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2018/4
EXPRESSaO R D D C
E V I S T A - L A B O R A T Ó R I O O C U R S O D E J O R N A L I S M O A U N I V E R S I D A D E D E A X I A S D O S U L
TODOS SÃO IGUAIS NA DIFERENÇA E DIGNOS DE VIVER COM RESPEITO
P.19
SOLIDARIEDADE
Projeto contra o desperdício de alimentos atende entidades em Caxias P.29
DOADORES DE ALEGRIA Voluntários levam atenção aos pacientes, pais e profissionais P.32
ENERGIA RENOVÁVEL Municípios brasileiros buscam novas maneiras de energia limpa P.38
EXPRESSaO 1
EDITORIAL O lado mais rico da cidade
C
axias do Sul um lugar de cidadania. Com isso em perspectiva, a Revista Expressão deste semestre busca mostrar o capital humano que a cidade carrega e, também, suas contribuições para a construção de um mundo cada vez melhor e mais cidadão. Incluir, construir, expressar: essa é a nossa marca; cada dia mais cidadãos; cada dia mais caxienses. Caxias do Sul é rica em cultura. E isso implica reconhecer as diversas formas de expressão da criatividade nos quatro cantos do município. Considere-se, também, que expressar é agregar, incluir, agrupar. É reunir diferentes olhares, ideias e movimentos para a construção do lado mais bonito de uma cidade: o humano, que é, também, diverso, múltiplo, complexo.
Apesar de eleita Capital Brasileira da Cultura, em 2009, a cidade agoniza quando se trata de políticas públicas voltadas ao entretenimento, à arte e às suas diferentes expressões. Esse cenário colabora para que os índices de criminalidade aumentem. Com números crescentes, não somente em Caxias, mas em toda a Serra gaúcha, cabe a reflexão: o que é papel do Estado e o que é papel do cidadão? Ao poder público caberia cuidar do bem-estar de seu cidadão e não o inverso. O ato de expressar-se perpassa todos os aspectos da vida humana. Basta uma expressão facial para saber se o alimento está bom ou ruim. Basta um gemido para identificar a dor. A responsabilidade intransferível do Estado para com seu cidadão não nos dispensa do cuidado com o outro. E, nesse sentido, Caxias tem “feito a lição de casa”. Na saúde, grupos se solida-
rizam levando atenção e alegria a hospitais, construindo práticas que colaboram com o bem-estar daqueles legados à vulnerabilidade social. Essa diversidade se manifesta em grande número de outras ações sociais, que, acima de tudo, buscam o melhor para a comunidade. Entre as principais delas, é possível destacar o reaproveitamento de alimentos. O que iria para o lixo vira comida para crianças e adolescentes. Em muitas situações, quando pensamos na cultura, acabamos deixando de lado uma perspectiva fundamental. Cultura é, sobretudo, desenvolver, estimular e fortalecer um modo de ser, ver, compreender o lugar onde vivemos. Nesse sentido, Expressão oferece sua contribuição, cumprindo algumas pautas que buscam mostrar o lado mais rico da cidade: o humano.
SUMÁRIO
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CIDADE
ECONOMIA
CULTURA
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Municípios da Serra Gaúcha sofrem com escalada da violência
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A experiência da uva e do lúpulo degustados de outra forma
Empréstimos na mira do Procon
Arte é a esperança para jovens e crianças
EDUCAÇÃO 15 18
Pés no presente, olhos no futuro Educaão a distância no Ensino Superior cresce no Brasil
EXPEDIENTE Repórteres
Reitor
Álan Pissaia Alana Elisabeth Rodrigues Maciel Alana Fernandes Bruna Fernandes Valtrick Caroline Rosa Cindy Joiner Moura de Oliveira Djeison da Silva Felipe Michelon Padilha Francine Boff Gabriela Soares Palma Juliane Spigolon Leonardo da Silva Portella Luana Padilha Marina Lima Nunes Mario Ducatti Neto Marlon Fernandes Lima Roberto Peruzzo Rodrigo Fantinel Sarah Almeida de Carvalho Vanessa Barbosa Pegoraro Vitória Perini Gobbi
CADERNO ESPECIAL
SAÚDE
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Produção orgânica como forma de alimentação saudável
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Governo estuda lei que proibe vender doces em escolas Jejum intermitente é alternativa para vida mais saudável
Todos são iguais na diferença e dignos de viver com respeito
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Dr. Evaldo Antônio Kuaiva
Diretor da Área do Conhecimento de Ciências Sociais Me. Fabio Eberhardt Teixeira
Coordenador do curso de Jornalismo Me. Marcell Bocchese
Disciplina
Projeto Experimental II - Revista
Professora
Dra. Marlene Branca Sólio
SOCIAL
MEIO AMBIENTE
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Solidariedade pode ser arma contra o desperdício de alimentos
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Tendência dos empreendimentos sustentáveis em Caxias do Sul
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Solidariedade, afeto e esperança: “a arte de passar adiante”
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Sol e vento a favor da economia e da preservação ambiental
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Doadores de alegria
34
No País, proporção de famílias disponíveis por criança é de 5x1
EXPRESSaO 3
CIDADE
M
unicípios da Serra gaúcha sofrem com escalada da violência Caxias do Sul e Bento Gonçalves são alvos de facções ligadas ao tráfico de drogas que se instalaram na região nos últimos cinco anos ALANA FERNANDES MARLON LIMA ROBERTO PERUZZO
O
nordeste da Serra gaúcha concentra mais de 600 mil habitantes. Paralelamente, Caxias do Sul e Bento Gonçalves reúnem o maior número de assassinatos da Serra. A tão sonhada calmaria já não existe na região, tida como uma das menos violentas do Rio Grande do Sul até pouco tempo. Atualmente, os habitantes sentem os efeitos das más gestões políticas, que não investem em segurança pública, seja em decorrência de falta de recursos, ou por improbidade. Com isso, a população fica à mercê de indi-
víduos que não têm compromisso com a vida do próximo. Segundo dados divulgados pela Secretaria de Segurança do Rio Grande do Sul, o ano de 2017 foi o mais violento na Capital do Vinho: 33 assassinatos foram registrados entre homicídios e latrocínios (roubo com morte), em Bento Gonçalves. Pela primeira vez, o município viu o índice ultrapassar a marca dos 30. Em resposta, o Executivo tratou de pôr em prática um projeto antigo: a criação da Secretaria de Segurança do município, para coibir o crescimento da violência. Caxias do Sul, por outro lado, viu DIOGO SALLABERRY
O sistema penitenciário deve trabalhar na reeducação dos detentos
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os homicídios e latrocínios reduzirem, mesmo que de forma pouco acentuada. Apesar do alto número, 127, em todo o ano de 2017, o município teve uma redução de 15,3%, se comparado a 2016, quando 150 pessoas perderam a vida. De janeiro a outubro de 2018, já são 92 mortes violentas. “Embora haja diferença entre um ano e outro, entendo que ainda é um grande número de mortes. Atribuímos isso principalmente à chegada de facções criminosas nos últimos cinco anos. Elas procuram estender o seu poder e fazem isso matando”, afirma o delegado Marcelo Grolli, da Delegacia Regional de Caxias do Sul. A falta de recursos é uma das principais causas para o abandono da segurança por parte dos governos. Contudo, essa realidade não ocorre na Capital do Vinho. Bento Gonçalves ainda registra mais admissões nos setores produtivos, apresentando desenvolvimento econômico. Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), em agosto apenas 2,44% dos habitantes da cidade estavam desempregados. Mesmo assim, o número de assassinatos continua aumentando. O Secretário de Segurança do município, José Paulo Marinho, atribui a crescente violência
CIDADE à ocupação máxima do Presídio Estadual de Bento Gonçalves. “Não há cumprimento de pena. Sabemos que é uma questão de superlotação. Isso denota para o delinquente uma sensação de impunidade”, afirma. Outro fator citado por ele para a alta na criminalidade é a transferência de presos de alta periculosidade para Caxias do Sul. “Meu receio é que as facções já existentes se associem a organizações criminosas, de outros estados”, diz.
HOMICÍDIOS POR MÊS EM BENTO GONÇALVES
Desigualdade social Para o professor e sociólogo Paulo Wunsch, de Bento Gonçalves, o aumento da insegurança e violência está totalmente ligado ao crescimento da desigualdade social. “A maioria dos homicídios ocorre nas regiões mais pobres das cidades. Geralmente, envolve jovens com menor escolaridade. Isso reflete uma situação de crescimento de desemprego, de pobreza, de falta de perspectiva de futuro”, comenta Paulo. Não somente em Bento Gonçalves, como em todo o País, o crime é movido principalmente pelo tráfico de drogas. Segundo o sociólogo, o consumo de entorpecentes ocorre quando o indivíduo não tem projeção de futuro. “Quando não se tem uma perspectiva de futuro, e só se pensa no presente, abre-se um leque para o consumo de drogas”, analisa Wunsch. A periferia da Capital do Vinho reúne as áreas mais perigosas: bairros Municipal, Eucaliptos, Zatt e Vila Nova II, Ouro Verde e Conceição. Outro ponto que deve ser ressaltado, segundo o sociólogo, é o sistema penitenciário no Brasil. Isso porque os presídios, hoje, servem como fomento do crime organizado e não como uma forma de reeducação para retomar o convívio social após o cumprimento da pena. “Hoje, não adianta só prender. Porque, na realidade, estamos com uma
HOMICÍDIOS POR MÊS EM CAXIAS DO SUL
falência do sistema prisional. Retirar as pessoas do convívio social é necessário como forma de punição. No entanto, eles só punem. A perspectiva histórica de um presídio é para punir e reeducar. Porém, essa parte de educação não existe”, avalia o professor de Bento Gonçalves. Wunsch acredita que não haja como solucionar a violência em
curto espaço de tempo. Isso porque, para resolver esse problema, é necessária a construção de um Estado de Bem-Estar Social. Ou seja, um estado com políticas que fomentem o crescimento, com o desenvolvimento da economia, paralelamente à criação de políticas sociais como educação e segurança.
EXPRESSaO 5
CIDADE
A
experiência da uva e do lúpulo degustados de outra forma O vinho e a cerveja tornaram-se mais do que ingredientes nas festividades: transformaram-se, também, em empreendimento no turismo. DANDY MARCHETTI
Passeios por roteiros de enoturismo da Serra gaúcha
ALANA RODRIGUES CINDY JOINER
Q
uem ainda não ouviu falar em enoturismo, com certeza, em breve, ouvirá. Ele é o turismo focado em vinhos e em tudo que abrange essa bebida. O enoturismo desenvolveu-se rapidamente no Brasil nos últimos 20 anos. Com o crescimento e profissionalização das vinícolas, foram criados espaços para quem busca conhecer mais sobre essa bebida. Os turistas são recebidos pelos proprietários das vinícolas, pelo fato de os empreendimentos terem um perfil mais familiar. Essa inovação dos vitivinicultores
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teve grande avanço e não comprometeu a receptividade dos empreendimentos. Essa atividade turística não trata apenas da apreciação do vinho, mas também da cultura que abrange a bebida. Ela baseia-se na apreciação do sabor e aroma dos vinhos e das tradições e cultura das localidades, promovendo, assim, o conhecimento de todas as etapas do processo produtivo. O visitante tem oportunidade de passear pela vindima, realizando a colheita das uvas e podendo, também, interagir com os trabalhadores locais.
Uma opção frente ao tradicional Mesmo novo na produção de vinhos, o Brasil torna-se referência nesse campo, seja pela qualidade, seja pela variedade dos serviços oferecidos. A Serra gaúcha é onde encontra-se uma das principais rotas do vinho. Um roteiro de enoturismo completo contempla, além dos passeios à vindima, hospedagem, gastronomia, compras, muita diversão e, claro, lembranças inesquecíveis. O Vale dos Vinhedos é o principal roteiro de enoturismo do Brasil.Com 22 vinícolas compondo
CIDADE a rota de vinhos, o enoturismo cresce cada vez mais. Somente no ano de 2017 foram 415 mil visitantes, número que tende a crescer de 2% a 5% anualmente. “Algumas famílias são beneficiadas pela elaboração do vinho, pois cultivam uvas e fornecem sua produção para as vinícolas locais. Também temos algumas famílias que elaboram vinho colonial em pequena escala, além de geleias, sucos, queijos etc, para fornecimento a empresas ligadas ao enoturismo”, segundo a turismóloga Naiára Martini, do Vale dos Vinhedos.
