Textando 2017/4

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Textando

Universidade de Caxias do Sul Laboratório de Jornalismo Impresso 2017/04

Os desafios dos imigrantes Foto: Roni Rigon

As dificuldades e contribuições dos imigrantes em Caxias do Sul

OS RISCOS DO BULLYNG

EXCESSO DE INTERNET

JOVENS X DROGAS

GOLPES “NA PRAÇA”

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O bullyng e sua influência na vida adulta. Como começa e como combater

O exagero da internet e das tecnologias. Quando o uso é benéfico e quando é problema

Drogas e transtornos alimentares. Como adolescentes e jovens são alvo desses problemas

Quem são as potenciais vítimas das diversas formas de estelionato


VELOCIDADE PATOLÓGICA

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ivemos na era da velocidade. Temos acesso à informação de modo instantâneo; rodamos o mundo em apenas algumas horas; executamos em alguns minutos tarefas que antes exigiam dias de trabalho. A evolução tecnológica quebrou as barreiras de tempo e espaço, mas trouxe também conse­ quências. Entre elas, a aceleração da mente humana. A ansiedade, segundo o psicólogo e doutor Augusto Cury, é o mal do século XXI. Os estímulos diários de eletrônicos causam efeitos danosos à mente, o que pode gerar transtornos psíquicos graves. Com isso, as pessoas buscam conforto nos medicamentos. Usamos remédios para dormir quando não conseguimos dormir e outros para acordar, quando não conseguimos acordar. Viciamos, quando não

SUMÁRIO

em fármacos, em outras drogas. É inegável que a tecnologia trouxe benefícios e qualidade de vida a todos. No entanto, é preciso lembrar que a diferença entre o remédio e o veneno está na dose. Aos poucos, as pessoas perdem o controle e se deixam levar pela praticidade dos eletrônicos, sem se darem conta de que a vida aqui fora continua. Os estímulos visuais e sonoros que tomam conta do dia a dia estão entre os principais responsáveis pelos casos de ansiedade e depressão, segundo Cury. Por isso, é preciso desacelerar, tomar consciência do mundo que nos cerca e viver mais off-line, se não por nós, por nossos filhos, pelo futuro. A sociedade está doente e precisamos fazer algo agora.

CIDADANIA

Mães que vivem atrás das grades | 3 Os desafios dos imigrantes | 4 Entidades em prol da inclusão social | 7

ESPORTE

Amor pelo time ultrapassa gerações | 9

EXPEDIENTE

Reitor Evaldo Antonio Kuiva Diretora da Área de Ciências Sociais Maria Carolina Gullo Coordenador do Curso de Jornalismo Marcell Bocchese Professora Marlene Branca Sólio

COMPORTAMENTO

Alunos Alana Elisabeth Rodrigues Maciel Carina dos Santos Pedroso Caroline Rosa Denise Maria Dal Picolli Costa Évelynn Marinho Alves Jennifer Bauer Eme Kimberly Salomão da Silva Marília Alves da Rosa Pablo Ribeiro Rodrigo de Oliveira Moraes Tainara Alba Tatiana da Cruz

Bullyng é violência | 10 A vida em rede e a saúde mental | 12 Dilemas da adolescência |14 Automedicação é caso de saúde pública | 16 VIOLÊNCIA Golpes “na praça” e suas artimanhas | 17

EDUCAÇÃO Cortes de verbas ao CNPq preocupam | 19 O diploma na formação do jornalista contemporâneo | 20

Rua Francisco Getúlio Vargas 1130 - Bairro Petrópolis CEP 95060-570

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CIDADANIA

Mães que vivem atrás de grades

Em setembro de 2017, a Penitenciária Industrial de Caxias registrou 66 encarcerados do sexo feminino, grande parte delas com filhos pequenos Foto: Caroline Rosa

Caroline Rosa

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população carcerária feminina cresce exponencialmente no Brasil, seguindo ritmo maior do que a masculina. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), em 16 anos o número de mulheres na cadeia aumentou quase 700%. Mes­­mo com o ritmo acelerado, a ala feminina corresponde a 14% dos aprisionados. Entre os crimes mais frequentes, Caxias do Sul segue padrão nacional. O tráfico responde por mais da metade das condenações. Segundo informações da diretoria do Presídio Industrial, a maioria das presas entra no comércio de drogas por meio do marido e, em seguida, em função dos filhos. Grande parte delas é reincidente. No entanto, por trás dos dados que mapeiam e taxam as presas, existem mulheres com filhos, famílias e sonhos adiados. Por isso, a reportagem do Textando visitou a Penitenciária Industrial de Caxias ,para revelar como é a vida das mães que vivem atrás das grades.

