TEXTANDO
Laboratório de Jornalismo Impresso Universidade de Caxias do Sul 2017/2 N° 16
Nenhum direito a menos Roberto Parizotti/CUT
Em profunda crise, governo Temer aposta em agenda de reformas que retiram direitos dos trabalhadores (Páginas 11/14)
Homens vítimas de abuso em casa têm vergonha de procurar ajuda Página 16
O uso do turbante é apropriação ou valorização cultural? Página 20
Dificuldades enfrentadas por apaixonados pelo futebol Página 22
EDITORIAL
Medo das urnas
Na mira da Operação Lava-Jato, deputados têm pressa, mas não legitimidade, para aprovar medidas polêmicas. Congresso também foge dos tribunais claro, pelas urnas. A terceirização, aprovada em março, foi somente o primeiro passo nessa agenda nacional de reformas. Apesar de facilitar as contratações imediatas em um País com 14 milhões de desempregados, ela precariza as relações de trabalho. Os maiores prejudicados são os próprios terceirizados: em média, trabalham três horas a
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NECESSÁRIAS OU NÃO, AS REFORMAS PROPOSTAS PELO GOVERNO SERÃO QUESTIONADAS SEJA QUAL FOR O RESULTADO
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pós o afastamento da presidenta Dilma Rousseff, o novo governo, encabeçado por Michel Temer, se apressou em propor reformas que há muito despertam o interesse dos congressistas. Essas mudanças são indiscutivelmente impopulares e precisavam de um líder tão impopular quanto Temer, para saírem do papel. A rejeição dos brasileiros ao atual governo é tanta, que até os que julgam as reformas necessárias têm dúvidas quanto à legitimidade do congresso em aprová-las. A maioria dos deputados, se sabe, está na mira da Operação Lava-Jato. Os mesmos nomes flagrados pedindo propina em conversas já pouco secretas com megaempresários são aqueles que votaram o futuro de milhões de trabalhadores brasileiros. Nesse cenário, a pressa em aprovar a reforma trabalhista sugere uma intenção macabra dos atuais congressistas: atacar os direitos daqueles que os elegeram antes de serem julgados pelos tribunais – e,
mais e recebem 25% menos. Há, ainda, o fenômeno da “pejotização”: possibilidade de contratar o empregado como pessoa jurídica, sem a obrigação de arcar com FGTS, 13º salário, férias, entre outros. As reformas não param por aí,
e a perda de direitos também não. Os deputados se voltam agora para a flexibilização das leis trabalhistas, projeto de autoria do governo federal, apoiado pelo empresariado. Dentre as principais alterações, estão o aumento da jornada de trabalho, a redução do tempo de intervalo e o fim do imposto sindical obrigatório. Além dessas, outras mudanças são bastante controversas como, por exemplo, a liberação de gestantes para trabalharem em lugares insalubres. Necessárias ou não, as reformas propostas pelo governo federal serão questionadas seja qual for o resultado. A Lava-Jato mostrou que a corrupção é generalizada e a maioria dos deputados está sob suspeita no momento. Antes de decidir temas tão importantes, a Polícia Federal precisa separar o “joio do trigo” para que os brasileiros possam decidir nas urnas quem está apto a escrever o futuro do País. O grande problema é: Chegaremos às urnas?
EXPEDIENTE
SUMÁRIO Comunidade
UPA da Zona Norte deve ser inaugurada em setembro | 3 Problemas & Soluções
Dignidade no prato | 4 A gastronomia gourmet como saída para a crise | 5 Memória
O futuro da fotografia | 6 Variedades
A cultura caxiense em ascensão | 7 Artistas que trilham o lado B | 8 Reportagem Especial
O trabalhador sob ataque | 10 Saúde
Doação de sangue | 14 Violência
O silêncio dos inocentes | 16 Economia
A importante IG dos vinhos | 17 Estilo
Androginia na moda | 18 Cabelo do homem moderno | 19 Foto: Lucimara Pezenti REITOR Dr. Evaldo Antonio Kuiava DIR. DO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS Dra. Maria Carolina Gullo COORD. DO CURSO DE JORNALISMO Me. Marcell Bocchese PROFESSORA RESPONSÁVEL Dra. Marlene Branca Sólio
LABORATÓRIO DE JORNALISMO IMPRESSO TURMA 2017/2 Adroir da Silva Alessandro Manzoni André Sebben Ramos Daniela Aline Basso Danielle Zattera Frizzo Diélen Fontana Felipe Souza Brambatti Jerônimo Diogo Portolan Filho Jorge Rafael Teixeira Soares
Juliana Baú Morás Leonardo da Silva do Amaral Marina Lima Nunes Milene Rostirolla Naira Rosana Albuquerque Pedro Henrique dos Santos Renata Chies Paschoali Tiago Fernando Guerra
Cultura
O turbante e seus signos | 20 Esporte
Amor pela camisa | 22 O rugby que educa | 23 Amor Animal
Rua Francisco Getúlio Vargas, 1130 - Bairro Petrópolis CEP 95060-570
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O abandono de animais e o outro lado da moeda | 24
TEXTANDO COMUNIDADE
Caxias ganha UPA Zona Norte Novo prazo para abertura da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) foi solicitada em audiência de conciliação entre procuradores do município, da União e do estado. A espera também ocorre para saber quem fará a administração da UPA da Zona Norte
Unidade de Pronto Atendimento (UPA) aguarda apenas a definição da empresa responsável pela sua administração (Foto: )
TIAGO FERNANDO GUERRA tfguerra@ucs.br
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guardada desde 2015, a abertura da Unidade de Pronto Atendimento de Caxias do Sul, que é uma das promessas de campanha do prefeito Daniel Guerra (PRB), deve ficar para o segundo semestre de 2017. Em audiência no dia 22 de março, na Justiça Federal, os procuradores do município solicitaram prazo de mais seis meses para a unidade começar a atender. Ou seja, em princípio, a UPA abre as portas à população entre agosto e setembro. O novo prazo tem como base, principalmente, a falta de repasses dos governos federal e estadual. Porém, representantes da União e do governo do estado presentes na audiência justificam que, sem o efetivo funcionamento da UPA, não é possível destinar as verbas pretendidas. A Secretaria Municipal da Saú-
de estima que a unidade necessite de cerca de R$ 20 milhões por ano para funcionar, sendo que cerca de R$ 8 milhões viriam das esferas estadual e federal. Sem esse apoio, os procuradores do município alegam que o serviço seria prejudicado. Outro ponto que também atrasa o início do atendimento é o processo de seleção de uma empresa sem fins lucrativos para administrar a UPA. Em janeiro, foi publicado, no Diário Oficial de Caxias do Sul, o prazo para a qualificação das empresas interessadas em prestar o serviço. Com o encerramento do prazo para o credenciamento de empresas interessadas em gerenciar a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Zona Norte, oito entidades se inscreveram e serão avaliadas agora por um grupo de trabalho, que inclui várias secretarias do município. A intenção é verificar a validade da documentação apresentada. Somente após o primeiro procedimento de triagem, as empresas habilitadas pode-
rão concorrer oficialmente ao edital — ainda não foi lançado — , que definirá os critérios específicos da seleção. Apesar da possibilidade de nenhuma das entidades apresentarem a documentação exigida, a secretária de Recursos Humanos e Logística, Vangelisa Lorandi, acredita que isso dificilmente ocorrerá. “As empresas envolvidas no chamamento já têm experiência na área. Ainda assim, faremos um trabalho minucioso de análise”, promete. O município, no entanto, reitera a expectativa de iniciar os atendimentos na UPA o quanto antes.“Nossa intenção é agilizar o processo para conseguirmos cumprir a meta de abrir a UPA em setembro”, explica a diretora-executiva da Secretaria Municipal da Saúde, Ana Paula Grando Fonseca. Segundo a prefeitura de Caxias, a terceirização da gestão da UPA reduzirá custos e deverá agilizar o processo de abertura da Unidade.
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A ideia é seguir alguns exemplos de cidades que já operam dessa maneira, como Bento Gonçalves, por exemplo. Porém, a prefeitura salienta que são necessários esforços dos governos, tanto federal quanto estadual e Municipal, maiores responsáveis pela eficiência da prestação do serviço, principalmente com repasses de recursos que viabilizem o funcionamento das Unidades. O gasto estimado para garantir o atendimento na UPA de Caxias é de R$ 18 milhões anuais. Como União e estado não se manifestaram sobre qual será a contrapartida, inicialmente a prefeitura teria de arcar com todos os gastos. O prefeito Daniel Guerra garante que uma redução de gastos, estimada em R$ 10 milhões/ano com CCs, será direcionada à UPA. Ainda não está esclarecido de onde viriam os outros R$ 8 milhões. A UPA Zona Norte conta com estrutura para atender cerca de 350 pacientes por dia. São quatro leitos de urgência, quatro
pediátricos e 16 de adultos. A prefeitura estima que cerca de 200 servidores terão de ser contratados para ativar a Unidade. O secretário de Saúde de Bento, Diogo Segabinazzi Siqueira, acredita que Caxias pode estar no caminho certo. “Só recentemente conseguimos receber as parcelas do governo federal. Demoramos um ano e pouco para conseguir isso. Ainda assim, a terceirização é uma alternativa viável,” compara o secretário. Outro exemplo de terceirização da saúde pública é o Hospital Geral (HG), cuja administração está sob responsabilidade da Fundação Universidade de Caxias do Sul (FUCS). “Tem que estar claro qual o tipo de serviço que a entidade presta, neste caso, saúde. Como a operação não prevê lucros, em caso de superávit a entidade tem que aplicar os recursos excedentes na própria UPA”, esclarece o chefe de Gabinete, Julio Cesar Freitas da Rosa.
TEXTANDO PROBLEMAS & SOLUÇÕES
Dignidade no prato
Todos os dias, no Restaurante Popular de Caxias do Sul, 820 pessoas têm oportunidade de se alimentar com o preço de R$ 1,00.
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COZINHAMOS COM MUITO CARINHO E TEMOS A CERTEZA DE QUE AS PESSOAS SÃO GRATAS PELO NOSSO TRABALHO
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Maristela Boff
O Restaurante Popular serve em média 820 pessoas por dia (Foto: Andréia Copini/ Divulgação)
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levo esse sorriso porque já chorei demais, dizia a música que ecoava pelo rádio a pilha de Gilberto Soares Cardoso, aposentado de 66 anos, enquanto aguardava na fila por uma refeição a baixo custo, no Restaurante Popular de Caxias do Sul. Lá, Gilberto se sente em casa. “Sou sozinho. Fiquei viúvo há dois anos. Meus filhos moram longe e me visitam pouco. Venho aqui todos os dias para almoçar e também para conversar. O pessoal é gente boa”, garante. Histórias como esta são comuns entre os frequentadores do restaurante. Jussara de Freitas Oliveira, de 73 anos, é professora aposentada. Vive com a neta em uma casinha no bairro Euzébio Beltrão de Queiróz. Todos os dias, ela e a pequena Cecília almoçam no restaurante. “Trago minha neta para que ela possa se alimentar melhor. Infelizmente, não tenho condições de oferecer tudo de que ela precisa. Eu cuido dela sozinha. A mãe dela, minha filha, se foi por conta das drogas. É difícil. Ainda bem que existe esse lugar”, reitera. RESTAURANTE POPULAR Com uma iniciativa do governo federal, as cidades com mais de 300 mil habitantes foram obrigadas a implantar o Restaurante Popular. Em Caxias do Sul, ele existe desde 2006. O projeto está voltado a pessoas que não têm condições financeiras de se alimentar adequadamente. Pelo preço fixo de R$ 1,00, muitos idosos, crianças e pessoas em
situação de vulnerabilidade fazem uma refeição completa no horário do almoço. A coordenadora do Restaurante, Janete Tavares, explica que o número de refeições é limitado. “Hoje, conseguimos atender 820 pessoas por dia. Infelizmente, muitas ainda ficam fora. É preciso chegar cedo se quiser garantir a refeição. O restaurante abre às 11 horas. Temos 225 lugares. Pouco depois do meio-dia esgota-se o número de refeições”, afirma. Ela explica que, embora o Restaurante Popular esteja voltado a pessoas necessitadas, não há como proibir alguém de entrar. “Procuramos conscientizar as pessoas para que venham aqui somente em situações de emergência,
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TEMOS 225 LUGARES. POUCO DE POIS DO MEIO-DIA JÁ SE ESGOTA O NÚMERO DE REFEIÇÕES
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DIÉLEN FONTANA dfontana2@ucs.br
Janete Tavares
que não venham, simplesmente, porque o valor é acessível”, comenta. Ainda de acordo com Janete, o fornecimento dos alimentos e todo o processo de preparação são responsabilidades da empresa Nutriflach, de Novo Hamburgo – contratada por meio de licitação pública. A empresa precisa cumprir
o cardápio estipulado em contrato. O Banco de Alimentos de Caxias do Sul contribui com frutas para a sobremesa e também com algumas verduras. Anualmente, é gasto mais de R$ 1 milhão de reais para manter o Restaurante Popular. Desse valor, 75% vêm do governo federal, os outros 25% fazem parte das despesas do município. Dezesseis pessoastrabalham para produzir os mais de 650 quilos de alimento consumidos no Restaurante. Além delas, outras três, vinculadas à Prefeitura de Caxias do Sul, trabalham no local: uma nutricionista e dois estagiários. Segundo Janete, 60% dos frequentadores são idosos e, por isso, sempre precisam de ajuda. “Muitos têm dificuldades de locomoção: utilizam bengalas e não conseguem carregar a bandeja. Os estagiários estão aqui para auxiliar essas pessoas”, garante. A nutricionista, Maristela Boff, é a responsável pela construção do cardápio. “Procuramos fornecer todas as vitaminas e proteínas necessárias para que as pessoas se mantenham saudáveis. Sabemos que muitas delas fazem aqui a única refeição do dia. Por isso, variamos o cardápio. Existem muitos alimentos saudáveis, e não tão caros, que podemos utilizar, ensina.” Ana Maria Mendes é uma das cozinheiras do restaurante. Para ela, é uma satisfação cozinhar para aqueles que realmente precisam. “Quantas pessoas têm condições e reclamam da comida? Aqui não sobra nada. Cozinhamos com muito carinho e temos a certeza de que essas pessoas são gratas
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pelo nosso trabalho”, comemora. Eva Guimarães Teixeira, 62 anos, conta que para almoçar no Restaurante Popular pega dois ônibus. Mas o esforço vale a pena, porque além de se alimentar, é uma maneira de se socializar. “A conversa rola solta. Venho para conhecer pessoas novas, fazer amizade. Quem sabe eu até arranjo outro marido. A solidão não é pra mim”, brinca. BIBLIOTECA O Restaurante Popular de Caxias do Sul conta com uma pequena biblioteca no local. É uma alternativa para que as pessoas tenham acesso a livros e adquiram o gosto pela leitura. Ela é uma iniciativa do Depar-
tamento do Livro e da Leitura, da Secretaria da Cultura de Caxias do Sul. As pessoas podem levar o livro para casa, repassar a outras e, depois, trazer de volta para o restaurante. Para quem tem interesse, o local aceita doações. Justina, de 64 anos, é enfermeira aposentada. Todos os dias, após fazer sua refeição, senta no sofá localizado na entrada do Restaurante e lê algumas páginas. “Eu me distraio com a leitura. Em casa, sou sozinha. Não me casei e não tive filhos. Aqui, estou rodeada de pessoas legais. O povo é que é preconceituoso. Somos populares sim, somos seres humanos”. PRATO SOLIDÁRIO À tarde, o Restaurante Popular de Caxias do Sul cede seu espaço para o projeto Prato Solidário. O Projeto teve início em dezembro de 2013 e tem como objetivo recolher o excedente de alimentos produzidos em cozinhas industriais e doar às entidades assistenciais, devidamente cadastradas, a fim de proporcionar melhorias na alimentação e qualidade de vida para pessoas em situação de vulnerabilidade social.
