Revista Entrelinha

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REVISTA

ENTRELINHA

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DA UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL REVISTA-laborATÓRIO DA DISCIPLINA DE DESIGN DE NOTICIA 2015/4 CURSO DE JORNALISMO

Desafios do cinema da Serra gaúcha diante da indústria Confira mais na página 04

A imagem e a subjetividade coletiva Veja mais página 10

Entretenimento, literatura e arte Leia mais página 12


EDITORIAL Um universo repleto de contradições Cultura e arte: duas palavras malcompreendidas por grande parte da sociedade. Como mensurar os impactos do contato com ambas? Como justificar investimentos? Como demonstrar aos governos a importância do processo de construção do ser humano pensante. Em um mundo que oferece uma infinidade comercial disponível para consumo, a preservação da cultura é um desafio diário. Quem produz cultura não o faz por retorno financeiro, status ou reconhecimento social, o faz por AMOR. A região onde se manifestam interfere no sucesso ou no fracasso de produtos culturais? Talvez, mas qual o caminho? Sair da cidade natal em busca dos

grandes centros? Ceder ao modelo padronizado da indústria cultural? Ou pensar alternativas de sobrevivência em um mercado cruel e injusto? A publicação a seguir apresenta exemplos de variadas manifestações da cultura, os desafios diante da falta de recursos e público e o poder de transformação que ela possui ao inovar e fixar raízes sólidas em terreno pedregoso. Opiniões fortes embasam textos produzidos em um semestre, na disciplina Design de Notícia. Mais do que uma produção textual ou um exercício de diagramação, um manifesto de reflexão e crítica.

EXPEDIENTE Reitor: Dr. Evaldo Antonio Kuiava

Disciplina: Design de Notícias

Diretora do Centro de Ciências Sociais: Dra. Maria Carolina Rosa Gullo

Alunos: Ana Paula Seerig Carina dos Santos Pedroso Cristiane Moro Daniel Restrepo Danielle Zattera Frizzo Eduardo Borile Júnior Fábio Becker Loppe Joeldine Motta de Andrade Karine Bergozza Kereny Jemima Moncayo Galindo Lucas Araldi Marcio Frizzo Naira Albuquerque Renata Chies Paschoali Rhaysa Ribeiro dos Santos

Coordernador do curso de Jornalismo: Dr. Alvaro Benevenuto Junior Professora: Dra. Marlene Branca Sólio Projeto Gráfico: Naira Albuquerque Endereço do campus-sede: Rua Francisco Getúlio Vargas, 1130 Bairro Petrópolis Caxias do Sul - RS CEP: 95070-560 Telefone: (54) 3218-2100

Foto de capa: Lauri Novak


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Cinema

Desafios do cinema da Serra gaúcha diante da indústria cultural

Colaborar

Compartilhar para empreender

Vdeoclipe

Luz, câmera... videoclipe

Fotografia

Imagem e a subjetividade coletiva

Quadrinhos

Entretenimento, literatura e arte

Teatro

Rua transformada em palco

Música

A voz da subversão

Literatura

Pedro Guerra, de leitor a autor de histórias


>> CINEMA Créditos: Epifania Filmes

Desafios do cinema da Serra gaúcha diante da indústria cultural Entraves burocráticos, falta de recursos e desinteresse por parte do público fazem parte da história da sétima arte no Brasil. Na Serra gaúcha, assim como em outras regiões que passam longe dos grandes centros, manter exibições nas telas exige alternativa Cristiane Moro; Lucas Araldi e Márcio Frizzo Promover a cultura não é tarefa fácil. O cinema, assim como a produção artística, a dança, o teatro e os demais segmentos da arte enfrentam descaso. Esse descaso parece partir dos governos, que precisam repensar políticas públicas para difundir a cultura, mas também do setor privado que, ao financiar uma proposta, mais se beneficia do que gera benefícios. Além disso, há de se lidar com a diversidade de

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públicos e também com seu interesse pela cultura, que ainda precisa ser trabalhado.

Filme fragmentado

“Toda minha carreira se resume a esse filme”, expõe Ivanir Migotto para cerca de 30 pessoas, na sessão comentada de “Filme sobre um Bom Fim”, no Centro de Cultura Ordovás, em Caxias do Sul. A fala 2015 | ENTRELINHA


>> CINEMA

contextualiza os dez anos em que o cineasta buscou a aprovação de recursos, por meio de concorrência pública, para a realização do documentário que mostra a efervescência cultural do Bairro Bom Fim, em Porto Alegre. Apesar do tempo de espera até viabilizar a realização do longa, Boca – como Ivanir é conhecido nos circuitos de cinema, entre seus amigos e alunos do curso de Realização Audiovisual da Unisinos – vê isso com otimismo. “Acaba sistematizando uma série de temas que, explorei na minha vida, uns mais outros menos”, observa. O caminho ideal para fazer cinema no Rio Grande do Sul são os fundos perdidos das empresas estatais e o Fundo de Apoio à Cultura (FAC), recursos sempre suscetíveis aos cortes de verba dos governos estadual e federal. “Entrou o Sartori e cortou tudo”, lamenta. “Sabe que em uma crise, a primeira área que cortam é a cultura e junto com ela o cinema.”

Cinema brasileiro mudando

O Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), estabelecido em 2006, fortaleceu consideravelmente o cinema nacional nos últimos anos. De acordo com dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine), as produções cinematográficas brasileiras saltaram de 30 para 130 por mês. A bilheteria cresceu 426% e, hoje, os filmes nacionais fazem frente às grandes produções norte-americanas. Também a lei que estabelece cotas mínimas de três horas e meia por semana de exibição de conteúdo nacional na TV a cabo contribui para a expansão do audiovisual brasileiro. Ao mesmo tempo em que isso ocorre, começa a se configurar uma “indústria cultural” do cinema brasileiro, com grupos hegemônicos que assinam uma parcela considerável das produções nacionais, como a Globo Filmes. Boca Migotto não vê isso um problema, mas como complemento à produção autoral. “Muitos dos cineastas que produzem o cinema para pensar, trabalham para a Globo Filmes também, os públicos são outros. É um cinema de franquia, que enche sala, faz fila. É bom que isso aconteça.”

