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Laboratório de Jornalismo Impresso Universidade de Caxias do Sul 2016/4 Nº15

Direita da urna, esquerda de luta Enquanto manifestantes pró-impeachment se partidarizam, movimentos sociais voltam a se mobilizar com força contra reformas neoliberais, apesar de histórico esfacelamento interno que divide esquerda em frentes contrapostas PÁGINA | 6

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Imigrantes sofrem com desrespeito

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Adolescência atrás das grades

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Movimento que DFDFdfdfdfdsf\sf\sfg divide opiniões


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OPINIÃO

EDITORIAL

Adolescência em risco

Democracia em ruínas

votação da Proposta de Emenda à Constituição 171(PEC) da redução da maioridade penal é um tema que gera discussões e debates não somente na Câmara dos Deputados, mas também nas ruas do Brasil, desde 2015. Ao ocaso de 2016, o assunto ainda não tinha resolução.

contemporaneidade é caracterizada pela liquidez. Liquidez de recursos, valores e opiniões. Nesse sentido, é visível a necessidade de expor essa diversidade. Diversidade de gostos, crenças e contextos. Junte-se a esse complexo cenário o caldo político, resultado de um processo de impedimento presidencial, ora legítimo, ora golpista; presidentes legislativos afastados ou presos e um Judiciário “heróico”, representante aristocrático da sociedade política. O copo transbordou. O que pensar a respeito?

O objetivo da proposta é reduzir de 18 para 16 anos a idade mínima para prisão no País, ato que pretende diminuir os índices de criminalidade. Porém, esquecese que os jovens infratores já cumprem medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990. Dessa forma, reduzir a maioridade penal seria um retrocesso nas políticas públicas já existentes, além de uma agressão aos adolescentes com uma chance mínima de reabilitação. A pauta, porém, vem sendo alvo de contestação por parte da grande massa, gerando discussões e protestos. A parcela favorável à PEC alega que a medida contribuiria para a redução da violência, dos homicídios e, por consequência, da criminalidade no Brasil. Entretanto, aprovada a proposta, a sociedade estaria mirando nas consequências das infrações e não nas causas, no real motivo desses elevados índices. Esquece-se que o que deve ser observado é o porquê de tantos adolescentes, 23 mil, promoverem atos infracionais que os põem em risco. Devemos levar em consideração o cenário de desigualdade social. Para se ter uma ideia, mais de 60% dos detentos brasileiros são negros e três em cada quatro não completaram o Ensino Fundamental. A qual parcela da população interessa, portanto, reduzir a maioridade penal?

EXPEDIENTE Reitor Dr. Evaldo Antonio Kuiava Diretora do Centro de Ciências Sociais Dra. Maria Carolina Gullo Coordenador do curso de Jornalismo Dr. Álvaro Benevenuto Júnior Professora responsável Dra. Marlene Branca Sólio Turma de Laboratório de Jornalismo Impresso 2016/4 Ângela Salvallaggio Eduardo Borile Júnior Estefani Alves Fábio Becker Loppe Felipe Jung Franciane Peracchi Gabriela Fiorio Joeldine Andrade Lucas Araldi Lucas Demeda dos Santos Patrícia de Cesaro Rodrigo De Marco Ronaldo Velho Boeno

Os caminhos que guiavam as opiniões se cruzaram a partir de passos em falso num terreno movediço marcado pela institucionalidade corrompida e pela confusão ideológica. Num cenário de incertezas políticas, o que antes era visto como esquerda afundou juntamente com os ideais “normais” de um modelo de Estado em crise: discurso dissociado da prática, publicismo manipulatório e alianças partidárias ruinosas. Empilham-se incontáveis etapas de operações com nomes criativos. A mais conhecida delas, a Lava-jato, surge como esperança de substituir o vazio da antipolítica e da ausência aparente de ideologia, disfarçada de tecnicismo dissimulado e apartidário. Os movimentos antes justificados como pressão popular afundam enquanto interesses diversos, como o retorno da monarquia e/ou do regime militar, acasalam com o antipetismo acumulado ao longo de 13 anos e dão à luz um monstrengo sem linhagem definida. Um desejo catártico de se fazer nas redes sociais, banhadas de civismo e coragem, toma as ruas. Questionamo-nos: Essa é a tão sonhada democracia que idealizamos? Afinal, o que caracteriza a democracia? As manifestações pró e contra o impedimento presidencial são, de fato, exercício da democracia ou não passam de simples manipulação? Uma coisa é certa: as manifestações públicas chegaram ao auge da participação. Mesmo assim, evocar os ideais dos três poderes independentes e a participação em um semiparlamentarismo conveniente, mascarado de democracia, é, no mínimo, um ultraje aos princípios que orientam nossa Constituição. Porém, é necessário entender que os protestos tomam corpo a partir de grupos de pressão hegemônicos, que apenas reproduzem a estrutura de um sistema fadado ao fracasso e que defendem os interesses de oligarquias que retomaram o espaço político, a partir da redemocratização. Em contrapartida, os grupos contra-hegemônicos apontam alternativas e reivindicam a ruptura da “normalidade democrática”, infestada de interesses escusos e corrompida desde a base. Esses grupos são contra o sufrágio como único instrumento para mudar um país e não se veem representados por qualquer partido político tradicional. Eles influenciam os movimentos de ocupação de escolas e os protestos contra as reformas maldosas acobertadas por um governo que já nasce sem legitimidade. Eles estão na rua e na luta. Enquanto isso, os que protestam de verde e amarelo tiram selfies com os representantes da violência do Estado. O mesmo Estado que taxa as classes populares, para acumular poder e recursos financeiros para repassar às classes dominantes.


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ECONOMIA

Dividir o bolo para fazê-lo crescer Fábio Becker | fbloppe@ucs.br Lucas Demeda | ldsantos2@ucs.br

Empreendimentos locais, amparados pela colaboração, tecnologia e criatividade, subvertem a lógica dos negócios tradicionais e triunfam com uma proposta que alia sustentabilidade ambiental e econômica com consciência social CRÉDITO: LUCAS DEMEDA

ajudam. A ideia fez sucesso: já foram 300 mil “vaquinhas” desde 2009. Para Gheller, o número prova que as pessoas estão dispostas a contribuir com o que consideram importante, sem nada esperar em troca.

ESPAÇO PARA FOTO

Diuliane de Castilhos expõe peças usadas do Capitu Brechó em evento cultural de Caxias do Sul

economia mundial está amparada por alguns princípios básicos competição, lucro, acumulação. O Brasil sempre abraçou essa lógica, que pode ser resumida a uma frase de um ex-ministro da Fazenda, durante o período da ditadura militar, Delfim Netto: é preciso “fazer o bolo crescer, para depois dividi-lo”, dizia ele. Mais de 40 anos depois, o bolo brasileiro segue crescendo e ainda não foi dividido. Para um número cada vez maior de pessoas, o capitalismo ortodoxo apresenta contradições – desigualdade social, danos ao meio ambiente –, que estão se tornando insustentáveis. Como resposta a esse problema, surge um novo tipo de empreendimento, que preza a cooperação e o consumo consciente: a economia solidária. A ideia não é nova, mas ganha terreno nos últimos anos. Já são 19.708 Empreendimentos de Economia Solidária (EES) em todo o Brasil, conforme o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). A Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), criada em 2003, contabiliza mais de 30 mil. Em Caxias do Sul, são 57, além de outros ainda não registrados. O Dieese considera como EES todo o negócio criativo, com forte ligação com a comunidade, autogestionado e que

tem o interesse coletivo como finalidade principal. Um desses empreendimentos é o Capitu Brechó. A estudante Diuliane de Castilhos Paim começou a vender roupas usadas para complementar a renda e criou com duas amigas o conceito do empreendimento. Ela explica que o que distingue o brechó dos negócios tradicionais é a preocupação com aspecto social antes do lucro. “A ideia é fomentar um consumo consciente enxergando na roupa uma forma de expressão e ação econômico-social.” Esses valores se manifestam desde a escolha de onde expor as peças até a formação de preços, que conta com a participação do cliente. “Geralmente, isso torna a compra um ato mais humano e memorável. Eu estabeleci uma lógica de fomento ao desapego, à moda sem gênero, nem estereótipo. Estabeleço relação com uma lógica de troca, abrindo os olhos do cliente também para o boicote da indústria da moda.” Diuliane começou o projeto no final do ano passado e chegou a ter cerca de 300 peças à disposição. Para ela, o envolvimento do público mostra o interesse por esse tipo de negócio. “Essa geração tem sede por conexão interpessoal e por trabalhar com prazer. Isso remodela as ações de consumo e de comércio.” As irmãs Pâmela e Paulinha Grassi são testemunhas dessa mudança de

comportamento do consumidor. Desde 2010, elas comandam o projeto Marias Lavrandeiras, que confecciona e comercializa roupas customizadas, como um “contraponto à sociedade de consumo”. Pâmela conta que as duas começaram customizando as próprias roupas e a prática se espalhou entre amigos. Hoje, elas expõem em feiras, vendem pela internet e ministram oficinas, sempre com foco na questão social. “São peças únicas e feitas de modo manual. E, quando estampamos uma Mafalda (personagem argentina) ou o Subcomandante Marcos (líder do Movimento Zapatista no México), propomos o debate de uma outra cultura política possível”, diz.

A TECNOLOGIA COMO SUPORTE O Brechó Capitu e o Marias Lavrandeiras usam a internet como forma de contato imediato com o público e interação com a comunidade, mas há alguns empreendimentos solidários que funcionam totalmente na rede. O Vakinha é um projeto pioneiro nessa linha. A ideia de Luiz Felipe Gheller, fundador do site, foi levar um conceito já consolidado para a internet. “Tentamos simular o que as pessoas já faziam offline”, conta. A proposta é simples: o usuário abre uma “vaquinha” pedindo dinheiro para alguma causa e os outros decidem se

O caso do bebê Dante, em março deste ano, é emblemático. Antes de nascer, o menino foi diagnosticado com uma má-formação congênita e precisava de uma cirurgia. Seus pais, Thobias e Marcelle, pensaram em várias maneiras de arrecadar o dinheiro para a operação, até encontrar o Vakinha. Thobias conta que ele abriu uma campanha para facilitar a ajuda de amigos e familiares. Em menos de um dia, porém, o caso se espalhou pelo Brasil e ele conseguiu os R$ 41,2 mil necessários. “Nos sentimos abraçados pelo mundo. É preciso contar com as pessoas. Elas querem fazer o bem sempre. O que precisam é de uma oportunidade para isso”, conclui.

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Para muitos especialistas, a grande vantagem da economia solidária, diante dos empreendimentos tradicionais, é a sustentabilidade – ambiental e social. A Profa. Dra. Susana Gastal, professora no Mestrado em Turismo da Universidade de Caxias do Sul (UCS), destaca que esse é um tipo de negócio que se encaixa no modelo de sociedade buscado atualmente: que utiliza os recursos naturais sem esgotá-los. “A economia solidária é muito ligada ao turismo, à cultura, porque pressupõe criatividade. Tem uma base intelectual e cultural, que agrega valor ao produto.” Além disso, Susana explica que por sua forma de gestão horizontal, é comum que esses empreendimentos sirvam de fonte de renda para pessoas excluídas do mercado de trabalho, como é o caso dos indígenas, que podem passar a vender seus produtos com controle total do processo. Por razões semelhantes, a maioria dos EES do Brasil está nas regiões rurais do Nordeste. Eneida Brasil, professora de Turismo na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul, considera que a expansão da economia solidária simboliza uma mudança de paradigma na sociedade. A vontade de colaborar e compartilhar, ao invés de competir e acumular, significaria o rompimento com as estruturas não sustentáveis do sistema vigente. Um repensar da relação coletiva com a natureza, a economia e a cultura.


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VIDA SUSTENTÁVEL

24 horas em uma ecovila Fábio Becker | fbloppe@ucs.br Lucas Demeda | ldsantos2@ucs.br

A reportagem do Textando passou um dia numa comunidade sustentável em São Francisco de Paula, para descobrir como vive um grupo de pessoas que resolveu trocar a vida e a rotina na cidade por uma existência em comunhão com a natureza CRÉDITO: FÁBIO BECKER

Ecovila Arca Verde tem 25 hectares de natureza preservada no interior da Serra gaúcha

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sol nasce e a luz entra pela na janela do quarto enquanto reflete no lago, alguns metros à frente, e ilumina a grama, ainda molhada. Assim é o despertar na Ecovila Arca Verde, nos últimos dias de inverno na Serra gaúcha. Às 8 h, soa o sino vindo da cozinha comunitária, chamando todos para o café-da-manhã. Aos poucos, chegam os moradores do local – gente com diversas formações e vinda de distintas partes do Brasil e do mundo – para uma refeição compartilhada. A reportagem senta à mesa com os moradores da Ecovila Arca Verde e com a proposta de conhecer a vida das pessoas que resolveram trocar a cidade, marcada pela rotina e pelo consumo, por uma existência em outro ritmo, junto com a natureza. Do centro de São Francisco de Paula até a ecovila são quatro quilômetros de asfalto e seis de estrada de chão. No caminho, Leandro Sparrenberger, morador mais antigo do local, descreve a paisagem, marcada pelo solo morto, devido ao desmatamento e

por florestas de pinus e eucalipto, que chama de “deserto verde” – já que a monocultura dessas árvores impede a presença de outras formas de vida. Ao longe, surge uma visão distinta: a mata nativa e as araucárias se erguem no espaço de 25 hectares preservados pela Ecovila Arca Verde. Leandro conta que o projeto surgiu em 2005, em São José dos Ausentes, com quatro amigos que buscavam um modo de vida mais sustentável e harmonioso. “Tínhamos o ideal de criar uma comunidade onde se pudesse viver e se guiar pela filosofia da permacultura, ou seja, em comunhão com a natureza, e não contra ela”, explica. Em 2009, a comunidade se mudou para São Francisco e hoje se encontra consolidada. A Ecovila Arca Verde tem 17 moradores fixos, além de voluntários e visitantes, nove construções privadas, espaços de convívio e se mantém de modo a causar o mínimo de impacto ao meio ambiente, norteada por uma economia verde e solidária.

