Expressao

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Expressão

Revista-Laboratório do Curso de Jornalismo Universidade de Caxias do Sul Ano 19 - n. 39 2º Semestre 2013

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Núcleo de capacitação Canyon: alimentando a esperança Movimento Sem Terra como ensino Luxo pelo luxo: necessidade de quem?


6 14 20 2 No paraíso das coisas Caxias de muitos O luxo pelo luxo

Eu durmo com teu marido Revolução na academia Alimento da alma

Teatro como transformação social O Brasil na mira dos games Retorno à inocência


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Reitor: Isidoro Zorzi Vice-­Reitor: José Carlos Köche Pró-­Reitor Acadêmico: Evaldo Antonio Kuiava Diretor do Centro de Ciências da Comunicação: Jacob Raul Hoffmann Coordenador do Curso de Jornalismo: Álvaro Benevenutto Júnior Disciplia: Projeto Experimental II Professora responsável: Branca Sólio Projeto Gráfico: Alunos da disciplina Alunos: Ana Maria Romani Camila Baggio Jéssica Monteiro Melina Francisquetti Sol Maia Vagner Barreto Vitória Lovat

Revista-Laboratório do Curso de Jornalismo Ano 19 – n. 39 2º semestre 2013 Expressão é produto da disciplina Projeto Experimental II – Revista

Universidade de Caxias do Sul - UCS Rua Francisco Getúlio Vargas, 1130 Bairro Petrópolis CEP 95070­560 Caxias do Sul­- RS Telefone: 54 3218 2100 www.ucs.br


Sobre como nasceu o processo

No dia 6 de dezembro de 2013, Caxias do Sul amanheceu diferente. Na tarde do dia anterior, a polícia fechou – até que sejam feitas as devidas adequações – o Brick Bonato, uma das pautas desta edição da Revista Expressão. Estávamos em contato com os proprietários desde o início do semestre e, naquela tarde, faríamos a última visita para captura de imagens, o que se inviabilizou. Não saberíamos disso se não estivéssemos inseridos em um processo enriquecedor, por meio do qual nos voltamos para temas que passam despercebidos em nosso cotidiano, mesmo impactando nossa realidade. Nessa busca por aquilo que nem sempre é visto no social e mesmo em grande parte da mídia, encontramos mundos paralelos que se organizam, ainda que ignorados. Mundos compostos por pessoas diversas, com suas necessidades, expectativas, certezas, peculiaridades e desejos. Mundos dos quais fala Michel de Certeau ao nos apresentar A invenção do cotidiano. Característica dos nossos tempos – para o bem ou para o mal –, a pluralidade que compõe a sociedade descortina muitos pontos de vista sobre um mesmo tema, e esta é nossa tentativa de olhar para o campo social e dele extrair algumas impressões. Além de um relato, que se aproxima do jornalismo gonzo, sobre o inacreditável Brick Bonato, essa edição fez uma incursão a uma escola gaúcha integrada por alunos provenientes de movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e mostra como a educação pode ser diferente da que estamos acostumados a testemunhar. O leitor confere, também, o cotidiano complexo de algumas acompanhantes de Caxias do Sul, e sua rotina entre suítes de luxo e presídios. Fizemos uma visita à comunidade Colina do Sol, um reduto naturista em Taquara, no interior do Rio Grande do Sul, onde a nudez auxilia a convivência com o outro e com o próprio corpo. E se para essas pessoas o luxo é praticamente inexistente, para a maioria dos brasileiros a realidade é outra. Ele compõe um dos mercados que mais cresce no país, tema abordado em uma matéria, que procurou mostrar o fenômeno para além do simples consumo. Outro fator que ganhou os brasileiros e cresce a cada ano são os jogos eletrônicos. O que antes era apenas diversão agora é profissão e, porque não, ferramenta que promete transformar o ensino e a aprendizagem. Conhecemos, no Centro de Capacitação Canyon, crianças e adultos que encontraram a dignidade no simples ato de alimentar-se, passando, a partir daí, a tecer sonhos­ de um futuro melhor. Esses temas retratam diferentes realidades, diversas interpretações e Expressões, que nos esforçamos para capturar, abraçando uma “rebelião contra a teoria da objetividade”, na medida em que buscamos uma imersão em cada história, sem desfazer-nos dos sentimentos que nos levaram até elas.


No paraĂ­so das coisas

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Fotos: Myra Gonรงalves


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O Brick Bonato, em Caxias do Sul, reúne uma infinidade de objetos e histórias que ajudaram a construir sua fama de lugar onde é possível encontrar (quase) tudo

Eu estava lá. Eu estava lá, debaixo de chuva, em um sábado frio, sem café da manhã. Os objetos tomavam conta da calçada. Parecia que um container se abrira do céu, derramando uma infinidade de peças desconexas no mesmo local. Portas, camas, antigos monitores de computador, duas poltronas quebradas, um carrinho de supermercado – acho que tinha até uma boneca no meio de um emaranhado de metais, madeiras e “coisas”. Em um corredor estreito e enviesado, moldado por mais quinquilharias – percebo uma mesa de passar roupa, um carrinho de mão, alguns vasos sanitários

quebrados, um colchão inflável, azul, vazio e uma daquelas balanças que as pessoas deixam no banheiro – levava até a porta. Largo meu guarda-chuva ao lado de uma mesa, no único espaço não dominado por outra carga de objetos, e olho em volta. Muitos dos que passam pelo brick, quase no final da Rua Dom José Baréa, atrás do que um dia foi a imperial Maesa, não se dão conta, de fato, do que vêem. Uns pensam que é um lixão. Outros que é um depósito. Nem um, nem outro. Na verdade, é uma casa. Lá, sitiada em poucos cômodos, mora a sorridente e receptiva família Bonato.

Inocência Bonato, 70 anos, logo oferece um café e convida para sentar, ali na cozinha mesmo. O esposo, Renato Bonato, 71, está de saída para apostar na loteria, mas pede que eu fique à vontade. Enquanto isso, Renato Bonato Neto, 46, filho do casal, termina de fumar para depois entrar na conversa. Fuma na varanda, para não sujar a casa. “Não repara na bagunça”, pede Inocência. O que ela não sabe é que foi aquela “bagunça” que me levou até lá. Afinal de contas, alguns dos meus amigos do teatro falavam daquele lugar como se fosse o paraíso. Dentro da casa, o

cenário era tão caótico quanto o da calçada, apenas um pouco mais extenso. Dos cômodos que, teoricamente, deveriam ser salas e quartos, brotavam móveis, objetos, roupas, livros, do chão ao teto. “Eu já perdi a noção do que tem no meio. Quando eu vou procurar uma coisa acho outras que nem lembrava que tinha”, afirma Renato, enquanto me conduz no passeio. É fascinante e assustador passear pelo local. Tenho vontade de tocar – o popular “ver com as mãos”. Ao mesmo tempo, temo puxar alguma peça e ver-me soterrado por uma montanha de


rádios, liquidificadores, porta-retratos, lampiões e abajures. O grotesco e o sublime, ou chame de céu e inferno, são marcados pela escadaria que vai para o porão, onde fica, de fato, o brick. Na escada-limbo é possível ver parte do céu sobre minha cabeça, em uma varanda usada para secar roupas. Abaixo, um imenso buraco negro, um vórtice de onde exala um forte cheiro de umidade. Mais peças, centenas delas, se mostram instigantes. Obviamente, desci. Aventuro-me, com

“Eu já perdi a noção do que tem no meio. Quando eu vou procurar uma coisa acho outras que nem lembrava que tinha.” Renato Bonato cuidado, pela estreita escada em caracol, sem corrimão, que se torna ainda mais estreita pela quantidade de objetos que invadem os degraus. Lá embaixo, não resisto e pego um quadro: desenhos de esverdeadas paisagens campestres contrastam com as paredes acinzentadas da realidade. Ando mais um pouco e uma pilha de uns oito colchões me faz recuar contra a parede, na tentativa de esgueirar-me. Tudo no Brick Bonato é quantitativo, aos montes, em pilhas.

Já tem sido assim há alguns anos. “Nós começamos há 20 anos. Meus pais são comerciantes e surgiu a oportunidade de comprar uma lojinha de móveis usados na Rua Pinheiro Machado. Foi aí que tudo começou”, recorda Renato. De lá, a família passou para um ponto maior, na Júlio de Castilhos, onde permaneceu até 2006, quando veio para este endereço. Já na época, o local ficou conhecido pela abrangência de itens, alguns raros hoje em dia. Renato destaca que o negócio possui peculiaridades devido aos migrantes da cidade. “Esse é o tipo de comércio que não para. Sempre tem alguém querendo vender ou querendo comprar. Alguém que está indo embora, de volta para sua cidade, ou alguém que está chegando. Todos os dias”, afirma. Aproveitando a deixa “disparo” a pergunta que não quer calar. Existe alguma coisa que falte nesse brick? A resposta, óbvia, é rápida: “Difícil”. Mas se engana quem supõe que apenas aqueles em busca de móveis para a casa procuram o brick Bonato. A atriz e diretora da Tem Gente Teatrando, Zica Stockmans, 48, também é uma das clientes. Zica conheceu o Brick ainda na Júlio de Castilhos, perto da antiga sede da escola e companhia de teatro. “Característica de quem trabalha com teatro é ser atraído por