A GESTANTE

A EXPERIENTE

Dona Inês (os nomes foram modificados para preservar a identidade das mulheres) foi a primeira a se apresentar à reportagem. Com palavras diretas, sem muitos rodeios, responde as perguntas com a forma tranquila de quem aceitou o que a vida lhe deu. Aos 50, paga pena de sete anos em função de dívidas que um dos filhos, que também já havia sido preso, fez na prisão. “Foi onde eu me enfiei no crime, tentando fazer dinheiro fácil”, relata Inês. E para além de todas as dificuldades da vida prisional, Dona Inês perdeu um filho e um neto durante seu primeiro ano na prisão. As notícias vieram por visitantes e a dor não pôde ser expressada no velório, que ocorreu na cidade de Lagoa Vermelha.

Gilda, de 34 anos, é a grávida. Além do filho que espera, tem mais três, que o marido cuida com a ajuda da sogra. Apesar da saudade que sente dos que ficaram do lado de fora, diz que prefere não receber visitas da prole. “Eles saem muito agitados. Daí eu tô seguindo minha cadeia, eu aqui e eles lá, mas eu sinto bastante saudade”, justifica. Assim, as visitas que recebe são apenas do marido. Presa há seis meses, Gilda deve ganhar o nenê em dezembro, mas ainda faltam oito anos de pena. Caso o nascimento ocorra normalmente, ela deve cumprir a sentença no Presídio Estadual Feminino Madre Pelletier, em Porto Alegre, pois Caxias do Sul não tem penitenciária com estrutura para abrigar crianças.

A MÃE

Cláudia tem 42 anos e dez filhos para cuidar, além dos netos. A mais falante das entrevistadas é a conselheira das aprisionadas, que buscam suas palavras quando não se sentem bem. “Eu dou conselho pra elas, digo que sigam o caminho correto, porque eu também já fiz o que elas fizeram e tudo o que a gente faz tem consequência”, desabafa. Do outro lado das grades, quem cuida da família é Graça, a filha mais velha, de 26 anos, que abriu uma lanchonete na casa onde mora com as crianças. Quando perguntada sobre a saudade dos filhos, a resposta foi rápida: “Quando bate a saudade, a gente chora.”

NA ALA FEMININA DO PRESÍDIO DE CAXIAS DO SUL Ajuda psicológica: quando julgam necessário, as detentas solicitam consulta com psicóloga. A procura é muito maior entre mulheres do que entre homens. Atendimento médico: semanalmente, as presas podem consultar clínico geral, que encaminha a paciente a uma Unidade Básica de Saúde, caso seja necessária consulta especializada. Oficinas profissionalizantes: as presidiárias recebem capacitação, a maioria voltada para a área da beleza. No entanto, as entrevistadas demonstram interesse em voltar às atividades que exerciam antes do crime. Perfil de visitas: diferentemente da ala masculina, a feminina costuma receber a visita dos pais. Para os homens, as visitas são geralmente da esposa e namorada. Faixa etária: contrariando os dados nacionais, a população feminina no presídio de Caxias é majoritariamente mais velha. No dia da visita, eram 24 detentas com idade entre 35 e 45 anos.

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CIDADANIA

Os desafios dos imigrantes Cerca de 2.415 estrangeiros senegaleses e haitianos ainda resistem em Caxias Foto: Porthus Jr.