O enoturismo permitiu aproximação com o consumidor final, sendo uma possibilidade de mostrar às pessoas o que a vinícola produz O Vale dos Vinhedos gera aproximadamente 2000 empregos diretos, e a preferência para contratação também é a mão de obra local. Considere-se, ainda, que nas festividades e programações especiais, há o envolvimento da comunidade. “Um exemplo disso é que o Vale dos Vinhedos é o único distrito que ainda elege rainha e princesas. As meninas da comunidade promovem a cultura e a história em ações diversas” relata Naiára Martini. A Cooperativa Vinícola Aurora faz parte desse mundo de Enoturismo. A supervisora do Departamento de Turismo e Loja de Vinhos, Ana Maria de Paris Possamai, conta que a Vinícola foi a pioneira do Enoturismo no Brasil, em 1967, quando a cidade de Bento Gonçalves realizou a 1ª Fenavinho – Festa Nacional do Vinho. No evento, as vinícolas foram convidadas a abrir as portas para oferecer uma opção a mais aos visitantes. “O enoturismo permitiu aproximação direta com o consumidor final, sendo uma possibilidade de mostrar às pessoas o que a vinícola produz”, relata
ALANA RODRIGUES
EXPRESSaO 7
CIDADE ROALI MAJOLA
Fachada do Cooperativa Vinícola Aurora
Ana Maria. O enoturismo oferece vantagens, como o contato direto com o consumidor; a possibilidade de educar o visitante no sentido de desmistificar o consumo de vinho, mudando a crença de que ele é um produto de elite; a simplificação de regras para consumo; a venda direta; a difusão da cultura local e o desenvolvimento endógeno. A Serra gaúcha é responsável por 85% da produção nacional de vinhos, de acordo com balanço realizado pelo Ibravin. Cidades como Gramado, Carlos Barbosa, Bento Gonçalves e Pinto Bandeira fazem parte da rota de vinhos da região serrana. Com uma produção de 12 milhões de garrafas por ano, o lucro gerado é grande. Cada turista gasta em torno de R$ 400,00 por dia na rota de vinhos.
A rota do lúpulo No mesmo caminho da rota dos vinhos, outra bebida popularmente conhecida e apreciada está se destacando no turismo. Sempre presente na rotina de
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grande parte dos brasileiros, a apreciação de cervejas tomou novo rumo. Marcas tradicionais, vendidas em fardos nos supermercados, começaram a disputar espaço com rótulos artesanais que, mais do que matar a sede, prometem uma experiência diferente ao degustador, reunindo aroma e sabor. O crescimento da produção de cervejas artesanais e pubs onde elas são servidas chama atenção de turistas e dos próprios moradores da Serra.
Eu via só gente daqui que buscava um lugar pra passar o domingo. Agora faço amizade com pessoas da fronteira e de Santa Catarina O cuidado durante a produção de cervejas artesanais é o principal ingrediente. Produzidas em casa ou em microcervejarias, elas têm algo em comum: o resultado final interessante e diferente. É em busca desse resultado que a publicitária Joana Müller, 36
anos, ocupa seus finais de semana. Apreciadora da bebida desde a adolescência, há poucos anos ela se interessou pela forma artesanal como a cerveja é produzida e, desde então, se apaixonou. “Sempre gostei muito de tomar, porém sempre tomava a que estava disponível. Quando conheci meu noivo, que conhece bastante sobre o assunto, passei a me interessar, e hoje é um dos meus hobbies preferidos”, conta Joana. Juntamente com o companheiro, o administrador Renato Dartora, ela se aventura pelos pubs e cervejarias de Caxias e região durante os feriados e fins de semana, e ressalta que o movimento de pessoas de fora da região cresceu muito nos últimos anos. “Antigamente, a gente via só gente daqui que buscava um lugar pra passar o domingo. Agora, faço amizade com pessoas da fronteira e até de Santa Catarina,” conta, mostrando o quanto esse nicho do turismo vem crescendo. Levantamento realizado pelo Jornal Pioneiro em 2016 mostrou que a cidade tinha 11 cervejarias em funcionamento, que juntas
produziam quase 100 mil litros de bebida por mês. Entretanto, o número de pubs e bares especializados na arte do lúpulo ultrapassa em muito esse número. “Geralmente, as cervejarias oferecem espaço para bebermos e nos divertimos, mas, além delas, existem muitos bares que têm a cerveja como principal produto. Eu acho que já visitamos todas na região”, diz ela rindo. Comumente realizado em outubro, nos Pavilhões da Festa da Uva, o Cerva Serra chega à sua sétima edição este ano. O encontro reúne fabricantes e amantes da bebida para a apreciação de mais de 100 cervejas de diversos produtores da Serra. Em 2018, ele ocorreu no dia 27 de outubro.
Unir o útil ao agradável Acompanhando o crescimento desse setor no turismo gaúcho, o programador de centro de usinagem Juliano de Souza resolveu investir em uma de suas maiores paixões. Apreciador da bebida desde sempre, começou a fabricar cerveja em casa há alguns anos; porém, só para consumo próprio e de amigos. Logo surgiu o desejo de se profissionalizar e dar uma “cara” para o produto feito em casa. Dessa forma, no ano passado, nasceu a marca TiNis Bier. Mesmo sem ter sede própria, já que ocupa a estrutura física de outras microcervejarias (Juliano se denomina “cigano”), o negócio vem dando resultados: pequenos, mas importantes. Para a produção são necessários poucos materiais, como um moedor, tina de mostura, tina de clarificação e tina de fervura, além de unidade de resfriamento e câmara fria. Ele também explica como é o processo.“A primeira etapa é a brassagem, quando são feitas a mistura, a filtragem e, em seguida, a maturação e a fervura. Depois, a etapa da fermentação, em seguida a maturação. E, por fim, a etapa do envase”, explica ele. Atualmente, são fabricados dois tipos: a Munich Helles, que segue a escola alemã, e a American Pale, que segue a escola americana. Juliano entende que o mercado de cervejas artesanais é promissor na Serra gaúcha e, por isso, não pensa em desistir, inclusive tem grandes planos para a TiNis Bier. “Com bastante divulgação e planejamento na produção, pretendo que ela se transforme numa microcervejaria sólida no mercado”, garante ele.
EXPRESSaO 9
ECONOMIA
E
mpréstimos na mira do Procon
Em Caxias do Sul, até agosto de 2018, órgão registrou que 40% das reclamações eram de cidadãos entre 51 e 70 anos; serviços financeiros são o segundo maior alvo das denúncias
FELIPE PADILHA
Q
uem nunca se sentiu lesado, seja num supermercado, numa loja ou num posto de combustível? Muitas pessoas reclamam, mas não formalizam denúncias. Em Caxias do Sul, cidade de mais de 500 mil habitantes, mais de 76 mil têm faixa etária entre 50 e 69 anos, conforme dados do IBGE. Eles representam cerca de 15% dos moradores. De acordo com o Procon local, esse é o segmento que reúne a maior parte das denúncias registradas: cerca de 40%. Segundo o coordenador do órgão de defesa do consumidor, Luís Fernando Del Rio Horn, tem crescido em todo o Brasil, e so-
bretudo em Caxias do Sul, o número de denúncias feitas por idosos acerca de empréstimos pessoais e consignados. De acordo com dados do Ministério da Justiça, até o final de setembro de 2018, dos quase 1,6 milhão de atendimentos, 447 mil, ou seja, 29% estavam relacionados a serviços financeiros. Na cidade, eles são o segundo maior alvo. Foi o que aconteceu com Maria Madalena de Morais, de 58 anos. A aposentada teve a assinatura falsificada em documentos de solicitação de empréstimo e se deu conta da situação ao verificar o desconto de R$ 46 do valor do benefício. Ao verificar a papelada, constatou-se que, de
fato, o empréstimo não foi solicitado pela titular. O Procon orientou a aposentada a buscar a Justiça de Pequenas Causas. Ela, no entanto, se disse satisfeita com a ação do órgão. “Esclareceram as minhas dúvidas e foram atrás daquilo que me interessava, além de me apresentarem os caminhos que eu poderia seguir”, relata. Ainda conforme o coordenador, os números do Procon estão em fase de crescimento. Os serviços essenciais são os mais reclamados. Preços praticados pelas revendas de combustíveis são outro alvo dos atendimentos.
FOTOS: FELIPE PADILHA
Idosos são surpreendidos com descontos nos benefícios; eles representam maior índice de denúncias ao Procon, no País
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ECONOMIA Procon e os combustíveis
Horn reitera aumento da fiscalização e multas superiores a R$ 4 mihões
O Procon nunca fiscalizou tantos postos de combustíveis, seja pela qualidade, seja pela comunicação visual ou pela propaganda enganosa. Nos parece que era um ramo que precisava de fiscalização
De acordo com Horn, desde o início de 2017, o órgão tem dado grande atenção às demandas que chegam dos consumidores acerca de postos de combustíveis. Segundo ele, do total de 678 inspeções, mais de uma centena são relacionadas às revendas de gasolina e derivados. “O Procon nunca fiscalizou tantos postos de combustíveis, seja pela qualidade, seja pela comunicação visual ou pela propaganda enganosa. Parece que era um ramo que precisava de fiscalização”, afirma. Uma das comemorações de Horn foi a reinserção da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) em Caxias do Sul, para analisar, em conjunto com o órgão, a qualidade dos combustíveis na cidade. “O Procon, no entanto, não tem ingerência nos preços praticados por revendas, em função da Lei do Livre Comércio”, lamenta o coordenador do órgão de proteção aos direitos do consumidor.
Primo pobre O presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo, de Empresas de Garagem, Estacionamento, de Limpeza e Conservação de Veículos e Lojas de Conveniência de Caxias do Sul e Região (Sindipetro), Eduardo Martins, faz coro com Luís Fernando Del Rio Horn, no que diz respeito à fiscalização e controle de preços nos postos. Para ele, o grande problema dos combustíveis não está nas bombas, mas nas estruturas de refino e distribuição. Além
disso, o valor está diretamente associado à tabela do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). “O que nos impacta é a carga tributária. Aqui, a gasolina e o etanol têm acrescidos 30% de imposto estadual”, observa. Segundo Martins, as revendas não conseguem repassar os aumentos que sucederam desde julho de 2017. “Tem que ter pressão sempre, mas o cidadão precisa entender toda a cadeia. A revenda é o primo pobre da cadeia do combustível”. Martins vê que o problema está na carga tributária
EXPRESSaO 11
CULTURA FOTOS: VITÓRIA GOBBI
A
rte é a
Projetos sociais são trampolim
VITÓRIA GOBBI
A
Atividades culturais proporcionam conhecimento e alegria no Canyon
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crescente violência nos centros urbanos é consequência da fraca presença do Estado. O combate à violência tem origem, assim, em camadas que afrontam e lutam contra a exclusão social, causa e consequência de vidas violentas. O índice de jovens que perdem a vida por causa da violência urbana é alto. Em 2017, em 127 assassinatos em Caxias do Sul, 48 das vítimas tinham entre 18 e 29 anos, e seis delas eram menores de idade. Uma das válvulas de escape da perspectiva de futuro truculento para comunidades, crianças e adolescentes, são os projetos sociais artísticos e culturais. Segundo a Socióloga e Doutora em Ciência Política Ramone Mincatto, “esses projetos despertam na criança sua sensibilidade, a possibilidade de desenvolverem habilidades, de descobrirem seus talentos e, sobretudo, de expressarem seus sentimentos de alegria ou tristeza, de frustração, de ansiedade, inconformidade, problematizando simbolicamente a sua realidade, expondo o seu próprio inconsciente”. A Constituição Federal de 1988 assegura o direito à cultura e ao lazer para toda a população. Ramone salienta que, na prática, as políticas culturais no Brasil são elitistas, e apenas as elites têm acesso ao tea tro, a obras de arte de artistas reconhecidos e a museus. “As mercadorias culturais são, de modo geral, produzidas por uma elite cultural, do centro do País, que dispõe do
CULTURA
esperança para jovens e crianças de sonhos para jovens em situação de exclusão que buscam consciência do que vivenciam
monopólio dos recursos”, ressalta. Conforme Ramone, sobra aos setores vulneráveis a política de assistência social. “Ela acaba desempenhando a função de controle social, uma vez que carece de recursos humanos e materiais para oferecer aos jovens em situação de vulnerabilidade social uma formação humana e de qualidade. O mesmo vale para a política educacional brasileira”, argumenta. Contrapondo-se à perspectiva de arte e cultura somente para a elite, em Caxias do Sul, no bairro Canyon, o Centro de Atividades Múltiplas Integradas São José – CAMI São José - oferta, há 14 anos, aulas de musicalização, violão, culinária, capoeira, hip-hop, artesanato, teatro e desenho. Cerca de 80 crianças e adolescentes de cinco a 16 anos participam de atividades culturais diárias que visam ao fortalecimento devínculos e atividades que ocupem seu “tempo livre”. Numa terça-feira, enquanto o professor Jhon ensina hip-hop, a educadora social Rosana, na cozinha, orienta outro grupo de crianças e adolescentes a misturar farinha e chocolate para um bolo. Em outra sala, ocorrem aulas de violão. Na aula de hip-hop, Evelyn e Cristian, ambos de 10 anos, aprendem passos. Gabriel, 12 anos, ensaia dança em frente ao espelho. “O hip-hop divulga a cultura, a arte e envolve amizade”, diz o garoto. Elisson, de nove anos, estudante da Escola Municipal Luiza Morelli, gosta de participar das aulas de culinária
porque “é bom para levar o caderninho de receitas para casa”. Já Iasmin, 10 anos, comanda o grupo para fazer um “bolo vulcão”. “Eu quero ser professora”, diz ela. As crianças sabem da importância das atividades que a entidade oferece. Maiandra, 12 anos, vai ao CAMI todos os dias e diz sentir-se em casa. “O que eu mais gosto é de dançar. Venho aqui porque me faz feliz”, conta a menina.