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brechós e briques. E esse chamava atenção pela forma como os objetos eram acomodados e pela diversidade que havia”, lembra. Desde então, peças do brick são utilizadas como objetos de cena nos espetáculos realizados pela Companhia, fato que já dura mais de 15 anos. Na montagem da peça A farsa da esposa perfeita, que estreou em 2004, com direção de Camilo de Lélis, Zica procurava por bules, chaleiras e utensílio de cozinha com aspecto antigo e, obviamente, foi até o espaço da família Bonato. “O mais interessante”, lembra, “é que a Dona Inocência me levou para a cozinha dela. E lá as peças se reproduziam. Tinha o bule que eles usavam e muitos outros, a concha que eles usavam e a multiplicação dessa concha, na própria cozinha.” A “parceria” fica ainda mais clara no espetáculo Navalha na Carne, que estreou em 2008. Na montagem, as personagens convivem no opressivo ambiente de um quarto de hotel. Após alguns ensaios, Zica levou o diretor porto-alegrense Mauro Soares até o Brick Bonato para identificar alguns objetos que combinassem com a estética rea­ lista da peça. “E ele se encantou”, revela a atriz, “o cenário brotou todo de lá. Desde o guarda roupa, a cama, o criado mudo, as cadeiras, tudo que utilizamos em cena veio de lá”. Discípula de Zica, a atriz e cenógrafa Carine Panigaz, 31,

conheceu o negócio da família Bonato durante a produção do espetáculo Extremos, da Cia. Teatral Atores Reunidos, com direção de Ana Fuchs, que estreou em 2006 em Caxias do Sul. A peça ficou conhecida pela quebra de alguns conceitos tradicionais do teatro: era apresentada não em um palco italiano, mas em uma chácara próxima a São Marcos. Uma van levava o público até o local, com os olhos vendados. Carine foi responsável pela cenografia, que deveria contar com móveis e objetos antigos, uma vez que as cenas eram ambientadas nas salas e em espaços da

“Eles fazem parte daquele cenário incrí­vel. Todos os objetos perdidos do mundo estão lá.” Carine Panigaz casa. Para ela, a primeira impressão do lugar é indescritível. “Nossa, foi um ‘uau’. Não consigo traduzir a sensação. Mas eu adorei”, confessa. Além dos objetos que procurava, Carine se deparou com outros que nem poderia imaginar. “No quarto deles tem coisas inacreditáveis. Ela, Inocência, mostrou embaixo da cama e tinha caixas de sapatos com tocos de batom, vidros vazios de perfume, pilhas usadas.” Carine ressalta que

sempre encontrou no brick tudo que procurava. Para ela, mais do que proprietária, a família Bonato é parte do local, e essa é uma das características que torna o espaço tão único. “Eles fazem parte daquele cenário incrível. Todos os objetos perdidos no mundo estão lá.” Em um mundo que se caracteriza pela efemeridade, os objetos do brick parecem ter um significado especial para aqueles que os encontram e com eles estabelecem uma relação. Quando resolveram viver juntos, em maio, Jonas Rodrigues, 24, e Rúbia Michels, 23, logo foram em busca de móveis para o apartamento que iriam dividir. A necessidade e o gosto do jovem casal, junto há sete anos, levou os dois até o Brick Bonato, que Jonas conhecia por ser caminho para sua casa. “Quando começou a correria de arrumar as coisas para o apartamento, me lembrei do local. Uma vez eu tinha passado e visto uma mesinha bonita, então resolvemos voltar e ver o que tinha”, resume Jonas. A reação ao visitar o espaço não poderia ser muito diferente. “Eu nunca vi nada parecido. Achei um Play Station 1, barracas, lâmpadas”, diverte-se. Foi do brick que saiu, se não a maioria, ao menos alguns dos mais importantes objetos que possuem hoje em casa, pontapé inicial para a nova vida dos dois. O casal lembra-se de ter ficado várias horas percorrendo o local, fas-

cinado com o ambiente e com a infinidade de possibilidades que encontrava. “Nós curtimos muito pegar os móveis e arrumar, customizar eles”, afirma Rúbia. “Ela curte”, brinca Jonas. “Eu sou curioso e gosto de ficar analisando. E o brick foi feito para ser analisado. Lembra muito coisas da minha infância, coisas que você teve, teu vizinho teve, teus avós tiveram.” A empolgação dos dois é visível ao falar do Brick Bonato e demonstra a vontade de voltarem lá assim que possível, para adquirir novas peças e passear mais um pouco no meio daquele local tão único em Caxias do Sul, que tantos desconhecem. “O lugar é o paraíso!”, afirma Jonas. Por quê? Pergunto. A resposta vem categórica: “Porque lá tem tudo!”


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Caxias de muitos

A segunda maior economia do estado recebe dezenas de novas famílias todos os meses. As mais diversas raças, cores, descendências fazem de Caxias sua morada, ora, passageira. ora, perpétua

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“Caxias do Sul é o polo centralizador da região mais diversificada do Brasil. Em 2013, comemo­ra 123 anos de desenvolvimento com laboriosos trabalha­dores numa soma de diversidades, vinícolas, parque industrial e um comércio rico e dinâmico.” Essas são as palavras que apresentam a cidade no site da prefeitura de Caxias do Sul. Mas, será que a segunda maior economia do estado é assim tão receptiva e acolhedora? Dezenas de pessoas chegam todos os dias. Esperança, ânsia por crescimento, melhores

condições de vida são os sentimentos que impulsionam aqueles que chegam e encontram uma cidade fria, pouco acolhedora, mui­tas vezes preconcei­tuosa. A arte pena para sobreviver, e é vista co­mo supérflua, quase des­necessária. “Pra quê isso?”, talvez seja a sentença mais proferida na cidade dos altos e baixos­ propiciados por uma topografia pouco generosa. Mas que os altos e baixos fiquem apenas nas ruas. Arriscar não é bem a preferência por aqui. A maioria só quer uma vida cômoda, de preferência linear: um

bom emprego, uma família de dois filhos e um carro, talvez dois. Essa é Caxias, a cidade do trabalho – e, pensando bem, mesmo com muito esforço, não conseguiríamos escolher ­ um nome mais ade­ quado para ela. É bom que tudo que se faça por aqui, com exceção da preservação cultural, tenha uma utilidade bem óbvia. É claro que a monarquia dos tempos de Brasil colônia arrasta suas marcas até os dias atuais. O culto à rea­leza se mantém em concursos como a Festa Nacional da Uva. Meni-

nas crescem cultivando o sonho de ser rainhas.­ Elas aprendem cedo que a carga cultural que carregam no sobrenome é importante e será um grande dife­rencial. Aprendem a se portar como princesas, estudam história..., aguardam o dia de sua estreia na sociedade, com suas festas de debutantes. A Festa Nacional da Uva é o ponto máximo de celebração cultural na cidade. Mas a festa que integra também segre­ga, como diz a historiadora Loraine Slomp Giron: “Há um evidente domínio da riqueza, aparente nos


Sol Maia

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trajes. A riqueza desperta inveja. ‘Apenas a miséria é sem inveja’, como diz Boccacio. Para ser rainha é preciso ser (ou parecer) rica! Todos sabem que, por mais belas que sejam as miseráveis, elas não serão eleitas! Não é verdade?”, completa a historiadora. Todos sabem que em cultura não se mexe. Temos, assim, nosso próprio God save the queen. Os casos mais recentes de ampla repercussão de novas culturas integradas às terras caxienses são o de um grupo de senegalezes e haitianos, que chegaram para trabalhar na indústria, e os

de médicos estrangeiros trazidos pelo programa do governo federal Mais Médicos. Os médicos, por aqui, na verdade, tiveram mais sorte do que os colegas que os precederam e desembarcaram no Ceará. Lá, eles foram hostilizados e alvo de vaias; tiveram um coro que os chamava de escravos. Em Caxias, apesar de, inicialmente, terem sido rejeitados pela Secretaria Municipal da Saúde, os médicos foram acolhi­dos pelo Executivo municipal. A recepção, porém, não foi unânime. O presidente do Sindicato dos Médicos, Marlonei

Silveira dos Santos, se declarou contra a vinda de médicos estrangeiros. Do alto de sua autoridade, se outorgou o poder de duvidar de que fossem “médicos de verdade”. “Sou radicalmente contra. No primeiro erro, entraremos na justiça”, ameaçou. O juízo de valor com base, unicamente, na origem das pessoas, infelizmente, não é exceção. A estabilidade dos preconceitos é, normalmente, assegurada quando há uma base de sustentação social, como destaca Pierre Bourdieu: “A representação social pode ser entendida como

uma categoria construída dentro de um grupo social em determinado tempo, sobre determinada pessoa ou grupo, ou seja, a representação que os indivíduos e os grupos exibem inevitavel­mente através de suas práticas e propriedades faz parte integrante de sua realidade social.” É notória a evolução social e econômica de Caxias.­ Mas e você, qual seu sobrenome?



Fotos Luiz Chaves

O Brasil liderou no último ano o ranking no crescimento do consumo de produtos do chamado mercado de luxo. Mas afinal, por que esse setor cresce tanto? O que está por trás da compra, do status e do exclusivo?