O Restaurante oferece cardápio variado e saudável a R$1,00 (Foto: Diego Vara/ Divulgação)
Foto: Maicon Damasceno/ Divulgação
TEXTANDO PROBLEMAS & SOLUÇÕES
Gastronomia gourmet e crise São tempos difíceis para todos. Apesar disso, algumas pessoas veem na recessão uma forma de inovar e empreender
(Foto: Pexels)
DIÉLEN FONTANA dfontana2@ucs.br
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ara muitos, a crise que o Brasil enfrenta nos dias atuais é sinônimo de preocupação, mas, para outros, ela é um novo começo. Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) revelam que mais de 7 mil postos de trabalho foram fechados em Caxias do Sul, no ano de 2016. Dessa forma, muitas pessoas precisaram inovar para tentar vencer a recessão. Esse foi o caso de Mariana Giacomelli, 28 anos. Acostumada com um salário vantajoso e amplos benefícios, viu sua vida virar de cabeça para baixo ao perder o emprego. “Eu entrei em desespero total. Comecei o ano de 2017 desempregada e sem perspectivas. Eu tenho uma filha para criar”, conta. Mariana afirma que chegou a buscar novas oportunidades no mercado de trabalho, mas sequer foi chamada para entrevista. “Pensei em me especializar, fazer novos cursos, mas a verdade é que não há empregos para ninguém. Tive muito medo. Minha filha de seis anos estuda em um colégio particular, cheguei a pensar em trocar a escola”, ressalta.
Insistente e sem opções, Mariana começou a trabalhar “frio” ajudando em uma confeitaria próxima à sua casa. “Eu trabalhava meio turno. Ajudava na produção de doces e salgados, até que, algumas semanas depois, resolvi tentar por conta própria. Sempre gostei de gastronomia e resolvi juntar o útil ao agradável”, conta. Foi assim que ela entrou para um exército de trabalhadores praticamente invisíveis, que nem o IBGE consegue identificar com precisão nas suas estatísticas. Começou a trabalhar autonomamente, produzindo doces, salgados e massas caseiras. Aos poucos, conseguiu clientes, muitos dos quais tornaram-se fixos. “Se não fosse pela recessão, eu provavelmente ainda estaria trabalhando no mesmo lugar, cumprindo horário e obedecendo ordens. Hoje, faço meu próprio horário, sou eu quem define quantas horas vou trabalhar por dia. Há males que vêm para bem”, declara. Esse também foi o caso da doceira Nicole Nunes dos Santos, 25 anos. Ela conta que, após perder o emprego, buscou uma nova forma de conseguir renda. A produção de doces gourmet se tornou a solução para seus problemas. “Decidi produzir doces diferenciados.
(Foto: Nicole Nunes dos Santos/ Divulgação)
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HOJE, FAÇO MEU PRÓPRIO HORÁRIO. SOU EU QUEM DEFINE QUANTAS HORAS VOU TRABALHAR POR DIA. HÁ MALES QUE VÊM PARA O BEM
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DANIELA BASSO dabasso@ucs.br
Mariana Giacomelli
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Assim, tenho poucos concorrentes e a certeza de que meus produtos são únicos”, salienta. Hoje, Nicole é proprietária de uma cafeteria em Balneário Camboriú e aposta na produção de doces, a partir do gosto do cliente. Ela não tem um cardápio fixo. “Sempre procuro utilizar os melhores produtos e apostar na apresentação dos doces. A primeira degustação é com os olhos”, conta. Ela destaca que as redes sociais são ótima forma de divulgar seus produtos e também uma maneira de se aproximar dos clientes. “Estou sempre publicando fotos e vídeos de meus processos de preparação. Os clientes gostam de saber como é feito o alimento que vão consumir. Como diz o velho ditado, “enquanto uns choram, outros vendem lenços”; enquanto uns lamentam, outros buscam oportunidades e trabalham duro para enfrentar a crise. Histórias como as de Mariana e Nicole incentivam outros trabalhadores, que se encontram em situação delicada devido à crise. Elas são a prova de que criatividade e boa vontade fazem toda a diferença e podem mudar a vida para melhor.
TEXTANDO MEMÓRIA
O futuro da fotografia
Depois do desaparecimento do filme fotográfico, a impressão de fotos em papel também pode estar com os dias contados. A questão divide opiniões
Fernanda e Renata: opiniões distintas sobre o modo ideal de armazenar fotos (Foto: Adroir da Silva) ADROIR DA SILVA adroir@gmail.com
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m 1826, Joseph Nicéphore Niepce conseguiu reproduzir, após dez anos de experiência, a vista descortinada da janela do sótão de sua casa, em Chalons-sur-Saône, na França. Surgia, naquele momento, a fotografia, que mudou de forma definitiva a maneira de registrar e de imprimir a história do mundo. PAPEL SOCIAL Sabemos que uma pessoa vive cerca de 80 anos e as lembranças geradas por ela duram, no máximo mais 80, ou, aproximadamente, duas gerações. Após esse período de tempo, sem os devidos registros, nossa existência cai no esquecimento quase completo. Isso reforça nosso dever de, sempre que possível, produzir e
guardar nossa história. O problema é que, com a popularização dos meios digitais, apesar de criarmos uma infinidade de registros todos os dias, perdemos esses dados na mesma velocidade ao não fixá-los em algo palpável e mais seguro do que apenas as memórias de nossos celulares e computadores. LABORATÓRIOS Júlio Dalmonte, fotógrafo desde a infância e hoje à frente do mais antigo laboratório fotográfico de Farroupilha, vê com naturalidade a mudança. “Antes do digital fazíamos a impressão de dez mil fotos mensais em média. Hoje, não imprimimos mais do que mil por mês. A explicação está na tecnologia. Atualmente, há outras formas de guardar fotos”, explica. Sobre o futuro, Dalmonte é otimista. “Acredito que, em algum
momento, as pessoas voltarão a imprimir suas fotos. Acontece muito de a pessoa chegar aqui no estúdio lamentando que o computador estragou, que o celular não funciona mais e que se arrepende de não ter impresso a foto. Conforme o cliente vai notando a fragilidade do arquivo digital, volta a fazer suas impressões, principalmente das imagens que para ele tem valor sentimental alto”, enfatiza. ALTERNATIVAS Uma das saídas para que os laboratórios continuem tendo trabalho passa pela negociação que os fotógrafos fazem com seus clientes. “Eu não ofereço apenas a opção digital. Sempre explico que faço isso para preservar o meu trabalho e também poupar dores de cabeça deles no futuro, pois na minha avaliação a melhor forma de guardar uma memória ainda é
Segundo Vinícius Pigozzi, historiador formado pela UCS, a tendência é que a documentação impressa diminua com o passar do tempo, porém ele não acredita na sua extinção apesar de entender que lacunas sempre existirão, dada a impossibilidade do registro de tudo. A documentação impressa não é mais necessidade absoluta, apesar de útil, segura e ter valor especial para o proprietário, o que o não ocorre com o digital. Textando: Na sua avaliação, a tendência é que o impresso desapareça no futuro (jornais, revistas, fotografias)? Vinícius: A tendência é que diminua, mas não desapareça. O
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A MELHOR FORMA DE GUARDAR UMA MEMÓRIA AINDA É NO PAPEL Júlio Dalmonte faz Fernanda optar pelo papel ao invés das memórias digitais. “Minha mãe tem álbuns antigos da família dela e da nossa. Por eles pude conhecer alguns familiares já falecidos”, conclui.
A dona de casa Odacila Silvestrim Parisotto coleciona álbuns com fotografias antigas (Foto: Renata Parisotto)
ENTREVISTA
DOCUMENTAÇÃO IMPRESSA NÃO É MAIS NECESSIDADE ABSOLUTA, DIZ HISTORIADOR Textando: Há uma lacuna na história com a redução da impressão de fotografias? Vinícius: A quantidade de material produzido hoje é incomensuravelmente maior do que a de outros tempos, seja pelo acesso popularizado e menos custoso à tecnologia, seja pela mudança de costumes que enfatiza o registro constante de momentos do cotidiano. Sendo assim, dificilmente haverá lacunas maiores do que antes,
OPINIÕES DIFERENTES Para a filha de Odacila, a jornalista Renata Parisotto, 29 anos, nada supera a praticidade dos arquivos digitais, que, conforme explica, poupam espaço e podem ser acessados facilmente. “Acho bonito ter os momentos revelados, porém prefiro armazenar tudo em um só local, de fácil acesso e que não ocupe espaço. Hoje, existem inúmeras alternativas de armazenamento. Vejo os álbuns como algo charmoso, mas para mim não
superam a praticidade de tê-las em dispositivos eletrônicos”, comenta a jornalista. Já a estudante de direito Fernanda Vetorazzi discorda. Para ela, nada supera a tranquilidade de ter o arquivo impresso. “Eu adoro tirar fotos e já revelar, porque são lembranças que ficam para sempre. Salvo no computador também, mas tenho medo de perder. Gosto de olhar as fotos reveladas”, diz. O passado é outro detalhe que
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no papel”, finaliza o fotógrafo. Essa é uma boa opção para pessoas que ainda não se acostumaram com o processo digital ou têm, na tradição familiar, o hábito de “revelar” fotos. É o caso da dona de casa Odacila Silvestrin Parisotto, que guarda com carinho as lembranças da família. “Gosto de revelar as fotos para ter a recordação. Não acho graça ver em um computador, mas sim folhear o álbum e ter a sensação de voltar no momento. Acho muito mais bonito e encantador olhar as imagens em papel”, garante ela.
futuro será predominantemente digital. A história sempre terá material para pesquisas, até porque, qualquer material produzido pelo homem é essencialmente uma fonte histórica; portanto, é impossível que não sejam gerados documentos suficientes para o registro da História. Textando: Que papel os impressos tiveram no registro da história? Como seria, por exemplo, se o período da di-
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tadura militar brasileira fosse virtual e pudesse ser modificado ao sabor do vento? Vinícius: O impresso teve uma importância grande no registro histórico. Diga-se de passagem, continuará sendo importante; mas, seu reino não é mais dominante. Se as fontes para estudo da ditadura fossem apenas virtuais, isso não impossibilitaria ou invalidaria o estudo, desde que se distinguisse a origem da fonte e se evidenciasse a ocorrência ou não de modificações na originalidade dessa fonte. Nesse aspecto, é uma questão de tratamento metodológico.
Vinícius: “A impressão já não é mais necessidade absoluta para preservar a História” (Foto: Adroir da Silva)
TEXTANDO VARIEDADES
A cultura caxiense em ascensão Com o avanço da internet, a cultura do it yourself (faça você mesmo) alavancou a promoção de artistas locais, deste modo, tornou-se mais fácil tocar em festivais, mostras de música e comunicar de forma mais dinâmica do trabalho de abrir espaços e ser criativa, a nossa ala também tem a função de hackear as mídias presentes e criar alternativas. Acho que isso faz a mudança de verdade”, assegura. Para o músico, alterações do cenário cultural caxiense são constantes, e seria preciso algo mais direcionado e constante. “Eu não falaria em mudança, mas na constância do trabalho dos artistas. Eu pediria mais união, menos falação e mais ação”, destaca. De acordo com o integrante da Cuscobayo, o ideal seria que não houvesse espaço para cisão nesse mundo.
