorge jrtsoares@ucs.br

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o amanhecer das quartas-feiras, sábados e domingos, em meio a conversas e troca de perfumes e maquiagem, um grupo de mulheres aguarda ansioso o início das visitas em frente a uma penitenciá­ria da região. Muitas chegam cedo, por voltas das 6h 30min e, por conta de revistas, já vão formando fila, e evitando atrasos. A entrada está liberada a partir das 9 horas e todas querem estar bonitas e perfumadas, para encontrar o marido, namorados e filhos que lá cumprem pena. Segundo Silvana (nome fictício), 34 anos, que mantém uma união estável há oito com Luciano (nome fictício), 28, mostrar companheirismo, mesmo diante da dificuldade, é uma das formas de ajudá-lo a superar os quatro anos de reclusão. Ele foi condenado por roubo à mão armada. “O vejo por poucas horas _____ 16 Entrelinha

e preciso mostrar a ele que estou bem e feliz por encontrá-lo. Mas por dentro não posso demonstrar que me sinto acabada”, diz. É nas primeiras horas da manhã de cada visita que Silvana costuma encontrar dona Isolda (nome fictício), 54 anos, mãe de Eduardo (nome fictício) 30, preso há seis anos, acusado de tráfico de drogas e receptação de veículos. A partir daí, as duas trocam experiências e falam sobre as humilhações que passaram durante revistas íntimas, nos anos em que começaram a frequentar o presídio. Isolda conta que, até 2012, a revista íntima era o que mais a deixava tensa, pois as mulheres ficavam nuas em frente às agentes penitenciárias. Naquele momento, tinham as regiões genitais invadidas pela luz de uma lanterna, além de terem que agachar-se e levantar-se algumas vezes e tossir. Atualmente, a adoção de detectores de metais portáteis e outros equipamentos eletrônicos, que auxiliam a revista, diminuíram o constrangimento. Para Isolda, nada apaga as lembran-

ças de quando costumava levar para o filho bolos decorados e tortas salgadas, além de outras culinárias típicas da família, e as via sendo destruídas a ponto de quase virarem farelo. “Trazia um pouco do que ele comia em casa, para lembrar do conforto que tinha entre a família, mas via minha dedicação despedaçada, da mesma forma como a minha alma se sentia por ele estar naquele lugar”, confessa, com tristeza no rosto. Sobre o preconceito que enfrentam da sociedade, tanto Silvana quanto Isolda concordam que vizinhos e parentes são os que mais criticam o momento difícil pelo qual passam, tratando o assunto de forma desprezível, sentimento contrárioa do que sentem quando vão ao presídio. “Acho que, com o passar dos anos, os agentes prisionais foram ficando mais humanos, diante da nossa situação. Eles sabem que a gente só vem aqui porque se importa e demonstra amor aos nossos homens e filhos que estão em situação desfavorável na vida”, conta Isolda, que se despede para entrar no presídio.

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Crédito: Felipe Padilha

PICS aposta em projetos de ressocialização Cursos e oficinas buscam a promoção e a valorização da vida para mulheres, que desejam evitar retorno ao mundo do crime, quando voltarem à sociedade

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uperlotada, a Penitenciária Industrial de Caxias do Sul (PICS) padece com a crescente fuga de apenados: nove, até setembro de 2016. Na ala masculina, são 539. Já, na feminina, são 63 mulheres, milhares de sonhos e uma grade que bloqueia suas realizações. Ali, a maioria das reclusões está associada ao tráfico de drogas. De acordo com o diretor da penitenciária, André Gomes, as mulheres são esquecidas pela própria família. Elas não são lembradas sequer pela comunidade. Muitos nem sabem que Caxias do Sul conta com ala penitenciária feminina. O próprio termo “penitenciária”, na prática, perdeu seu real significado. Realidade dura e esperançosa Nesse local, o Estado, ao mesmo tempo que as submete à sanção das leis punitivas, deveria ministrar-lhes instrução. No entanto, as casas prisionais brasileiras

