Crítica nos filmes de terror - pgs 10 e 11
Defesa da cultura em Farroupilha - pg. 5
“Quem não tem memória, não sabe quem é” O desafio de preservar a história e a paixão pela arte marcam a vida de Frei Celso Bordignon Aliar a vida religiosa ao gosto pelas artes plásticas e a história. Esse é o compromisso diário de Celso Bordignon, frei capuchinho de 57 anos, que atua na direção e organização do Museu dos Frades Menores Capuchinhos do Rio Grande do Sul (Muscap), localizado no bairro Rio Branco, em Caxias do Sul. O religioso mora na Fraternidade (nome dado às casas dos frades) São Maximiliano Kolbe, do bairro Desvio Rizzo, também em Caxias. Doutor em Arqueologia Cristã, pelo Pontifício Instituto de Arqueologia Cristã (PIAC), de Roma, Itália, ele conta nesta entrevista como começou a gostar de desenho, pintura e restauro. “Não fiz faculdade na área das artes plásticas, mas procurei vários cursos com os artistas que mais me interessavam”, afirma. Frei Celso relata também que a vocação religiosa, alimentada desde a infância, em Cachoeira do Sul, só foi concretizada na maioridade. “Quando eu tinha nove anos, já dizia que queria ir pro seminário. Só que o meu irmão menor queria ir também, aí eu disse: ‘se tu vai, eu não vou’”, relembra. Além do trabalho na diretoria do Museu, ele também auxilia nas atividades pastorais da Paróquia Imaculada Conceição. A seguir, os principais trechos da conversa, realizada em seu escritório junto ao Muscap: TeXtando: Como é o trabalho realizado pelo senhor atualmente no Museu dos Capuchinhos? Frei Celso Bordignon: Nosso trabalho aqui no museu é um pouco invisível, no sentido de que não dá para quantificar em termos econômicos. Geralmente quase tudo que chega ao museu é coisa descartada ou que não serve mais, e muitas vezes apenas fragmentos. Nós procuramos registrar a entrada desses objetos, fazendo o tratamento de conservação, depois tem a catalogação, a descrição, a relação com a nossa história (da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos), e o significado desse objeto. Às vezes as pessoas pensam de forma romântica que os museus são um lugar aonde se vai lá para ver um monte de coi-
sas velhas, que alguém fica cuidando para outras pessoas irem conhecer também. Mas não. Tem todo um trabalho de museologia e museografia, que tem que ser feito de uma forma técnica e correta. É um trabalho de memória, saber a origem daquele objeto específico, de quem foi, quem fabricou, para o que servia, onde foi usado, de que convento dos capuchinhos veio, etc. TeXtando: Qual a estrutura que vocês têm no Muscap, em termos de recursos humanos e de acervo? Frei Celso: Nós trabalhamos com vários tipos de acervos, muitas coleções, e para cada um tem um tipo de conservação, de armazenamento e de catalogação. Mas para fazer isso ainda faltam recursos humanos. Contamos com quatro funcionários fixos, uma estagiária e um grupo de 10 voluntários. Como são na maioria aposentados, só umas cinco pessoas vêm constantemente para nos ajudar. Hoje nós contamos no Muscap com uma biblioteca de livros antigos e raros; acervo de documentos, principalmente cartas; acervo completo do Jornal Correio Riograndense, com todas as edições dos 102 anos de existência da publicação; coleções de estátuas e ícones religiosos, objetos pessoais dos frades, como fotos, móveis, vídeos, obras de arte; a discoteca de três rádios dos Capuchinhos, que somam cerca de 30 mil discos que estavam nas emissoras de Caxias, Garibaldi e Soledade, além de equipamentos antigos das rádios. Enfim, milhares de objetos históricos ligados à Ordem. TeXtando: Como surgiu o envolvimento e o gosto pelas artes plásticas? Frei Celso: A história é longa (risos). Tenho uma formação bem eclética. Até os meus 21 anos, morei com a minha família em Cachoeira do Sul. Trabalhava de dia e estudava o segundo grau (ensino médio) à noite. Cumpri carreira militar com 18, fiquei um ano no exército. Depois, com 21 completos, entrei no seminário, fui para Flores da Cunha e comecei o estudo da Filosofia, em 1976, na Universidade de Caxias do Sul (UCS), mas sempre gostei de pintar e desenhar, por
Fotos: João Carlos Romanini
LUCAS GUARNIERI
influência de uma das minhas irmãs, a do meio de três mulheres entre meus nove irmãos. Ela cursou Belas Artes e eu a via fazendo os trabalhos de aula e fazia também. Sempre gostei e ela me dava os materiais para também mexer. Isso quando eu
“Tento conciliar as duas atividades (arte e história). Quando diminuem as tarefas do Muscap, me dedico aos meus trabalhos.” tinha meus 15, 16 anos. Depois fui bastante incentivado pelos superiores da Ordem a continuar com este meu gosto. Quando fui para Porto Alegre cursar Teologia, comecei a estudar artes paralelamente, no Ateliê Livre da Prefeitura da Capital. Tive gran-
des mestres como Clébio Sória, Wilson Alves e Eliane Santos Rocha. Segui estudando o que me interessava ao mesmo tempo em que me preparava para a vida religiosa. Não fiz faculdade na área das Artes Plásticas, mas procurei vários cursos com os artistas que mais me interessavam. Morei um tempo no Rio de Janeiro (RJ), onde estudei restauro e artes. Na Itália, durante os períodos em que cursei o Mestrado e o Doutorado em Arqueologia Cristã, tive contato com a pintura e a arte antiga, e me especializei na arte das catacumbas, na pintura greco-romana, além de ter feito cursos de iconografia. Só depois é que assumi o compromisso de retomar o Museu dos Frades Menores Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Desde 1984 existia o acervo, que ficou por 10 anos, em uma sala sem condições em Veranópolis. Eu comecei a organizar tudo em 1994, quando retornei da Itália para Caxias.