Cinema e educação

A história do cinema brasileiro é de rupturas e não de ascensão, de acordo com o cineasta. Por conta de contextos políticos conturbados e limitações na liberdade de expressão, muitos cineastas brasileiros, que marcaram movimentos históricos e contribuíram para a construção da identidade do cinema nacional, foram obrigados a se aposentar. “No Brasil, sempre podemos esperar novas rupturas”, avalia. “Nós temos um governo cujo slogan é Pátria Educadora, mas corta verbas na educação. E para ter uma indústria de cinema forte, é necessário que haja investimentos em educação, problema muito simples e muito complexo ao mesmo tempo.” Na leitura de Migotto, o cinema brasileiro ainda está longe do ideal, mas mostrou melhoras significativas nos últimos anos. Por isso, ele ressalta a importância da realização audiovisual que se opõe ao cinema comercial, com maior grau de maturidade de linguagem, possibilitando vários níveis de leitura. “Desde o museu do índio no Amazonas até o filme feito em Florianópolis”, resume.

Na Serra gaúcha

O cineasta bento-gonçalvense Fernando Menegatti é autor do curta Parasitas do lodo, vencedor do Prêmio Cine Serra em Caxias do Sul. Ele analisa as diferenças entre as produções audiovisuais locais e as nacionais. Menegatti acredita que, em geral, as pessoas não têm muito interesse pelas produções nacionais, por uma questão de cultura, de herança, do tempo em que o Brasil produzia seu cinema com pouca infraestrutura. “Os cinemas lotavam, mas as pessoas assistiam filmes com qualidade baixa e que geralmente estavam ligados à pornografia”, explica.

Créditos: Fernando Menegatt | Arquivo Pessoal 2015 | ENTRELINHA

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CINEMA

Ilustração: Douglas Paz | Naira Albuquerque Para ele, o que chega hoje de produção nacional às salas de cinema são filmes comerciais, ou as chamadas “comédia pastelão”. “Assim, a população acaba desconhecendo a produção de qualidade”, acredita. O produtor conta que, em festivais, é comum o elogio aos filmes argentinos como são comuns críticas negativas aos nacionais. “Mas, quando converso com essas pessoas e pergunto o que elas conhecem, é sempre os grandes sucessos, como Cidade de Deus e Tropa de Elite, consagrados em festivais”, observa. O mercado de cinema brasileiro é calcado em nichos: terror, drama, suspense. Com a criação da Ancine, acredita Menegatti, ocorreu uma explosão de projetos. “No Brasil, o gênero comédia sempre foi muito bem desenvolvido, em especial porque era amplamente divulgado pela televisão”, aponta. Uma das principais dificuldades para as pequenas produtoras no Brasil é, ainda, a questão da distribuição. “É possível viabilizar produções que, em geral, têm editais mais acessíveis e verba menor. Mas os editais não preveem a distribuição. Assim, somente as produtoras maiores conseguem colocar seus produtos nos cinemas”, lamenta. Outro empecilho apontado pelo cineasta é a burocracia enfrentada pelos autores no Brasil. Visto que, em grande parte, a produção é financiada ou conta com a atuação do poder público – como a Lei Rouanet, por exemplo, há de se lidar com a demora para ver um projeto saindo do papel. “Criamos um roteiro atraente, que tem a ver com o momento, mas até verba chegar, já perdeu o sentido”, complementa.

Não tardou para que o produtor sentisse a problemática da cultura no Brasil. “Além da falta de recursos, contamos com leis que são injustas por permitirem uma concorrência desleal entre grandes e pequenas produções.” Sua crítica dá-se à Lei Rouanet, principal forma para captação de recursos públicos para o setor. O problema, explica ele, é que a lei deveria ser rediscutida pela classe. “Ela é cheia de falhas, o que permite alguns absurdos. Como é que eu, produtor de uma cidade do porte de Garibaldi, posso concorrer com uma produção da cidade de São Paulo?”, questiona. Mais do que isso, Lumi aponta que a participação de empresas na escolha das propostas a serem beneficiadas também é injusta. “Digamos que um grande banco, como é comum, pode escolher se quer investir em uma peça de teatro de uma atriz global no Rio de Janeiro ou financiar um documentário em uma cidade do Acre. Sabendo que sua marca vai estar em evidência na apresentação do produto, é evidente que escolherá a primeira, que trará mais visibilidade. Sem contar que muitas das propostas não são gratuitas para o público. Já vi peças financiadas que o ingresso custava R$ 300. Então, se a população não se beneficia, quem está se beneficiando?”, observa. Para driblar a realidade, Lumi destaca que é necessário buscar formas alternativas de promoção. “Há editais para os mais diversos segmentos que são abertos diariamente. É inviável aceitar que a cultura só aconteça a partir da Rouanet. As cidades, por exemplo, já são incentivadas a criar o Fundo Municipal de Cultura”,diz. Além disso, para ele, a pressão popular e da classe deve ser fortalecida. “A articulação é lenta e exige a união de todos os segmentos e da sociedade. Somente assim poderemos rever pontos-chave para o fomento da cultura no Brasil”, acredita.

Perda de interesse por cultura

O produtor cultural garibaldense Rafael Lumi ingressou na área da cultura aos 11 anos, por meio da música e sente diariamente as dificuldades em proporcionar à população momentos de lazer e de formação intelectual. O curioso, segundo Lumi, é que o descaso com a cultura na cidade não é algo histórico. “Em pesquisas, descobri que, na época do meu avô, nos anos 1920, Garibaldi tinha dois cinemas, grupos de teatro e corais. Um dos grupos ensaiava na igreja. Pelos relatos, percebe-se que havia intensa participação de toda a comunidade. Já, na geração do meu pai, perdeu-se tudo isso e, por influência da Igreja, que julgou ser pecado se divertir com essas práticas.” Ao se deparar com essa realidade, aos 17 anos ele buscou descobrir formas de financiamento à cultura. Foi nesse momento que sua atuação como produtor cultural teve início. “Pouco se falava disso na época, e também não se tinham muitas opções de qualificação. Mas fui atrás. Li muito, fiz cursos e comecei a inscrever projetos para captação de recursos públicos”, relata.