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O Brasil conta com um dos públicos que mais cresce no mundo em relação ao consumo do chamado mercado de luxo. A estética representa uma generosa fatia desse crescimento no país do samba, do carnaval, do futebol e, sim, das compras. Conforme aponta uma pesquisa do Digital Luxury Group, empresa europeia de estratégia e marketing digital para a indústria do luxo, as marcas sofisticadas vêm ganhando espaço no orçamento nacional. Em 2012, o Brasil movimentou ­US$ 12­bilhões em produtos desse segmento, crescimento de 24% em relação ao ano anterior. A pesquisa sinaliza, ainda, um aumento de até 25% nos próximos cinco anos no setor, no Brasil. Os números impressionam. O que, afinal, está por trás de tanta procura pelo exclusivo, caro e glamuroso luxo? De acordo com a psicanalista Márcia Tolotti, esse crescimento no consumo dos itens

do mercado de luxo está diretamente ligado ao trabalho publicitário das marcas, que conhecem o seu público e a segmentação entre esses ‘ricos’. “Existem os formadores de opiniões, os vencedores e os apreciadores. No primeiro grupo, o interesse pela novidade é maior, e seus integrantes compram mais por impulso. Os vencedores usufruem de bens e serviços como uma forma de recompensa a si e a quem os cerca. Já, os apreciadores são minuciosos, não desperdiçam dinheiro e conhecem muito bem o que estão adquirindo”, explica. Além desses segmentos reprodutores dos ‘valores- luxo’, existe uma ilusão de que a compra dos objetos ou serviços promove a compensação de caracterís­ ticas pessoais­ consideradas abaixo da média –­­­ resumindo, o apelo ao consumo, dirigido às pessoas indistintamente. “Em qualquer classe há um apelo ao consumo. Vivemos a era do hiperconsumo; ninguém

fica fora dele, nem quem tem muito, nem quem tem pouco”, acrescenta Márcia. Admiração dos outros

A principal característica do consumo no mercado de luxo é a exigência do consumidor. Isso porque a compra é um significante de poder: é preciso que todos a percebam. “Vamos pensar que junto aos produtos

concretos obtidos diante de uma compra no mercado de luxo, os consumidores estão adquirindo ‘benefícios de desempenho’. A admiração dos outros, a sensação de exclusividade e o destaque em relação a ‘outros’ são benefícios, conscientes ou inconscientes, buscados pelos consumidores da classe A. Certamente, as fantasias de cada um estão envolvidas no


por tratamentos estéticos no ranking mundial. Tanto as mulheres quanto os homens estão muito mais vaidosos”, garante Marcela. Os homens são grandes responsáveis pelo crescimento desse mercado. Hoje, eles representam uma parcela importante dos clientes da Clínica Harmonia. “Além de procurarem pelos mais variados procedimentos, se mostram mais disciplinados do que as mulheres. Eles demoram para procurar a estética, mas quando resolvem se dedicam de verdade”, salienta a proprietária. Luxo, estética e qualidade

processo de compra, mas não temos como definir quais são”, pondera a psicanalista. Estética no topo

Se o consumo do mercado de luxo no Brasil cresce, uma grande responsável por isso é a área de estética. A preocupação com a aparência está maior e isso reflete-se na economia brasileira. Dados do Sebrae revelam que o segmento de beleza está entre os que mais crescem no país. Existem aproximadamente 81 mil empreendedores individuais formalizados no Estado de São Paulo em atividades relacionadas à beleza, como cabeleireiros e manicuras. A psicanalista Márcia Tolotti explica que a sabedoria popular considera beleza sinônimo de saúde, então é possível entender por que o volume das vendas de produtos ligados à estética aumenta. “A be-

leza é um atributo muito valorizado na sociedade contemporânea. Ela é sinônimo de qualidade no ser humano. É como se ao ser bela a pessoa fosse ‘boa’. É preciso perceber que os produtos ligados à aparência têm grande espaço entre todas as classes sociais”, explica. Outro aspecto importante é a promessa de retardar o envelhecimento. “A ideia sempre é bem-vinda, pois a humanidade, desde sempre, evita o envelhecimento, para no fundo evitar a morte”, complementa. Eles mais vaidosos

Um empreendimento novo no Rio Grande do Sul, a Clínica de Estética Harmonia se instalou em Caxias do Sul em junho deste ano. Com sede no Paraná, o grupo viu no estado gaúcho consumi­dores com potencialidade­para as práticas estéticas. Além da procura, existe a ca-

rência de novas tecnologias e, como resultado, a clínica ganhou os apreciadores da cidade e descobriu a grande procura por parte dos homens, que se mostram cada vez mais consumidores de procedimentos estéticos. De acordo com Marcela Mascarenhas Fiuza Occhipinti, proprietária da clínica, o consumo do mercado de luxo estético em Caxias do Sul foi surpreendente. Apesar da fama de desconfiado, o caxiense mostrou seu lado consumista e preocupado com a aparência. “A estética é um mercado que cresce não só aqui, mas em todo o Brasil. Apesar do reflexo de outros países, o mercado de luxo no Brasil apresenta protocolo próprio: temos muitos produtos manipulados aqui e que fazem parte das nossas características”, ressalta a empresária. Segundo ela, “o Brasil está entre as três primeiras posições na procura

Luxo é sinônimo de qualidade e na área estética, mais do que nunca, isso entra em ação. Os reflexos do consumo do mercado de luxo são vistos na procura por profissionais de qualidade e mão de obra eficiente. “Produtos bons existem, tecnologia existe, mas ter um profissional bem capacitado para atender faz toda a diferença”. Além disso, segundo a empresária, as pessoas estão cuidando da sua autoestima, e a procura aumentou em procedimentos preventivos. O consumidor que investe em si se sente bem, cuida de si e prima pelo bem-estar. Algumas pessoas já veem a estética como necessidade, mas ela não deixa de ser um luxo. “É uma coisa que você está fazendo para se sentir bem, e o público está sendo diversificado. Os clientes buscam desde uma limpeza de pele ou uma hidratação facial até procedimentos mais

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tradicionais. As pessoas estão se dando esse luxo, estão se permitindo”, constata Marcela. Spas urbanos

mais procurados pelo público masculino. “Cerca de 80% dos homens que procuram o spa se queixam do estresse do trabalho”, explica. Diversidade de serviços

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O número de spas urbanos ou day spas, espaços modernos de menor dimensão, situa­ dos nas cidades, que oferecem serviços de bem-estar e estéticos de curta duração e com valores acessíveis, cresceu nos últimos cinco anos, e movimentou cerca de R$ 370 milhões em 2012, segundo dados da Associação Brasileira de Clínicas e Spas (ABC Spas). Maior poder aquisitivo da população, mudanças culturais na sociedade e alternativa para combater o estresse são alguns motivos que a empresária e proprietária do Santhé Spa, Valeska Aidel Boufleur, aponta para o crescimento do setor. “O padrão da sociedade mudou. Hoje, vemos meninas de 15 anos que não querem um baile de debutantes e, sim, colocar silicone”, declara a empresária. Para muitas pessoas, o hábito de cuidar da beleza é fundamental e vai além da vaidade; para outras, é uma exigência do mercado de trabalho. Mas essa realidade não faz parte apenas do universo feminino, e a cada dia os homens dedicam mais tempo aos cuidados pessoais, preocupados em associar beleza e vida saudável. De acordo com Valeska, a massagem relaxante e procedimentos estéticos como depilação, cuidado com as mãos e cabelo são os serviços

Localizado no Personal Royal Hotel, em Caxias do Sul, inicialmente o Santhé Spa atendia exclusivamente os hóspedes que buscavam nos serviços do spa momentos de relaxamento ou procedimentos estéticos. “A maioria do público que vem de fora da região quer experimentar tratamentos como vinoterapia, que são os tratamentos com vinho, e provar produtos locais, como o chimarrão”, destaca Valeska. Com o aumento na busca da qualidade de vida, a empresária viu um crescimento em torno de 90% na procura de tratamentos terapêuticos e procedimentos como auriculoterapia, massagem com pedras quentes, massagem desintoxicante, reiki, shiatsu, entre outros, o que levou à abertura do spa urbano ao público em geral. Na administração do Santhé Spa há oito anos, a empresária conta que conseguiu crescer na área trabalhando com horários diferenciados e colocando em prática tratamentos para diversos estilos de público como casais, gestantes e até crianças, investindo na personalização de serviços como o dia da noiva, dia do noivo e o vale-presente para aniversários e formaturas. Nos pacotes exclusivos para noivas, um programa completo de beleza é


desenvolvido com tratamentos que incluem massagem, banho de hidromassagem, cuidado com pés e mãos, teste de cabelo e maquiagem, até a colocação do vestido. “A proposta do dia da noiva é reunir toda a família e aproveitar todos os serviços do spa e do hotel”, conta Valeska. Mercado automobilístico

O mercado de automóveis, sobretudo o de modelos esportivos, representa 50% das vendas do setor de luxo brasileiro. Segundo a World Luxury Index, cerca de 35 mil carros de luxo foram vendidos em 2012 no Brasil. Dntre as marcas mais procuradas estão: Audi, BMW e Mercede-­Benz. O modelo mais cobiçado pelos brasileiros é o Audi A3, vendido por, aproximadamente, R$ 115 mil.