Cuscobayo se caracteriza como um grupo híbrido de música regional e urbana da América do Sul (Foto: Divulgação/ Cuscobayo)
MARINA NUNES mlnunes3@ucs.br
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o contrário do que muitos dizem, Caxias do Sul tem um variado leque de culturas. Uma prova concreta desse fato é que, em 2008, a cidade foi considerada a Capital Brasileira desse manifesto. Na cidade da Serra gaúcha, os artistas locais conseguem, cada vez mais, mostrar sua arte, e isso ocorre por meio de projetos de financiamento que o município disponibiliza para a população. O Financiarte e a Lei Municipal de Incentivo à Cultura (LIC) conseguem alcançar diferentes classes e gêneros e ajudam a colocar no mercado bandas ou artistas que ainda estavam no anonimato. A música, por exemplo, é uma dessas artes, que atualmente conquistam espaço no coração da população caxiense. O produtor Robinson Cabral, de 43 anos, é testemunha de como a cena da cidade mudou ao longo do tempo e à medida que as pessoas transformaram seu pensamento. Segundo Cabral, a música no município está cada vez mais plural. “Na verdade, ela sempre foi assim; no entanto, não conseguia “dialogar” com dife-
rentes públicos. Hoje em dia, há mais disposição para isso, com um cenário cada vez mais amplo, mas ainda está tudo no início e carente de profissionalização,” pontua. Existem, na cidade, diversos eventos para os músicos ficarem conhecidos. Exemplos disso são o Festival Brasileiro de Música de Rua e a Mostra Música Daqui. Ambos têm o objetivo de espalhar os trabalhos de artistas pela cidade. Cabral enfatiza que gostaria de ocupar cada vez mais o espaço público do município para a difusão de artistas. “Se a cidade não vai até os músicos, eles precisam ir até a cidade. Não podemos esperar que o Poder Público ou a iniciativa privada criem ambientes. Artistas e produtores também têm obrigação de pressionar para a criação de políticas públicas que promovam a cultura”, salienta. O FOLK EM CAXIAS Gabriel Balbinot, 26 anos, é um dentre os jovens caxienses que têm banda. O diferencial da Spangled Shore - que existe há quatro anos e tem um estilo folk music, folk rock – é que ela conta com apenas um integrante. Além de trabalhar em sua banda, Balbinot é produtor musical. De acordo com ele, o cenário da música autoral caxiense se mostra cada vez forte. “As bandas da cidade
estão com trabalhos consolidados rodando o Brasil e também a América Latina. A cena está começando a ser reconhecida pelo País e acho que, em breve, Caxias será muito bem reconhecida pelo mercado cultural brasileiro”, acredita. O músico afirma que a cultura do it yourself foi o que alavancou a promoção dos artistas locais. Conforme ele, toda se-
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TER BOAS CANÇÕES E SER BOM NAQUILO QUE FAZ NÃO BASTA. É NECESSÁRIO VER ESSE RAMO COMO UM NEGÓCIO
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DANIELLE FRIZZO dzfrizzo@ucs.br
Robinson Cabral
mana uma nova banda autoral surge na cidade – e não é raro que elas façam turnês nacionais posteriormente. ESTILO ANOS 80 No cenário da música desde 2014, a Borduna é formada por Cléber (baixo e vocais), Fabiano (bateria), Severo (guitarra e vocais) e Rudinei (vocal). Com suas letras, a banda hardcore busca questionar o panorama sociocultural e socioeconômico. Segundo Rudinei, eles estão
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em busca da própria mistura de subgêneros, a fim de mostrar algo autêntico e contemporâneo. O vocalista declara que a população precisa estar aberta a ouvir coisas novas. “Os influenciadores têm papel fundamental, em disseminar o que há de positivo feito aqui. Do mesmo modo, a música educa; é história sendo referência do que é feito folcloricamente há muito tempo. Esse ramo é sensível, pois nos proporciona sentimentos inimagináveis. A música é questionadora, nos faz desmembrar seus versos e enxergar dentro deles e para o mundo afora”, complementa. HÍBRIDO REGIONAL Com um pouco mais de experiência, a Cuscobayo já tem em seu currículo diversos lugares onde realizou performances. Os participantes Alejandro Montes de Oca, Lourenço Golin, Marcos Sandoval, Rafael Castilhos e Rafael Froner caracterizam o grupo como um híbrido de música regional e urbana do Sul da América do Sul, e apelidam esse estilo de chegueden (uma onomatopeia). O integrante Rafael Froner, 30 anos, reconhece que os artistas estão tendo espaço para se promoverem na cidade, mas aponta que isso acontece por conta de uma movimentação da própria classe artística. “Além
A DIFERENÇA ENTRE ONTEM E HOJE O produtor musical Robinson Cabral tem muita experiência no ramo, adquirida com suas próprias bandas. Ele conta que teve grupos antes e depois do advento da internet e isso fez uma enorme diferença. “Antigamente, os lugares e a divulgação eram restritos, pois não se tinha tanta informação sobre festivais e mostras de música. Com a internet, a barreira geográfica foi rompida. Tornou-se mais fácil tocar em outros centros e poder comunicar de forma mais dinâmica”, expõe. Segundo Cabral, antes as possibilidades de shows e divulgação eram mais restritas, mas existiam menos bandas “concorrentes”, enquanto hoje existem múltiplas formas e lugares para tocar e divulgar, mas o número de grupos também é enorme. “A facilidade de alcance à informação e de alcance a bons instrumentos também é uma das grandes diferenças entre ontem e hoje”, ressalta. Sobre o cenário da música atual da cidade da Serra, Cabral afirma que é de boa qualidade, mas que ainda precisa de muitas ações profissionais para poder seguir em frente, circular, conseguir vender e distribuir seu produto. “Ter boas canções e ser bom naquilo que faz não basta. É necessário ver esse ramo como um negócio, pois existe nicho de mercado para qualquer gênero. Isso só irá acontecer se o próprio artista trabalhar muito nos bastidores. Alguns caxienses do ramo não conseguem perceber os movimentos da ‘economia da música’ e acabam sucumbindo”, explica.
TEXTANDO VARIEDADES
Artistas que trilham no lado B
Covers buscam sucesso e se dedicam a imitar seus ídolos. Porém, o show business também tem um lado negativo
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antores que buscam sucesso ou a simples realização ao cantar. Seja em bares, shows ou eventos particulares, os covers se dedicam à música ou a imitar seus ídolos. Em alguns casos, utilizam visual e canção iguais aos de seus cantores favoritos e, em outros, realizam arranjos novos, que ganham notoriedade por oferecerem nova versão de uma canção já conhecida. Porém, o show business também tem seu lado negativo. Na música popular, uma canção cover é um novo desempenho ou a gravação de uma canção já lançada comercialmente por outro artista. Inicialmente, a popularidade dos artistas era medida conforme o sucesso de vendas de determinada música. Mais tarde, as canções que haviam alcançado maior sucesso, sendo algumas versões cover, passaram a fazer parte dessa medida de popularidade. Versões cover de cantores consagrados e melodias conhecidas são frequentemente gravadas por novos artistas, que buscam alcançar sucesso inicial. Uma versão cover também pode ser lançada como esforço para reavivar a popularidade de uma canção nas gerações mais jovens, após sua popularidade ter diminuído ao longo dos anos. Situações nas quais a canção cover tornou-se mais popular e bem conhecida do que a original não acontecem somente com cantores desconhecidos. Exemplo é o feito que Elvis Presley alcançou com a versão de Carl Perkins de Blue Suede Shoes, ou como ocorreu com Hendrix, quando fez cover de All Along the Watchtower, de Dylan – dono da versão original.
Valéria, como Brooke, faz covers das canções de sua artista favorita (Foto: Divulgação/ Valéria)
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OS TIPOS DE COVER Atualmente, há três tipos de artistas que apresentam esse gênero: os que prestam tributo, os cantores de cobertura e os revivalistas. Esses artistas se apresentam em casas de shows, festivais de músicas e bares de música ao vivo e dependem de versões cover para apresentarem seu repertório principal. Além disso, quem frequenta este meio sabe que existe diferença entre quem faz cover de alguma banda ou cantor, quem faz tributo e quem presta cobertura. Tributo é o primeiro tipo: bandas ou cantores ganham a vida recriando a música de um artista ou banda particular. Muitos artistas que prestam tributo tentam reproduzir a música de
outra banda o mais fielmente possível e, com isso, tornam-se tão populares quanto o cantor ou grupo original homenageado. O segundo tipo são os cantores e as bandas de cobertura. Esses artistas realizam uma ampla variedade de covers para agradar o público que aprecia a familiaridade de canções de sucesso. Geralmente, eles proporcionam entretenimento em bares, navios de cruzeiro e em eventos como casamentos, festas de família ou corporativas. O terceiro tipo é um dos mais populares: os revivalistas, que, ao contrário das bandas de tributo, buscam um público jovem, pois, para eles, a música é fresca e não tem nenhum valor nostálgico.
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OS COVERS TÊM DE SE APROPRIAR ATÉ MESMO DE TREJEITOS DO ARTISTA
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RAFAEL JORGE jrtsoares@ucs.br
Brooke Spears COVERS QUE TAMBÉM SÃO SÓSIAS Há artistas que baseiam a carreira em covers revivalistas, inspirados na vida e obra de grandes astros, recriando seu modo de ser. Muitas vezes, o fascínio em homenagear o ídolo é um modo de o cover ganhar a vida. Cada um dos artistas traz suas histórias de vida, porém, em alguns momentos, os fãs se apropriam da personalidade de seus ídolos. Isso quem garante é Vagner Oliveira, 29 anos, transformista caxiense, que, diante de tanta adoração por sua ídolo, passou a ser uma das sósias de Britney Spears, e agora é a cover oficial da cantora no Rio Grande do Sul, passando a chamar-se Brooke Spears. Brooke explica que os detalhes são importantes para compor a caracterização. "O figurino e a maquiagem são apenas o início dos rituais básicos para a transformação. Os covers têm que se apropriar até mesmo de trejeitos do artista", aponta ela, que, não canta– apenas dubla as canções da cantora –, mas se dedica a intensas horas de danças coreografadas. Brooke ainda conta que, por causa da grande procura por seus trabalhos, fez cirurgias plásticas, como um retoque no nariz e no queixo, preenchimento nos lábios e nas maçãs do rosto, para ficar parecida ao máximo com sua
TEXTANDO VARIEDADES artista favorita. Outra artista cover, que faz sósia e canta as canções de sua artista favorita, é Valéria Houston Barcellos, 37, cover de Whitney Houston. Valéria, que mora em São Leopoldo, esteve recentemente em Caxias do Sul para um show cover. Para ela, que canta usando a própria voz, reinventar-se diante de situações inesperadas, como a morte da cantora americana, foi a solução para continuar fazendo sucesso nos palcos. “Não me resumi a interpretar as canções da Whitney. Estava com o repertório reduzido, e não ter músicas novas me desagradava, então me reinventei”, afirma ela. Segundo Valéria, o objetivo de todo cantor ou artista que faz cover é conseguir se lançar no mercado musical ou no ramo de entretenimento até consolidar a carreira e se tornar independente, virando o próprio artista como referência. O LADO C(ONTRA) DE FAZER COVER Para os covers, o mundo não é ornamentado somente de flores, como muitos pensam. Estar fazendo o que gostam, muitas vezes leva esses aspirantes a artistas e cantores a tentaram superar seus próprios limites, chegando a extremos que abalam o sistema emocional e a condição física. Reality shows da mídia atual colocam vários desses artistas a competir por contratos com gravadoras e prêmios em dinheiro, levando muitos deles a uma condição psicológica debilitada. Valéria, que já é experiente em programas de competição, conta que muitos covers ficam roucos ou com laringite por conta dos esforços físicos. “No nosso meio, é comum perder a voz e cantar com rouquidão excessiva. Você não quer sair da competição e, por isso, vai além dos seus limites”, lamenta. Brooke revela que alguns artistas acabam recorrendo ao uso de drogas, para suportar as exigências do público, dos produtores e dos fãs. “Você quer agradar a todos e, diante das exigências, acaba não suportando a pressão e recorre a algum tipo de droga para encarar a situação”, confessa a artista, que diz já ter passado 37 horas treinando coreografias, à base de estimulantes físicos e calmantes antes de cada apresentação, para entregar um trabalho perfeito. Mesmo sabendo dos riscos, fez intervenções cirúrgicas por conta das exigências de produtores e do nível de outras competidoras. Na época, ela ouviu de um dos produtores: ou fazia as cirurgias, ou abria mão dos cachês e das oportunidades que estavam se abrindo. “Já vi algumas aspirantes ficarem deformadas”, revela.
A cover Valéria se reinventou diante da morte da cantora Whitney Houston, em fevereiro de 2012 (Foto: Divulgação/ Valéria)
ECONOMIA
CAUDA LONGA
Arte: Danielle Frizzo RENATA CHIES rcpaschoali@ucs.br
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m álbum com cerca de vinte músicas pode atingir um público grandioso. Há vezes em que apenas um sucesso consegue conquistar um número ainda maior de pessoas. Contudo, o tempo em que aquela única música permanece sendo um sucesso pode variar de anos para apenas uma semana. Nesse contexto, a cultura está vinculada à economia. A chamada “cauda longa” é um termo utilizado na estatística, para descrever uma estratégia de varejo. Ela consiste em vender uma grande variedade de itens, mas cada um deles
em pequenas quantidades. É o contrário da estratégia de vender pouca variedade de itens populares de uma só vez, mas em grande quantidade. De acordo com a professora e economista especializada na área do marketing, Jacqueline Maria Corá, o termo surgiu para designar a mudança em curso da economia de escala para a economia de escopo. “Ou seja, surgiu para trocar o foco de produzir muito com pouca diversidade, para ofertar menor quantidade, mas com maior diversidade”, explica a professora. Ao trazer a música para esse contexto, percebe-se, portanto, que é possível explorar os hits – que atingem o mercado global – e também as músicas de diferentes segmentos.
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“Hoje você pode ter um nicho de mercado para a música clássica, por exemplo, e atingir, diretamente, o cliente em potencial, mas também explorar o funk, o sertanejo universitário e outros ritmos que estão massificados”, exemplifica a economista. Conforme Jacqueline, a cauda longa é uma ótima oportunidade para que novos artistas se tornem conhecidos, sejam acessados, apreciados e tenham suas obras divulgadas e comercializadas. “Não tendo mais o compromisso com os grandes volumes, é possível ampliar a variedade da oferta, que fica mais próxima das diferentes identidades que compõem o mosaico das sociedades”, pontua. A professora também acredita
que uma cultura nesse sentido já começou a aparecer em Caxias do Sul. “Sem dúvida, aqui ainda se consome uma cultura de massa reproduzida pelos meios de comunicação, pela escola, pelas diferentes instituições da sociedade. No entanto, cada vez mais abre-se espaço para novas possibilidades e para explorar pequenos nichos”, observa. A “cabeça” no gráfico são os hits de sucesso, que têm a aceitação da grande massa, o benefício da divulgação e do retorno financeiro. A “cauda”, no entanto, é a continuidade e a consolidação do artista no mercado. Em qual dessas duas posições é preferível que os artistas se encaixem? “Se possível, conjugar as duas”, responde Jacqueline.