MANHÃ - TRABALHO O dia na Arca Verde começa com o café-da-manhã, primeiro momento de encontro entre todos. A refeição compartilhada revela a diversidade dos moradores: o biólogo Marcos Mauths, o educador italiano Ettore Miserocchi, o artesão Gilberto Bottari e a turismóloga Rebeca Pinheiro com seu filho Lírio, de três anos, são alguns dos personagens que dividem o espaço na mesa. Entre os últimos goles de café e as primeiras cuias de chimarrão do dia, os grupos de trabalho se organizam. A jornada laboral na ecovila vai até às 13 h. O quadro na parede mostra a disposição das tarefas semanais, redefinidas em conjunto todas as terças-feiras: hoje, Rebeca é responsável pela limpeza e pelo almoço; o engenheiro florestal Felipe Miozzo vai roçar os caminhos da Ecovila Arca Verde; Marcos e Gilberto estão construindo um sistema de esgoto para a casa de visitantes e Felipe Rosa e Ettore ficarão na horta. Na pró-

xima reunião, os papéis são redistribuídos. O jovem Felipe Rosa explica que cada função é fundamental para a Ecovila Arca Verde. “Cada um que vive aqui se torna um pilar da comunidade.” Além do sentimento de unidade, os moradores dizem que outras vantagens surgem dessa forma de distribuição de tarefas. Inquieto, Miozzo acredita que o modo de vida é ideal para pessoas que preferem maior liberdade no trabalho. “É uma rotina sem rotina. Se na semana que vem eu quero descansar do trabalho na roça, posso me inscrever para ajudar no almoço. Essa flexibilidade é um estímulo para muitos. Eu não tenho vocação para bancário, por exemplo. Para mim não serve vida de escritório.” Já para Geraldo, artesão carioca que trabalha como voluntário na ecovila pela segunda vez, a pluralidade de tarefas resultou na descoberta de novos talentos. “Vim para trabalhar em peças de madeira pequenas e agora estou aqui, aprendendo a construir uma casa”, conta animado.


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Com um estilo de vida simples, em que o reaproveitamento é palavra chave e o custo de vida é muito baixo, a Ecovila Arca Verde é exemplo de autogestão. Os recursos para que o local se mantenha vêm de várias fontes. O biólogo Marcos enumera os principais: venda de produtos, cursos (de construção sustentável e permacultura, por exemplo), visitações e voluntariado. Além disso, a Ecovila Arca Verde produz cerca de 30% dos alimentos que consome. Leandro Sparrenberger destaca que, apesar de seguir uma corrente anarquista de autogestão, a comunidade não é, nem pretende ser uma “bolha” isolada na sociedade. Segundo o permacultor, depender de recursos externos não é um erro, mas deve ser feito com parcimônia. “Dependemos do mundo, fazemos parte do sistema e do mercado. Compartilhamos ferramentas, carro e comida; trabalhamos com bioconstrução, preservação ambiental e retenção de água, reaproveitamos dejetos orgânicos e secos. Não é preciso se privar de nada. Vivendo de uma forma consciente modificamos o mercado e o sistema”, explica o idealizador do projeto.

TARDE - DESCANSO Às 13 h, o segundo badalar do sino indica o fim da jornada de trabalho e o segundo momento de encontro do dia. Aos poucos, nota-se pelas pequenas coisas o esforço dos moradores para viver provocando o mínimo impacto ambiental: há duchas que funcionam com a energia da lenha, queimada para cozinhar; os banheiros contam com pasta de dente, xampu e sabonete confeccionados no local, para fugir dos industrializados; e os visitantes têm que levar de volta todo o lixo seco que produzem.

De acordo com Rebeca, que cuida também da comunicação com os interessados em visitar ou trabalhar como voluntários na ecovila, a insatisfação das pessoas com o sistema em que estão inseridas é o motivo mais comum entre os que buscam conhecer o local. Ela relata que a Arca Verde já tem reservas de visitantes para todos os dias nos próximos meses. Martial, que tem cruzado o mundo se hospedando em comunidades sustentáveis, reforça o sentimento recompensador de trabalhar no local. “Me sinto motivado em fazer parte de um movimento de resistência frente a um sistema que não vai ter muitos anos de vida.”

NOITE - ENCONTRO Os motivos apontados por hóspedes e moradores para viver ou conhecer a vida em uma ecovila são variados. Se a conexão com a natureza, o ritmo reduzido das atividades e a inexistência de rotina são opiniões que se repetem, nota-se que o contato humano é uma unanimidade. A percepção geral é a de que, entre muros e horários, a cidade desconecta. Talvez seja essa a estranheza que paira no ar, já no café-da-manhã e se acentua durante o jantar na Ecovila Arca Verde,

quando todos têm ainda mais histórias para contar. A noite, na Ecovila Arca Verde, é o momento de comunhão. Cada um apronta algo para compartilhar com os demais, desde o café preparado pelo voluntário Miozzo, até o chapati – pão indiano – amassado com calma por Gilberto. “Assim tem outro sabor. Eu passo a minha energia para o pão”, mostra o artesão. Os presentes vão passando e tirando lascas de um coco que comem enquanto conversam. Logo, alguém prepara uma guacamole para comer com o pão de Gilberto, que vai ficando pronto e enche a cozinha com seu aroma. Não há televisão nem divisórias no local. Na parede do fundo, só um relógio, parado perto das 8 h, como a comprovar que, ali, o tempo não importa. O discurso de todos os habitantes – dos mais antigos aos mais recentes – destaca a mescla de amizade e diversidade da Ecovila Arca Verde. “Hoje temos aqui um francês e um italiano. Outra vez que vim tinha uma menina da Eslovênia, e assim vai. Essa diversidade cultural me fascina”, destaca Miozzo. “O melhor é a amizade. A gente cultiva a amizade com padrão de afeto, de se abraçar, de resolver problemas”, opina Gilberto. “É muito mágico estar aqui com pessoas que querem viver com outras pessoas, e

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com isso evoluir. A gente não está acostumado a viver comunitariamente”, complementa Rebeca. A janta se torna, então, uma comprovação do que foi observado: o sentimento de comunidade refletido na mesa farta com todos presentes; a diversidade nos acentuados sotaques: carioca, nordestino, gaúcho e até a mistura de idiomas; o respeito quando o tom das vozes baixa assim que se aproxima às 22 h. É assim que, após uma animada reunião no fim do dia, as pessoas vão se despedindo. Leandro comenta que sempre lhe perguntam como foi possível que ele deixasse uma vida “normal” para construir outra existência na Ecovila Arca Verde. Sua resposta deixa a percepção de que uma vida diferente é possível para todos. “A palavra-chave é processo. A pessoa começa com alguma mudança e vai tomando outras atitudes. Nem todo mundo tem disposição de mudar rapidamente tudo, nem eu. Cada um tem o seu caminho”, conclui. Quando todas as vozes calam e a última lâmpada é desligada, a natureza volta a reinar. O dia termina com as estrelas brilhando mais forte sobre o lago pela ausência de luz artificial. Ouvem-se apenas o coaxar dos sapos e o canto das cigarras que, parece, estavam esperando para conversar também. CRÉDITO: FÁBIO BECKER

Na cozinha, a mesa farta, preparada pelos responsáveis da semana, espera por todos. A comida, vegetariana, é apreciada sem pressa. A tarde na Ecovila Arca Verde é livre para que cada um a aproveite da melhor forma. “Aqui, eu trabalho meio período e depois eu posso estudar para concurso, dormir, nadar, trabalhar para mim. Então, é um modelo que abre muitas portas”, conta Miozzo. Já Rebeca aproveita as tardes para brincar com o filho, o pequeno Lírio. Todos têm liberdade para fazer outros trabalhos fora da Ecovila Arca Verde. A percepção compartilhada entre visitantes, voluntários e moradores é a do equilíbrio da vida na Ecovila Arca Verde. É visível a relação intrínseca entre lazer, contato com a natureza, trabalho comunitário e vivências de troca, que entram em contraponto com a correria e individualidade da rotina na cidade. “Acho que a espiritualidade é o melhor. Há muitas situações para se desenvolver a sabedoria. Senão, ficamos neuróticos”, destaca o francês Mathieu Martial, que vive há dois meses na Ecovila Arca Verde. “A cidade não oferece qualidade de vida. Não tem ar puro, a água é nojenta. Muita gente tem depressão. As pessoas estão insatisfeitas e quando vêm aqui ficam encantadas, notam que é possível viver diferente. As pessoas vêm e se transformam sem precisar morar aqui”, complementa Leandro.

A vida na Ecovila Arca Verde é marcada pela cooperação e comunhão com a natureza


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PÓS-IMPEACHMENT

Direita da urna, esquerda de luta Lucas Araldi | laraldi1@ucs.br

Enquanto manifestantes pró-impeachment se partidarizam, movimentos sociais voltam a se mobilizar com força contra reformas neoliberais, apesar de histórico esfacelamento interno, que divide esquerda em frentes contrapostas CRÉDITO: LUCAS ARALDI

Depois da caminhada, manifestantes ocuparam a entrada do salão nobre da Prefeitura da Bento Gonçalves

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o pós-impeachment, a direita perde articulação nas ruas, se partidariza e disputa as eleições municipais, assumindo cargos no Executivo e Legislativo de várias cidades brasileiras. Cresce em número e influência. A esquerda, outrora silenciosa e rompida, volta a se articular para denunciar o impedimento como golpe e para enfrentar o desmonte do Estado, no governo de Michel Temer, através de ocupações em escolas e protestos contra medidas denominadas de neoliberais. A moça analisa seu reflexo na vitrina de uma loja, ajeita o cabelo e dá a última olhada no look de protesto. Óculos de sol, camisa da seleção brasileira, calça jeans e cartaz contra o Bolsa Família. As amigas se aproximam para a selfie. Enquanto a foto é postada no Facebook, o locutor com chapéu de Chacrinha grita do trio elétrico, coberto de faixas e cartazes com as cores do Brasil: “Dá-lhe, Moro! Dá-lhe, Moro!” Os manifestantes acompanham em coro. Este cenário quebrou o marasmo típico de um domingo à tarde na Avenida Osvaldo Aranha, principal rua de Bento Gonçalves, que liga a cidade de uma ponta a outra e, nos dias de semana, é repleta de

tráfego intenso e buzinas. O movimento na cidade do interior da Serra gaúcha acompanhou as manifestações que aconteceram em todo o Brasil no dia 13 de março, em defesa do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff e contra a corrupção petista. Ao todo, a Polícia Militar contabilizou em média 3,3 milhões de manifestantes em 250 cidades. De acordo com o Instituto DataFolha, este foi o maior protesto desde a redemocratização do Brasil. Em Bento, reuniu cerca de mil pessoas. Em sentido oposto de onde ia a carrea­ ta, caminhava com passos rápidos um membro do alto escalão do executivo municipal, Gustavo Felipe Sperotto. A camisa oficial do manifesto, com os dizeres “Vem pra rua, Bento”, estava amarrada na cintura e ele vestia roupa esporte. O Bolsa Família e outros programas sociais implantados pelo PT, ao longo dos mandatos de Lula, configuram o principal problema do País para Gustavo. De acordo com ele, essas políticas incentivam as pessoas a ficarem em uma situação cômoda, sem trabalhar. “Isso é característica dos regimes comunistas”, avalia. “Nós vivemos 13 anos de comunismo com o PT no governo.”

Ainda de acordo com o Instituto DataFolha, os manifestantes que participaram do ato na Avenida Paulista recebem, em média, entre 5 e 20 salários-mínimos. Dados divulgados pela Prefeitura de Bento Gonçalves mostram que Gustavo tem um salário de R$ 9.288,00 como cargo de confiança do Prefeito Guilherme Pasin (PP), o que equivale a 10 salários mínimos ou 120 Bolsas Família por mês. Gustavo se encaixa no perfil econômico levantado pelo Instituto DataFolha, em São Paulo.

NAS RUAS E NAS URNAS A maioria dos protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff foram articulados através do Facebook, com ação direta de movimentos como o Movimento Brasil Livre (MBL), Revoltados Online, Endireita Brasil e outras páginas de crítica aos governos petistas. O modus operandi se repete entre as páginas: geralmente são publicações que simplificam o noticiário político, incentivam as pessoas a compartilharem as informações e buscam atacar o PT de forma direta, geralmente através de caricaturas das figuras de Lula ou Dilma.

Para o cientista político João Ignácio Pires Lucas, da Universidade de Caxias do Sul (UCS), a direita se apropriou, em partes, do discurso das ruas de 2013 e se estabeleceu em protestos pelo impedimento de Dilma Rousseff, em 2015 e 2016. “O fenômeno do impeachment é difícil de medir como um fator isolado, talvez tenha começado ainda em 2013”, observa. O resultado da movimentação pelo impedimento de Dilma refletiu diretamente nas urnas, nas eleições municipais de 2016, com o crescimento expressivo da representatividade de partidos como o PMDB e o PSDB e o encolhimento do PT. De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o número de candidatos eleitos pelo PSDB cresceu 15,4% em relação ao pleito de 2012. Já o PMDB teve um crescimento de 1,4%, enquanto o PT encolheu 54%. Noutra hipótese, Pires Lucas deduz que o processo de impeachment começou ainda com o início do que ficou denominado de “Mensalão”, em 2005. Neste período, o PT perdeu votos dos setores médios e mudou sua base de governo, com a entrada do PMDB, ascendendo no projeto lulista. “Em 2014 começa acentuar-


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-se uma curva associada à crise e ao esgotamento das políticas sociais”, analisa.

VELHOS HÁBITOS O MBL, um dos principais articuladores dos protestos pelo impeachment, é um grupo que nasceu junto do Students for Liberty (SPL), organização estadunidense com representação em várias partes do mundo, sustentada por fundações de direita, como os Koch Brothers e os “libertarians”. A organização é representada no Brasil por meio do Estudantes pela Liberdade (EPL). De acordo com o diretor executivo do MBL, Juliano Torres, o movimento foi fundado como uma marca do EPL para ser possível receber doações de fundações, que são impedidas de doar recursos para ativistas políticos pela legislação americana. O depoimento de Torres foi extraído de reportagem da Agência Pública de Jornalismo Investigativo. O Movimento se apresenta como defensor da causa libertária. Ou seja, defende a minimização da participação do Estado na economia e a fundação de uma sociedade baseada, sobretudo, na meritocracia e no liberalismo econômico. Na investigação da Agência Pública de Jornalismo Investigativo, também fica evidente que o MBL não tem a pretensão de ser um partido político, mas apenas de influenciar nas decisões dos partidos ligados tradicionalmente à direita no Brasil, da mesma forma como age o grupo Tea Party, nos Estados Unidos. Em Caxias do Sul, o MBL se viu esfacelado após as eleições municipais de 2016. De acordo com o fundador do Movimento caxiense, Rodrigo Macedo Ramos, parte do grupo entendeu que seria inviável apoiar o PDT, partido que fez parte da coligação do candidato à prefeito Edson Néspolo. “Entendemos que o PDT é um partido socialista, por isso não apoiamos, e o MBL se dividiu”, argumenta Ramos. Ao contrário do rompimento em Caxias do Sul, em nível nacional o MBL se partidarizou e concorreu a cargos políticos

nas eleições municipais de 2016, abandonando o discurso apartidário que sustentou nos protestos pelo impeachment, no início do ano passado. De acordo com dados do Movimento, foram eleitos oito dos 45 candidatos apoiados, sendo um prefeito no interior de Minas Gerais, três vereadores em São Paulo, dois no Paraná e dois no Rio Grande do Sul. Os partidos que apresentaram maior número de filiações do MBL são o PSDB e o DEM.