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Foto: Alison Bassani


Eu durmo com teu marido

Elas trabalham até sete dias por semana, com jornadas que podem chegar a 12 horas. Não têm férias nem feriados, muito menos 13o salário ou sindicato. Estão expostas a riscos e são responsáveis por realizar fantasias e fetiches de um número considerável de homens e mulheres, inclusive do teu namorado. Mesmo assim, insiste-se que a vida de acompanhante é “fácil”. “Retificadora de Motores”, dizia em maiú­s­ culas letras vermelhas o cartão que Tatiane, 37 anos, costumava entregar para seus clientes. A ex-garota de programa, ou acompanhante, usou essa técnica por muito tempo para que as esposas não reparassem que aquele pedaço de papel, que o marido tinha no carro, na carteira ou no bolso da calça, era muito mais que um inocente serviço para automóveis. Tatiane começou a fazer programa doze anos atrás em uma cidade do interior. Na época, ela trabalhava como caixa de supermercado e recebeu uma proposta para sair com um cliente, pessoa conhecida e influente na cidade. Aceitou e passou a fazer programas com mais frequência, até deixar de vez o emprego no supermercado para trabalhar como acompanhante em uma boate. De lá, se mudou para Caxias do Sul, vislumbrando um mercado com maior potencial de absorver seu produto: o sexo. A ex-acompanhante, que atendia apenas homens, em um apar-

tamento próximo ao centro, diz que a média de idade dos clientes variava dos 20 até 50 anos e que mais da metade deles eram casados, em busca do afeto que, às vezes, não encontravam em casa. “Eu tentava dar o máximo de carinho possível, conversava, oferecia chimarrão, café, um banho.” Tatiane diz não ter sentido medo, mesmo ciente de que, a cada programa que realizava, abria a porta de sua casa para um desconhecido. Encarava o trabalho como uma profissão normal, que a família e os vizinhos respeitavam, mesmo que o assunto não fosse comentado abertamente.­ “Eu adoro sexo. Um dia sem já estou estressada. Entregava-me no meu programa. Não pode ser algo mecânico: o cliente sente; pode até vir uma vez, mas não volta”, relata. Com o dinheiro, comprou um apartamento, uma casa na praia, que está reformando, arrumou a casa da mãe e ajudava financeiramente o irmão mais novo, façanhas que não conseguiria se trabalhasse de outra forma, segundo ela.

Atualmente, vive com um namorado, que conheceu como cliente. Abandonou a vida de acompanhante, da qual não sente falta, mas que não deixou arrependimento. De suíte de luxo a presídio Eliza, 31, está acostumada a receber clientes em seu apartamento privê no centro da cidade, mas também já atendeu em hotéis, motéis, ou mesmo na casa de alguns deles. Porém, quando recebeu uma ligação perguntando se poderia ir ao presídio, levou um susto. “Eu estava dormindo, acordei com a ligação e disse: ‘Você é louco?! Não!’ e desliguei.” Ela retornou a chamada no mesmo dia e se informou melhor sobre a proposta. O cliente, um conhecido traficante paraguaio de drogas, queria que ela fosse até o local, passando-se por esposa de outro detento –­pois ele é casado – e o atendesse durante o horário de visitas destinado às famílias dos presos. Assim começou o relacionamento que

durou quase dois anos e se fortaleceu fora dos muros do presídio. Inicialmente, as visitas íntimas ocorriam todas as quartas-feiras, mas se estenderam também para os domingos. Quando ele saiu da cadeia, passou a morar com Eliza no apartamento dela. O envolvimento profissional se tornou um relacionamento que ela traz tatuado na pele. Em nenhum momento ela cogitou deixar de fazer programas, até porque o novo namorado se excitava ao saber que ela estava transando com outros homens. “Ele tinha uma tara por me ver fazendo sexo. Quando ainda estava no presídio, eu deixava o telefone em cima da cômoda com ele escutando na linha. Quando saiu da cadeia, ele ficava perto do quarto ouvindo.” A relação não foi adiante apenas porque ele foi preso durante uma viagem “de negócios” a seu país de origem. Eliza voltou a se relacionar com um excliente, que havia deixado pelo novo parceiro. Mesmo rompido o

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Foto: Franciele Soares

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vínculo amoroso, os dois continuam em contato. Da Espanha com amor Relacionamentos afetivos costumam ser tema complexo entre profissionais que estão em contato direto com desejos, fantasias e sexualidades. Envolver-se com cliente não é raro, mas as complicações que isso origina são algo com que elas têm que lidar todo o tempo. Esse é o caso de Renata, 25, garota de programa há cinco anos. Ela começou a fazer programa devido ao dinheiro rápido, mas não fácil, que poderia ganhar. A acompanhante atende homens, mulheres e casais, e ressalta que os homens costumam reclamar muito das esposas. “Mas, eu não acredito. Muito mais do que por problemas em casa, os

homens procuram a acompanhante pela vontade de transar com uma mulher diferente.” A acompanhante chegou a se afastar da profissão por algum tempo, quando se apaixonou por um cliente. Ele, que era casado, deixou a mulher e passaram a viver juntos. Com o casamento ela deixou a prostituição e ficou dois anos afastada, mas com a separação voltou à luta. Renata é conhecida pelos seios “avantajados”, e naturais, característica muito apreciada pelos clientes. Ela ressalta que essa “tara” é o diferencial que atrai grande parte do seu público. “A maior parte dos clientes vem por causa dos meus peitos.” Atualmente, Renata está em outro relacionamento, também com um homem que conheceu durante os programas.

Os dois vivem juntos há um ano. “Ele aceita, mas nenhum homem leva isso numa boa, sempre rola ciúme.” Vírus da despreocupação Já faz muitos anos que o conceito de “grupo de risco” deixou de existir em relação às Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), principalmente ao HIV. A ideia agora é a de comportamento de risco. Mas, para o senso comum, gays, usuários de drogas e acompanhantes ainda são vulneráveis e perigosos, mesmo que a transmissão seja mais comum entre heterossexuais, tanto homens quanto mulheres, com parceiros fixos. Uma das maiores preocupações das acompanhantes, as DST são assunto polêmico, mesmo entre elas. Eliza ressalta

que os clientes costumam pedir para não usar preservativos, o que ela sempre recusa. “Eu jogo limpo, se eu tiver alguma doença vou transmitir, da mesma forma que os clientes. E a nossa saúde deve vir em primeiro lugar, não podemos colocar ela em risco.” Nina, 35, ressalta essa preocupação em relação às garotas que trabalham em sua agência. Segundo ela, que fez programa durante um ano e meio, mas não atua mais como acompanhante, as garotas têm mais consciência de como se prevenir do que os clientes. “A maioria deles são casados e pedem sexo oral sem preservativo, mas eu sempre digo para as meninas que, se descobrir, não ficam mais aqui. Se uma faz, o cliente vai preferir ela, e isso é desleal com as outras.” A oferta de dinheiro nessas situa-


ções costuma ser comum para tentar convencer, valor que, algumas vezes, equivale ao dobro do custo do programa. A desinformação sobre o assunto DST, por parte dos clientes, é grande. Algumas vezes, cabe às acompanhantes educar e ensinar técnicas de proteção. “Um cliente veio porque viu no anúncio que a acompanhante era liberal. No quarto, ele pediu para fazer sem camisinha, mas ela recusou. Liberal significa que ela faz sexo anal, não que não se proteja. Ele pagou o programa, mas não fez nada.” Uma técnica utilizada pelas acompanhantes, quando o cliente quer fazer sexo oral nelas, é usar plástico filme, daqueles para embalar comida, o que, normalmente, gera críticas por parte deles. A realidade atual No Brasil, há mais casos de Aids entre homens do que entre mulheres, mas essa diferença vem diminuindo ao longo dos anos. Em relação aos jovens, dados do Ministério da Saúde apontam que, embora eles tenham elevado conhecimento sobre prevenção das DST, há tendência de crescimento do HIV. Grasiela Cemin Gabriel, 32, está acostumada com esses dados. Entre as atividades que ela coordena frente ao Serviço de Infectologia da Secretaria Municipal da Saúde, está a realização de oficinas sobre formas de prevenção, além de testes de DST e HIV para a comunidade. É função do setor prestar assistência espe-

cial aos profissionais do sexo de Caxias do Sul. Grasiela explica que após o preenchimento de uma ficha de acompanhamento de saúde, são disponibilizados preservativos, masculinos e femininos, géis lubrificantes e aconselhamento, de forma totalmente gratuita. “Alguns acompanhantes ainda ficam com receio, mas essa ficha é secreta. Apenas nós temos acesso e mantemos as informações em sigilo.” A coordenadora afirma que a maior parte desses profissionais tem consciência dos cuidados a tomar; buscam os preservativos e realizam testes ao longo do ano. Hoje, o setor atende a uma média de 200 homens, mulheres e transexuais que prestam serviço de acompanhante em Caxias. Grasiela destaca que há um treinamento interno da equipe para atender da melhor forma aqueles que recorrem ao serviço, sem julgamento ou preconceito, da forma mais humana possível. “Mas muitos não conseguem ter acesso ao serviço devido a seus horários de trabalho; então, temos nos deslocado para encontrá-los”, explica.