TEXTANDO REPORTAGEM ESPECIAL
O trabalhador sob ataque Em um ano de governo Michel Temer, a lei da terceirização irrestrita é aprovada. O foco passa a ser profundas reformas nas leis trabalhistas e também na previdência social. Segundo o governo, não há outra saída para “salvar” a economia do País
Manifestantes protestam contra a reforma da Previdência, reforma trabalhista e o projeto de lei da terceirização. (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
ANDRÉ RAMOS asramos@ucs.br NAIRA ALBUQUERQUE nralbuquerque@ucs.br JERÔNIMO PORTOLAN jdpfilho@ucs.br
O
ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, após reunião com a bancada do PSDB na Câmara de Deputados Federais, no dia 21 março de 2017, afirmou em entrevista à imprensa que as novas leis trabalhistas “ajudam muito porque facilitam a contratação de mão de obra temporária”. Nessa perspectiva de salvar a economia do País, o governo defendeu as alterações, pois, nas palavras do ministro, “as empresas resistem à possibilidade de aumentar o emprego devido a alguns aspectos de rigidez das leis trabalhistas”. Apesar de toda a polêmica, a lei que regulamenta a terceirização foi sancionada no dia 31 de março de 2017 pelo presidente da República Michel Temer, após aprovação na Câmara de Deputados Federais, pelo placar de 231 votos a favor, 188 contra e 8 abstenções. Para o advogado especialista
em Direito Previdenciário Anderson Tomasi Ribeiro, a possibilidade de terceirizar qualquer atividade, dentro de uma empresa, de forma irrestrita, é só o começo de um grande declínio nas condições de trabalho dos empregados. “Terceirizados trabalham em média três horas a mais por semana que os contratados diretos, ao mesmo tempo em que ganham salários em média 25% menores”, acusa Ribeiro. MODELO ESPANHOL O especialista lembra que a Reforma Trabalhista proposta pelo governo federal é espelhada no modelo utilizado na Europa. “Tentaram na Espanha e foi um fracasso”, salienta. Os defensores dessas reformas pró-mercado, na visão de Ribeiro, fundamentam que, com as mudanças, há geração de novos empregos. Mesmo com a possibilidade de terceirização total da linha produtiva de uma empresa, o que facilitaria a contratação de mão de obra com jornada de trabalho flexível, as críticas se mantêm. “Há também quem defenda que a CLT é antiga, que deve ser modernizada; entretanto, desde a criação, mais da metade das suas normas já foram
Infográfico: André Ramos
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TEXTANDO
ARGUMENTOS A FAVOR Um dos argumentos utilizados a favor da atualização da CLT é a “necessidade econômica’”de alterações para “salvar”a economia, facilitando a contratação. Até o final da década de 80 do século XX, a arrecadação do Estado brasileiro girava em torno de 24% do PIB. A partir da promulgação da nova Constituição, o Estado foi desenhado como partícipe do bem-estar social, garantindo mais direitos e serviços básicos à população. Com as mudanças, a arrecadação federal está em 37%. “Porém, ainda há um déficit de
FALÁCIA O argumento de que a CLT está defasada é questionado historicamente. “Mais da metade de suas normas já foram alteradas”, esclarece Ribeiro. Apesar de admitir que a Reforma Trabalhista tende a aumentar a produtividade, o advogado questiona o preço que será pago. “Os salários serão menores; por conseguinte, a arrecadação também será inferior e isso terá consequência direta, não apenas na economia, mas também no sistema previdencíário”,
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O MUNDO EM QUE VIVEMOS HOJE É DIFERENTE DO MUNDO EM QUE NOSSOS PAIS VIVIAM E EM QUE NOSSOS AVÓS VIVERAM Mosár Ness reitera. A Reforma da Previdência, que está avançando no Congresso, também altera as regras de aposentadoria dos trabalhadores. O governo defende idade mínima de 65 anos para homens e 62 para as mulheres. Além disso, serão necessários 40 anos de serviço para receber o benefício integral. A flexibilização da CLT, em conjunto com maior tempo de contribuição, acarretará sérios efeitos para os empregados. “Com a terceirização, as
Infográfico: André Ramos pessoas terão vínculos menores de emprego, o que, portanto, também influenciará na contagem do tempo para se aposentar”, pondera o especialista em Direito Previdenciário. DÉFICIT CRESCENTE O governo trata a Reforma da Previdência como fundamental para equilibrar as contas públicas, alegando um déficit crescente entre contribuições e beneficiários, a longo prazo. As contas precisam ser equilibradas, sobretudo, face ao envelhecimento da população que, consequentemente, diminui o número de trabalhadores ativos, comparados com os que usufruem da seguridade social. Todavia, o déficit da Previdência não é unanimidade entre especialistas. Para Ribeiro, o sistema previdenciário é superavitário. “O governo aumentou a Desvinculação das Receitas da União (DRU) de 20 para 30%, ou seja, 30% do que entra no orçamento da seguridade pode ser desviado para qualquer outra pasta, assim, se a arrecadação fosse negativa, seria aumentado este percentual?”, indaga. Para o advogado, a lógica está clara: “Quanto menor o salário
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dos trabalhadores, menor será o consumo.” Dessa forma, “a partir da oferta e da demanda, a diminuição do consumo terá efeito direto na redução da produção e, consequentemente, na geração de novos empregos”, pondera. Sendo aprovada a Reforma da Previdência, o trabalhador “ganhará menos, logo gastará menos, levando a uma crise ainda mais profunda”, conclui Ribeiro, referindo-se à paralisa-
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O GOVERNO PREFERIU APENAS REDUZIR E RESTRINGIR OS DIREITOS DOS TRABALHADORES E ISSO NÃO SERÁ SUFICIENTE PARA EQUALIZAR AS CONTAS
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MUDANÇAS NA CLT Na madrugada do dia 27 de abril, a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base que altera mais de 100 pontos da Consolidação das Leis do Trabalho, legado deixado, em grande parte, pelo estadista Getúlio Vargas, na década de 50 do século XX. O economista e membro integrante da Câmara de Indústria Comércio e Serviços de Caxias do Sul (CIC) Mosár Leandro Ness avalia positivamente as alterações aprovadas na Câmara de Deputados Federais. “O mundo em que vivemos hoje é diferente do mundo em que nossos pais viviam e em que nossos avós viveram”, afirma convicto. Para ele, as cinco décadas de CLT não representam uma conquista dos trabalhadores, mas um atraso. “Nossa legislação está defasada em 50 anos”, sentencia. Por isso, a reforma da CLT, incluindo a terceirização já sancionada, não “passa de uma adequação da legislação ao que patrões e empregados já vêm tratando”, afirma.
8% na arrecadação para manter o Estado funcionando”, ressalta Ness. “Na prática, de cada R$ 100,00 gerados na economia, R$ 45,00 têm a participação do governo”, explica o economista. Embora ele não considere esse percentual um problema, visto que governos de países como Suécia e Noruega participam de mais de 50% da economia, Ness considera o retorno dos impostos para o cidadão como um agravante. “A diferença é a qualidade dos serviços que são entregues à população, como a educação, que no Brasil é de baixa qualidade; a saúde pública, que tem foco na doença e não na prevenção e, por fim, a justiça, que é injusta com o cidadão, pois em muitos casos privilegia o criminoso em detrimento da vítima”, declara. A partir dessa perspectiva, Ness classifica as alterações na CLT como “um avanço”. Para ele, o fim da contribuição sindical compulsória, por exemplo, vai exigir um reposicionamento do movimento sindical. “Sindicatos pequenos poderão se esvaziar se não apresentarem um trabalho mais efetivo no atendimento dos anseios de seus associados”, enfatiza.
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alteradas”, rebate Ribeiro. Segundo estudo do Dieese, a média de permanência dos terceirizados no emprego é 2,6 anos, enquanto a do trabalhador direto é 5,8 anos, menos da metade, portanto. Para o especialista, o empregado terceirizado está em condição de vulnerabilidade. “A rotatividade é de 44,9% entre os terceirizados e de 22% entre os contratados diretamente”, esclarece. Com a aprovação da nova lei, pode ocorrer a “pejotização” do empregado, ou seja, a possibilidade de o empregado ser demitido e ser recontratado na condição de prestador de serviços como pessoa jurídica (com CNPJ). Nesse caso, o trabalhador deixa de ter vínculo empregatício e perde todos os direitos trabalhistas, recebendo apenas pelos serviços prestados. “A terceirização traz benefício apenas ao empregador, que reduzirá, em um primeiro momento, os gastos com mão de obra”, conclui.
Vanius Corte
ção do mercado. GASTO PÚBLICO ASSUSTA Com uma visão divergente de Ribeiro, o economista Mosár Ness baseia-se nas estatísticas demográficas. “A população
brasileira está vivendo mais tempo e, assim, se torna necessário aumentar o tempo que passamos trabalhando e contribuindo para o sistema”, defende. “Os ajustes propostos pelo governo são, em tese legítimos”, pondera. Para ele, “é necessário estabilizar o gasto da previdência como proporção do PIB”. Atualmente, 8,0% do PIB é destinado à Previdência na esfera federal e aproximadamente 4,0% nas esferas estadual e municipal. Embora defenda a Reforma Previdenciária, o economista critica duramente os privilégios concedidos a determinadas categorias profissionais que gozam de planos de aposentadoria diferentes da maioria da população. Entre os privilegiados estão os servidores públicos efetivos, os congressistas, os militares e até os policiais do Legislativo Federal. “A previdência oferece tratamento especial a grupos que deveriam ter tratamento igual aos demais”, reforça. A tendência é que a Reforma da Previdência seja votada e aprovada ainda em 2017, apesar de o projeto original sofrer sucessivas revisões e concessões
TEXTANDO REPORTAGEM ESPECIAL
NOVAS REGRAS DE TRANSIÇÃO A advogada especialista em Direito Previdenciário, Katia Schenato Valandro, avaliou a proposta de transição apresentada na Câmara dos Deputados pelo parlamentar Arthur Maia (PPS-BA). “Acredito que veio em boa hora a modificação por parte do relator”, comenta. Conforme a advogada, a regra de transição proposta pelo governo Temer previa que mulheres de 45 e homens de 50 anos entrassem na regra e pagassem um pedágio de 50% do valor que faltava da data de entrada da lei em vigor. Para mulheres 30 anos e para homens 35. Já o relator sugeriu uma regra escalonada por idade. Segundo Maia, até 2018 serão exigidos 53 anos para mulheres e 55 para homens. A partir dessa data, a cada dois anos é aumentado um ano, até 2038, quando as idades alterarem para 62 e 65 anos de idade, respectivamente. Para os agricultores, a idade mínima para se aposentar será elevada. As mulheres poderão adquirir o benefício com 57 anos e os homens com 60, desde que tenham contribuído por pelo menos 15 anos. A especialista salienta que “a proposta atenua algumas mudanças que eram bastante dolorosas e acabavam prejudicando o trabalhador”. ALVO ERRADO Para o gerente do Ministério do Trabalho e Emprego de Caxias do Sul, Vanius Corte, a reforma não atacou o núcleo do problema. “A reforma da previdência deixou fora aspectos fundamentais como o combate à sonegação e à informalidade existente”, aponta. A Procuradoria Nacional da Fazenda, por
exemplo, estima em mais de 400 bilhões de reais o valor sonegado no País, em 2016. Uma das razões para o alto valor não arrecadado é a extensa e complicada carga tributária, além da falta de fiscalização adequada para as milhares de micro e pequenas empresas. Para Corte, há também desvios de recursos realizados pelo próprio governo. “O governo preferiu apenas reduzir e restringir os direitos
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OS AJUSTES PROPOSTOS PELO GOVERNO SÃO EM TESE LEGÍTIMOS
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por parte do governo federal. Para o economista, a maioria tem um entendimento de que, com as regras atuais, o sistema previdenciário ficará insustentável em alguns anos, tamanha a população idosa projetada. “A previdência deveria ser uma fonte de recursos duradoura o suficiente para acompanhar as mudanças no padrão de consumo da velhice”, afirma. Por essa perspectiva, Ness admite que o valor da aposentadoria seja inferior à renda do trabalho, já que um aposentado tem menos gastos do que um trabalhador na ativa. “Por outro lado, se o indivíduo desejar manter a mesma renda da ativa, deverá formar uma poupança para manter o seu nível de renda”, defende. Complementando que “os gastos com saúde mais elevados na velhice deveriam ser foco de políticas de saúde pública, e não da previdência”.