Sonhar e viver “Eu não danço porque vivo, eu vivo porque danço”. A frase é da adolescente Isabel Gabrieli de Almeida Pereira, de 12 anos. A estudante do 6º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Santa Corona, em Caxias do Sul, cresceu na arte, em modalidades como ballet clássico, jazz, dança contemporânea, canto, yoga e flamenco.
Mesmo praticando todas essas atividades, Isabel participa das aulas de dança oferecidas pelas Ações Complementares, projeto da Prefeitura Municipal, na escola. “Às vezes eu fico cansada, mas é o que eu amo fazer. A minha família me incentiva a dançar”, conta Isabel. Segundo o professor Paulo Henrique Franco Júnior, conhecido como “Juninho”, a dança tem várias formas de ser vista socialmente, e cada projeto tem uma carência a suprir. “Pode ser como diversão, terapia, hobbie. Meu trabalho como educador é levar a dança para as escolas e minhas funções são diferentes em cada uma delas, porque cada turma tem diferentes expectativas. Uns querem coreografias para dançar com os colegas, apresentar, ou apenas aprender novos passos. E tem aqueles que sonham em viver um tempo bom com a dança e até ir atrás de um sucesso”, explica Juninho.
EXPRESSaO 13
CULTURA
Por meio do hip-hop, grupo externa suas preocupações com a sociedade
Esperança do gueto “Sem discovery kids nem tv globinho, bom dia e companhia era o tiro dos meus vizinhos.” A frase compõe a música de rap “Você tem que correr”, do grupo Esperança do Guetto. O adolescente Mateus Medina, sua irmã Inaia, e seus primos, Taiara e Tiago, escreveram a canção e fundaram o grupo quando seu amigo Thiago Padilha, mais conhecido como “Nego Boy”, ganhou um beat em uma Batalha de Rap. “Nego Boy” integrava um grupo musical, o Conexão Subversiva. Enquanto ensaiavam, as crianças acompanhavam a batida. No entanto, em um momento de criatividade, as crianças compuseram essa letra crítica. “Eles interpretaram o refrão e criaram a letra em cima. Ficou ótimo. Eu pensei ‘nossa, que futurístico isso’. E eles interpretaram com sentimento”, lembra “Nego Boy”. Mateus Medina, 16 anos, conta que o grupo Esperança do Guetto tem inspiração em livros e ensinamentos tanto da escola quanto das ruas no sistema que, segundo eles, vão aprendendo a reconhecer. “O rap me ensinou a conhe-
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cer quem é o sistema, quem é a polícia. Aprendi, nas batalhas, bastante sobre cultura, rua”, conta o menino. O grupo se inspirou, inclusive, nos conhecimentos transmitidos pelo rapper “Nego Boy”, de 26 anos que é, também, MC (mestre de cerimônias no hip-hop), grafiteiro, e professor estagiário em uma escola estadual, como acadêmico de história na UCS. “Acredito que a arte é uma poderosa ferramenta de expressão e reflexão crítica, com ação transformadora. É uma extensão de cada um de nós”, salienta Thiago. Conforme o rapper, a cultura do hip-hop milita em prol do oprimido. “Para mim, isso serviu de inspiração, um referencial cultural de como utilizar a arte para sensibilizar pessoas a pensarem a respeito da condição humana antes de qualquer patrimônio material”, reflete. Do mesmo modo, desde que entrou na arte, Thiago a leva para os jovens em situação de vulnearibiliade social, com oficinas literárias, de desenho, de escultura e de pintura. “Os jovens, mais do que
nunca, necessitam de liberdade de expressão, pois vivem num ritmo outorgado que os obriga a abdicar de sua liberdade em busca de projeção no mercado de trabalho – isto quando existem as tais vagas –, gerando frustração e possível depressão a longo prazo”, considera. Como acadêmico de história, o rapper acredita que a arte independente vai crescer cada vez mais. “Ser artista e não ser crítico num mundo com regras tão injustas é, no mínimo, um grande desperdício de talento ou tempo, pois uma vez finalizada, ela se torna memória, um patrimônio cultural, que pode explicar todo o contexto de uma época e atravessar gerações”, ensina o jovem. O grupo musical das crianças pausou o caminho. Mas o menino Mateus, morador do bairro São Valentim, alerta que vai voltar a fazer rap e compor músicas, em busca da construção de uma sociedade melhor, mais politizada, inteligente, consciente socialmen te, levando, também, esperança ao guetto.
EDUCAÇÃO
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FOTOS: BRUNA VALTRICK
és no presente, olhos no futuro Professores iniciantes e experientes dividem olhares sobre uma das profissões mais desvalorizadas hoje BRUNA VALTRICK LEONARDO PORTELLA
A
lbert Einstein declarou que a tarefa essencial do professor é despertar a alegria de trabalhar e de conhecer. Nesse sentido, pode-se afirmar que ele é aquele que guia o aluno para o mundo e constrói o conhecimento junto dele. Todas as profissões são feitas de pessoas que um dia tiveram um professor, mas sua valorização parece sempre ficar em segundo plano, na agenda dos representantes. Em 2016, Caxias do Sul somava 5.091 professores dentro de salas de aula. No último censo escolar, realizado em 2017, o Rio Grande do Sul contava com 131.159 desses profissionais em exercício nas redes estadual, federal, municipal e privada. Em 2016, eram 4.165 professores a mais do que isso. Se formar-se e atuar como professor é uma profissão tão nobre e, em geral, encantadora para os que a exercem, por que, os brasileiro parecem perder o interesse por ela? Entender os desafios de uma profissão tão crucial para o futuro é também abrir um panorama sobre os desafios e o que já foi alcançado. Entendendo as alegrias e dificuldades de lecionar,
Dificuldades e alegrias dividem o mesmo espaço nas salas de aula brasileiras
é mais fácil se conectar com os mais de 2,2 milhões de professores que atuam na educação básica brasileira hoje. Desses, a grande maioria, cerca de 80%, é formada por mulheres – dado importante na perspectiva atual em que questões como misoginia, preconceito e machismo são tema de debates acalorados. De acordo com os últimos relatórios do INDEB (Instituto De Divulgação Educacional Brasileira), a média das notas de todas as redes de ensino no País é de apenas 5,5. No Rio Grande do Sul, o número sobe um pouco – indo para 5,9 – mas ainda está abaixo do ideal. Nesse cenário, entender quais são as responsabilidades do professor e do Estado para melhorar a educação no País é essencial. Mas qual é, afinal, o perfil do professor de hoje e de amanhã no Brasil? O que leva alguém a escolher a profissão apesar de todas as dificuldades? Atendendo a um chamado A professora de inglês Manuela de Jesus Moraes, 24, tem uma memória vívida de quando, ainda na infância, ficava encantada ao ver uma professora
ensinando os alunos a aprender. Com o tempo, porém, e ao descobrir a desvalorização da profissão, buscou outras opções e, durante por algum tempo, esqueceu a ideia de lecionar. Entretanto, o talento para explicar e tornar simples o complexo, não a abandonou. Aos 16 anos, começou a dar aulas de inglês, e foi o que bastou para entender que aquele chamado, manifestado ainda na infância, ainda existia. “O que me motivou a entrar nisso e admitir o talento que eu tinha de poder explicar, foi o feedback que eu tinha de alunos e de pessoas que eu ajudava. Então, percebi que tinha um talento que eu não podia desperdiçar. Era muito melhor ganhar pouco e ser feliz, saber que aquilo que estava fazendo ia trazer um impacto na vida das pessoas, do que ser aquela pessoa que corre e briga por medicina, por engenharia, e não ser boa com aquilo. Então, eu optei em ficar com a minha habilidade”, afirma. Atualmente, Manuela empreende e tem sua própria escola de inglês, a Speak Up Tutoring, onde busca trabalhar com a língua de uma forma sensível e acessível, características que também tra -
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EDUCAÇÃO
Apesar de sua importância, professores ainda são desvalorizados no país
duzem um pouco de quem ela é como professora. Acreditando que o ensino é construção, Manuela defende que tanto o professor como o Estado têm papel no processo de educação, e que a mudança, muitas vezes, deve ocorrer de dentro para fora. Rafael Rossi Viégas também faz parte da geração de professores do futuro. Aos 22 anos, ele cursa licenciatura em Matemática na Universidade Federal de Santa Catarina, e trabalha como tutor. Desde muito novo, a ideia de lecionar foi quase natural para Rafael. A visão de um ser detentor do conhecimento que ensinava alunos sempre lhe foi atraente. “Hoje, a gente sabe que o professor é um mediador, e isso traz vários questionamentos em relação à minha ideia inicial, mas também abre os meus olhos para outras coisas. Eu escolhi ser professor porque além de explorar a minha área específica, que é a matemática, posso viver isso com um viés sócio-político-histórico que a educação nos obriga a ter, e isso é enriquecedor demais.” De acordo com ele, um dos principais desafios da profissão, hoje, é
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a falta de perspectiva de carreira. Em um universo em que professores se exoneram todos os dias e em que a procura pelas licenciaturas é baixa e, quando existe, desvalorizada, o desafio é se manter motivado. “Um professor novato, no seu primeiro dia de aula, e um com 30 anos de carreira, entram na sala de aula com as mesmas condições. Se você fizer qualquer outro tipo de trabalho, tudo acontece passo a passo. E na licenciatura acontece tudo junto.” Apesar das dificuldades, há recompensa. Para Rafael e Manuela, o melhor de ensinar é, de fato, ensinar. E o retorno dos alunos parece se um dos melhores combustíveis. Em um momento de crise política, cultural e financeira, saber que os profissionais do futuro são movidos por amor e não apenas por dinheiro, acaba acendendo uma chama de esperança. “Uma das maiores recompensas é isso: fazer parte da vida do aluno; perceber que você pode construir aquilo junto com ele, e mostrar pras pessoas que a educação pode acontecer em diversos locais e que você pode aprender coisas com as pessoas que você
jamais imaginaria que iria aprender”, finaliza Manuela. Estágio é decisivo Todos esses aspectos citados pesam na hora de decidir pela licenciatura. Para Diego Chiapinotto, coordenador do curso de Letras da UCS, essas considerações acabam por levar o aluno a optar por outros caminhos. “Temos muito interesse pela pesquisa. Não que ela seja excludente do interesse pela sala e aula, mas muitos alunos que não têm certeza sobre lecionar optam por essa área”, explica. Com possibilidade de atuar emsala de aula desde cedo, os alunos acabam descobrindo sua vocação no estágio. Porém, muitos deles não estão aptos, ainda, a ensinar no momento em que entram na sala de aula. “São professores em início de formação. Estão ali resolvendo um problema que deveria ser trabalhado de forma mais definitiva. Mas, por outro lado, é uma oportunidade ímpar para o estudante estar em sala de aula”, explica Diego.
