EXPRESSÃO
Revista-laboratório do curso de Jornalismo da Universidade de Caxias do Sul- 2017/2
o futuro entre nós Esqueça o neon e as luzes estroboscópicas: o futuro de verdade é bem diferente daquele dos filmes e está mais perto do que você imagina. Acredite: nós já vivemos no futuro
SOBRE HOMENS E MÁQUINAS PG.4
ALIMENTO PARA A SUPERPOPULAÇÃO PG.14
CORTELLA E A ERA DA INFORMAÇÃO PG.22
OS RUMOS DO TRABALHO PG.28
V todos Damos O EDITOR
Algumas músicas marcaram a minha povoaram o imaginário futurista dos que somos responsáveis por onde Rum demquam. Satquit pro vividé fue feremsula no. efac eforis quem infância e, uma das mais bonitas, anos 70?con As mídias digitais seuset eteror vão daruternossas escolhas e atos. São quodi, nes nosularbis Multo vat graremoerae cerfec iam occhicam tum orsus, consulia nosparticipação política, Aquarela, do Toquinho, que falava fenômenos de influência seguirão tempos de tati um notabultum publici emenati mmod pume consu erni conHiconitandem, fors virtus, justamente sobre algo próximo ao nos conduzindo a uma vida de gado? jamais de desistência. A mala cheia blicips, utemque coenderes ameddas Cati am Romne a il vigna, tema desta ediçãonos, da Revista Ex- nuncendam Essas sãociam algumas perguntas que de nonvena, desencantos alerta que é urgente intensimus con Etro coenteati a crit ducivem P. Anductua ocae hae iaedea nos pracerit, pressão: o futuro. Diz a letra que “o a redação se fez - e que oferece aos ajudar a quidefinir os rumos dessa eordiusé audercestrae que ta, que it; nihidiu senitan uncerimis. Catu cum dica futuro uma astronavefuit que tentaleitores, ciente de que se informar é quid rei nave. lin Etripse nostilnão consus, etpensar vid com numinformações, iuspiem ad inesses essedit. O percurso de construção coletimos pilotar nati (...) mmoria nessa estrada não consuressili ciamporum pernit. Do, nocchin videpsenari foruntrorum nos cabe conhecer ou ver o que virá.” mir ideias prontas. va dashorum reportagens e a criação de Mae por lium nonsulto in vati dien tatur. Sitem ilinatu es re con pridii ponfes manti aSerá esse o futuro que se apresenta A proposta na elaboração das layout inspirado no tema - tudo em muntemquam moraeco nsupicam te pes es seninati s a vati ae, vis ad me prature mnihoje? reportagens foi ter presente o viés um semestre, aponta para mais etilicae tintide o iam intiformandos s? Sati, Catus pu-ética, cente, conc adduc re consula iam,atributos qua Laboratório quase em nius, da dentroode umarem postura alguns fundamentais aos blica ti liumedo, es bonum nihiliciem nos, satumDuciamque defex nos eto ex noverum Jornalismo da Universidade de Caxias crítica vital para o aprofundamento jornalistas do futuro: criatividade, conducivius es tomou hili pris? Rum manum porumus con tem nost intuminiciativa, o patil vas do Sul, a revista por Aximuroraris norte os do trabalho jornalístico - e que espírito de equipe e, sem demquam. Satquit pro vivid fue feremquodi, horum ime imovendum nosse fue depsedo, avanços tecnológicos e a velocidade sido o norte na disciplina de Projeto dúvida, uma boa dose do idealismo, nes transformações nosularbis Multo graremoerae tatiExperimental um convem tastrumem consintonia sula no. efacque forisestá et etedas navat sociedade II - Revista, nas origens da profissão e notabultum publici emenati mmod publicips, ror quem utercerfec iam occhicam tum para refletir sobre questões fundacom o que se espera desenvolver pareceorsus, que havia se perdido naquele utemqueaos nos, coenderes nuncendam noseme consu erni conHiconitandem, mentais seres humanos: alimen- intensientre as consulia habilidades competências meu tempo pautado pelo consumus con Etro coenteati a crit ducivem eordius fors virtus, ciam amed Catiam Romne a ilpela vig- exclusão, pela pressa... tação, saúde, trabalho, qualidade fundamentais de nossos futuros mismo, audercestrae fuit que ta, que it; nihilin Etripse na, nonvena, P. Anductua ocae hae iaedea nos das redes sociais de vida nas cidades e comunicação. profissionais. Com o avanço nati mmoria nosti l consus, et vid ressili ciampracerit, quidiu senitan uncerimisedit. Haverá alimentos para a superpoAo ser convidada para redigir esse e seu teorDo, de democratização da porum pernit. nocchin videpsenari foruntrorum horum pulação da Terra? As relações de editorial, me dei conta que estamos informação, felizmente, arrisco dizer Mae por precarizadas lium nonsulto vatidien tatur.mesmo Sitrabalho, nosinúltimos em outros tempos. Já não aos meus alunos que esse futuro já muntemquam moraeco nsupicam te pespodemos eti(sombrios) tempos levarão a que tipo proclamar ingenuamente é passado. licae ti nti o iam inti s? Sati , Catus nius, publica de vida? Os avanços da Medicina nos que o futuro é a nave desgovernada Boa leitura! tiliumedo, esdos bonum nos, conduciaproximarão seresnihiliciem biônicos que que nos leva. Nunca foi tão claro Alessandra Rech vius es hili pris? Aximuroraris horum ime imovendum nosse fue depsedo, convem tastrum Alessandra Rech, editora-chefe
A EQUIPE Editora-chefe: Alessandra Rech Textos: André Felipe Nina Moreira André Sebben Ramos Ângela Zorzi Salvallaggio Danielle Zattera Frizzo Davi Trintinaglia Diélen Fontana Eduardo Borile Júnior Estéfani Alves Felipe Jung Felipe Souza Brambatti Franciane Peracchi Gabriel da Rosa Rodrigues Joeldine Motta de Andrade Juliana Baú Morás Lucas Araldi Lucas Deméda dos Santos Renata Chies Paschoali Tiago Fernando Guerra
Foto (expediente e capa): LucimaraPPezenti ezenti Lucimara
Projeto Gráfico: André Moreira
Reitor: Dr. Evaldo Kuiava Diretor do Centro de Ciências Sociais: Dra. Maria Carolina Gullo Coord. do Jornalismo: Me. Marcelo Bocchese Disciplina: Projeto Experimental II - Revista Docente: Dra. Alessandra Rech
Diagramação: André Moreira, Danielle Frizzo, Renata Chies e Eduardo Borille Júnior Infografista: Joeldine Motta de Andrade Universidade de Caxias do Sul (UCS) Rua Francisco Getúlio Vargas, 1130 Bairro Petrópolis - CEP 95070-560 (Caxias do Sul - RS) Telefone: (54) 3218-2100 - www.ucs.br
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O que vem pela frente...
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HUMANIDADE Próteses retratam a união da tecnologia e a biologia. As medidas salvam vidas e devolvem a liberdade, mas alertam: o que esperar para o futuro da espécie humana? Por André Moreira, Danielle Frizzo, Davi Trintinaglia e Renata Chies
NANONEWS 21Novidades e curiosidades sobre ciência e tecnologia - só no Nanonews, notícias em um nanosegundo
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CIDADES Em Caxias do Sul, o Largo da Estação Férrea é um marco das mudanças urbanísticas e culturais do município, sobrevivendo ao crescimento da cidade
Por Diélen Fontana, Gabriel da Rosa Rodrigues e Felipe Brambatti
PROFESSOR 22 AO Expressão esteve na palestra do filósofo e professor Mário Sérgio Cortella, no UCS Teatro. Confira uma entrevista
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ALIMENTAÇÃO A previsão é de que, em 2050, a população mundial atinja a casa dos 10 bilhões. Como garantir alimento para um número cada vez maior de pessoas? Simples: salvando a terra
TRABALHO As relações de trabalho são tão antigas quanto o próprio mercado. Com o avanço, a forma de se exercer uma função na sociedade mudou drasticamente. Entenda essa trajetória
Por Ângela Salvallaggio, Estéfani Alves e Franciane Peracchi
Por Eduardo Borille Júnior, Lucas Araldi e Lucas Demeda
Desde 25 oCRÔNICAS caldo primordial, o ser humano caminha pela esteira da evolução. Certas vezes, o social parece não acompanhar esse processo
CÂNCER 26 Segunda doença com mais casos de mortalidade no mundo, um terço dos casos de câncer poderia ser evitado. Entenda
INFLUENCIADORES 38 Das 7 bilhões de
pessoas no planeta, 3,2 bilhões já utilizam alguma rede social. Ser conhecido por lá é deter o amor (ou o ódio) dos usuários
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Futuro / SEr HuMANo
A criação do (novo) homem Implantes, próteses e até mesmo gadgets já se tornaram parte essecial dos usuários. Estariam essas pessoas inaugurando um novo patamar do homo sapiens?
O que define o ser humano? O que faz de nós, nós? A ciência e a filosofia correm atrás de respostas para perguntas como essa, enquanto surfam em um tsunami incontrolável de avanço tecnológico. Apesar de ainda não haver respostas concretas, alguns apontamentos podem ser feitos: o corpo, a parte biológica do homo sapiens, não é o que o define como “ser humano”. Se assim fosse, usuários de próteses e implantes artificiais perderiam esse aspecto. Mais de três milênios antes do nascimento de Cristo, surgiam os primeiros relatos do uso de próteses para membros amputados - um poema presente no Rig Veda, livro mais antigo da cultura hindu, já dava conta de uma rainha guerreira que, ferida em combate, teve de substituir uma de suas pernas por uma versão de ferro. Do conto folclórico à tecnologia de ponta que existe nos tempos modernos, muito se evoluiu em termos de tecnologia assistiva (produzida para reparar danos). Nas próximas páginas, você irá conhecer histórias de pessoas que convivem diariamente com membros artificiais - e, mesmo sem querer, avançam a
Standford UniverSity / reprodUção
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nossa espécie para um novo patamar.
A um passo do futuro
O mundo apresentado nos filmes de ficção científica ainda está muito distante da nossa realidade, certo? Errado. Não é preciso ir muito longe para perceber que nem todo corpo humano é totalmente… humano. Na verdade, algumas pessoas precisam justamente de partes não humanas para voltarem a se sentir úteis na sociedade. Este é o caso, por exemplo, das pessoas que perderam um membro do corpo, seja por doença ou acidente. Na clínica de fisioterapia da UCS, um grupo de amputados faz acompanhamento médico, atividades físicas e, além disso, aguarda por uma parte não humana, para que possam se sentir mais humanos. Os integrantes deste grupo, assim como outras pessoas amputadas em todo o mundo, aguardam por uma prótese. Em uma quadra de vôlei - cenário que, a um primeiro pensamento, parece inapropriado para pessoas que não possuem quatro
por André moreirA,
dAnielle Frizzo, dAvi TrinTinAgliA e renATA Chies
membros - é justamente onde o grupo de amputados da UCS pratica suas atividades semanais. A rede de vôlei, no meio da quadra, parece ser um obstáculo maior do que a ausência de um membro. Mesmo que aquele jogo sendo um pouco diferente do tradicional, com jogadores sentados em cadeiras - de rodas e de plástico -, o que menos impede aquelas pessoas de jogarem é a condição na qual se encontram. Pelo contrário: essa condição parece ser o principal incentivo para que a bola do jogo não fique parada. Catiane Dall’Agnol é fisioterapeuta, mas, aparentemente, também pode ser juíza de vôlei quando necessário. Ela trabalha com esta turma há anos, e sabe que a ausência de um membro afeta muito mais o psicológico do que o físico. O recebimento e a
renata ChieS
adaptação da prótese, conforme Catiane, segue este mesmo padrão. “Os pacientes que já superaram a amputação tendem a se adaptar muito mais rápido e melhor ao equipamento”, explica. A fisioterapeuta, enquanto juíza de vôlei, se preocupa muito mais em incentivar e animar os jogadores do que com o descumprimento de regras ou marcação dos pontos. Ela está ciente da dificuldade que seus pacientes têm em aceitar a amputação, e acredita que a prótese pode suprir essa carência. “A prótese é um meio artificial que possibilita a eles fazerem coisas que não conseguiam mais depois de amputados. Ela devolve a eles certa independência”, observa Catiane. Por essa visão, Renato dos Reis Lazaretti voltou a ser independente faz um mês. A prótese da perna esquerda já lhe causou algumas bolhas, mas, mesmo assim, ele garante que, com ela, é bem melhor do que sem. Dos 63 anos que já
As condições adversas não impedem os frequentadores de praticarem esportes
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Futuro / SEr HuMANo
davi trintinaGLia
deram muito apoio e carinho para ele. E sabemos que o Willian retribui isso como motivação extra para nós, que é muito importante”.
De onde vêm as próteses?
Em Caxias do Sul, o Instituto Gaúcho de Órtese e Prótese (Igop) fabrica próteses de braços e pernas para pessoas que sofreram ou nasceram com algum tipo de amputação. A fisioterapeuta Carla Bergozza explica que para cada amputação é um tipo de prótese diferente. Quanto mais alto a pessoa tem a perna amputada, mais diferenciada será a prótese. Carla exemplifica que, se a pessoa tem uma amputação um pouco mais em cima da coxa (transfemural), a prótese dela terá que ter duas articulações. Em relação às próteses de mão disponíveis no Igop, elas funcionam apenas fazendo o movimento de pinça. A fisioterapeuta explica que sensores são colocados nas costas e, por meio do movimento dos músculos, os dedos se movimentam. A modernização é algo que acompanha o desenvolvimento das próteses. Já há mecanismos computadorizados que são capazes de descer escada conforme o movimento do corpo. Entretanto essa tecnologia ainda não é fabricada no Brasil, mas em países europeus como Holanda e Alemanha. Como o Instituto tem apenas um ano, dados concretos de uso não foram revelados, entretanto Carla revela que a maior demanda é pela prótese transtibial (amputação abaixo do joelho). Carla acredita que, em 30 anos, as próteses terão uma grande evolução. “No futuro, chips serão implantados nos cérebros humanos e as próteses terão o comando direto”. Em relação ao homem e à máquina, a fisioterapeuta explica que, como as próteses são exoesqueléticas, ou seja, fora do corpo humano, essa união está longe de acontecer.
Estranho mundo novo
A psicóloga Rélim Hahn acredita que a pós-modernidade está cada vez mais presente, aproximando o homem, cada vez mais racional e tecnológico, da máquina. Rélim cita um trecho do livro de Kelen Almeida Dornelles, que aponta que a sociedade evoluída liberta e aprisiona ao mesmo tempo. Apesar disso, os homens seguem transformando o mundo de qualquer modo, sem saber exatamente o que estão fazendo. É o “estranho mundo novo”
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Aos 19 anos, William teve de amputar o pé devido a um câncer. Apesar da adversidade, manteve-se ativo no CTG
construído na corrida pelo poder, por dinheiro ou simplesmente, por prazer; uma visão de mundo imediatista, calcada em processos pulsionais, que nem sequer admite discutir outra possibilidade de futuro a médio e longo prazos. A psicóloga finaliza destacando que há, inclusive, novas teorias que acreditam que o ser humano é apenas algo transitório e que estamos caminhando para a perfeição e a plenitude, por meio do robô.