não regeneram, tampouco ressocializam; ao contrário, o que se vê nos presídios é uma nova educação para o crime. Nem tudo, entretanto, está perdido. Assistindo a uma matéria veiculada pela TV, com a jornalista Nana Queiróz, autora do livro Presos que Mmenstruam, em meados de outubro de 2015, a bióloga Fabiana Ribas sentiu compaixão. A bióloga, contatou a Pics e visitou o local com a intenção de doar absorventes, papel higiênico, sabonetes e afins. “Meu Deus, eu fiquei chocada”, relembra. Ao chegar lá, foi atendida por Gomes. O gestor, por sua vez, pediu que Fabiana fizesse algo a mais pelas mulheres que estão detidas. Foi então que surgiu a ideia de ministrar cursos profissionalizantes. Assessoria é feita por voluntárias Em 8 de dezembro de 2015, teve início a primeira turma do projeto “Profissionalização na Área da Beleza”. Coordenado pela vice-diretora da penitenciária, Rúbia Tschiedel e por Fabiana, a cada módulo concluído, as detentas recebem o certificado de participação. “Nós agra-

decemos à Fabiana, porque alguém está olhando por elas”, destaca Rúbia. O aprendizado, além de ajudar na ressocialização, impacta na remissão da pena. A cada 12 horas de curso, é reduzido um dia da pena. Essa iniciativa, além de atender à Lei de Execução Penal, humaniza o tratamento das detentas. Cursos ajudam a recuperar vidas Condenada a cinco meses de reclusão por furto, Helena (nome fictício), que já foi usuária de crack e cocaína, se recuperou; recaiu e voltou a recuperar-se. Agora pensa em sair do presídio e buscar ajuda para não voltar às drogas. “Fiz curso de LID e Metrologia, cursei Usinagem, mas não consigo emprego, porque todo mundo quer experiên­cia”, diz. Ao entrar na sala para iniciar o curso de depilação, Helena teve uma surpresa: uma das voluntárias foi sua amiga de infância. “Ela sempre me dizia para eu parar de roubar e fazer cursos. Eu nunca quis ouvir”, disse. Sobre o embelezamento, ela respondeu: “Quem sabe, me cuidando, eu possa conseguir algum trabalho.” _____ Entrelinha 17 _____

Felipe Padilha fmpadilha1@ucs.br


Crédito: Pixabay

Agricultura orgânica Alimentação saudável em Caxias do Sul Sarah Carvalho sacarvalho@ucs.br

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agricultura está presente em nossa vida há milênios. Com o passar dos anos, o modo de cultivar alimentos transformou-se, por meio da utilização de aditivos para tornar a plantação imune a pragas e fazê-la crescer mais forte. Porém, agrotóxicos e fertilizantes incomodam pessoas preocupadas com sua influência sobre a saúde. A agricultura orgânica, ao produzir alimentos sem o uso de químicos, seria a saída. O produtor Leonardo Boscare cultiva orgânicos desde 2012, na Serra gaúcha e afirma que esse mercado vem crescendo e irá crescer ainda mais: “Nunca faltou dinheiro; sempre sobrou; o pessoal gosta desses produtos.” Vilson Pigato, agricultor caxiense, produz orgânicos há pouco mais de dois anos e reclama da falta de assistência da prefeitura do município. “Caxias dá assistência zero. Eu tive que ir atrás de tudo para começar a produzir. Ainda bem que outros produtores me ajuda_____ 18 Entrelinha

ram,” diz. O agricultor entende que os interessados devem buscar ajuda em associações de produtores, como a Rede Ecovida de Agroecologia, que auxilia a iniciar na área e fornece o Selo de Fazenda Orgânica. Consultada, a Secretaria de Agricultura de Caxias (Smapa) informa que já existiu suporte aos produtores, porém o serviço foi cancelado, em função da baixa procura. Atualmente, a secretaria disponibiliza locais para a realização das feiras ecológicas ou orgânicas. Elas ocorrem nas terças e nos sábados na Praça das Feiras e, nas quintas, na Feira Ecológica, na Universidade de Caxias do Sul (UCS). PANCs: Uma nova tendência gastronômica Além dos orgânicos, as flores, os cogumelos e mesmo ervas daninhas têm ganhado espaço no prato de algumas pessoas. São as PANCs ou Plantas Alimentícias Não Convencionais. Facilmente encontradas na natureza, trazem inovação à mesa. O chef Gabriel Lourenço, formado pelo UCS-ICIF - Italian