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Foto: Franciele Soares


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Revolução na academ O Movimento Sem Terra mantém escola de Ensino Médio e Superior em Veranópolis (RS), que busca uma forma alternativa de ensino. O ideal de uma sociedade igualitária é o que rege professores e alunos


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“O que faz o oprimido defender seu opressor?”, proferia o aluno durante a apresentação de um seminário aos colegas que, em círculo, acompanhavam atentamente a explanação. O questionamento com claro viés de esquerda não é exceção. Não foi a escola que lhes deu essa perspectiva, foram suas vivências. A maioria dos alunos é de filhos de acampados ou assentados do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ou ligados a outros movimentos sociais relacionados com o campo. O

movimento surgiu no Brasil há 29 anos, em Cascavel, no Paraná, como organização de luta pela Reforma Agrária e outras transformações sociais. O Instituto Josué de Castro é uma escola do MST e fica localizada no Centro de Veranópolis há 18 anos, sendo o curso técnico em cooperativismo mais antigo do movimento no Brasil. Os educandos vêm de diversos locais do estado e do País e a aprendizagem se dá por meio do chamado método de alternância, ou seja, os alunos permanecem

na Escola por períodos de 60 a 75 dias, conforme o grau que estejam cursando. “Eles têm a carga horária concentrada do Ensino Médio. Esse regime permite que eles permaneçam vinculados à comunidade de origem; que eles não tenham que sair do campo para estudar”, explica Miguel Stédile, coordenador pedagógico. Apesar do método diferenciado e do caráter comunitário, todos os cursos são reconhecidos pelo Conselho Estadual de Educação, e os professores são recrutados como em

qualquer outra escola. O Movimento iniciou o processo educacional ao perceber a necessidade de pessoas capacitadas para a luta. “As pessoas conhecem o Movimento Sem Terra pelos acampamentos e processo de luta. Mas a maioria das pessoas não tem dimensão do que seja, depois de conquistada a terra, organizar a produção, organizar a agroindústria, se relacionar com o mercado, produzir alimentos, destaca o coordenador pedagógico. Em função disso, “o movimento percebeu que precisava qualificar a


27 Fotos: Sol Maia

sua base social para dar conta dessas demandas. Não é possível praticar apenas agricultura de subsistência. A função da Reforma Agrária é a produção de alimentos”, conta Stédile. O espaço que a Escola ocupa hoje foi cedido por comodato por freis capuchinhos. A estrutura conta com três salas de aula, um panifício, uma agroindústria, ciranda infantil, e capacidade para 110 estudantes internos. Atualmente, 90 pessoas estão alojadas. A sustentação financeira é feita de três formas: por meio

do fundo do Programa Nacional de Educação para Reforma Agrária, que financia deslocamento de professores e material didático; por meio do próprio movimento. “O arroz que a gente consome no almoço é o arroz ecológico produzido pelos assentados de Viamão, o leite vem de Santa Catarina, das cooperativas, o feijão é de Jóia, aqui no Norte do estado. Então o próprio movimento contribui para a sustentação da escola através dos alimentos que eles produzem”, explana Stédile. A terceira forma de

sustento da escola é o trabalho dos alunos. “A lógica de organização da escola é todos estudando e todos trabalhando. Todo estudante aqui também tem um posto de trabalho dentro da escola. Mas, não é um posto fixo. Nesta etapa, o aluno vai trabalhar no panifício, na próxima etapa, trabalha na limpeza, ou na cozinha, ou na manutenção... Ao mesmo tempo que a pessoa ajuda na sustentação da escola, ela vai aprendendo ofícios”, explica Stédile. Os gastos do Instituto também são

determinados de forma comunitária, com a opinião de todos. “A escola funciona em cogestão. Os educandos participam da discussão do gerenciamento da escola. Todos os meses, temos um momento, que chamamos de encontro geral, quando fazemos a prestação de contas do que foi gasto e fazemos a prestação de contas


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do que foi gasto e projetamos o orçamento do próximo mês. Aproveitamos isso coletivamente e vívesse com essas consequências. Uma vez compramos pouco papel higiênico e tivemos que fazer uma reunião extraordinária”, explica Stédile. A técnica de ensino adotada pelo movimento não é pioneira: busca sustentação em pensadores renomados. “Muitos pensam, equivocadamente, que fomos nós que desenvolvemos esse método, mas não. Esse regime de alternância foi desenvolvido, salvo engano, na Europa a partir do

que eles chamam de onde bebemos. Nós foescolas-famílias, que mos incorporando várias são exatamente escolas técnicas pedagógicas, comunitárias em que os vários pensadores.” filhos dos camponeses Stédile defende que permaneciam e retoresse método de ensino navam no período de busca uma formação safra e plantio. mais ampla. “A lógica é “Você forma No Brasil, além de nós que através do todos incorporamos trabalho, não estudando e somente para esse regime de alternâno mercado de todos cia, existem Você trabalhando” trabalho. escolas-­ faz uma forfamílias normação omni­ malmente ligadas aos lateral, mais plena do ser humano a partir do sindicatos de trabalhatrabalho. Nós buscamos dores rurais que desenvolvem essas experiênisso no (Anton) Makacias também. Então, não renco, no (Moisey) Pisfoi uma invenção nossa. trak, no (Lev) Vygotsky e fomos sintetizando Nós temos algumas tudo isso e construinmatrizes, algumas fontes

do essa pedagogia no movimento.”­ A escola recebe alunos de todos os estados do País, o que agrega à experiência um conhecimento cultural, como conta Débora Letícia, que se formou na Instituição, em Magistério, e hoje é funcionária: “No sábado, normalmente, organizamos a Noite Cultural e a Jornada Socialista. Esse é um momento em que aprendemos muito. Por exemplo, na Noite Cultural do pessoal do Norte, eles apresentam as danças, as tradições deles, a comida deles. Isso é uma grande aprendizagem para os outros que


não conhecem.” Segundo Stédile, há muita resistência das pessoas ao Movimento, e ele responsabiliza a mídia por esse repúdio. “As pessoas somente têm ideia do acampamento. A mídia não traz o resultado da luta, que é o assentamento. Hoje, no Brasil, nós temos em torno de 120 mil famílias acampadas, mas o que as pessoas não sabem é que temos 350 mil assentadas. Então, o resultado da luta não é divulgado pela mídia, até porque isso é inspirador.” E, segundo ele, a realidade em Veranópolis não é diferente. “Quando

chegamos aqui, os de um único dono, que moradores tinham ideia haja 300 donos”, reage do MST como invasor, Stédile. ameaça de propriedade. Hoje, há diversas E não percebiam que os parcerias com a cidade que estavam aqui eram e com os pequenos pequenos produtores produtores da região. como eles. O Instituto Então, é claro “No lugar de dialoga com a que houve comunidade um dono, muita resispor meio de tência à nossa que haja 300 projetos como presença.” o Cinema donos” A resistênRural, que leva cinema itinerante para a cia dos moradores de zona rural, com o apoio Veranópolis é comum do Poder Executivo no restante do País, que costuma ver o MST municipal. A disciplina chama a como um atentado à atenção de quem está propriedade privada. “O Movimento não é acostumado com adocontrário à propriedade lescentes “convencioprivada, queremos mais nais”. Um exemplo disso proprietários. No lugar é o lanche da tarde, em

que não há responsáveis pela limpeza geral, mas, imediatamente após o término, é possível ver um enorme local, com centenas de adolescentes, limpo em minutos. Do lugar, ficam exemplos de disciplina, ordem, empatia, solidariedade e senso de coletividade de fazer em inveja a muitas comunidades alternativas.

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Alimento da Alma O alimento que renova a esperança de gerações

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Fotos Ana Romani


“Brócolis, couve flor, as pessoas aqui não sabiam o que era isso. No nosso mercadinho não vende, porque não sacia a fome.” A afirmação é da Gerente de Segurança Alimentar Susana Córdova Duarte, que trabalha no Núcleo de Capacitação Canyon de Caxias do Sul, desde a inauguração em 2005. O bairro fica na zona norte da cidade e tem pouco mais de 2.800 moradores, vindos do interior do Paraná e de Santa Catarina. Com vários problemas de infraestrutura, como falta de escola de Educação Infantil e Fundamental, estrutura básica de saúde e saneamento e sem área de lazer, os moradores se viram. Uma das primeiras medidas executadas na implantação do núcleo foi a produção de 300 refeições diárias para os moradores. Parte é consumida no local e parte eles levam para casa. Segundo Susana, “a fome é a maior agressão contra o ser humano. Dar o alimento é a primeira forma de contato que podemos ter com as pessoas”. Um dos critérios para o consumo das refeições no Núcleo é a participação nas oficinas oferecidas por voluntários, além de ter os filhos na escola e todas as vacinas em dia. Susana ainda pondera que alimentos como legumes e frutas, a polenta e o suco de uva, foram introduzidos na base do cardápio, pois os que têm condições mínimas de fazer sua comida só consomem a batata, o feijão, o

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arroz e a massa. Outro aspecto importante é a redução do índice de violência no bairro em 30% desde a implantação desse serviço. Isso porque a criança bem alimentada não chora de fome, o que contribui para a redução da violência doméstica. Uma

vez saciada a primeira necessidade humana – a fome –, o Núcleo oferece oficinas para homens e mulheres da comunidade, com o intuito de, num futuro próximo, além de resgatar a dignidade dessas pessoas, possibilitar-lhes, um retorno financeiro por meio de seu trabalho.