A RUA É A MESMA A Avenida Osvaldo Aranha, que no dia 13 março estava dominada pelos protestos que reivindicavam o impedimento de Dilma Rousseff, no mês de outubro foi ocupada por estudantes secundaristas. O cenário também não é mais o marasmo típico de um domingo, mas o início de uma tarde de quarta-feira, 26 de outubro. O tráfego intenso e as buzinas foram substituídos novamente, agora por gritos contra o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 241 e pela democratização da reforma do Ensino Médio. O IFRS de Bento Gonçalves permaneceu ocupado por estudantes por algumas semanas entre outubro e novembro. Um dos jovens segurava um megafone e gritava: “Da PEC eu abro mão, quero mais dinheiro para a saúde e a educação”. Centenas de alunos acompanhavam em uníssono. A maioria segurava cartazes com reivindicações, alguns estavam com rostos pintados ou levavam caixões que representavam o enterro da educação pública no Brasil. Depois da caminhada, os manifestantes ocuparam a entrada do salão nobre da Prefeitura de Bento Gonçalves. Tábata Lerin, de 17 anos, participava do ato. Ela afirma que a aprovação da PEC 241 representa um retrocesso muito grande para a educação pública no Brasil, especialmente pelo longo período em que a medida ficará em vigor. “Estou aqui protestando pelas próximas gerações”, afirma. Da mesma opinião de Tábata, Kassyane Quevedo, de 17 anos, argumenta que os mais prejudi-

cados serão os que não podem pagar pela educação. “Esses vão sofrer mais”, prevê.

OCUPAÇÃO ORGANIZADA Victor Frainer, do Grêmio Estudantil do IFRS, passou uma semana sem ir para casa. Ele frisa a natureza pacífica da ocupação do Instituto e afirma que o debate entre os integrantes foi constante. “Se fazia autocrítica e votávamos diariamente a continuidade do movimento, com um dia de diferença. Se a maioria optava por continuar, continuávamos”, explica. O coletivo decidiu, por votação, não prejudicar as demais atividades do IFRS. No entanto, no entendimento de Frainer, se o protesto paralisasse o campus, ocupando de forma integral, a repercussão seria maior. “Nós decidimos em conjunto e a maioria optou por manter o ato pacífico”, observa. A busca dos jovens sempre foi por fortalecer a “intelectualidade orgânica” do movimento, de forma que cooptasse mais pessoas para apoiar a causa, tornan­do-a­ maior e mais eficaz. “Nós tomávamos cuidado para não deslegitimar o coletivo, porque, se não tivéssemos uma base forte, seria fácil corromper”, analisa Frainer. Mesmo assim, os atos não têm apoio de todos os estudantes e professores. Frainer diz que muitos jovens utilizam a educação pública, mas são a favor da PEC. “Não dá para entender como isso acontece”, comenta. Os manifestantes temiam que atores externos boicotassem os atos. Alunos do Ensino Superior também ofereceram apoio aos secundaristas. A estudante de licenciatura, Lydia Lacerda, afirma que buscava participar de todos os atos, e que sua turma se mobilizou para o cancelamento da aula para participar de algumas reuniões da ocupação. “Buscamos estar presentes”, observa.

SEM REPRESENTATIVIDADE Os estudantes do IFRS de Bento Gonçal-

IFRS SOB AMEAÇA O IFRS de Bento Gonçalves sofreu com uma redução de repasses federais nos últimos dois anos. De acordo com dados da Instituição, em 2015 o orçamento era de R$ 8,3, milhões. Em 2016, o valor reduziu 24% e os recursos repassados foram de R$ 6,2 milhões. A previsão para 2017 é que o repasse seja de R$ 5 milhões. Na opinião da diretora do campus, Soeni Bellé, a PEC não prejudicaria o IFRS, caso o teto fosse estabelecido no orçamento de dois anos atrás. Porém, com o corte de recursos federais, a Instituição fica comprometida. “Nós já estamos tendo que reduzir o número de funcionários terceirizados. Isso impacta principalmente nos trabalhadores da limpeza e nos demais contratos terceirizados”, argumenta. Para o diretor de extensão, Daniel Clós, o impacto maior será sentido nos próximos cinco anos. Ele observa que a medida pode prejudicar a compra de insumos para pesquisa, a abertura de novas vagas e até a inauguração de novos cursos. “Não é essa a solução para a economia”, opina.

ves afirmam que não se sentem representados por partidos políticos e que a ocupação não teve qualquer relação partidária, apesar de o movimento sustentar-se em ideais dos filósofos Antônio Gramsci e Karl Marx, tradicionalmente, ligados às ideias da esquerda comunista. De acordo com Frainer, se o movimento fosse partidarizado, perderia legitimidade. “As pessoas não acreditam mais nos partidos”, reitera. Em Caxias do Sul, há frentes de protesto que pedem a saída de Michel Temer, enquanto outras pedem a volta de Lula, como candidato nas eleições presidenciais de 2018. De acordo com a militância, na região, a organização se dá entre esquerda tradicional, comunistas e esquerda socialista, reproduzindo o cenário de disputas nacional. As frentes anarquistas são menos expressivas. Cada uma delas tem suas propostas e formas diferentes de encarar a conjuntura política. Porém, o descontentamento com o governo de Michel Temer e a oposição à PEC 241 são unânimes. Leonardo Cecchin é caxiense, militante do Movimento Revolucionário dos Trabalhadores (MRT) e colabora com o portal Esquerda Diário. Para ele, o rompimento da esquerda é reflexo de problemas pragmáticos, que compõem a forma de atuação dos movimentos sociais. “O pós-golpe já é difícil desde o início, porque nem todos os campos da esquerda estão unidos”, analisa. Ele explica que uma parcela considerável das frentes da esquerda se uniu nos anos 80 para formar o PT; porém, com a ascensão do partido ao governo federal, a unidade se esfacelou, resultando em grupos e movimentos favoráveis ao governo, enquanto outros se posicionaram contrários. “Nós do MRT consideramos que o impeachment foi golpe, mas não pelos mesmos motivos que o PT”, explica. Para Cecchin, o PMDB está fazendo as reformas que o PT gostaria de fazer.

CRÉDITO: LUCAS ARALDI

O repasse de recursos para o IFRS diminuiu 24% em 2016


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INTERNET

Navegar é preciso, arriscar-se não Eduardo Borile Junior | ebjunior1@ucs.br

A expressão utilizada no título identifica a capa da Cartilha de segurança para internet, desenvolvida pelo CERT.Br. Ela reforça que viver em um mundo conectado exige, como nunca, atenção e cuidado diante de golpes que se tornam comuns na rede CRÉDITO: BOSS FIGHT | CREATIVE COMMONS

O processo de globalização, associado à constante ascensão das tecnologias, impulsionou a tendência digital também na esfera criminal

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introdução de novas tecno­ lo­gias, fomentadas após o advento da internet, em 1969, originou comportamentos e ambientes antes não identificados na sociedade. Devido ao constante barateamento dos aparelhos, associado ao poder de compra facilitado, é natural que esse cenário se reflita na conduta e nas atitudes das pessoas. Diante do notório avanço, as informações são difundidas e compartilhadas mundialmente, em segundos. Essa volatilidade oferece acesso, inclusive, às fatias da população menos favorecidas economicamente, que entram em contato com a internet cada vez mais. Conforme dados apresentados na Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nos domicílios brasileiros 2016 (TIC Domicílios), 102 milhões de brasileiros têm acesso à internet. Entretanto, a gama de riscos é compatível com o volume de informações e pessoas que navegam na rede. A incidência de ataques é alta no Brasil, conforme expressa o especialista em Tecnologia da Informação (TI) Luiz

Kuyava. “Quase 80 mil ataques são registrados diariamente em território nacional, ou seja, equivalente a 55 pessoas vítimas de crimes virtuais por minuto”, afirma Kuyava.

DISCRETOS E SILENCIOSOS Os códigos maliciosos ou malwares são os principais causadores de golpes e crimes de internet. É por meio desses programas, desenvolvidos especificamente para executar ações danosas, que os criminosos digitais agem. Uma vez instalados, esses códigos têm acesso aos dados armazenados nos computadores e podem executar ações em nome das vítimas, inclusive, aumentando o raio da contaminação. De acordo com o engenheiro de softwares Pedro Bocchese, os crimes mais cometidos na atualidade utilizam programas trojan, para roubar informações sensíveis dos usuários. Essas aplicações, geralmente, não vêm sozinhas, o que dificulta sua identificação. Os códigos maliciosos

são discretos. Eles executam funções para as quais foram aparentemente projetados; no entanto, também executam outras funções sem que o usuário tenha conhecimento. “Cada dia temos novas invasões e ameaças, assim, não podemos ter certeza se navegamos em um ambiente totalmente seguro, ainda mais em dispositivos móveis”, exemplifica Bocchese. A empresa Symantec Security Response, uma equipe mundial de engenheiros de segurança da informação, analistas de ameaças cibernéticas e pesquisadores das mais recentes ameaças digitais, descobriu cerca de 430 milhões de tipos de malwares em 2015. Segundo relatórios divulgados anualmente pela empresa, a constatação enfatiza o aumento exponencial das ameaças. “Por

Cerca de 55 pessoas vítimas de crimes virtuais por minuto, no Brasil

incrível que pareça, os números não nos supreendem mais. Ataques contra empresas e países ocupam manchetes com tamanha regularidade que não nos impressionamos mais com o número elevado e a aceleração das ameaças cibernéticas”, aponta o relatório.

OCEANO DE AMEAÇAS O Relatório de ameaças à segurança na internet, da Symantec, revela que, ao menos uma nova vulnerabilidade foi detectada por semana no mundo, em 2015. Meio bilhão de registros pessoais foram roubados ou perdidos. Falhas de segurança são identificadas em, praticamente, todos os sites disponíveis na Internet. Campanhas de phishing contra funcionários (tipo de golpe onde tenta-se obter dados pessoais e financeiros pela utilização combinada de meios técnicos e engenharia social) aumentaram em 55% no último ano, o que evidencia que os ataques cibernéticos têm sido impiedosos.


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A incidência de ransomware (malware que blinda os sistemas infectados e exige um valor financeiro para que o acesso seja reestabelecido) aumentou 35% em 2015. De acordo com a Symantec, os criminosos cibernéticos usam criptografia (utilizada, geralmente, para autenticar a identificação de usuários em transações bancárias), para acessar dados importantes de empresas e indivíduos. Conforme o gestor de TI Rafael Kurmann, a ameaça pode estar escondida onde menos se espera. “Os sites mais acessados são, diariamente, vítimas de ataques. A maioria dos adwares (programas projetados, especificamente, para apresentar propagandas) são prejudiciais”, relata Kurmann. A professora universitária Fabiane Galafassi alerta para as promoções duvidosas. “Normalmente golpes vêm acompanhados de ofertas com ‘benefícios’ e facilidades”, recorda Fabiane. Ainda de acordo com a Symantec, foram interceptados 100 milhões de golpes de falso suporte técnico (caracterizado quando os criminosos cibernéticos convencem as vítimas a depositarem valores por telefone). “Cada vez mais empresas deixam de relatar a extensão total das violações de seus dados”, critica o relatório da empresa de tecnologia. Segundo o coordenador do curso de Ciência da Computação, da Universidade de Caxias do Sul, Daniel Notari, os usuários não estão alheios aos golpes digitais, pois muitas vezes eles sequer são identificados. “Normalmente, tem-se conhecimento do ataque quando uma movimentação financeira já foi realizada, por exemplo, em uma conta corrente ou em cartão de crédito”, considera Notari. O especialista em TI Luiz Kuyava, acredita que, independentemente do conteúdo acessado, o usuário sempre vai estar vulnerável de alguma forma. Ele compara o risco de estar exposto na internet com golpes de engenharia social. “É como encontrar um desconhecido e preencher uma ficha com todos os dados, pessoais, profissionais, econômicos e financeiros”, ilustra Kuyava.

SENHAS E LOGINS

de autenticação: aquilo que você é (informações biométricas, como a impressão digital, a palma da mão, a voz ou o olho), aquilo que apenas você possui (como o cartão de senhas bancárias e token gerador de senhas) e, finalmente, aquilo que apenas você sabe (como perguntas de segurança e senhas)”, apresenta a Cartilha. Assim, as senhas, ou passwords, são os principais mecanismos de autenticação utilizados na internet. Portanto, devido à simplicidade que possuem correm risco potencial. “Uma senha forte é aquela que é difícil de ser descoberta e fácil de ser lembrada. A troca deve ocorrer conforme a necessidade e o prazo ideal é a cada 60 ou 90 dias”, indica Rafael Kurmann. Luiz Kuyava alerta que os cuidados devem ser maiores quando o acesso ocorre em computadores públicos. “Quando se utiliza máquinas acessadas por mais de uma pessoa, é recomendado usar senhas complexas. Alterações frequentes garantem maior confidencialidade”, aconselha Kuyava. “Uma senha ideal é composta por mais de oito caracteres, sendo eles especiais, maiúsculos, minúsculos e números. É importante evitar informações previsíveis, como data de nascimento, por exemplo”, recomenda Daniel Notari.

O usuário será sempre o alvo; portanto, não há como garantir segurança total na internet

Entretanto, o gerenciamento de controle torna-se inútil, caso o usuário, considerado o elo mais fraco de todo o processo, perca, compartilhe com outras pessoas ou deixe a própria senha em locais públicos.

MARCO CIVIL DA INTERNET A Constituição Brasileira tem apenas quatro leis que tratam do termo internet. A primeira que apresentou a palavra tem cerca de uma década. A Lei 11.341, sancionada em 7 de agosto de 2006, alterou o parágrafo único do art. 541 do Código de Processo Civil (Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973), para admitir as decisões disponíveis em mídia eletrônica. Ela estabeleceu que provas obtidas da internet poderiam, a partir de então, ser utilizadas para divergência em processos jurídicos. Na sequência, a Lei 11.829, de 25 de novembro de 2008, alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 13 de julho de 1990), para aprimorar o combate à produção, venda e distribuição de pornografia infantil. A legislação também criminaliza a aquisição e a posse de tal material, assim como condutas relacionadas à pedofilia na internet. Por sua vez, a Lei 12.686, de 18 de julho de 2012, normatizou a divulgação de documentos institucionais produzidos em língua estrangeira, nos sites e portais da internet mantidos por entidades e órgãos públicos. No entanto, até então, a legislação não havia abordado o tema de forma específica. Até que, em 23 de abril de 2014, a Lei 12.965, conhecida como Marco Civil da Internet, estabeleceu princípios, garantias, direitos e deveres

para o uso da internet no Brasil. “Ele foi desenvolvido para neutralizar o conteúdo da rede, no entanto não é o suficiente”, opina Kurmann. A legislação que foi regulamentada por meio do Decreto 8.771, de 11 de maio de 2016, ainda enfrenta dificuldades, diante da lacuna de conteúdo dessa natureza, existente na Constituição Nacional. “É necessário definir melhor o papel do Marco Civil, englobando todos os usuários, pois o respaldo das Leis ajuda a manter a privacidade; no entanto, os danos podem ser irreparáveis”, acrescenta o gestor de TI.