O passo do robô
Enquanto você lê esta reportagem, o Núcleo de Pesquisa em Tecnologia Assistida, sediado na UCS Carvi, em Bento Gonçalves, desenvolve aquilo que pode representar um novo passo para a engenharia, a medicina e a relação entre o ser humano e a máquina. Por meio de recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, da sigla anterior Conselho Nacional de Pesquisas), a equipe está produzindo um exoesqueleto para membros inferiores com o intuito de auxiliar pes-
soas com dificuldades de locomoção – o controle do aparelho será feito através do processamento de pulsos elétricos cerebrais do usuário, por eletroencefalografia. Trocando em termos mais simples, o grupo produz um exoesqueleto controlado por pensamento que devolve o andar à pessoas que tenham perdido essa capacidade. O Núcleo é coordenado por Alexandre Mesquita, físico e professor da UCS, e formado ainda por mais dois docentes da casa, Marilda Spíndola e Vagner Grison, auxiliados por uma equipe de bolsistas e voluntários. Ao todo, cerca de oito pessoas estão envolvidas na construção do exoesqueleto. O projeto foi iniciado no fim do ano passado, com a aprovação do CNPq e liberação de, aproximadamente, R$ 80 mil em verbas que englobam despesas com equipamentos, custos operacionais e o pagamentos das bolsas – a história do exoesqueleto, no entanto, é anterior a isso. Em 2013, o grupo de pesquisa em tecnologia assistida recebeu a aprovação do projeto de uma cadeira de rodas
controlada apenas pelo movimento cervical, para pacientes tetraplégicos. A iniciativa ganhou destaque no país, inclusive recebendo prêmios, e permitiu que a equipe se consolidasse como um Núcleo, integrando uma rede nacional. Em 2016, quando o CNPq abriu edital para pesquisas no setor, esse reconhecimento prévio facilitou a entrada da equipe bento-gonçalvense – dos três projetos que enviou para análise, dois foram aprovados. Um deles, o exoesqueleto. Outro projeto, produzido por pesquisadores da UCS em Caxias do Sul, também foi escolhido, tornando o feito um marco para o estudo de tecnologia assistida dentro da universidade. “Conseguimos isso em um cenário político de mudanças e com cortes de verba para pesquisas. Foram poucos editais, com muita concorrência. Acima da UCS no número de aprovações dentro desse edital, apenas a Universidade de São Paulo (USP), com cinco projetos contemplados”, lembra, orgulhoso, Alexandre Mesquita. A ideia do projeto surgiu da união de conhecimentos dos envolvidos, vindos de áreas diferentes. “Quando apareceu a oportunidade, pensei: ‘Por que não tentar essa proposta ousada? Estávamos com os ingredientes nas mãos, bastava juntá-los”, conta Mesquita, que já desenvolvia pesquisas na área de robótica antes da iniciativa; a professora e engenheira eletricista Marilda
Spíndola estudava a eletroencefalografia e o professor e engenheiro mecânico Vagner Grison, a estrutura em fibra de carbono. Conforme esquema ao lado, a sustentação do exoesqueleto é formada por fibra de carbono e aço; dois motores em cada lado do quadril realizam o movimento vertical e horizontal das pernas; um motor em cada joelho permite que o usuário consiga dobrá-lo; e nas costas duas baterias oferecem a eletricidade necessária. Não presente no desenho, mas essencial para o funcionamento do exoesqueleto, a parte elétrica contará com um microprocessador (colocado acima das baterias) que se conecta aos eletrodos, que, por sua vez, avançam até a cabeça do usuário. Esse mecanismo é que permite ao processador receber as informações do cérebro, por meio dos pulsos elétricos emitidos pelas sinapses – os “pensamentos” -, e analisar essas mensagens. “Quando a pessoa pensa, por exemplo, ‘quero andar’, essa ação ativa determinadas partes do cérebro e emite, portanto, determinadas ondas. O microprocessador será programado para reconhecer esse padrão e, quando isso ocorrer, iniciar os mecanismos”, explica Mesquita. Por trabalhar com um processo de redução mecânica, que visa gerar mais força para motores menores em detrimento da velocidade, o tempo estimado entre o pensamento do usuário e
Faith Lennox, na época com 7 anos de idade, recebeu, em 2015, uma prótese para o braço produzida em uma impressora 3D. A tecnologia promete ser o futuro da tecnologia assistiva
a conclusão do movimento desejado é de cinco segundos. A estrutura completa pesará em torno de 14kg e, caso fosse ser produzida do zero e sem apoio, custaria em torno de R$ 11 mil. “A ideia de construir um exoesqueleto foi um ‘chute no escuro’ da minha parte. [...] Ela não deixa de possuir um percentual, mesmo que pouco expressivo, de risco. Está dito no projeto: é uma ideia original nossa e não nos comprometemos em realizar um produto para ir, imediatamente, ao mercado. É uma defesa de conceito. Nossa intenção é fazer o exoesqueleto funcionar, mesmo que da forma mais simples possível”, esclarece o coordenador, que acredita na viabilidade mercadológica do produto. “Com os aperfeiçoamentos necessários, a comercialização do exoesqueleto é viável. Uma vez que o conceito esteja provado, o que vem depois é dimensionamento e ajuste. [...] Levar
Números eficientes Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em 2015, revelam que 6,2% da população brasileira têm algum tipo de deficiência. A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) considerou quatro tipos de deficiências: auditiva, visual, física e intelectual. O estudo mostra também que 1,3% da população têm algum tipo de deficiência física e quase a metade desse total (46,8%) tem grau intenso ou muito intenso de limitações.
daMian dovarGaneS / ap
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Futuro / SEr HuMANo
viveu, há apenas um está sem a perna. “Foi problema de diabete”, justifica o aposentado. Ele conta que bateu o dedo do pé, mas que isso foi só o início. “Eles acharam que era unha encravada. Começaram a mexer, mexer… E não teve mais volta”, recorda. Do seu Renato, primeiro, amputaram o dedo. Depois, foi todo o pé. Mas a dor, segundo esse senhor de cabelos brancos e boné azul, não parava nunca. “Só parou depois que tiraram a perna inteira mesmo. Aí nunca mais doeu”, relata o idoso, temporariamente jogador de vôlei. Do outro lado da quadra, jogando pelo time adversário, está Valdir de Oliveira Ramos, 62 anos. A aparência física é bem diferente da do seu Renato. Parecido só se for no branco do olho - e dos cabelos. A perna do seu Valdir - apesar de também ser a esquerda - foi amputada há um ano por um problema de aneurisma, que não deixou mais o sangue circular no pé. Outra diferença do seu Valdir para o seu Renato é que o mais novo ainda
não recebeu sua prótese. “Da primeira fase eu já passei, que é a mais crítica, né, se ambientar e tudo. Para quem estava acostumado a trabalhar todo dia, ficar só sentado em casa é complicado”, conta o aposentado. Antes de ter a perna amputada, seu Valdir era motorista de ônibus. “Trabalhei nessa profissão por 25 ou 26 anos, nem me lembro mais”, diz. E a intenção dele, com a chegada da prótese, é voltar a exercer essa função. Ao final do jogo, enquanto caminha para fora do ginásio - ainda dependendo das muletas - seu Valdir afirma que o uso da prótese vai mudar - e muito - seu cotidiano. Todavia, ele está consciente de que o equipamento não é a mesma coisa que uma perna. “Igual não vai ser, mas tudo depende de calma e paciência. Talvez eu volte a dirigir primeiro com um carro pequeno. Vamos por etapas, né?”. Seu Renato e seu Valdir são pessoas que, com uma parte artificial, podem - e vão poder - se sentir mais humanos. Próteses futuristas fazem - e vão fazer -
com que eles se sintam mais presentes. Se eles preferiam ainda ter pernas não artificiais? É bem provável. Mas seu Valdir, por exemplo, encara a situação de outra forma. “Olha… Estou trocando uma perna de 62 anos por uma novinha em folha. Acho até que estou fazendo um bom negócio, né?”, brinca.
Dance, William, dance!
Uma oportunidade de melhorar a qualidade de vida e retomar as atividades rotineiras. Assim é possível definir o momento de colocar uma prótese em determinada parte do corpo. Para aqueles que recebem o aparelho em um braço ou perna, é a chance para poder continuar a desempenhar as funções como qualquer pessoa que não enfrentou problemas. O jovem Willian Comunello, com 22 anos, reside em Nova Prata e colocou uma prótese no pé esquerdo. O rapaz tem uma grande paixão pela dança e seu contato iniciou ainda criança. Com nove anos de idade, começou a frequentar o Grupo Cala, que apre-
Na clínica de fisioterapia da Universidade de Caxias do Sul (UCS), amputados realizam acompanhamento médico e atividades físicas
renata ChieS
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roGÉrio MaChado / BLoG
Jackson Follmann, uma inspiração Um outro exemplo de quem conseguiu seguir sua vida é o do goleiro Jackson Follmann, 25 anos. Ele foi um dos seis sobreviventes do grave acidente com o avião da Chapecoense, ocorrido em novembro de 2016 na Colômbia. O acidente teve 71 vítimas fatais e, momentos após, o atleta teve parte da perna direita amputada. Na época, os médicos que cuidaram dos feridos disseram que o atleta reagiu bem à notícia e mostrou estar bem psicologicamente. “Prefiro a vida à perna. Vamos tirar isso de letra”, disse o jogador, de acordo com relato dos médicos. Follmann retornou ao Brasil duas semanas após o acidente e seguiu o tratamento em unidades de saúde de São Paulo e Chapecó. Ele também sofreu lesões na perna esquerda e na coluna cervical, precisando fazer algumas cirurgias.
senta danças folclóricas em festivais e eventos por diversas cidades brasileiras. Na equipe, Willian ficou até os 18 anos, quando começou a sua história em Centros de Tradições Gaúchas (CTGs). Durante um ano, atuou em um grupo da cidade de Nova Araçá e depois foi para o CTG Pousada do Imigrante, em Nova Bassano, onde está atualmente. Em 2014, com 19 anos, Willian descobriu um câncer, uma vez que começou a sentir muita dor no pé esquerdo. Com os exames, percebeu uma mancha no osso e, em seguida, iniciou a quimioterapia em Passo Fundo. Mesmo com as sessões, o tumor estava aumentando, se espalhando por todo o pé e subindo pela perna. Porém, meses depois recebeu a notícia do médico, dizendo que para salvar sua vida e parar de sofrer, era necessário amputar o tornozelo esquerdo. “Quando o médico me falou que tinha que amputar o tornozelo esquerdo, foi um choque para mim. Passou um filme na minha cabeça, foi um momento muito ruim. Pensei em tudo o que eu fazia, como dançar, jogar futebol e tudo o mais, teria que parar de fazer tudo isso”, lembra. Depois da cirurgia e da amputação, Willian recebeu o auxílio de um profissional de fisioterapia. Após três meses do procedimento, ele contou com a ajuda de amigos, que promoveram uma rifa e, com a venda, conseguiram R$ 50 mil. O jovem precisou de mais R$ 21 mil para comprar uma prótese, mesmo que convencional. Mais tarde, Willian conheceu uma repórter do Jornal Pioneiro, de Caxias do Sul, que escreveu a história no
O atleta teve alta hospitalar em 24 de janeiro, quase dois meses após o acidente, e mostrou um exemplo de perseverança, obstinação e simpatia. “Enfim, chegou o grande dia. Mais uma etapa concluída, graças a Deus. Estou muito feliz. Sei do cuidado que todo mundo teve comigo. Então, saio feliz, saio forte, praticamente curado de tudo”, disse Follmann na oportunidade. No dia 6 de fevereiro, com o auxílio de muletas, Follmann caminhou pela primeira vez com uma prótese provisória e se sentiu voltando no tempo. “Foi como uma criança que ganhou um doce, um carinho. Uma coisa tão fácil e se tornou um sonho, disse. O tratamento prosseguiu e os fisioterapeutas se impressionam com a evolução do quadro. Ao mesmo tempo, os especialistas produziram a prótese defini-
periódico e nas redes sociais. Como a notícia se espalhou, acabou chegando ao conhecimento do proprietário da Comforpés, de Sorocaba (SP), uma clínica especializada em próteses ortopédicas. O empresário leu a reportagem e, sensibilizado, resolveu doar uma prótese moderna para Willian, reacendendo a possibilidade de o jovem tentar voltar a dançar. Dessa forma, o rapaz foi para São Paulo colocar a prótese, que é mais leve do que a outra adquirida com o auxílio de amigos. “Quando voltei para casa, tentei voltar a dançar, pois todos queriam me ver de volta aos palcos, mas só dancei um pouco, pois não é fácil. Atualmente, não consigo mais dançar, mas acompanho o grupo da Invernada Adulta sempre em todas as apresentações e ajudo muito no que precisar”, destaca. Willian relata que continua tendo as duas próteses, a mais simples para usar em atividades de recreação, como tomar banho em rios, praia e piscina, e a outra utiliza diariamente. O jovem conta que não consegue voltar a jogar futebol, mas leva uma vida normal, caminha, frequenta academia e anda de bicicleta. “A prótese me ajudou muito na minha vida. Com ela eu consigo fazer praticamente tudo. Uma vida quase normal!”, completa. Por continuar integrado e acompanhando as atividades da Invernada Adulta do CTG Pousada do Imigrante, Willian é um exemplo de como contornar as adversidades. Conforme o patrão da entidade, Agostinho Mario Radin, o jovem mostrou uma superação e em nenhum momento pensou em desistir
tiva, feita de fibra de carbono. A nova tecnologia permite mobilidade no pé, como se ele tivesse um tornozelo mecânico flexível. Atualmente, Follmann segue contribuindo com a Chapecoense e é comentarista esportivo nos canais de televisão por assinatura Fox Sports Brasil.
da dança. “O grupo se inspira muito nele. Mesmo com a dificuldade, é o Willian quem dá ânimo, quem dá força e nunca existem problemas perto dele. É o que mais alegra o grupo, um exemplo de superação para todo mundo”. Radin relatou um emocionante fato ocorrido em 2014, na semana que Willian começou a fazer as sessões de quimioterapia. O grupo participaria da fase inter-regional do Encontro de Artes e Tradição Gaúcha (Enart) na cidade de Ijuí. Em virtude do tratamento, o jovem raspou o cabelo. Todos os colegas, antes da apresentação, como forma de solidariedade, também cortaram o cabelo no número zero e foram dessa forma para o tablado. Como os homens dançam com chapéu, no final da apresentação todos tiraram o chapéu e dedicaram a dança para o colega. “Era um guerreiro do grupo que tinha ficado para trás, hoje está aqui com nós e estamos muito felizes com isso”, concluiu Radin. Já o instrutor de danças da Invernada Adulta, Ricardo Bordignon, contou que, antes da amputação, o jovem levava muito a sério a dança e era um dos destaques durante as apresentações no tablado. A notícia da amputação, contudo, deixou o grupo abatido, mas os colegas tinham um compromisso muito grande em continuar. “O grupo, talvez, tirou forças de tudo que aconteceu com ele para prosseguir e buscar o algo a mais. O Willian, hoje, é um anjo, dança com nós, puxa a gurizada, chama para o ensaio, cobra e é essencial para o grupo. Ele, daqui a pouco, estaria desmotivado, mas é o primeiro a puxar, é o combustível do grupo e os colegas
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Futuro / SEr HuMANo
Baterias
o produto ao mercado é, inclusive, a proposta principal do CNPq”, completou. Mesquita estima cerca de cinco anos para o exoesqueleto estar apto a ser vendido, mas lembra que é preciso, ainda, encontrar um parceiro que aporte a ideia. Ele, inclusive, vê um empecílio nesse processo. “Ainda existe muito preconceito com tecnologia produzida no Brasil. Temos um potencial imenso, falta apenas confiança do mercado”, lamenta. O provável preço final do exoesqueleto também gira em torno dos R$ 11 mil, segundo estimativa do coordenador, tendo em vista que os custos acrescentados seriam, provavelmente, supridos pelas economias de se produzir em larga escala. Até dezembro de 2018, quando se encerra o prazo do edital, Alexandre e seus companheiros estarão imersos em fios, cabos e ferramentas em busca de dar melhor condição de vida para quem precisa. Por enquanto, a ideia é apenas provar que aquilo que eles almejam é possível; no futuro, quem sabe, talvez levar essa tecnologia aos demais. “Por enquanto, sendo bem pragmático, o projeto foca mais na construção da máquina e menos no usuário. Com o exoesqueleto indo ao mercado, a coisa muda de figura: esse aparelho pode ser adaptado para auxiliar na recuperação clínica de pacientes, na construção civil, para erguer objetos pesados, ou até mesmo de forma militar. O que penso para o futuro da máquina, dessa e das demais, é que ela não seja concebida de forma que faça tudo pelo usuário, para que se possa estimular o cérebro e evitar que pessoas comprem o exoesqueleto simplesmente por preguiça de andar, por exemplo”, conclui Mesquita, relembrando a animação distópica da Disney, Wall-E (2008).
Homo machina?