Um dos casos mais marcantes lembrados por Susana foi o da moradora Dejanira. “Ela chegou aqui depressiva e com total falta de autoestima. Oferecemos a ela oficinas com nutricionistas, e logo após ela passou a nos ajudar aqui na cozinha e


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foi contratada. Conseguimos uma prótese dentária para ela. A partir desse dia, a Dejanira desabrochou! Aquela mulher ganhou vida, e cada vez cresceu mais. Hoje, já faz 5 anos que ela trabalha em uma empresa privada de alimentação. Trouxemos ela de volta à vida”, relata Susana, emocionada. A questão da autoestima é assunto delicado no núcleo, pois a maioria das pessoas que chega ali ou já a perdeu, ou está perto disso. Pela falta de escolaridade, elas não conseguem emprego, e sem emprego e sem salário, não se acham dignas como as demais. “É absurdo, mas tem pessoas aqui que não se acham dignas de ir a uma padaria, uma loja! Tem um senhor no bairro que fazia 10 anos que não ia ao centro da cidade. Uma ida promovida por nós, a uma padaria, é algo inimaginável para muitos,” afirma Susana. O que Susana acha de extrema importância ressaltar é que garantir a alimentação dessas pessoas é o primeiro passo para a “libertação”. “As pessoas aqui não querem passar a vida toda ganhando as coisas de graça. Elas querem, elas mesmas, ter condições de colocar a comida na sua mesa, garantir seu sustento e o de sua família. O núcleo alimenta, dá as oficinas, para que, a partir disso, eles tenham uma profissão e possam ganhar seu salário. Minha alegria é

quando elas voltam, passado algum tempo, e me dizem: ‘Suzana, consegui comprar presunto!’ Pois presunto para eles é o máximo, assim como a margarina Qualy. Nosso trabalho aqui é mostrar o caminho e assim fazer com que elas andem por conta própria.” Terezinha da Rosa, de 42 anos, já ensaiou seus primeiros passos. A auxiliar de cozinha trabalha há cinco meses na função. “Tudo o que eu sei, eu aprendi aqui. Faço a comida, os doces, adoro inventar coisas. Daqui não saio mais!”


Essas invenções ela aprendeu nas oficinas oferecidas por nutricionistas e outros profissionais. “Já fizemos até bombons aqui! Mistura de Bolacha Maria quebradas com uma liga de leite condensado e leite. Colocamos um pouco de achocolatado e enrolamos bem. E assim se fez a Páscoa de muitas das famílias mo bairro”, diz Susana, que relata, também, o caso de uma mãe que, após conseguir emprego em uma empresa, reuniu seus vales e comprou uma cesta de Páscoa para a família. “Pela primeira vez aquela família teve Páscoa. As crianças descobriram o que era chocolate.” Por essas e tantas outras histórias, Suzana garante ter encontrado um sentido para a vida profissional. “Sou formada em

Administração. Tinha meu emprego estabilizado na prefeitura, minhas filhas já estavam bem encaminhadas, mas, desde que passei a trabalhar aqui, encontrei um propósito maior. Essas pessoas me esperam todos os dias. Tenho que garantir o alimento delas.” Mais do que garantir a alimentação básica, Susana alimenta a esperança de um futuro melhor para essas pessoas e confirma que é “preciso ainda mais vontade política e centros como esse em todas as cidades, pois a relação custo versus benefício é excelente para o cidadão e para a sociedade”.

O alimento que soma Com passadas calmas devido a uma recente cirurgia na perna, porém ávida por encontrar as visitantes, assim dona Therezinha Pretto Serafini, uma senhora de 83 anos com vontade e disposição de adolescente se aproxima para a entrevista. Therezinha tem a família como maior riqueza, e lembra com alegria de sua avó, que a criou desde os 6 anos e lhe ensinou que a educação é a base de tudo. “Tudo o que minha avó me ensinou é válido até hoje. Com ela aprendi a cozinhar, a dar a devida importância para as coisas na vida. As coisas simples são as que nos fazem mais felizes. E que quem come bem e dorme bem tem a obrigação de cuidar do outro. Segui esse ensinamento ao longo de toda a minha vida.” Terezinha foi presidente da Liga Feminina de Combate ao Câncer, de Caxias do Sul, por 6 anos. Além disso, é voluntária da Patna (Pastoral de Apoio ao Toxicomano Nova Aurora) e ajuda no trabalho “Mão Amiga”, do Frei Jaime Bettega. “Sou de Passo Fundo e já na minha cidade fazia trabalho voluntário. Quando vim morar em Caxias, há 62 anos, depois de casar com Bruno, já participava das reuniões que ele fazia com os amigos. Participei do Rotary e fui a segunda mulher a dirigir um carro na Caxias daquela época”, relembra Therezinha. Seu marido e família sempre aprovaram e incentivaram suas ações. “Para mim o mais importante da vida é a família. Nos reunirmos na mesa para conversar, bater um papo. Antigamente, quando o Bruno era vivo, eu fazia almoço nos domingos. Hoje, a reunião é aos sábados. Na sexta de noite, vou para a cozinha aprontar o almoço do dia seguinte. Adoro cozinhar e sempre pergunto para todos o que querem de sobremesa. O próximo encontro da família é em homenagem ao meu neto que passou no vestibular, e me pediu para fazer purê de batata e bife à milanesa.” O capricho e a dedicação estão, também, nos detalhes. A toalha de mesa estampada com flores, os guardanapos de tecido, os pratos que levam as iniciais da família, e a delicadeza do aparador já preparado com as porcelanas para o cafezinho. “Depois, vou colocar um copo azul na frente do prato do meu filho mais velho. Nosso time está ganhando, mais um motivo para comemorarmos”, diz exultante.

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Teatro como trans

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A rotina de uma aula de teatro, no Projeto Fábrica de Sonhos, não é subir ao palco, mas contribuir para a transformação social de crianças em situação de vulnerabilidade, em Farroupilha


sformação social

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Fotos Maurício Belarmino


Um dia na sala de aula – Eu amo fazer teatro, adoro quando o “sor” dá aquele jogo que tem que segurar o colega! – Vila Dorme é o melhor jogo das aulas. – Eu só não gosto quando o “sor” deixa a gente sentado em círculo, em silêncio, mas depois disso os guris se aquietam.

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– Ah, “sor”, eu não quero brincar disso, quero fazer imitação, fazer teatro! – “Sor”, o que esse jogo de pegar bolinha e jogar tem a ver com teatro?

As frases são de alunos de escolas públicas de Farroupilha que frequentam aulas de teatro do projeto Fábrica de Sonhos. É terça-feira 8h, no Centro Ocupacional Teotônio Vilella. Crianças que moram no Bairro Industrial chegam ao local onde passam toda a manhã realizando atividades educativas. Elas estudam à tarde. O professor chega e a algazarra já tomou conta do salão onde as crianças tomam café. Ele chama um a um, sem ser ouvido. Faz uma fila e leva todos para um salão, uma quadra abaixo do Centro. Durante o trajeto, as conversas são as mais variadas. O professor abraça cada um dos alunos e deseja um bom dia. Ele já os conhece. Com alguns é carinhoso e delicado, com outros já vai levando algum papo sobre o fim de semana, jogos de videogame e futebol. No salão, eles sentam em círculo. O professor, ou melhor, o “sor Cássio”, faz a chamada e brinca com os sobrenomes dos alunos. Eles gostam. Dão

risadas. Depois, começa o alongamento. A meninada faz alongamentos e se prepara para as atividades. De todas as crianças com quem falei, nenhuma gosta do alongamento. “Mas tem que fazer, se não o ‘sor’ fica brabo. Deixa a gente sentado em silêncio e aí é mais chato ainda”, diz um dos alunos. O professor Cássio Azeredo conta que é preciso ter jogo de cintura; saber quando é o momento de brincadeira e quando deve dar uma bronca. Ele também não obriga ninguém a realizar as atividades. Quem estiver cansado, com dor de barriga ou chateado, pode sentar e assistir à aula. No entanto, há uma regra: quem pede pra sair da aula não pode voltar naquele dia. Ao longo do encontro, diversos jogos são realizados – desde pular corda, até jogos de imaginação, concentração e trabalho em equipe. Eles se motivam quando há alguma espécie de competição, quando há ação e riscos. A maior questão dos alunos desde que começam as aulas é: – “Mas, “ô sor”, quando é que a gente vai montar uma peça de teatro e fazer apresentação?” Eles dizem querer muito fazer a peça, mas se sentem intimidados quando há responsabilidades, como de decorar o texto, por exemplo. A disciplina e a transformação social por meio da arte é esse o objetivo


A sensibilidade dos pequenos

do Projeto Fábrica de Sonhos. Cássio explica que as crianças com as quais trabalha são novas, variam de 7 a 15 anos, e que a maioria delas é de família humilde e em situação de vulnerabilidade social. As histórias das famílias são variadas, muitas vezes não há estrutura e não há amor. “O comportamento das crianças não está relacionado a ter dinheiro ou não, mas, sim, com a estrutura familiar. Tenho alunos com comportamento exemplar e situação social bem complicada, mas o inverso ocorre também. A influência da instituição familiar determina o comportamento do aluno em qualquer faixa etária”, aponta Azeredo. O professor vive por uma tentativa de melhoria da qualidade de vida desses pequenos. – “O sor disse que nossa turma vai fazer peça pra se apresentar no final do ano, mas só se a gente se comportar.” – “Ai meu Deus, quero só ver se eu errar alguma fala.” Não são todas as

turmas que podem criar personagens e apresentar no final do ano. Cássio explica que algumas turmas ainda não têm responsabilidade para montar uma peça. “Proporcionar uma experiência de grupo, de sensibilidade entre eles, é mais importante do que a criação de uma cena. Esse crescimento invisível é a base que poderá sustentar a grande edificação deles no futuro. Eles terão tempo ainda para experiências artísticas”, aposta. Ao longo do ano, ele vai percebendo qual é o comportamento das turmas e apenas as mais preparadas sobem ao palco. No fim das contas, esse não é o principal objetivo, mas, sim, amadurecer os alunos, torná-los mais sociáveis e preparados. “Teatro pode ser uma importante ferramenta para auxiliar o desenvolvimento humano. Por meio dele é possível potencializar o crescimento sensóriomo­tor do aluno. A criatividade, a sensibilidade, a relação em