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Imagem livre internet 2015 | ENTRELINHA


>> COLABORAR

Créditos: Fiap - Coworking Paulista | Divulgação

Compartilhar para empreender Os espaços coletivos têm sido opção de sucesso para compartilhar conhecimento e criar novas redes de trabalho Carina Santos Vivemos um momento em que o meio digital proporciona as mais diversas experiências, no que diz respeito à interação, comunicação e informação. Várias vezes, somos surpreendidos por um verdadeiro boom de informações e, em algumas delas, torna-se difícil manter o foco e identificar o que é um conteúdo de qualidade daquilo que, infelizmente, é apenas um comércio de ideias vazias e pouco inovadoras. Por saber dessa realidade pouco amigável, diversas empresas decidiram caminhar em direção ao pioneirismo de empreender sonhos. Nascem os coworkings que, segundo o diretor da Upworks Espaços Colaborativos, Carlos Alberto Bertotto, são espaços que visam ao compartilhamento da estrutura de trabalho, de recursos e experiências entre profissionais de diferentes áreas e/ou empresas, possibilitando uma excelente economia, networking e condições de trabalho. Antes de abandonar seu trabalho atual e entrar para o mundo independente dos profissionais que utilizam alguns dos coworkings espalhados pela Serra gaúcha, confira um pouco sobre eles com o idealizador do Coworking Gramado, Éder Mapelli, e também com o diretor da Upworks Espaços Colaborativos, Carlos Alberto Bertotto:

Créditos: Upworks por Luciana Corso Galiotto 2015 | ENTRELINHA

1 - Quem pode utilizar o espaço? É.M.: Profissionais de todas as áreas. É mais utilizado por profissionais liberais que não possuem endereço comercial. Seja você freelancer ou dono de microempresa, este modelo permite reunir pessoas de diversas áreas, compartilhando conhecimento e, o mais importante, gerando a oportunidade de novos negócios todos os dias. 2 - Quais as vantagens de utilizar as instalações de um coworking? C.B.: Maior produtividade, maior motivação, interação humana e conforto. É.M.: Redução de custos, liberdade e flexibilidade para trabalhar tranquilamente e suporte administrativo. 3 - O coworking pode ser o espaço mais adequado para promover eventos culturais? Eles têm maior destaque no mercado quando realizados neste ambiente? É.M.: Sim. A flexibilidade com que se criam os espaços permite este tipo de atividade. Como a “cara” do coworking não é algo tão formal, certamente auxilia no destaque desses mercados. Além dos coworkings acima, Caxias do Sul também conta com a Coletivo Labs, como opção para futuros coworkers. Somente na organização Coworking Brasil já existem 25 empresas gaúchas associadas. De acordo com o Sebrae, a ideia está se tornando uma opção cada vez mais viável para os empreendedores que enxergam no espaço compartilhado a abertura de novas portas.

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>> VIDEOCLIPE

Créditos: Ney Matogrosso (1975 - América do Sul) | Divulgação

Luz, câmera...

videoclipe

A evolução da música que virou cinema Renata Chies

Som, luz e imagem. Junta-se mais alguns – ou muitos – efeitos e surge o videoclipe. Desde sua origem, na década de 70, o videoclipe tem sido definido como um gênero genuinamente televisivo. Essa situação, contudo, começou a mudar a partir do ano 2000. Com a vinda da internet, o videoclipe – até então uma simples estratégia de marketing realizada para vender discos – extrapolou seus limites preestabelecidos e se firmou como uma das formas de expressão artística de maior vitalidade em nosso tempo. Desde então, a internet passou a ser o veículo fundamental para a divulgação dos videoclipes, e essa mudança de circuito tem provocado modificações na produção, na estética e na própria audiência dos videoclipes. O produtor de vídeos Marcelo dos Santos explica que, hoje, os videoclipes mantêm a mesma função. “Eles possuem, em si, duas vertentes que se sobrepõem: a vertente

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promocional e a artística. A primeira visa a divulgar uma canção e seu artista, para atrair mais compradores para o disco do qual ele faz parte, e a segunda serve de espaço de experimentação para realizadores de audiovisuais”, esclarece. Conforme Santos, no que diz respeito à estética e à produção, o videoclipe se modifica a cada dia; busca surpreender e proporcionar experiências diferenciadas para quem o assiste. Não restam dúvidas de que a tecnologia evoluiu. O videoclipe, consequentemente, acompanhou essa evolução. Entretanto, ao abusar de alguns recursos, pode-se perder a essência. Resta saber se a publicidade se sobrepõe à arte, ou se a vertente musical, que busca, acima de tudo, inspirar as pessoas, ainda é a maior. Se assim for, nada melhor do que juntar som e imagem para inspirar ainda mais os ouvintes e telespectadores com essa música que quis ser cinema. E conseguiu.

2015 | ENTRELINHA


<< VIDEOCLIPE

2014

2012

Gangnam style, Psy

2008

2005

Here it goes again, OK Go

A minha alma, Rappa

1986

1983

Thriller, Michael Jackson

Single ladies, Beyoncé

2000

1990

Garota de Ipanema, Marina Lima

Sugar, Marron 5

Money for nothing, Dire Straits

1975

Bohemian Rhapsody, Fonte: SOARES, Thiago. A estética do videoclipe. Paraíba:Queen Ed. da UFPB, 2014. 2015 | ENTRELINHA

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>> FOTOGRAFIA

“Quando eu disse que vinha trabalhar, ele me perguntou se eu jogava bola, porque aqui não tinha trabalho, só futebol” Creditos:Abdoulat Ndiaye (Bili) por Naira Albuquerque

