Revista Entrelinha

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Entrelinha Revista-laboratório do curso de jornalismo da Universidade de Caxias do Sul

Semestre 2015/4

Revista

Desafios do cinema na Serra gaúcha diante da indústria cultural

Entraves burocráticos, falta de recursos e desinteresse por parte do público fazem parte da história da sétima arte no Brasil (P. 10)

Entretenimento, literatura e arte

As histórias em quadrinhos, chamadas de 9a arte, estão permeadas de ideologias e críticas sociais

A voz da subversão

Palco improvisado, cerveja barata e riffs pesados, ignorados pela mídia e pelo grande público

Rua transformada em palco

Peças apresentadas nas praças e nos parques atraem pessoas de todas as idades


da redação

editorial

Sumário

Universo repleto de contrdições

Quadrinhos 3 Entretenimento, literatura e arte

Quem produz cultura não o faz por retorno financeiro, status ou reconhecimento social: faz por AMOR Cultura e arte: duas palavras mal compreendidas por grande parte da sociedade. Como men­ surar os impactos do contato com ambas? Como justificar in­ vestimentos? Como demonstrar aos governos a importância do processo de construção do ser humano pensante. Em um mun­ do que oferece uma infinidade comercial disponível para con­ sumo, a preservação da cultura é um desafio diário. Quem produz cultura não o faz por retorno financeiro, status ou reconheci­ mento social... o faz por AMOR. A região onde se manifestam in­ tefere no sucesso ou no fracas­ so de produtos culturais? Talvez, mas qual o caminho? Sair da ci­ dade natal em busca dos grandes centros? Ceder ao modelo pa­ dronizado da indústria cultural? Ou pensar alternativas de sobre­ vivência em um mercado cruel e injusto? A publicação a seguir apresenta exemplos­de variadas manifestações da cultura, os desafios diante da falta de re­ cursos e público e o poder de transformação que ela possui ao inovar e fixar raízes sólidas em terreno pedregoso. Opiniões fortes embasam textos produzidos em um semestre, na disciplina Design de Notícia. Mais do que uma produção textual ou um exercício de diagramação, um manifesto de reflexão e crítica. 2

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Teatro de rua 5 Rua transformada em palco Espaços culturais e aprendizado 7 Compartilhar para empreender Fotografia 8 A fotografia e a subjetividade coletiva Literatura 9 Autores independentes na Colômbia Pedro Guerra: de leitor a autor de histórias Cinema 10 Desafios do cinema na Serra gaúcha diante da indústria cultural Música 13/14 Luz, Câmera... videoclipe A voz da subversão

PUBLICAÇÃO Ana Paula Seerig Carina dos Santos Pedroso Cristiane Moro Danielle Zattera Frizzo Eduardo Borile Júnior Fábio Becker Loppe Joeldine Motta de Andrade Karine Bergozza Kereny Jemima Moncayo Galindo Lucas Araldi Marcio Frizzo Naira Rosana Albuquerque Renata Chies Paschoali Rhaysa Ribeiro dos Santos

Reitor: Dr. Evaldo Antonio Kuiava Diretora do Centro de Ciências Sociais: Dra. Maria Carolina Rosa Gullo Coordenador do curso de Jornalismo: Dr. Álvaro Benevenutto Junior Professora: Dra. Marlene Branca Sólio Projeto gráfico: Lucas Araldi

Campus Sede: Rua Francisco Getúlio Vargas, 1130 CEP 95070-560 - Caxias do Sul Fone: (+5554) 3218-2100


QUADRINHOS

Entretenimento, literatura e arte Por Danielle Zattera Frizzo e Eduardo Borile Junior

As histórias em quadrinhos, chamadas de 9a arte, estão permeadas de ideologias e críticas sociais, que povoam a imaginação dos leitores

Crédito: Danielle Zattera Frizzo

O desenho é uma das formas mais primitivas de expressão pela humanidade. Com a ausência da escrita, foi por meio dele que o homem encontrou uma forma de registrar suas experiências de vida e suas observações. Inicialmente “tatuado” nas paredes, o desenho serviu de base para culturas egípcias, esculturas gregas, pinturas modernas, papiros, iconografias religiosas, entre outros inúmeros exemp­ los, até chegarmos nas atuais HQs (como são popularmente conhecidas as histórias em quadrinhos). Atualmente, elas estão presentes no cinema, em livros e jornais e são utilizadas, inclusive, para evidenciar fatos ou ilustrar notícias, de forma crítica e bem­humorada, em tiras ou charges. A origem das HQs está diretamente li­ gada à história da imprensa. Seus mod­ elos moder­nos, como conhecemos atual­ mente, nasceram da disputa entre dois grandes jornais de Nova Iorque(o The New

York World e o Morning Journal) no final do século XIX. Ambos inseriram o gênero em seus periódicos, com o intuito de alavan­ car vendas. Assim, uma batalha comercial entre veículos de comunicação fomentou, em todo o mundo, a produção midiática das histórias em quadrinhos. De acordo com o mestre em Antropo­ logia Cultural Quim Douglas Dalberto, 34 anos, o que diferencia as histórias em quadrinhos das demais mídias, se­ jam artísticas, ou não, é a possibilidade atemporal de acompanhar a narrativa. “As HQs definem­se pela sequencialidade en­ tre texto e imagem, que se conjugam para construir uma identidade para a história. Em termos técnicos, as histórias em quadri­ nhos permitem uma quebra paradoxal que outras mídias são impossibilitadas de acompanhar”, define Quim, que também é escritor de HQs. A diversidade de formatos, temáticas, per­

sonagens, cenários, cores, etc., presentes nas histórias em quadrinhos, é pratica­ mente infinita. Como exemplifica o filósofo Rafael Rodrigues, 33 anos, as emoções das personagens podem ser evidenciadas de diversas formas. “É possível trabalhar com um diálogo, longo dentro de um mesmo quadro, ou curto, disperso em quadros diferentes, seja para acentuar a passagem do tempo ou aumentar a dramaticidade da cena. Pode­se, inclusive, trabalhar o for­ mato, o ângulo e as dimensões de um quadro em relação à página, para refletir características emocionais, como solidão, ansiedade ou loucura, ou diferenciar es­ tados emocionais e físicos pelo nível de detalhamento de um desenho”, esclarece Rafael, que também é roteirista de HQs. Essa gama de possibilidades justifica a classificação do gênero como a 9a ex­ pressão da arte. Conforme o professor Eduardo Luiz Cardoso, 41 anos, as caracte­