Mosár Ness
dos trabalhadores e isso não será suficiente para equalizar as contas”, garante. Segundo o gerente, as alterações propostas não são boas para o País, mas apenas para um setor da economia, que busca se beneficiar com a supressão de direitos. “Em um passado recente”, lembra, “o Brasil vivia uma situação de pleno emprego, com crescimento do PIB e de todos os segmentos econômicos. Para isso, não foi necessária a alteração da legislação, mas apenas uma política econômica que incentivasse a produção”, afirma. Para Corte, a salvação da economia virá de decisões políticas e econômicas corretas, “não de um ajuste fiscal recessivo como o que está se realizando atualmente”. ACORDO COLETIVO Mestra e Especialista em direito previdenciário, Adriane Pereira Lopes, professora na UCS, esclarece que as reformas em negociação no Congresso propõem mudanças sensíveis nas relações patrão/ empregado. “Atualmente, o que prepondera é o legislado”, afirma. Porém, a reforma prevê mais autonomia entre os agentes. “Os acordos coletivos são normas oriundas da autocomposição, que estabelece formas de relacionamento, do momento que elas são assinadas para frente”, explica Adriane. Nessa nova lógica proposta, “o acordado prevalecerá sobre o legislado”. Na prática, muitos acordos poderão ser feitos apesar da legislação, desde que haja a participação dos sindicatos das categorias. Um exemplo simbólico é a possibilidade de divisão de férias e também as condições de parcelamento
Deputados comemoram aprovação do relatório do deputado Arthur Maia (PPS-BA) que modifica a pro
Após mais de seis horas de discussões, Comissão Especial da Reforma da Prev de salários. Para Adriane, trata-se “da supremacia do negociado frente ao legislado”. A VOZ DO TRABALHADOR O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Agricultores Familiares de Farroupilha (Sintrafar), Márcio Ferrari, destaca a relevância dessas reformas e os efeitos nefastos que acarretarão a longo prazo para o futuro do País. “As reformas vão atingir todos os cidadãos brasileiros e nos afetam até o fim de nossa vida”, pondera. “Esperamos que os deputados percebam que esse projeto de reforma da Previdência nem siga para a votação em plenário”, defende. Ferrari sentencia: “As reformas são brutais”. Por fim, o sindicalista espera que elas não prosperem. “Defendemos que os trabalhadores participem das negociações e que todas as reformas passem a ser construídas por meio do diálogo, da conversa”, conclui o sindicalista. ECONOMIA ESTIMULADA Em dezembro de 2016, o governo federal anunciou, por meio da Medida Provisória (MP) 763/16, que trabalhadores com
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RETROCESSO Congresso mais conservador desde a ditadura, aponta Diap Segundo estudo, houve aumento do número de parlamentares ligados a setores mais conservadores, como policiais e ruralistas
Sessão de votação da terceirização (Foto: Lula Marques/AGPT)
A terceirização foi o início de uma agenda nacional de reformas introduzidas pelo governo de Michel Temer, após impea chment de Dilma Rousseff, em agosto de 2016. Propostas de alterações tanto no regime previdenciário como nas leis trabalhistas foram debatidas e, em sua maioria, aprovadas
pelo Congresso Nacional mais conservador de que se tem notícia desde 1964, conforme informa relatório do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) de 2016. Segundo o estudo, a bancada empresarial que defende interesses de diversos setores econômicos conta com 190 deputados federais em um universo de 513 cadeiras. Já a bancada ruralista conta com 257 parlamentares. A bancada de policiais, por sua vez, soma 55 deputados. Outro grupo que registrou aumento foi a bancada evangélica, com 52 parlamentares. Por fim, a bancada sindical, que representa sobretudo os interesses dos trabalhadores, elegeu 46 deputados, quase a metade dos 83 da legislatura anterior.
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LADO B Parlamentares aprovam Medida Provisória (MP) para se beneficiarem Ao todo, 337 parlamentares do Congresso Nacional possuem dívidas ativas com a União. Montante ultrapassa R$ 3 bilhões
Se aprovada, MP garante descontos expressivos (Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas)
oposta inicial da Reforma da Previdência (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
vidência aprovou relatório que modifica regras da aposentadoria contas inativas no FGTS poderiam sacar o dinheiro no início de 2017. Antes da MP, somente poderia sacar o FGTS quem estivesse desempregado por, no mínimo, três anos ininterruptos. Com a nova regra, trabalhadores com contas inativas do FGTS, que foram demitidos por justa causa ou pediram demissão até 31 de dezembro de 2015, estão autorizados a sacar o saldo total da conta do FGTS. Cerca de 10 milhões de brasileiros têm direito ao saque. O governo federal prevê que mais da metade das pessoas têm até R$ 500 de saldo. Cerca de 24% dos trabalhadores têm saldo entre R$ 500 e R$1.500 reais. Os outros 25% teriam saldo
superior a R$ 1.500. Para o governo federal, a medida visa estimular uma economia que já amarga dois anos seguidos de recessão. Entretanto, para surpresa de muitos trabalhadores, milhares de empresas não depositavam o valor do FGTS como manda a lei. Segundo o Ministério do Trabalho, de dezembro de 2016 a março de 2017, 6.937 denúncias contra empresas foram realizadas, número 40% superior à média dos anos anteriores. Até a metade de abril, a Caixa Econômica Federal pagou mais de 8 milhões de trabalhadores que foram buscar seu dinheiro. Cerca de R$ 12 bilhões de reais
foram pagos desde o início dos saques autorizados, no início de março. FIM DO FINANCIAMENTO Com o grande volume de saques das contas do FGTS liberadas pelo governo federal, a Caixa suspendeu novos financiamentos habitacionais da linha pró-cotista, modalidade com juros mais baixos para trabalhadores com carteira assinada (com exceção do programa Minha Casa Minha Vida). O pró-cotista pode financiar imóveis com valores de até R$ 950 mil nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, e R$ 800 mil no restante do País. A Caixa esclareceu que essa linha de crédito é alimentada diretamente pelo saldo positivo de contribuições do FGTS, mas, devido aos mais de R$15 bilhões de reais já sacados desde o início de 2017, o programa foi afetado substancialmente.
Carteira de Trabalho em risco (Foto: Rafael Neddermeyer / Fotos Públicas)
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Os mesmos parlamentares que estão votando alterações sensíveis para toda a população, também estariam legislando em benefício próprio. Essa é a denúncia do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), que publicou uma lista com todos os deputados federais e senadores que têm dívidas com a União relativas a suas empresas. A publicação foi motivada pela aprovação da Medida Provisória (MP) 766/17 na comissão mista do Congresso Nacional, no início de maio, sobre o Programa de Regularização Tributária (PRT). O texto aprovado permite o refinanciamento de dívidas tributárias de empresas com a Receita Federal e com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Somente dívidas que tenham vencido até 31 de março fazem parte do novo Programa. Empresas em recuperação judicial também poderão aderir. DESCONTOS A MP concede descontos de até 99% em multas, juros e encargos da Dívida Ativa da União. O texto segue para votação no plenário da Câmara e, posteriormente, no Senado, para entrar em vigor. Ao todo, 291 deputados federais e 46 senadores devem cerca de R$ 3 bi em impostos federais. Ironicamente, o deputado Newton Cardoso Júnior (PMDB-MG), designado como relator da MP, tem uma dívida ativa como pessoa física de R$ 67 milhões de reais. Confira a lista completa de devedores no Senado Federal e na Câmara de Deputados Federais no link: http://bit.ly/
ANULAÇÃO Enquanto os parlamentares aprovavam o texto-base da MP 766/17 na comissão mista, no auditório ao lado, durante a audiência pública para a CPI da Previdência, o presidente do Sinprofaz, Achilles Frias, denunciava a manobra. “Aqui, no final do corredor, os nobres colegas parlamentares estão legislando em causa própria”, afirmava consternado. O vice-líder do DEM, deputado Pauderney Avelino (AM), apresentou no Plenário da Câmara dos Deputados uma questão de ordem requerendo a anulação do parecer da comissão mista. Segundo Avelino, a MP estabelece um novo programa de parcelamento para empresas em débito, além de descontos nas parcelas. Entretanto, o parecer teria sido aprovado com várias irregularidades: – O texto não foi disponibilizado aos parlamentares com 24 horas de antecedência, como determina o Regimento do Congresso Nacional. – O parecer não foi lido na íntegra pelo relator, apenas a conclusão do voto. Cabe ao presidente do Congresso Nacional, senador Eunício Oliveira (PMDB), acatar ou não a questão de ordem, para dar prosseguimento à tramitação da MP. SAIBA MAIS A Medida Provisória é um instrumento com força de lei enviado exclusivamente pelo presidente da República em caráter de urgência. Se não for votada em 45 dias corridos, a MP tranca a pauta da Casa Legislativa respectiva.
TEXTANDO SAÚDE
Doação de sangue Apenas 1,8% da população brasileira doa sangue. ONU considera ideal entre 3% a 5%. Isso não significa, por outro lado, que o Brasil doe “pouco”, mas sim que poderia “doar mais”, argumentam especialistas do setor da saúde à BBC Brasil
O número de doadores de sangue fidelizados no Brasil aumentou, mas continua longe do ideal (Foto: Vladmir Mucibabic/Reprodução) FELIPE BRAMBATTI fsbrambatti@ucs.br
A
doação de sangue no Brasil é 100% voluntária. Em 2013, o Ministério da Saúde reduziu a idade mínima de 18 para 16 anos e a máxima para 69 anos, desde que a primeira doação tenha sido antes dos 60 anos. O aposentado Egídio Francischini, por exemplo, começou a doar sangue há 35 anos, quando ajudou um parente que precisava de transfusão. Ele conta que o gesto foi um incentivo para que ele continuasse sendo solidário. “No início da década de 80, eu tinha um tio e ele precisava de doações regulares. Aí, um dia, ele pediu e eu me prontifiquei. Acostumei a doar sangue e também comecei a olhar o lado humanitário da situação. O máximo de pessoas que puderem devem tomar a atitude que eu tomei durante toda a minha vida; além de ser gratificante para a própria pessoa, o próximo agradece.” O sangue é essencial para os atendimentos de urgência, na realização de cirurgias complexas e tratamento de pessoas com doenças crônicas, além de doenças oncológicas variadas, que necessitam de transfusão frequente. Para doar, basta ter entre 16 e 69 anos, pesar mais de 50 quilos e estar saudável. Atualmente, existem 32 hemocentros coordenadores e 530 serviços de unidades de coleta
distribuídos pelo Brasil. O gerente médico da Associação Beneficente de Coleta de Sangue (Colsan), Fábio Lino, lamenta que o mais comum entre os brasileiros ainda seja a doação a parentes e conhecidos em situações de emergência. A Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza que 5% da população de um país doem sangue regularmente, para manter os estoques dos hemocentros. No Brasil, esse percentual fica entre 2% e 2,5%”, diz ele. “As campanhas ajudam pontualmente, mas falta conscientização. Falta essa cultura de perder um dia da vida para tentar ajudar o próximo doando sangue.” Em Caxias do Sul, a prefeitura fez uma compra destinada ao Hemocentro Regional de Caxias do Sul (Hemocs). O valor da compra é de R$ 237,7 mil. Foram adquiridas 5.114 bolsas para armazenamento de sangue. O valor liberado pelo Executivo também será utilizado para adquirir 100 filtros e 500 refis. A aquisição será feita de forma emergencial, tendo em vista o baixo estoque de bolsas e insumos do Hemocs. Conforme o chefe de gabinete da prefeitura, Julio Cezar Freitas da Rosa, o problema foi gerado pela demora na licitação do material. As pessoas que estiverem interessadas em colaborar com a doação de sangue podem procurar o Hemocentro regional de Caxias do Sul. A unidade
fica localizada na Rua Ernesto Alves, ao lado do Postão 24 horas. O horário de atendimento é das 8h às 17h, de segunda a sexta-feira. O Hemocentro atende a 48 municípios da região nordeste
do estado. Mais informações, para quem quiser doar sangue, podem ser adquiridas pelo telefone: 54-3290-4036.
SAIBA MAIS
O que é preciso para doar: – Estar em boas condições de saúde – Levar documento oficial de identidade com foto – Ter entre 16 e 69 anos – Se menor de 18 anos, apresentar autorização dos pais – Pesar 50 kg ou mais – Não estar em jejum, mas com alimentação não gordurosa – Ter dormido pelo menos 6 horas antes da doação – Não ter ingerido bebidas alcoólicas nas 12 horas anteriores à doação Alguns impedimentos temporários: – Estar com gripe ou febre – Estar grávida – Estar no período de 90 dias após parto normal e 180 dias após cesariana – Ter feito tatuagem ou acupuntura nos últimos 12 meses – Ter se exposto a situação de risco para Aids Alguns impedimentos definitivos: – Doença de Chagas ou Malária – Hepatite após os 10 anos de idade – Uso de drogas injetáveis – Ser portador dos vírus HIV (Aids), HCV (Hepatite C), HBC (Hepatite B) ou HTLV
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TEXTANDO
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TEXTANDO VIOLÊNCIA
O silêncio dos inocentes
Os homens também são vítimas de abusos em casa, mostrando que a violência doméstica não tem gênero. Na maioria das vezes, eles não se sentem à vontade para expor esse problema, trancafiando seus dramas psicológicos entre quatro paredes
Maioria dos homens que sofrem abusos domésticos não fala publicamente, pelo preconceito social (Foto: Pexels)
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marido presenteou a esposa com seus copos de cristal favoritos, que ele passava horas lustrando nos fins de semana. Era uma das inúmeras tentativas de reconciliação do casamento, que não vinha bem há tempos. A mulher, no entanto, caçoava do carinho dele pelos copos: “Um dia você vai acabar dormindo com eles”, repetia sempre, irônica. Em uma noite qualquer, depois de deitar-se na cama, o marido teve de ser levado imediatamente ao hospital. Sua esposa quebrou os copos e espalhou os cacos pelos lençóis, que acabaram incrustados nas costas dele. O caso ocorreu em Portugal e é um dos exemplos mais chocantes acerca da violência doméstica sofrida por homens todos os dias, no mundo inteiro. No entanto, representa apenas uma gota no mar de seis mil denúncias registradas anualmente naquele país, segundo o Relatório de Segurança Interna publicado em 2014. Portugal é um dos poucos países que coleta dados de relações abusivas nas quais as vítimas são pessoas do sexo masculino. O Brasil, por exemplo, registra apenas uma pesquisa, do ano de 2009: segundo o IBGE, 12,3%
dos homens afirmava ter sofrido violência em sua própria casa. A porcentagem é pequena, se comparada ao número de brasileiras que sofreram abuso – para cada homem, há quatro mulheres vítimas. Mas os números não deixam de ser preocupantes. Enquanto mulheres podem recorrer a delegacias especializadas, os homens não contam com esse tipo de ajuda. Em Caxias do Sul, por exemplo, cerca de 600 mulheres vítimas de violência procuram a Delegacia da Mulher anualmente e recebem auxílio psicológico e jurídico. Nos casos em que elas precisam se afastar do agressor, ganham abrigo na Casa Viva Rachel, junto com os filhos menores de idade. Essa possibilidade ainda é muito recente. Há bem pouco tempo, a maioria das mulheres era obrigada a continuar vivendo ao lado do marido agressor, seja pela preocupação com os filhos, com possíveis retaliações ou por pura falta de opção. Esse mesmo machismo, que fez das mulheres escravas, também aprisiona, entre quatro paredes, o drama de muitos homens. PRECONCEITO SOCIAL “O receio de fazer a denúncia, o medo de achar que as pessoas não vão acreditar e rir dele é grande, porque o homem é criado para crer que é mais forte
e que essas coisas não “acontecem com ele” afirma Daniel Cotrim, assessor técnico da Associação Portuguesa de Apoio às Vítimas (APAV), ao Portal Violes. Segundo dados do ManKind Inicia tive, 80% dos 1,5 mil homens que ligam por ano ao instituto britânico não contam o drama.