A IMAGEM E A SUBJETIVIDADE COLETIVA

Daniel Restrepo |Naira Albuquerque

A humanidade sempre precisou representar-se. Assim, a fotografia já nasceu para servir ao homem como meio de mostrar e ver o mundo. Mas, o clichê “uma imagem fala mais do que mil palavras” não é uma verdade absoluta, mesmo considerando que nem Narciso foi capaz de fugir do seu reflexo no lago. Em muitos casos, uma fotografia aponta apenas um frame da história e nos mostra somente um lado desse caleidoscópio. Mesmo as que pretendem nos apresentar um determinado local, não conseguem relatar a multiplicidade de embricamentos. Foi isso que percebeu o senegalês Abdoulat Ndiaye (Bili), quando chegou ao Brasil há cinco anos e encontrou um país muito diferente do retratado nas imagens antes vistas. A realidade vivenciada foi muito além de praias e de carnaval. Bili conta que não tinha a intenção de vir para o Brasil. Tentou ir para os Estados Unidos e para a Europa. Mesmo ao optar pela América Latina, não pensava na pátria verde e amarela. Ele via o Brasil como um país pobre. “A gente imaginava como um filme, tipo assim, nas novelas. Pensava

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que no Brasil tinha mais negros e que algumas coisas eram mais parecidas com África. Na imigração um funcionário perguntou o que faria no Brasil. “Quando eu dizer que vinha trabalhar, perguntou se eu jogava bola, porque aqui não tinha trabalho, só tinha futebol”, conta, com largo sorriso. Seu primeiro choque cultural já aconteceu no avião. “Fiquei perdido quando cheguei. Não entendia como era tão grande.” Seguiram-se outros percalços: a barreira da cor, a falta de um idioma e, principalmente, a cultura desconhecida. O jovem tinha uma imagem ilusória de riqueza, associada à ideia de dinheiro fácil e pouco esforço. Hoje, sabe que não é assim, sabe que somente se conhece o que se vive. “A África, também, não é como vocês veem. As pessoas pensam que a África é só animais, fome e guerra e não é. Por exemplo: a maior parte de Senegal é muçulmana”, diz ele, e aponta para a parede principal da sala onde uma fotografia em tamanho real estampa seu líder religioso. Reduzir distâncias, apresentar-nos ao outro, mostrar o estranho, indicar um lugar... Esse é um dos papeis da fotografia. Entretanto, a imagem passa por um universo de subjetividades que iniciam nas lentes do fotógrafo e se estendem a todos que para ela olham. 2015 | ENTRELINHA


<< FOTOGRAFIA A fotografia documental De acordo com a fotógrafa Angela Pimentel, a foto tem um papel indiscutível e insubstituível, inclusive no âmbito social. Porém, não pode ser usada como ferramenta única, desprovida de seu contexto. Nessas condições, ao contrário do que mostra a história de Bili, ela será, sim, uma janela aberta para a realidade. Estudar antropologia jogou luzes sobre o ponto de vista da jovem retratista. Ela entendeu melhor o quanto um recorte pode reforçar ou reduzir um contexto de racismo, de desigualdade e de injustiça; encobrir uma realidade... “A fotografia te possibilita contar histórias. Eu quero isso: construir narrativas, não ter apenas fotos bonitas – aproveitar-me da câmera para aproximar-me do outro.” Angela busca utilizar seu trabalho como um instrumento de luta, “uma forma de protesto, para mostrar o outro lado e, se possível, os muitos lados.” Talvez seja este o desafio da nossa sociedade imagética: entendermos o poder da fotografia para, assim, utilizá-la de modo que canalize seu potencial agregador. A fotografia é arte, sim, mas, sobretudo, tem um grande potencial de engajamento. Narciso pensava que seu reflexo no lago fosse a verdade. E era, mas não era apenas isso.

“A fotografia te possibilita contar história. Eu quero isso: construir narrativas, não ter apenas fotos bonitas.”

O almoço Angela já tem muitas fotos e muitos amigos. Seus últimos trabalhos envolvem imigrantes africanos em manifestações culturais. Para ela, um dos quadros mais importantes é o de um típico almoço senegalês (foto). O recorte evidencia um momento ímpar de encontro, celebração e impacto com o novo. Convidada a uma refeição, Angela descobre que, no Senegal, se come com as mãos. O alimento é posto no centro do grupo e cada um faz uma maceração individual da comida antes de levá-

la à boca, o que lhe causou certo desconforto. Na sequência do estranhamento ao outro, aconteceu com ela o estranhamento de si. “Eu estranhei a minha cultura, porque por um momento eu pensei: como é que a gente pode ser tão individualista para comer, cada um com seu prato?” Desde aí, o grupo não lhe foi mais adverso; tornou-se semelhante nas diferenças, o que prova a foto.

Créditos: Angela Pimentel

2015 | ENTRELINHA

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>> QUADRINHOS

Créditos: Danielle Zatera Frizzo

Entretenimento, literatura e arte

As histórias em quadrinhos, chamadas de 9a arte, estão permeadas de ideologias e críticas sociais, que povoam a imaginação dos leitores Danielle Zattera Frizzo | Eduardo Borile Junior

O desenho é uma das formas mais primitivas de expressão pela humanidade. Com a ausência da escrita, foi por meio dele que o homem encontrou uma forma de registrar suas experiências de vida e suas observações. Inicialmente “tatuado” nas paredes, o desenho serviu de base para culturas egípcias, esculturas gregas, pinturas modernas, papiros, iconografias religiosas, entre outros inúmeros exemplos, até chegarmos nas atuais HQs (como são popularmente conhecidas as histórias em quadrinhos). Atualmente, elas estão presentes no cinema, em livros e jornais e são utilizadas, inclusive, para evidenciar fatos ou ilustrar notícias, de forma crítica e bemhumorada, em tiras ou charges. A origem das HQs está diretamente ligada à história da imprensa. Seus modelos modernos, como conhecemos atualmente, nasceram da disputa entre dois grandes jornais de Nova Iorque (o The New York World e o Morning Journal) no final do século XIX. Ambos inseriram o gênero em seus periódicos, com o intuito de alavancar vendas. Assim, uma batalha comercial entre veículos de comunicação fomentou, em todo o mundo, a produção midiática das histórias em quadrinhos. De acordo com o mestre em Antropologia Cultural Quim Douglas Dalberto, 34 anos, o que diferencia as histórias