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QUADRINHOS

Crédito: Eduardo Luiz Cardoso rísticas da linguagem, tais como o tempo, o espaço e a forma de leitura, empregadas nas HQs, são específicas. “O tempo, na narrativa gráfica, depende da forma e do tamanho do quadrinho. O espaço é variado. É possível destacar um quadro da página, direcionando o olhar para ele. A forma de leitura é complementada pelo leitor, ou seja, ele precisa fazer a ‘ponte’ entre um quadro e outro”, explica Duda, como é carinhosamente conhecido o também ilus­trador que produziu o primeiro curta­ metragem de animação da Serra gaúcha, em 2004. Apesar da amplitude de alternativas, as­ sim como qualquer outro produto artístico ou midiático, as histórias em quadrinhos não estão alienadas em um mundo par­ ticular ou alternativo. Conforme Rafael Rodrigues, as HQs sempre refletem o mundo de alguma forma. “Assim como qualquer mídia narrativa, os aspectos cul­ turais, históricos, políticos e econômicos desempenham papel fundamental na for­ ma e no conteúdo das histórias”, comple­ menta Rafael. De acordo com a doutora em Práticas e Culturas em Comunicação, Ivana Almeida da Silva, as histórias em quadri­ nhos, inicialmente, podem parecer fecha­ das em um mundo particular. Segundo a professora, “isso ocorre especialmente nas HQs que buscam o resgate histórico de uma época ou tratam de outros mundos, mas, na maioria das vezes, elas querem re­ fletir a sociedade na qual estão inseridas, utilizando metáforas para conseguir es­ tabelecer algumas relações. Dessa forma, acabam tornando­se um produto cultural que permite crítica, seja reflexão, seja de forma séria, seja a partir do humor”, eviden­ cia Ivana. O público consumidor das HQs é cada vez mais heterogêneo, como afirma Quim 4

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Douglas Dalberto. “Diante da possibili­ dade de explorar novos mercados como o cinema e a TV, o público tem se diversifi­ cado com o passar dos anos. No entanto, a parcela que consome as mídias audiovi­ suais e migra para os quadrinhos é muito menor do que se imagina”, enfatiza Dalber­ to. Para Rafael, apesar de serem produ­ tos midiáticos, as HQs possuem públicos consumidores particulares. No entanto, “na prática, as HQs têm a mesma varia­ bilidade etária que o cinema, a literatura ou o teatro, ou seja, há desde o público infan­ til até o público adulto, mas o tipo de público depende muito do formato de que estamos falando”, opina o roteirista. Isso é o que também afirma Duda, para quem existem mercados e públicos distintos. “Assim como no cinema existem filmes di­ recionados para crianças, adolescentes ou adultos, as HQs também possuem públi­ cos diferenciados e específicos”, conclui o professor.

As HQs e o cinema As adaptações das narrativas das HQs para o cinema não são unanimidades en­ tre os admiradores da 9a arte; no entan­ to, é evidente a expansão de produções baseadas em quadrinhos, nas últimas déca­ das. Rafael Rodrigues distingue as mídias. “Diferente do cinema (que é uma ex­ periência linear que reproduz a realidade através da imitação mecânica de sons e movimento) ou da literatura (que é uma experiência temporalmente subjetiva des­ tinada a provocar sensações), uma HQ é capaz de manipular o tempo narrativo e o tempo de leitura, uma vez que o engajamento se dá na leitura atenta e na subjetividade. No cinema, chamam aten­ ção outros elementos, como o som e o

movimento, que diluem o foco da atenção”, recorda o filósofo. Para Quim Douglas Dalberto, “existem novos modelos, com adaptações de quali­ dade, sendo inseridos no mercado. Desta forma, temos boas produções, com um ‘universo’ independente ao que conhe­ cemos nas HQs, o que é muito positivo”, avalia o escritor. No entanto, a necessi­ dade das adequações é vista, por muitos, apenas para preencher um potencial mer­ cadológico, como opina Duda. “Pela visão dos estúdios de cinema, a adaptação de uma HQ é produzida apenas para atrair bilheteria. Até agora, nenhuma delas su­ perou ou, ao menos, empatou com aquilo que os quadrinhos apresentam. E nem vão conseguir. Aliás, nem classifico es­ tas adaptações como cinema, pois cinema é arte. Para mim são como grandes comer­ ciais que se utilizam do conteúdo das HQs para vender objetos”, pondera o ilustrador. Para Ivana Almeida da Silva, o cinema possui sua estética particular. Segundo a professora, alguns elementos são agrega­ dos, enquanto outros são suprimidos para se contar uma HQ. “Temos ótimas adap­ tações de HQs para o cinema, e outras nem tão felizes. O trabalho de adaptação é muito difícil, especialmente no caso das HQs, mas reforço que, dificilmente, en­ contraremos na tela o que lemos nos quadrinhos”, enfatiza a doutora. Rafael Rodrigues acredita que ver quadrinhos no cinema é um processo inevitável. “Adap­ tações de quadrinhos para a telona ocor­ rem desde que a mídia cinema existe (em­ bora sejam mais acentuadas hoje). Levar grandes histórias para o maior público possível é sempre válido, mesmo que isso signifique adaptar para outras mí­ dias”, defende o roteirista.


Teatro de rua

Rua transformada em palco

Teatro de rua Por Ana Seerig e Karine Bergozza

Com a intenção de aproximar o teatro do público, muitas peças são apresentadas nas praças e nos parques e atraem pessoas de todas as idades, divulgando e popularizando a cultura A tarde fria de setembro não impediu que dezenas de pessoas se reunissem em torno de um velho fusca na Praça Dante Alighieri. O antigo automóvel era o único cenário da peça “As aventuras do fusca à vela”, apresentação que fazia parte do 17º Caxias em Cena. For­ mado por crianças, adultos e idosos, o público olhava atentamente cada movimento dos personagens-pirata, que deixavam a praça em direção a um temível ferro-velho, cujo dono comandava um velho fusca como se este fosse um navio.

“As aventuras do fusca a vela” apresentada na Praça Dante Alighieri durante o Caxias em Cena de 2015 . Crédito: Karine Bergozza “Na rua, o artista está desprotegido, sem quatro paredes, com o público muito mais próximo. Todas as apresentações ali são diferentes, pois sempre há uma interação única”, garante o ator Jonas Piccoli, idealiza­ dor da peça. O teatro na rua não é novidade na cidade; no entanto os caxienses ainda estão apren­ dendo a aproveitar movimentos culturais nas ruas. Piccoli faz uma comparação com apresentações que já fez no Nordeste do Brasil e afirma que o público local ainda é muito pequeno. “Enquanto em Caxias con­ seguimos 100 espectadores, no Nordeste são mil. O caxiense tem que aprender a de­ gustar o teatro em si. Muitos falam mal da produção local, mas nunca assistiram nada. Têm que assistir para falar mal”, conclui.