EDUCAÇÃO Longe da escola Enquanto estudantes ainda desejam iniciar uma carreira dentro da sala de aula, há quem perdeu o estímulo de continuar lecionando. Uma professora de língua portuguesa de uma escola estadual de Caxias do Sul está afastada há três anos. Foi diagnosticada com depressão e não conseguiu mais conciliar as nove turmas de Ensino Fundamental e médio nas quais dava aula. Estava estressada e não se sentia mais motivada a encarar a rotina. O primeiro sintoma foi a falta de sono. Ela relata que passava noites sem dormir. O quadro clínico foi se agravando e, mesmo com o apoio de colegas e familiares, a professora foi obrigada a deixar o trabalho. “É uma coisa que nunca imaginei, pois eu tinha paixão por aquela escola, mas uma resistência muito grande em seguir trabalhando. Planejava a aula para os 50 minutos, mas não conseguia dar 10 minutos”, relata ela.
O professor precisa saber que a graduação não é suficiente, porque traz a perspectiva de educação tecnicista Casos como o da professora caxiense são cada vez mais recorrentes na rede pública de ensino. Salas de aula superlotadas, excesso de trabalho e desrespeito de alunos são os fatores que mais contribuem para adoecer e afastar professores das escolas estaduais do Rio Grande do Sul, conforme levantamento do Cpers – Sindicato, entidade que representa os professores gaúchos. Nos primeiros seis meses de 2016, conforme estudo inédito rea lizado pela entidade, 11,6% de um universo de 3,5 mil professores da rede estadual entrevistados deixaram de trabalhar por
Professores de hoje e amanhã percebem um futuro incerto na educação
um ou mais dias. Desse total, 36% ficaram doentes devido às más condições de trabalho. Outros 22% justificaram que faltaram por estresse, 6% alegaram estar com doenças musculares e 35% pediram licença por outros motivos. Também conforme a pesquisa, os 36% de professores afastados por más condições de trabalho contraíram doenças relacionadas a diversos fatores, entre eles, ruídos na escola – muitas vezes causados pela proximidade entre as quadras esportivas e as salas de aula; problemas de voz decorrentes da necessidade de controlar muitos alunos em sala e complicações na coluna provocadas por móveis inadequados. Alguns professores com problemas de estresse apresentam a Síndrome de Burnout, conhecida como síndrome da desistência, na qual o educador perde todo o estímulo em continuar trabalhando. O professor Vanderlei Silveira, um dos coordenadores da pesquisa, lembra, ainda, que a categoria reivindica três questões fundamentais para reverter o quadro explicitado no levantamento: reduzir o número de alunos por turma, aumentar a hora-atividade dos professores e adequar o
número de estudantes das escolas ao número de funcionários e profissionais da área de pedagogia. A redução do número de alunos em sala de aula é uma bandeira antiga dos professores. Eles cobram 20 alunos por sala nas primeiras séries do Ensino Fundamental (para aquelas que ainda oferecem a modalidade), 30 para o 6º ao 9º ano, e 35 para o Ensino Médio. Quanto à hora-atividade – período em que o professor prepara as aulas e faz pesquisas – a categoria quer aumento dos atuais 20% para 50%. E é justamente no apoio psicológico que a professora cuja história abriu esta reportagem pretende retornar no próximo ano letivo. A previsão é que ela lecione para menos turmas e possa colaborar com a biblioteca, Ela conta que o acompanhamento médico foi fundamental para que pudesse reaprender a importância da profissão e a estimular na retomada dos projetos que desenvolvia, como clubes de leitura e doação de livros para entidades. “É muito difícil falar sobre o assunto, mas já consigo me imaginar voltando ao trabalho e fazendo aquilo que eu realmente gosto”, explica.
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ducação a Distância no Ensino Superior cresce no Brasil Investimento e horários flexíveis atraem estudantes, que já representam mais de 20% dos alunos matriculados em graduações no País
MARIO DUCATTI
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acesso às universidades no Brasil ainda é muito difícil. Prova disso é o resultado de uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2017, afirmando que apenas 23,8% dos jovens entre 18 e 24 anos, em nosso País estavam matriculados em algum curso superior. Fatores como altas mensalidades, falta de tempo e dificuldades de locomoção contribuem para o déficit O Ensino a Distância surge como uma solução para quem enfrenta essas dificuldades. Esse é o caso do jornalista Douglas Barreto, que cursa pós-graduação em Cinema e Linguagem Visual na Serra gaúcha. “Eu optei pelo ensino a distância porque não havia qualificação presencial na região do litoral norte, onde eu morava. O principal benefício é o
custo do curso, que fica 50% mais em conta. Outro ponto positivo é a flexibilidade de horários para os estudos”, analisa Douglas. Em 2018, o número de cursos superou a marca de 18 mil no País. A Universidade de Caxias do Sul, por exemplo, oferece graduações em Biblioteconomia e Pedagogia na modalidade. Alguns cursos de especialização e MBA, além de disciplinas a distância nos cursos presenciais, também são ofertados. “A UCS foi a primeira universidade da região Sul credenciada a receber cursos a distância, por volta do ano 2000. Isso é uma coisa que nos orgulha muito”, comenta Flávia Fernanda Costa, professora e coordenadora do Centro de Inovação e de Tecnologias Educacionais – CINTED. O crescimento da modalidade também pode ser observado no MARIO DUCATTI
Baixo custo e dispensa de locomoção contribuem para o aumento
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número de estudantes. Segundo o Censo da Educação Superior do Inep (2017), 300 mil novos alunos começaram um curso superior a distância naquele ano, totalizando 1.756.962 estudantes matriculados na modalidade. Por outro lado, a ampliação do Ensino a distância está condicionada ao preparo dos professores e à tecnologia utilizada pelas universidades.
Cortes na Capes Como o crescimento do Ensino a Distância, a ameaça de cortes no orçamento da Capes movimentou o panorama da educação em 2018. Isso porque de acordo com a nova Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), a entidade perderia cerca de 11% da verba governamental, ou R$ 580 milhões, a partir de 2019. Esse montante significaria que 200 mil estudantes perderiam suas bolsas. Entretanto, após protestos, o Governo Federal voltou atrás, anunciando que as bolsas não sofreriam cortes. “Há entendimento de que temos de buscar o orçamento necessário para toda a educação. E as bolsas da Capes estão mantidas. Não haverá descontinuidade neste sentido” – afirma Rossieli Soares da Silva, ministro da Educação, renovando o compromisso durante o Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, em São Paulo, 6 de agosto de 2018.
FRANCINE BOFF
CADERNO ESPECIAL
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documento “Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva” (Brasília, 2008), destaca que a educação inclusiva constitui um paradigma baseado nos direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores inseparáveis. Nas escolas municipais de Ensino Fundamental de Caxias do Sul, aproximadamente 1.156 estudantes são atendidos pelo AEE – Atendimento Educacional Especializado. Cada estudante, conforme a Secretaria Municipal da Educação (SMED), recebe um Plano Individualizado, flexibilizado e adaptado, que é elaborado pelo professor, juntamente com profissionais do AEE. “Diante dessa realidade, entendendo o direito do estudante com deficiência, realizamos adequações possíveis para sua inclusão”, frisa o documento do município.
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odos são iguais na diferença e dignos de viver com respeito O modo de viver das pessoas com deficiências (PCDs) é mais feliz quando elas recebem apoio e são acolhidas pela sociedade
FRANCINE BOFF GABRIELA SOARES SARAH CARVALHO VITÓRIA GOBBI
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onforme a gerente pedagógica da Secretaria Municipal de Educação (SMED), Viviane Liliam Marques, o município tem orientado as escolas para que, ao final do Ensino Fundamental, esses estudantes tenham acesso ao Ensino Médio e às vagas para Pessoas com Deficiência (PCD) no mercado de trabalho. Quanto à infraestrutura, o município entende que as instituições dispõem de estruturas antigas, que não foram projetadas para essa realidade. “Existe uma adequação e adaptação conforme a demanda de estudantes, dentro das possibilidades estruturais”, ressalta a coordenadora.
debol para Surdos. O evento mobilizou mais de 280 pessoas, entre elas surdas e ouvintes. Ao todo, foram cerca de 220 jogadores com deficiência auditiva, representando diversos países. O ginásio da Universidade de Caxias do Sul, (UCS), onde ocorreram os jogos, transformou-se em uma atmosfera voltada aos sinais e à comunicação corporal. A artilheira e destaque da competição foi a brasileira Fernanda Caporal, de 20 anos. A paulista, que nasceu surda e completou o Ensino Básico em um colégio regular, se emociona ao lembrar de como foi participar da competição exclusiva para surdos. “Para mim, fez muita diferença, pois sempre convivi só com os
ouvintes, e foi a primeira vez que participei de um campeonato só para surdos”, conta Fernanda. A esportista ressalta que a comunidade surda sofre com barreiras e preconceitos. “Somos chamados de ‘coitados’ por não escutar”, conta Fernanda. Para a artilheira, a Lei da Inclusão possibilita que a comunidade surda continue acreditando nos seus sonhos. “Somos capazes de qualquer coisa e ainda de ultrapassar essas barreiras e todas as dificuldades que temos”. Para Fernanda, a lei é um grande avanço, pois permite a presença de intérprete em diversos locais e desperta a curiosidade das pessoas em aprender a linguagem de sinais. A jovem deixa uma importante ARQUIVO PESSOAL
Competição inclusiva As dificuldades, no entanto, se manifestam, também, nas esfera familiar e educacional. Conforme a SMED, é difícil convencer as famílias a participarem desse atendimento. Além disso, os professores não se sentem preparados. “Os cursos de graduação abordam superficialmente esse assunto e ainda trazem, em suas práticas, a concepção tradicional de ensino”, explica o município. Em 2018, Caxias do Sul sediou o Campeonato Mundial de Han-
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Fernanda vestiu a camisa amarelinha no Mundial de Handebol de Surdos
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reflexão: “Se pararmos para pensar, se nosso mundo fosse só de surdos, o que você faria, se não soubesse falar Libras?” Se as pernas não se movem mais, a cadeira de rodas e os braços os levam longe. A época que os deficientes físicos se escondiam em suas casas ficou para traz e, hoje, grande parte deles transformou a tragédia em superação. O basquete adaptado surgiu perto do início do século XX com o objetivo de reintegrar os soldados feridos na guerra. Ele é um dos primeiros esportes que iniciaram nos Jogos Paraolímpicos, nos anos 60 do século XX. Em Caxias do Sul, o basquete adaptado surgiu com o Centro Integrado das Pessoas com Deficiência, mais conhecido como CIDEF, fundado em 1996, na UCS. No início, o intuito era propiciar atividade física aos portadores de deficiência, mas com o tempo foram implantadas outras modalidades, para atender, também, deficientes intelectuais. Gelson Dalmoro, um dos veteranos da equipe, joga o adaptado há 16 anos. O convite para conhecer o projeto surgiu de um amigo e, a partir desse dia, Dalmoro nunca mais parou. Ele conta que coleciona vitórias e disputa campeonatos em todo o Brasil, chegando à elite do basquete nacional em 2015. Segundo Dalmoro, apesar de o esporte ser motivador, nem sempre consegue cativar fãs. “Já convidei pessoas que se encontram na mesma situação, mas nem sempre tive êxito. Cadeirante não é fácil de tirar de casa. Ele tem aquela visão limitada”, avalia. Conforme o jogador, os cadeirantes estão cada vez mais inseridos na sociedade. “No início de minha lesão, não se via ninguém na rua. Hoje, num shopping, tu vê deficientes. Caxias tá ficando mais aberta”, declara. Se, de um lado, deficientes buscam seu espaço, de outro “as
questões do preconceito e da falta de respeito ainda são grandes”, avalia Gerson. E cita como exemplo cidadãos comuns ocuparem vagas de estacionamento destinadas a cadeirantes. Se há veteranos, há também iniciantes. Cleiton Carminati está na terceira aula, ainda adaptando-se à cadeira usada para a prática, que é bem diferente do modelo convencional. Ele ficou paraplégico após sofrer um acidente de carro, e a motivação para praticar o esporte veio da vontade de fazer novos amigos. “O que mais me satisfaz é o grupo. É ver como as pessoas acolhem a gente e ver que tem amizade que melhora o teu dia também”, conta.