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em quadrinhos das demais mídias, sejam artísticas, ou não, é a possibilidade atemporal de acompanhar a narrativa. “As HQs definemse pela sequencialidade entre texto e imagem, que se conjugam para construir uma identidade para a história. Em termos técnicos, as histórias em quadrinhos permitem uma quebra paradoxal que outras mídias são impossibilitadas de acompanhar”, define Quim, que também é escritor de HQs. A diversidade de formatos, temáticas, personagens, cenários, cores, etc., presentes nas histórias em quadrinhos, é praticamente infinita. Como exemplifica o filósofo Rafael Rodrigues, 33 anos, as emoções das personagens podem ser evidenciadas de diversas formas. “É possível trabalhar com um diálogo, longo dentro de um mesmo quadro, ou curto, disperso em quadros diferentes, seja para acentuar a passagem do tempo ou aumentar a dramaticidade da cena. Pode-se,

Créditos: Eduardo Luiz Cardoso / Divulgação 2015 | ENTRELINHA


<< QUADRINHOS inclusive, trabalhar o formato, o ângulo e as dimensões de um quadro em relação à página, para refletir características emocionais, como solidão, ansiedade ou loucura, ou diferenciar estados emocionais e físicos pelo nível de detalhamento de um desenho”, esclarece Rafael, que também é roteirista de HQs. Essa gama de possibilidades justifica a classificação do gênero como a 9a expressão da arte. Conforme o professor Eduardo Luiz Cardoso, 41 anos, as características da linguagem, tais como o tempo, o espaço e a forma de leitura, empregadas nas HQs, são específicas. “O tempo, na narrativa gráfica, depende da forma e do tamanho do quadrinho. O espaço é variado. É possível destacar um quadro da página, direcionando o olhar para ele. A forma de leitura é complementada pelo leitor, ou seja, ele precisa fazer a ‘ponte’ entre um quadro e outro”, explica Duda, como é carinhosamente conhecido o também ilustrador que produziu o primeiro curta-metragem de animação da Serra gaúcha, em 2004. Apesar da amplitude de alternativas, assim como qualquer outro produto artístico ou midiático, as histórias em quadrinhos não estão alienadas em um mundo particular ou alternativo. Conforme Rafael Rodrigues, as HQs sempre refletem o mundo de alguma forma. “Assim como qualquer mídia narrativa, os aspectos culturais, históricos, políticos e econômicos desempenham papel fundamental na forma e no conteúdo das histórias”, complementa Rafael. De acordo com a doutora em Práticas e Culturas em Comunicação, Ivana Almeida da Silva, as histórias em quadrinhos, inicialmente, podem parecer fechadas em um mundo particular. Segundo a professora, “isso ocorre especialmente nas HQs que buscam o resgate histórico de uma época ou tratam de outros mundos, mas na maioria das vezes, elas querem refletir a sociedade na qual estão inseridas, utilizando metáforas para conseguir estabelecer algumas relações. Dessa forma, acabam tornando-se um produto cultural que permite a crítica, seja a reflexão, seja de forma séria, seja a partir do humor”, evidencia Ivana. O público consumidor das HQs é cada vez mais heterogêneo, como afirma Quim Douglas Dalberto. “Diante da possibilidade de explorar novos mercados como o cinema e a TV, o público tem se diversificado com o passar dos anos. No entanto, a parcela que consome as mídias audiovisuais e migra para os quadrinhos é muito menor do que se imagina”, enfatiza Dalberto. Para Rafael, apesar de serem produtos midiáticos, as HQs possuem públicos consumidores particulares. No entanto, “na prática, as HQs têm a mesma variabilidade etária que o cinema, a literatura ou o teatro, ou seja, há desde o público infantil até o público adulto, mas o tipo de público depende muito do formato de que estamos falando”, opina o roteirista. Isso é o que também afirma Duda, para quem existem mercados e públicos distintos. “Assim como no cinema existem filmes direcionados para crianças, adolescentes ou adultos, as HQs também possuem públicos diferenciados e específicos”, conclui o professor.

Créditos: Eduardo Luiz Cardoso / Divulgação 2015 | ENTRELINHA

Créditos: Eduardo Luiz Cardoso / Divulgação

As HQs e o cinema As adaptações das narrativas das HQs para o cinema não são unanimidades entre os admiradores da 9a arte; no entanto, é evidente a expansão de produções baseadas em quadrinhos, nas últimas décadas. Rafael Rodrigues distingue as mídias. “Diferente do cinema (que é uma experiência linear que reproduz a realidade através da imitação mecânica de sons e movimento) ou da literatura (que é uma experiência temporalmente subjetiva destinada a provocar sensações), uma HQ é capaz de manipular o tempo narrativo e o tempo de leitura, uma vez que o engajamento se dá na leitura atenta e na subjetividade. No cinema, chamam a atenção outros elementos, como o som e o movimento, que diluem o foco da atenção”, recorda o filósofo. Para Quim Douglas Dalberto, “existem novos modelos, com adaptações de qualidade, sendo inseridos no mercado. Desta forma, temos boas produções, com um ‘universo’ independente ao que conhecemos nas HQs, o que é muito positivo”, avalia o escritor. No entanto, a necessidade das adequações é vista, por muitos, apenas para preencher um potencial mercadológico, como opina Duda. “Pela visão dos estúdios de cinema, a adaptação de uma HQ é produzida apenas para atrair bilheteria. Até agora, nenhuma delas superou ou, ao menos, empatou com aquilo que os quadrinhos apresentam. E nem vão conseguir. Aliás, nem classifico estas adaptações como cinema, pois cinema é arte. Para mim são como grandes comerciais que se utilizam do conteúdo das HQs para vender objetos”, pondera o ilustrador. Para Ivana Almeida da Silva, o cinema possui sua estética particular. Segundo a professora, alguns elementos são agregados, enquanto outros são suprimidos para se contar uma HQ. “Temos ótimas adaptações de HQs para o cinema, e outras nem tão felizes. O trabalho de adaptação é muito difícil, especialmente no caso das HQs, mas reforço que, dificilmente, encontraremos na tela o que lemos nos quadrinhos”, enfatiza a doutora. Rafael Rodrigues acredita que ver quadrinhos no cinema é um processo inevitável. “Adaptações de quadrinhos para a telona ocorrem desde que a mídia cinema existe (embora sejam mais acentuadas hoje). Levar grandes histórias para o maior público possível é sempre válido, mesmo que isso signifique adaptar para outras mídias”, defende o roteirista.