Há quem defenda a estada dos novos imigrantes em Caxias do Sul, e quem divirja de espaço no mercado de trabalho atualmente

Rodrigo Moraes

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uitos dos povos que vivem hoje em Caxias do Sul buscaram aqui um recomeço, como os italianos e alemães, imigrantes mais lembrados e gratificados ao longo da história recente, ou tão importantes quanto, os imigrantes negros. Foi também com mãos e suor de negros que a cidade da Serra – valorizada por ser colônia italiana – se construiu e cresceu. Entretanto, diferentemente dos imigrantes europeus, os negros vieram ao Brasil por outra finalidade. Não havia escolha para aqueles que chegavam das ter-

MAIS DE 12 MIL IMGRANTES VINDOS DO SENEGAL E DO HAITI VIVEM NO RIO GRANDE DO SUL

ras africanas. A escravidão era o destino, não o sonho de reconstruir. De acordo com a Polícia Federal, em Caxias do Sul vivem 2.415 senegaleses e haitianos. São homens e mulheres que vieram em busca de uma vida melhor para si e para a família. Foi assim com Cheikh Mbacke Gueye, 28 anos. Ele mudou-se para o Brasil há 5

anos e aqui trabalha como designer gráfico, mesma profissão que exercia no Senegal. Cheikh conta que veio em busca de uma vida melhor, e que “viver em Caxias é bom, mas ultimamente está ficando difícil e inseguro”. Com o atual cenário nacional de desemprego, os imigrantes precisam viver do comércio ilegal de produtos. Diariamente, vendem joias, meias, panos de prato pelas ruas de Caxias. É da venda desses itens que os imigrantes conseguem renda para sobreviver. Em fevereiro deste ano, em um acordo com os imigrantes a Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Caxias do Sul, buscou alternativas para retirar o comércio ilegal e inserir esses trabalhadores no mercado caxiense. Mas na prática, os resultados não foram efetivos.

ruas. Mas há quem discorde, como é o caso de Vanderlei dos Santos, 47 anos. Ele acredita que, devido à crise no mercado de trabalho, a única saída restante aos imigrantes é vender

É NECESSÁRIO TER DOCUMENTAÇÃO REGULARIZADA PARA SE INSERIR NO MERCADO produtos ilegalmente nas ruas, assim como alguns brasileiros fazem. Os imigrantes precisam ter carteira de trabalho para que possam registrar toda atividade profissional exercida no País. O procedimento é feito por meio de agendamento pela internet, no site do Ministério do Trabalho. O estrangeiro deve ter CPF e visto temporário ou permanente, em modalidade que lhe permita trabalhar. Os documentos necessários para retirar 1ª VIA da carteira de trabalho partem através do formulário de solicitação de refúgio, Lei nº 9474/1997, uma resolução do Comitê Nacional dos Refugiados (CONARE), Nº 22/2015, aplicado para os imigrantes haitianos, e também aplicada da mesma forma aos demais imigrantes, como os senegaleses e ganeses. Esse procedimento é um facilitador da regularização dos imigrantes no

Divergências éticas A Brigada Militar tem feito diversas operações contra o comércio ambulante na cidade, o que tem gerado muita polêmica sobre o assunto. A moradora Lúcia Antunes, 32 anos, acredita que “a polícia está correta em proibir a venda desses produtos de forma ilegal”, pois, segundo ela, todos os demais “comerciantes pagam impostos para terem seu comércio”, então não seria justo deixar alguns vendendo coisas diretamente nas

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País, e possibilita sua inserção no mercado de trabalho. Aliado ao recorrente panorama eco­ nômico, o entrave do comércio na rua é o principal fator da redução dos imigrantes na Serra. Os senegaleses têm uma forte ligação com o comércio. No início da década, quando os primeiros deles começaram a chegar a Caxias do Sul, a expectativa era de emprego e estabilidade. Uma lei municipal que consta no Código de Posturas proíbe a venda de produtos em todas as praças e ruas do centro de Caxias. Com a onda do

“A GENTE SABE QUE NÃO PODE CHEGAR AQUI E FAZER ALGO CONTRA A LEI” comércio ambulante, a fiscalização nas ruas au­ mentou, e os senegaleses, que têm o comércio como cultura, ficam à mercê das abordagens da Guarda Municipal. Abdou Iahat Ndiye (29), o Billy, presidente da Associação dos Imigrantes Senegaleses, está há cerca de 5 anos em Caxias do Sul e relata que, quando chegam na cidade não têm condições para abrir uma loja e, por isso, recorrem às ruas. “Nós somos uma comunidade que tem o comércio na rua


CIDADANIA

Foto: Roni Rigon / Arte: Rodrigo Moraes como cultura. No Senegal se vive de comercialização”, explica. As operações contra o comércio ambulante geraram polêmica ao longo desse ano (2017). Após apreensões de mercadorias no centro, houve troca de acusações e relatos de agressão e repressão. Devido aos abusos durante as abordagens, um grupo de senegaleses protestou na Prefeitura, cobrando um diálogo com o prefeito Daniel Guerra.