Visão necessária De acordo com dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE - Censo de 2010), existem, no Brasil, 45,6 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência. Entre as declaradas, a mais comum foi a visual, atingindo 3,5% da população nacional. Ainda segundo números apresentados pelo IBGE
no mesmo ano, o Rio Grande do Sul é o terceiro estado com mais deficientes visuais: são 866 mil pessoas, ou seja 3,2% da população local. Mesmo com tantas pessoas integrando esse grupo, existe, ainda, quem não saiba que a deficiência visual pode se manifestar de duas formas: pela diminuição da resposta visual em caráter irreversível e pela baixa visão. A segunda corresponde ao comprometimento visual mesmo após a correção óptica, sendo a pessoa capaz de fixar pontos e perceber fracamente a luz. Mesmo com avanços tecnológicos e melhorias em diversos setores, é difícil para o deficiente visual integrar-se à sociedade. Isso porque existem poucos semáforos com adaptação sonora e calçadas com sinalização tátil, por exemplo. A educadora social da APADEV(Associação dos Pais e Amigos dos Deficientes Visuais, Júlia Corso Speggiorin, relata que a maior dificuldade na integração se dá no momento da utilização do transporte público e localização pelas
FRANCINE BOFF
Novo Capítulo
Cleiton, na terceira aula, ainda em adaptação
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CADERNO ESPECIAL ruas da cidade e na pouca compreensão que a sociedade dispensa. “Peço que as pessoas se ponham no lugar do outro. A empatia é fundamental em todos os momentos da nossa vida”, reforça. Júlia informa que, para ajudar um deficiente visual, é preciso estar atento ao sinal universal que indica a busca por ajuda: colocar as mãos sobre a bengala.
Olhar Sensível O autismo é um transtorno neurocomportamental que se apresenta em diversos níveis. Um estudo divulgado em 2017 pelo CDC – Center of Deseases Control and Prevention – órgão ligado ao governo dos Estados Unidos, aponta que, no mundo, uma a cada 100 crianças nasce com o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Há poucos anos, o número de casos era um para cada 500 crianças. Com base no estudo, estima-se que, no Brasil, existam dois milhões de autistas, a maioria do sexo masculino. Por não apresentar características físicas, mas sim comportamentais, o autismo pode gerar preconceito. Além
disso, o desconhecimento das pessoas pode causar situações embaraçosas. Existem tentativas de inclusão: eles costumam frequentar escolas regulares e enfrentam suas fobias para fazerem parte da sociedade. Diagnosticada aos nove anos de idade, Kenya – agora com 35 anos – reside em Canoas e estudou em escolas regulares. Ela relata a experiência como “terrível e traumática” e explica que as escolas não estavam preparadas para recebê-la.
Com base no estudo, estima-se que, no Brasil, existam dois milhões de autistas, a maioria do sexo masculino A jovem conta que ainda não se sente incluída na sociedade, pois além de ter sofrido preconceito por sua condição, não se adaptou ao ambiente corporativo. “Já trabalhei. Tive dificuldade no relacionamento com colegas, mudança de rotinas, divisão de tarefas, com cooperação, com ordens e falta de compreensão sobre minhas reais intenções”.
Kenya apresenta algumas das características típicas do TEA: sensibilidade sensorial, dificuldade na socialização, distúrbios do sono, déficit intelectual em determinadas áreas e habilidade em outras, e baixa tolerância à mudança de rotina. Patricia Silveira, 34 anos, é mãe do Kauã, um menino autista de 8 anos. Indignada, a moradora de Caxias do Sul diz que há preconceito e despreparo, tanto da escola como da sociedade. Ela optou por matricular o filho em uma escola regular, pois acredita que esse estímulo possa gerar melhoria do quadro, por meio de reprodução de ações das outras crianças. Segundo ela, houve, de fato, evolução no aprendizado. Patricia diz já ter passado por situa ções delicadas com Kauã fora da escola, em locais públicos e até na própria família. “Existe falta de empenho das pes soas em tentarem entender a condição dele. O Kauã não é verbal, então expressa suas insatisfações com choro ou agressividade, além de ser seletivo com a alimentação”, explica Patrícia.
Grandes amigas Parece que foi ontem quando entrei em uma escola do município com a função de cuidadora, sem experiência alguma. Sabia que iria cuidar de uma menina chamada Vitória, e que ela era paralisada cerebral. A Vih tem 17 anos. É metade doçura, metade teimosia, tem um jeitinho único e especial. Ela se comunica com as mãos para responder, fala comigo por meio de expressões e sabe muito bem o que quer. No início, não foi fácil. Como sua motricidade é limitada, os trabalhos acabam sendo muito do mesmo, e para decepção do meu ego, ela não aceitava fazer nada. Reclamava de sono e de fome porque queria ir para casa. Felizmente não demorou para que eu começasse a vê-la como a adolescente de 16 anos que era, sem focar apenas sua limitação. Quando eu deixei de ver a deficiência e comecei a ver a pessoa, tudo ficou claro. Pude colocar-me no lugar dela e entender facilmente a forma como ela agia.
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Por mais que digam que não devemos nos apegar, é impossível. Chamo ela de minha melhor amiga quando estamos sozinhas. Descobri que ela ama selfies; que gosta de brincar com a terra no parquinho; gosta de abraçar as árvores comigo; gosta de ouvir todo tipo de música, principalmente os primeiros segundos. Descobri que ela ama ir à chácara dos pais; que gosta de ficar no celular até tarde; que dança funk sozinha na sala da casa dela; que ela adora minhas histórias; adora rir comigo e de mim; que adora me dar opinião (e eu faço questão de pedir). Ela ama os vídeos da minha gatinha. Ela me contou que é apaixonada por um coleguinha e toda vez que o vê, me olha e cobre a boca com a mão para lembrar-me do nosso segredo. Eu encontrei, na Vih, uma amiga. Aprendi, na prática, que a comunicação vai muito além de palavras. crônica da leitora Victória Marques, 23 anos
SAÚDE
rodução orgânica como forma de alimentação saudável Vistos como fonte alternativa e natural, os produtos do gênero têm ganhado cada vez mais força mas exigem cuidados FOTOS: JULIANE SPIGOLON
ÁLAN PISSAIA JULIANE SPIGOLON
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s alimentos orgânicos são produzidos com métodos que não utilizam agrotóxicos sintéticos, transgênicos ou fertilizantes químicos. Durante sua produção, são utilizadas técnicas que visam à proteção do meio ambiente e à qualidade de vida das pessoasenvolvidas no processo e dos consumidores finais. A produção do gênero vai além da não utilização de agrotóxicos. As práticas vão desde o cuidado com o solo, adubação verde, plantio direto, escolha da semente, uso de quebra-vento, uso de caldas naturais, até o cuidado com as embalagens e com a geração de resíduos nas propriedades certificadas. Um exemplo é o dos irmãos Eduardo e Gabriel Zanella, moradores no interior do município de São Marcos (RS). Eles, que iniciaram a plantação de orgânicos em dezembro de 2017, trocaram o cultivo convencional em função da grande quantidade de adubos e agrotóxicos que empregavam. “A maior parte do valor arrecadado com a plantação destinava-se ao pagamento de produtos químicos”, relatam eles. Outro fator, foi a saúde, pois percebiam a quantidade exagerada de produtos químicos utilizados.
Estufa de orgânicos dos irmãos Zanella no interior do município de São Marcos (RS)
Eduardo explica que, como antes era feito o plantio convencional, eles não utilizaram o mesmo solo. No processo utilizaram uma lona para que o solo criado não entrasse em contato com o contaminado. Empregaram, então, terra de mato e uma mistura orgânica com registro para a cultura. Se não utilizassem esse processo, teriam que esperar 18 meses até a descontaminação para o plantio. “Os produtos orgânicos não perdem qualidade com a ausência de agrotóxicos, mas o sabor e a parte nutricional são incomparáveis”, garantem eles. Os agricultores passaram a utilizar o recurso do plantio em es-
tufas, com produtos autorizados para a adubação. Muitos desses compostos são feitos em casa com base de ervas e produtos naturais. Mas os irmãos explicam que é preciso trabalhar a questão preventiva, pois é muito mais difícil controlar uma doença após a contaminação. Por isso, a margem de perda é um pouco maior. Eles também explicam que por ser um trabalho mais manual, é mais difícil plantar em grande escala, por isso os produtores são mais cautelosos no plantio. Além de cuidar da produção de convencionais e orgânicos, os irmãos os vendem na feira da cidade. Eduardo destaca que os
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SAÚDE orgânicos ficam entre 25% e 30% mais caros na feira, “porque trazem melhor qualidade de vida. É outro padrão de alimento, não tem como serem do mesmo valor.”
Se dá vontade de comer alguma coisa, podemos comer na hora, não precisamos nos preocupar com os riscos
Orgânicos dos irmãos Zanella no interior do município de São Marcos (RS)
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Para facilitar o contato com o público que dá preferência ao orgânico, os irmãos Zanella criaram um grupo no Whatsapp. Nele, as pessoas são informadas de novidades, e fazem pedidos de kits, que eles agricultores preparam e entregam a domicílio. O cultivo orgânico, sistema de produção sustentável, é submetido a auditorias de certificadoras credenciadas no Ministério de Agricultura ou por sistemas participativos de garantia. De acordo com o técnico em agropecuária e secretário Municipal de Agricultura e Meio Ambiente do município de São Marcos, Fabiano Maciel Varela, a produção orgânica vai muito além do produto. “Em todo o processo produtivo, a meta principal é buscar equilíbrio, seja o nutricional das plantas, seja o entre plantas produtoras e invasoras, seja o equilíbrio entre pragas e doenças. Enfim, o ecossistema deve permitir um ambiente onde as plantas consigam atingir maior potencial produtivo. Dessa forma, evitamos problemas com pragas e doenças, sem o uso de agrotóxicos.” O secretário diz que para diminuir os danos causados por doenças e pragas, a diversificação de culturas é fundamental, além do cuidado com a manutenção da fertilidade do solo e aplicação de caldas naturais. Ainda segundo o técnico, os benefícios de cultivar e consumir produtos
orgânicos levam em conta os aspectos sociais, econômicos e ambientais, gerando um processo sustentável de produção.
Orgânicos na Serra Os produtores da região contam com o apoio da Ecovida, uma rede de articulação (ONGs), de agricultores e consumidores que abrange os três estados do Sul. O objetivo principal da rede é representar seus membros junto aos fóruns que discutem a agroecologia no Brasil e no mundo. Além disso, o Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade (OPAC) Ecovida, desenvolve a certificação de seus membros. O coordenador do conselho técnico da Ecovida, Leandro Venturin, explica que a ONG é credenciada junto ao Ministério da Agricultura para a certificação participativa, por isso é de responsabilidade dela a organização e capacitação de conselhos de ética (responsáveis pela verificação) e a organização documental da certificação. “A Ecovida não é uma prestadora de serviços. É uma organização coletiva de apoio ao processo formal de certificação, que se dá de forma participativa e com responsabilidade solidária”, esclarece Venturin. O coordenador informa que na Serra gaúcha se tem um crescimento de 10 a 15% ao ano de produtores de orgânicos. São 348 famílias certificadas pela Ecovida e em torno de 50 famílias portadoras de outras certificações. Para controle, esses produtores recebem revisão de pares: visitas de verificação, a partir de um roteiro, realizadas internamente em cada grupo; olhar externo, que são visitas de verificação feitas por membros do conselho de ética, não membros do grupo visitado; e análise do conselho de ética, responsável pela aprova-
SAÚDE ção ou não da certificação. Esses três níveis de controle são importantes para impedir infrações no processo de produção. Venturin explica que, caso ocorra alguma violação, podem ocorrer três situações: “1ª – quando houver ajustes nos procedimentos mas que não oferecem riscos de perda da qualidade orgânica, o agricultor não recebe certificado até corrigir a situação; 2ª – quando houver repetição do primeiro item, questões de conduta ética ou quebra das normas de funcionamento da Ecovida e falhas de manejo, (que não comprometam a qualidade), o agricultor é suspenso por tempo determinado e durante esse período fica sem certificação; 3ª – fraude ou perda da qualidade orgânica por ação voluntária ou não: perda do certificado e necessidade de restabelecer o processo de conversão com tempo em dobro do previsto na legislação, retirada do agricultor do cadastro nacional de produtores orgânicos e, em casos mais graves, exclusão permanente da Ecovida.”
Nova lei Conhecido também como “PL do Veneno”, o projeto de Lei 6299/02 pretende estabelecer uma série de novas medidas referentes à regulamentação de agrotóxicos no Brasil. Segundo o site da Câmara Federal, o projeto dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins. Na prática, flexibiliza o uso do produto e seus componentes, de modo a desburocratizar a liberação e uso. Uma curiosidade do projeto tem relação à identificação do agrotóxico, que passa a se chamar pesticida, por ser considerado um termo menos agressivo. Um dos principais entusiastas do projeto é a chamada bancada
ruralista do Congresso Nacional. Em contraponto, muitos ambientalistas já se posicionaram desfavoráveis à Lei, incluindo órgãos como o IBAMA e a ANVISA, por viabilizar o acesso a produtos que podem ser prejudiciais à saúde humana. A votação do projeto segue na Câmara Federal ainda sem previsão. Caso aprovada, passará para votação no Senado e, se o parecer for positivo, para a sanção do presidente.