Para a atriz Aline Zilli, que faz parte do Grupo Ueba, o fato de o teatro ser realizado na rua atinge mais pessoas, já que chama a atenção daquelas que estão passando naquele momento e param para ver o que está acontecendo. A apresentação na rua está sujeita a im­ previstos que seriam impensáveis dentro de um teatro. Aline lembra de uma oca­ sião em que um bêbado invadiu a peça e começou a discutir com as pessoas e outro momento em que um cachorro “roubou” a cena. Apesar disso, ela afirma que adora a interferência do público e ressalta: “O show não pode parar.” A atriz é formada em Publicidade e Propa­ ganda, mas garante que sua essência é ser artista. A experiência na área faz com que

Aline defenda a transformação de ruas em palcos. “O teatro de rua é uma forma de democratização, uma maneira pela qual as pessoas podem ter acesso ao teatro. Às vezes é o primeiro contato das pessoas com essa arte”, afirma. Sendo assim, é funda­ mental que haja mais oportunidades para o teatro de rua se apresentar em Caxias do Sul. Para a atriz, se esse tipo de atividade acon­ tecer somente uma vez por ano, é difícil criar­hábito nas pessoas, já que elas pre­ cisam ser motivadas a participar. “Somente dessa forma as pessoas poderão conhecer o trabalho do nosso grupo e passar a acom­ panhar nosso trabalho, nossa arte”, finaliza.

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Teatro de rua Teatro de rua

Olhares dos espectadores No meio do público, um garoto de quatro anos com uma camisa de Super-Homem pula empolgado a cada movi­ mento dos piratas em torno do fusca. É João Augusto, neto de Clara Regina Reiton Magalhães, que acompanha com a filha e o genro. Ao conversar com Clara se descobre rapi­ damente que o apreço pela arte é de família. Moradora de Pelotas e de passagem por Caxias do Sul para visitar a filha, ela afirma que, em sua cidade, ações culturais na rua são semanais. “Eu criei minha filha indo a teatros na rua. Sempre incen­ tivei ela a seguir na arte, lamento que ela não tenha feito isso, mas torço para que meu neto siga esse caminho”, diz Clara. Segundo a aposentada, o envolvimento cultural é essencial para as pessoas, e atividades nas ruas são funda­ mentais para divulgar todas as formas de arte. Com orgulho,­ Clara diz que famílias se reúnem para prestigiar ações cul­ turais em Pelotas e lamenta que, em Caxias, não ocorra o mesmo. “Eu acredito que uma das melhores ocupações para um jovem é a arte. Quem faz teatro, por exemplo, tem uma boa saúde mental, corporal e espiritual”, acredita.

O olhar fixo nos movimentos detalhados dos personagens se destaca no rosto da pequena Isabela Ribeiro, de 10 anos. A menina está acompanhada pelo pai, Francis Ribeiro, e diz sentir-se à vontade no teatro de rua, afinal ela já conhece os personagens e criou um vínculo de amizade com eles. “Nós sempre acompanhamos as apresentações do grupo Ueba, procuramos tirar fotos e registrar o momento. Já fizemos, inclusive, visitas na sede do grupo”, destaca Ribeiro, que é técnico em informática. Pai e filha fizeram uma pausa para ver o teatro. Francis considera interessante o fato de o Caxias em Cena ocorrer no mesmo período das comemorações de 20 de Setembro, o que ele acredita ser uma forma de integrar a sociedade. De acordo com o técnico em informática, o teatro é uma forma de entretenimento muito interessante, especial­ mente o teatro de rua, em que se pode dar uma volta no final de semana e aproveitar para assistir à peça. “Na falta do teatro teríamos o cinema como atividade cultural, mas ele acaba sendo sempre a mesma coisa”, explica Ribeiro. Ele salienta que esse tipo de atividade deveria acontecer mais vezes em Caxias do Sul, já que é uma oportunidade para que todos possam se envolver com a arte: “O teatro de rua é um privilégio para Caxias, é gratuito. Eles só pe­ dem uma simples contribuição no final da apresentação e só ajuda quem realmente pode.”

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Teatro de rua

Crédito: Karine Bergozza

Teatro de rua

Crédito: Karine Bergozza


eSPAÇOS CULTURAIS E APRENDIZADO Teatro de rua

Compartilhar para empreender Por Carina Santos

Os espaços coletivos são opção de sucesso para compartilhar conhecimento e criar novas redes de trabalho, com redução de custos operacionais e aumento de qualidade Vivemos um momento em que o meio digital proporciona as mais diversas ex­ periências no que diz respeito à interação, comunicação e informação. Várias vezes, somos surpreendidos por um verdadeiro boom de informações e, em algumas delas, torna-se difícil manter o foco e identificar o que é um conteúdo de qualidade daquilo que, infelizmente, é apenas um comércio de ideias vazias e pouco inovadoras. Por saber dessa realidade pouco amigável,­ diversas empresas decidiram caminhar em direção ao pioneirismo de empreender son­ hos. Nascem os Coworkings que, segun­do o diretor da Upworks Espaços Colaborativos, Carlos Alberto Bertotto, são espaços que visam ao compartilhamento da estrutura de trabalho, de recursos e experiências en­ tre profissionais de diferentes áreas e/ou empresas, possibilitando excelente econo­ mia, networking e condições de trabalho. Antes de abandonar seu trabalho atual e entrar para o mundo independente

dos profissionais que utilizam alguns dos c­ oworkings espalhados pela Serra gaúcha, confira um pouco sobre eles com o idealiza­ dor do Coworking Gramado, Éder Mapelli, e também com o diretor da Upworks Espaços Colaborativos, Carlos Alberto Bertotto: 1 - Quem pode utilizar o espaço? É.M.: Profissionais de todas as áreas. É mais utilizado por profissionais liberais que não possuem endereço comercial. Seja você freelancer ou dono de microem­ presa, este modelo permite reunir pessoas de diversas áreas, compartilhando conhe­ cimento e, o mais importante, geran­do a oportunidade de novos negócios todos os dias. 2 - Quais as vantagens de utilizar as instalações de um coworking? C.B.: Maior produtividade, maior moti­ vação, interação humana e conforto. É.M.: Redução de custos, liberdade e flexi­

bilidade para trabalhar tranquilamente e suporte administrativo. 3 - O coworking pode ser o espaço mais adequado para promover eventos culturais? Eles têm maior destaque no mercado quando realizados neste ambien­ te? É.M.: Sim. A flexibilidade com que se criam os espaços permite este tipo de atividade. Como a “cara” do coworking não é algo tão formal, certamente auxilia no destaque desses mercados. Além dos coworkings citados, Caxias do Sul também conta com a Coletivo Labs, como opção para futuros coworkers. So­ mente na organização Coworking Brasil já existem 25 empresas gaúchas associadas. De acordo com o Sebrae, a ideia está se tornando uma opção cada vez mais viável para os empreendedores que enxergam no espaço compartilhado a abertura de novas portas. Crédito: divulgação