O gênero homo, que inclui o homem moderno (homo sapiens) e outras espécies extintas relacionadas a nós, como o homo erectus e o homo habilis, são diferenciadas por características específicas de cada grupo. O sapiens possui essa nomenclatura devido ao cérebro avantajado (sapien, do latim “sábio”), o erectus por ser a primeira dessas espécies a conseguir ficar em pé de forma ereta e o habilis pela habilidade com as mãos. A espécie a qual todos fazemos parte surgiu na Terra cerca de 200 mil atrás, mas foi “apenas” há 50 mil anos que ela adquiriu comportamento semelhante ao atual. A produção de tecnologia, como objetos simples feitos de paus e pedras, é parte
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Duas, responsáveis por gerar a energia elétrica que liga os motores; acima delas ficará o microprocessador que “lê” as ondas cerebrais do usuário
Motores Quatro na cintura (dois de cada lado) e dois nos joelhos (um em cada). Responsáveis por realizar o movimento das pernas, tanto na vertical, horizontal e circular
Aço Estrutura de sustentação do exoesqueleto
Fibra de carbono Mais leve que o aço, provém firmeza com mais flexibilidade - é extremamente resistente
*A estrutura na figura representa apenas um lado. A parte elétrica do protótipo, como o cabeamento que conecta o aparelho de eletroencefalografia ao restante da máquina, também não está na imagem
andrÉ Moreira
A Meca dos cyborgs Duas vezes por ano, a cidade de Austin, no Texas (EUA), se torna ponto de encontro para artistas, acadêmicos, designers, entusiastas e curiosos em geral sobre um tema ainda pouco debatido na atualidade: o aprimoramento humano. A BodyHacking Convention (ou, para os íntimos, BDYHAX) reúne pessoas interessadas em expandir as fronteiras da humanidade por meio do desenvolvimento do corpo humano a partir da máquina. Da mesma forma que carros passam pelo processo de tuning para melhorar seu desempenho, os frequentadores da BDYHAX almejam realizar atividades semelhantes com o organismo. Imagine um bodybuilder, que aprimora o corpo através do exercício físico - o bodyhacking é ir um passo além. Por lá, a presença de pessoas que implantaram câmeras e sensores no corpo ou substituíram um membro por uma versão robótica melhorada é comum. Figuras como a artista catalã e ativista cyborg (seres parte orgânicos, parte cibernéticos) Moon Ribas, que consegue sentir terremotos em tempo real, em qualquer local do mundo, através de um sensor implantado em seus cotovelos, caminham pelos corredores da BDYHAX. Ao seu lado, é possível encontrar o cineasta canadense Rob “Eyeborg” Spence, conhecido por substituir seu olho de vidro por uma microcâmera - o que lhe permitiu gravar tudo o que enxerga. Os cyborgs são apenas um pedaço da BDYHAX: o evento conta ainda com stands de empresas de biotecnologia, shows de música eletrônica, intervenções artísticas e palestras. A próxima edição da BodyHacking Convention ocorre nos dias 2, 3 e 4 de fevereiro de 2018. O slogan do evento resume bem o seu espírito: “Uma conferência tão única quanto seus participantes”. Alexandre Mesquita é o coordenador do Núcleo de Pesquisa em Tecnologia Assistida, em Bento Gonçalves
importante desse comportamento. De lá pra cá, evoluímos e ela evoluiu junto. Hoje, estamos cercados de objetos que, cada vez mais, interferem profundamente na dinâmica da espécie; as próteses e os implantes talvez sejam o maior exemplo disso, modificando a biologia a partir da tecnologia. Pare o que está fazendo nesse momento e olhe ao seu redor: quantas dessas máquinas você poderia viver sem? O que é, verdadeiramente, mais importante para você: um rim ou o celular? Você abdicaria da sua perna atual, por exemplo, por uma prótese que lhe permitisse correr sem cansar? Cada vez mais, a tecnologia avança rumo a uma integração completa com a nossa espécie e isso nos distancia do que éramos quando surgimos no planeta. No futuro, a nomenclatura atual pode soar inadequada e avançaríamos para um próximo estágio da evolução humana – homo sapiens machina, talvez? Essa convergência pode soar assustadora e negativa, mas para o filósofo e entusiasta de inteligência artificial Itamar
Soares Veiga, valorar esse processo com conceitos de “bom” e “mal” é algo irrelevante. “Parece que nós, humanos, estamos inscritos num processo, em que uma face dele é o desenvolvimento tecnológico, e nós não temos muitas possibilidades de pará-lo ou decidir como ele vai ser feito. Criamos algo maior do que nós e estamos, aos poucos, perdendo o controle disso. Dessa forma, pouco importa julgar esse processo como positivo ou negativo”, avalia. Atualmente, implantes e próteses são utilizados, exclusivamente, para restaurar capacidades perdidas do paciente. No entanto, a tecnologia existe e, seguindo a lógica desse processo irrefreável de aprimoramento, a tendência é que, no futuro, os implantes passem a ser utilizados também para o melhoramento humano – substituir nossos membros e órgãos por versões mecânicas de melhor desempenho, ou até mesmo com mais funções. O livro “Homo Deus – Uma breve
história do amanhã” (2015), do historiador israelense Yuval Noah Harari, conta a história de um hipotético futuro distópico da humanidade onde as pessoas de maior poder aquisitivo passaram por processos de melhoramento semelhantes aos citados acima. No universo da obra, essas pessoas formaram uma casta de seres físico e mentalmente superiores e subjugaram os mais pobres, incapazes de passar pelas mesmas cirurgias. A espécie, no livro de Harari, dividiu-se em duas: quem pode e quem não pode comprar as tais melhorias. “Caminhamos para algo semelhante se for provado que nós, realmente, não temos controle sobre tudo. Se ainda tivermos algum domínio sobre esse processo, há a chance de evoluirmos de uma forma que não culmine no fim da espécie. Eu creio que tenhamos pouco controle sobre isso: os processos civilizacionais que nos cercam parecem cada vez mais informatizados e menos humanos”, destaca o filósofo.
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FUTURO / URBANO
Um local pensado para o Desde 2008, o Largo da Estação Férrea vem passando por grandes mudanças urbanísticas que transformaram não só a região, mas também a cultura e o turismo no município
Cidades que fecham ruas priorizando o pedestre ou então revitalizam espaços ociosos, transformando-os em local de encontro, integração e convivência entre toda a comunidade. Para alguns isso parece utopia, para outros é o sonho de uma geração, e para muitos outros, principalmente àqueles que se permitirem olhar melhor o lugar onde vivem, pode ser até mesmo uma realidade. Em Barcelona, na Espanha, o Plano de Mobilidade Urbana de 2013 já trazia essa ideia, mas a sua execução efetiva só ocorreu em setembro de 2016. No município catalão esses espaços são chamados de superquadras, espaços onde os carros têm acesso restrito e velocidade controlada e, em contrapartida, o tráfego de pedestres e ciclistas é
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livre durante todo o dia. As superquadras de Barcelona recuperaram o espaço público a favor das pessoas, transformando ruas antes perigosas em espaços seguros de convivência. Mudanças culturais como essas melhoram a qualidade de vida, incentivam a relação entre os moradores locais com o ambiente que os cercam, preservam a natureza e valorizam o espaço urbano. Em Caxias do Sul, um exemplo prático dessas mudanças culturais e urbanísticas é o Largo da Estação Férrea, no Bairro São Pelegrino. Desde a vinda da Secretaria Municipal da Cultura para o antigo prédio da Via Férrea em 2008, o espaço vem passando por grandes mudanças urbanísticas que transformaram não só a região, mas também a cultura
POR DIÉLEN FONTANA, GABRIEL DA ROSA RODRIGUES E FELIPE BRAMBATTI
e o turismo no município. A primeira mudança foi a revitalização do próprio prédio da Estação, seguido da Casa das Máquinas, e do espaço hoje ocupado pela Biblioteca Parque Largo da Estação. Após, o entorno começou a se transformar, chegando ao estágio atual que consolida o Largo da Estação como o principal ponto de bares e festas da cidade. Uma combinação que só é possível com a parceria entre o poder público e privado, mas também pela utilização que a sociedade faz desse espaço. As duas mudanças mais recentes são a Praça do Trem, inaugurada em julho de 2015, e a Praça das Feiras, inaugurada em julho de 2016. Com o intuito de preservar e manter esse patrimônio, o município conta
Largo da Estação é exemplo prático das mudanças culturais e urbanísticas em Caxias do Sul
CIDADÃO FOTOS GABRIEL DA ROSA RODRIGUES
com a Associação Amigos do Largo da Estação (AALE). Ela tem por finalidade apoiar as atividades sociais, culturais, turísticas e esportivas em todo Largo da Estação. Além disso, busca cada vez mais incentivar o uso do local pela comunidade. Na opinião de Alexandre Fasoli, membro da Associação, a vinda de muitos empreendimentos e empresários tornou o local atrativo para o público e também para os turistas, que podem aproveitar lazer e gastronomia em um só local. Quanto ao futuro do Largo da Estação Férrea, Alexandre acredita que o lugar ainda passará por muitas revitalizações. “É tendência que o espaço vá modernizando com o passar dos anos”, alega. Fasoli salienta que é fundamental que a comunidade esteja atenta a todas
as informações do que acontece nos espaços públicos do município. “As pessoas precisam acompanhar o trabalho dos vereadores na Câmara Municipal e da Prefeitura”, reitera. Uma das grandes atrações do Largo da Estação Férrea é o Mississippi Delta Blues Bar. Desde 2006, quando foi inaugurado, o local costuma receber um bom público. Além disso, todos os anos, o Largo da Estação Férrea é o anfitrião do Mississippi Delta Blues Festival. Toyo Bagoso, dono do local e idealizador do Festival, salienta que não imagina o evento sendo realizado em outro lugar que não a Estação Férrea. No entanto, de acordo com ele, por ser um dos locais mais badalados da cidade, alguns problemas fazem parte do pacote, como baderna, insegurança
e o acúmulo de lixo. Segundo Toyo, é fundamental que haja fiscalização e um acompanhamento por parte da Guarda Municipal, além de blitzes em pontos estratégicos “para que esse tipo de situação não afaste as pessoas de bem”. Hoje uma das apostas da atual administração da Prefeitura tem sido o Domingo na Estação. A iniciativa abriu o calendário cultural do município em 2017. Segundo a secretária da Cultura de Caxias do Sul, Adriana Antunes, o propósito é realizar ações a cada dois ou três meses. “ O objetivo é criar uma identificação da população com a área, promovendo a ocupação desse espaço público e oferecendo opções de lazer e cultura. Futuramente, devem ocorrer atividades similares também em outros espaços”, explica.
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FUTURO / ALIMENTAÇÃO
Cooperação para não faltar
Salvar a terra do desgaste e envenenamento é vital para garantir o sustento de uma população mundial que chegará aos 10 bilhões em 2050
por Ângela Salvallaggio, eStéfani
alveS, franciane Peracchi.
Aproximadamente 800 milhões de pessoas passam fome no mundo, segundo o relatório O Estado da Insegurança Alimentar no Mundo, de 2015, elaborado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Ainda de acordo com o órgão, a agricultura é o principal fator de desmatamento mundial, dado apontado no estudo O Estado das Florestas do Mundo, divulgado em 2016. Nos países tropicais, sete milhões de hectares foram desmatados entre 2000 e 2010, sendo que a superfície agrícola aumentou para
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seis milhões de hectares no mesmo período. Nas regiões tropicais e subtropicais do planeta, a agricultura comercial em grande escala foi responsável por 40% das derrubadas de árvores. A estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU) para a população mundial em 2050 é de quase 10 bilhões de habitantes (30% a mais do que na atualidade). O que pode ser feito para levar comida às mesas das pessoas sem destruir a natureza? Para a bióloga Valdirene Camatti Sartori, coordenadora do Núcleo de Inovação e Desenvolvimento Agricultura Sustentável da Universidade de Caxias do Sul, o incentivo à agricultura familiar e
orgânica talvez seja uma das respostas. A opinião de Valdirene sobre a importância dos agricultores familiares para a segurança alimentar é corroborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que afirma ser esse tipo de produção a encarregada por 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros. O grupo coordenado pela bióloga aposta também na aliança da agricultura familiar com o cultivo orgânico. “Boa parte dos solos agricultáveis já está ficando desgastada, são solos mal manejados”. Na busca por soluções para recuperação de terrenos degradados, o Núcleo trabalha com dez
agricultores residentes na bacia de captação do Faxinal, em Caxias do Sul, em parceria com a Secretaria de Agricultura do município e a EMATER/ASCAR. Entre as propostas, a coordenadora destaca a adubação verde através da semeadura e conservação de plantas de cobertura e a utilização de insumos permitidos na agricultura orgânica. Inclusive, ela ressalta que o “carro-chefe” do laboratório do núcleo é a fabricação de produtos alternativos para o controle de doenças e insetos. “Nós avaliamos mais de 100 espécies botânicas, com as quais fazemos fermentados com água e verificamos o quanto esse fermentado inibe
franciane Peracchi
O casal Plácido e Maria Mazzarollo aposta na diversificação da produção para garantir solo fértil e segurança financeira e alimentar, após ter enfrentado um câncer o desenvolvimento de fungos fitopatogênicos (microorganismos causadores de doenças em plantas)”, explica. Os experimentos do grupo vão ao encontro das recomendações de relatores especiais das Nações Unidas para suspender a aplicação de pesticidas devido aos indícios dessas substâncias como causadores de câncer, tanto para os consumidores como para produtores. Também contra os agroquímicos, cientistas tentam resgatar espécies perdidas ao longo dos anos, criar novas por meio do processo de hibridização ou aperfeiçoar geneticamente a própria semente. “A pesquisa nesse sentido é importante para buscar plantas mais
resistentes”, acredita a bióloga. Já a transgenia não desperta a mesma convicção. “Temos muitas dúvidas com relação aos transgênicos. Temos medo”, afirma Valdirene. O receio da bióloga também se apresenta quando o assunto é o perfil de alimentação de grande parcela da população, que abusa das comidas com excesso de sal e açúcar. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde realizada pelo IBGE em 2013 e divulgada em 2015, 56,9% dos brasileiros adultos estavam acima do peso ideal. “Consumimos muita farinha branca, rica em glúten. Praticamente não fazemos exercícios físicos e não tomamos sol. Tudo isso causa
inflamações e adoecemos cada vez mais cedo”, diz Valdirene.
SEM DESPERDÍCIO
Enquanto alguns comem muito, outros não têm acesso a um mínimo necessário de nutrientes para sobreviver. Entre os dois limites, há o desperdício e perda de mais de um bilhão de toneladas de alimentos por ano no mundo, conforme dados da FAO de 2016. Na América Latina e Caribe, 28% são perdidos ainda na etapa de produção, e outros 28% são jogados no lixo na fase de consumo. A campanha “#SemDesperdício”, lançada pela FAO em conjunto com a WWF-Brasil e a Embrapa em novembro
do último ano, alerta que esse número resulta em consequências econômicas, sociais e ambientais. O Banco de Alimentos de Caxias do Sul trabalha para diminuir esse montante e levar comida às mesas dos mais carentes. O programa municipal atende 109 entidades da cidade e distribui cerca de 6 mil refeições e 7 mil lanches diariamente. Para conseguir toda essa comida, o Banco promove diversas ações, como o Sábado Solidário. A assistente social Luana Mugnaga explica que em todos os segundos sábados de cada mês, 41 mercados recebem 120 voluntários para o recolhimento de produtos não perecíveis. Em média, são
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FUTURO / ALIMENTAÇÃO
doados 7 mil quilos por mês, entregues ao final do período. Os alimentos perecíveis são adquiridos com recursos do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), criado pelo governo federal em 2003. São 500 pequenos agricultores caxienses que entregam semanalmente frutas, verduras e hortaliças. Outra atividade é o Recanto Solidário, que evita o desperdício de hortifrutigranjeiros não aprovados para comercialização. No espaço localizado dentro do Ceasa Serra, onde também se encontra a sede do programa, são angariados 10 mil quilos mensalmente. A assistente destaca o auxílio recebido de agricultores do município e da região, que oferecem a produção excedente ou aqueles itens que não são comprados para venda nos mercados. O Banco ainda aceita doações individuais. “As pessoas físicas que quiserem doar alimentos podem entregar pra gente ou ligar pra irmos buscar”, diz Luana. O telefone do órgão é o (54) 3211-5943.
SENTIR PARA CRER O desenho da caveira é sinal de risco de morte. Mas há cerca de 30 anos, o inseticida Folidol não apresentava na embalagem o perigo que trazia a sua utilização. Sendo assim, o agricultor Plácido Mazzarollo, agora com 66 anos, não via necessidade em vestir qualquer tipo de proteção quando pulverizava o agroquímico na sua plantação de pêssegos. Até que dores fortes de cabeça, vômitos e uma internação de três dias no hospital fizeram o produtor de Veranópolis, na Serra gaúcha, mudar completamente a sua opinião. O diagnóstico era de intoxicação pelo veneno que era destinado apenas aos
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insetos.