Culinary Institute for Foreigners, afirma que essas variedades são tão nutritivas e saborosas quanto os vegetais tradicionais. “Ainda é meio restrito. Só quem gosta muito, ou precisa dos PANCs costuma procurar por eles”, reconhece o chef sobre a aceitação dessa nova forma de gastronomia. Ainda assim, é uma tendência que deve aumentar, pois esses alimentos podem ser utilizados por veganos e vegetarianos em complemento à dieta, ressalta. Em Caxias, o chef indica a Feira Orgânica da Praça das Feiras para a aquisição dos produtos e adverte em relação à coleta desses alimentos, sem o conhecimento prévio. “Para colher as PANCs, é preciso ler e conhecer as comestíveis. Existem muitas plantas nocivas à saúde.” Para os que querem saber mais sobre o assunto, Gabriel recomendaa leitura do livro Plantas alimentícias não convencionais – Panc no Brasil, de Harri Lorenzi e Valdely Ferreira Kinupp. “É um bom livro para começar a entrar nesse universo tão rico”, destaca Lourenço.

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Crédito: Rafael Zanol

Quanto menos aditivos, melhor para a saúde Presentes em refrigerantes a sorvetes, componentes artificiais podem ser responsáveis por do­ enças graves, como o câncer, caso ingeridos em excesso

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s alimentos industrializados são cada vez mais protagonistas nas prateleiras dos mercados. Além de práticos, por serem vendidos parcialmente prontos, o que facilita o trabalho do comprador, também recebem cada vez maior prazo de validade, devido aos aditivos que contêm. O tempo de conservação é maior, porém, no processo de industrialização, são necessários cuidados essenciais para que os aditivos não se tornem fatores iniciais de uma doença. De acordo com a engenheira de alimentos, Angela Busnello, o tempo do produto nas prateleiras é grande e favorece o mercado, mas a quantidade de adicionais não naturais pode ser prejudicial. “A química colocada nos alimentos deixa as pessoas mais suscetíveis a doenças. Quanto menos aditivos, melhor para a saúde, mas a indústria ainda caminha lentamente em direção a isso”, diz.

A engenheira alimentar conta que há um limite de utilização permitido para cada aditivo, definido na legislação brasileira. Os componentes podem trazer consequências aos consumidores, caso ingeridos em excesso. A nutricionista caxiense Cláudia Fogaça explica que a exposição aos aditivos pode causar doen­ ças crônicas, rinites e agravamento da asma. Na infância, Cláudia explica que é indispensável um grande cuidado. “Estudos mostram que, entre 30% a 50% das crianças com hiperatividade há melhora nas condições de saúde quando alimentos ricos em aditivos químicos foram eliminados.” Hoje, são permitidos 12 tipos de aditivos pela legislação brasileira. Dentre eles, Cláudia destaca os principais, que são a tartrazina (E102), o corante amarelo; o ácido carmínico (E120), utilizado em bebidas energéticas; o corante vermelho (E124), usado em gelatinas; o corante azul (E133), encontrado em balas; o glutamato monossódico (E621), ingerido em pizzas; o aspartame (E951), encontrado em refrigerantes diet; e o acessulfame de potássio (E950), utilizado

em sucos de fruta. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é o órgão responsável pela regulação da utilização dos aditivos.

Evitando a industrialização Os perigos à saúde existentes, devido ao consumo de aditivos, podem ser evitados, desde que o consumidor tenha consciência ao escolher os produtos. Para Cláudia, o consumo pode ser realizado, mas de forma moderada. “Deve acontecer da mesma forma como se passa a consumir menos gorduras e mais proteínas”, instrui. Outro hábito recomendado é o de se informar sobre os ingredientes que constituem o produto, lendo seus rótulos. Cláudia ainda alerta que existem aditivos naturais, que não prejudicam a saúde e podem ser consumidos sem procupação, como o curcumina (E100), o betanina (E162) e o ácido cítrico (E330). _____ Entrelinha 19 _____