Educar além da fronteira A escravidão não assolou somente a história do Brasil, como também a do Haiti e a de outros países que tiveram um período de colonização. Após décadas dos primeiros imigrantes chegarem a Caxias, instaurou-se um intenso fluxo migratório nos últimos anos, e a cidade passou a ser vista como um centro de novas oportunidades pela oferta de trabalho. Entre os povos vindos estão os haitianos. Atualmente, aproximadamente dois mil imigrantes do país da América Central vivem aqui. Apesar do feito conquistado por antigos escravos em 1804, o país sofre demasiado com a pobreza e com uma política turbulenta. Aliado a esses fatores, uma catástrofe de ordem assolou o Haiti. O país foi atingido por um terremoto de alta magnitude em 12 de janeiro de 2010 e viu-se arrasado com a morte de mais de 200 mil pessoas. A partir de 2012, haitianos começaram a fazer a travessia para o Brasil. Entre eles, Mario Noel, que já havia

uma luta árdua, muitas alegrias e infinitos sofrimentos; aguardam por uma mão estendida, um olhar desarmado, um sorriso fraterno. É um povo que tem muito a ensinar e muito a aprender”, assegura o escritor. Além disso, Mario Noel explica que a necessidade é uma das causas de partidas e chegadas. Imigrantes, sejam eles europeus, africanos ou americanos, carregam muita luta, seja na reconstrução da liberdade ou reconstrução econômica. O livro foi lançado no dia 16 de setembro, no Centro de Cultura Ordovás. Após o lançamento, Mario Noel fez participações em programas de TV e rádio locais e divulgou a obra na 33ª Feira do Livro de Caxias do Sul, em outubro. Além disso, o escritor conversou com alunos do Ensino Fundamental, explanando novas narrativas e colocando em discussão questões relacionadas à consciência histórica.

vindo entre 2009 e 2010, como missionário religioso pela Igreja dos capuchinhos. A segunda também em 2012, de forma mais autônoma, casando com uma brasileira, e vivendo como um cidadão comum, como quaisquer outros brasileiros. Mario Noel já havia presenciado a ligação Brasil-Haiti quando, em 2004, soldados brasileiros foram em missão ao Haiti auxiliar na reconstrução do país em meio à guerra civil. Vivenciado a história, as dificuldades e o sofrimento do povo haitiano, a luta, a superação e a acolhida dos brasileiros, Mario Noel percebeu a importância de relatar os pontos nos quais estão interligados.

O HAITI FOI O PRIMEIRO PAÍS MAJORITARIAMENTE NEGRO A TORNAR-SE INDEPENDENTE EM TODO O MUNDO Dessa forma, apresentando a história e cultura de seu país de origem, o haitiano escreveu e publicou o livro Escravos ou Escravizados? Haiti: uma história de paixão, de luta e de sofrimento. De acordo com Mario Noel, vive-se em um mundo em movimento, que com as ondas migratórias, as fronteiras desapareceram. “O planeta tornou-se a casa comum, onde todos têm o direito de ocupar um espaço e viver, acima de tudo, com dignidade. Quem chega, aguarda e merece acolhida. Os haitianos que desembarcam no Brasil não estão de mãos vazias. Eles carregam consigo uma história,

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CIDADANIA

Sem perder a esperança Foto: Rodrigo Moraes

O otimismo e sorriso no rosto são uma das características marcantes dos imigrantes que vêm em busca de novas oportunidades de vida