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fotografia Teatro de rua

IMAGEM e subjetividade coletiva A humanidade sempre precisou repre­ sentar­-se. Assim, a fotografia já nasceu para servir ao homem como meio de mostrar e ver o mundo. Mas, o clichê “uma imagem fala mais do que mil palavras” não é uma verdade absoluta, mesmo conside­ rando que nem Narciso foi capaz de fugir do seu reflexo no lago. Em muitos casos, uma fotografia aponta apenas um frame da história e nos mostra somente um lado desse caleidoscópio. Mesmo as que pretendem nos apresentar um determinado local, não conseguem re­ latar a multiplicidade de embricamentos. Foi isso que percebeu o senegalês Abdou­ lat Ndiaye (Bili), quando chegou ao Brasil há cinco anos e encontrou um país muito diferente do retratado nas imagens antes vistas. A realidade vivenciada foi muito além de praias e de carnaval.

desconhecida.

“Quando eu disse que vinha trabalhar, ele me perguntou se eu jogava bola, porque aqui não tinha trabalho, só futebol” O jovem tinha uma imagem ilusória de riqueza, associada à ideia de dinheiro fácil e pouco esforço. Hoje, sabe que não é assim, sabe que somenete se conhece o que se­ vive. “A África, também, não é como vocês vêem. As pessoas pensam que a África é só animais, fome e guerra e não é. Por exem­ plo: a maior parte de Senegal é muçulma­ na”, diz ele, e aponta para a parede principal da sala onde uma fotografia em tamanho real estampa seu líder religioso. Reduzir distâncias, apresentar­ nos ao outro,­mostrar o estranho, indicar um lu­ gar... Esse é um dos papeis da fotografia. Entretanto, a imagem passa por um univer­ so de subjetividades que iniciam nas lentes do fotógrafo e se estendem a todos que para ela olham.

Fotografia documental

Crédito: Naira Albuquerque

Bili não tinha a intenção de vir para o Brasil. Tentou ir para os Estados Unidos e para a Europa. Mesmo ao optar pela Amé­ rica Latina, não pensava na pátria verde e amarela. Ele via o Brasil como um país po­ bre. “A gente imaginava como um filme, tipo assim, nas novelas. Pensava que no Brasil tinha mais negros e que algumas coisas eram mais parecidas com a África. Na imigração um funcionário perguntou o que faria no Brasil. “Quando eu dizer que vinha trabalhar, perguntou se eu jogava bola, porque aqui não tinha trabalho, só tinha futebol”, conta, com largo sorriso. Seu primeiro choque cultural já aconteceu no avião.“ Fiquei perdido quando cheguei. Não entendia como era tão grandes”. Seguiram­ se outros percalços: a barreira da cor, a falta de um idioma e, principalmente, a cultura 8

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Crédito: Naira Albuquerque

De acordo com a fotógrafa Ângela Pi­ mentel, a foto tem um papel indiscutível e insubstituível, inclusive no âmbito social. Porém, não pode ser usada como ferra­ menta única, desprovida de seu contexto. Nessas condições, ao contrário do que mostra a história de Bili, ela será, sim, uma janela aberta para a realidade. Estudar antropologia jogou luzes sobre o ponto de vista da jovem retratista. Ela entendeu melhor o quanto um recorte pode reforçar ou reduzir um contexto de racismo, de desigualdade e de injustiça;

Por Naira Albuquerque e Daniel Restrepo

encobrir uma realidade... “A fotografia te possibilita contar histórias. Eu quero isso: construir narrativas, não ter apenas fotos bonitas – aproveitar­ me da câmera para aproximar­me do outro”. Ângela busca uti­ lizar seu trabalho como um instrumento de luta, “uma forma de protesto, para mostrar o outro lado e, se possível, os muitos lados.” Talvez seja este o desafio da nossa socie­ dade imagética: entendermos o poder da fotografia para, assim, utilizá­la de modo que canalize seu potencial agregador. A fotografia é arte, sim, mas, sobretudo,tem um grande potencial de engajamento. Nar­ ciso pensava que seu reflexo no lago fosse a verdade. E era, mas não era apenas isso.m a todos que para ela olham.

O almoço Ângela já tem muitas fotos e muitos amigos. Seus últimos trabalhos envolvem imigrantes africanos em manifestações culturais. Para ela, um dos quadros mais importantes é o de um típico almoço senegalês. O recorte evidencia um momento ímpar de encontro, celebração e impacto com o novo. Convidada a uma refeição, Ângela descobre que , no Senegal, se come com as mãos. O alimento é posto no centro do grupo e cada um faz uma maceração individual da comida antes de levá­la à boca, o que lhe causou certo desconforto. Na sequência do estranhamento ao outro, aconteceu com ela o estranhamento de si. “Eu estranhei a minha cultura, porque por um momento eu pensei: como é que a gente pode ser tão individualista para comer, cada um com seu prato?” Desde aí, o grupo não lhe foi mais adverso; tornou­ se semelhante nas diferen­ças, o que prova a foto.