Saúde ambiental De acordo com o Núcleo de Educação Permanente em Saúde (NEPS), pertencente à Secretaria da Saúde (SMS) de Caxias do Sul, desde 1950 a agricultura incorporou novas tecnologias fortemente dependentes do uso de agrotóxicos para controle de doenças e proteção contra pragas, visando ao aumento da produtividade. Segundo o Núcleo, esse processo foi implantado sem preocupação com as consequências do uso como: contaminação do homem, do solo, de águas, de alimentos e poluição atmosférica, tornando-se grave problema de saúde pública. O NEPS alerta que, ao lidar com alimentos, alguns cuidados devem ser levados em consideração. Todos os produtos, inclusive a água, devem estar em conformidade com os padrões: microbiológico, de substâncias químicas (inorgânicas, orgânicas, agrotóxicos, desinfetantes e produtos secundários da desinfecção), de cianotoxinas, de radioatividade e caracterís-
ticas organolépticas. Em caso de suspeita, o consumidor pode procurar os órgãos públicos de vigilância em saúde, pelos fones (54) 32904494, ou, de forma presencial, em Caxias do Sul, no endereço: Rua Marechal Floriano, nº 421 – Centro, das 8h às 17h. Ainda segundo o NEPS, os desafios para melhorar o sistema de vigilância ocorrem a partir de estudos descritivos de acompanhamento e avaliação da incidência e prevalência de agravos de notificação compulsória. Elas podem ser indicadores de alterações de fatores ambientais ou de fatores de risco. Para o Núcleo, o profissional de saúde deve ter o compromisso de alertar os agricultores para que seja notificado qualquer caso de intoxicação por agrotóxicos. Para os profissionais da área, as pessoas ao consumirem alimentos orgânicos evitam intoxicação. Desse modo, seu consumo deve ser estimulado como prevenção e daí sua importância na atual conjuntura social.
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SAÚDE
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overno estuda lei que proíbe vender doces em escolas Medida restringe o comércio de guloseimas em instituições públicas e privadas de todo o estado. Ainda não há prazo para regra vigorar ALANA FERNANDES
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intervalo para o lanche escolar deve ser, em tese, um momento em que os estudantes têm acesso a uma alimentação saudável para encarar com mais disposição as horas restantes até o final da aula. Além disso, em situações de vulnerabilidade social, a merenda da escola cumpre um papel fundamental na nutrição dos alunos. Na prática, porém, não é bem o que acontece. Salgadinhos, doces e balas fazem parte do cardápio da garotada entre uma disciplina e outra. Uma lei que determina a proibição da venda desses alimentos nas cantinas escolares do Rio Grande do Sul chegou a ser sancionada pelo governo, que voltou atrás uma semana após a publicação no Diário Oficial. A justificativa é que antes de entrar em vigor, a nova regra precisa ser melhor avaliada. Com preços acessívies e embalagens atraentes é fácil cair em tentação. Entre as consequências da má alimentação estão excesso de peso, diabetes e hipertensão arterial. Dados do Ministério da Saúde apontam que 20% das crianças brasileiras são obesas. “Estes alimentos são considerados ultraprocessados, e estão repletos de aditivos químicos, sódio (sal), gorduras e açúcar em excesso, o que refletirá na saúde dessas crianças e adolescentes futuramente. Mesmo as crianças que não têm sobrepeso podem desenvolver essas doenças em consequência da má alimentação. É possível realizar a venda de alimentos mais saudáveis nas cantinas, como sanduíches naturais, bolos simples, iogurtes e frutas”, orienta a nutricionista Ana Paula Michelon Marcon, uma das responsáveis pela merenda escolar da Secretaria Municipal de Educação de Caxias do Sul. Se a venda desse tipo de alimento poderá ser extinta, consumi-lo nas dependências das escolas ainda não está proibido. Portanto, os estudantes têm a possibilidade de levar doces e salgadinhos de casa. Uma das alternativas, segundo Ana Paula, é buscar a conscientização e incentivar que os alunos se ali-
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FOTOS: DOUGLAS BARRETO
Estima-se que 20% das crianças brasileiras são obesas
mentem da merenda oferecida gratuitamente pela instituição. Na rede municipal de Caxias do Sul, por exemplo, o cardápio é elaborado para 40 mil alunos. “Os pratos são feitos com base na legislação vigente (lei 11.947/2009), seguindo os percentuais recomendados de cada nutriente para diferentes faixas etárias”, explica.
SAÚDE
Medida prevê substituir guloseimas como salgadinho, refrigerantes e pirulitos por frutas nas cantinas escolares
Opiniões divergem A lei que determina a proibição de vender guloseimas nas escolas públicas e privadas foi aprovada pelos deputados estaduais no dia 3 de julho. A aprovação do então governador José Ivo Sartori ocorreu dias depois, e a determinação deveria vigorar a partir do dia 31 do mesmo mês. Por enquanto, não há estimativa de quando será novamente debatida ou entrará em vigor. Assim como toda medida extrema, a possibilidade de proibir a comercialização de guloseimas nas escolas gera discussão e opiniões divergentes. O Instituto de Educação Cristóvão de Mendoza, maior instituição estadual de Caxias do Sul, encerrou a venda de alimentos há cerca de dois anos. “O senhor que cuidava da cantina se aposentou e desde então não tem mais a venda. Hoje, os alunos têm acesso à merenda fornecida no refeitório ou podem trazer de casa”, diz a servidora Fátima Cândido, auxiliar do vice-diretor. O mesmo ocorre na Escola Estadual de Ensino Médio Santa Catarina, que não comercializa alimentos nas dependências da instituição há mais de 12 meses. Já no Colégio Estadual São Marcos, localizado no município homônimo, o debate sobre
a venda de guloseimas no bar da escola vai além do cuidado com a merenda escolar. Conforme o diretor, Kleber Ascari, os recursos arrecadados na cantina são utilizados integralmente na melhoria da estrutura escolar. Atualmente, há a comercialização de cachorro-quente, salgadinhos, refrigerante e doces em geral. Com a possibilidade da nova lei, ele teme que a verba fique ameaçada. “Eu sinceramente sou contrário à determinação. Mas, se tiver instruções diretas para se readaptar, a gente vai obedecer. Por enquanto, continuamos normalmente. O bar auxilia na manutenção diária e no pagamento de funcionários. Eu acredito que, se a lei for aprovada, vai trazer problemas para a renda extra que temos hoje em dia”, avalia o educador, apesar de a escola ser estadual e, portanto, os salários de funcionários serem de responsabilidade do Estado. A contrariedade com proibição das guloseimas é reforçada pelo aluno do primeiro ano do Ensino Médio Jeferson Novello, 15 anos. “Acho que não precisa proibir a venda, compra quem quer e quem puder comprar. Eu costumo, sim, comprar, porque a merenda da escola não é grande coisa”, opina, mostrando pouca preocupação.
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SAÚDE
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ejum intermitente é alternativa para vida mais saudável Sucesso nos últimos tempos, o jejum intermitente promete a perda rápida de peso, sem deixar a alimentação de qualidade de lado CAROLINE ROSA
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m pesquisa rápida na internet, é possível encontrar centenas de dietas “milagrosas”, que prometem a perda rápida de peso. Muitas vezes impulsionadas por famosos e integrantes do mundo fitness, elas caem no gosto de pessoas que se sentem incomodadas com o próprio corpo. Foi nesse cenário que o jejum intermitente se destacou nos últimos anos. Apesar de se tratar de um método mais do que de uma dieta, tem como objetivo ajudar no emagrecimento e melhoria da saúde dos pacientes. A estratégia é diminuir a “janela alimentar”, permitindo a ingestão de alimentos a intervalos de até doze horas por dia. Durante o jejum,
alimentos são proibidos, mas é permitida a ingestão de líquidos como chá, café e chimarrão. Segundo a nutróloga Daniela Kappes, o método também ajuda na detoxicação do organismo e no controle do envelhecimento. No entanto, é preciso levar a alimentação a sério. “Não adianta ficar 18 horas sem comer e na janela alimentar ingerir comidas industrializadas, açúcar refinado e farinha branca”, explica. A nutróloga ressalta que a tarefa de integrar o jejum na rotina não é fácil, mas que é possível se adaptar com o tempo. Quando o organismo se acostuma, se torna mais resistente a compulsões e ao consumo de alimentos como o carboidrato. Em alguns casos, o método pode ser levado como um estilo de vida, sendo possível momentos de pausa.
Prós e contras
CAROLINE ROSA
Apesar de a técnica ter seus benefícios, ainda não existe consenso entre os profissionais da área. É preciso ressaltar que estudos não comprovam os efeitos a longo prazo. Sabe-se apenas sobre os resultados mais imediatos do jejum intermitente. Mais importante que perder peso rapidamente é mudar o estilo de vida. Segundo
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a nutricionista comportamental Annelise Focchesatto, o consumo de alimentos de forma balanceada é essencial para que se evitem compulsões. O que não é fácil, pois envolve questões culturais: “Associamos o alimento como uma recompensa como forma de aliviar tensões”, ressalta. Ao contrário do que a maioria acredita, eliminar alimentos como carboidratos e açúcares pode ter efeito reverso, causando ansiedade e o consumo de alimentos de forma compulsiva. O acompanhamento multidisciplinar é uma opção para quem quer um estilo de vida mais saudável: com a ajuda de nutricionista, médico e psicólogo, o relacionamento com a alimentação fica mais fácil. O jejum intermitente é uma estratégia que acelera a perda de peso, mas está longe de fazer milagres. O método deve estar associado a uma boa alimentação e a prática de exercícios físicos. Por isso, antes de pôr a técnica em prática é preciso o acompanhamento médico e uma mudança de dentro para fora. E atenção! O jejum intermitente não é recomendado para pesoas com hipoglicemia reativa, usuários de medicação que altera a glicemia, pacientes que fazem tratamentos com insulina, pessoas com baixo peso, grávidas, crianças e pessoas com transtornos alimentares.
SOCIAL
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olidariedade pode ser arma contra o desperdício de alimentos Em Caxias do Sul, o projeto denominado Banco de Refeições Coletivas atende, atualmente, cerca de 13 entidades que procuram reduzir o desperdício de alimentos registrado na cidade RODRIGO FANTINEL FOTOS: RODRIGO FANTINEL
Sirena, vice-presidente da Fundação Caxias
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uclides Sirena, sensibilizado com as pessoas carentes que precisavam de ali mentos e com o alto índice de desperdício de comida que testemunhava, ingressou na Fun dação Caxias com uma ideia: iniciar um Banco de refeições coletivas. O complicador foi a Lei de 1972, que não permitia o reaproveitamento. Hoje, o cená rio é outro. Pode-se, realizar o pre paro e armazenamento de alimentos com segurança. Fo gões industriais e potentes refrigeradores permitem o congelamento pormais tempo sem que o ali mento perca a qualidade. Sirena comenta que no dia 20 de agosto de 2013, iniciou o processo de aproveitamento de um restaurante, material distribuído no turno inverso de uma escola. Pa ra muitas daquelas crianças, essa era a única refeição do dia. Depois de muitas discussões, a câmara de vereadores de Caxias do Sul aprovou a lei 8158/2016,
sancionada pelo prefeito Alceu Barbosa Velho. Ela determina, que fica permitida, no Município de Caxias do Sul, para fins de doação, a reutilização de so bras alimentares, contanto que elaboradas, conservadas e trans portadas com observância das Boas Práticas de Fabricação. Banco distribui cerca de 700 refeições por dia provenientes de excedentes de cozinhas industriais, restaurantes e padarias, número que cresce a cada dia.