Seis anos foram dedicados à desintoxicação do agricultor. O susto o levou a abandonar a agricultura convencional e buscar informações sobre os orgânicos. Então, há 23 anos, um curso sobre produção orgânica ministrado pelos técnicos do Centro Ecológico de Ipê foi o início da descontaminação das terras de Mazzarollo. Assessorado pela ONG, o agricultor diversificou a plantação, espalhada em quatro hectares, e foi um dos primeiros comerciantes da Feira Ecológica de Veranópolis. Nesta feira, outros quatro produtores se juntam a Mazzarollo para formar um grupo de parceria e fiscalização interna. Além da vistoria organizada entre os próprios membros duas vezes por ano, há a inspeção externa do Centro Ecológico de Ipê e da Rede Ecovida, aos quais são cadastrados. O agricultor afirma que a produção orgânica necessita de mais atenção por estar mais suscetível a pragas e doenças, mas é enfático ao dizer que “vale a pena pela nossa saúde e a do consumidor. É o paraíso”. E ainda faz uma previsão preocupante. “A contaminação do solo e da água vai ser o problema do futuro”.
Art. 25º da Declaração Universal dos Direitos Humanos: Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários.
Conceito: A Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) compreende “a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis (Art. 3º da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional – LOSAN)”. O que é adubação verde? A adubação verde é caracterizada pelo cultivo de plantas com elevado potencial de produção de biomassa vegetal, que é o resultado da decomposição de resíduos orgânicos. De acordo com o livro "Tecnologias para o fortalecimento da agricultura familiar na Serra Gaúcha", a prática impede a germinação de espécies invasoras, mantém a umidade da terra e ativa a vida do solo, contribuindo para a nutrição das culturas agrícolas. deSigned BY veXelS
RESTRIÇÃO, SÓ COM DIAGNÓSTICO Intolerância alimentar: mito, modismo ou doença? A pergunta tem se tornado cada vez mais comum nos últimos anos pelo grande número de casos que se teve notícia. Mas você sabe o que de fato é, por exemplo, intolerância à lactose ou ao glúten? Sabe a diferença entre alergia alimentar e intolerância? De acordo com a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), alergia é uma reação adversa a determinado alimento, envolvendo o sistema imunológico, com sintomas que podem aparecer na pele, no aparelho gastrointestinal e respiratório. As reações alérgicas também podem variar entre leves, com apenas coceiras, ou até mesmo graves, com complicações que
podem afetar vários órgãos. Já, ainda conforme a Asbai, a intolerância à lactose, por exemplo, é ocasionada pela falta da enzima lactase no intestino, o que faz com que o organismo não consiga digeri-la, ocasionando uma desordem intestinal, que pode provocar dores abdominais e diarreia, portanto, sintomas internos, diferentemente da alergia que afeta também a parte externa do corpo. Ultimamente tem-se ouvido falar muito em intolerância alimentar, principalmente em redes sociais e blogs. Porém, o distúrbio vem sendo usado como fórmula de emagrecimento, o que conforme Carin Gallon, coordenadora do curso de Nutrição da Universidade de Caxias do Sul (UCS), não tem comprovação. “As pessoas associam a perda de peso com a exclusão dos laticínios e farináceos da dieta. Mas não
há evidência científica que comprove o benefício”, explica a nutricionista. Inclusive, é bem pelo contrário. As Sociedades Brasileiras de Diabetes e Obesidade têm feito estudos que comprovam que a pessoa que acaba excluindo por completo o glúten desnecessariamente da dieta tem um risco maior de se tornar um paciente com diabetes tipo dois no futuro. Carin ressalta que não há benefícios na prática. Tanto intolerâncias como alergias devem ser encaradas como problemas sérios, doenças que precisam de tratamento e não entendidas como fórmulas mágicas de beleza. Porém, ainda conforme a coordenadora de Nutrição da UCS, a grande maioria que se diz intolerante alimentar não possui de fato diagnóstico médico. “Muitas pessoas que relatam ter intolerância ou alergia não têm exatamente
um diagnóstico. Por exemplo, para afirmar com 100% de certeza que é alérgico ao glúten e não pode consumir o alimento, precisa fazer uma biópsia no intestino. Exame que geralmente não fazem”, conta Carin. Ainda segundo a nutricionista, toda dieta restritiva causa algum problema no organismo, fato que chama atenção. Se agora a moda é não ingerir lactose, glúten e demais alimentos calóricos, no futuro a intolerância será causada então por alimentos como a tapioca, a proteína e as oleaginosas, afinal todo tipo de alimento em excesso acaba causando algum mal ao corpo. Mas não são apenas os hábitos alimentares que podem ocasionar intolerância ou alergia alimentar. Atualmente, o distúrbio também está associado à modificação genética dos alimentos. A coordenadora também Joeldine de andrade
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FUTURO / ALIMENTAÇÃO
ressalta que hoje em dia há um maior número de pessoas que se dizem intolerantes, pois com as mudanças tecnológicas o diagnóstico da doença se tornou mais simples. Mas esse não é o caso da professora de educação infantil Eliane Von Muller. Por anos ela sentiu dores abdominais, procurou por especialistas e não descobria as causas do incômodo. “Por muito tempo senti uma dor muito forte na barriga, como se fosse uma cólica menstrual, além de gases e dor nas costas. Fui em vários médicos e fiz diversos tratamentos contra infecções, cistites e até mesmo endometriose, mas a dor não passava”, conta a professora. Depois de vários exames ela foi diagnosticada como intolerante à lactose e, com isso, sua rotina foi modificada por completo. No início, Eliane teve muita dificuldade para encontrar alimentos free. “Há três anos, quando descobri que tinha a doença, foi bem frustrante, porque quando eu chegava em mercados e lojas e solicitava produtos sem lactose, as pessoas me olhavam com cara feia, me sentia uma a pessoa chata”, diz a professora. Depois de um tempo as coisas foram mudando e agora o que mais se vê são alimentos desse tipo. Questionada sobre a alimentação dos filhos, Eliane ressalta que não priva as crianças de ingerirem produtos que contenham tanto leite quanto farinha, mas que tenta proporcionar uma alimentação saudável a eles. A professora conta também que está sempre em alerta para possíveis sintomas do distúrbio. E é exatamente essa a recomendação da nutricionista Carin Gallon. “Uma pessoa que não possui nenhum tipo de intolerância ou alergia não deve retirar o alimento de sua dieta, pois dessa forma pode acabar
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desenvolvendo a doença”, explica.
DE 1920 AO FUTURO: HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO A alimentação é um assunto recorrente entre áreas de pesquisa que se preocupam com o futuro da população e, por isso, há dúvidas quanto à qualidade e os tipos de alimentos que estarão na mesa das pessoas daqui a alguns anos. Para se ter uma base e entender como poderá ser tratada essa questão no futuro, é necessário retornar alguns anos e conhecer um pouco da história dos alimentos e sua trajetória. A partir da Segunda Revolução Industrial, entre os anos 1840 e 1870,
na Europa, a alimentação sofreu mudanças, pois onde antes eram consumidos apenas alimentos naturais, se deu lugar aos alimentos industrializados. Apesar de os mesmos se manterem consumíveis por mais tempo, isso não significou que tivessem melhor qualidade ou fossem mais saudáveis. Já, no Brasil, esse cenário começou a mudar a partir da Segunda Guerra Mundial, quando houve um crescimento econômico e o país começou a importar menos produtos e produzir mais internamente, o que proporcionou o desenvolvimento industrial. Mas isso ocorreu apenas em alguns estados brasileiros como Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Nos demais
estados, a agricultura ainda era o principal meio de produção de alimentos e renda para as famílias. Quanto ao histórico dos alimentos nos anos 1920, nas principais cidades do país, a culinária portuguesa era referência, porém foram as culturas indígena e africana que deram identidade aos pratos. Os alimentos populares mais utilizados eram o arroz, o feijão, o ovo e os legumes. A carne bovina era consumida uma vez por semana pela maioria das famílias. A partir dos anos 1930 até início dos anos 1960, com o aumento das fábricas e da mão de obra nacional, os trabalhadores quase não tinham tempo de irem para casa fazer as refeições e foi aí
reProdução
que surgiram os restaurantes e botecos que passaram a servir comidas caseiras em torno das fábricas. Também, por esse mesmo motivo, os cardápios tiveram influência francesa, por servirem à la carte e bufê para as pessoas. Foi neste mesmo período que surgiram os pratos do dia e pratos executivos, que vinham com carne bovina ou feijoada. O aposentado Abrelino da Silva, 72 anos, morador do interior do Rio Grande do Sul, município de São Francisco de Paula, lembra de como eram feitas as refeições em casa, na época em que ainda morava com seus pais: “A gente comia o que produzia. Muito milho e os derivados, legumes e verduras, ovos, carne de porco e carne de galinha. Carne bovina era muito difícil.
Arroz e feijão eram caros nos mercadinhos, então a gente comia o que tinha menor custo”, relata. Foi a partir dos anos 1960, que o Brasil vivenciou uma revolução alimentar: os industrializados tomaram conta das prateleiras dos mercados, por serem baratos e de consumo rápido. O açúcar estava presente cada vez mais, bem como produtos químicos utilizados para melhor conservação, por conta do aumento dos produtos importados. Conforme a cozinheira Maria Boff, 44 anos, o que se comia em sua adolescência, entre os anos 1980 e 1990, era bem diferente de anos anteriores. “A gente comia lanches rápidos como cachorro-quente, pastel
frito, xis burguer. Ao invés de tomar água, passamos a tomar refrigerante e no dia a dia ainda comíamos o básico como arroz e feijão, massa, legumes, ovos, porém era tudo comprado em mercado e não mais produzido em casa. Passamos a comer em restaurantes e lancherias, hábitos que não se tinha na época dos meus pais”, explica. Ainda nos anos 1990 começou a preocupação com a alimentação saudável e com a boa forma física e foi então que houve o boom dos alimentos diets, mais indicados para diabéticos, e os lights, que apresentavam menos calorias sem prejuízo do sabor. Já com a entrada dos anos 2000, apesar do alto consumo de alimentos industrializados, por conta dos dias mais corridos da maioria da população, a preocupação com a saúde relacionada à alimentação aumentou. Para combater doenças, novas funções dos nutrientes foram descobertas, além de substâncias que podiam tanto alterar como melhorar o metabolismo humano. Então houve outra revolução no mundo alimentar: a busca por hábitos saudáveis, alimentos orgânicos e a prática de exercícios físicos para o bemestar das pessoas. Atualmente, crianças e jovens sao influenciados diariamente pelos hábitos de seus pais, saudáveis ou não. A estudante do Ensino Fundamental, Helena Azevedo, 10 anos, é o exemplo disso. “Eu não tomo refrigerante, também não como salgadinho ou bolacha recheada. Tenho alguns colegas que comem, mas eu ainda prefiro granola com iogurte”, conta a menina. Esses hábitos não vieram sozinhos, desde cedo a mãe de Helena incentivou-a. “Eu tenho intolerância à lactose e fui descobrir depois de muitos anos, já adulta. E como tive que mudar muitos hábitos, acabei, sem querer,
influenciando minha filha. Apesar disso, nunca proíbo ela de comer, mas, por exemplo, desde muito pequena, quando as pessoas ofereciam refrigerante ou algo assim, ela mesma preferia tomar água”, diz Vera Azevedo, 39 anos.
SABOR X NECESSIDADE
Com tantas mudanças, em apenas 100 anos, muitos se perguntam como poderão ser os alimentos. Para o doutor em Comunicação Social e vegano, Fernando Antunes, é muito difícil fazer uma previsão de como será a nossa alimentação daqui a alguns anos. “A gente criou muita coisa inútil na verdade, muito focada no paladar, no gostoso, na distração degustativa e nos preocupamos muito pouco com a saúde. Certo dia fui numa palestra de um nutricionista e ela disse assim: o homem é o único ser que não sabe qual é seu alimento natural, por exemplo os macacos sabem o que eles têm que comer instintivamente, os elefantes sabem, as vacas também, nós somos os únicos seres no planeta que nascem sem saber do que a gente se alimenta”, comenta. Para Antunes, a tendência é uma melhora na alimentação. “Eu acho que existe uma tendência de resgatarmos uma alimentação mais consciente do que nós somos enquanto espécie, do que nós queremos para o futuro. Então, eu vejo que não deixaremos de ter alimentos industrializados, mas eu acho que alguns cuidados vão ser tomados em relação a isso. Acho que vai ter uma grande diminuição dos alimentos que utilizam produtos de origem animal na sua composição. Uma questão de consciência empática mesmo. Acho que isso vai acontecer, mas em um futuro meio distante de agora. Os movimentos que se iniciam hoje mostram essa tendência”, explica.
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O ALIMENTO NO FUTURO: ORGÂNICO OU CONVENCIONAL? TIAGO GUERRA
Presidente da Cooperativa Vitivinícola AlfredoChavense A alimentação, além de algo de necessidade básica da humanidade, é um assunto que envolve muitas polêmicas no que diz respeito à qualidade dos alimentos. Neste sentido, há quem defenda que todos os produtos industrializados devem ser evitados, e mais que isso, que o caminho para a alimentação humana passa pelos produtos orgânicos. Que o consumo de orgânicos é altamente benéfico à saúde, não se tem nenhuma dúvida. Evitar produtos com agrotóxicos e produtos químicos, além de saudável ao consumidor, também é para quem o produz. Mas afinal de contas, se o orgânico tem tantos benefícios, por que a sua difusão ainda é tão inexpressiva em comparação com a 20
produção tradicional? Na produção convencional, são utilizados adubos químicos, agrotóxicos e demais produtos que agridem o meio ambiente. Em contrapartida, a necessidade de se produzir alimentos para a população mundial é cada vez maior, devido ao aumento populacional em todo o planeta. A produção orgânica será capaz de suprir a demanda mundial de alimentos? Um dos maiores problemas do cultivo orgânico é a dificuldade de se produzir em grande escala. Em um levantamento feito na cidade de Cotiporã, na Serra Gaúcha, aonde alguns produtores vêm tentando fortalecer o cultivo, a proporção em um mesmo espaço de terra é de aproximadamente um para quatro. Ou seja, a cada quilo de produto orgânico cultivado em uma determinada área,
podem ser obtidos quatro quilos de produtos convencionais. Outro dado bastante significativo é em relação ao preço do produto. Com as dificuldades de cultivo, os volumes bastante inferiores por área, e obviamente, os benefícios do produto, é agregado valor, elevando o preço dos alimentos. Novamente, esbarra-se em mais um elemento que atrapalha o avanço do consumo em grande escala. Em direção a essas novas necessidades, uma nova indústria surge. Espalhadas pelo mundo, as chamadas Fazendas de LED High Tech sugerem uma solução. Este método consiste basicamente em uma espécie de “estufa gigante”, onde são cultivados alimentos na água e sob iluminação artificial, com lâmpadas de LED, sem necessitar de químicos. Protegidas de
influências externas, as plantas necessitam de pouquíssimos tratamentos e são capazes de produzir toneladas de alimentos em espaços relativamente pequenos. As lâmpadas de LED fazem o papel do Sol, e a água substitui o solo. Com alta tecnologia, o futuro da alimentação parece promissor.
NanoNewS Notícias em um nanosegundo
Câmera sem lentes Um estudo sobre câmeras de celular que podem ser feitas sem lentes foi publicado por pesquisadores da Caltech. As novas câmeras são feitas com circuitos que podem replicar a mesma capacidade de identificação de luz dos sensores tradicionais, mas sem precisar de lentes. Essas câmeras têm uma grande quantidade de receptores de luz, sendo cada um deles capaz de provocar um “atraso” de proporções infinitesimais na luz que recebem. Isso é o equivalente a cerca de um quatrilhonésimo de segundo (ou seja, muita velocidade).
Por que assistir Black Mirror? A série retrata a inquietação coletiva em relação ao mundo moderno. Com muito suspense, genialidade e inovação, cada história explora temas relacionados à paranóia tecnológica contemporânea. Em Black Mirror, a tecnologia transformou todos os aspectos da vida, as casas, os escritórios e até mesmo o corpo das pessoas que agora têm a suas mãos uma tela de plasma, um monitor, um smartphone - um espelho negro refletindo a existência do século 21. Não deixe de assistir essa série divida em três temporadas, com 13 episódios ao todo. Os capítulos não são interligados e não obedecem a uma ordem de temas, tendo apenas o tempo futuro como referência principal, cada qual proporcionando uma experiência surreal quando se trata de hipertecnologia.
RepRodução
Eu, robô? Pesquisadores da Universidade de Castilla-La Mancha, na Espanha, desenvolveram uma boneca inteligente capaz de reconhecer até oito emoções diferentes e agir de acordo com o que a criança está sentindo. O brinquedo consegue identificar o humor do usuário por meio de um sistema de visão computacional que conta com uma câmera e uma bateria. A boneca processa as imagens para reconhecer a expressão facial da criança, ativando determinado tipo de reação correspondente a ela.
Pode repetir?