literatura

Autores Independentes na Colômbia Infelizmente, a Colômbia é mais conheci­ da pela guerrilha do que pelas virtudes que a rodeiam. Mas isso não impede que mui­ tos colombianos destaquem as qualidades desse povo. É o caso de autores literários independentes, que, por meio de seus livros,­contam os segre­dos da terra que os viu nascer. Alguns desses escritores são Javier Ocam­ po Lopez e Reynaldo Caballero Cáceres, que desde pequenos escrevem sem rece­ ber apoio do gover­no, nem de patrocina­ dores, mas que, mesmo assim, falam das maravilhas de sua nação. Javier Ocampo Lopez nasceu em 19 de junho de 1934, em Aguadas — Caldas, terra de cana de açúcar e frutas doces. É formado em Sociologia e História pela universidade UPTC de Tunja, Colômbia. Sempre quis ser escritor, mas os problemas começaram desde seus primeiros passos na literatura: “Os colombianos não têm o hábito de ler muito, e isso faz com que os livros e as novelas lite­rárias sejam difíceis de vender”, lamenta Lopez. Porém, sua vontade de ir adiante o levou a especialistas em publicidade, o que desen­ cadeou êxito em várias cidades. Hoje, já publicou mais de 150 livros, por meio da editora Ocampo Lopez, de sua família. Com uma literatura que percorre aspectos

sociais e culturais, ele desenha a identidade do povo colombiano. “Sempre quero que as pessoas vejam o melhor da sua terra.” Para alguns escritores, difícil é começar um livro, já para outros é finalizá-lo, mas para Javier, o mais importante é a temática defendida, que possa fazer com que a gente leia e se apaixone pela literatura das gera­ ções passadas e das presentes. Mitos de in­ dígenas, história básica da Colômbia, época colonial da independência e da república são seus temas preferidos. Mas esses livros são o tipo de literatura que menos vende na Colômbia e, por isso, as editoras não acreditam em escritores como Javier, que assegura que são muitas as portas que se fecharam para sua carreira literária. Já, Reynaldo Caballero Cáceres ganhou muitos prêmios na Colômbia por sua lite­ ratura camponesa. Ele nasceu em 23 de abril de 1945, em Bucaramanga, terra de parques e pessoas amáveis. Apaixonado desde criança por escrever, Cáceres nos conta como tudo começou. “Meu primeiro texto foi um poema para minha mãe, quan­ do tinha 7 anos de idade. E minha carreira como escritor se iniciou com contos curtos que eu escrevia para o jornal — Horizontes, do Colégio de Santander, Bucaramanga. Cáceres deu início à sua vida literária lendo nas praças da Colômbia poemas de

Pedro Guerra – de leitor, a autor de histórias

Pedro Guerra, 23 anos, é um jovem es­ critor e jornalista, formado pela UCS. Até o momento publicou quatro livros: Você pode guardar um segredo?, A Rainha está morta, Precisava de você e Queda livre lan­ çado em setembro/2015. Pedro trabalha no marketing­ e como redator na Belas-Letras, editora de seus livros. Na entrevista que segue, o autor conta parte de sua trajetória que ainda é recente, porém, com muitos objetivos alcançados. “Tudo começou aos 12 anos de idade,

quando escrevi composições e uma espécie de primeiro livro. Minha influência veio, em grande parte, da minha mãe, que comprava livros e me incentivava à leitura. Fiz minha carreira de leitor antes da de escritor, o que foi superdecisivo”, conta Guerra. Para fazer seus livros chegarem ao públi­ co, o escritor trabalha em duas frentes, ora vinculado à Belas-Letras, ora como produ­ tor independente. A editora afirma que está sempre em busca de autores jovens, com talento e que possam ser grandes sucessos de vendas. Sobre essa parceria, Pedro diz: “Surgiu porque bati na porta deles e me apresentei, bem na cara dura!” (risos). O autor ainda fala que ser escritor é ser vivo, pulsante, viver uma rotina emocional. É estar de olho em tudo, saber que todos podem se transformar em personagens. O livro, A rainha está morta, teve quatro edições em dois anos, e vendeu 5 mil exem­

Por Kereny Jemima Moncayo Galindo

amor, e soube que as pessoas precisavam de literatura que inspirasse sentimento e que fosse de graça. Ele entendeu que a lite­ ratura não era para fazer dinheiro era para mudar vidas e jeitos de pensar. Livros como Um amor secreto de Bolivar e La tierrita, foram lançados de modo in­ dependente. Por não ter o apoio de uma edito­ra, o autor conta somente com os prê­ mios que ganhou e que asseguram que os livros sejam publicados e vendidos. Contudo, Cáceres não quer deixar suas obras restritas à Colômbia. Ele quer levar sua literatura para Cuba e a outros países latino-americanos, pois tem certeza de que pode seguir os passos de autores como Ga­ briel Garcia Márquez, que conseguiu levar as tradições da Colômbia a outros países, com seus livros. Esses dois escritores afirmam que, quando se quer fazer alguma coisa com êxito, não é necessário o apoio de grandes empresas. “Se você quer fazer literatura, somente tem que começar a escrever”, garantem Lopez e Cáceres. “A ideia está em escrever o que nos apai­ xona e o sentimento que se coloca na es­ crita. É só começar e terminar tudo com amor. Depois vem a paz na alma.”, finalizam os autores independentes da Colômbia.

Por Joeldine Motta de Andrade

plares. Em 2013, foi o 4º livro mais vendido da Feira do Livro de Caxias e já foi trabalha­ do em mais de 30 escolas da região. Esses dados mostram o quanto o autor estimula a literatura na cidade e desperta nos jovens, seu maior público, o desejo de ler. Quanto às críticas, Pedro ressalta: “São o que me fortalece. Já levei muita pedrada e usei a escrita como curativo. Foram os feedbacks que me fizeram melhorar, então sempre escuto com ouvidos bem abertos.” Pedro ainda dá dicas para os que desejam ser escritores um dia. Leitura e trabalho. "Trabalhe duro e seja legal com as pessoas". Sobre o futuro, o autor conclui: “Meu plano é ter mais planos para o presente. Sempre um livro, um degrau de cada vez. É uma ro­ tina louca e assustadoramente recompen­ sadora. Meu plano é só ter plano para ser feliz!”

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CINEMA Teatro de rua

Desafios do cinema da Serra gaúcha Por Cristiane Moro, Lucas Araldi e Marcio Frizzo

Entraves burocráticos, falta de recursos e desinteresse do público fazem parte da história da sétima arte no Brasil. Na Serra gaúcha, assim como em outras regiões que passam longe dos grandes centros, manter exibições nas telas exige alternativas

Equipe que trabalhou na produção do documentário Filme sobre um Bom Fim. Crédito: Epifania Filmes

Promover a cultura não é tarefa fácil. O cinema, assim como a produção artística, a dança, o teatro e os demais segmentos da arte enfrentam descaso. Esse descaso parece partir dos governos, que precisam repensar políticas públicas para difundir a cultura, mas também do setor privado que, ao financiar uma proposta, mais se benefi­ cia do que gera benefícios. Além disso, há de se lidar com a diversidade de públicos e também com seu interesse pela cultura, que ainda precisa ser trabalhado. “Toda minha carreira se resume a esse