É necessário definir melhor o papel do Marco Civil da Internet Se faltam leis para regulamentar uma prática responsável na internet, sobram motivos para reforçar o papel do usuário, ao acessar a rede mundial de computadores. “Não precisamos de leis, mas, sim, de bom senso e cuidado ao utilizar a internet”, opina o professor Daniel Notari. O especialista em TI Luiz Kuyava acredita que, por mais que existam leis, sempre existirão infratores; atento ao navegar na rede. “O usuário será sempre o alvo, visto que a internet, em si, não tem um proprietário, que estabelece o que é, ou não, confiável. Os ataques podem diminuir, mas não vão perder o foco. Mesmo com leis, não se pode garantir a total segurança na navegação”, conclui Kuyava.

Dicas de segurança

Especialistas que colaboraram com a reportagem estruturaram dez dicas para minimizar riscos e danos causados pela insegurança, na rede mundial de computadores: 1. atualize as senhas regularmente; 2. não preencha formulários de origem duvidosa;

Para dificultar o acesso indevido a informações, especialistas na área de segurança da informação estruturam mecanismos específicos para garantir uma única identificação ao acessar determinado computador, programa ou aplicação. A construção de usuário e senha, por exemplo, não é mediada por um critério padrão, visto que pode ser qualquer sequência de caracteres que permitam a identificação instantânea. Entretanto, para garantir que ela seja usada apenas por quem detém seu controle, existem alguns mecanismos de autenticação. Conforme a Cartilha de segurança para internet, desenvolvida pelo CERT. Br, geralmente, é necessário passar por três camadas básicas de legitimação de dados, antes de ter sucesso em uma invasão, por exemplo. “São três grupos básicos de mecanismos

3. não compartilhe informações pessoais nas redes sociais; 4. Nnão acesse redes sem fio em estabelecimentos comerciais; 5. leia bem os contratos antes de fazer o download de softwares e aplicativos; 6. mantenha os softwares da sua estação de trabalho sempre atualizados; 7. não clique em links de procedência duvidosa, independentemente da fonte emissora; 8. pesquise nos sites de compras, antes de finalizar um pedido. Muitos são golpistas; 9. informe-se, pesquise e compartilhe informações com profissionais especializados. Atualizar-se sobre novas ameaças, e pedir dicas para evitar danos, nunca é demais; 10. respeite os limites. A curiosidade pode resultar em danos irreversíveis e irreparáveis.


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SOCIEDADE

Imigrantes sofrem com desrespeito Ângela Salvallaggio | azsalvallaggio@ucs.br Franciane Peracchi | fperacchi@ucs.br Gabriela Fiorio | gfiorio@ucs.br

Os imigrantes vêm sendo motivo de discriminação ao longo dos anos e, na cidade de Caxias do Sul, não é diferente. Ao todo, no Brasil, são mais de 300 casos de preconceito registrados por ano, um número elevado e preocupante CRÉDITO: ÂNGELA SALVALLAGGIO

ESPAÇO PARA FOTO

Imigrantes senegaleses, sempre em grupo, vendem seus produtos no centro de Caxias, convivendo com moradores da cidade

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Organização das Nações Unidas (ONU) afirmou, no início de 2016, um aumento alarmante nos discursos de ódio e xenofobia; aumento de casos de intolerância; visões racistas e violência causada pelo preconceito. O Escritório das Nações Unidas de Direitos Humanos também afirmou que “houve muito pouco progresso no mundo, para combater o racismo e a xenofobia”. Mas o que é xenofobia? Do que se trata? Xenofobia é entendida como hostilidade, receio, medo ou rejeição direcionados a quem não faz parte do local onde se vive ou habita. Com a candidatura de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos da América, o mundo passou a saber o que é discurso xenofóbico, e que efeitos causa na sociedade atual. Com características rudes, agressivas e destem e fez também muitos simpatizantes. Donald Trump teve, como principal ponto de sua campanha, a suspensão temporária da entrada de muçulmanos nos EUA e a construção de um muro na

fronteira do país com o México. Ele alega que a fronteira facilita a entrada de estupradores e criminosos para o país norte-americano. Essas duas propostas foram suficientes para gerar uma grande discussão, pois pessoas se disseram chocadas com os ideais do candidato à presidência, mas um número elevado de apoiadores, que Trump conquistou, também chamou a atenção.

Houve muito pouco progresso no mundo para combater o racismo e a xenofobia Infelizmente, não é apenas o candidato à presidência dos Estados Unidos que profere, aos quatro ventos, suas injúrias raciais, sociais e étnicas. Em Caxias do Sul, inclusive, já houve casos de xenofobia estampados nos jornais da cidade,

que desmascararam e trouxeram a público a real situação de desemprego e quase miséria dos imigrantes da Serra. Segundo a coordenadora do Centro de Atendimento ao Migrante (CAM) de Caxias do Sul, Irmã Maria do Carmo, muitos casos de preconceito e xenofobia são relatados a ela, quase todos os dias. “Vários imigrantes me contam que muitas vezes percebem olhares rudes nas ruas, e que há casos em que são mal-atendidos no comércio, além de sofrerem agressões verbais”, explica a coordenadora. São muitos os imigrantes que sofrem na Serra, principalmente os vindos do Senegal, Haiti, Islã e até mesmo os castelhanos, vizinhos do Brasil, que deixaram, contra a vontade, o País de origem e buscam oportunidades de sobrevivência e de construção de uma nova vida no Rio Grande do Sul. São cerca de 3 mil imigrantes em Caxias do Sul e ao todo na Serra são 10 mil. Irmã Maria do Carmo também ressalta que, em um momento como este, em

que tudo e todos estão interligados e conectados no mundo, as pessoas não deveriam praticar esse tipo de ofensa e desrespeito. “O Facebook é o aplicativo mais usado para realizar agressões aos imigrantes, principalmente por meio de comentários ofensivos em fotos e publicações. Isso é inadmissível”, relata a Irmã.

O DISCURSO MANIPULADOR A xenofobia explícita é facilmente reconhecida por meio de ofensas e atos de violência. Contudo, o ódio aos estrangeiros também está velado em discursos jornalísticos, em pronunciamentos de autoridades políticas, até mesmo em produtos de entretenimento. Assim, o pensamento xenófobo é disseminado, sem que o público perceba a real intenção do texto. O candidato à Casa Branca Donald Trump é, atualmente, o símbolo máximo do preconceito aos imigrantes no mun-


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do. Com a proposta de erguer um muro na fronteira com o México, alegando que os mexicanos residentes no Estados Unidos são criminosos, o magnata representa a fala abertamente xenófoba. Juntando-se a Trump, está o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Órban, que critica firmemente a entrada de refugiados no continente europeu. Na busca por apoio de seus compatriotas, Órban afirma que a autorização do asilo para as famílias imigrantes, em sua maioria sírias, é uma ameaça ao emprego dos húngaros.

Segundo dados da Secretaria Especial de Direitos Humanos, foram recebidas 330 denúncias de xenofobia, no último ano, 633% maior em relação a 2014 Em setembro, o Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos Zeid Ra’ad Al Hussein, mostrou-se revoltado com os atos repressivos da polícia húngara contra os refugiados. Em seu comunicado, ele afirmou estar “indignado com as ações insensíveis e, por vezes, ilegais das autoridades húngaras. “ Pisando em solo brasileiro, o mito de país acolhedor se desconstrói. Segundo dados da Secretaria Especial de Direitos Humanos, foram recebidas 330 denúncias de xenofobia, no último ano, 633% maior em relação a 2014. O Escritório das Nações Unidas de Direitos Humanos declarou, em 21 de março deste ano, no Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, que o mundo “está a ver líderes políticos, pessoas públicas e até mesmo a imprensa a estigmatizar e a culpar os

imigrantes, refugiados e estrangeiros, de uma forma geral”, pelos problemas.

CRÉDITO: GABRIELA FIORIO

“Há sempre uma forma de desvelar certas construções que nos são transmitidas, nas quais não prestamos atenção por se ligarem a discursos, de certa forma, autorizados na sociedade” Para a professora de Leitura e Escrita, na Universidade de Caxias do Sul, Fabiana Kaodoinksi, o discurso preconceituoso procura apresentar a classe dominante como vítima e a dominada como culpada. “Eu penso que isso está relacionado ao preconceito, por exemplo, ligado aos imigrantes senegaleses e haitianos na região serrana.” Ainda segundo a professora, as manipulações implícitas no texto muitas vezes não são notadas por serem permitidas socialmente. “Há sempre uma forma de desvelar certas construções que nos são transmitidas, nas quais não prestamos atenção por se ligarem a discursos, de certa forma, autorizados na sociedade.”

COMUNICAÇÃO E CIDADANIA O município de Flores da Cunha recebeu os primeiros migrantes haitianos no em 2012. Atualmente, são 150 haitianos residindo na cidade e 80% deles empregados em fábricas locais, de acordo com dados da Prefeitura Municipal. Nos anos de 2013 e 2014, quando a vinda dos imigrantes aumentou consideravelmente na cidade, a Secretaria de Desenvolvimento Social, através do Centro de Referência em Assistência

Social (Cras), criou o projeto Comunicação e Cidadania, que oferecia aulas de Língua Portuguesa aos haitianos.

se sentem mais acolhidos e podem se tornar entes produtivos, o que realmente aconteceu.

Conforme a coordenadora do Cras, Danielle Izé Balsemão Valentini, o projeto foi criado a partir de grande demanda de haitianos residentes na cidade e que não estavam conseguindo se comunicar. Ela ressalta que, dessa forma, eles

As aulas foram encerradas no final de 2014; não retornaram à ativa, pois poucos haitianos retornaram ao município, após esse período.

Refugiados x imigrantes O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), conhecido como Agência da ONU para Refugiados, destaca a diferença de significado entre os termos refugiados e imigrantes. Segundo o ACNUR, refugiados são pessoas que “escaparam de conflitos armados ou perseguições”. Ao cruzarem as fronteiras para buscar proteção nos países mais próximos, tornam-se refugiados reconhecidos internacionalmente e têm direito à assistência dos Estados, do próprio órgão e demais organizações. Já os imigrantes saem de sua pátria por escolha,

não por causa de ameaças de morte ou perseguição; eles migram em busca de melhores condições de vida. Ao contrário dos refugiados, que não podem voltar ao seu país, os imigrantes permanecem com a proteção de seu governo. Para o Acnur, é importante fazer essa distinção devida a razões legais, pois os imigrantes são tratados pelos países aos quais se deslocam, conforme a legislação nacional, enquanto os refugiados têm garantidas normas de refúgio e proteção, em âmbito internacional.


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MAIORIDADE PENAL

Adolescência atrás das grades Ronaldo Velho Bueno | rvbueno@ucs.br

Redução da maioridade penal divide opiniões entre brasileiros e deixa no limbo os 23 mil adolescentes que cumprem medidas socioeducativas no País. Educadores sociais temem que essa medida desmonte o Estatuto da Criança e do Adolescente CRÉDITO: TITTI MARAVILHA

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rasília, agosto de 2015. O então presidente da Câmara dos Deputados – e hoje prisioneiro – Eduardo Cunha (PMDB-RJ) comandava uma das sessões parlamentares mais tumultuadas dos últimos anos: a votação da Proposta de Emenda à Constituiçãoda maioridade penal (PEC). O texto, aprovado com 320 votos favoráveis e 152 contrários, previa reduzir de 18 para 16 anos a idade mínima para o encarceramento no País. O projeto seguiu para o Senado, mas não avançou desde então. Com o prosseguimento do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, a pauta do Congresso Nacional ficou obstruída, deixando no limbo da incerteza os mais de 23 mil jovens infratores, que cumprem medidas socioeducativas no Brasil. Conforme a página da Agência Senado na internet, a Comissão de

Constituição e Justiça da Casa (CCJ) mantém, em fase de análise, quatro projetos semelhantes, que tratam sobre a redução da maioridade penal. Ainda não há previsão para a votação das matérias.

PROJETO POLÊMICO A proposta de diminuir a idade mínima para o encarceramento segue dividindo opiniões nas ruas, e aquecendo o debate entre entidades representativas da sociedade civil. De um lado, há o argumento de que a redução da maioridade penal contribuiria para a diminuição dos índices de criminalidade. Por outro, há o entendimento de que a proposta representaria um retrocesso nas políticas públicas de proteção aos jovens, consolidadas em 1990 pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A comerciante Claudia Dutra, que trabalha em uma loja de artigos populares, no Bairro São Pelegrino, defende a medida aprovada pelos deputados federais. Vítima de 14 roubos ao seu estabelecimento, somente nesta década, ela acredita que os crimes hediondos – como assassinatos e estupros – não podem ser punidos com medidas socioe­ ducativas. “Eles podem votar e decidir o futuro do país, mas não podem pagar pelos seus erros?”, questiona a lojista. “Ressocialização tem que ser feita com punição exemplar. Não se pode passar a mão na cabeça. Quem comete crime precisa pagar atrás das grades”, opina. Já o pedagogo Claudio Santos, em contrapartida, acredita que o encarceramento precoce sepultaria as chances de ressocialização dos jovens infratores. “É como jogar esses adolescentes em verdadeiros campos de extermínio. Nossos

presídios não têm as mínimas condições de reabilitar os jovens para o convívio em sociedade. Seria uma tragédia, um retrocesso”, afirma Santos, que atua no setor de orientação pedagógica de escolas da rede estadual.

Jovens respondem por menos de 1% dos homicídios Os dados do Ministério da Justiça corroboram a visão do pedagogo e contrapõem o argumento de que os jovens sejam os atores responsáveis pelos elevados índices de criminalidade. De acordo com levantamento feito em 2015, os adolescentes respondem por menos de 1% dos casos de homicídios no país.


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TEXTANDO RETROCESSO SOCIAL Criado na década de 90 com a finalidade de articular as políticas públicas voltadas à juventude em Caxias do Sul, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (COmdica) enxerga com preocupação a possibilidade de jovens de 16 anos serem encaminhados a penitenciárias. Em abril deste ano, o colegiado lançou um manifesto público repudiando a PEC 171/93, que trata sobre o assunto. A presidente do Comdica, Raquel Ivanir Marques, acredita que a redução é sinônimo de criminalização da juventude. “Não podemos responsabilizar nossas crianças e adolescentes pelo aumento da criminalidade. Precisamos vencer as causas da violência, e isso se faz com políticas públicas. Incluir adolescentes no sistema prisional irá agravar a violência, além de penalizar duplamente aqueles que não tiveram seus direitos assegurados por parte da família, da sociedade e do Estado, como preconiza a Constituição de 88”, ressalta. Raquel Marques enfatiza que a lei brasileira já responsabiliza os adolescentes que cometem atos infracionais, como furtos, roubos e homicídios, através do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). Ela também destaca que os países que optaram pela redução da maioridade penal voltaram atrás, como é o caso de Itália, Espanha e parte dos Estados Unidos.