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O MACHISMO TAMBÉM IMPEDE OS HOMENS DE TORNAREM PÚBLICOS OS ABUSOS SOFRIDOS
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PEDRO SANTOS phsantos@ucs.br
“Pelos meus cálculos, em média, eles permanecem numa relação abusiva por três anos antes, de fazer o primeiro telefonema”, diz o diretor Mark Brooks à BBC. Normalmente, tendem a falar em terceira pessoa e a dizer que a situação é a de um amigo. Um encontro pessoal só é aceito, a partir do terceiro contato telefônico. No Brasil, quando as vítimas masculinas procuram auxílio, nas delegacias comuns, costumam ser motivo de chacota. O velho chavão de que em briga de marido e mulher ninguém mete a colher é muitas vezes citado. Um estudo
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publicado pela revista American Journal of Preventive mostrou que os homens mais velhos, com idade superior a 50 anos, têm mais receio em admitir o abuso, porque foram criados sob o ideal de um homem excessivamente viril. Para os homossexuais, a situação é ainda mais complicada: além de assumir que foram vítimas de violência, eles têm de revelar a verdadeira opção sexual, muitas vezes escondida. Outro fator importante para a decisão de permanecer em silêncio é a preocupação dos homens em não perder a guarda dos filhos, normalmente atribuída às mães. Isso denota uma das diferenças principais entre a violência sofrida por homens e mulheres: a maioria das vítimas femininas sofre abusos físicos, enquanto os homens são mais atingidos por pressões psicológicas. VIOLÊNCIA MÚTUA “Às vezes, a violência não ocorre de maneira física. É uma relação na qual a vontade da mulher se sobrepõe à vontade do homem”, comenta Nelia Tonello, professora na Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), à BBC. A psicóloga Simone Alvim, autora do livro Homens, mulheres e violência, lembra que o processo de violência é mútuo: “Antes da agressão física, há um histórico de vio-
lência psicológica e, antes ainda, de comportamento controlador. Fatos considerados banais numa relação, como vigiar o celular ou estabelecer amigos com os quais o parceiro pode ou não falar, evoluem para violência psicológica e culminam na agressão física.” Na Colômbia, por exemplo, 90% das mulheres que abusaram do marido alegaram ter sido violentadas por eles. Como os homens costumam ter maior estrutura física, a predominância de agressões físicas é o principal motivo para que o ataque contra as mulheres seja mais chocante. Em 2014, um teste com câmeras escondidas foi feito no centro de Londres. Um casal de atores simulou uma briga: primeiro, a namorada dava tapas no homem; depois, ele é quem ameaçava agredi-la. Enquanto a agressora era ela, ninguém ousou se meter e a maioria das pessoas achou graça da discussão. Quando chegou a vez dele bancar o violento, várias pessoas tentaram impedi-lo. No Brasil, a condição fisicamente mais frágil da mulher ganhou proteção jurídica especial: a Lei Maria da Penha pune homens agressores, proibindo o contato deles com a vítima e com os filhos. Apesar de restritos às pessoas do sexo feminino, juízes do Mato Grosso reservaram os mesmos direitos a homens que sofriam ameaças físicas da esposa. Em 2011, na cidade de Anápolis, estado de Goiás, a juíza, Ana Cláudia Veloso Magalhães, aplicou a Lei Maria da Penha a um transexual que se identificava como mulher havia 17 anos. Segundo a advogada Isabel Nascimento, “a aplicação do Código Penal em casos de violência doméstica não deve levar em conta apenas o gênero ou a vulnerabilidade do indivíduo, mas sim qualquer submissão a um ente familiar ou cônjuge que ameace sua dignidade humana”, situações nas quais se encontram homens vítimas de abuso em casa. Para encerrar, a psicóloga Simone Alvim lembra que não se deve procurar colocar homens ou mulheres como vítimas. A maior prejudicada nos casos de violência doméstica é a família, principalmente quando os abusos são praticados na frente dos filhos. Os “cacos” de uma família quebrada podem lacerar as relações dentro do lar. E é maléfico jogá-los para baixo dos lençóis.
TEXTANDO ECONOMIA
A importante IG dos vinhos A Indicação Geográfica tem por objetivo certificar a qualidade de produtos e serviços de uma determinada região. Este é o selo de qualidade mais desejado pelos produtores de vinhos do RS
Selo que faz a diferença (Foto: Adroir da Silva) MILENE ROSTIROLLA mrostira@ucs.br
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s vinhos das regiões do Vale dos Vinhedo, de Pinto Bandeira, dos Altos Montes, de Monte Belo do Sul e Farroupilha, alcançaram, após muito trabalho, a Indicação Geográfica (IG). O certificado pode ser dividido em duas modalidades: Indicação de Procedência (IP) concedido
a locais-centro de extração, de produção ou fabricação ou de prestação de determinado serviço e Denominação de Origem (DO), concedido ao produto ou serviço com qualidades ou características exclusivas do meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos. O processo de reconhecimento dos vinhos brasileiros iniciou nos anos 90. Em 1995, o primeiro pedido ao Ministério da Agricultura e ao Instituto
Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) foi feito pelo projeto Aprovale (Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos). A Aprovale conquistou a IP em 2002, a primeira do País. Depois disso, em 2012, alcançou a DO. Durante esse período, outras regiões iniciaram os processos e tiveram seus vinhos reconhecidos. A Asprovinho IP Pinto Bandeira em 2010, Apromontes IP Altos Montes em 2012, Aprobelo IP
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A história diz quem somos. O presente, quem queremos ser. Há 50 anos a excelência em ensino, pesquisa e extensão impulsiona o crescimento das pessoas e o desenvolvimento da região. E, tão importante quanto valorizar o passado, é saber que essa força transformadora vai iluminar ainda mais o futuro. www.ucs.br
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Monte Belo em 2013 e Afavin IP Farroupilha em 2015. A mais recente IP foi aprovada em 2015 para Farroupilha, com uma particularidade: é a única dedicada a apenas uma família de uvas, a Moscato, que tem alta qualidade nesta região da Serra gaúcha. “O processo começou com a criação da A Favin em 2005. Em 2009, aprovamos o projeto na Embrapa. De 2009 até 2012, foram coletadas as informações,
para que, em 2014, pudéssemos esquematizar e organizar todas as informações em um dossiê que foi entregue ao Inpi. Após um ano, conquistamos o selo. Em 2016, foram lançados os primeiros vinhos no Festival do Moscatel. Hoje, são 11 rótulos e no primeiro ano, quase 400.000 garrafas, explica João Carlos Taffarel, presidente da Afavin. Iniciado em 2013, o projeto “IP Vinhos da Campanha Gaúcha”, tem previsão de conclusão em 2017. Seu objetivo principal foi gerar conhecimento e tecnologia para subsidiar o pedido de reconhecimento dos vinhos finos tranquilos (referência ao teor de gás carbônico) e espumantes da Campanha. O dossiê deverá ser entregue no Inpi no primeiro semestre de 2017. A Embrapa é responsável por conduzir as pesquisas e determinar as modificações necessária à sequência produtiva, para que as regiões possam dar entrada nos pedidos de IP e DO. Neste momento, está em andamento, além da IG da Campanha Gaúcha, a do Vale do Rio São Francisco. Pesquisadores da Universidade de Caxias do Sul (UCS) participam de projetos de IG, desde o início do processo na região. As pesquisas são uma parceria da Embrapa com associações de produtores de uvas e vinhos, o Ministério da Agricultura, prefeituras e de universidades.
TEXTANDO ESTILO
Androginia na moda Embora pareça um fenômeno recente, a androginia é um comportamento que surgiu no século passado. Especialistas explicam que a mistura de características masculinas e femininas na moda originou-se durante a Segunda Guerra Mundial
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O TERNO MASCULINO PASSOU A SER NOVA REFERÊNCIA PARA A CRIAÇÃO DE LOOKS PARA AS MULHERES”
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Berna rdete Venzon
Gabriela: “Existe um padrão na forma de vestir”. (Foto: Bruno Kriger) LEONARDO AMARAL lsamaral@ucs.br MILENE ROSTIROLLA mrostira@ucs.br
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androginia é uma mescla de características masculinas (andros) e femininas (gynes), que dificulta traçar a identificação de uma pessoa pelo gênero. O termo pode ser utilizado para identificar algo que não é masculino nem feminino e se torna cada vez mais comum na moda. Alguns textos indicam referência a andróginos em obras de Leonardo da Vinci e Platão, como “O Banquete”, por exemplo. A androginia é, no entanto, comumente confundida. “Não
é um gênero e também não é uma opção sexual. Ela é um comportamento social, um conceito cultural”, completa Laura Meyer da Silva, psicóloga e atual delegada regional da Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana (Sbrash). Gabriela Basso, designer de moda, explica que existe um padrão na forma de se vestir. “Sempre houve uma diferenciação grande entre roupa masculina e roupa feminina, existindo, em certos períodos, uma forma correta e socialmente aceita de como um homem e uma mulher deveriam se vestir”, pontua. A designer define a androginia como algo complexo. “Pode
ter muitas formas. Depende do próprio indivíduo que se vê em busca disso. Não vejo como movimento social/cultural, mas como alternativa de estilo”, acredita ela. A ANDROGINIA E O TEMPO Embora de maneira sutil, a androginia é uma característica que esteve presente durante a Primeira Guerra Mundial. Enquanto os homens estavam na guerra, as mulheres ocupavam cargos de trabalho até então somente masculinos. Muita coisa mudou. Após a guerra, as mulheres queriam manter essa nova situação. Queriam igualdade. Empoderaram-se. “Obviamente não era um visual andrógino como se imagina
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do mesmo modelo boca de sino,sapatos com plataforma e tinham cabelos longos, confundindo muita gente. Na época, o nome desse estilo era unis sex”, conta Bernardete. Nesse período, a mulher também se tornava mais atuante na sociedade. “O terno masculino passou a ser nova referência para a criação de looks para as mulheres”, diz a professora. EVOLUÇÃO A partir dos anos 90, surgem não somente novas propostas de se vestir, mesclando peças masculinas e femininas entre homens e mulheres, mas, também, novas estéticas de corpos. “Formatos mais esguios, e sem formas muito definidas, passaram a ser tema de muitos estilistas em suas coleções. As campanhas publicitárias e os editoriais de moda intensificaram esse novo tema da androgi-
nia”, comenta Bernardete. Na última década do século XX, o mundo estava passando por muitas transformações sociais, políticas, econômicas e culturais e, assim, algumas
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SOMOS CADA VEZ MAIS LEVADOS A EXPRESSAR NOSSO ESTILO PESSOAL, SEM DEFINIÇÕES ESTANQUES
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hoje, mas uma espécie de androginia na busca do não ser definido como ser humano. Durante a década de 20, os vestidos, por mais femininos que fossem, priorizavam apagar as curvas das mulheres. Eram retos, tubulares. Os cabelos eram curtos”, explica a designer. Ainda sobre essa época, a professora Bernardete Venzon explica que, “nos anos 20, via-se manifestações de androginia, quando as curvas do corpo feminino foram disfarçadas, com o uso de ‘achatadores’, anulando as formas reconhecidas até então como expressão de feminilidade. As mulheres iniciavam a busca pela independência e liberdade”. A androginia na moda, no entanto, começou a ser discutida a partir dos anos 70, quando ambos os sexos apresentavam uma semelhança estética nas peças que vestiam e na aparência visual. “Os homens e mulheres usavam calças jeans
Bernardete Venzon
características ganharam mais valor e importância. A professora explica que “há uma democratização da moda, com a ampliação da comunicação e do acesso à informação; o consumidor torna-se cada vez mais autor de suas escolhas, valorizando o conceito de individua lização”. Ela diz, ainda, que “a ideia de look personalizado se torna relevante e é estimulada, valorizando estilo e atitude por meio das escolhas do vestir”. Na contemporaneidade, a moda continua mesclando as ideias de peças masculinas e femininas. “As roupas dos homens se tornam mais ajustadas, coloridas, numa clara mudança de comportamento masculino, quando também começamos a ver peças oversized usadas por homens e mulheres. As mulheres, que já vinham se apropriando das peças, originalmente do guarda roupa masculino, intensificam essa mescla de informações e modelagens, criando novas estéticas”, explica. Propostas de moda sem estação, atemporais, mesmas peças usadas por homens e mulheres, permitindo liberdade total na hora de fazer escolhas e compor looks estão cada vez mais presentes em nosso cotidiano,” fazendo referência também aos jovens do século XXI. Os estilistas que se tornaram ícones nesse novo conceito de moda sem gênero, como Jean Paul Gaultier na década passada, e agora Alessandro Michele para Gucci, “tem feito essa mistura de informações e apresentando cada vez mais a proposta de roupas, cores, formas e padronagens que vestem homens e mulheres,” finaliza.
TEXTANDO ESTILO
O cabelo do homem moderno Top 5 cortes masculinos eleitos pela Revista GQ. Tiago Tramontin e Felipe Vieira, cabeleireiros da Barbearia Los Santos, explicam cada modelo
Emelin: leve, livre e despojada (Foto: Évelin Gomes)
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estudante de música, Emelin Fontoura, de 19 anos, não gosta de rotular seu estilo. “Assim como todos colocam uma roupa mais à vontade na hora de dormir, eu me visto de acordo com o que acho mais confortável, independentemente da ocasião. Sobre uma suposta androginia, ela diz que “nos olhos de outras pessoas, talvez eu seja andrógina, mas não costumo rotular o jeito de ser de uma pessoa”. A estudante diz que a inspiração para seu estilo único está nela. “Não tem uma pessoa certa para eu me inspirar. Eu diria que me inspiro no que eu penso e não nos outros. Se é minha vontade vestir algo, eu vou vestir”, afirma. Recentemente, a estudan-
te cortou o cabelo na altura dos ombros. Ela acredita que “depende de como as pessoas enxergam isso; para umas pode ser um grito de liberdade em relação aos padrões de gênero socialmente definidos. Para outras, porém, é um grito de ‘eu senti vontade de cortar o cabelo e cortei’”. Emelin faz jus ao seu estilo sem rótulo. “Poderia ter cortado meu cabelo bem mais, e as pessoas falariam que eu estaria tentando me parecer com um menino. É assim que o mundo funciona e pensa. Parece que tudo precisa ser rotulado. Nem sempre aquilo que julgamos certo, de fato, está. É melhor deixar as pessoas falarem por si mesmas”, complementa.