RepRodução
Um estudo realizado recentemente pela empresa Mary Meeker garante que o reconhecimento de voz do Google já é tão bom quanto o ouvido humano. A pesquisa mediu a taxa de acertos da tecnologia e os resultados revelaram uma taxa de precisão de 95%. Segundo a pesquisa, os algoritmos utilizados melhoraram a precisão da tecnologia em quase 20% desde 2013.
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O PROFESSOR Uma voz ecoa solitária em um teatro com quase 700 pessoas. No centro do palco, nenhuma celebridade artística, e sim, um sexagenário. Apenas uma cadeira, uma mesa e um copo d’água fazem concorrência à sua imagem. Ao contrário do que se possa imaginar, ele não se mostra autoritário, tampouco mal-humorado. A sua oratória, naturalmente, atrai respeito e admiração. O porte não é atlético. Provavelmente, a única característica física que esteja “na moda” seja a barba grisalha. Aliás, sobre moda, o que parece não ter saído dela é o tema da fala dele, que aos poucos justifica o silêncio atento do recinto. Sem utilizar nenhum recurso visual, por quase duas horas ininterruptas, ele reflete sobre Educação e gestão do conhecimento: um desafio urgente. Nas provocações filosóficas, gentilmente, provoca risadas sem querer ser engraçado ou tampouco contar piadas. No passo lento, de um lado para o outro, praticamente hipnotiza os ouvintes, que não arredam o pé do local até a última palavra dita. Ironicamente, o tema central que
Por Eduardo BorilE Junior
embasa a fala dele, a ética, contrasta com um revoltante escândalo político, revelado no dia anterior. Doutor em Educação, sob orientação de Paulo Freire, exsecretário da Educação de São Paulo, professor universitário, palestrante e autor de mais de trinta livros que relacionam, de forma acessível, complexas questões sociais, um dos principais filósofos brasileiros da contemporaneidade prefere ser chamado “apenas de ‘professor’, por gentileza”. Foi assim que Caxias do Sul recebeu Mario Sergio Cortella na noite de 18 de maio, no UCS Teatro, em um evento promovido pelo Sindicato dos Professores (Sinpro) da cidade. Em uma revista que projeta o futuro, nada mais justo que abordálo pelo viés de uma das ciências mais antigas de que se tem conhecimento: a filosofia. Ora, “renovar não é só criar o inédito, é também dar vitalidade ao antigo”, fundamenta Cortella. A seguir, são apresentados trechos de uma entrevista coletiva concedida à imprensa caxiense que compareceu ao evento:
O que as pessoas buscam nas suas palavras e como explicar tamanha popularidade? Mario Sergio Cortella: De duas formas. Primeiramente, o mundo digital. Ele fez com que houvesse a rápida difusão de situações que antes os jovens não tinham acesso. Portanto, quando se tem, na plataforma digital, palestras, debates e falas, uma parte daqueles que utilizam a internet passam a acompanhar. Antes, os demais filósofos e eu estávamos apenas nos livros e jornais. Quando migramos da exclusividade do mundo acadêmico para o mundo digital, houve uma exuberância de divulgação. Em segundo lugar, é necessário considerar que há um certo desgaste quanto à tecnologia e uma preocupação muito séria em relação ao sentido das coisas, a pensar um pouco mais na própria vida e não viver de forma automática ou robótica. Nesse momento, a filosofia ajuda um pouco. Por isso, Luiz Felipe Pondé, Clóvis de Barros Filho, Leandro
ricardo barP
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“Vivemos em um país que é uma das dez maiores economias do planeta e que ainda tem 13 milhões de homens e mulheres com mais de 15 anos que não leem ou sequer lembram da própria bandeira” Karnal e eu, de repente, nos tornamos pop. De certa forma, é algo curioso, pois, frequentemente, somos parados por pessoas que nos solicitam fotos. Há algum tempo, isso seria muito estranho, hoje não, pois nos faz crescer e dá um gosto imenso. Qual sua avaliação quanto à reforma do Ensino Médio, implementada recentemente? Cortella: Ainda não começamos a aplicação dela, pois surgiu apenas como uma discussão. O Brasil é um dos poucos países que não tem uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A reforma do Ensino Médio vem sendo conduzida pelo governo (Michel Temer) que está aí hoje de um modo atabalhoado e, em alguns momentos, incompetente. Quando houve alguma avaliação, foi de forma extemporânea e sem uma discussão mais profunda com as estruturas da Educação - que discutem isso frequentemente. Contudo, ainda assim, a reforma do Ensino Médio é necessária. Entretanto, não será esse governo que a fará, pois ele não entende da área de Educação Escolar Pública, independentemente de quem está à frente do Ministério. É necessário ter um compromisso muito mais sólido que uma mera atividade de governo. A Educação não pode ser um plano de governo, mas sim, um plano de nação, portanto, um compromisso nacional. O Brasil avançou muito nos últimos 30 anos. Tanto nos dois mandatos de FHC e Lula, como no um e meio de Dilma, tivemos avanços significativos. Claro, está muito longe daquilo que exigimos, merecemos e precisamos, porém, não estamos mais naquela miserabilidade
que tínhamos. Acho curioso que, vez ou outra, algumas propagandas políticopartidárias fundamentam que “o Brasil precisa de uma revolução na área da Educação”, mas os mesmos partidos que dizem isso são aqueles que já passaram pelo governo e nada fizeram. Por que agora, que não estão mais no poder, dizem que fariam o que não fizeram? Diante disso, qual é o caminho para a revolução necessária na Educação? Cortella: Devemos, primeiramente, ter uma distribuição de recursos que rompa o mito de que “o Brasil tem dinheiro suficiente, mas mal utilizado”. Sabemos que muita coisa não é bem usada, mas nossos recursos na área da Educação não são suficientes. O fato de aplicarmos taxas do Produto Interno Bruto (PIB) semelhantes às de países de primeiro mundo (por volta de 5%) é válido apenas para países que estão com uma estrutura de manutenção da qualidade de ensino. Nós ainda estamos fazendo um “esforço de decolagem”, por isso, se não chegarmos paulatinamente até 10% do PIB, não conseguiremos dar esse passo. Em segundo lugar: a necessidade da manutenção do acesso e da organização dos colegiados escolares e conselhos regionais, com a participação, de fato, da população nos conselhos municipais de educação. Em terceiro: a ideia de uma reorientação curricular que leve um reordenamento das condições de trabalho e da formação docente, com a organização estruturada dos três níveis de governo, para que haja um esforço de recursos. E, por último, aquilo que é absolutamente inaceitável: a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Vivemos em um país que é uma das dez maiores economias do planeta e que ainda tem 13 milhões de homens e mulheres com mais de 15 anos que não leem ou sequer lembram da própria bandeira. Um dos poucos países do planeta que tem uma inscrição alfabética na bandeira, na qual está escrito “Ordem e Progresso”, e que as pessoas com mais de 15 anos não reconhecem é mais do que um problema educacional, é uma vergonha ética que tem que ser rompida. Qual é o futuro do trabalho no Brasil? Cortella: Ainda não sabemos sobre
o futuro do trabalho no mundo, pois temos alterações muito velozes. Há dez anos não tínhamos smartphones, e sim, celulares que apenas faziam ligações. Hoje, temos uma possibilidade imensa de contato com a internet, de consulta e de trabalho à distância, por isso não dá para fazer uma previsão. Existe uma tendência de que o trabalho será cada vez mais voltado para a interconexão, ou seja, muito mais um trabalho colaborativo do que, de fato, um trabalho competitivo. Contudo, não se pode adivinhar qual é a percepção correta. Aliás, há dez anos, quem tentasse adivinhar o que teríamos hoje, teria errado de maneira estrondosa. Por isso, a tendência é de que haja uma reordenação do trabalho com a incorporação de tecnologias. Por outro lado, há também a possibilidade de substituição do trabalho humano por robôs, mas ainda não temos clareza, pois, como dizem os chineses, “é muito cedo para avaliar”. Qual sua avaliação quanto aos recentes escândalos de corrupção que envolvem o presidente Michel Temer? Cortella: Vivo uma alegria cívica. Nunca imaginei que fosse ver meu país reordenando aquilo que precisa ser feito. E mais do que isso, com uma democracia que ainda é jovem, mas que está estabilizando algumas das suas instituições. Imprensa livre, instituições democráticas, poderes independentes e, claro, acima de tudo, plataformas digitais, fazem com que comecemos a entender mais o que se tem no dia a dia. Essa alegria cívica surge quando vemos que a canalhice não fica mais no subterrâneo. Ela vem à tona e é mostrada. Temos
“Nunca imaginei que fosse ver meu país reordenando aquilo que precisa ser feito. É preciso que o país tenha serenidade na turbulência e paciência na travessia, pois é o momento em que podem surgir aventureiros imaturos” 23
uma chance histórica de alterar a rota, pois o país vem mudando. Por exemplo: se eu perguntar qual é o próximo jogo da Seleção Brasileira de futebol, nas Eliminatórias para a Copa do Mundo, e contra quem, mesmo que o técnico tenha nascido em Caxias do Sul, poucas pessoas saberão responder. Há dez anos qualquer pessoa saberia, hoje não mais. Mas se eu perguntar o nome de cinco ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), as pessoas saberão. Isso é uma mudança significativa. Nesse momento, eu avalio que a governabilidade do Brasil, que está arriscada, não pode ser levada adiante pelas pessoas que não tem competência para seguir adiante. É preciso que o país tenha serenidade na turbulência e paciência na travessia, pois é o momento em que podem surgir aventureiros imaturos.
“Como diria Millôr Fernandes: ‘se você não tem dúvidas é porque está mal informado’, portanto, alguma dúvida? Até que ponto o que é disseminado, principalmente nas redes sociais, aproxima-se do moralismo em detrimento da reflexão ética?
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Cortella: Há uma diluição da autoria, isto é, por conta das redes sociais temos a possibilidade de as pessoas terem a “ética” do ódio, da exclusão, do preconceito, sem que se identifique o autor. Não é apenas o anonimato porque não expõe o nome, mas sim, porque há a possibilidade de se esconder. Nesse sentido, é necessário ter cautela e um uso moderado, pois, senão, corremos o risco de sermos apropriados por uma conversa superficial. Uma parte daquilo que está no mundo digital é necessária e boa, mas tem a profundidade de um pires. Essa superficialidade é muito danosa. A internet é um bom lugar para covardes e idiotas. Evidentemente, há muita gente que não é covarde e nem idiota, que frequenta o mundo digital, seja colaborando, debatendo ou discutindo, mas é capaz de perceber o contraditório. Acredito que, pouco a pouco, aqueles que têm o discurso do ódio fiquem recuados, porque isso começa a cansar. Em um país como o nosso, que tem questões mais sérias, a pior maneira de começar uma conversa é com “de que lado você está?”. Esse pode até ser o fim de uma conversa depois de horas, mas começar um diálogo por esse tipo de questão é não entender o que está acontecendo. Portanto, creio que pelo esgotamento a idiotia vai esvair-se aos pouquinhos. Como diria Millôr Fernandes: “se você não tem dúvidas é porque está mal informado”, portanto, mais alguma dúvida?
Provocações FilosóFicas “Disciplina é a organização da liberdade. A indisciplina desorganiza a liberdade e te aprisionanas circunstâncias” “Há três caminhos para o fracasso: não ensinar o que se sabe, não praticar o que se ensina e não perguntar o que se ignora. Portanto, há três caminhos para o sucesso: ensinar o que se sabe, praticar o que se ensina e perguntar o que se ignora. Isso é generosidade mental, coerência ética e humildade intelectual”
CRÔNICAS
Eu, o LADRÃO e a GALINHA Até os 18 anos, morei numa cidade com quase dois milhões de habitantes. Uma cidade como qualquer outra metrópole: muita gente, mas pouco contato. Ninguém conversa entre si. Ninguém dá bom dia. Ninguém olha para quem está ao seu lado quando caminha na rua, por exemplo. O ambiente acaba se tornando hostil – todo mundo é um inimigo em potencial. Três anos antes de sair dessa cidade, presenciei o que se pode considerar o apogeu da minha vida em uma metrópole. Um apogeu negativo, claro. Participei de um linchamento. Aos 15 anos de idade. Vou explicar, antes que o leitor saque sua foice e tocha e me cace à procura de justiça. Morei minha vida inteira em uma daquelas casas que se assemelha – e muito – com um presídio. Nas madrugadas de insônia, o pequeno André pegava algum petisco e ficava horas olhando para as ruas da cidade, através das câmeras de segurança. Inclusive, o primeiro sinal que a cidade grande me fazia mal: quem, em sã consciência, se diverte observando ruas escuras às quatro da manhã?
Bom, naquele dia em específico eu vi algo curioso: um homem sem camisa pulou sobre um muro, invadindo um terreno em frente a minha casa. Fiquei olhando, esperando o seu retorno. Cinco minutos depois, voltou. Com uma galinha. Só isso. O que levaria um homem adulto a pular um muro no meio de uma madrugada fria na grande metrópole para furtar uma galinha? Fome? Provavelmente. Para o azar daquele homem – ou pura inabilidade para o crime – ele permitiu que o animal gritasse. O som foi amplificado pela madrugada. Como uma zebra que invade a cova dos leões, o homem começou a correr. Deixou até a galinha para trás. Uma por uma era possível ver as luzes das casas se acendendo. Os vizinhos saíram, foram para as calçadas e começaram uma operação de guerra para capturar o periculoso ladrão de galinha. - “Ele subiu! Tá na rua de cima!”, disse o primeiro. - “Eu vi ele indo na direção da rua 4, hein? O vagabundo tá na 4”, alertou outro. - “Vamo fechar a passagem aqui! Hoje esse cara não escapa”, cravou um terceiro.
Assim seguiu até que todos – repito, todos – os vizinhos estivessem na porta de suas residências acompanhando a saga em busca daquele Pablo Escobar tupiniquim. Não foi preciso mais que cinco minutos para que o capturassem. O pequeno André maravilhou-se. Era a oportunidade de ser o herói que tanto lia sobre nas histórias em quadrinhos. Eu precisava participar da captura daquele bandido. Aquele André, no entanto, precisou de anos para entender aquela barbárie: era um homem com fome contra uma centena de justiceiros. Para aquele André, contaminado pela vida na cidade grande, não importava: era mocinho contra vilão. E naquela noite, senhoras e senhores, ele – ou euqueria ser o suposto herói. - “Pai, posso ir lá dar um chute nele?”, perguntei com a naturalidade de um psicopata em potencial, enquanto o ladrão era amarrado em uma placa para aguardar a chegada da Polícia. - “Não, André, tá ficando maluco?”, retrucou meu pai, enquanto o ladrão recebia a primeira bordoada, na esquina. - “Um chute e eu volto, pai. Por
Sobre FRATURAS e NOTÍCIAS Por vezes, enquanto dirijo, sintome na obrigação de escutar notícias. É uma força que foge ao meu controle. Isso porque a profissão a qual dedico meu tempo diariamente me põe na situação frágil de consumidor ávido da tragédia alheia e dos desmandos de uma republiqueta corroída por um golpe mesquinho. Mas meu desejo mais profundo nesses momentos é consagrar-me às notas pomposas do trompete de Miles Davis ou ao violão dedilhado de um sambinha. Num mundo ideal, o trânsito desordenado, as buzinas, o sinal fechado e os xingamentos podem ser substituídos por aquele trompete sublime, vívido, que vai abafar o caos e jogar-me numa caixa de lata. Mas, no mundo real, a força das ondas radiofônicas me deixa preso numa teia de inúmeros assassinatos, prisões, esquemas de corrupção e textos indignantes narrados com indiferença robótica. Elas me fraturam tacitamente e eu dirijo de forma distraída, esperando pelo próximo golpe. Ao menos essas fraturas fazem-me refletir, afinal, esse também é meu papel como jornalista. A banalização do escárnio ocupou o espaço do debate e passamos a aceitar os massacres diários com a mesma naturalidade e indiferença com as quais nos são narrados. O Brasil retrocedeu para os anos 90 na política e, de forma irônica, o
massacre do Carandiru se repetiu. Enquanto o vampiro de terno e gravata suga o que resta da dignidade da nossa frágil democracia, um ex-apresentador de TV neofascista assume o cargo mais importante dos Estados Unidos, ameaça erguer um muro para distanciar-se ainda mais da América Latina e dá novos traços ao velho imperialismo. Tudo isso está inerente às notícias desde que o formato passou a predominar no início do século XX. O cotidiano nos é narrado e construído como uma composição de grandiosos acontecimentos desprovidos do juízo de valor de quem nos conta, exceto naquelas circunstâncias onde o papel dos bandidos e mocinhos está rigorosamente definido. O marginal favelado, negro, que rouba a bolsa da senhora de classe média. O louco, drogado, geralmente criado na periferia, que mata por poucos reais o transeunte trabalhador.