Em Caxias do Sul, os jovens infratores cumprem as medidas socioeducativas no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case). O diretor da unidade, Pedro Falkenbach, destaca que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê diversos tipos de intervenção. “O artigo 112 do ECA permite desde a internação do adolescente, como medida de privação de liberdade, até advertências, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida e semiliberdade”, enumera Falkenbach.

”Jogar adolescentes nos presídios é equivalente à pena de morte” A opinião do Comdica também é compartilhada por entidades de cunho religioso, como é o caso da Pastoral Carcerária. O órgão, que mantém parcerias com ONGs nacionais e internacionais, encara a PEC da maioridade penal como um retrocesso histórico. A articuladora da pastoral no Rio Grande do Sul, Imã Imelda Jacoby, afirma que o projeto é cruel e irresponsável. “Reduzir a idade mínima penal isenta o Estado de suas responsabilidades perante os jovens. A ressocialização nos cárceres é uma farsa. Jogar adolescentes nos presídios é

Negros, pobres e sem formação O Brasil concentra a quarta maior população carcerária do mundo, ficando atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia. Em dezembro de 2014, o País concentrava 622.202 pessoas presas. O número, que corresponde a oito Maracanãs lotados, foi revelado no início deste ano, no mais recente relatório divulgado pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen). Em relação à taxa de encarceramento geral (número de pessoas presas por grupo de 100 mil habitantes), o Brasil se encontra na sexta colocação mundial. São 306,2 detentos a cada 100 mil habitantes. O país é ultrapassado apenas por Ruanda, Rússia, Tailândia, Cuba e Estados Unidos. O estudo, que traz dados estatísticos sobre as casas prisionais do País, também revela o perfil socioeconômico dos detentos. Os jovens são maioria: 55% dos presos brasileiros têm entre 18 e 29 anos. Em relação ao perfil étnico, 61,6% são negros. No que diz respeito à escolaridade, o estudo revela que muitos detentos cursaram apenas as séries iniciais: 75,08% não passaram do Ensino Fundamental. Conforme o Ministério da Saúde, pessoas privadas de liberdade têm, em média, chances 28 vezes maiores do que a população em geral de contrair doenças como tuberculose. A taxa de prevalência de Aids entre a população prisional era de 1,3% em 2014, enquanto entre a população em geral era de 0,4%.

equivalente à pena de morte”, enfatiza a religiosa.

MÚSICA E CIDADANIA O hip hop como alternativa pedagógica em busca da cidadania. Essa é a premissa do Poetas Divilas, projeto social que atua em bairros da periferia de Caxias do Sul. Fundado há 19 anos pelos MCs Chiquinho e Paulista, o grupo ministra oficinas de hip hop nas comunidades com alto índice de vulnerabilidade social, em escolas públicas, centros de detenção para jovens e nas casas prisionais da cidade. O objetivo é proporcionar um espaço de lazer e espalhar a cultura de paz. O coletivo também promove eventos beneficentes, como festas de Páscoa, Dia das Crianças e Natal. O educador social Chiquinho Divilas, um dos idealizadores do projeto, acredita que a música é uma ferramenta de ressignificação identitária para os jovens. “Nossas escolas não educam. Nossos jovens não têm interesse nesse modelo, pois aprender em uma sala de aula com o mesmo quadro que alfabetizou minha avó não faz sentido. Precisamos de políticas públicas para as periferias, além de novas ações educativas e de atenção à juventude”, afirma. Morador da Zona Norte de Caxias do Sul, Chiquinho Divilas – nome artístico

de Jankiel Francisco Claudio – passou a infância em uma das regiões mais violentas da cidade, a divisa dos bairros Marechal Floriano e Euzébio Beltrão de Queiróz. Depois de vencer a batalha contra as drogas, o rapper encontrou na música um instrumento para transformar vidas. É autor de um jingle contra a redução da maioridade penal, por entender que a medida colocará em risco as futuras gerações.

”Reduzir a maioridade penal é mirar no efeito, e não nas causas da violência” Em trabalho realizado na Penitenciária Industrial de Caxias do Sul (PICS), denominado “Hip Hop além das grades”, gravou um videoclipe com os detentos. O estúdio foi levado para dentro da casa prisional e os participantes receberam certificados. O primeiro para a maioria deles. “O Estado não educa, mas cobra. Foucalt já falava isso no livro Vigiar e punir. Eu, que atuo em praticamente todas as instituições, da liberdade assistida ao presídio de segurança máxima, posso afirmar: reduzir a maioridade penal é mirar no efeito, e não nas causas da violência”, finaliza.

CRÉDITO: TITTI MARAVILHA


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SOCIEDADE

Uma nova vida na velhice Gabriela Fiorio | gfiorio2@ucs.br

De acordo com projeções das Nações Unidas “uma em cada nove pessoas no mundo tem 60 anos ou mais, e estima-se um crescimento de um em cada cinco”. Em Flores da Cunha, os novos idosos celebram a vida em grupos de convivência CRÉDITO: ASSESSORIA DE IMPRESA/PREFEITURA DE FLORES DA CUNHA

Festa Junina do Projeto Conviver reúne idosos em uma comemoração animada

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om o intuito de incentivar a qualidade de vida e o envelhecimento saudável das pessoas ,a partir de 60 anos, o Município de Flores da Cunha, na Serra gaúcha, proporciona diversas atividades de integração aos idosos, trabalhando um conceito amplo de saúde. De acordo com projeções das Nações Unidas (ONU), “uma em cada nove pessoas no mundo tem 60 anos ou mais, e se estima um crescimento de uma em cada cinco por volta de 2050”. No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), essa faixa etária será maior do que o grupo de crianças com até 14 anos já em 2030 e, em 2055, a participação de idosos na população total será maior do que crianças e jovens com até 29 anos. Flores da Cunha tem dois grupos de convivência: Semear e Conviver. Os projetos da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social têm como objetivo a convivência e o fortalecimento de vínculos sociais e comunitários, além de incentivar a autonomia e melhoria das condições físicas gerais. De acordo com o chefe da pasta, Ricardo Espíndola, os grupos, que atendem aproximadamente

400 idosos, são muito importantes para a comunidade florense. “Temos que valorizar nossos idosos para podermos crescer como sociedade”, destaca. Semanalmente, os grupos se reúnem e realizam atividades físicas, como alongamento e dança, além de participarem de jogos, palestras, orientações, grupos de conversação e passeios turísticos. A coordenadora do projeto Conviver, Lígia Pedron Vanelli, sente-se orgulhosa em realizar essa função. “Há seis anos sou coordenadora e faço isso com muito amor. É uma troca de carinho e de amizade. Aqui a gente é muito feliz”, afirma.

NOVIDADES ESTÃO POR VIR Lígia, juntamente com o secretário de Desenvolvimento Social, estão planejando uma viagem à praia. “Estamos ouvindo sugestões de lugares que nossos idosos gostariam de visitar e a maioria não conhece o mar”, destaca Espíndola. O Município de Flores da Cunha está, a cada ano, mais engajado em proporcionar melhor qualidade de vida aos idosos da cidade. Desde 2015, foi instituída a Semana Municipal do Idoso, quando

diversas atividades são realizadas. Outra iniciativa é a instalação de academias de saúde ao ar livre nos espaços de convivência, proporcionando bemes­tar gratuitamente. O prefeito, Lídio Scortegagna, destaca a importância dos investimentos. “Espaços adequados para a prática esportiva resultam em qualidade de vida para a população. Criar e revitalizar locais destinados ao lazer e à convivência comunitária são prioridades de nossa gestão”, comenta. Olandina Marostica, 77 anos, frequenta diariamente a academia na Praça Nova Trento. “Enquanto minha saúde permitir vou me exercitar todas as manhãs. É muito bom e o dia rende muito mais. Quem ainda não faz deveria começar”, incentiva, sorrindo, a dona de casa. Segundo o IBGE, 80% dos brasileiros são sedentários. A falta, redução ou ausência de atividades físicas, no dia a dia é considerada sedentarismo, e o mal já é caracterizado como a doença do século. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a inatividade é responsável pela morte de 3,2 milhões de pessoas a cada ano no mundo. Se

continuar em crescimento, em 2030 esse número passará a 23,3 milhões.

Academias ao ar livre em Flores da Cunha Praça Nova Trento Praça do Imigrante Bairro União Travessão Alfredo Chaves Bairro São José Bairro São Gotardo


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SOCIEDADE

O idoso e sua vida no asilo Joeldine Andrade | jmandrade1@ucs.br

O envelhecer é um estado natural do ser humano, o tempo não para, a vida passa depressa e, não mais que de repente ,nos tornamos idosos. É nesse estágio da vida que, muitos de nós, por razões conhecidas ou não, vamos parar no asilo CRÉDITO: JOELDINE ANDRADE

A VIDA NO ASILO

E

les já não têm a força e a agilidade de um garoto. Também não têm a memória de um estudante ou a pele de um bebê. Mas sobram experiências e lições de vida na história de qualquer um dos 70 idosos que formam a família Lar São Francisco de Assis, de Caxias do Sul. Quando ouvimos a palavra “asilo”, “lar para idosos” ou “casa de repouso”, inconscientemente pensamos em palavras como: “crueldade”, “abandono” e “tristeza”. Porém, nem sempre é assim. Existe o mito de que ao falarmos em asilo ou seus sinônimos, estamos falando de algo cruel, quase desumano.

Há 12 anos Rosa de Britto Rodrigues, 79 anos, decidiu deixar a casa em que morava no bairro Kayser e ir para o Lar. Ela apostava que na nova moradia não ficaria mais sozinha, faria amigos e não incomodaria o único filho que a visitava com frequência. Embora tenha dado à luz e criado quatro filhos, apenas um deles mantém contato constante com a mãe. O filho mais velho foi para São Paulo há 25 anos, e nunca mais enviou notícias. Outro foi para o Rio de Janeiro, onde casou, constituiu família e o contato com a mãe diminuiu. O mais novo dos quatro nasceu com deficiência mental e viveu até os 37 anos.

É preciso desmistificar a imagem de lar, casa de repouso como lugar de maus - tratos. Infelizmente, há sim casas abertas somente para arrecadar dinheiro e que não estão preocupadas com o bem estar de seus moradores. No entanto, muitos dos asilos possuem essa preocupação. É o caso do Lar São Francisco. Dos 70 moradores que lá residem atualmente, a maioria não tem mais família ou foi abandonado pela mesma, uma realidade dura e triste, mas que é contornada pelo amor e carinho que os profissionais do Lar, voluntários e visitantes trazem para os velhinhos.

Dois anos depois do falecimento do filho caçula, Rosa também perdeu o marido. Começou a entrar em depressão, pois havia perdido o esposo e o filho a quem se dedicara dia e noite durante toda a vida. “Amo esse lugar, não quero sair daqui por nada. Vim porque quis, aqui não incomodo ninguém. Para mim foi a salvação”, comenta Rosa.

O Lar da Velhice São Francisco de Assis é uma sociedade civil e sem fins lucrativos. Fundada em 1960, tem como prioridade básica dar atendimento a idosos, homens e mulheres, desamparados e pobres, que não têm como viver em suas famílias. Os moradores recebem da instituição habitação, alimentação, vestuário, assistência médica, dentária, farmacêutica, psicológica e assistencial.

Depois que entrou para o Lar, Rosa viu sua vida ganhar outra fonte de felicidade. Dentre dezenas de idosos, há vários com deficiências e que precisam de cuidados especiais. Rosa é quem primeiro se voluntaria para ajudar. Ela considera Aurélio, 65 anos, um filho. Portador de paralisia infantil, Aurélio necessita de ajuda até para se alimentar. “Sinto que estou dando café para o meu filho deficiente. Essa é a forma que encontrei para amenizar a saudade que sinto”, emociona-se. O bem que o Lar proporciona aos idosos vai além de suas paredes. Ênio

Rosa Rodrigues, moradora do Lar São Francisco de Assis Rodrigues, filho que visita Rosa semanalmente, não tem dúvidas sobre a felicidade dela. Ele revela que não sabia que a mãe havia procurado o asilo, mas passou a aceitar a ideia quando flagrou Rosa caída em casa, sem ninguém para socorrê-la. “Se ela ainda estivesse em casa, não estaria mais viva. Ela tem diabete, pressão alta e mais um monte de doenças”, lista Ênio, aposentado. A dedicação da mãe em criar os filhos é reconhecida por Ênio. Faça chuva ou faça sol, todos os fins de semana ele vai até o Lar visitar Rosa. Em cada encontro, ele se surpreende com a dedicação dos funcionários com sua mãe. São enfermeiros, médicos, fisioterapeutas e dentistas que prestam assistência sempre que necessário. Além disso, as amizades seladas com os outros idosos fazem com que Rosa ame cada vez mais

o lugar. É preconceito pensar que a vida do idoso no asilo será cruel; o relato de Rosa e Ênio nos prova o contrário. Crueldade é envelhecer em um país que não tem oferta de leitos suficientes para todos os idosos que deles necessitam. O Brasil tem, hoje, pouco mais de 5.500 instituições, sendo apenas 238 delas públicas, e a maioria de origem filantrópica. É lógico que, para o idoso, é sempre melhor ficar com a família, mas caso essa não seja uma opção viável, é necessário ter todo cuidado na escolha de um novo lar para esse velhinho; afinal, envelhecer é inevitável e muitas vezes um processo delicado e doloroso. A finitude significa o término de ação no mundo, e ir para o asilo pode ser o nosso destino. É lá que o olhar triste, de quem muitas vezes foi abandonado, contrasta com o olhar feliz de quem encontrou um novo lar!

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EDUCAÇÃO

Escola sem partido, movimento que divide opiniões Patrícia de Cesaro | pcguilherme@ucs.br

A proposta do movimento é que seja afixado, na parede das salas de aula de todas as escolas do País, um cartaz, com os deveres dos professores: foram criadas seis normas, e esse programa ganha defensores e críticos desde seu lançamento CRÉDITO: PATRÍCIA DE CESARO

Alunos do Instituto Federal Campus Farroupilha se reúnem para debater sobre escola sem partido

O

movimento “Escola sem partido”, que representa pais e estudantes nas salas de aulas brasileiras, existe desde 2010; porém, somente em 2015, as polêmicas começaram a surgir, desde que Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e o Congresso Nacional começaram a projetar leis sobre este caso. O programa ganha defensores e críticos desde seu lançamento e surgiu como uma reação contra práticas no ensino brasileiro, que alguns consideram ilegais. De um lado, existe a doutrina ideológica das escolas; de outro lado, a negligência de pais de alunos em ensinar aos filhos a educação moral e religiosa em casa. Para o professor e antropólogo Rafael José dos Santos, a ideia proposta pela lei vai contra as convicções de ordem moral, religiosa ou política das famílias. Argumenta ainda que essa lei estaria se intrometendo em temas que seriam competência das famílias. “Esse raciocínio é falso, na medida em que as atitudes decorrentes das intolerâncias e discriminações têm lugar no espaço público. Os defensores da “Escola sem partido” alegam um pretenso status de privado a algo que é público”, conclui.