POMPADOUR: É um corte com origem no rockabilly, quando na época utilizavam o slickback (fios longos penteados para trás e sem volume, convergindo na nuca). O Pompadour é a versão com topete. É um corte clássico e totalmente conectado. (Foto: Divulgação)
UNDERCUT: Corte com laterais e nuca mais baixas do que o topo, geralmente cortado à maquina. É um corte desconectado, ou seja, o topo apresenta o volume extra em relação às outras partes da cabeça, mas sem aparar as arestas da diferença no comprimento. Não é clássico. (Foto: Divulgação)
QUIFF: É a versão do pompadour utilizando fades (degrades) mais altos nas laterais. É um clássico, porém muito bem-adaptado aos tempos atuais. (Foto: Divulgação)
RAZOR PART: Não é propriamente um corte de cabelo, mas um acessório ao side part. O side part é quando há a divisão do cabelo em duas partes. É um modelo conectado e mais voltado ao clássico. O razor part é apenas a marcação da divisão natural com a navalha. (Foto: Divulgação)
SIDE PART: É quando, utilizando-se a divisão natural do cabelo (normalmente a intersecção da linha da testa até o redemoinho da coroa), há divisão em duas partes. (Foto: Divulgação)
A relação do homem com seu cabelo Nem feminino nem masculino (Foto: Bruno Kriger)
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ótulos são atribuídos por terceiros. A maioria das pessoas que foi questionadas para a matéria não havia parado para pensar em como seu estilo é rotulado pela sociedade. As pessoas apenas vestem e se produzem como gostam e se sentem bem. O estudante Emilio Leal não tem preferência quanto ao gênero da roupa. “Não tento ser andrógino. Nunca havia pensado nisso. Talvez as pessoas pensem assim devido aos meus traços físicos e à forma de vestir. Não me apego à questão de gênero da roupa, masculina ou
feminina, uso o que me agrada”, explica. A produtora audiovisual, Gabriela Demore usa a roupa como forma de posicionamento. “A roupa para mim é como me posiciono, como exercito o não preconceito. Mas não sinto que posso vincular quem sou ao masculino ou ao feminino; pelo contrário, acredito que é uma maneira de deixar a fluidez ser parte do cotidiano”, diz. Nas três histórias apresentadas, verificamos que o sentimento é muito semelhante. O poder da liberdade do visual, sem atentar para rótulos impostos.
Barbería Los Santos (Foto: Acervo)
O hábito de os homens cortarem o cabelo hoje é diferente do que era há alguns anos. Eles se ligaram em beleza, sim. Para o acadêmico de Direito Anderson Marques, manter
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o cabelo cortado e arrumado é fundamental. “Ter uma boa aparência ajuda muito nas relações interpessoais e profissionais. Seja para um flerte, seja para uma entrevista de emprego”, analisa. A inspiração para o corte do estudante é o jogador argentino Dybala, atacante da Juventus. Já para o acadêmico de Produção em Mídia Audiovisual Maurício Cardozo, o cabelo é uma questão de se sentir bem consigo. “Eu acordo pela manhã e a primeira coisa que faço é ver o estado do meu cabelo. Se ele estiver bonitinho, eu já posso começar meu dia bem”, explica. Cardozo diz ainda que corta o
cabelo mensalmente e que não mantém um padrão de corte. “Às vezes, corto antes de fechar um mês e procuro sempre mudar o estilo. Isso diz muito sobre mim. É como se a cada modelo diferente eu me reinventasse”, finaliza. De acordo com Tiago Tramontin, cabeleireiro na Barbearia Los Santos, de Caxias do Sul, o homem sempre teve preocupação e cuidado especial com a aparência. Notamos que eles precisavam de um lugar somente deles, e isso se tornou possível com o surgimento das barbearias.
TEXTANDO CULTURA
Turbante, cultura e moda Publicação em rede social sobre o uso do turbante por uma adolescente branca, em tratamento contra o câncer, provocou discussão acerca da diferença entre apropriação e valorização cultural, aprofundando debates sobre pertencimento e identidade negra
O turbante é reivindicado por movimento de descendência negra, como um elemento de pertencimento africano (Rovena Rosa/ Agência Brasil)
ANDRÉ SEBBEN asramos@ucs.br
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ma publicação de uma adolescente paranaense Thauane Cordeiro no Facebook, em fevereiro deste ano, movimentou debate sobre a apropriação versus valorização cultural. Em seu post, a jovem, que luta contra a leucemia, aparece usando um turbante para esconder a perda de cabelo. Ela comenta que teria sido repreendida, no metrô, por um grupo de mulheres negras por usar o acessório. Uma das mulheres teria dito que ela não deveria usá-lo por ser branca. No final da publicação, que viralizou em dias, a jovem usava a hashtag #VaiTerTodosDeTurbanteSim. Durante o embate, muitos alegaram que Thauane teria todo o direito de usar o que quisesse e, assim, a repreensão que ela sofreu caracterizaria racismo reverso. Movimentos de reconhecimento negro, por sua vez, defendem que o turbante é um signo identitário, indo muito além de um acessório: simboliza toda a história negra, com suas trágicas passagens, como a escravidão. Em temas de alta complexidade como esse, é necessário ponderar e não lateralizar o discurso.
Ouvir e procurar conhecer o outro talvez seja a única saída possível. A liquidez do mundo contemporâneo e a lógica das mídias sociais aumentam de forma massiva a intersecção cultural, o que na maioria dos casos pode ser positivo, porém arriscado. A antropóloga Beatriz Canaã, pesquisadora dos novos fluxos migratórios, diz que a cultura não é estanque. “Ora, o contato entre grupos de indivíduos com
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UMA CULTURA É SEMPRE DECORRÊNCIA DE INFLUÊNCIAS DE OUTRAS. A TROCA CULTURAL ENTRE GRUPOS EM CONTATO É UM FENÔMENO RECÍPROCO, MAS RARAMENTE É SIMÉTRICO
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NAIRA ALBUQUERQUE nralbuquerque@ucs.br
Beatriz Canaã diferentes experiências cultu rais sempre provoca trocas e mudanças nas experiências de ambos. As interações causam transformações nos padrões culturais de um ou de ambos os grupos.”
NÃO HÁ CULTURA PURA A antropóloga completa dizendo que, sob essa ótica, não existem culturas em estado original, puras. Toda cultura é produto de hibridismos. “Uma cultura é sempre decorrência de influências de outras. A troca cultural entre grupos em contato é um fenômeno recíproco, mas raramente é simétrico.” Entretanto, não se deve resumir a polêmica do uso do turbante apenas ao campo da cultura. “O problema comporta outras ordens, que dizem respeito ao social, econômico e político.” A pesquisadora também menciona que para o bom debate é necessário ir ainda mais fundo. “Em um contexto capitalista, que tende a tornar tudo mercadoria, a disseminação de turbantes, tranças, batas coloridas pelo mercado da moda transforma o significado identitário e étnico em bem de consumo. Os símbolos reivindicados pelos movimentos negros passam, a partir daí, a perder o vínculo com o grupo dominado, tornando-se mais um adereço estético do grupo dominante, o que invisibiliza a luta do movimento negro na sociedade imensamente desigual do País.” A DESIGUALDADE ÉTNICA Entender esse processo histórico de desigualdade do povo negro na pretensa sociedade “branca” do Brasil é impres-
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EM UM CONTEXTO CAPITALISTA, QUE TENDE A TORNAR TUDO MERCADORIA, A DISSEMINAÇÃO DE TURBANTES, TRANÇAS, BATAS COLORIDAS PELO MERCADO DA MODA TRANSFORMA O SIGNIFICADO IDENTITÁRIO E ÉTNICO EM BEM DE CONSUMO
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Beatriz Canaã
cindível. Para evidenciar isso, em um texto produzido para Intercept, Ana Maria Gonçalves, pesquisadora e escritora negra, traça uma relação entre o turbante e outros objetos de herança familiar. “Boa parte da população branca e brasileira sabe de suas origens e cultiva, com carinho e orgulho, o sobrenome italiano, o livro de receitas da bisavó portuguesa, a menorá que está há várias gerações na família.” A maioria dos negros não teve a mesma prerrogativa. Antes de serem escravizados no Brasil, os africanos perdiam sua herança genealógica, tinham seus registros apagados, redefinindo etnias com nomes genéricos, que lhes eram atribuídos após o batismo para, então, passarem a ter uma “alma”.
(Rovena Rosa/ Agência Brasil)
TEXTANDO Faziam-nos “dar voltas em torno da Árvore do Esquecimento, ou passar pela Porta do Não Re torno, para que não quisessem voltar, separando-os em lotes, tanto mais valiosos quanto mais diversificados, para que não se entendessem”, completa a historiadora.
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É NECESSÁRIO IDENTIFICAR O ADVERSÁRIOS E ALIADOS: CONHEÇO PESSOAS DO MEIO RELIGIOSO AFRO-BRASILEIRO QUE USAM TURBANTES, SÃO HOMOFÓBICAS, ASSUMEM POSIÇÕES POLÍTICAS CONSERVADORAS
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Rafael dos Santos
AS PONDERAÇÕES
Rafael dos Santos, professor e antropólogo, tem visão polivalente sobre o fato. Explica que a identidade se marca na diferença, nas fronteiras entre os grupos. Assim, o turbante é um objeto com caráter de empoderamento e pertencimento para os descendentes da cultura
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BOA PARTE DA POPULAÇÃO BRANCA BRASILEIRA SABE DE SUAS ORIGENS. A MAIORIA DOS NEGROS NÃO TINHA A MESMA PRERROGATIVA
”
Ana Maria Gonçalves
negra. É preciso compreender que a intensificação de trocas interculturais pode resultar no enfraquecimento desses signos, mas também na criação de espécie de“ecumenismo semiótico-político, positivo hoje, quando as intolerâncias parecem crescer”. “É necessário identificar adversários e aliados: conheço pessoas do meio religioso afrobrasileiro que usam turbantes, são homofóbicas, assumem posições políticas conservadoras”, justifica. Do ponto de vista dos “inimigos da apropriação, essas pessoas teriam mais direito ao uso do turbante do que as que o utilizam para sinalizar posições avançadas, como signo de uma afirmação de luta contra o preconceito, no terreno da moda”, explica. Não há saída crua. A complexidade social comporta muitas verdades.
ORIGEM O turbante pode ter surgido no Oriente ou na África. O que se sabe é que seu uso era comum no Oriente, muito antes do islamismo. No livro História ilustrada do vestuário, organizado por Melissa Leventon, há referências a seu uso em diferentes épocas, por diversas etnias e entre homens e mulheres. Persas, anatólios, lídios, árabes, argelinos, judeus, tunisianos e algumas regiões da Jamaica relataram a presença do turbante em seu vestuário. Os sikhs (religião monoteísta indiana resultante do sincretismo entre elementos do hinduísmo e do islã (o sufismo), não muçulmanos nem árabes, constituem a maioria das pessoas que usam turbantes no mundo ocidental. O enfeite também é bastante referido em religiões tradicionais africanas, afro-americanas e afro-brasileira. No Brasil, o turbante chegou com os escravos. As mucamas os usavam não apenas por seus significados antropológicos mas, também, por restrições legais e econômicas que limitavam suas escolhas. USO PELA MODA Na Europa, o adorno chegou com os marinheiros, tornando-se item de moda para as francesas no séc. XVIII. Sua primeira grande utilização pela indústria da moda aconteceu entre os anos 1910-20, quando o costureiro francês Paul Poiret trouxe turbantes ao cenário fashion. Entretanto, a real popularização aconteceria mais tarde com a eclosão da II Guerra Mundial. Nos difíceis tempos da guerra, o acessório se transformava em saída rápida e prática para disfarçar cabelos malcuidados. Muitas atrizes de Hollywood foram retratadas com
glamourosos turbantes nos anos 20 a 40. SIGNIFICADOS Dependendo da cultura na qual está inserido, indica origem, tribo ou casta, a religião ou posição social. Seu uso está intimamente associado a rituaisreligiosos de matriz africana, caracterizando-se como indumentária religiosa. No candomblé, na umbanda e no xangô, por exemplo, é usado em festas e cerimônias, para proteger o centro da cabeça, o Orí. Segundo esses religiosos, na região da moleira está localizado um chacra energético de alto vórtex, pelo qual entraria toda a energia boa e ruim que há no entorno. Assim, o turbante é usado como uma proteção contra as energias negativas. O adereço tem, ainda, a função de "modelar" cabelos crespos e "coroar" mulheres negras. Homens e mulheres Sikhs são proibidos de cortar barba e cabelo em respeito à criação divina. Por esse motivo, usam o pano como maneira de guardar e acomodar os fios. Nas religiões muçulmanas, o turbante é símbolo material que reforça a consciência espiritual: um marcador de que aquele é um homem de fé. Para os islâmicos, as decisões sobre certo e errado, bem e mal, são tomadas na cabeça; assim, o turbante sinalizaria a escolha pela retidão. Na Índia, ele é utilizado para proteger a cabeça do clima severo do deserto e representa a casta, o status financeiro e a religião de quem o usa. Como foi totalmente as similado à indumentária, o turbante indiano tornou-se uma forma de comunicação para algumas culturas. Trocar turbantes, por exemplo, significaria irmandade, enquanto deixar o turbante aos pés de alguém seria sinal de submissão.