Em alguns casos esses estereótipos estão determinados. Noutros eles são construídos em narrativas eloquentes sustentadas em interesses políticos, capazes de mudar o rumo de um governo. O partido bolivariano comunista, que pretende dar um golpe de estado e transformar o Brasil num ruinoso socialismo do século XX. O partido corporativista, essencialmente corrupto, diferente daquele dos “homens de bem”, que querem levar o Brasil para o caminho “direito”. A mensagem é divulgada em doses homeopáticas de ódio e ideologia disfarçadas de isenção. Nos ínfimos detalhes. Essas narrativas dão origem a caricaturas políticas transfiguradas, preconceitos de todas as formas e a
andrÉ moreira favor”, tentei contornar. - “Não, André, pode esquecer. E é melhor tu entrar pra casa que tá bem tar...” Eu havia ido. Corri, dei um leve chute no homem e voltei. Só um chute – o mais fraco daqueles que ele havia recebido naquela noite. Obviamente, tomei uma bronca e entrei em casa. Continuei acompanhando pela janela. A Polícia levou o homem e, provavelmente, também o bateu. Excepcionalmente, ele terminou vivo aquela noite. Nunca mais o vi e nunca mais ninguém roubou nada no meu bairro. Por anos, me senti um herói pelo meu feito naquela noite. Estava no mesmo patamar do Batman, do Homem-Aranha. Lutei contra o crime. Pena que percebi, anos depois, que o acontecido foi uma das mais estranhas passagens da minha vida. Chutei um homem com fome e me senti bem com isso. É triste pensar sobre hoje em dia, mas fazer o quê? Segundo Rousseau, somos um produto do ambiente onde vivemos. Com o tempo, melhorei. Me preocupa as pessoas que ainda acham válido viver por esse dia de suposto heroísmo.
LucaS araLdi fenômenos sociais esquisitos. Ora, o Brasil, de fato, retrocedeu aos anos 90 e não na forma de um socialismo mitológico, como muitos colunistas gostam de bradar, mas num modelo de neoliberalismo fadado ao fracasso, que foi exaustivamente desgastado e infeliz pela experiência histórica. Ligo o rádio do carro e as notas começam a soar. Elas estão fúnebres, tristes. É o prenúncio da próxima tragédia. A fratura está mais exposta e o golpe se aprofunda a cada instante, ainda narrado com indiferença robótica.
SAÚDE
Câncer: prevenção ESSENCIAL Segunda doença com mais casos de mortalidade no mundo pode ser evitada mediante cuidados por juliana
Um terço dos casos de câncer poderia ser evitado Segunda doença com maior casos de mortalidade no mundo pode ser prevenida mediante alguns cuidados O linfoma já é a principal causa de morte em 476 das 5.570 cidades brasileiras. O Rio Grande do Sul é o estado com maior número de municípios nesta condição, 124, entre eles, Caxias do Sul e Gramado, enquanto em todo país as mortes por câncer representam 16,46% do total. No território gaúcho esse índice chega a 21,64% Câncer é o nome dado a um conjunto de mais
de 100 doenças, que têm em comum o crescimento desordenado de células que tendem a invadir tecidos e órgãos do corpo. A boa notícia é que suas principais causas podem ser evitadas e que a alimentação é uma das melhores formas de preveni-lo. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), a alimentação e a nutrição inadequadas são classificadas como a segunda causa de câncer que pode ser prevenida. São responsáveis por até 20% dos casos de câncer nos países em desenvolvimento, como o Brasil, e por aproximadamente 35% das mortes pela doença.
Uma alimentação rica em frutas, legumes, verduras, cereais integrais, feijões e outras leguminosas, e pobre em alimentos ultraprocessados, como aqueles prontos para consumo ou prontos para aquecer e bebidas açucaradas, pode prevenir de 3 a 4 milhões de casos novos de câncer a cada ano no mundo. Após o tratamento, pessoas que tiveram diagnóstico de câncer, incluindo aquelas livres da doença, também devem seguir essas recomendações. Cuidar da alimentação, praticar atividade física e buscar manter o peso
moras E FElipE jung
adequado é essencial para recuperar a saúde, prevenir o retorno da doença e o desenvolvimento de outro tipo de câncer. As informações são baseadas nos relatórios do Fundo Mundial para Pesquisa contra o Câncer (WCRF) e do Instituto Americano de Pesquisa em Câncer (AICR), entre outras pesquisas. De acordo com o oncologista Rafael Hamester, o câncer pode surgir em qualquer parte do corpo, mas alguns órgãos são mais afetados do que outros. Entre os mais afetados estão pulmão, mama, colo do útero, próstata, cólon e reto (intestino grosso), pele,
*distriBuição proFissional dos dEZ tipos dE cÂncEr mais incidEntEs Estimados para 2014 por sEXo, EXcEto pElE não mElanoma (nÚmEros arrEdondados para 10 ou mÚltiplos dE 10)
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juliana moras E FElipE jung
Exercícios físicos previnem doenças e aumentam a qualidade de vida
estômago, esôfago, medula óssea (leucemia) e cavidade oral (boca). Cada órgão, por sua vez, pode ser afetado por tipos diferenciados de tumor, menos ou mais agressivos. “A cada 21 mulheres, uma terá um tumor maligno: já no caso dos homens, a cada 25, um terá um linfoma. O maior índice de pessoas que descobrem um tumor é entre 50 e 70 anos, sendo um grupo de risco, e o menor, de 0 a 49 anos”, afirma. Isso é, vários fatores de risco podem estar envolvidos na origem de uma mesma doença. Estudos mostram, por exemplo, a associação entre álcool, tabaco e o câncer da cavidade oral. O câncer contém várias fases, segundo o oncologista: “infiltrado, invasivo e metástase, entre outros. A metástase é o nome dado quando o câncer já atingiu outros órgãos além do que foi diagnosticado.
Não significa que duas pessoas que têm o tumor no mesmo local tenham o mesmo tipo de câncer e seu tratamento seja o mesmo, um exemplo é o de intestino, ele pode ser diferente, dependendo o lado que ele esteja alojado. Rafael ressalta que, mesmo com toda essa prevenção e cuidados, devemos sempre fazer exames semestrais e ter cuidados com a saúde.
Fatores de risco
Bebidas alcoólicas: Estudos feitos por consumidores de álcool mostram que o etanol, em qualquer quantidades, pode causar o desenvolvimento de câncer de boca, faringe, laringe, esôfago, estômago, fígado, intestino (cólon e reto) e mama (pré e pósmenopausa). Essa recomendação
serve para todas as bebidas alcoólicas. Além disso, a combinação de álcool com tabaco aumenta a possibilidade do surgimento desse grupo de doenças. O etanol tem o efeito cancerígeno sobre as células e, quando chega ao intestino, pode funcionar como solvente, facilitando a entrada de outras substâncias carcinogênicas para dentro da célula. Alimentação e sobrepeso: O peso corporal e a gordura armazenada no corpo influenciam a saúde e o bem-estar ao longo da vida. Sobrepeso, obesidade e o ganho de peso na fase adulta estão associados a cânceres no esôfago (adenocarcinoma), estômago (cárdia), pâncreas, vesícula biliar, fígado, intestino (cólon e reto), rins, mama (mulheres na pós-menopausa),ovário, endométrio, meningioma, tireoide, mieloma múltiplo e possivelmente próstata (avançado), mama (homens) e linfoma difuso de grandes
células B. O excesso de gordura no corpo provoca um processo inflamatório e aumenta a produção de hormônios que podem causar danos às células, provocando ou acelerando o surgimento da doença. A alimentação e a nutrição inadequadas são classificadas como a segunda causa de câncer que pode ser prevenida. São responsáveis por até 20% dos casos de câncer nos países em desenvolvimento, como o Brasil, e por aproximadamente 35% das mortes pela doença. Caso a população adotasse uma alimentação saudável e a prática regular de atividade física, mantendo o peso corporal adequado, aproximadamente um em cada três casos dos tipos de câncer mais comuns poderiam ser evitados. Ou seja, para cada 100 pessoas com câncer, 33 casos poderiam ser prevenidos, segundo o Inca.
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rabalho? Crise econômica global impulsiona mudanças nas relações laborais estabelecidas e provoca dúvidas sobre o papel regulador do Estado; no Brasil, liberação da terceirização irrestrita e reformas trabalhista e da previdência pedem redução de direitos em nome do desenvolvimento do país por Eduardo e Lucas
Borile, Lucas Araldi Demeda
Desde a emergência da revolução industrial na Inglaterra no século XVIII, o trabalho assalariado ocupa papel central na sociedade - inicialmente nos países da Europa ocidental e depois nas nações de todo o mundo. Agora, cerca de 300 anos depois da consolidação de uma classe trabalhadora, recessões econômicas e o aprofundamento da globalização colocam em xeque as relações laborais estabelecidas e até mesmo a importância social do trabalho. No Brasil, esse cenário é representado pela tentativa de aprovação da reforma da previdência social que, entre outros pontos, aumenta a idade mínima para aposentadoria. Também estão na agenda a reforma trabalhista, que flexibiliza pontos da legislação nacional sobre o tema, e a terceirização irrestrita, que amplia a possibilidade de contratação por meio desse sistema. Em comum, essas reformas reequilibram as relações entre trabalho e capital em prol do segundo e minimizam o papel regulador do Estado. Para o Governo Federal, as medidas incentivam contratações ao diminuir os encargos trabalhistas e aumentam a produtividade das empresas, o que, em tese, deveria provocar uma ele-
vação nos salários. Ao mesmo tempo, são contestadas sob diversos aspectos, como por exemplo por serem realizadas em um governo não eleito e sem respaldo popular. Os críticos acreditam que as medidas provocam uma maior precarização do trabalho sem contrapartida real na economia. Partindo dessas perspectivas, para onde vai o trabalho no Brasil?
Para pensar a terceirização
No dia 22 de março de 2017, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 4302/1998, transformado na lei nº 13.429 quando sancionada pelo presidente Michel Temer (PMDB) no dia 31 do mesmo mês. A nova legislação amplia as possibilidades de trabalho temporário e terceirizado, ou seja, quando uma empresa contrata outra para realizar um serviço que envolve mão de obra. A mudança se enquadra na ideia de que é preciso ampliar as possibilidades de contratação a partir da emergência de novas formas produtivas e uma economia cada vez mais especializada. Principais mudanças A nova lei permite a contratação de mão de obra terceirizada para qualquer setor da economia. Até então, a modalidade era permitida de forma
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temporária ou para “atividades-meio”, que não estão ligadas ao objetivo central da empresa contratante, denominada no jargão jurídico como “atividade-fim”. Antes da aprovação da medida, um restaurante somente poderia contratar vigilantes, mas não os cozinheiros. O texto aprovado na Câmara também prevê que a empresa contratada, a fornecedora do serviço de mão de obra, seja responsável pelo pagamento de todos os direitos trabalhistas previstos na CLT. Antes, em caso de não cumprimento da legislação, a empresa contratada e a contratante dividiam a responsabilidade na Justiça. Agora, o trabalhador só poderá buscar seus direitos junto à empresa contratante após acionar a empresa prestadora de serviços no judiciário e esgotar todas as possibilidades de ação legal. Prós e contras A regularização da terceirização é defendida há anos por representantes do setor produtivo nacional, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI). A Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (FIERGS), braço gaúcho da CNI, declara que a medida dá “segurança jurídica às empresas e protege o trabalhador”, já que regulariza prática corriqueira no mercado. Além disso, defende que nunca houve entendimento claro sobre o conceito de atividade-meio e atividade-fim. O argumento da segurança jurídica, porém, é contestado. Para a professora especialista em direito do trabalho Adriane Lopes, a nova lei é enxuta e deixa em aberto as possibilidades de terceirização.
“O grande problema é a alteração que possibilita o que chamamos de quarteirização e pejotização, porque isso permite subcontratação”, observa. Ainda segundo a professora, o termo “pejotização” é utilizado para se referir às empresas que contratam trabalhadores como prestadores de serviços, como se fossem empresas individuais - daí a expressão, oriunda de “pessoa jurídica”, ou PJ. Ela explica que a estratégia é reduzir custos, contratando por meio de um regime que não garante os direitos da CLT. Na sua análise, essa prática é ilegal e costuma ser utilizada para burlar o pagamento de direitos trabalhistas. Adriane também critica o fim da responsabilidade solidária entre a empresa contratante e a prestadora de serviços, no caso de não cumprimento da legislação do trabalho: “As terceirizadas são muito voláteis, surgem e desaparecem do mercado. Quando elas desaparecem, via de regra, deixam os empregados sem as parcelas rescisórias”. Como exemplo, ela cita casos de empresas que não depositam o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e apresentam problemas de recolhimento do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). “O empregado vai ficar na condição de ter que entrar com ação com a terceirizada para só depois poder redirecionar”, prevê. A possibilidade da terceirização impulsionar a economia, no sentido de aumentar a produtividade do trabalho, também é considerada incerta. De acordo com a professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS) e doutora em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
O vigilante Jairo da Silva se sente satisfeito trabalhando em uma terceirizada, mas a aposentadoria preocupa
1500
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Avanços tecnológicos, crescimento das cidades e o aumento da população e do comércio causam a desestruturação do modelo feudal. Propriedades rurais foram arrendadas pela agricultura comercial e passaram a fornecer lã para a indústria têxtil. Em várias áreas da Inglaterra, muitos camponeses foram expulsos e forçados a buscar sustento nas cidades. Eles foram coagidos a vender a força de trabalho para sobreviver. Assim nasce a classe trabalhadora.
Período marcado por conflitos decorrentes da divisão do trabalho e da superexploração capitalista, marcada por jornadas diárias de até 16 horas, salários de subsistência e condições degradantes. Nessa década aconteceu uma inquietação generalizada dos trabalhadores ingleses, que passaram a ser punidos com morte por destruir máquinas em atos de protesto.
linHa do tEmpo
A partir da Revolução Industrial na Escócia e Inglaterra, a divisão política entre capitalistas e trabalhadores se torna clara. O panorama social se transformou em função do enriquecimento e crescente poder político da classe industrial e do surgimento do estado nacional moderno. Nesse período, a indústria passa a se configurar como o setor mais importante da economia.
jEan piErrE HouEl / rEprodução
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Lucas Demeda
(UFRGS) Maria Carolina Gullo, a alta rotatividade de funcionários, característica do trabalho terceirizado, afeta diretamente a produtividade. “Entendo que envolve um aspecto pessoal, de aderência do empregado à empresa”, afirma. Ela entende que quando
August Von Wille / Reprodução
o trabalhador está comprometido, ele se sente pertencente àquele lugar e, por consequência, passa a produzir mais e melhor. As opiniões sobre a terceirização também variam entre os trabalhadores. Toni Dias da Silva Lopes, 34 anos,
1820 A partir década de 1820, representantes do movimento operário inglês, já amadurecido, acreditavam que as condições da classe trabalhadora eram resultado das instituições vigentes. Assim, qualquer melhoria exigiria a transformação social e política da sociedade. Essa é a base dos primeiros pensamentos socialistas.
natural de Porto Alegre, relata que deixou um emprego de três anos e meio em Santa Vitória do Palmar, no sul do Estado, por um emprego em Caxias do Sul. “Cheguei aqui, trabalhei uma semana e o patrão terceirizou a obra, me botou pra rua. Perdi três anos e meio de serviço apostando numa nova fase de vida e quebrei a cara”, lembra. Toni, que trabalhava como motorista, conta que o mesmo aconteceu com todos os outros empregados. A perda do emprego acabou desorganizando todos os aspectos de sua vida. “Desde então a minha vida começou a decair. Fui parar numa situação de rua, por falta de emprego, de profissão. Eu sou motorista em categoria D e hoje estou nessa situação, desempregado, separado, sem casa”, lamenta. Já o vigilante Jairo da Silva, 27 anos, não tem reclamações sobre trabalhar para uma empresa que presta serviços de segurança a outras organizações. “Comecei faz pouco tempo, mas estou gostando. Eu estava desempregado há um ano, e pelo que eu estou vendo a empresa é boa, tranquila para se trabalhar”, relata. Para a coordenadora do Observatório do Trabalho da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Lodonha Portela Soares, os impactos da terceirização irrestrita no mercado de trabalho são incertos, mas observa que pode haver redução de empregos. “Se você é dono de uma empresa e terceiriza algum setor, provavelmente esses
No mundo
1886
Em 1º de maio de 1886 estourou nos Estados Unidos uma greve geral que reivindicava jornada de oito horas. O movimento, que iniciou em Chicago, se espalhou pelo país e marcou a conquista de avanços importantes para o proletariado. Porém, a greve foi duramente reprimida e resultou em quatro líderes enforcados. Alguns anos depois, o evento veio a dar origem à celebração do Dia do Trabalhador, firmada pela II Internacional Socialista, em Paris.