Os integrantes da Escola sem partido elaboraram um anteprojeto de lei que prevê a fixação de cartaz com os deveres do professor, nas salas de aula. Esses deveres exigem que os professores não falem em religião, sexualidade e outros assuntos que envolvam a vida pessoal e particular do aluno. Para o professor e vereador Diego Tormes essa lei foi feita para se cumprir outra lei.

“Os defensores da Escola sem partido alegam um pretenso status de privado a algo público” Comenta que, desde o início da nossa vida escolar, somos ensinados com todo tipo de doutrina ideológica e que se torna impossível não falar de assunto de interesse público nas escolas”. O Projeto de Lei, além de ter conteúdo puramente incoerente e inconstitucional, pois viola o princípio constitucional da pluralidade de concepções pedagógicas, torna-se de difícil fiscalização. Como fiscalizar? Por fim, digo que acredito, sim, que haja em alguns casos doutrinação ideológica nas escola”, afirma.

OS ALUNOS QUEREM FALAR

OS DEVERES DO PROFESSOR

Eduardo Martino, aluno da oitava séria, comenta que sempre teve uma educação muito rigorosa em casa, e por não ter religião muitos dos seus colegas não entendem e até de certa forma sofre preconceitos por ser “diferente”. “Sou ateu, minha família inteira não acredita num ser maior. Nunca conversei em religião com ninguém na escola, porque sei que haveria um conflito entre as partes, mas já fui alvo de preconceito. A única coisa que eu aprendi até hoje, com os meus pais foi acreditar naquilo que é bom para mim, afirma.” Em outras ocasiões, esta lei pode ter surgido para diminuir o número de pessoas com opiniões surpreendentes, como é o caso da Luana Martins, aluna da sétima série do Ensino Fundamental. Ela comenta que sua família tem a religião e a política muito estabelecidas em casa, e que as pessoas têm uma opinião muito forte sobre esses temas e chega a ser exagerado em determinados casos. “Já fui excluída de grupos dentro da sala de aula por não ser igual às minhas colegas. A questão é que os alunos também entendam como essa lei funciona”, conclui.

1 - O professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, para promover seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias; 2- o professor não favorecerá, não prejudicará e não constrangerá os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas. 3 - o professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participarem de manifestações, atos públicos e passeatas; 4- ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e seriedade –, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito; 5- o professor respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções; 6 - o professor não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de estudantes ou terceiros, dentro da sala de aula.


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SOCIEDADE

O outro lado da música eletrônica Estéfani Alves | ealves2@ucs.br

Talvez as festas raves ainda sejam um tabu para a maioria da sociedade, porém não é de hoje que os jovens foram atraídos para esse mundo psicodélico. Conhecer e se informar pode ajudar a diminuir o preconceito em torno dos festivais CRÉDITO:DIVULGAÇÃO/FACEBOOK

Evento realizado nos dias 13 e 14 de agosto, no sítio Bagatini em Garibaldi

A

posto que quando você ouve falar de raves e festas de música eletrônica, uma das primeiras coisas que pensa é sobre o uso de drogas. Porém, isso é um preconceito que se adquiriu dada a falta de informação. Mais do que jovens reunidos em busca de diversão, o que temos na maioria desses festivais são pessoas com um estilo de vida espiritual, psicodélico ou hippie.

Mas, afinal, o que são festas raves? São festivais de música eletrônica, que geralmente acontecem em locais afastados das grandes cidades. Um evento de longa duração, com decorações psicodélicas, onde DJs (sigla em inglês que significa disc jockey ou, em português, disco jóquei, mas o mais comum é usar a sigla), artistas plásticos e bailarinos mostram seus trabalhos para um público fiel e empolgado. As festas denominadas raves iniciaram na década de 90, aqui no Brasil. Porém, na Europa, elas explodiram ainda na década de 80. A Inglaterra foi u m dos países pioneiros na realização das festas que, geralmente, aconteciam longe do perímetro urbano, ou em galpões e espaços abandonados. Não diferente do que é hoje, a essência desses festivais, que chegam a durar mais de 12 h, é o som trance e seus gêneros. Com a cobertura sensacionalista da imprensa, chegaram a se reunir em campos ingleses mais de 15 mil pessoas, com a intenção de descobrir o que realmente

eram essas festas.

CENÁRIO ATUAL No Brasil, as festas raves iniciaramse na cidade de São Paulo, porém logo se popularizaram, e outras cidades começaram a realizar os festivais. Segundo o site Purple Trance, hoje o estado que mais tem festivais desse tipo é Minas Gerais. Na Serra gaúcha, já temos algumas produtoras de raves urbanas, que acontecem no perímetro urbano, e raves que buscam a originalidade que são realizadas em sítios ou fazendas. A Hunderplay é uma produtora gaúcha, que, mesmo sendo um projeto novo, realiza festas em ambientes fechados, mas também as open air (ambientes abertos). O idealizador Hiegher Paludo comenta a criação da produtora. “É um projeto novo com a experiência de anos de cena eletrônica. Surgiu da intenção de trazer algo novo pra nossa região. Estávamos carentes de novidades, de mudar essa ideia do público ter que sempre que se deslocar para curtir esse tipo, diferente de festa e trazer isso pra cá. Pensando nisso a Hunderplay trouxe para seu público um outro nível de festa na cena eletrônica da Serra, ao nível dos frequentadores que, assim como a música, evoluíram e buscam uma diversão de mais qualidade”, enfatiza. Com apenas um ano de existência, a

produtora já realizou 13 edições com a participação de mais de oito mil pessoas, sendo 10 realizadas em Caxias do Sul. Paludo também comenta sobre o preconceito com quem frequenta. “O preconceito sobre as festas eletrônicas gira em torno, começando, do fato de que todos que frequentam esse tipo de ambiente, na visão de outras pessoas, são julgados como drogados. Quem não

frequenta não percebe a essência que essas festas trazem. A união de todos os povos, sem preconceito: se é branco, preto, gordo, magro, rico ou pobre; todos são tratados de igual para igual, e estão ali com objetivos comuns: divertir-se, sentir a música, sem precisar de drogas para sentir toda essa vibe.”

Mundo paralelo Uma das características dessas festas é o uso de drogas como o ecstasy - um psicoativo, conhecido quimicamente como 3,4-metilenodioximetanfetamina e abreviada por MDMA) e o LSD – a sigla de Lysergsäurediethylamid, palavra alemã para a dietilamida do ácido lisérgico, que é uma das mais potentes substâncias alucinógenas conhecidas. Porém, o uso das mesmas não é verdade absoluta entre os frequentadores desses festivais. Para a frequentadora e estudante Maria*, que apesar de não usar qualquer tipo de substância ilícita em festivais de música eletrônica, não se incomoda com os usuários, pois todos são maiores de idade e sabem as consequências do uso. “Optei por não usar para evitar possíveis problemas de saúde”, ressalta Maria. Já, o estudante Paulo*, comenta sua trajetória.

“Comecei a usar em uma festa eletrônica que fui em dezembro de 2015. Uma amiga me ofereceu e, como já frequentava desde 2011, resolvi experimentar. Na realidade, sempre tive a curiosidade, mas sempre me faltou a coragem, até que usei e gostei e de lá pra cá uso sempre.” Usuário de outras drogas, como o álcool e a maconha, João não se considera um viciado. “Não me considero um viciado, pois sei me controlar quando uso e sei quando usar. Geralmente, uso uma ou duas vezes por mês, tento não abusar, pois sei que como altera os sentidos psicológicos e o nervoso pode não fazer bem”, ressalta.

* Nomes fictícios


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SOCIEDADE

Artistas mambembes contam os desafios diários da estrada Fábio Becker | fbloppe@ucs.br Rodrigo De Marco | rmarco2@ucs.br

Músicos e artistas mambembes que largaram trabalhos convecionais e apostaram na vida nômade contam sobre as diferentes culturas e os países da América Latina que conheceram em suas viagens CRÉDITO: DIVULGAÇÃO

O paulista Ricardo Martins se apresenta em ruas de diferentes países da América Latina vida de um artista de rua mambembe pode ser facilmente comparada aos ideais hippies, o que não é mentira. Nessa reportagem especial do jornal Textando, conversamos com algumas pessoas que encontraram na arte o verdadeiro sentido para a vida. Teatro, música, artesanato, estes são os pilares de sustentação desses “personagens da vida”.

A KOMBI AURORA O ator Wilson Drolhe, ao lado de sua companheira escritora Léia Batista percorrem o País a bordo de uma Kombi. Eles tIem o que chamam de “teatro sobre rodas”, e com esse objetivo visitam escolas, comunidades, apresentando peças para crianças. A dupla utiliza elementos do teatro e da música. A Kombi de Drolhe e Léia é equipada com cama de 1,90m x 1,25m que vira sofá, pia, fogão, geladeira, tomadas 110v, luz, internet, wi-fi, armários, baú e iluminação. O início, porém, não foi fácil. “Estávamos muito ruins financeiramente e, por falta de dinheiro, decidi-

mos colocar uma cama na kombi, caso precisarmos fazer um evento longe de casa e não gastar com hospedagem”, conta. A familiaridade com a Kombi e o mundo das artes uniu Drolhe e ‘Aurora’. “Eu fui pesquisar na internet a melhor forma de fazer isso e depois que comecei a fazer um pedaço, continuei e, em 23 dias, eu dormia e acordava mexendo nela. A kombi terminou com uma casa completa”, lembra. A dupla saiu de Santa Catarina e rea­ lizaram a primeira apresentação na cidade de Canela. “Na ocasião apresentamos para as crianças uma peça educativa totalmente autoral; a partir dali, nós vimos que poderia dar certo e pegamos a estrada, de fato, confiantes que estávamos fazendo a coisa certa.

“A grande artista dessa­ história é a ‘Aurora’, nome que damos para a nossa Kombi “

De Canela, a dupla seguiu por cidades gaúchas, incluindo Bento Gonçalves, município em que, na época, ficaram cerca de duas semanas. Era o início de inverno de 2014. “Pegamos uns dias bem frios pela Serra gaúcha, mas por outro lado foi lindo e recompensador ter conhecido tantas cidades, incluindo Bento, que adoramos”, diz. Para Drolhe, o principal elo de ligação entre eles é a Kombi. “A grande artista desta história é a ‘Aurora’, nome que demos a nossa kombi. Aurora era a estrela; então mudamos o nome da companhia de teatro Faz & Conta para Trupe da Aurora. A ‘Aurora’ é um membro da companhia, ela faz parte da nossa família”, conta. Os artistas, que da Serra gaúcha seguiram viagem em direção ao Norte do País viveram situações inusitadas no trajeto. O mais complicado, segundo Drolhe, é não ter banheiro na Kombi. “Não tive como fazer o banheiro na ‘Aurora’, Kombi, não deu para fazer o projeto e ficaria muito caro também; então, nós pensamos em dormir nos postos de gasolina de estrada, onde ficam os

“Estamos querendo expandir nosso campo de atuação para vários segmentos” caminhoneiros, pois esses postos têm chuveiro, banheiro”, conta. O ator, que vive apenas da arte, critica a cena atual da cultura brasileira, em aspectos que ele chama de “vulgares”. As massas dão mais valor para o que é mais baixo, mais vulgar, do que para as coisas que lhes fazem pensar, mas é claro que essa não é uma máxima geral, tem sempre aqueles que gostam da boa música, de um bom livro, mas o que se vê é que cada vez menos pessoas são adeptas de tais costumes”, ressalva. O trabalho da dupla, de acordo com Drolhe, deve ser expandido em 2017, com palestras educativas em escolas, além de peça de teatro. “Estamos querendo expandir nosso campo de atuação para vários segmentos e territórios também. Isso inclui palestras para adolescentes sobre puberdade e drogas,


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além da peça infantil “O cantador de histórias” e o show de humor adulto com meu grupo “Os Gargalhas”, música de qualidade, com humor para confraternizações, enfim, um leque bem bacana de apresentações artísticas de qualidade”, planeja. A busca pela liberdade foi a razão principal que fez Barba largar a rotina convencional. O jovem, que hoje vive do trabalho diário de músico de rua, se diz feliz. “Eu tenho todo o amor, paz e luz do mundo, e não penso em voltar a ter um chamado trabalho normal. No meu ver normal é ter paixão por aquilo que se faz e acredita”, diz.

ARTESANATO PELA AMÉRICA A farroupilhense, Cintia Juliana Bif abandonou o emprego que tinha em 2013 e começou a viver apenas de artesanato e música. A vida hippie, que surgiu sem pretensões, é, hoje, o sustento da jovem. “Em 2013 eu tinha um emprego estável, era universitária, tinha tudo. Um determinado dia, no entanto, descobri a arte numa simples pulseira de Macramê (técnica que usamos para tecer nossa peças, usando fio/cordão encerado)”, lembra. O episódio modificou os planos de Cintia, que aos poucos foi deixando de lado a vida que levava, para se dedicar à arte do artesanato.

cebi de rescisão mais alguma coisa que o Duda tinha) e compramos materiais (linhas, sementes, pedras, miçangas..., um pouco de gasolina no Fusca, uma mochila cada um e uma barraca. Assim chegamos ao Litoral do RS pra vender arte”, conta. Cintia lembra ainda que não teve dúvidas sobre o novo rumo que daria a sua vida. De personalidade forte e decidida, deixou família e trabalho. “Em janeiro de 2014, iniciamos oficialmente nossa jornada. O Duda fazia muita música, tocava violão nas ruas e aos pés uma caixinha de madeira, onde recebia colaborações espontâneas pela sua música. Ganhava notas e moedas em reconhecimento pelo seu trabalho e ainda palmas, fotos, vídeos”, lembra.

Ao lado do namorado, Eduardo Furlan (Duda), Cintia planejou a nova vida. “Saí do meu emprego, conseguimos um pequeno capital em dinheiro (o que re-

O casal vive hoje em Praia Grande (SC) e, além do trabalho diário com artesanato e música, vendem produtos caseiros. “Fizemos alguns lanchinhos: cueca virada, bolo de fubá, palha italiana, sanduíches, empanadas uruguaias entre outros”, conta. Aventureira por natureza, Cintia não esconde o espírito de rebeldia. Na busca por novos conhecimentos e experiências, eles viajam por diferentes países da América Latina. “Hoje, aos 25, eu sei como são os Farroupilhenses, os gaúchos, os barrigas verde, os paranaenses, paulistas, mineiros, cariocas, argentinos, chilenos, uruguaios, paraguaios. Alguns desses, porque visitamos e outros porque nos visitaram”, conta.