Rafael Zanol rzanol1@ucs.br


Crédito: Pixabay

Horta em casa, o engenheiro auxilia Produzir os próprios alimentos deixou de ser coisa somente dos mais velhos ou mesmo de pessoas que moram no campo. Hoje em dia, as pessoas montam sua própria horta, em es­ paços reduzidos, pois é sempre bom: aumenta o contato com a natureza, além de manter uma alimentação mais balanceada. O engenheiro agrônomo José Taiarol, dá algumas dicas Tatiana Cruz tcruz2@ucs.br

Qual a diferença entre hortas dentro de casa, externas e hidropônicas? Horta dentro de casa tem que usar recipientes para colocar a terra ou substrato para cultivo e deverá receber sol e água. Já a horta externa, no chão, tem o cultivo mais fácil, pois é só movimentar, efetuar o plantio e irrigar quando há escassez de chuva. O cultivo hidropônico é o mais complexo. Em qualquer sistema de cultivo, quando é fornecida água em excesso, ocorre lixiviação (perda de nutrientes). Quais alimentos são indicados para plantio nos espaços menores? As plantas recomendadas para espaços reduzidos são as de pequeno porte e vão exigir menos água. São exemplos: as folhosas (alface, chicória, almeirão, _____ 20 Entrelinha

radiche) e temperos (salsa, sálvia, cebolinha). Quais são os cuidados necessários na hora da irrigação? A irrigação deve ser realizada preferencialmente pela manhã e, se for feita com a presença do sol intenso, além de causar choque térmico, causará evaporação mais rápida da água colocada. Prevê-se necessidade básica de 3 a 4 litros m2. Normalmente, no início do desenvolvimento, as irrigações devem ser mais frequentes e com menor volume de água. No estágio de pré-florescimento e florescimento, a cultura tem maior necessidade de água. Costumamos colocar restos de alimentos diretamente nas plantas sem misturar na terra, este seria um jeito certo de adubá-las? Precisa ser realizada a compostagem com os restos de alimentos, antes de colocar diretamente nas plantas.

Saúde em pequenos espaços Neusa Maria Bandeira Caberlon, 55, que planta há mais de dois anos em sua casa, conta com cerca de 50 mudinhas, “os alimentos são mais saudáveis e sem agrotóxico, pois sei o que estou comendo”. Ela lembra que, quando estudava, os alunos plantavam na escola, comiam no lanche e ainda levavam para casa. Hoje planta em casa em garrafas pet, baldes e vasos. A estudante de jornalismo Caroline Rosa, 23, tem uma pequena plantação, pois gosta de mexer na terra. “É uma praticidade tu ter ali um temperinho, pois tu sabe que é uma coisa orgânica que não estará cheia de veneno, que não vai agredir tua saúde. Acho que a gente precisa, cada vez mais, ter essa consciência e trabalhar mais com a terra. Não é só uma questão de plantar e colher, mas também ter um convívio maior com a natureza.”

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Crédito: Facebook / divulgação

A música clássica em Caxias do Sul A Orquestra Municipal de Sopros e a Orquestra Sinfônica da Universidade de Caxias do Sul (Osu­ cs) mostram música clássica à população

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música clássica iniciou no século IX, através da música secular e litúrgica ocidental. As normas da tradição foram codificadas entre 1675 e 1900, tendo um intervalo de tempo para a prática comum. O dicionário Grove comenta que o estilo é fruto da erudição e não das práticas folclóricas e populares. O gosto do público por esse estilo musical entra em declínio, a partir do final do século XX, por causa do imenso sucesso comercial da música popular, apesar do número de CDs vendidos, embora esse não seja o único indicador. Em Caxias do Sul, a música clássica está em diversos grupos organizados, dentre eles a Orquestra Municipal de Sopros e a Orquestra Sinfônica da Universidade de Caxias do Sul (Osucs). A Orquestra Municipal de Sopros está entre as mais importantes formações, por sua excelência no desempenho da ativi-