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filme”, expõe Ivanir Migotto para cerca de 30 pessoas, na sessão comentada de Filme sobre um Bom Fim, no Centro de Cultura Or­ dovás, em Caxias do Sul. A fala contextua­ liza os dez anos em que o cineasta bus­ cou a aprovação de recursos, por meio de concorrência pública, para a realização do docu­ mentário que mostra a efervescên­ cia cultural do Bairro Bom Fim, em Porto Alegre. Apesar do tempo de espera até viabilizar a realização do longa, Boca – como Ivanir é conhecido nos circuitos de cinema, entre

seus amigos e alunos do curso de Reali­ zação Audiovisual da Unisinos – vê isso com otimismo. “Acaba sistematizando uma série de temas que explorei na minha vida, uns mais outros menos”, observa. O caminho ideal para fazer cinema no Rio Grande do Sul são os fundos perdidos das empresas estatais e o Fundo de Apoio à Cultura (FAC), recursos sempre suscetíveis aos cortes de verba dos governos estadual e federal. “En­ trou o Sartori e cortou tudo”, lamenta. “Sabe que, em uma crise, a primeira área que cor­ tam é a cultura e junto com ela o cinema”.


CINEMA Teatro de rua

Novo cinema brasileiro O Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), estabelecido em 2006, fortaleceu consider­ avelmente o cinema nacional nos últimos anos. De acordo com dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine), as produções cinematográficas brasileiras saltaram de 30 para 130 por mês. A bilheteria cresceu 426% e, hoje, os filmes nacionais fazem frente às grandes produções norte-ameri­ canas. Também a lei que estabelece cotas mínimas de três horas e meia por semana de exibição de conteúdo nacional na TV a cabo contribui para a expansão do audio­ visual brasileiro. Ao mesmo tempo em que isso ocorre, começa a se configurar uma “indústria cul­ tural” do cinema brasileiro, com grupos he­ gemônicos que assinam uma parcela con­ siderável das produções nacionais, como a Globo Filmes. Boca Migotto não vê isso um problema, mas como complemento à produção autoral. “Muitos dos cineastas que produzem o cinema para pensar, tra­ balham para a Globo Filmes também, os públicos são outros. É um cinema de fran­ quia, que enche sala, faz fila. É bom que isso aconteça.”

Cinema e educação A história do cinema brasileiro é de rup­ turas e não de ascensão, de acordo com o cineasta. Por conta de contextos políticos conturbados e limitações na liberdade de expressão, muitos cineastas brasileiros, que marcaram movimentos históricos e con­ tribuíram para a construção da identidade do cinema nacional, foram obrigados a se aposentar. “No Brasil, sempre podemos es­ perar novas rupturas”, avalia. “Nós temos um governo cujo slogan é Pátria Educado­ ra, mas corta verbas na educação. E para ter uma indústria de cinema forte, é necessário que haja investimentos em educação, problema muito simples e muito complexo ao mesmo tempo”. Na leitura de Migotto, o cinema bra­ sileiro está longe do ideal, mas mostrou melhoras significativas nos últimos anos. Por isso, ressalta a importância da reali­ zação audiovisual­que se opõe ao cinema comer­cial, com maior grau de maturidade de linguagem, possibilitando vários níveis de leitura, “esde o museu do índio no Ama­ zonas até o filme feito em Florianópolis”,

resume.

Na Serra gaúcha O cineasta bento-gonçalvense Fernando Menegatti é autor do curta Parasitas do lodo, vencedor do Prêmio Cine Serra em Caxias do Sul. Ele analisa as diferenças entre produções audiovisuais locais e nacionais. Menegatti acredita que, em geral, as pessoas não têm muito interesse pelas produções nacionais, por uma questão de cultura, de herança, do tempo em que o Brasil produzia seu cinema com pouca in­ fraestrutura. “Os cinemas lotavam, mas as pessoas assistiam filmes com qualidade baixa e que geralmente estavam ligados à pornografia”, explica. Para ele, o que chega hoje de produção na­ cional às salas de cinema são filmes comer­ ciais, ou as chamadas “comédia pastelão”. “Assim, a população acaba desconhecendo a produção de qualidade”, acredita. O produtor conta que, em festivais, é co­ mum o elogio aos filmes argentinos como são comuns críticas negativas aos nacion­ ais. “Mas, quando converso com essas pes­ soas e pergunto o que elas conhecem, é sempre os grandes sucessos, como Cidade de Deus e Tropa de Elite, consagrados em festivais”, observa. O mercado de cinema brasileiro é calcado em nichos: terror, drama, suspense. Com a criação da Ancine, acredita Menegatti, ocorreu uma explosão de projetos. “No Brasil, o gênero comédia sempre foi muito bem desenvolvido, em especial porque

Produção de Parasitas do Lodo. Crédito: arquivo pessoal

era amplamente divulgado pela televisão”, aponta. Uma das principais dificuldades para as pequenas produtoras no Brasil é a questão da distribuição. “É possível viabilizar produções que, em geral, têm editais mais acessíveis e verba menor. Mas os editais não preveem a distribuição. Assim, somente as produtoras maiores conseguem­colocar seus produtos nos cinemas”, lamenta. Outro empecilho apontado pelo cine­ asta é a burocracia enfrentada pelos au­ tores no Brasil. Visto que, em grande parte, a produção é financiada ou conta com a atua­ção do poder público – como a Lei Rouanet, por exemplo, há de se lidar com a demora para ver um projeto saindo do papel. “Criamos um roteiro atraente, que tem a ver com o momento, mas até verba chegar, já perdeu o sentido”, complementa. Crédito: arquivo pessoal