No Brasil 31
FUTURO | TRABALHO
trabalhadores que têm experiência na área serão absorvidos numa empresa especializada que vai ser criada,”, analisa. Segundo a coordenadora, a empresa pode se adaptar a operar de forma mais enxuta em período de crise e acaba por não voltar a contratar no fim da recessão.
Para pensar a reforma trabalhista
O Governo Federal também se empenha na aprovação de uma reforma trabalhista. No momento da redação dessa reportagem, a legislação aguardava a análise do Senado depois de ser aprovada na Câmara dos Deputados, em 26 de abril, dois dias antes de uma greve geral mobilizar milhões de trabalhadores em todo o país contra o pacote e a reforma da previdência social. Principais mudanças - O projeto de lei 6787/16 modifica pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que regula as relações entre patrões e empregados no Brasil. Uma das principais determinações é a prevalência do “acordado sobre o legislado”. Ou seja, alguns pontos negociados entre sindicatos de trabalhadores e empregadores podem se sobrepor à CLT. É o caso do parcelamento das férias em até três vezes, a diminuição do horário de intervalo para 30 minutos e o aumento da jornada de trabalho diária para 12 horas: dez normais e duas extras. A lei também acaba com a obrigatoriedade do imposto sindical, pago por um dia do salário do trabalhador no ano, que vai para entidades representantes dos trabalhadores, patronais e para o próprio governo. Prós e contras - O governo defende a re-
No muNdo
Laine de Souza, 19 anos, trabalha como recepcionista, mas vê distante o sonho de cursar o Ensino Superior
1970 - 1989
1914-1970
A partir da década de 1970, o fim do esforço de reconstrução pós-guerra e a falta de novos mercados para explorar desaceleraram o crescimento econômico global. Sem verba, os gastos sociais foram reduzidos. Paralelamente, era preciso intensificar o comércio global para retomar a atividade econômica. Restrições foram levantadas, o que achatou os salários e desorganizou sistemas produtivos locais. O crescimento voltou, mas os ganhos foram desiguais.
No século XX, acontecimentos marcantes contribuíram para tornar o capitalismo um sistema menos desigual: as Guerras Mundiais achataram as maiores rendas e a consolidação de um sistema econômico concorrente na União Soviética, a partir de 1917, forçou os governos capitalistas dos países centrais (Europa e EUA) a concederem mais direitos sociais para a população, com fins de desencorajar revoluções, consolidando a social-democracia.
1917
No Brasil
No mesmo ano da Revolução Russa, ocorre a primeira greve geral no país, fruto de movimentos anarquistas e socialistas. A mão de obra assalariada ainda era extremamente limitada, visto que a escravidão predominou até 1888. Com a abolição, os escravos passaram a ser substituídos por imigrantes europeus, que se submetiam a jornadas laborais extenuantes e condições precárias.
forma com base no argumento de que a CLT foi criada em 1943, ou seja, já não atende as demandas das relações laborais modernas e emperra o andamento do mercado de trabalho, dificultando a geração de empregos. Representantes dos trabalhadores, como as centrais sindicais, resistem às mudanças por acreditarem que elas não vão gerar mais empregos, mas apenas precarizar os vínculos existentes. Além disso, defendem que a CLT já sofreu inúmeras modificações desde sua
1930
Em 1930, Getúlio Vargas tomou o poder e instituiu uma política de industrialização nacional, por meio de uma aliança entre trabalhadores e capitalistas. O projeto nacionalista de Vargas, que se consolidou com a ditadura do Estado Novo, em 1937, dava amplos privilégios ao setor industrial, até então incipiente e controlado por capital estrangeiro, ao mesmo tempo em que concedia novos direitos trabalhistas, visando cativar e controlar a classe operária.
Lucas Demeda
criação, o que a torna atual para o modelo de relações laborais desenhado na atualidade. Lodonha considera a atualização necessária para se adequar às novas formas de trabalho emergentes, como o home office e o trabalho por produtividade, sem horas fixas. Ela crê também que a flexibilização das normas pode incentivar a formalização de trabalhadores. “Pode tirar algu-
mas empresas da informalidade, que trabalham dessa maneira pelo engessamento da CLT e, com isso, pode ser que se note um aumento no número de empregos formais”, projeta. “Penso que tenha poucos resultados práticos”, alerta a professora da UCS e doutora em Economia Maria Carolina Gullo sobre a possibilidade de a reforma gerar mais empregos. Para ela, o ponto positivo da medida é a ratificação de acordos que já são feitos hoje entre trabalhadores e empregadores, mas que, por não serem formais, acabam na Justiça do Trabalho. No entanto, a professora vê problemas no texto em discussão. “Ouvi um especialista da área que garantiu que a reforma está muito ‘Frankenstein’, com problemas de redação técnica e que dificilmente trará benefícios para trabalhadores e empresários”, comenta. Adriane tem a mesma opinião: “Algumas propostas dessa reforma são realmente muito difíceis da gente olhar e dizer, ‘isso vai ser bom para todo mundo’, ressalta. Ela se refere à supremacia do negociado sobre o legislado. “A partir do momento em que não houver mais o limite da lei, você vai ter algumas negociações que ocorrem da forma como já são hoje, quando você tem sindicatos fortes, capazes de representar os seus filiados, mas também aqueles que não têm a mesma força negocial. Aí você tem a supremacia do poder aquisitivo frente aos trabalhadores. E isso vem exatamente numa época em que a gente está com um desemprego muito alto
1989 - 2008
Gerard Malie
A queda da União Soviética, juntamente com anos de estabilidade seguidos pela revolução da informática do Vale do Silício fez com que muitos pensadores acreditassem estar presenciando o “fim da história”, onde o capitalismo se afirmava como sistema “vencedor”, abarcando todos os aspectos da vida sem espaço para vozes divergentes - ou conflitos de classes.
1930
Em 1930, Getúlio Vargas tomou o poder e instituiu uma política de industrialização nacional, por meio de uma aliança entre trabalhadores e capitalistas. O projeto nacionalista de Vargas, que se consolidou com a ditadura do Estado Novo, em 1937, dava amplos privilégios ao setor industrial, até então incipiente e controlado por capital estrangeiro, ao mesmo tempo em que concedia novos direitos trabalhistas, visando cativar e controlar a classe operária.
e que as pessoas fazem qualquer coisa para não perder o emprego”, reflete. A advogada vê com desconfiança o aumento da jornada de trabalho, que vai na contramão do argumento de que a proposta pode gerar empregos. “Se vão ampliar a jornada para até 48 horas por semana, como era antes da Constituição de 1988, onde vão abrir mais postos de trabalho?”, questiona. Por outro lado, Adriane enumera pontos positivos na medida, como a negociação do intervalo de 30 minutos. “Se a gente pensa numa empresa que é mais afastada, que tem refeitório, em uma hora de intervalo o empregado fica enclausurado, e sem receber”, salienta. A recepcionista Laine de Souza Dornelles, 19 anos, é exemplo de como a legislação, por mais específica, não consegue abarcar todos os pontos das relações de trabalho. Ela trabalha oito horas por dia sem intervalo, jornada que não é prevista em lei. “Essa hora a gente recebe como hora extra”, explica Laine, que garante que não foi coagida a aceitar o acordo. “Me perguntaram na hora da entrevista, eu escolhi não ter (intervalo). Não vale muito a pena, mas escolhi porque não teria onde ficar nesse intervalo”, explica.
Para pensar a previdência
A reestruturação das relações de trabalho está sendo discutida em paralelo com mudanças no sistema previdenciário brasileiro. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016 foi enviada pelo Executivo ao Congresso ainda em dezembro de 2016, mas
2008 - atualmente
A crise imobiliária dos Estados Unidos demonstrou a fragilidade do sistema financeiro global, mas não abalou a confiança dos governos nas políticas de desregulamentação iniciadas na década de 1980. Afetadas pelas recessão, as populações dos países desenvolvidos já reagem à ideia do livre mercado, cedendo à discursos protecionistas - e às vezes xenófobos - de novos líderes que prometem recuperar a antiga prosperidade das classes trabalhadoras nacionais.
Reprodução
1943
O getulismo foi responsável por criar a base da legislação trabalhista vigente até hoje. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, regulamentou a jornada de trabalho e garantiu direito à férias, entre outros. Ao mesmo tempo, o governo controlava o sindicalismo e calava movimentos trabalhistas mais radicais. Os direitos trabalhistas foram concedidos por Vargas como uma dádiva à população, e não como conquista dos trabalhadores, o que ajudou o líder a vender a imagem de “pai dos pobres”.
33
FUTURO | TRABALHO
até o fechamento desta matéria, não havia previsão de votação da pauta no legislativo. O assunto é o mais polêmico da sequência de reformas propostas pelo governo federal, por alterar diretamente os benefícios. As normas são questionáveis sob diversos aspectos, inclusive, se tornaram temas de acirrado debate desde que passaram a figurar na esfera pública de maneira constante. Um lado da moeda, ensejado por economistas menos ortodoxos e ligados às ideias progressistas, demonstra que não existe o déficit justificado pelo governo federal. Já o outro, da ala ortodoxa ou que sustenta a necessidade de reformas, defende que se não houver a revisão das normas, o programa governamental deixaria de existir em breve, uma vez que entraria em colapso. Independentemente do debate, em inúmeros casos a aposentadoria não supre as necessidades do trabalhador. Segundo dados da Secretaria de Previdência do Ministério da Fazenda, o valor médio do benefício no Brasil, em 2016, foi de R$ 1,2 mil, apenas 2,3% maior do que o registrado em 2015. Cerca de 68% da população de aposentados recebem um salário mínimo e apenas 5%, de quatro a
cinco salários mínimos. Principais mudanças Idade e tempo de contribuição: hoje, para se aposentar por idade no Brasil é necessário que os homens tenham 65 anos de idade e, as mulheres, 60, tendo contribuído com o sistema previdenciário por pelo menos 15 anos trabalhando no setor privado ou 10 anos no público. O governo federal propõe uma idade mínima geral de 65 anos. Também é possível se aposentar por tempo de contribuição, caso o trabalhador tenha contribuído com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) por 35 anos para os homens e 30 para as mulheres. Na nova norma, não será possível se aposentar com menos de 65 anos e, para requerer o benefício nessa idade, será necessário ter contribuído pelo menos 25 anos com a previdência. Valor: os trabalhadores do setor privado que se aposentam pela idade mínima recebem 70% da aposentadoria integral, que tem base na média dos 80% maiores salários recebidos. No setor público, o valor da aposentadoria equivale a 80% da média salarial. A cada ano de contribuição, o valor do benefício aumenta 1%. Quem contribuiu por 30 anos alcança 100% do valor da aposentadoria integral. O teto da aposentadoria é R$ 5.189,82 e vale para os os trabalhadores do setor privado e os servidores públicos que ingres-
1963
1978
Durante o governo de João Goulart, o conflito entre capital e trabalho se tornou acirrado. O presidente aumentou o salário mínimo em 100% e os trabalhadores realizavam sucessivas greves gerais por reformas na sociedade. O cenário assustou a burguesia, que ensejou o golpe militar de 1964 com apoio dos Estados Unidos e do capital internacional, que desejava fatias maiores do mercado brasileiro.
1964
No Brasil 34
A partir de 1964 o governo militar empreendeu um novo projeto de desenvolvimento. O Estado reprimiu os movimentos operários e, com o rebaixamento dos salários, atraiu investimentos do capital estrangeiro e nacional, que possibilitou grande avanço na industrialização do Brasil.
saram depois de 2003. Com a mudança, o valor mínimo do benefício será de 51% da média dos salários que a pessoa recebeu. A cada ano de contribuição, o valor sobe 1%. Para receber 100% do valor se aposentando aos 65 anos, a pessoa deve ter começado a trabalhar aos 16 anos e contribuído para o sistema nos 49 anos seguintes, ininterruptamente. Prós e contras O governo federal defende a reforma da previdência com base no déficit do sistema atual. Ou seja, os benefícios pagos são maiores do que o valor arrecadado. Hoje, o gasto com a previdência social é de 8% do Produto Interno Bruto (PIB), valor que aumentaria para cerca de 20% do PIB até 2060, segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “Não vão se sustentar os sistemas de previdência com base numa pirâmide etária que não se imaginava que ia mudar tão cedo”, defende a professora Lodonha Coimbra Soares. Ela se refere ao envelhecimento e à diminuição da taxa de natalidade da população brasileira, que a longo prazo fará o número de idosos ultrapassar o número de jovens no país, segundo dados do IBGE. O próprio déficit da previdência, porém, é contestado. O governo federal estima para 2017 um rombo de R$ 136 bilhões no
A expansão do proletariado e os anos de superexploração do trabalho provocaram gradualmente o surgimento de um novo movimento, chamado de “novo sindicalismo”. Entre as décadas de 70 e 80, as greves do ABC paulista marcaram a falência do sistema político vigente e o ressurgimento do movimento operário, liderado por Luiz Inácio “Lula” da Silva. Surgem novas organizações sindicais independentes do Estado. Estadão / contEÚdo
1989 - 2002
Os efeitos das tendências políticas e econômicas internacionais começam a ser sentidos no Brasil. Com o intuito de modernizar a economia e tornar-se competitivo no comércio global, medidas como privatizações e flexibilização do trabalho foram empreendidas. As ações visavam prevenir a superprodução e os prejuízos. Além disso, colocavam o trabalhador em um estado “sempre-alerta”, pronto para atender as necessidades da empresa a qualquer momento.
sistema. Já a tese da pesquisadora Denise Gentil, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), contraria esse discurso. Gentil defende que uma farsa contábil transforma o superávit em déficit e que, de 1990 a 2005, a seguridade social - que abrange previdência, saúde e assistência social - apresentou um saldo positivo de R$ 72,5 bilhões. Segundo sua pesquisa, a equação simplificadora adotada pelo governo leva em conta apenas a contribuição do INSS como indicador de recursos para o pagamento de aposentadorias. No entanto, pela Constituição, tributos como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e parte da receita de sorteios e loterias federais estão atrelados ao sistema. Segundo a tese, pelo menos R$ 38 bi dos recursos destinados à seguridade social (R$ 72,5 bi) foram desvinculados além do limite permitido pela Desvinculação das Receitas da União (DRU). Ou seja, há um excedente de dinheiro do orçamento de seguridade social, que é destinado para outros gastos. “O que está em jogo é quanto foi economizado para pagar os juros e a amortização da dívida pública”, declarou em entrevista ao Jornal da UFRJ. As centrais sindicais criticam a reforma pelo peso que ela coloca nos trabalhadores, principalmente os mais pobres, que costumam começar a trabalhar mais cedo e às vezes recorrem à informalidade. A CUT diz que o governo poderia buscar outras fontes
Lucas Araldi
Romildo Moreira, 75 anos, precisa complementar sua aposentadoria com o trabalho de gari
de renda para salvar o sistema, como combater a inadimplência. Tomando como exemplo a cidade de Caxias do Sul, o valor devido pelos cinco maiores inadimplentes da previdência representa 35,5% da arrecadação anual do INSS na cidade. Romildo Nelson Moreira, de 75 anos, trabalha na rua. Ele tem 75 anos e precisa complementar sua aposentadoria de um salário mínimo como gari de uma empresa que presta serviços terceirizados para a Prefeitura de Bento Gonçalves. Por uma questão de legislação, Moreira tem garantidos
2002-2014
o 13º, as férias, o FGTS e o segurodesemprego. Ele trabalhou por 25 anos na área da construção civil, mas a renda que recebe mensalmente do governo federal não supre suas necessidades. “O trabalho é cansativo, mas por outro lado não é bom ficar parado”, comenta. Sua jornada normalmente começa às 7h30, porém, a empresa solicitou que iniciasse antes, já que o lugar por qual Moreira é responsável pela limpeza fica movimentado após esse horário. “Eu começo antes, mas também saio antes. É bom assim”, observa.