“Em 2013 eu tinha um emprego estável, era universitária, tinha tudo”

A vida nômade de Cintia é julgada (como ela mesmo diz) por uma parcela da sociedade que não aceita os métodos de vida escolhidos, assim como o estilo de vida. De acordo com ela, o preconceito maior existe por conta dos trajes que usam na rua.

“Quando algumas pessoas nos veem nas calçadas, logo pensam que somos vagabundos, que não queremos trabalhar. Ainda tem o problema com fiscalização nas cidades. Nem toda cidade permite comércio ambulante (sim, somos enquadrados como ambulantes iguais àqueles que vendem DVD e outras piratarias). Assim, com suas leis, esses fiscais municipais nos tiram das calçadas, apreendem nossa Arte, nossos materiais”, protesta.

“Algumas pessoas nos veem nas calçadas, logo pensam que somos vagabundos” A farroupilhense, que há cerca de três anos mudou o estilo de vida e buscou na arte uma nova forma de viver, tem planos de montar um espaço com foco na arte. “Temos planos de montar um espaço pra nós aqui em Praia Grande. Um espaço com arte, música, comidas, bebidas, brechó, sebo, troca-troca, enfim um espaço OMSTOCK. O que rolar primeiro vamos abraçar e fazer acontecer”, planeja. A jovem, que não tem papas na língua, se diz realizada, e que na escolha por respostas ouve a si mesma. “Vivo e respiro arte, eu amo viajar. Não me inspirei em ninguém pra jogar tudo pro alto, eu apenas olhei pra dentro de mim e vi ali a resposta de tudo”, diz.

vencional dentro de uma empresa multinacional, para se dedicaràa arte de rua. Barba trabalhava como gestor financeiro e, assim como a farroupilhense Cintia, a decisão de optar por um novo estilo de vida surgiu em 2013. Barba, que já viajou por quatro estados e 18 cidades brasileiras, está, atualmente, em La Paz, na Bolívia. “Com a minha arte de tocar violino na rua já conheci boa parte do Brasil, além da Argentina, do Uruguai e em breve estarei indo para o Peru”, comenta. Na visão do artista, os maiores ensinamentos são conquistados através das experiências adquiridas nas viagens. “A estrada te ensina todo dia algo novo. Ela te apresenta a novas situações, te bate na cara, te fortalece, te faz rir, chorar, te ama e te trata como filho. As experiências, sejam boas ou nem tanto, te ensinam coisas que jamais e nenhuma universidade do mundo vai te dar”, acredita.

“A estrada te ensina todo dia algo novo. Ela te apresenta a novas situações”

DE VIOLINO NAS RUAS O paulista Ricardo Martins (Barba) também deixou a rotina do trabalho con-

Farroupilhenses vivem em Santa Catarina e viajam em um fusca com suas artesanias

CRÉDITO: CINTIA JULIANA BIF


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SOCIEDADE

Mulheres são as chefes da casa Franciane Peracchi | fperacchi@ucs.br

Pesquisas constatam que as mulheres são consideradas as pessoas mais importantes da família, têm nível de escolaridade mais elevado e dão conta do trabalho e da casa. Apesar disso, ainda sofrem disparidade na disputa por funções e salários CRÉDITO: FRANCIANE PERACCHI

A confeiteira Lisiane Bin Festa abriu a própria padaria neste ano, “Quitutes da Lisi”, e é a responsável pela renda familiar

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asta pesquisar no Google o tema “mães chefes de família” e a página enche-se de links relativos ao aumento do número de mulheres consideradas as comandantes da casa. Segundo a Síntese de Indicadores Sociais 2015, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os arranjos de casal com filhos apresentando a mulher como pessoa de referência subiram de 3,6% em 2004 para 15,1% em 2014. Ainda de acordo com o IBGE, 39,8% do total de domicílios no País tinham a mulher como pessoa-referência em 2014, representando 27,7 milhões de lares. O conceito de pessoa-referência do Instituto relaciona-se àquela que é considerada pelos membros da casa a mais importante, o que não significa que seja a responsável por suprir a maior parte dos gastos domésticos. Contudo, dados do Censo do IBGE de 2010 já apontavam que cerca de 40,9% das mulheres contribuíam para a renda familiar, sendo que, no campo, o índice aumentava para 42,4%. A antropóloga Beatriz Kanaan afirma que esse movimento ocorre no mundo capitalista ocidental. “A revolução industrial já havia colocado as mulheres no

processo produtivo e, no século XX, a revolução sexual trouxe o protagonismo da mulher em várias dimensões da vida social, inclusive no trabalho”, explica.

DUPLA JORNADA As mulheres ganharam espaço no mercado de trabalho; contudo, não deixaram de lado as tarefas do lar. Uma pesquisa da Unicamp de 2015, intitulada “Trabalho feminino e vida familiar: escolhas e constrangimentos na vida das mulheres no início do século 21”, concluiu que as mulheres trabalham, em média, 13 horas por dia entre o expediente formal e a rotina doméstica, somando 15 horas semanais dedicadas apenas à casa. No estudo, os homens declararam que gastam em torno de nove horas semanais nos cuidados da casa; portanto, seis horas a menos do que as mulheres. Quando as estatísticas se referem a mulheres empregadas com filhos ou consideradas chefes e cônjuges do domicílio, a diferença é ainda maior, já que os números chegam a até 25 horas semanais dispendidas no lar. E, mesmo quando não são elas que realizam as atividades,

ficam responsáveis por gerenciar a pessoa contratada para isso. Uma das responsáveis pela pesquisa, Glaucia dos Santos Marcondes, afirma que, apesar do maior nível de escolaridade das mulheres e de sua inserção no mercado de trabalho, a carga doméstica não tem sido aliviada para elas.

é de 66% em relação ao masculino. Nos cargos gerenciais, as mulheres com 25 anos ou mais ocupam apenas 5% dos postos de direção, contra 6,4% dos homens. Ainda de acordo com os dados, o rendimento médio das mulheres em empregos formais foi R$ 1.763 em 2014, uma redução de R$ 530 em relação aos homens.

MENORES SALÁRIOS No estudo “Estatísticas de gênero – uma análise dos resultados do Censo Demográfico de 2010”, que comparou os dados dos censos do ano 2000 e 2010, fica comprovado que as mulheres possuem nível de escolaridade maior do que o dos homens. No Ensino Médio, a frequência escolar feminina é 9,8% mais elevada no período. No Ensino Superior, acadêmicas entre 18 e 24 anos representavam 57,1% do total de universitários nessa faixa etária. Porém, o que se verifica no mercado de trabalho é o inverso. Quanto maior a escolaridade das mulheres, mais se eleva a disparidade salarial em relação aos homens. A Síntese de Indicadores Sociais de 2015 atesta que, no grupo com 12 anos ou mais de estudo, o rendimento feminino

Quanto maior a escolaridade das mulheres, mais se eleva a disparidade salarial em relação aos homens O desequilíbrio de renda entre os gêneros é analisado pela antropóloga Beatriz Kanaan. “Observa-se que as mulheres cada vez mais tomam funções antes destinadas aos homens. No entanto, deve-se salientar que elas recebem menores salários em relação a eles”, adverte.


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No relatório sobre desigualdade de gêneros do Fórum Econômico Mundial de 2015, o Brasil aparecia na 85ª posição entre 145 países analisados pelo ranking. Para os pesquisadores do Fórum, o principal motivo para a baixa colocação é a elevada discrepância salarial. Na lista específica de igualdade salarial, o país perdeu nove posições, de 124ª em 2014 para 133ª em 2015. Contudo, um dos indicadores most­rouse­positivo: o Brasil conseguiu reduzir

a desigualdade de gênero em áreas como saúde e educação, entre 2006 e 2015. Esse ponto também é destacado pela ONU Mulheres, que avalia como relevante, no empoderamento feminino, a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres em 2003 e a promulgação da Lei Maria da Penha, em 2006. No atual governo, a pasta perdeu o status de ministério e está subordinada ao Ministério da Justiça e da Cidadania.

39,8% do total de domicílios no Brasil tinham a mulher como pessoa-referência em 2014 Segundo o Censo IBGE 2010, 40,9% das mulheres contribuíam para a renda familiar Mulheres trabalham, em média, 13 horas semanais entre o trabalho e as tarefas domésticas No Ensino Médio, a escolaridade feminina é 9,8% maior que a masculina No Ensino Superior, as mulheres entre 18 e 24 anos representam 57,1% do total de universitários

Empreendedorismo é ingrediente de sucesso A doceira Lisiane Bin Festa é um exemplo de mãe chefe de família. Moradora de Veranópolis, na Serra gaúcha, a experiente cozinheira de restaurante deu a volta por cima, quando foi dispensada de seu emprego em razão de estar em tratamento para engravidar, que sempre foi o seu sonho, conta ela. Após esse fato, em 2008, ela começou a fazer doces e salgados em casa, encomendados por amigas. Dois anos depois, o negócio já dava sinais de que precisava de mais espaço, e Lisiane e seu marido Cristiano resolveram investir na construção da casa própria com o ambiente adequado para o trabalho na parte de baixo. Em 2014, Cristiano passou a traba-

lhar com a esposa. Assumiu a distribuição dos lanches em estabelecimentos da cidade. Agora, o casal conta com mais uma funcionária. Em maio deste ano, eles inauguraram a padaria “Quitutes da Lisi”. Ela se sente orgulhosa ao afirmar que a renda da família deve-se a sua iniciativa. “Os dois trabalhando juntos e eu puxando. Sempre fico no encargo de conseguir mais clientes. Eu me sinto responsável pelas contas. Mas é uma responsabilidade boa.” A entrevista com Lisiane foi em parte acompanhada por um sonho, mas não é de creme, não. Ele se chama Daniel, filho e realização do casal.

Há 50 anos, o conhecimento ilumina o

A história diz quem somos. O presente, quem queremos ser. Há 50 anos a excelência em ensino, pesquisa e extensão impulsiona o crescimento das pessoas e o desenvolvimento da região. E, tão importante quanto valorizar o passado, é saber que essa força transformadora vai iluminar ainda mais o futuro. www.ucs.br

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SOCIEDADE

Homoafetivos denunciam violência nas ruas e nas redes sociais Rodrigo De Marco | rmarco2@ucs.br

Gays comentam desafios na busca por direitos iguais, e a falta de serviços sociais destinados ao público LGBT; relatam sobre a violência e o preconceito sofrido diariamente após assumiram um relacionamento homoafetivo CRÉDITO: BERNARDO DAL PUBBEL/DIVULGAÇÃO

ESPAÇO PARA FOTO

Grupo Nosso Corpo Nossa Arte em atividade na Câmara de Vereadores de Caxias do Sul

cada 28 horas um homossexual morre de forma violenta no Brasil. Só em 2015, o Disque 100 recebeu quase duas mil denúncias de agressões contra gays. Desde o início deste ano, 132 homossexuais já foram assassinados no Brasil. A violência desenfreada contra gays deixa casais homoafetivos com medo. O jornal Textando conversou com casais gays que assumiram o relacionamento e relatam sobre a violência e o preconceito sofrido diariamente. A comerciante Tainá Coimbra, 22 anos, começou a namorar em 2012, e diz não temer as reações de violência por parte da sociedade. “Não nos assusta essa questão da violência, mas entendemos que na rua precisamos tomar os devidos cuidados”, afirma. Na visão de Tainá, é mais sensato trocas de carinho dentro de casa. “Na minha opinião, o carinho fica dentro de casa e tem muita gente que não aceita também, então já evitamos de arrumar confusão desnecessária”, afirma. A família, descrita como um pilar importante no apoio das tomadas de decisão, é também, para Tainá, essencial para apoiá-la no momento que admitiu sua sexualidade. “Aos 16 anos conversei com minha mãe sobre o que sentia, e ela apenas se virou e disse que me conhecia desde pequena e que já sabia disso, e que ela sempre me aceitou, en-

tão não a afetava”, lembra. Tainá recorda também a reação de seu pai, ao admitir que estava namorando uma garota. “Apresentei a Pâmela e as únicas palavras deles pra mim, naquele momento ,foi que eu sempre seria filha deles, e que não iriam deixar de gostar de mim, porque eu amava alguém do mesmo sexo. Foi demais”, se emociona. Bento Gonçalves, que há pouco mais de um ano, ganhou o primeiro coletivo LGBT; na opinião de Tainá, ainda é uma cidade preconceituosa. “A maioria das pessoas troca a felicidade por estereótipos e, em vários pontos comerciais, já senti na pele, por isso mesmo que amo trabalhar no comércio, gosto de fazer as pessoas se sentirem bem como elas são”, afirma. O preconceito citado por Tainá é descrito por ela num episódio ocorrido no ano passado, numa casa noturna de Bento. “Estávamos numa boate conhecida daqui, e numa certa ocasião precisei ir ao banheiro e entrei no feminino, porque estava receosa de ir no masculino, e foi então que um segurança me disse que já que eu queria ser homem era para mim ir no banheiro masculino, foi bem revoltante”, lembra. As ações discriminatórias ocorridas com Tainá, segundo ela, nunca a reprimiram. “Esses gestos preconceituosos nunca foram muito de me abalar, juro, não ligo, minha família e mesmo amigos me aceitam assim, não preciso de opi-

nião de gente que tem mente pequena”, afirma. A relação de Tainá com sua namorada Pâmela é aberta e, de acordo com a comerciante, aceita por suas famílias. “As nossas famílias superapoiaram desde o início e os dos dois lados da família, tanto a minha quanto a dela, todos se dão bem, viramos uma família só. A Pâmela é especial, um ser humano magnífico e perto dela me sinto completa”, comemora.”