Inserção no mercado de trabalho

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pesar de a cidade não oferecer programa ou benefício específico aos imigrantes, Billy conta que agora sente-se melhor com a postura da Prefeitura, visto que em 2017 tiveram em torno de cinco reuniões. “A gente não precisa de toda a ajuda, nós precisamos só de um caminho. E a Prefeitura tá tentando fazer, tá sentando com a gente, conversando”, afirma Billy. Parte da ajuda recebida pelos senegaleses vem da CAM, entidade de assistência social que presta apoio aos migrantes no seu processo de integração no Brasil. De acordo com Josimar Lucas do Nascimento, integrante da CAM e coordenador do Programa de Inclusão ao Mundo do Trabalho, é realizado atendimento à população migrante, tnto interna quanto externa, buscando auxiliar nas diversas dificuldades enfrentadas por essa população. “Dentre as ações realizadas, encontram-se atendimento psicológico, orientação social, de inclusão ao mundo do trabalho, orientação e suporte jurídico e mediação intercultural, todas visando ao acesso e à garantia de direitos dos migrantes”, esclarece Nascimento. O coordenador destaca que a dificuldade dos senegaleses na inserção no mercado de trabalho caxiense perpassa a crise econômica. Ao

buscarem oportunidades de trabalho, seja nas empresas da cidade ou nas agências de recursos humanos, os imigrantes têm enfrentado barreiras, para comprovar a qualificação profissional e barreiras simbólicas identificadas em atendimentos, que demonstram o quanto não estamos preparados para atender a esta população, ainda com o peso do preconceito e da discriminação racial presentes nessas relações. A cidade de Caxias do Sul, que já chegou a abrigar 3 mil senegaleses, e no ano passado ainda contava com um número de aproximadamente 1.500 destes imigrantes, em 2017 teve o número reduzido quase pela metade, ainda resistindo cerca de 800 africanos. Segundo a coordenadora do CAM, Irmã Maria do Carmo dos Santos Gonçalves, “os senegaleses ainda se estabelecem na Serra gaúcha, mas em cidades próximas e menores, onde a economia tem melhor estabilidade e demandas de mão de obra”. Embora ocorra a saída de muitos, parte permanece e outros chegam movidos pela esperança. “A gente tá esperando não por hoje ou por amanhã, mas quem sabe um dia a gente vai conseguir uma coisa mais legal, mais confortável”, assegura Billy.

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CIDADANIA

Luta permanente pela inclusão social Instituições de Caxias do Sul, que trabalham pela inclusão, integração e melhoria da qualidade de vida de portadores de deficiência visual, atendem quase 300 pessoas, apesar do desafio financeiro

Aula de História com portadores de deficiência visual da Apadev / Foto: Tainara Alba

Tainara Alba

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ificuldade é uma palavra muito presente na vida dos portadores de deficiência visual. São desafios que envolvem desde a alfabetização e locomoção até as oportunidades no mercado de trabalho. A falta de estrutura e acessibilidade, nos ambientes (vias públicas, escolas, restaurantes, cinema, comércio), é uma situação vivida com frequência pelos portadores de deficiência, o que prejudica seu desenvolvimento social e profissional.

Deficiência visual A deficiência visual é definida como a perda total ou parcial, congênita ou adquirida, da capacidade de visão. O nível de acuidade visual pode variar, determinando dois grupos de deficiên­cia. O primeiro grupo é o da “cegueira”, que ocorre quando há perda total da visão ou pouquíssima capacidade de enxergar. O segundo é o da “baixa visão” ou “visão subnormal”, caraterizado pelo comprometimento do funcionamento visual dos olhos, mesmo após tratamento ou correção. O Censo de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que, em Caxias

do Sul, existem 1.407 pessoas cegas, 11.427 com grande dificuldade de visão e 68.246 com alguma dificuldade. Em atenção às dificuldades enfrentadas pelos portadores da deficiência visual, existem ações desenvolvidas por entidades específicas, que auxi-

SEGUNDO O IBGE EXISTEM 1.407 PESSOAS CEGAS E 11.427 COM GRANDE DIFICULDADE DE VISÃO EM CAXIAS DO SUL

liam a vivência e integração dessas pessoas na sociedade, melhorando sua qualidade de vida. Essas instituições também enfrentam grandes desafios, especialmente financeiros, que, por vezes, chegam a comprometer o andamento dos trabalhos.