Dados da Fundação Caxias mostram 15.534 refeições em de julho, o que sinaliza do projeto O fator preocupante hoje é o transporte. “Precisamos de um veículo es pecial, que cumpre nor mas exigidas da lei” explica Sirena. O banco conta com o apoio de sete sindicatos e uma ajuda de R$7 mil reais por mês da prefeitura, e se não fosse a questão transporte, poderia atender a mais entidades.
manhã do Intercity Hotel. Essas empresas, entregam o alimento pronto na entidade que, ao receber, faz o controle de qualidade e o disponibiliza imediatamente, no refeitório. Cristiane Feliciano Fo gaça integrante do departamento administrativo da casa, explica que na Casa Anjos Voluntários, o preparo é feito pelas cozinheiras com os alimentos in natura entregues pelo banco de alimentos, que é abastecido a partir da arrecadação feita em campanhas nos supermercados. O restante do valor necessário é coberto com recursos próprios. Cristiane comenta que a Casa An jos Voluntários realiza diversas atividades, entre elas oficinas que recebem apoio finan ceiro do Fundo Municipal da Crian ça e do Adolescente. A Casa Anjos Voluntários está localizada na Rua Benjamin Custódio de Oliveira, 152, Bairro Charqueadas, Caxias do Sul. Mais informações podem ser obtidas no telefone (54) 3027-7720 ou pelo site www.anjosvoluntarios.org.
Casa Anjos Voluntários Quem puder ajudar e quiser obter mais informações, pode entrar em contato com a Fundação Caxias pelo telefone (54) 3223-0528 ou pelo site www.fundacaocaxias.org.br . A Casa Anjos Voluntários recebe cerca de trinta refeições da Fundação Caxias com auxilio das empresas San Martin, Translovato, eventualmente café da
Empresas doam à Anjos Voluntários
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SOCIAL
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arte de passar adiante afeto esperança e solidariedade ONG Passarte realiza trabalho voluntário de arrecadação, reforma e doação de materiais escolares à crianças e jovens em vulnerabilidade social
DJEISON SILVA VANESSA PEGORARO
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abe aquele caderno antigo, a mochila com zíper emperrado, os livros da escola que você não devolveu, os lápis que estão jogados em um canto sem serventia, aquele material que sobrou de um ano para o outro? Pois bem, eles podem ajudar a colocar um sorriso no rosto de alguém que precisa. Tudo começou na escola Engenheiro Mansueto Serafini quando, ao observar o desperdício de materiais pelos alunos, integrantes do grêmio estudantil, no ano de 2012, decidiram coletar e reaproveitar tudo para doar às crianças mais carentes que ali estudavam. Incentivados pelos professores, os jovens decidiram reunir e reorganizar as folhas e montar novos cadernos. Na primeira ação, conseguiram reformar 15 deles e todos foram doados. A ideia se espalhou pelas redes sociais dando início ao projeto Material Para Todos. As atividades daquele grupo iam muito além da reforma de materiais. Os estudantes dedicavam-se a práticas de conscientização social e ambiental tanto na escola quanto fora dela. Coletavam óleo de cozinha para a fabrica-
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ção de sabão caseiro em barra, promoviam ações de limpeza e plantio de mudas pelo bairro onde a escola está localizada, organizavam oficinas diversas e a participação em jogos interséries para os jovens. Uma das ideias que mais chamou a atenção da comunidade escolar foi a construção de um palco de garrafas pet, estrutura que é utilizada até os dias de hoje. Filipe Binotti Pessoa, 19 anos, fundador e idealizador da ONG, conta que o intuito sempre foi o de promover a mudança e fazer a diferença. O empreendimento juvenil, no início somente uma ação entre colegas, cresceu e em 2015 ganhou o nome: Passarte. Um ano mais tarde, tornou-se oficialmente uma ONG, que com o mesmo objetivo ampara estudantes mais necessitados. Binotti explica que o processo para a formalização como Organização Não Governamental foi muito complexo e burocrático, pois os integrantes eram todos menores de idade. Ele ressalta que o apoio da comunidade foi fundamental e impulsionou a continuidade da ação. “Com o reconhecimento da região e a visibilidade que o projeto ganhou, ficamos mais
motivados para fazer dar certo. Alguns podem achar que é vaidade da minha parte, mas se todo mundo fosse vaidoso por uma coisa boa, o mundo seria muito melhor”, comenta. Segundo ele, que hoje é o guardião da Passarte, a maior preocupação do grupo é erradicar a evasão escolar por falta de material e também diminuir o desperdício, motivado pelo consumismo dos alunos. A professora Vanessa Kukul, mentora do projeto desde o início, percebeu nos meninos um potencial diferente: “Eles eram organizados do jeito deles e precisavam se manter organizados para encontrar parcerias e mostrar que o trabalho era uma ação legal. Senti no Filipe uma liderança natural que agrega pessoas”. Vanessa conta que auxiliou a desenvolver o projeto, inclusive sugerindo o nome da ONG, porque percebeu que a ideia precisava alçar voo mais alto: “O Filipe sabia que eu acreditava nele. Hoje, eu acompanho o sucesso do projeto a distância, mas às vezes dou uns conselhos do tipo: — Não é por aí!”, finaliza. A atual presidente da ONG, Greice Rangel, conta que 91% dos
SOCIAL MARÍLIA ALVES
Voluntários na reforma dos os materias doados
materiais doados são reaproveitados, mas o que não é possível reformar não é descartado. “Nós aceitamos doação de material escolar preferencialmente usado. Pode estar sujo ou rasgado, não tem problema. Fazemos uma triagem e o que não puder ser reutilizado nós enviamos para reciclagem.” Hoje, a Passarte conta com 50 voluntários, cinco membros diretores e duas filiais, uma em Novo Hamburgo (RS) e outra em Araranguá (SC). Além disso, ela conta com importantes parcerias como a ONG Comunicando Amor, responsável pelas redes sociais e, também, a Fundação Marcopolo, que, por meio do Projeto Escola, oferece a oficina de reformas, bem como disponibiliza espaço amplo para armazenar os materiais que serão recuperados e posteriormente doados. A missão da ONG é espalhar-se pelo mundo e passar adiante valores como ética, cidadania, colaboração, empreendedorismo e preservação do meio ambiente. A doação de materiais escolares usados pode ser realizada nos pontos de coleta da Passarte. Para mais informações acesse: passarte. org.br/pontosdecoleta.
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Filipe Binoti fundador Organização
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Materias são doados para quem mais necessita
EXPRESSaO 31
SOCIAL MARINA NUNES
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É como se eles chegasse com baldes de tintas e fosse colorindo tudo, deixando mais alegria
oadores de alegria
No ambiente onde médicos se concentram em curar pessoas, voluntários levam atenção aos pacientes, aos pais e aos profissionais LEONARDO PORTELLA MARINA LIMA NUNES
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tores vestidos de palhaços que cantam, brincam, contam histórias, e divertem crianças internadas em uma unidade de tratamento intensivo (UTI). Pessoasque passam uma tarde distribuindo roupas arrecadadas por meio de doações aos pacientes. os desejos de crianças e adultos e pintam unhas, fazem pentea dos no cabelo e levam autoestima para quem precisa de cuidados médicos. Há, também, aqueles que, sozinhos, podem ser os responsáveis por produzir lembrancinhas para uma gestante internada na ala psiquiátrica de um hospital ou levar alguns minu-
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tos de artesanato aos pacientes. Essas são algumas das cerca de 70 iniciativas de voluntariado em atividade no Hospital Geral (HG), em Caxias do Sul. São pessoascom idade que vai dos 18 aos 80 anos, a maior parte estudantes ou aposentados. Os projetos de voluntariado no HG passam por Silvana Maziero, que coordena o setor desde 2000. Em um espaço no site do hospital, as iniciativas são detalhadas e, após análise da equipe, os voluntários são chamados para um bate-papo, quando mostram mais sobre o porquê do interesse na atividade. Segundo Silvana, ao se dispor a iniciar em um projeto, a única
cobrança da instituição é a responsabilidade do voluntário en realizar as atividades. “É muito gostoso lidar com esse universo de iniciativas, mas nosso serviço é muito regrado. O voluntário não pode achar que vai desenvolver a atividade a hora que quer ou ir embora quando quiser. O paciente espera demais por essas iniciativas. Eles sabem que na terça à tarde, por exemplo, é a hora da beleza. E se o voluntário não vem? Gera uma ansiedade, o que acaba desestabilizando o tratamento”, explica. Os projetos têm duração de seis meses, sendo renovados e reavaliados no período.
SOCIAL
Como funcionam as visitas Um dos projetos mais antigos de voluntariado no Hospital completa 15 anos em 2019. É o Médicos do Sorriso, grupo de seis palhaços com caras pintadas e brinquedos espalhados pelo jaleco, que levam alegria a pacientes internados na instituição. As atividades são semanais, envolvendo cerca de 40 pacientes,sem contabilizar familiares, acompanhantes e profissionais de saúde. A reportagem da Expressão acompanhou a rotina dos palhaços em uma terça-feira de setembro. Antes de iniciarem o turno de voluntariado, o Dr. Piscareta e a Dra. Carlota Treca, personagens vividos pelos atores Marcelo Donini e Carla Vanessa, recebem instruções das enfermeiras sobre a
patologia dos pacientes. Quando chegam nos quartos, perguntam se podem entrar. Muitas vezes, segundo eles, a maior dificuldade é quando os pacientes desejam recebê-los, mas os pais mostram resistência, exigindo jogo de cintura dos atores. De frente com o paciente, é hora do olhar do médico do sorriso entrar em ação e receitar o tratamento que ele precisa para o ambiente humanizar-se. “Entramos nos quartos sem saber se vamos cantar ou contar uma história engraçada, porque não sabemos o que vamos encontrar. Patologia é uma coisa, seu estágio é outra”, afirma Vanessa. “Brincamos com o que tem no quarto. Um porta soro se torna um
microfone ou um porta bandeira. Brincamos que estamos trocando o óleo, o parafuso, que o soro é gasolina, que quando estiverem com o tanque cheio, vão voltar lá pra fora. E eles entram no jogo e se divertem”, completa Donini. Ele e Carla se emocionam ao relembrar o caso de um paciente que voltou do coma enquanto eles cantavam e chamavam o seu nome, surpreendendo os médicos e enfermeiros do hospital. “A gente costuma brincar que os médicos do sorriso chegam no hospital e encontram ele branco. E é como se a chegássemos com baldes de tintas coloridas e fosse colorindo tudo, deixando tudo mais alegre e um ambiente melhor”, afirma.
Cantar e tocar instrumentos musicais são uma das principais ferramentas dos palhaços nas visitas aos pacientes do HG
O outro lado do voluntariado Estimativa de órgãos ligado ao voluntariado revela que o Brasil conta com cerca de 16 milhões de envolvidos no movimento. E a temática se tornou um tema frequente em pesquisas que analisam a importância e o papel do voluntariado em questões sociais. A dissertação de mestrado da professora do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Helenara Silveira Fagundes lembra que o Estado não cumpre sua função básica de gerar políticas públicas, e responsabiliza o cidadão e a comunidade local para esta função. É nesse ponto que aparecem o trabalho voluntário e a
solidariedade da comunidade, cumprindo uma lacuna de resposta à questão social. “Devemos ter cuidado para que a desigualdade social não seja tratada como se não houvesse implicações políticas, econômicas, e culturais na sua constituição. Em outros termos, o voluntariado e a solidariedade devem ser identificados como importantes valores morais a serem resgatados para a humanidade, mas as políticas sociais que devem dar conta das desigualdades sociais não podem ser cooptadas por esses valores”, destaca a pesquisadora.
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ADOÇÃO BRUNA VALTRICK
Atualmente, 44 mil pretendentes estão na fila de adoção no Brasil
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o País, proporção de famílias disponíveis por criança é de 5x1 Cadastro Nacional da Adoção evidencia a dificuldade de crianças encontrarem uma família BRUNA VALTRICK LUANA PADILHA
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oje, no Brasil, 9,1 mil crianças e adolescentes esperam por uma família. Dos zero aos 17 anos, eles contrastam com um número ainda maior: os mais de 44 mil pretendentes habilitados para adotar e transformar os números em história, mais do que em estatística. Os dados podem levar a crer que a adoção seja um problema resolvido. A prática, porém, mostra que não. Uma das barreiras para que as crianças e jovens disponíveis encontrem uma família é a idade. De acordo com o Cadastro Na-
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cional de Adoção (CNA), 6.169 mil dos cadastrados disponíveis para adoção têm seis anos ou mais, o que representa pouco mais de 68% do total. Na outra ponta, apenas 6.260 mil pretendentes (14%) aceitam adotar esse perfil. Para os adolescentes, os números são ainda mais restritos. Do total de pretendentes disponíveis, apenas 1,4% aceitam receber um filho com mais de 12 anos, excluindo os 37% de jovens que têm esse perfil, ou seja, 3.377 adolescentes que esperam na fila de adoção.