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CINEMA Teatro de rua

Perda de interesse por cultura O produtor cultural garibaldense Rafael Lumi ingressou na área da cultura aos 11 anos, por meio da música e sente diaria­ mente as dificuldades em proporcionar à população momentos de lazer e de for­ mação intelectual. O curioso, segundo Lumi, é que o descaso com a cultura na cidade não é algo histórico. “Em pesquisas, descobri que, na época do meu avô, nos anos 1920, Garibaldi tinha dois cinemas, grupos de teatro e corais. Um dos grupos ensaiava na igreja. Pelos relatos, percebese que havia intensa participação de toda a comunidade. Já, na geração do meu pai, perdeu-se tudo isso e, por influência da Igre­ja, que julgou ser pecado se divertir com essas práticas.” Ao se deparar com essa realidade, aos 17 anos ele buscou descobrir formas de finan­ ciamento à cultura. Foi nesse momento que sua atuação como produtor cultural teve início. “Pouco se falava disso na época, e também não se tinham muitas opções de qualificação. Mas fui atrás. Li muito, fiz

cursos e comecei a inscrever projetos para captação de recursos públicos”, relata. Não tardou para que o produtor sentisse a problemática da cultura no Brasil. “Além da falta de recursos, contamos com leis que são injustas por permitirem uma concor­ rência desleal entre grandes e pequenas produções.” Sua crítica dá-se à Lei Rouanet, principal forma para captação de recursos públicos para o setor. O problema, explica ele, é que a lei deveria ser rediscutida pela classe. “Ela é cheia de falhas, o que permite alguns absurdos. Como é que eu, produtor de uma cidade do porte de Garibaldi, posso concorrer com uma produção da cidade de São Paulo?”, questiona. Mais do que isso, Lumi aponta que a participação de empresas na escolha das propostas a serem beneficiadas também é injusta. “Digamos que um grande banco, como é comum, pode escolher se quer in­ vestir em uma peça de teatro de uma atriz global no Rio de Janeiro ou financiar um documentário em uma cidade do Acre.

Sabendo que sua marca vai estar em evi­ dência na apresentação do produto, é evi­ dente que escolherá a primeira, que trará mais visibilidade. Sem contar que muitas das propostas não são gratuitas para o público. Já vi peças financiadas que o in­ gresso custava R$ 300. Então, se a popu­ lação não se beneficia, quem está se bene­ ficiando?”, observa. Para driblar a realidade, Lumi destaca que é necessário buscar formas alternativas de promoção. “Há editais para os mais diversos segmentos que são abertos diariamente. É inviável aceitar que a cultura só aconteça a partir da Rouanet. As cidades, por ex­ emplo, já são incentivadas a criar o Fundo Municipal de Cultura”, diz. Além disso, para ele, a pressão popular e da classe deve ser fortale­cida. “A articulação é lenta e exige a união de todos os segmentos e da so­ ciedade. Somente assim poderemos rever pontos-chave para o fomento da cultura no Brasil”, acredita.

Bohemian Rhapsody – Queen (1975) É tido como o primeiro. A EMI (Electric and Mu­ sical Industries) agendou a ida do Queen ao pro­ grama Top of the pops. Em vez deles, a gravadora mandou o clipe, como estratégia de marketing.

O produtor cultural Rafael Lumi. Crédito: Fabiano Vuelma 12

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música

Luz, câmera... viodeclipe A evolução da música que virou cinema Som, luz e imagem. Junta-se mais al­ guns – ou muitos – efeitos e surge o vide­ oclipe. Desde sua origem, na década de 70, o video­clipe tem sido definido como um gênero genuinamente televisivo. Essa situação, contudo, começou a mudar a par­ tir do ano 2000. Com a vinda da internet, o videoclipe – até então uma simples estra­ tégia de marketing realizada para vender discos – extrapolou seus limites preestabeleci­ dos e se firmou como uma das formas de expressão artística de maior vitalidade em nosso tempo. Desde então, a internet pas­ sou a ser o veículo fundamental para a di­ vulgação dos videoclipes, e essa mudança de circuito tem provocado modificações na produção, na estética e na própria audiên­

Por Renata Chies

cia dos videoclipes.

“Os videoclipes possuem duas vertentes que se sobrepõem: a promocional, que visa a divulgar uma canção e seu artista, e a artística, que serve de espaço de experimentação para realizadores de audiovisuais.” O produtor de vídeos Marcelo dos Santos explica que, hoje, os videoclipes mantêm a mesma função. “Eles possuem, em si, duas vertentes que se sobrepõem: a vertente promocional e a artística. A primeira visa a divulgar uma canção e seu artista, para at­ rair mais compradores para o disco do qual ele faz parte, e a segunda serve de espaço

de experimentação para realizadores de audiovisuais”, esclarece. Conforme Santos, no que diz respeito à estética e à produção, o videoclipe se modifica a cada dia; busca surpreender e proporcionar experiências diferenciadas para quem o assiste. Não restam dúvidas de que a tecnologia evoluiu. O videoclipe, consequentemente, acompanhou essa evolução. Entretanto, ao abusar de alguns recursos, pode-se perder a essência. Resta saber se a publicidade se sobrepõe à arte, ou se a vertente musical, que busca, acima de tudo, inspirar as pes­ soas, ainda é a maior. Se assim for, nada melhor do que juntar som e imagem para inspirar ainda mais os ouvintes e telespec­ tadores com essa música que quis ser cine­ ma. E conseguiu.

Linha do tempo dos viodeclipes inesquecíveis Bohemian Rhapsody – Queen (1975) É tido como o primeiro. A EMI (Electric and Mu­ sical Industries) agendou a ida do Queen ao pro­ grama Top of the pops. Em vez deles, a gravadora mandou o clipe, como estratégia de marketing.

A minha alma – Rappa (2000) Fernando Meirelles antecipa a estética do cin­ ema brasileiro e de Cidade de Deus, com traços de docu­mentário. Muito premiado, a exemplo de ‘Segue o seco’, de Marisa Monte.

América do Sul – Ney Matogrosso (1975) Pioneiro no Brasil. É a primeira experiência fora do padrão do Fantástico, que era um programa de clipes, nos anos 1970 e 1980, com estética de show.

Here it goes again – OK Go (2005) É a primeira experiência com viralização, uma esté­ tica da cultura digital. É a valorização do inusitado, engraçado, humorístico.

Thriller – Michael Jackson (1983) Sintetiza a cultura pop, deliberadamente querendo ser cinema. O estilo narrativo criou uma estética seguida por artistas pop.

Single ladies – Beyoncé (2008) O clipe sem cenário, apenas com coreografia, mostra a incorporação da simplicidade da esté­ tica digital por grandes artistas.

Money for nothing – Dire Straits (1986) Traz a logomarca da MTV. Mescla a banda to­ cando e uma narrativa com animação. O frame do vídeo virou a capa do disco.

Gangnam style – Psy (2012) Recordista do YouTube, chama a atenção pela coreografia e cenário diferentes. Na internet, busca-se o feio, o tosco, o estranho.

Garota de Ipanema – Marina Lima (1990) Abriu a programação da MTV Brasil, em 1990. A MTV queria fugir da estética do Fantástico. É ex­ perimental, com imagens soltas, sem narrativa.