AGENTES DA TRANSFORMAÇÃO O fotógrafo Bernardo Dal Pubel, 26 anos, e a tatuadora Jadye Berwig, 22, estão juntos há oito anos, com uma relação marcada pela parceria no trabalho voltado para a temática LGBT. O casal criou há pouco mais de um ano o coletivo “Nosso Corpo, Nossa Arte”, trabalhando em obras fotográficas aspectos da homossexualidade e transexualidade. Foi na adolescência que Jadye assumiu para a família sua sexualidade. “Sempre conheci bem minha sexualidade, mas foi com 13 anos que tive meu primeiro relacionamento considerado homo, que é o que estou até hoje com o Bernardo. Mas foi com 14 que assumi para minha família e sociedade”, conta. A relação, que começou num encontro casual nas ruas de Bento, hoje é calcada

em laços familiares. “Algumas pessoas acham difícil esse lance de namorar ou ter na família um transexual, mas elas devem parar com esse pensamento. Os trans são como nós em nossas particularidades; não precisamos entender, somente respeitar, isso é o mínimo que qualquer cidadão merece”, diz. De acordo com Jadye, a intolerância é ainda um dos principais obstáculos na luta contra a homofobia. “Nós somos primeiramente livres para sermos o que queremos, e as pessoas são livres para gostar ou não, mas nós existimos, ocupamos espaço no planeta, pagamos nossas contas, trabalhamos e só queremos dignidade e uma vida feliz, respeitada”, afirma. Ainda de acordo com Jadye, a união de quase uma década é calcada em amor e compreensão. “Parece impossível amar dessa maneira, intensa, e sempre parece que começamos o namoro ontem, nunca é monótono, e todo dia é mais amor, mais paixão, mais respeito e carinho um pelo outro. Sou muito grata e feliz com a pessoa que tenho ao meu lado e luto junto com ele com unhas e dentes no que precisar”, comemora. Dal Pubel, que há dois anos declarou ser transexual, desde o início da adolescência defende causas gays. “Eu assumi minha sexualidade muito cedo, e desde os 12 anos andava pela cidade com uma bandeira gay”, afirma. O


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TEXTANDO fotógrafo lembra quando pela primeira vez andou de mãos dadas com uma garota em Bento. “Na época, lembro que quando peguei na mão de uma menina com 14 anos e andei pelo centro, foi o choque, foi o ápice da vida daquelas pessoas­ que nos olharam da cabeça aos pés (risos). Já no Ensino Médio comecei a trabalhar voluntariamente com tudo que se ligava ao LGBT e o diverso”, lembra. O fotógrafo, que primeiramente se assumiu lésbica, diz não ter sido fácil o início do processo de transição. “Posso dizer que, ao me assumir primeiramente lésbica, foi mais fácil do que me assumir transexual, isso é difícil. Ter que sair do armário duas vezes não é mole, mas a luta pra mim é linda de qualquer forma, eu resisto e persisto”, afirma. A luta contra a homofobia, na visão do fotógrafo, está ganhando força em Bento. Dal Pubel comenta que, diariamente, convive com o preconceito nas ruas da cidade e que já foi vítima da intolerância. “Já sofri agressões físicas e verbais também. Eu e minha mulher já fomos atacados por homens na rua dizendo que iriam nos tornar mulheres. Já apanhamos também na Osvaldo Aranha”, lembra. As ações homofóbicas, segundo o fotógrafo, não o intimidam a continuar com a luta contra o preconceito. “Eu não deixo de andar na rua com minha mulher por conta do medo do preconceito. Queremos ser respeitados”, diz. As ofensas não ocorrem apenas na rua, mas também em redes sociais, conforme ele recorda. “Hoje, o preconceito via online é bem grande, é onde as pessoas podem se esconder por trás do próprio ódio ou desejo, para nos julgar e ofender”, comenta. Bento Gonçalves, na visão do fotógrafo, não trabalha para proporcionar direitos aos homossexuais e, principalmente, aos transsexuais. “A cidade não se importa o mínimo que seja com os direitos LGBTs. Bento não tem absolutamente nenhuma noção de direitos públi-

cos da nossa classe, e muito menos dos direitos da população transexual, que é meu caso, não temos médicos, ambulatórios, psiquiatras, nenhum serviço que atenda transexuais”, protesta. Dal Pubel alerta que a falta de serviços sociais destinados ao público LGBT obriga trans com pouca instrução a se automedicarem. “As pessoas acabam indo para Porto Alegre e ficando em filas gigantescas para ter algum atendimento. Sendo assim, muitos trans que conheço (não é meu caso, tenho acompanhamento médico), acabam se automedicando para poder começar essa transição do corpo e da mente. Isso é um risco para a própria vida”, alerta. Para o fotógrafo, até mesmo a falta de opção de trabalho para trans, os deixa à mercê da prostituição. “Falando em questões públicas também não temos empregos em local algum para transexuais e travestis e por isso podemos ver que muitas travestis não têm outra escolha a não ser a prostituição”, lamenta.

UM ANDRÓGINO CONVICTO

O estudante de moda, Airton Cruz Martins, 19 anos, natural de Erechim, se considera andrógino, por ter traços faciais femininos e corpo com características masculinas. O jovem lembra que, desde criança, gosta de usar roupas femininas. “Eu sempre pensei como mulher, e nunca sofri preconceito por parte da minha família. Meus pais sempre me apoiaram e entendem meu pensamento”, afirma. O universitário, que declara se sentir atraído por meninos e meninas, teve seu primeiro beijo gay aos 17 anos. Com essa mesma idade, começou a usar vestidos, mesclando peças masculinas e femininas. “Eu aproveito meu estudo de formação no curso de moda e crio meus looks, fazendo saias, cortando blusas e alternado peças”, diz.

A opção pelo curso de moda, de acordo com o universitário, foi para ajudar a derrubar a barreira do preconceito. “Eu quero criar roupas diferentes para o público trans, e desta forma unir homens e mulheres. Isso vai ajudar a diminuir a questão de que o azul é para meninos e rosa para meninas. Isso não existe”, protesta. Ele também pinta as unhas e usa maquiagem, sem temer o preconceito ou violência por parte da sociedade. Seu estilo próprio chama a atenção de heterossexuais que, segundo ele, o provocam na rua, chamando para conversar e também para “dar cantadas”. “Eu me divirto com o que os outros pensam. Com certeza, esses meninos que me cantam na rua gostariam de ficar comigo. São enrustidos”, deduz. Ele conta que seu estilo diferenciado, com características de ambos os sexos, tem atraído pessoas interessadas em fazer sexo pago. “Já fui convidado por garotos e casais para me prostituir. Sempre recusei esses convites, mesmo considerando a prostituição uma profissão digna, que deve ser respeitada.” Martins se diz feliz com seu corpo, e não se preocupa com a dúvida entre ser homem ou mulher. “Eu, sinceramente, não estou pensando muito sobre homem ou mulher. Eu simplesmente sou quem sou, autêntico, preocupado apenas em ser feliz. Um dia talvez eu me defina”, alegra-se.

O BEIJO GREGO

A Olimpíada do Rio já é histórica, não apenas pelos recordes quebrados, mas principalmente por ser considerada a “mais gay” de todas as edições. A entrada da modelo transexual Lea T à frente da delegação brasileira, na abertura da Olimpíada, na sexta-feira, 5, foi o começo dos jogos com mais atletas gays as-

sumidos. Antes mesmo de a competição ter início, listas publicadas em sites específicos e na imprensa já apontavam que 2016 seria a edição dos Jogos com mais atletas gays assumidos, incluindo brasileiros, como Ian Matos, dos saltos ornamentais, e Larissa França, do vôlei de praia, que falam abertamente sobre a homossexualidade. A primeira medalhista de ouro do Brasil, em 2016, a judoca Rafaela Silva, também não esconde o namoro com uma das colegas do Instituto Reação, onde treina desde a infância. O ponto alto da visibilidade LGBT foi o pedido de casamento à atleta do rugby­ Isadora Cerullo por sua namorada, Marjorie Enya, depois do último jogo da seleção feminina do Brasil. Para a jogadora, a diversidade no país sai ganhando quando a visibilidade é somada ao destaque das mulheres atletas e ao reconhecimento da superação de esportistas negros e da periferia. “Toda essa visibilidade está dando um novo rosto ao Brasil. Por ser o país que está sediando os jogos, isso ajuda a abraçar essa mentalidade (mais tolerante)”, comemora. A atleta de 25 anos conta que conheceu a noiva no rugby e fala com orgulho do pedido que rodou o mundo, registrado em vídeo e fotos. “Foi muito emocionante. Eu não estava esperando e achava que ia só fazer uma entrevista. Foi muito importante poder pronunciar o amor e demonstrar publicamente.” O pedido de casamento ganhou destaque na imprensa internacional e foi compartilhado nas redes sociais. A cena comoveu as colegas de Isadora. Para a atleta, o amor deixa uma mensagem: “A gente mostra no vídeo muito amor e muita felicidade, e isso dá um rosto, ajuda a humanizar essa causa. Então, eu acho que talvez ajude as pessoas a abrirem a mente e perceberem que amor é amor.” CRÉDITO: BERNARDO DAL PUBBEL/DIVULGAÇÃO


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SOCIEDADE

Prostituição na era virtual Rodrigo De Marco | rmarco2@ucs.br Felipe Jung | fjung@ucs.br

Considerada uma das profissões mais antigas e sigilosas do mundo, a prostituição está cada vez mais presente na web, com mulheres, homens e transexuais usando mídias alternativas, como a internet, para captação de clientes no dia a dia CRÉDITO: GUILHERME MINETTO

receptiva Aninha recebeu a reportagem do Jjornal Textando em sua casa, em Bento Gonçalves. Logo no início da entrevista, o telefone toca, mostrando que o trabalho dela é constante e bem requisitado. Ela iniciou a conversa se declarando formada em Enfermagem por uma universidade do Rio de Janeiro. Acrescentou que, atualmente, está cursando Administração e Comércio Exterior. Aninha se mostra uma mulher decidida. Ela conta que sempre teve uma vida sexual intensa, e com 23 anos começou a fazer programas. “Comecei a fazer programas quando me mudei para Petrópolis, região serrana do Rio. Ganhava 120 reais por hora. Na época, eu me chamava Sara”, lembra. Ela conta que o interesse pela profissão surgiu após conversas com uma amiga que era prostituta. “Um dia a questionei para saber o quanto ela ganhava por semana. Esse foi o início de tudo.”

Com blogs e sites de relacionamentos, muitas garotas e garotos contam um pouco do seu dia a dia

equipe do jornal Textando usou a web para contatar essas profissionais do sexo, deixando claro que era para uma reportagem especial. Através desses sites, foram contatadas mais de dez pessoas, dentre elas dois homens. Apenas duas aceitaram reportar suas histórias, mesmo em plena era digital. Uma chegou a perguntar o quanto ganharia, “porque tempo é dinheiro”. O beijo na boca ou até mesmo o sexo de corpo a corpo está se tornando coisa do passado. Garotos e garotas de programa se modernizaram. Hoje em dia, pessoas casadas procuram sexo virtual, pela facilidade de não estar em perigo na rua. Nos sites de acompanhantes pode-se encontrar todo gênero de sexo. Matheus, como gosta de ser chamado, prática a prostituição por ambiente pouco conhecido, chamado de CAM4. Ele diz que não é necessário revelar seu rosto, apenas seu corpo. O cliente apenas precisa criar uma conta neste site, assim conseguindo ter contato com ele e outros profissionais do sexo virtual. A pessoa que for se cadastrar não necessita se identificar e facilita o sigilo. “Preciso fazer todos desejos dos meus clientes, e não preciso ter contato corpo a corpo com ele”, diz. Muitos deles o procuram com diversas fantasias sexuais, e Matheus conta que já recebeu depósito à mais para comprar brinquedos e roupas em Sex Shop. “A melhor parte em fazer sexo virtual é pela segurança, quando termino meu trabalho, desligo o computador e tudo acaba ali mesmo,

diz ele. Mesmo com toda comodidade, os profissionais do sexo sofrem outros tipos de agressões, como verbal. Muitos usuários desses sites, querem conhecer pessoalmente com quem se relacionam virtualmente, ou até mesmo ter uma relação sexual fora da tela. Há casos de maridos e esposas que, ao descobrirem a traição, criam perfis falsos e até mesmo rastream os endereços virtuais, e os procuram para marcar encontros para agressão. No Brasil, há um índice de 80% de agressão verbal contra homens e mulheres que praticam esses programas.

TODOS OS GÊNEROS

Com blogs e sites de relacionamentos, muitas garotas e garotos contam um pouco do seu dia a dia de cada programa, e falam sobre seus clientes e até criticam alguns. Valkiria, jovem transexual de 24 anos, morena, na altura de seus 1,73m, nos recebeu com um largo sorriso em seu apartamento na região central de Caxias do Sul. Com seu perfil exposto num site de encontros, a garota afirma que os meios digitais facilitam para marcar encontros. “Eu tenho clientes fixos, mas também sempre há curiosos interessados em ter uma experiência diferente. Muitos deles me encontram no site”, conta. A jovem, dona de uma personalidade forte, demonstrada na segurança ao falar, decidiu, aos

13 anos, deixar de ser menino para se revelar como mulher. Aos 16 anos, começou a se prostituir. Diz que não tinha outra opção de renda. Aos 19 anos, foi trabalhar na Europa. “Estava cansada de ser vista com desdém pelas pessoas daqui, de ser maltratada nos lugares que frequentava. Foi então que tomei a decisão de me mudar”, lembra. Valkiria trabalhou na Bélgica, na França, em Luxemburgo e na Áustria, entre outros países europeus. Ela diz que foi a melhor decisão de sua vida. “Minha vida mudou depois que saí do Brasil. Passei a ser respeitada, a ser vista como mulher, tendo minha profissão reconhecida. Infelizmente, o Brasil é ainda um país extremamente preconceituoso”, desabafa. Apesar de já estar com clientela na Serra gaúcha, a jovem transex já pensa em voltar para a Europa. “Em pouco tempo estarei voltando, muito também porque lá sou mais valorizada. É outra vida”, resume. Valkiria faz em torno de cinco programas por dia, com valores que variam de 150 a 300 reais. “Os valores variam conforme a região, em Caxias e Bento giram em torno de 150 a 250, já em São Paulo é possível cobrar até uns 350”, revela. Loira, 1,58m de altura e com o corpo em forma, tatuado, a carioca de codinome Aninha Pimentinha, 26 anos, mora há cerca de quatro anos no Rio Grande do Sul e há três anos em Bento Gonçalves. Foi no final de uma manhã que a

Aninha afirma que, na época, trabalhava de segunda a sexta como garota de programa e aos sábados e domingos, como enfermeira. Lembra que iniciou sob a guarda de um casal de aliciadores, que ameaçou a contar para a sua família, quando resolveu trabalhar por conta para ganhar mais. “Na época, atendia somente em motéis. Foi então que recebi uma proposta para trabalhar em uma casa de Veranópolis.” Chegou em 2011 a Veranópolis, onde permaneceu por cerca de oito meses. Depois, seguiu para São Paulo, onde não chegou a ficar um ano. Voltando para a Serra gaúcha, recebeu uma proposta para trabalhar numa casa noturna de Bento Gonçalves, onde coleciona casos peculiares. Dentre eles, a de um pedreiro que contou ter economizado durante todo o mês para gastar na boate. “O meu ápice nesta casa noturna foi fazer oito programas por noite”, conta. O sexo nem sempre é prioridade para sua clientela, formada, na maioria, por homens casados. Alguns chegam a pagar R$ 1 mil por uma noite movida “por bebida e conversa”. Aninha relata que seus estudos estavam interferindo no atendimento na casa noturna. “Precisava trabalhar de dia, fazer meu horário. Recebi uma proposta de um site de encontros para ter meu perfil na web, com fotos.” Hoje, ela tem seu perfil exposto em três sites de encontros. Diz faturar cerca de R$ 3.500,00 por semana. Trabalhando também com dominação e fetichismo, em alta na mídia, em tempos de “50 tons de cinza”, tem valores diferenciados para cada programa.


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