grupo, o cuidado com o corpo, a autoestima, a resolução de conflitos e uma visão mais analítica da sociedade são alguns dos principais benefícios”, comenta Cássio. As atividades realizadas em aula trabalham esses valores de forma lúdica, sem que sejam diretamente explicitados. Tudo isso ocorre também na Casa da Criança Odete Zanfeliz, na mesma cidade. A partir das 8 horas da manhã das quartas-feiras é a mesma rotina. Jean Esteves, um dos garotos que estuda no local começou o ano a pontapés. Ele fazia baderna toda a vez que podia. Não se intimidava com a hierarquia professor/aluno e não respeitava regra alguma. Cássio conta que após alguns meses de aula, alguns trabalhos específicos para o menino e uma troca de turma, ele se tornou uma criança mais calma e atenciosa. Na quarta-fei­ra, quando estive no local, Jean chegou correndo e disse: “Sor, olha só!” E começou a dizer sem parar todas as frases que ele havia decorado para a peça da

turma. “Em qualquer atividade artística há um grau imensurável de contato com o humano, com o sensível que há em nós e que bloqueamos com as máscaras sociais que usamos habitualmente. Ou seja, a essência do trabalho em arte me parece ser desbloquear o que já existe em potência dentro de cada aluno”, relata o professor. Ele diz que cada grupo é um processo único; então, os sentimentos variam. “Algumas vezes comemoro pequenas vitórias que só eu vejo, outras vezes o grupo consegue uma criação artística tão bacana que a gente vibra por inteiro. De forma geral, sinto que uma etapa do processo na vida de cada um foi cumprida e me sinto feliz por ter sido útil e parte deste momento”, finaliza.

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O mercado brasileiro de games é o quarto maior do mundo. Depois de enfrentar a pirataria e se profissionalizar nos últimos anos, o setor movimentou R$ 5,3 bilhões em vendas. A previsão é que o setor cresça 20% ao ano nos próximos cinco anos.

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Imagens: divulgação

O Brasil na mira dos games!

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O Brasil é o país em que o mercado de jogos eletrônicos mais cresceu em 2012. As vendas no setor de games movimentaram R$ 5,3 bilhões, com crescimento de 32% em relação ao ano anterior. A previsão é que o setor cresça 20% ao ano nos próximos cinco anos. Isso levaria o País ao patamar de terceiro maior mercado consumidor de jogos do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e do Japão. Expansão no Brasil

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Segundo o empresário e proprietário da loja O.R. Games, Rogério Werlang, 38 anos, podemos considerar os seguintes fatores: jogos com lançamento simultâneo no Brasil; tradução de títulos para o português, evolução dos video­games e dos gráficos e redução da pirataria. “Com a evolução dos consoles de alta tecnologia, que exigem jogos originais, a pirataria reduziu suas reproduções, dando espaço para as lojas de games aumentarem suas vendas”, explica o empresário. De olho nesse mercado há pouco mais de um ano, a Microsoft trouxe a produção do Xbox 360 e também de alguns jogos para o País.

A estratégia funcionou. Segundo a consultoria GFK, o console é líder de mercado com 65% de participação. Em novembro de 2012, a Sony anunciou a intenção de fabricar o PlayStation 3, principal concorrente do Xbox, no Polo Industrial de Manaus, ainda no primeiro trimestre de 2013. Em maio, as primeiras unidades do videogame começaram a ser montadas. A fabricação do Play 4 ainda não está definida no Brasil. Com a previsão de crescimento no setor, a estimativa é que o mercado de trabalho na área de games cresça 13,5% nos próximos cinco anos. Segundo a Associação Brasileira de Desenvolvedores de Jogos Digitais (Abragames), as funções mais procuradas são de designers e programadores de jogos para redes sociais e plataformas móveis, como celulares e computadores portáteis. Game On

Uma tendência mundial são os jogos com multiplayers, em que jogadores se encontram online para interagir com os amigos, que podem ser pessoas conhecidas ou não, e de qualquer parte do planeta. O publicitário e estudante de Tecnologia

em Desenvolvimento de Jogos Digitais Eneias Jones Boeira acredita que jogar com outros players torna o desafio real. “Quando você joga off-line, apenas contra o videogame, a inteligência artificial é limitada, mas quando se joga online, contra outros jogadores, a reação é inesperada, você nunca sabe o que vai acontecer”, acrescenta o publicitário, que é membro de um grupo organizado de jogadores, O Clan Extreme – time com jogadores de diversas partes do País. “Nos reunimos online para disputar competições, testar lançamentos e falar de jogos”, conta Boeira. O Clan Extreme tem um site com dicas de games e um fórum de discussões em que Boeira é um dos administradores. Incentivo

Desde o final de 2011, a Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet) inclui jogos eletrônicos em sua proposta, na categoria mídia audiovisual. Dessa forma, as empresas brasileiras da área podem captar recursos para desenvolver seus projetos, games e softwares interativos. Recentemente, o game indie de aventura Toren, desenvolvido pelo estúdio gaúcho Swordtales, recebeu aprovação para captar recursos por

meio da Lei Rouanet, tornando-se o primeiro jogo a usufruir o benefício. O jogo está em produção e já ganhou destaque e prêmios no cenário internacional de games independentes. “Devido a contratos e negociações, não sabemos quando será o lançamento do Toren, mas a previsão é para o início de 2015”, conta o diretor de criação, Alessandro Carlos Martinello, idealizador do game juntamente com os programadores Luiz Alvarez e Otto Lopes, o diretor de animação Conrado Testa e o produtor executivo Vitor Leães. Alessandro acredita que o mercado brasileiro é promissor, mas a velocidade do governo não consegue acompanhar a da tecnologia. “Faltam incentivos na área, mas estamos correndo um risco necessário para o avanço do país”, acredita. A produtora Swordtales pretende captar R$ 370 mil em financiamento no próximo ano, período em que o desenvolvimento do jogo deve continuar.


Games e ensino

Sai do videogame e vai estudar! Essa frase é corriqueira na casa de crianças e jovens ligados em jogos. Mas as coisas estão mudando. São inúmeros os exemplos de sites que aproximam o universo dos jogos e o do ensino. Pesquisadores e cientistas observam, não é de hoje, que ao interagir com um game, o indivíduo imerge em um processo intenso de aprendizagem. “Existem muitos elementos que precisam ser dominados por um jogador em cada game, como regras, objetivos, estratégias, administração de recursos e tomada de decisões. O que esses pesquisadores enxergam é que esse processo todo costuma ocorrer de forma prazerosa”, explica o professor da Universidade de Caxias do Sul Marcelo Luís Fardo, formado em Tecnologias Digitais e Mestre em Educação. Compreender um game nem sempre é tarefa fácil. Muitos possuem sistemas complexos e, mesmo assim, a interação dos indivíduos é espontânea e prazerosa. Ou, você já viu alguém jogando por obrigação? “A analogia que muitas vezes é feita é a seguinte: se os indivíduos se empenham voluntariamente para entender esses sistemas complexos, com esforço e dedicação, para conseguir vencer um desafio que ninguém impôs a eles, por que na escola isso não é observado com a mesma frequência? Ora, lá também existem desafios e obs-

táculos que precisam ser vencidos”, frisa Fardo. Foi de olho nessa analogia que na década de 90 surgiu a indústria dos chamados games educativos. Com eles, surgiu a proposta de trocar os objetivos supérfluos (derrotar ini­

professor. Com isso, nasceu o grande desafio de tornar a aprendizagem séria tão interessante e atrativa quanto a que ocorre nos games. Muitas tentativas estão surgindo com o objetivo de aproximar esses

De acordo com a pesquisa Games Pop, realizada pelo IBOPE Media, 31% dos jogadores brasileiros preferem os games de ação e aventura. Os jogos de futebol ficam na segunda posição com 23% da preferência, seguidos pelos jogos de corrida de carros, que são os prediletos de 10% dos entrevistados. migos, caçar dragões, etc.) por objetivos sérios (aprender álgebra, ortografia, entre outros). “O único problema disso é que esses games começaram a ser desenvolvidos por pessoas que não desenvolviam games: pedagogos, professores e outros profissionais que tentaram disfarçar um livro didático em uma embalagem de game, literalmente. O resultado foi um fracasso. Existe até um termo na comunidade de pesquisa que chama isso de ‘brócolis coberto com chocolate’. Você pode convencer uma criança de que isso é gostoso, mas na primeira mordida ela vai deixar de lado, porque aquilo não é nem brócolis nem chocolate. É uma mistura ruim”, sustenta o

dois mundos e tirar de cada um deles o melhor. “Um fenômeno recente é a ‘gamificação’, que consiste na aplicação de estratégias e pensamen­ tos utilizados em processos de game design nos próprios ambientes de aprendizagem. O objetivo é focar no tipo de estratégia que os games utilizam para ensinar os jogadores a entenderem os seus complexos sistemas, e adotar essas mesmas estratégias em sala de aula”, explica Fardo. Segundo ele, infelizmente o Brasil ainda está muito atrás em experiências que relacionam a aprendizagem com games, mas cada vez mais o mercado nessa área cresce, aproximando o lazer do trabalho e o lúdico do sério. “É

uma tendência que se apresenta com intensidade cada vez maior. No mundo pós-moderno, os limites entre esses conceitos se torna quase imperceptível. E se pudermos aproveitar o potencial dos games para construir um mundo melhor, com uma educação mais eficiente e prazerosa, então acho que os games têm muito a nos ensinar sobre como chegar a esse resultado”, valoriza Fardo.