dade concertista, tanto na música erudita como na música popular, dedicada aos instrumentos de sopro. A Orquestra participa do cenário internacional, tendo como solistas o trompetista canadense/norteamericano Fred Mills e os maestros Laszlo Marosi (Hungria) e Mark Whitlok (EUA). Atualmente, conta com 50 músicos e, anualmente atinge um público de aproximadamente 35 mil pessoas. Aposta na interação da música orquestral com a comunidade, tendo como meta agradar o público. Da elite à popularização Diego Schuck Biasibetti, violoncelista e maestro-assistente, da Orquestra Sinfônica da UCS, fala como ela está sendo introduzida na sociedade, através dos eventos realizados. “A música clássica sofre, mesmo hoje em dia, em ser tachada como elitista, não popular e outros termos do gênero. E isso é algo que tentamos, na verdade, desmitificar”. Muitos são os fatores que, com o tem-

po, levaram a essa “não popularidade” da música clássica. Até recentemente, não existia uma discriminação na música por ser popular ou erudita, salienta Biasibetti. Com o passar do tempo, principalmente a partir das novas ideias difundidas durante o século XX, houve uma bifurcação na história da música. Estabeleceram-se diferentes grupos, com instrumentos novos, com novas tecnologias, usos de amplificadores, e com a ascensão da guitarra e dos instrumentos sintetizadores. “Daí não teve mais volta”, destaca o músico. A orquestra, que era uma instituição mais conservadora, não aceitava certas ideias praticadas por outros grupos. Um lado acabou então por ser mais “popular” e o outro mais “erudito”. Dividiram-se, assim, também os públicos. Não nos damos conta, mas ela está inserida em várias formas de mídia, cinema, teatro. “A Osucs, por sua vez, faz um trabalho de reunificação do ‘erudito’ com ‘popular’, por meio de concertos com arranjos ou mesmo peças compostas para o ‘novo gênero’, se é que posso assim chamar”, explica o músico. _____ Entrelinha 21 _____

Rodrigo Fantinel rfantinel@ucs.br


Crédito: Felipe Brambatti

Quem são os tatuados no Brasil Desenhar, marcar algo na pele, uma homenagem. Essa prática tem crescido a cada dia. A tatua­ gem é uma forma de gravar o próprio corpo. É uma arte muito antiga, que começou há mais de três mil anos, para inscrever na pele das pessoas de uma mesma comunidade

Felipe Brambatti fsbrambatti@ucs.br

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a Inglaterra, em plena Idade Média, o governo tatuava as pessoas acusadas de crimes. Surgiu daí a fama de que os tatuados são marginais, fama que vem até os dias de hoje. Já pela Igreja católica, a prática das tatuagens foi banida. Eles acreditavam que a tatuagem fazia parte de um pacto com o demônio. No Japão, o indivíduo tatuado precisa tomar cuidado, pois pode ser confundido com um membro de organização criminosa. Yakuza é a máfia mais conhecida naquele país e no mundo, pelo fato de seus integrantes terem o corpo tatuado. A prática de tatuar-se ainda é vista com maus-olhos por parte da sociedade. Algumas pessoas não gostam, _____ 22 Entrelinha

outras têm preconceito. Mas, para o tatuador Cássio Boff, 26, é um tanto quanto estranho criminalizar uma forma de as pessoas se expressarem – “mas não posso falar muito sobre esse assunto porque eu nunca sofri com isso, ressalta”. Cássio também conta que seu interesse pela tatuagem surgiu após ser convidado por um dono de estúdio de tattoo para aprender o ofício diretamente no local. Ele já possuía um gosto por desenhos e por tatuagens. No estúdio, acabou conhecendo o body piercing, o que resultou em deixar as tattoos de lado por um tempo. “Depois de uns anos, quando me senti mais seguro na aplicação da perfuração corporal, voltei a desenhar e a vontade de aprender a tatuar voltou junto.” Essa vontade que voltou fez com que Cássio se profissionalizasse como tatuador e body piercing. Assim poderia dar uma nova identidade ao corpo

das pessoas, mostrar o que elas sentem e expor o que está dentro de cada uma delas, marcando a sua pele.