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>> TEATRO

Peça “As aventuras do fusca a vela” apresentada na Praça Dante Alighieri­ durante o Caxias em Cena de 2015, por Karine Bergozza

Rua transformada em palco Com a intenção de aproximar o teatro do público, muitas peças são apresentadas nas praças e nos parques e atraem pessoas de todas as idades

Ana Seerig | Karine Bergozza

A tarde fria de setembro não impediu que dezenas de pessoas se reunissem em torno de um velho fusca na Praça Dante Alighieri. O antigo automóvel era o único cenário da peça “As aventuras do fusca à vela”, apresentação que fazia parte do 17º Caxias em Cena. Formado por crianças, adultos e idosos, o público olhava atentamente cada movimento dos personagens -­piratas, que deixavam a praça em direção a um temível ferrovelho, cujo dono comandava um velho fusca como se este fosse um navio. “Na rua, o artista está desprotegido, sem quatro paredes, com o público muito mais próximo. Todas as apresentações ali são diferentes, pois sempre há uma interação única”, garante o ator Jonas Piccoli, idealizador da peça. O teatro na rua não é novidade na cidade; no entanto, os caxienses ainda estão aprendendo a aproveitar movimentos culturais nas ruas. Piccoli faz uma comparação com apresentações que já fez no Nordeste do Brasil e afirma que o público local ainda é muito pequeno. “Enquanto em Caxias conseguimos 100 espectadores, no Nordeste são mil. O caxiense tem que aprender a degustar o teatro em si. Muitos falam mal da produção local, mas nunca assistiram nada. Têm que assistir para falar mal”, conclui.

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Para a atriz Aline Zilli, que faz parte do Grupo Ueba, o fato de o teatro ser realizado na rua atinge mais pessoas, já que chama a atenção daquelas que estão passando naquele momento e param para ver o que está acontecendo. A apresentação na rua está sujeita a imprevistos que seriam impensáveis dentro de um teatro. Aline lembra de uma ocasião em que um bêbado invadiu a peça e começou a discutir com as pessoas e outro momento em que um cachorro “roubou” a cena. Apesar disso, ela afirma que adora a interferência do público e ressalta: “O show não pode parar.” A atriz é formada em Publicidade e Propaganda, mas garante que sua essência é ser artista. A experiência na área faz com que Aline defenda a transformação de ruas em palcos. “O teatro de rua é uma forma de democratização, uma maneira pela qual as pessoas podem ter acesso ao teatro. Às vezes é o primeiro contato das pessoas com essa arte”, afirma. Sendo assim, é fundamental que haja mais oportunidades para o teatro de rua se apresentar em Caxias do Sul. Para a atriz, se esse tipo de atividade acontecer somente uma vez por ano, é difícil criar hábito nas pessoas, já que elas precisam ser motivadas a participar. “Somente dessa forma as pessoas poderão conhecer o trabalho do nosso grupo e passar a acompanhar nosso trabalho, nossa arte”, finaliza. 2015 | ENTRELINHA


<< TEATRO

Olhares dos espectadores

A caminho dos festejos da Semana Farroupilha, pai e filha fazem uma pausa para ver peça, por Karine Bergozza.

2015 | ENTRELINHA

Créditos: João Augusto por Ana Seerig

No meio do público, um garoto de quatro anos com uma camisa de Super-Homem pula empolgado a cada movimento dos piratas em torno do fusca. É João Augusto, neto de Clara Regina Reiton Magalhães, que acompanha com a filha e o genro. Ao conversar com Clara se descobre rapidamente que o apreço pela arte é de família. Moradora de Pelotas e de passagem por Caxias do Sul para visitar a filha, ela afirma que, em sua cidade, ações culturais na rua são semanais. “Eu criei minha filha indo a teatros na rua. Sempre incentivei ela a seguir na arte, lamento que ela não tenha feito isso, mas torço para que meu neto siga esse caminho”, diz Clara. Segundo a aposentada, o envolvimento cultural é essencial para as pessoas, e atividades nas ruas são fundamentais para divulgar todas as formas de arte. Com orgulho, Clara diz que famílias se reúnem para prestigiar ações culturais em Pelotas e lamenta que, em Caxias, não ocorra o mesmo. “Eu acredito que uma das melhores ocupações para um jovem é a arte. Quem faz teatro, por exemplo, tem uma boa saúde mental, corporal e espiritual”, acredita.

O olhar fixo nos movimentos detalhados dos personagens se destaca no rosto da pequena Isabela Ribeiro, de 10 anos. A menina está acompanhada pelo pai, Francis Ribeiro, e diz sentir-se à vontade no teatro de rua, afinal ela já conhece os personagens e criou um vínculo de amizade com eles. “Nós sempre acompanhamos as apresentações do grupo Ueba, procuramos tirar fotos e registrar o momento. Já fizemos, inclusive, visitas na sede do grupo”, destaca Ribeiro, que é técnico em informática. Pai e filha fizeram uma pausa para ver o teatro antes de se dirigirem aos pavilhões da Festa da Uva, na Semana Farroupilha. Francis considera interessante o fato de o Caxias em Cena ocorrer no mesmo período das comemorações de 20 de Setembro, o que ele acredita ser uma forma de integrar a sociedade. De acordo com o técnico em informática, o teatro é uma forma de entretenimento muito interessante, especialmente o teatro de rua, em que se pode dar uma volta no final de semana e aproveitar para assistir à peça. “Na falta do teatro teríamos o cinema como atividade cultural, mas ele acaba sendo sempre a mesma coisa”, explica Ribeiro. Ele salienta que esse tipo de atividade deveria acontecer mais vezes em Caxias do Sul, já que é uma oportunidade para que todos possam se envolver com a arte: “O teatro de rua é um privilégio para Caxias, é gratuito. Eles só pedem uma simples contribuição no final da apresentação e só ajuda quem realmente pode.”