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Retorno à inocência

Foto: Divulgação Colina do Sol


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A comunidade naturista Colina do Sol, localizada no interior de Taquara, atrai milhares de pessoas de todas as idades, de diversas partes do mundo, que desejam estar em harmonia com a natureza e em contato com o próprio corpo

Então abriram-se os olhos dos dois, e ambos perceberam que estavam nus; logo costuraram folhas e fizeram para si aventais. (Gênesis 3.7) As irmãs Luiza, 19 anos, e Júlia Boeira, 13, nunca desconfiaram do que seus pais faziam nos fins de semana. Há dois anos, eles se reuniram com as meninas e anunciaram que tinham comprado uma casa. Isso não seria de todo surpreendente, embora um pouco inesperado. O inusitado foi quando os

pais comentaram onde ficava a nova propriedade: na comunidade naturista Colina do Sol. As meninas levaram algum tempo para entender, e ainda mais tempo para frequentar o espaço que os pais visitavam há mais de dez anos em sigilo. Com o tempo, os receios diminuíram e a ida à Colina se tornou hábito. A surpresa das jovens não é exceção. Hoje, elas veem essa mesma reação nos amigos com quem dividem a informação. O processo costuma ser

semelhante – primeiro o espanto, seguido de curiosidade e, normalmente, da vontade de visitar. A Comunidade ocupa uma área de aproximadamente 50 hectares no interior de Taquara, cidade localizada a 60km de Porto Alegre, e foi idealizada por Celso Rossi, 53 anos, que, em 1995, descobriu o local e criou a comunidade. A ideia surgiu dez anos antes, em 1985, quando Rossi conheceu a Praia do Pinho, reduto naturista em Balneário Camboriú, Santa

Catarina. Até então, ele tinha uma vida tradicional, como diretor de marketing de uma grande empresa em Porto Alegre, pertencente a sua família. “Eu fiz uma escalada profissional bem rápida. Mas não fazia o que gostava, então acabava comprando coisas para compensar. Eu tinha um veleiro no clube, dois carros na garagem, morava numa cobertura com piscina. E cada vez que chegava a um novo patamar eu pensava: bom, e agora?” A solução foi, em suas palavras, “comprar


Foto: Divulgação Colina do Sol

45 os dias da semana”. “Tinha 27 anos e disse: eu quero comprar a segunda, a terça, a quarta, a quinta e a sexta-feira, porque o sábado e o domingo eu já tinha”, brinca. Com o dinheiro da saída da empresa ele foi morar em uma barraca na Praia do Pinho. A vontade surgiu lá. “Estávamos sentados, curtindo a praia, e pensamos que seria bom ter um modo de vida assim. É muito difícil mudar o mundo, mas criar um novo mundo dentro desse não é tão impossível.” Nascimento A escolha pelo Rio Grande do Sul se deu depois de muita procura. Pesou na decisão haver, no estado, um grande número de naturistas, dado colhido por

meio da Revista Naturis, editada por Rossi. Após verificar aproximadamente 40 terrenos, um anúncio de jornal chamou a atenção para o local. “Dizia: ‘Vendo área de 45 hectares. O mato já paga a terra’”, lembra Rossi. Originalmente, o local servia para a criação de gado. A estrada de acesso era ruim; o solo tinha muitas pedras, o que impedia o cultivo; não havia água encanada, e a luz que chegava era ainda precária. Mas o espaço se enquadrava perfeitamente no que Rossi imaginara: não era plano demais, o que dificultaria a vista dos curiosos; tinha uma vasta vegetação natural e o tamanho adequado, o que permitiu a ele antever o resultado. “Aqui, é o topo do morro e tem

muita floresta; os vizinhos não têm como ver o interior e nós não nos sentíamos sufocados. Estamos pelados aqui e, eu acho, o pessoal de Taquara não consegue ver”, brinca. A escolha do nome Colina do Sol não foi casual. Segundo ele, o sol e o calor eram elementos importantes para que a ideia desse certo, pois são fatores que atraem os praticantes, particularmente no Rio Grande do Sul. No dia 20 de agosto de 1995, data do primeiro encontro, apesar dos duzentos convites enviados, apenas nove pessoas foram à Colina do Sol. E tiveram um fim de semana de sol. No final do primeiro ano, já havia mais de 40 concessões para construção de casas no local, e não

apenas no primeiro fim de semana, mas em todos os outros durante doze meses, o sol brilhou sobre a Colina. Adolescência Diferentemente do que ocorre na Europa, onde o naturismo tem maior receptividade, e fazer topless, por exemplo, é algo comum em praias e parques, no Brasil – o país do carnaval – a atividade ainda é vista com desconfiança e receio. Por aqui, a nudez que não estiver associada à sensualidade causa estranheza. Dentre os locais que existem para essa atividade, a Colina do Sol se destaca pela estrutura. Em seu interior, é possível encontrar cinco quilômetros de ruas calçadas, lago,


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piscina térmica, quadras de esporte, sauna, restaurante, hotel, entre outros atrativos que a tornam referência como o maior espaço naturista da América Latina. Os charmosos chalés – ­­hoje já somam aproximadamente 100 – respeitam padrões no que diz à madeira e à composição das pedras. Mesmo que tenham formas diferentes, é possível perceber a harmonia entre eles. Etacir Manske, 52 anos, presidente da Comunidade, entrou em contato com o local por meio de sua ex-namorada, que foi uma das primeiras frequentadoras da Colina. Em um feriado de Páscoa, ele resolveu visitar o espaço. Um mês depois, se mudou para o local, há 18 anos. A nudez, que o assustou no início, se tornou natural. Ele explica que, ao contrário do que alguns pensam, ninguém é obrigado a ficar sem roupa dentro da Comunidade. Pode-se circular por quase todos os espaços vestindo roupas do dia a dia, ou cangas, opção de muitos. Porém, em algumas áreas, como o lago e as quadras de esporte, o acesso com roupas não é permitido. Isso serve para estimular aqueles que ainda estão em dúvida e como forma de não constranger os adeptos do naturismo. Aqueles que quiserem permanecer com roupa, nos demais locais, têm total liberdade, mesmo que seja pouco comum, após algum tempo, os frequentadores cultivarem esse hábito. Ainda são poucos os jovens que vão ao local, que têm seu público

majoritário formado por pessoas mais maduras ou crianças. Para Manske, isso se deve às transformações que os adolescentes passam e à vergonha que normalmente sentem nessa fase da vida em relação à alteração do corpo. Isso os afasta do local, e trazê-los de volta é um processo que pode demorar algum tempo. “Nós nascemos nus. Depois somos culturalmente educados que isso é algo feio, que é pecado. Para nós, naturistas, ficar pelado é um prazer. Nós usamos roupa para nos proteger do calor e do frio, não para esconder”, explica Manske. As irmãs Luiza e Júlia compartilham esse pensamento. Para as jovens, nossos valores culturais ainda associam a nudez à sexualidade. “Numa praia, as pessoas estão muito mais expostas. Aqui, a nudez é natural. Todos são iguais”, defende Luiza. Ela ainda destaca que o convívio com os pais se transformou após frequentarem a Comunidade. “A relação com meus pais e irmãos melhorou bastante. O diá­logo ficou mais aberto. Hoje eu posso falar tudo.” Luiza e alguns outros jovens têm realizado diversas atividades, como o Halloween da Colina e o 1º Encontro da Juventude Naturista, com o intuito de atrair jovens para o espaço. O projeto inclui até a restauração de um prédio abandonado onde será feita uma República Jovem, com salas de jogos, exibição de filmes, videogame e demais atrativos.

Maturidade Não apenas brasileiros costumam frequentar a Colina do Sol. O local recebe público de diversas partes do mundo, como Alemanha, Estados Unidos, França, Holanda, alguns, inclusive, com casas construídas ali, para onde costumam vir nas férias. A busca parece ser a mesma: livrar-se das roupas – e das fortes amarras sociais a elas associadas. Essa procura motiva o casal caxiense (nomes fictícios) Bruno, 52 anos, e Fábio, 40 anos. Os dois frequentam a Colina do Sol há cerca de três anos, quando se tornaram naturistas. Após algumas visitas à Praia do Pinho, os dois tiveram contato com pessoas que também vinham ao local, e sentiram vontade de conhecê-lo. Para eles, o espaço, bem como outros redutos onde se pode praticar o naturismo, representa a liberdade que, nem sempre, temos no nosso dia a dia. Essa questão transcende a nudez em si. “Eu venho aqui no inverno e fico com roupa. Não é apenas estarmos pelados, mas nos sentirmos bem”, aponta Bruno. Fábio explica que a nudez nunca o assustou. “Eu venho de uma família grande, com cinco irmãos. Então, você costuma ver o outro nu. Na adolescência, trabalhei como modelo e os camarins são juntos, homem e mulher trocam roupa no mesmo local, então se tornou muito natural estar nu”, afirma. Fábio ressalta como o ambiente naturista ajudou na aceitação do

próprio corpo e das transformações que chegam com o tempo. Ver o outro sem roupa, e se ver nu, o auxiliou a levar de forma mais tranquila o envelhecimento, em contraposição à ditadura da beleza exercida pela mídia, que privilegia apenas uma forma de beleza, nem sempre correspondente à realidade. Essa aceitação de si e do outro não diz respeito somente a questões estéticas. “Aqui, você conversa com um pedreiro, com um médico, com um gari, com um arquiteto, de igual para igual. A roupa que usas define muito do teu status. Aqui, somos iguais, todos estão nus”, conclui Fábio. Nus em um paraíso ensolarado.


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Foto: Divulgação Colina do Sol



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