Em alguns casos, a tatuagem é libertadora. Exemplo disso é a jovem Bruna Antunes, 25 anos, que cursa Arquitetura. Ela lembra que, com 18 anos, sofreu um acidente de carro. “Fiquei com uma cicatriz enorme na perna e não usava shorts ou saias por causa disso. Depois de muitas cirurgias, recebi alta para fazer plásticas e corrigir a cicatriz. Fiz uma só e decidi que não queria mais sofrer com anestesias e cirurgias. Preferi ‘sofrer’ ganhando um desenho lindo.” Bruna tatuou em toda sua coxa direita dois deuses indianos que são suas paixões. Ela os mostra para todo mundo e não tem mais vergonha de usar saia! “A tatuagem me libertou.”

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Crédito: Paulo Pasa / divulgação

Mais de 30 anos de Feira do Livro em Caxias Nas primeiras edições, livreiros se concentravam no antigo calçadão fechado da Av. Júlio

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objetivo era divulgar o livro, tirá-lo de dentro das lojas e o levar até onde as pessoas estavam. Essas foram as ideias de três livrarias de Caxias do Sul, na década de 70. Assim começou a Feira do Livro na cidade. A iniciativa surgiu de forma independente, partindo primeiramente das livrarias Rossi, Paulinas (antiga São Paulo) e Sulina. A proposta dos livreiros surgiu a partir da carência de público leitor em Caxias. De acordo com o presidente da Associação dos Livreiros Caxienses (Alca), Cristiano Bartz Gomes, a leitura ainda é um hábito que poucas pessoas têm. A intenção era de que os livros estivessem na rua, nos locais de movimento do município. No início, o evento se concentrava no antigo calçadão fechado que existia na Avenida Júlio de Castilhos, em frente à Praça Dante Alighieri. Foi somente anos mais tarde, com a expansão da Feira, que ela ocupou de vez os arredores do chafariz.

Segundo Gomes, o crescimento qualitativo do evento iniciou no final dos anos 90 e início dos 2000. “Foi nessa época que aconteceu o grande salto qualitativo da Feira do Livro, nesses anos iniciaram as primeiras coberturas e nós começamos a crescer definitivamente”, relata. Até os anos 80, as edições do espetáculo literário ocorreram de forma independente, com iniciativa dos livreiros da cidade. Somente depois de dez anos de evento, a Prefeitura de Caxias começou a apoiar e auxiliar a Feira nos aspectos de infraestrutura e divulgação das atividades. Conforme o presidente da Alca, todos os anos, em torno de 40 livrarias participam do acontecimento e, em 2015, foram 48. Na edição de 2016, o número de livreiros reduziu para 30. A maioria dos profissionais caxienses da área não quis participar do evento em função da mudança do local e a organização teve que recorrer a livrarias de outras cidades. “Desde o início, a finalidade do espetáculo literário foi de ser feito para a comunidade. Sem ela, o evento perde o sentido. Ele deixa de ter a sua função, o seu papel com a cidade, que é levar as obras

dos autores, o conhecimento, até onde o povo está”, afirma Gomes. O hábito de ler A leitura não afeta apenas o negócio do livro. Ela é uma questão que não permanece focada somente no mercado e em sua venda propriamente dita. O livro é abrangente e atinge todos os lugares, seja na área profissional seja na pessoal. Segundo o presidente da Associação, no momento em que a pessoa aumenta o nível de leitura, ela aumenta o nível de consciência crítica. “Quem lê torna-se mais participante, mais atuante e é algo que nós precisamos muito nesse período conturbado em que estamos vivendo no Brasil”, explica. 32ª edição A Feira do Livro 2016 ocorreu de 30 de setembro a 16 de outubro na Praça das Feiras na Estação Férrea. Mais de 120 mil pessoas visitaram o evento e cerca de 20 mil obras foram comercializadas, de acordo com dados da Prefeitura. _____ Entrelinha 23 _____

Marina Nunes mlnunes3@ucs.br


Há 50 anos, o conhecimento ilumina o

A história diz quem somos. O presente, quem queremos ser. Há 50 anos a excelência em ensino, pesquisa e extensão impulsiona o crescimento das pessoas e o desenvolvimento da região. E, tão importante quanto valorizar o passado, é saber que essa força transformadora vai iluminar ainda mais o futuro.

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