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>> MÚSICA

A VOZ DA SUBVERSÃO

Créditos: Mateus Frazão/Divulgação

Palco improvisado, aglomerado de sujeitos vestindo preto, cerveja barata, entrada gratuita e riffs pesados ecoando de garagens, praças ou bares. Assim são os festivais organizados na “raça” e que permanecem dando voz e repercutindo gritos e mensagens de contestação daqueles ignorados pela mídia e pelo grande público. Fábio Becker | Rhaysa Santos “Quero ver, em cada garagem da periferia, pulsar o ritmo da revolta [...] Queremos subverter a ordem burguesa que existe na música e na arte.” Os versos da canção Rock de Subúrbio. dos Garotos Podres, deixam clara a mensagem de todos os músicos e produtores que se esforçam para manter a “cena viva”. Diante de um cenário moldado pela lógica da “indústria cultural”, o underground se esquiva dos holofotes e – como sempre lhe foi de costume – esgueirando-se pelas sombras se mantém de pé. É comum na história da arte a ruptura dos inconformados com os padrões estéticos e culturais. Nas artes plásticas, o dadaísmo e o cubismo importunavam ironicamente os arautos da alta sociedade, que defendiam uma arte limpa e aristocrática. Nos EUA, o Pós Segunda Guerra Mundial, em meio a uma sociedade na qual os jovens prosperavam com um mercado positivo e progressista, os beats chamavam a juventude para as ruas, que trocava a estabilidade do american way of life, por bebida, poesia e liberdade. O mesmo se passou com o rock, com o hip hop, e com o funk. Mais do que simples expressão do cotidiano, a arte é arma pungente de revolução social.

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É nisso também que acredita o baixista da Insulto Verbal, e idealizador do Coletivo Cultural de Artistas Independentes de Farroupilha (CCAI), Anderson Severo, o “Tchaina”, que juntamente com um grupo de bandas e amigos, organiza festivais e encontros de bandas alternativas na região. Tchaina cita que o underground é fruto da contestação e revolução; é toda expressão que faz da

Créditos: Mateus Frazão/Divulgação 2015 | ENTRELINHA


<< MÚSICA arte uma forma de derrubar mordaças. “Punk, hip hop, rock... tudo nasceu nas periferias e com os excluídos. Até o blues é underground. Numa época em que a música era privilégio branco, vozes negras começaram a tomar rádios e gravadoras. Trata-se de transformação social pela música”, explana.

Em união pela subversão

O fato de as rádios não darem espaço ao underground, ao mesmo tempo que dificulta a sobrevivência de bandas alternativas, mantém a cena livre de lapidações. O espírito punk do “make yourself”, permanece vivo, como cita o vocalista da Anomalia Social, Gregory Elia Debaco. “Ser independente é a melhor coisa do mundo, porque tu estás fazendo teu material, com tua mensagem e identidade, sem passar por nenhuma forma de censura.“ Para Debaco, a cadeia produtiva vai além do músico. “Tanto a pessoa que assiste, quanto quem produz, ou o dono do bar que cede espaço, são essenciais para a manutenção das bandas.” Nesse cenário a importância dos coletivos e produtores independentes torna-se clara. O produtor musical Felipe Rech, que está por trás de festivais underground, destaca que seu objetivo é ajudar gêneros como punk e metal a serem reconhecidos. Sem fins lucrativos, trabalha para “fortalecer a cena, apoiando e abrindo espaço para novas e velhas bandas”. Fernando Barboza, baixista da Tormento Alcoólatra e também integrante do CCAI, afirma que os festivais e os coletivos são essenciais para a sobrevivência de bandas independentes. “Estes encontros são importantes porque é ali onde as bandas vão se mostrar. Mas tem vezes em que esperar um festival não basta, então arregaçamos as mangas e vamos atrás de fazer os nossos.” Já para Tchaina, os eventos organizados pelo CCAI são um meio de dar voz e espaço a grupos que se encontram “um degrau abaixo”. “O underground, por ser diferente, acaba sendo discriminado e perde a capacidade de oferecer. No fim, todos saem perdendo: a sociedade, o artista, a arte. E em festivais como esse a ideia é divulgar o trabalho dessas bandas que estão na margem”, explica.

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Gritar mais alto

A história mostra que grande parte da arte da subcultura acaba engolida antropofagicamente pelo mercado de consumo, sendo popularizada e, muitas vezes, enfraquecida enquanto protesto. O grito estridente baixa o tom, torna-se harmonioso e passa a conversar suavemente com as classes médias e altas. Processo semelhante aconteceu com outros movimentos, como o hippie, o rock e o punk, como explica o antropólogo Rafael José dos Santos. “Por razões econômicas e por uma dinâmica política e ideológica, estes produtos revolucionários e alternativos são lavados, engomados e vendidos limpinhos nas lojas de marcas”, observa. Ainda de acordo com Rafael, em um processo de ressignificação, aquilo que nasce como resposta à arte “nobre”, muitas vezes, acaba se tonando adorno da alta classe. Daí, a proliferação de camisetas de bandas, o grafite aparecendo em galerias, o funk como trilha de telenovelas, entre outros. A mensagem pode se perder, tanto pela ressignificação fruto da massificação, quanto pela falta de espaço e, consequentemente, de público e demanda. De acordo com Gregory Debaco, para essa equação ser resolvida, é necessário haver organização por parte dos grupos, e vontade por parte do público. “Caxias do Sul é grande, tem muito público, mas é tudo muito maldirecionado. As pessoas têm que ir atrás, ninguém vai te pegar pela mão e dizer ‘vem aqui, que aqui tem um negócio que talvez seja legal’. As pessoas têm que se interessar mais.” Para Tchaina, a popularidade não é sinônimo de enfraquecimento da mensagem. Dentro do cenário punk, cita exemplos de bandas como Garotos Podres e Ratos de Porão, que arrastam multidões sem perderem a linha subversiva de suas composições. Opinião semelhante à de Debaco, que acredita que o sonho de todo músico é viver de sua arte. “Há bandas que eram muito boas, fizeram um contrato ruim, se deixaram levar por um produtor e se destruíram, mas têm outras que foram independentes a vida inteira, e não deixaram de ser underground por lotar shows”, explica.