DIALOGAR considerar a dolorosa história de inserção dos negros no Brasil-colônia; é preciso repensar a trajetória dessas mulheres enquanto povo, que hoje reivindica o uso do turbante. Para essas mulheres, ele não é apenas um artigo de moda, é um indicativo de pertencimento. Um meio de se reconhecer na multidão, sem que uma única palavra seja dita. Nesse cenário complexo, Eliane sugere que a única saída para uma resolução possível é o diálogo. Mas não se chega nesse patamar de entendimento sem conhecer as motivações das partes, sem conversar. “Acredito profundamente em “vestir a pele” do outro. Mas sei também do limite desse gesto. Buscamos vestir, mas não conseguimos vestir por completo. A beleza deste movimento é justamente a busca”, completa a escritora. Thauane Cordeiro perdeu o cabelo em decorrência do tratamento para o câncer e atualmente defende o uso do acessório independentemente de origens étnicas (Crédito: Reprodução/Facebook) Em 20 de fevereiro, a jornalista e escritora brasileira Eliane Brum usou o espaço de sua coluna, no veículo El País, para discutir o assunto. Por meio de uma carta aberta, Eliane evidencia a complexidade da polêmica envolvendo o uso do turbante e o perigo do desconhecimento ou a banalização do discurso em questões como essa. Ela menciona que é preciso fazer um esforço para compreender a dor de Thauane, que encontrou no turbante uma maneira de sentir-se bonita, protegida e, assim, camuflar sua doença. Outro ponto é o grupo de mulheres negras que se sentiram invadidas por Thauane, tendo suas lutas por reconhecimento menosprezadas, uma vez
que um ícone de sua representatividade foi relegado a acessório de beleza. Ao falar do caso, Eliane sinaliza pontos importantes. Aborda a questão humana e os indivíduos que constituem a coletividade. “Thauane não é apenas a branca de turbante, é também uma mulher e suas circunstâncias.” Partindo desse ponto, seria preciso lembrar-se da dor de alguém que luta contra uma doença como essa. “Não sei como é acreditar que encontrou uma saída estética para cobrir a nudez da cabeça e ouvir que esta saída não é ética.” Ao considerar a dor de Thauane, precisamos também
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Eliane Brum (Fotos: Divulgação/UNISC)
TEXTANDO ESPORTE
Amor pela camisa No país do futebol, a prática amadora cresce a cada dia. As dificuldades estão presentes, fazem com que alguns desistam do esporte. Mas, há quem simplesmente jogue pelo fascínio que somente o futebol é capaz de proporcionar
Alguns momentos importantes na história do São Cristóvão (Fotos: Vinicios Vergani/Divulgação)
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amor pelo futebol é marca registrada dos brasileiros e, em Caxias do Sul, essa realidade não é diferente. Diversos times amadores atuam na cidade, mas, segundo a Secretaria do Esporte e Lazer, não é possível quantificar precisamente o número de clubes existentes, pois muitos não estão cadastrados. Apesar da grande adesão da população caxiense, o esporte enfrenta dificuldades. Para Mário Costa, presidente do Esporte Clube São Francisco, clube do interior da Sexta Légua, cujo time disputa a Copa União de Clubes – a CUC, existem poucos recursos disponíveis para ajudar na arrecadação de dinheiro, a fim de arcar com as despesas do esporte. “Realizamos um jantar dançante, vendemos algumas rifas e temos alguns poucos patrocínios. Muitas vezes, é preciso tirar dinheiro do bolso”, ressalta. DIFICULDADE E AMOR Costa destaca que é muito difícil conseguir verbas para manter os times, já que os jogos trazem custos como o valor pago aos árbitros. Com isso,
essas competições amadoras podem sumir. “Seria interessante se a prefeitura pudesse, de alguma forma, ajudar nesses esportes, pois nem todos os campeonatos têm essa ajuda financeira”, conta. Mas, apesar de todas as dificuldades enfrentadas, há pessoas que jogam simplesmente pelo “amor à camisa”. Esse é o caso do operador de máquinas
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PRATICAR FUTEBOL AMADOR É UM ORGULHO. É ATRAVÉS DELE QUE JÁ TENHO HISTÓRIAS PARA CONTAR
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DANIELA ALINE BASSO dabasso@ucs.br
Vinicios Vergani
Vinicios Vergani, que, em 2011, começou a jogar campeonatos de futebol amador. Hoje, Vergani atua pelo time São Cristóvão, que disputa a Copa União de Clubes, a CUC. Vergani joga futebol desde criança, e já contabiliza diversos títulos como amador. “Eu já fui Campeão da Festa da Uva Juvenil, Campeão do Farrapos, Tricampeão das Interséries Es-
colares e Tricampeão da Copa União de Clubes”, relata. O operador de máquinas ainda destaca que nunca recebeu salário para jogar em times amadores. Sempre jogou por simplesmente gostar do esporte. “Não é somente por “amor à camisa” que jogo, mas também pelas amizades e pelas pessoas novas que a gente conhece durante os jogos no final de semana, as histórias de jogador pra contar. Nós do São Cristóvão, somos uma família!”, salienta. COPA UNIÃO DE CLUBES A Copa União de Clubes é uma competição de futebol amador de Caxias do Sul, atualmente integrada por 11 equipes. A CUC tem as mesmas regras do Campeonato Gaúcho: na primeira fase, os times jogam todos contra todos e, no término do duelos, as oito melhores equipes classificam-se, dando início à segunda fase, que é mata-mata: o primeiro colocado enfrenta o oitavo, o segundo enfrenta o sétimo, e assim por diante. Nessa etapa, há jogos de ida e volta em que os quatro primeiros da tabela têm a vantagem do jogo da volta sempre no seu campo. Desse modo, o campeonato passa pelas oitavas, quartas e pela semifinal, até chegar na decisão, em que o vencedor sai campeão.
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Comemoração de um gol realizado na Copa União de Clubes (Foto: Vinicios Vergani / Divulgação)
TEXTANDO ESPORTE
O rugby que educa O clube Farrapos, de Bento Gonçalves, visa à inclusão dos jovens em suas categorias de base por meio de incentivos. Visitas às escolas do município têm atraído uma parcela cada vez maior da juventude
Os jovens são incentivados a aprenderem mais sobre o rubgy, que está em crescimento na região (Foto: Senior Airman Matthew Lancaster/Photo Details)
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esporte como mecanismo de educação. Este é um pressuposto que está por trás de muitas ações promovidas por clubes esportivos. Em Bento Gonçalves, o Farrapos Rugby Clube busca, nas categorias de base, jogadores para incorporar ao elenco profissional. Os principais títulos do Farrapos são: Campeão da Copa do Brasil de rugby, em 2010, e sete títulos de Campeão Gaúcho. E uma das formas de atrair os jovens para as dependências do clube é mostrando a importância da prática esportiva na vida deles. Fundado no ano de 2007, por um grupo de jogadores que treinavam em Caxias do Sul e decidiram montar um time local, o Farrapos trabalha com três classes: juvenil, feminino e adulto. No juvenil treinam jovens com uma média de idade de 17 anos; já nas categorias feminina e adulto, a faixa etária é variada. A ascensão do time
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O PAÍS TEM TODOS OS RECURSOS PARA SER PROTAGONISTA MUNDIAL NO RUGBY
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ALESSANDRO MANZONI amanzoni@ucs.br
Javier Cardozo
chamou a atenção da Confederação Brasileira de Rugby (CBRu), que instalou uma academia de desenvolvimento de atletas na cidade, devido ao potencial do estado gaúcho. O coordenador técnico da equipe, tanto das categorias de base quanto do grupo profissional, o argentino Javier Cardozo, conta que um dos objetivos do clube é crescer a cada dia. Dessa forma, a introdução do rugby nas escolas do município cumpre papel determinante no desenvolvimento da modalidade. “A ideia esse ano é trabalhar com nove escolas, com uma esti-
mativa de três a cinco turmas cada, e alcançar 900 crianças conhecendo e jogando o rugby”, relata. Javier explica que, além do juvenil, o clube tem uma escolinha para crianças de sete a quatorze anos, o que confirma e dá o aval à investida da Instituição em escolas de Educação Infantil. Quanto ao incentivo dado pelos órgãos públicos ao time, Cardozo diz que a sede e a academia foram construídas pelo governo, e que a CBRu trabalha com lei de incentivo ao esporte. Ele afirma que a cultura do rugby é de valores e princípios que as pessoas levam para a vida toda e acredita que o esporte irá ganhar mais popularidade no Brasil. “O País tem todos os recursos para ser protagonista mundial no rugby”, evidencia. Onde encontrar: O Estádio da Montanha fica na Avenida Osvaldo Aranha, Bairro Juventude, Bento Gonçalves - RS Contato: farrapos@farraposrugby.com.br.
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A vivência do rugby Atleta do clube há oito anos, Mauricio Conzatti Frison é uma prova de como os projetos de ensino do rugby nas escolas rendem resultados positivos. “Eu comecei a me interessar pelo rugby a partir de um projeto da escola e então ingressei nas categorias de base até chegar ao profissional, onde estou,” declara. Já Bruno Celso tem uma história mais recente com este esporte. Ele está no Farrapos desde 2015 e afirma que, no momento, não se vê em um cenário que não seja o de treinos e jogos pelo clube. “O início não foi fácil, pois existem regras a serem aprendidas, mas a equipe do
Farrapos sempre foi muito atenciosa comigo e me incentivou a todo momento”, expõe. Assim, com a intenção de cativar as crianças e os jovens para que se interessem mais pelo esporte, o Farrapos lançou em suas redes sociais as hashtags “#Rugbyensina” e “#Rugbyeduca”. As escolas interessadas podem contatar o clube. Essas iniciativas pretendem transformar o esporte em uma atividade que possa oferecer à sociedade futuros cidadãos conscientes da importância do espírito esportivo para o desenvolvimento pessoal e coletivo de todos.
TEXTANDO AMOR ANIMAL
O abandono de animais e o outro lado da moeda Bichos de estimação fazem, cada vez mais, parte do contexto familiar e brasileiro. Especialistas tentam entender as transformações que permeiam a relação entre animais e seus donos
Animais são abandonados diariamente nas ruas do Brasil. O descaso e a falta de locais apropriados para ajudá-los são comoventes ( Foto: Pública.com)
HÁ PESSOAS SOZINHAS, SEM FAMÍLIA, OU LONGE DELA, CARENTES DE AFETO. ELAS SE APEGAM. UMA VEZ QUE OS BICHOS DE ESTIMAÇÃO, TRATADOS COMO SE FOSSEM GENTE, PASSAM A TER COMPORTAMENTOS CONSIDERADOS FORA DO PADRÃO
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Fernanda Pacheco
emocional da convivência com animais, e isso, não apenas em algum tipo de autismo, por exemplo. É aconselhado cada vez mais que as famílias com filhos únicos supram a falta de um irmão ou irmã com um animal de estimação, que pode se tornar o melhor amigo e confidente. Os cães são animais de grupo e, embora estejam domesticados, sempre precisarão ter contato com outros cães. Privá-los disso é huma-
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SEGUNDO DADOS DE PESQUISAS DO IBOPE - NPD, ESTIMA-SE EM 31. 287 MILHÕES A POPULAÇÃO DE ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO NO BRASIL
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L
á se foi o tempo em que cães e gatos, os animais domésticos mais próximos do convívio humano, viviam somente no quintal de casas e morriam de velhice. Hoje, eles dormem na cama dos seus donos e sofrem de doenças que acometem o ser humano, como colesterol, diabetes, pressão alta, problemas renais e câncer. Há os que são levados a psicólogos e usam psicotrópicos para combater o estresse e a depressão. Muitos são tratados como bebês, alguns são vestidos de Papai Noel no Natal, usam joias caras, ganham festas de aniversário, entre outros mimos. De acordo com a psicóloga Fernanda Pacheco, residente em Bento Gonçalves, o tratamento exagerado dado aos cães é claramente a forma de substituir um afeto, carinho e até mesmo a atenção não recebida. Esse problema afeta diária e mundialmente diversas pessoas, desde as coisas mais comuns ou banais do dia a dia. No Brasil, a psicóloga explica, por exemplo, a importância
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nizar os animais, e isso não é saudável nem para eles nem para nós, pois o animal poderá ter crises de ansiedade, de estresse e inclusive vir a se tornar agressivo. No Brasil aumenta, também, o número de pessoas que vivem sozinhas, assim como o de idosos com maior longevidade. Também para elas é importante conviver com algum tipo de companhia animal. Fernanda é objetiva: “Faça o resto de sua família entender que, embora seu cão seja parte da família, há certos limites e regras a respeitar, tratando sempre o bichinho com amor, mas como um animal”. Por outro lado, o
abandono de animais também é extremamente preocupante no País. Enquanto alguns julgam normal tratar animais como gente, outros não se importam em jogá-los na rua, sem amparo e em total negligência. Uma grande testemunha disso é Dona Carmem, moradora do Bairro Juventude em Bento Gonçalves, que luta há quatro anos contra o abandono de animais. Carmem é a responsável no bairro, e em outras localidades, por difundir a ONG Abandono de animais é crime sim! Seu relato é que, semanalmente, são abandonados de dois a três cães e gatos.“São muitas as manifestações, os abrigos que tentam cuidar, as associações protetoras que buscam um lar para eles, as ONGs que lutam contra os maus-tratos… E o que se tem conseguido? Individualmente, o bom trabalho daqueles que amam os animais conseguiu dar uma nova vida a alguns deles, mas no aspecto coletivo, continua havendo muitos abandonos, muitos,” relata Carmen. O OUTRO LADO DA MOEDA De um lado o abandono de animais e, de outro, a humanização dos bichos de estimação. O tema é polêmico e muito
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FAÇA O RESTANTE DE SUA FAMÍLIA ENTENDER QUE, EMBORA SEU CÃO SEJA PARTE DA FAMÍLIA, HÁ CERTOS LIMITES E REGRAS A RESPEITAR
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JULIANA MORÁS jbmoras@ucs.br
Fernanda Pacheco
pessoal, m as o respeito e a aceitação do próximo sempre prevalecem. A Lei 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais) prevê maus-tra tos como crime. O Decreto 24.645/34 (Decreto de Getúlio Vargas) determina quais atitudes podem ser consideradas como maus-tratos. Qualquer testemunha de abandono de animais domésticos ou exóticos pode ir à delegacia mais próxima para um registro de ocorrência. Em ambos os casos, no abandono dos animais, e no seu extremo, a humanização deles, o respeito pelo próximo precisa permanecer e tornar-se algo diário, repetitivo e normal.