2016-2017
Uma década desenvolvimentista de incentivo ao mercado interno trouxe um período de prosperidade ao Brasil no início do século XXI, marcado por aumentos significativos no salário mínimo e anos com desemprego inferior à 5%, percentual inédito na história do país. Mídia Ninja
O fim do crescimento econômico e a instabilidade política geral provocaram o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). O governo interino assumiu com o discurso de tirar o país da recessão, defendendo a necessidade de diminuir o custo do trabalho e modernizar a economia nacional.
Ueslei Marcelino / Reuters
Fontes: ANTUNES, Ricardo. O continente do labor. São Paulo: Boitempo, 2011. 175 p. | HUNT, E. K. História do pensamento econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005 | PIKETTY, T. O capital no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014 | OUTRAS PALAVRAS. O que o 1º de Maio ensina à nova cultura política. Outras Palavras, 2017 | SIQUEIRA, E. A. Greve geral, 100 anos depois. Outras Palavras, 2017
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FUTURO | TRABALHO
lucas dEmEda
De acordo com enquete da reportagem e protestos recentes, a previdência é o que mais preocupa os trabalhadores no conjunto das reformas
Em uma ampla sala de reuniões separada do restante do escritório por vidros, no centro da cidade, o advogado especialista em previdência, César Gabardo, emprega pelo menos 10 outros advogados e concorda que seja necessária uma revisão das normas de aposentadoria. Ele conta que trabalha quase que diariamente com casos de pessoas que se beneficiam das leis para ganhar algum tipo de vantagem ou benefício do governo. Para Gabardo, é necessário uma reforma visto que o programa está desgastado pelos anos e a lógica de trabalho e das famílias funciona de outra forma nos dias atuais. Porém, considera um exagero a idade mínima ficar definida em 65 anos. “Nós precisamos de um meio-termo. O governo não oferece medidas que protejam quem pode não conseguir trabalhar até essa idade”, opina. Ele diferencia classes laborais que dependem de menos esforço físico. “Não tem como a regra ser a mesma para todos”, salienta. A especialista em Direito do Trabalho Adriane Lopes é contra a reforma com a justificativa de que o projeto penaliza os trabalhadores privados, que já possuem um teto de benefício, e mantém privilégios para outras cate-
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gorias. “Dificilmente você encontra alguém na iniciativa privada, regido pela CLT, que se aposenta com 50, 55 anos, como está sendo colocado”, afirma. Funcionários públicos na ativa desde antes de 2003 têm direito a se aposentar com o valor integral do último salário. Algumas categorias, como policiais e professores, conseguiram diminuir a idade mínima de aposentadoria prevista no texto da reforma. O caso mais marcante talvez seja o dos militares, que foram totalmente excluídos da mudança. A categoria se aposenta com o último salário integral e, quando está na ativa, não contribui com o INSS. Outro ponto levantado pela professora é a dificuldade da entrada de pessoas mais velhas no mercado de trabalho. “No Brasil, hoje com 45 anos o trabalhador é velho. Se ele perder o emprego, ele não volta para o mercado de trabalho”. Os dados do emprego formal no país corroboram com essa tese. De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), desde 2007 o saldo entre contratações e demissões é negativo para trabalhadores com idades a partir de 50 anos. O aumento da idade mínima
para se aposentar poderia aumentar o desemprego nessa faixa etária. Carlos Raimundo Guedes, 59 anos, sentiu na pele essa realidade. Natural de Lagoa Vermelha e morando em Caxias do Sul, o trabalhador da construção civil foi demitido e não consegue encontrar outro emprego. “Chego sempre no Sine e nunca acham uma vaga para mim. Pode ser em qualquer área, mas parece que fecharam as portas pra mim por causa da idade”, relata. Ele conta que está sem carteira assinada há dois anos, só trabalhando de forma informal: “Era sempre ‘gordo’ o salário. Tinha férias, tinha décimo e hoje não tem nada”. Carlos acabou não conseguindo mais pagar o aluguel da casa onde morava e teve que recorrer a um albergue do Município. Sobre o futuro, as perspectivas são incertas. “Agora não posso escolher, aquilo que aparecer tem que agarrar com as duas mãos”, lamenta.
A fatia dos bancos
As regras mais duras põem em xeque o caráter protetivo da previdência e encorajam as pessoas a buscarem outra alternativa na iniciativa privada. Dados da Federação Nacional de Previdência Privada (Fenaprevi) demonstram que o investimento em planos de
Difusas e negativas - como os trabalhadores veem a reforma? “A principio, eu tenho visto de uma forma negativa o que tem acontecido, com relação ao trabalhador. Eu não vtenho visto muita coisa, mas em relação ao trabalhador vai ser um retrocesso. Vai ser muito tempo trabalhando para se aposentar. Atualmente não acho que afetaria, mas para o futuro sim”
“Eu não tenho acompanhado muito as reformas, mas pelo que eu estou vendo não é muito bom, né? A aposentadoria é péssimo, trabalhar 30 e poucos anos e não conseguir se aposentar... Eu não sei explicar muito bem, mas isso não é bom”
“Eu acho negativo esse negócio, porque estão tentando tirar direitos do trabalhador, né? Rodrigo Castilhos, 35, motorista de Uber e garçom
Laís de Souza Dornelles, 19 recepcionista
Jairo da Silva, 27 vigilante
previdência privada cresceu 6% no último trimestre de 2016 e 55% no primeiro trimestre deste ano, quando a reforma passou a ser discutida nos círculos políticos. No mesmo período, os fundos captaram R$ 12,6 bilhões, descontando os resgates. Na unidade do centro do Sicredi de Bento Gonçalves, onde as pessoas se amontoam nas filas por atendimento dos executivos de terno e gravata, não é diferente. A estimativa é de um aumento de 40% na busca por planos de previdência privada, sobretudo nas camadas denominadas no jargão bancário de “varejo”, que representa as pessoas que ganham até dois salários mínimos. O gerente da unidade, Lucas Sartoretto, expõe que a única diferença de uma aplicação de previdência privada para outro investimento qualquer é que o primeiro oferece um olhar em longo prazo. “Não é como os outros ativos”, explica. Para Gabardo, os bancos querem se eximir dos riscos, uma vez que os planos privados não oferecem subsídios em caso de acidentes ou mortes repentinas. “Se você contribuir por dois anos, vai receber somente os dois anos que você contribuiu”, explica. Ele argumenta que na previdência social, o regime é de caráter protetivo.
O futuro do trabalho
As mudanças no mercado de trabalho brasileiro e a resistência às reformas promovidas no nível institucional revelam um embate entre visões de mundo distintas. O governo federal está alinhado com o discurso de que, em uma era dominada pelos serviços, a informática, startups e marcas milionárias, o trabalho tradicional já não é o único gerador de valor. É a era do esforço intelectual, na qual as relações tradicionais de trabalho já não fazem
sentido. A globalização econômica, nesse cenário, é inevitável, e é necessário acompanhar os avanços mundiais para não ficar irremediavelmente para trás na corrida do desenvolvimento. Críticos dessa visão acompanham o pensamento de outros autores, notadamente o sociólogo Ricardo Antunes. O professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) vê as mudanças estruturais no mundo do trabalho como uma nova tentativa de superexploração do trabalho. O esforço humano, para ele, nunca perdeu a capacidade de gerar valor. Contudo, ao incentivar jornadas parciais, o trabalho de casa, contratos por produtividade e o trabalho informal, entre outros, o capital estaria incutindo numa forma mais sutil, porém mais profunda, de extração do excedente do trabalhador. Trata-se de trabalho precarizado e propositalmente desvalorizado, pois não há garantias sociais nem estabilidade. Ao mesmo tempo, mina-se a capacidade de resistência do trabalhador, já que as novas formas de contrato não se enquadram nos modelos de atuação dos sindicatos tradicionais, cada vez mais institucionalizados. “Estamos num momento extremamente crítico e pulsante no sentido de alterações”, aponta a especialista em Direito do Trabalho Adriane Lopes, que crê que as diferenças geracionais entre os trabalhadores de hoje e quem está entrando no mercado também influenciarão o mundo do trabalho do futuro. Ela diz que, com as mudanças propostas no Brasil, a tendência é de que o Estado se afaste das relações trabalhistas, mas em grau incerto. “Eu acho que nós vamos andar num ajuste, uma certa limitação na ingerência normativa da Justiça do Trabalho. Mas é bom lembrar que o Brasil é membro fundador da Organização Internacio-
nal do Trabalho (OIT) da ONU, então ele também não pode precarizar de forma generalizada. Ele tem que se posicionar sobre que tipo de país ele é”, enfatiza. A professora Maria Carolina Gullo também acredita que falta um amplo debate sobre os destinos do país. “Tem uma discussão que tem que ser feita antes dessas reformas. Trata-se de definir qual o tamanho de Estado que queremos, para então definirmos a reforma tributária, a previdenciária, entre outras”. A economista afirma que a tecnologia vai forçar o trabalhador a se capacitar cada vez mais. “Entendo que é um movimento necessário, precisamos ser mais eficientes na produção e isso passa por mais produtividade e mais qualificação da mão de obra”, conclui. As mudanças estruturais, porém, acontecem em ritmos diferentes e de formas distintas dentro de uma mesma sociedade e cada pessoa é afetada de uma maneira por elas. Rodrigo Castilhos, 35 anos, está na vanguarda das novas relações de trabalho. Ele é motorista de Uber. No entanto, enxerga com outros olhos sua relação com a empresa. “É só a plataforma, né? Eles que me passam os clientes. Eu não me considero como um empregado deles. É como um serviço que eles prestam”. Emprego mesmo, ele tem outro. “Tenho outra ocupação também, sou garçom. Isso é só mais um extra”, conta. Rodrigo e outros trabalhadores consultados pela reportagem veem de forma negativa as mudanças propostas nas relações de trabalho (ver quadro). Mas vivenciam, na prática, contradições. A recepcionista Laine de Souza Dorneles e o vigilante Jairo da Silva, 27 anos, trabalham em empresas terceirizadas. Ela agarrou a oportunidade de trabalho quando pôde, pela dificuldade de encontrar outro. Laine quer cursar Design Gráfico, apesar de hoje não conseguir pagar as mensalidades do Ensino Superior. “Está bem distante ainda, estou esperando”, conta. Jairo, que estava desempregado há um ano, vê o novo emprego como uma escada para conseguir seu objetivo. “Para o futuro, eu pretendo fazer Arquitetura. Na verdade, eu estou querendo prestar Vestibular agora, no final do ano”. Em meio às incertezas e à possibilidade do fim de direitos que permeia o debate público, o sonho do trabalho como realização pessoal prospera.
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INFLUENCIADORES
Redes POPULARES Em um mundo conectado, a bola da vez são os influenciadores que produzem conteúdo e animam a audiência por andrÉ sEBBEn
ramos
As redes sociais estão popularíssimas. Só no Facebook, são 2 bilhões de usuários ativos diariamente alimentando um feed de notícias, em meio a compartilhamentos, curtidas e haters. O Youtube, por sua vez, vive uma curva ascendente de vloggers e influenciadores político-sociais que utilizam a plataforma para fomentarem verdadeiros círculos neo alguma coisa. Tem de tudo! Desde receita de bolo, passando pelos arranjos macroeconômicos, até a intimidade de um casal pré-núpcias. Não é a toa que a gigante Google orgulhosamente expõe a sua plataforma de pesquisa como a mais acessada do mundo, gerando quase 4 bilhões de pesquisas diárias. E para espanto geral, a internet não é vista apenas como uma fonte de informações úteis. Pelo contrário! A empresa de pesquisa de mercado norteamericana Pear Analytics publicou um estudo mostrando que 40% das mensagens no Twitter são “bobagens sem sentido”, ao passo que 37% dos tweets são “bate-papos” e somente 8,7% têm “alguma informação” relevante. Vamos aos fatos: as redes estão aí para nos divertir!
Viralizando
A demanda por um conteúdo leve e que, ao mesmo tempo, emocione, tem sido criteriosamente os mesmos dos vídeos mais buscados das redes. Quem seguir a receita tende ao sucesso espontâneo. A questão é, manter. Diogo Elzinga, um dos vloggers de sucesso tanto no Youtube quanto no Facebook, parece ter chegado em uma constância almejada. “As métricas do Facebook falam que de duas a três milhões de pessoas assistem meus vídeos semanalmente”, afirma. Contando desde o início da carreira virtual, há quase dois anos, são 200 milhões de visualizações! “A estatística da rede também sinaliza que 73% são mulheres e, a faixa etária que mais me acompanha são jovens de 18 a 24 anos”, ressalta com precisão. Para Elzinga, a nostalgia tem sido uma das chaves para gerar fluxo on-line com suas produções audiovisuais. [olho]“As pessoas gostam de lembrar da sua cidade natal, das memórias de infância, elas simplesmente adoram!”. Com dezenas de vídeos voltados para narrar o cotidiano de cidades do estado, como Caxias do Sul, Farroupilha, Bento
1.9 bilhões de usuários ativos
YouTube 1 bilhão
Instagram 700 mil Diogo Elzinga, ator e jornalista
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320 mil
Dicionário da web o que significa estes termos?
Gonçalves, Elzinga classifica seu estilo como humorista com informação. “Enquanto jornalista, tenho a preocupação de passar conteúdo para as pessoas, não apenas dar risada e não lembrar de nada depois”, conclui.
Parcerias
Blogueiro: internauta que mantém um blog online com posts escritos e com imagens de sua autoria. Vlogger: diferente do blogueiro, o vlogger produz vídeos de sua autoria. Costuma manter um canal de vídeos nas plataformas de vídeo e streaming, entre elas o Youtube e o Facebook. Youtuber: internauta que mantém produção audiovisual no seu canal dentro do Youtube. Costuma monetizar suas produções, recebendo cifras de acordo com o seu rankeamento na rede. Instagrammer: internauta que publica conteúdo no Instagram. Alguns são profissionais, monetizando suas publicações. Snapchatter: internauta que publica conteúdo no Snapchat. A monetização do Snapchat é mais rara no Brasil.
A maleabilidade das redes sociais em conjunto com o potencial multimídia da internet abriu um espaço novo para produções em equipe. O mágico, humorista e agora também vlogger Caciano Kuffel tem surfado a nova onda da web utilizando-se de parcerias. Aliás, várias histórias foram publicadas por ele com a participação de Elzinga. “As redes sociais divulgam o meu trabalho como também são meu próprio trabalho”, aponta. Atuante no setor empresarial, Kuffel aposta no poder de segmentação que as redes sociais oferecem. “As empresas buscam visibilidade por nicho e eu consigo alcançar esses públicos de forma orgânica”, explica. Apesar da procura pelo marketing de conteúdo, o humor parece estar sentado no trono da realeza. “O humor libera endorfina, faz as pessoas se sentirem próximas umas das outras, por isso ele é tão necessário”, finaliza.
Humor em instantes
Idealizador do 1quarto, conta no Instagram especializada em humor, Erick Clepton é outro comediante que vem colhendo frutos de seu trabalho nas mídias. “Todas as mídias!”, observa pontualmente ao ser questionado se valoriza alguma em detrimento de outra. “As redes sociais são mutáveis e fica difícil se fidelizar a uma delas”, aponta. Além de manter uma produção constante no Instagram, Erick atua e escreve no Coletivo Audiovisual. “Cada rede tem seu valor pois trabalha com conteúdos diferentes, como por exemplo o Instagram Stories que permite vídeos de marcas, já o Facebook tem o fator humano que agrega as pessoas, possibilitando que o conteúdo seja compartilhado”, esclarece o responsável por manter a audiência de mais de 20 mil pessoas antenadas no canal 1quarto.
Acessibilidade
Das 7 bilhões de pessoas no planeta Terra, 3,2 bilhões já vivem no planeta virtual. O acesso à internet é tão relevante que a ONU declarou, em 2013, a conexão à internet como direito universal. O sociólogo espanhol Manuel Castells publicou, em 2007, três volumes com bilhões de bits mostrando como a internet favorece o desenvolvimento econômico e, consequentemente, o desenvolvimento humano. Clepton vê com entusiasmo o futuro da sociedade em rede. “Já é possível fazer transmissões em streaming com equipamentos relativamente baratos. A nova tecnologia abre um leque a ser explorado pelos criadores de conteúdo”, pondera. “Todas essa mudanças são avanços exponenciais, é só ficar antenado. O futuro é show”, exalta-se com o otimismo peculiar da nova geração.
Erick Clepton, humorista e comediante da 1quarto
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Há 50 anos, o conhecimento ilumina o
A história diz quem somos. O presente, quem queremos ser. Há 50 anos a excelência em ensino, pesquisa e extensão impulsiona o crescimento das pessoas e o desenvolvimento da região. E, tão importante quanto valorizar o passado, é saber que essa força transformadora vai iluminar ainda mais o futuro.
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