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>> LITERATURA

Créditos: Pedro Guerra por Joeldine Andrade

Pedro Guerra De leitor a autor de histórias

Joeldine Motta de Andrade

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escolas da região. Os dados mostram o quanto o autor estimula a literatura e desperta nos jovens, seu maior público, o desejo de ler. Quanto às críticas, Pedro ressalta: “É o que me fortalece. Já levei muita pedrada na cabeça e usei a escrita como curativo. Foram os feedbacks que me fizeram melhorar, então sempre escuto com ouvidos bem abertos.” Pedro ainda dá dicas para os que desejam ser escritores um dia. Leitura e trabalho. “Trabalhe duro e seja legal com as pessoas.” Sobre o futuro, o autor conclui: “Meu plano para o futuro é ter mais planos para o presente. Sempre um livro, um degrau de cada vez. É uma rotina louca e assustadoramente recompensadora. Meu plano é só ter plano para ser feliz!” – Pedro Guerra. Créditos: Joeldine Andrade

Pedro Guerra, 23 anos, é um jovem escritor e jornalista, formado pela Universidade de Caxias do Sul. Até o momento publicou quatro livros: “Você pode guardar um segredo?”, A rainha está morta, Precisava de você e Queda livre lançado em setembro/2015. Pedro trabalha no marketing e como redator da Editora Belas-Letras, responsável pela publicação de seus livros. Na entrevista que segue, o autor conta parte de sua trajetória, que ainda é recente, porém, com muitos objetivos alcançados. “Tudo começou aos 12 anos de idade, quando escrevi composições e uma espécie de primeiro livro. Minha influência veio, em grande parte, da minha mãe, que comprava livros e me incentivava à leitura. Fiz minha carreira de leitor antes da de escritor, o que foi superdecisivo”, conta Guerra. Para fazer seus livros chegarem ao público, o escritor trabalha em duas frentes, ora vinculado à Belas-Letras, ora como produtor independente. A editora afirma que está sempre em busca de autores jovens, com talento e que possam ser grandes sucessos de vendas. Sobre essa parceria, Pedro diz: “Surgiu porque bati na porta deles e me apresentei, bem na cara dura!” (risos). O autor fala que ser escritor é ser pulsante, viver uma rotina emocional diferenciada. É estar de olho em tudo, saber que todos podem se transformar em personagens. É ler e ser lido. De “A rainha está morta”, foram 5 mil exemplares em quatro edições em dois anos, Em 2013, foi o 4º livro mais vendido na Feira do Livro de Caxias e já foi trabalhado em mais de 30

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<< LITERATURA

Créditos: Kereny Jemima Moncayo Galindo

Autores independentes

na Colômbia Infelizmente, a Colômbia é mais conhecida pela guerrilha do que pelas virtudes que a rodeiam. Mas isso não impede que muitos colombianos destaquem as qualidades desse povo. É o caso dos autores literários independentes, que, por meio de seus livros, contam os segredos da terra que os viu nascer. Alguns desses escritores são: Javier Ocampo Lopez e Reynaldo Caballero Cáceres, que desde pequenos escrevem seus próprios livros de maneira independente, sem receber apoio do governo, nem de patrocinadores, mas que, mesmo assim, falam das maravilhas da sua nação. Javier Ocampo Lopez nasceu em 19 de junho de 1934, em Aguadas — Caldas, terra de cana de açúcar e frutas doces. É formado em Sociologia e História pela Universidade UPTC de Tunja, Colômbia. Sempre quis ser escritor, mas os problemas começaram desde seus primeiros passos na literatura: “Os colombianos não têm o hábito de ler muito, e isso faz com que os livros e as novelas literárias sejam difíceis de vender”, lamenta Lopez. Porém, sua vontade de ir adiante o levou a especialistas em publicidade, o que desencadeou as vendas e o êxito em várias cidades. Hoje, ele já publicou mais de 150 livros, por meio da editora Ocampo Lopez, de sua família. Com uma literatura que percorre aspectos sociais e culturais, ele desenha a identidade do povo colombiano. “Sempre quero que as pessoas vejam o melhor da sua terra.” Para alguns escritores, difícil é começar um livro, já para outros é finalizá-lo, mas para Javier, o mais importante é a temática defendida, uma temática que possa fazer com que a gente leia e se apaixone pela literatura das gerações passadas e das presentes. Mitos de indígenas, história básica da Colômbia, época colonial da independência e da república são seus temas preferidos. Mas esses livros são o tipo de literatura que menos vendem na Colômbia e, por isso, as editoras não acreditam em escritores como Javier, que assegura que são muitas as portas que se fecharam para sua carreira literária. 2015 | ENTRELINHA

Kereny Jemima Moncayo Galindo

Já, Reynaldo Caballero Cáceres ganhou muitos prêmios na Colômbia por sua literatura camponesa. Ele nasceu em 23 de abril de 1945, em Bucaramanga, terra de parques e pessoas amáveis. Apaixonado desde criança por escrever, Cáceres nos conta como tudo começou. “Meu primeiro texto foi um poema para minha mãe, quando tinha 7 anos de idade. E minha carreira como escritor se iniciou com contos curtos que eu escrevia para o jornal “Horizontes”, do Colégio de Santander, Bucaramanga. Cáceres deu início à sua vida literária lendo nas praças da Colômbia poemas de amor, e soube que as pessoas precisavam de literatura que inspirasse sentimento e que fosse de graça. Ele entendeu que a literatura não era para fazer dinheiro, era para mudar vidas e jeitos de pensar. Livros como Um amor secreto de Bolivar e La tierrita foram lançados de modo independente. Por não ter o apoio de uma editora, o autor conta somente com os prêmios que ganhou e que asseguram que os livros sejam publicados e vendidos. Contudo, Cáceres não quer deixar suas obras restritas à Colômbia. Ele quer levar sua literatura para Cuba e a outros países latino-americanos, pois tem certeza de que pode seguir os passos de autores como Gabriel Garcia Márquez, que conseguiu levar as tradições da Colômbia a outros países, com seus livros. Esses dois escritores afirmam que, quando se quer fazer alguma coisa com êxito, não é necessário o apoio de grandes empresas. “Se você quer fazer literatura, somente tem que começar a escrever”, garantem Lopez e Cáceres. “A ideia está em escrever o que nos apaixona e o sentimento que se coloca na escrita. É só começar e terminar tudo com amor. Depois vem a paz na alma”, finalizam esses autores independentes da Colômbia.

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