Sugar – Marron 5 (2015) Deu o que falar, e se tornou viral em poucos se­ gundos. Tenta trazer a realdiade e o improviso para algo que seria ensaiado e montado. Sendo armado ou não, o videoclipe emociona e é genial do mesmo jeito. SOARES, Thiago. A estética do videoclupe. Ed. da UFPB, 2014.

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música

A voz da subversão

Fábio Becker e Rhaysa Santos

Palco improvisado, aglomerado de sujeitos vestindo preto, cerveja barata, entrada gratuita­ e riffs pesados ecoando de garagens, praças ou bares. Assim são os festivais organizados na "raça" e que permanecem dando voz e repercutindo os gritos e mensagens de contestação CINEMAignorados pela mídia e pelo grande público. daqueles Teatro de rua

"Quero ver, em cada garagem da peri­ feria, pulsar o ritmo da revolta [...] Que­ remos subverter a ordem burguesa que existe na música e na arte." Os versos da canção Rock de Subúrbio, dos Garotos Podres, deixam clara a mensagem de todos os músicos e produtores que se esforça para manter a "cena viva". Diante de um cenário moldado pela lógica da "indústria cultural", o underground se esquiva dos holo­fotes e – como sempre lhe foi de costume – esguei­ rando pelas sombras se mantém de pé. É comum na história da arte a ruptura dos inconformados com os padrões es­ téticos e culturais. Nas artes plásticas, o dadaísmo e o cubismo importunavam 14

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Crédito: Mateus Frazão

ironicamente os arautos da alta sociedade, que defendiam uma arte limpa e aristocráti­ ca. Nos EUA, o Pós Segunda Guerra Mun­ dial, em meio a uma sociedade na qual os jovens prosperavam com um mercado positivo e progressista, os beats chamavam a juventude para as ruas, que trocava a estabilidade do american way of life, por bebida, poesia e liberdade. O mesmo se passou com o rock, com o hip hop, e com o funk. Mais do que simples expressão do cotidiano, a arte é arma pungente de revo­ lução social. É nisso também que acredita o baixis­ ta da Insulto Verbal, e idealizador do Coletivo Cultural de Artistas Independentes

de Farroupilha (CCAI), Anderson Severo, o "Tchaina", que juntamente com um grupo de bandas e amigos, organiza fes­ tivais e encontros de bandas alternativas na região. Tchaina cita que o underground é fruto da contestação e revolução; é toda expressão que faz da arte uma forma de derrubar mordaças. "Punk, hip hop, rock... tudo nasceu nas periferias e com os excluídos. Até o blues é underground. Numa época em que a música era privilégio bran­ co, vozes negras começaram a tomar rádios e gravadoras. Trata­se de transformação so­ cial pela música", explana.

Em união pela subversão


música Crédito: Mateus Frazão

Teatro de rua

O fato de as rádios não darem espaço ao underground, ao mesmo tempo que dificulta a sobrevivência de bandas alterna­ tivas, mantém a cena livre de lapidações. O espírito punk do make yourself, permanece vivo, como cita o vocalista da Anomalia Social, Gregory Elia Debaco. "Ser independen­ te é a melhor coisa do mundo, porque tu estás fazendo teu material, com tua men­ sagem e identidade, sem passar por nen­ huma forma de censura." Para Debaco, a cadeia produtiva vai além do músico. “Tanto a pessoa que assiste, quanto quem produz, ou o dono do bar que cede espaço, são essenciais para a manutenção das bandas." Nesse cenário, a importância dos coletivos e produtores independentes torna­se clara. O produtor musical Felipe Rech, que está por trás de inú­meros festi­ vais underground, destaca que seu obje­ tivo é ajudar gêneros como punk e metal a serem reconhecidos. Sem fins lucrativos, trabalha para "fortalecer a cena, apoiando e abrindo espaço para novas e velhas ban­ das". Fernando Barboza, baixista da Tormento Alcoólatra e também integrante do CCAI, afirma que os festivais e os coletivos são essenciais para a sobrevivência de ban­ das independentes. "Estes encontros são importantes porque é ali onde as ban­ das vão se mostrar. Mas tem vezes em que esperar um festival não basta, então arre­ gaçamos as mangas e vamos atrás de fazer

os nossos." Já, para Tchaina, os eventos or­ ganizados pelo CCAI são um meio de dar voz e espaço a grupos que se encontram “um degrau abaixo”. "O underground, por ser diferente, acaba sendo discriminado e perde a capacidade de oferecer. No fim, to­ dos saem perdendo: a sociedade, o artista, a arte. E em festivais como esse a ideia é divulgar o trabalho dessas bandas que estão na margem”, explica.

Gritar mais A história mostra que grande parte da arte da subcultura acaba engolida antropofagicamente pelo mercado de consumo, sendo popularizada e, muitas vezes, enfraquecida enquanto protesto. O grito estridente baixa o tom, torna­se har­ monioso e passa a conversar suavemente com as classes médias e altas. Processo semelhante aconteceu com outros movi­ mentos, como o hippie, o rock e o punk, como explica o antropólogo Rafael José dos Santos. “Por razões econômicas e por uma dinâmica política e ideológica, estes produtos revolucionários e alterna­ tivos são lavados, engomados e vendidos limpinhos nas lojas de marcas”, observa. Ainda de acordo com Rafael, em um processo de ressignificação, aquilo que nasce como resposta à arte "nobre", mui­ tas vezes, acaba se tonando adorno da

alta classe. Daí, a proliferação de camise­ tas de bandas, o grafite aparecendo em galerias, o funk como trilha de telenove­ las, entre outros. A mensagem pode se perder, tanto pela ressignificação, fruto da massificação, quanto pela falta de espaço e, conse­ quentemente, de público e demanda. De acordo com Gregory Debaco, para essa equação ser resolvida, é necessário haver a organização por parte dos grupos, e von­ tade por parte do público. "Caxias do Sul é grande, tem muito público, mas é tudo muito maldirecionado. As pessoas têm que ir atrás, ninguém vai te pegar pela mão e dizer 'vem aqui, que tem um negócio que talvez seja legal'. As pessoas devem se inter­ essar mais." Para Tchaina, a popularidade não é sinôni­ mo de enfraquecimento da mensagem. No cenário punk, cita exemplos de bandas como Garotos Podres e Ratos de Porão, que arrastam multidões sem perderem a linha subversiva de suas composições. Opinião semelhante à de Debaco, que acredita que o sonho de todo músico é viver de sua arte. "Há bandas que eram muito boas, fizeram um contrato ruim, se deixaram levar por um produtor e se destruíram, mas têm outras que foram independentes a vida inteira, e não deixaram de ser underground por lotar shows”, explica.

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