Além da idade, a dificuldade de aceitação de crianças com deficiência física ou mental grave e leve, com HIV, e das raças negra, amarela, parda e indígena, também dificulta o processo. Enquanto pouco mais da metade dos pretendentes (54,64%) aceita uma criança negra, 92% aceitam adotar crianças brancas. Os números são apenas um retrato atual das limitações ainda presentes na sociedade. Os temores em adotar um ser humano já formado e com opiniões e expectativas de mundo bem estabelecidas são complexos e devem
ADOÇÃO ultrapassar a primeira análise. As reclamações sobre a demora para adotar uma criança no Brasil se relacionam, muitas vezes, a essas exigências. Com critérios mais abertos, uma nova família pode ser formada antes do que se imagina: “Em 2018, existem casais sendo chamados que fizeram o cadastro ainda em 2012. Se optassem por crianças maiores, o processo seria mais rápido”, explica a assistente social Angélica Zardo, que trabalhou durante dois anos em um abrigo para menores em Caxias do Sul. Se a espera pode ser curta e existem mais pretendentes do que crianças aguardando um lar, é essencial que os futuros pais dediquem um olhar mais atento ao mundo de possibilidades da adoção. O processo deve ser entendido como uma gravidez: um novo ser entra na vida da família, e deve ser tratado com a maior naturalidade possível. “Para adotar, você tem que estar disposto a fazer tudo pela criança. Assim como uma criança biológica, ela vai ter suas dificuldades, vai testar os pais e desobedecer. Mas vai trazer muito amor para a família. Quanto maior a criança, mais vivências ela tem e o convívio é mais complexo. Isso tem que ser trabalhado com acompanhamento psicológico”, explica Angélica.
Processo demorado Apesar de as estatísticas estarem a favor de quem aceita crianças mais velhas, nem todos os casos são assim. A história da coordenadora comercial Zulma Paim, 49 anos, é diferente. A disposição surgiu durante um trabalho voluntário com crianças, em 2004. Com vontade cada vez mais viva de ser mãe, a ideia de adotar encontrou em Zulma solo fértil para amadurecer. “Não foi uma decisão fácil. Mas, em 2009, finalmente me decidi e fiz meu cadastro”, conta. Quando finalmente
chegou, a filha de Zulma tinha apenas dois anos e dez meses. A mãe, porém, imaginava encontrar uma menina crescida. “Parecia que iria chegar correndo em casa, falando pelos cotovelos e pedindo ajuda na lição de matemática”, relembra, em função de ter esperado seis longos anos na fila. “A espera foi árdua, mas não desmotivei. O trabalho voluntário me deu forças para continuar. Tem noção do que é esperar um filho por mais de 6 anos?” Em 1996, 25 de maio foi instituído, durante o Encontro Nacional de Associações e Grupos de Apoio à Adoção, como o Dia Nacional da Adoção. Passo importante para a causa. Para Zulma, a data tem um significado ainda mais especial: foi quando conheceu Ana Paula, sua filha. “Quando recebi a ligação, no dia 24 de maio, já passava das 18h. Eu teria que esperar até o dia seguinte para conhecer ela. O momento foi indescritível. Quando nos encontramos, a sensação era de que sempre estivemos juntas”, conta. Na primeira semana, ainda no período de adaptação, Zulma pegava Ana na escolinha, ia com ela para casa e depois a levava de volta para o abrigo. A dor de ter que devolver aquela que já era sua filha era grande, mas recompensada pela perspectiva do futuro. Mas, amor de mãe tem pressa, e com elas não foi diferente. “Na quinta-feira da primeira semana eu liguei para a psicóloga e disse que não devolveria mais ela. Que queria ficar com ela para sempre. E assim foi, até hoje.” Apesar da ansiedade, é fundamental, respeitar o tempo de adaptação em alguns casos. Infelizmente, por diversos motivos, devoluções dentro desse período ainda são frequentes. É natural que nem todos cheguem à conexão a que Zulma e Ana Paula chegaram. E, por isso, o acompanhamento de profissionais capacitados é essencial.
“Tanto os pais quanto as crianças devem trabalhar questões como afeto, amor, proximidade, etc. Existe um trâmite legal que tem que ser seguido, para evitar a idealização e para que a família possa receber essa criança despida de preconceitos”, explica a psicóloga caxiense Nivea Rosa. As dificuldades, porém, existem. Quando rompeu com o ex-companheiro, Zulma teve que lidar com a revolta da filha. Durante meses, foi necessário um processo de paciência, atenção e muito carinho para não perder o laço que as duas haviam construído. Mas no final tudo deu certo. “Hoje, somos nós duas. Os melhores momentos do meu dia são quando nós acordamos, quando deixo ela na escolinha, quando volto no final do dia para buscá-la”, conta Zulma. Hoje, com 5 anos, Ana Paula é, para Zulma, sua família. A história delas mostra que, por mais difícil que seja o caminho da adoção, o final é recompensador.
ZULMPAIM
Zulma esperou seis anos para adotar
EXPRESSaO 35
ADOÇÃO LUANA PADILHA
Aplicativo aproxima pais e crianças na fila de adoção
Tecnologia e bem social A tecnologia pode ser uma aliada quando o assunto é adoção. Em agosto deste ano, a justiça do Rio Grande do Sul lançou o aplicativo “Adoção”, que busca humanizar e aproximar possíveis pais e filhos e incentivar a adoção tardia. O aplicativo traz vídeos, fotos, desenhos, cartinhas, sonhos e expectativas de dezenas de crianças e adolescentes aptos à adoção no Rio Grande do Sul. A ideia é proporcionar o encontro de pessoas inscritas no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) crianças e adolescentes que esperam por uma família. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê aproximação entre os pais habilitados e as crianças que esperam por uma adoção. A criança e o adolescente, porém, podem escolher não ter o perfil divulgado. Segundo a corregedoria-geral da Justiça do RS, o aplicativo teve, já no dia de seu lançamento, mais de 1 mil downloads. Para baixar a ferramenta, basta acessar a loja do Google Play ou a Apple Store. As informações e imagens são de acesso restrito, e o conteúdo fica disponível apenas às pessoas habilitadas à adoção, mediante cadastro e solicitação de acesso. Quem não tem cadastro no CNA também pode acessar o aplicativo, porém sem acesso à identificação dos jovens cadastrados.
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ARTE: BRUNA VALTRICK
MEIO AMBIENTE
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endência dos empreendimentos sustentáveis em Caxias do Sul Apesar da falta de incentivos do poder público municipal, o número de imóveis em ambientes ecologicamente pensados tem crescido
SARAH CARVALHO LE PARC/DIVULGAÇÃO
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pegada da sustentabilidade chegou para ficar. Hoje, de automóveis a canudinhos plásticos, tudo é repensado para não comprometer o futuro das próximas gerações. Isso ocorre por que a sustentabilidade está diretamente relacionada ao desenvolvimento econômico e material da sociedade. Nunca se pensou tanto em estratégias de utilização e reaproveitamento dos recursos naturais para garantir sua abundância no futuro. De acordo com pesquisa realizada em 2015 pelo U.S Green Building Council, organização que avalia construções com esse caráter pelo mundo, o Rio Grande do Sul é o quinto estado com mais pedidos de certificação Leadership in Energy and Environmental Design (LEED). A organização atesta que prédios e residências obedecem a requisitos de eficiência energética, uso racional da água, inovação e tecnologia. A engenheira ambiental Camila Dall Alba destaca: “A utilização de energia solar e a captação de água para reuso são características que fazem com que um empreendimento seja sustentável.” É cada vez mais frequente planejar espaços que privilegiam o meio ambiente.
O Le Parc trouxe em 2018 a tendência de imóveis sustentáveis para Caxias
Cenário caxiense Segundo o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil de Caxias do Sul (Sinduscon Caxias), Oliver Chies Viezzer, o crescimento no número de empreendimentos com propostas stentáveis é perceptível, embora não existam, de fato, incentivos do poder público municipal. Ele informa, ainda, que esses imóveis são empreendimentos residenciais de alto padrão. Confirmando o apontado indicado por Viezzer, o Diretor do Departamento de Uso do Solo da Secretaria do Urbanismo de Caxias do Sul, Paulo De Mori, des-
taca que a base normativa do município repete uma conduta “cultural” que promove a sustentabilidade, apenas no rótulo. Para que a tendência sustentável seja colocada em prática no cenário local, o servidor municipal entende ser necessária uma renovação nos costumes do mercado caxiense: “Na minha opinião, este é um desafio de transformação cultural que exige conjunção de esforços da sociedade, e especialmente das novas gerações, que entram no mercado de trabalho com novas concepções, nova visão de mundo e novo conhecimento”.
EXPRESSaO 37
MEIO AMBIENTE ESTELA FERNANDES
É cada vez mais comum enxergarmos os grande cataventos espalhados pelo território brasileiro
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ol e vento a favor da economia e da preservação ambiental De norte a sul, municípios brasileiros se empenham em encontrar novas maneiras de obter energia limpa para conservar o meio ambiente
MARLON LIMA ROBERTO PERUZZO
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ermelétricas, hidrelétricas, usinas nucleares, usinas de carvão: esses são exemplos de métodos que a humanidade encontrou para obter energia. Entretanto, alguns são conhecidos como matrizes energéticas não renováveis, pois utilizam combustíveis fósseis. Em vista disso, foi necessária a busca por outros meios. À medida que os pesquisadores encontravam novas maneiras de obter energia, o emprego dos modais surtiu o efeito desejado. Dessa forma, surgiram processos mais limpos e renováveis. No Brasil, a energia eólica é a fonte renovável que mais tem crescido, graças ao
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Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA), seguido da energia solar. Porém, há outras fontes limpas, como a geotérmica, a maremotriz e a hidráulica.
Ventos do Sul No Rio Grande do Sul, os investimentos têm sido intensificados no modal eólico. Em uma região onde os ventos são mais frequentes, esse método de obtenção de energia ganha força. Diversas regiões do estado têm recebido geradores de energia eólica. Do litoral à fronteira oeste é possível ver cataventos gigantes à beira
de rodovias. Os parques eólicos mais recentes aprovados pelo Poder Público foram o de São José do Norte, e o de Uruguaiana. Para o Prefeito de Uruguaiana, Ronnie Mello (PP), é o início de um novo tempo, do cuidado com a natureza e, sobretudo, de qualificar a matriz energética do município. “Temos certeza que esse será o início de um longo caminho; que Uruguaiana será uma cidade referência em energia eólica, assim como Santa Vitória do Palmar. Além de ser uma forma de energia limpa, ela acaba beneficiando o município financeiramente”, destaca Mello, em entrevista à revista Expressão.
MEIO AMBIENTE Região iluminada No nordeste do Brasil, a fonte energética solar é difundida por toda a região, pois a incidência solar é muito alta. Segundo o Atlas Brasileiro da Energia Solar, o País está situado em uma zona intertropical, com grande potencial de geração de energia solar durante o ano todo. Em Ribeira do Piauí, cidade 380 km de Teresina, está situado o maior parque solar da América Latina: o Nova Olinda, com capacidade energética para abastecer 300 mil famílias. As placas ocupam um terreno de 690 hectares. A tecnologia empregada faz com que as placas acompanhem o movimento do sol, permitindo captação integral da luz.
Panorama brasileiro
O Nordeste é a região que mais recebe os raios solares, no Brasil
No sul do estado, em São José do Norte, foi aprovada, pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM), a instalação de um parque eólico. Segundo a Assessoria de Imprensa do município, em entrevista à revista Expressão, o parque de São José vai gerar um total recorde de energia 870 MW, cerca de 25% da energia necessária para movimentar o estado. É mais que o dobro dos atuais 400 MW gerados por outros parques eólicos no Rio Grande do Sul. De acordo com o Secretário Geral do Governo Sartori, Pedro Zogbi, serão criadas novas fontes de receita para a cidade, além de vantagens para os agricultores locais. “A implantação do parque eólico é de suma importância para a economia de São José do Norte, pois irá gerar melhorias financeiras, assim como a renda direta dos nossos produtores rurais, o que irá possibilitar redenção econômica e
melhorias na infraestrutura municipal, tanto na saúde como em outras áreas, melhorando, assim, a qualidade de vida das pessoas”, pontua Zogbi.
Conforme dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao Ministério de Minas e Energia. De 2010 até 2017 a energia eólica foi um dos modais que mais cresceu. Em 2010, os parques eólicos contribuíam com modestos 0,4% da matriz energética brasileira. ESTELA FERNANDES
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