Piso adaptado nos corredores da Instituição / Foto: Tainara Alba

Apadev

A Apadev atende, atualmente, 122 pessoas e conta com equipes de profissionais das áreas de psicologia, assistência social, terapia ocupacional, optometria, orientação e mobilidade, além da equipe de voluntários que atua em oficinas de leitura, música, dança, arte, informática e outras. A entidade se preocupa em orientar e preparar o núcleo familiar para a convivência, assistência e motivação

A Associação dos Pais e Amigos dos Deficientes Visuais (Apadev) atua em Caxias do Sul desde 1983, com oferta de programas de atendimento e serviços de apoio. Os trabalhos desenvolvidos têm como objetivo a inclusão escolar, profissional e psicossocial, por meio de oportunidades de educação e reabilitação.

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dos portadores de deficiência visual, por isso o atendimento é estendido aos familiares e cuidadores. A agente administrativa da entidade, Katiucia Fassbinder, ressalta que as funções desempenhadas pelas equipes exigem “além da qualificação, o conhecimento, a sensibilidade e a experiência, pois ao lidar com a deficiên­cia visual, é preciso compreender as realidades, os contextos, e


CIDADANIA

Mapa da cidade de Caxias do Sul com informações de mobilidade em braile / Foto: Tainara Alba as necessidades diferentes de cada um deles”, declara Katiucia. A instituição mantém atendimentos basicamente com as doações recebidas por meio de carnês mensais de contribuições, depósitos bancários, doações espontâneas feitas diretamente na entidade e projetos realizados em parceria com órgãos públicos estaduais e municipais. Segundo Katiucia, a falta de dinheiro prejudica o andamento dos trabalhos. “O problema principal é que as nossas ações ficam comprometidas, pois os gastos para manter a Instituição em atividade são muito altos, e cada vez recebemos menos auxílio financeiro, seja do Poder Público seja aquele vinmdo de doações”, lamenta a agente administrativa.

INAV O Instituto da Audiovisão (Inav) oferece oportunidade de educação, habilitação e reabilitação a pessoas surdocegas, cegas e com baixa visão associadas ou não a outras deficiências. Sem fins lucrativos, atuando em Caxias do Sul desde 2009, a Instituição também depende de parcerias e convênios para se manter. Em termos de dificuldades, enfrenta basicamente os mesmos problemas que a Apadev. A entidade conta com apoio de profissionais e especialistas das áreas de psicologia, assistência social, língua portuguesa, múltipla deficiência, música, matemática, ginástica e outras.

“Hoje, ajudamos 150 pessoas e suas famílias com nosso trabalho. Queremos que eles vençam as limitações e reconheçam suas potencialidades. É importante promover a sensibilização e a conscientização da sociedade, pois a deficiência não extingue a capacidade de vivência das pessoas”, ressalta a coordenadora do Instituto, Fernanda Ribeiro Toniazzo. As ações desenvolvidas incluem orientação às famílias e aos cuidadores, adaptação de ambientes e mobilidade, além de assessoria para escolas e empresas. “Mesmo com as verbas e doações recebidas, e com os eventos que realizamos, a questão financeira é sempre um desafio, diz Fernanda, que espera contar com a solidariedade das pessoas.

COMO AJUDAR

É possível colaborar com a Apadev e o Inav por meio de um carnê mensal ou depósitos bancários. Também podem ser feitas doações diretamente nas sedes das entidades. APADEV: Rua Luiz Antunes, 899, Panazzolo Informações: (54) 3213.2323 INAV: Rua Alfredo Chaves, 373, Centro Informações: (54) 3226.6262


ESPORTE

Amor pelo time ultrapassa gerações Os torcedores Pedro Zanchin, do S.E.R Caxias, e Everton Corlatti Sant’Ana, do Esporte Clube Juventude, fazem parte de um grupo de pais que passam para os filhos o fanatismo e o amor pelo clube do coração

Os pais falam sobre a paixão pelo time e sobre como é passar esse amor para as novas gerações de torcedores da família. / Foto: Évelynn Marinho

Évelynn Marinho

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Brasil, é o país do futebol, dos grandes jogadores e dos grandes times. Em Caxias do Sul, os dois maiores times de futebol são os rivais Caxias e Juventude. O Grêmio Esportivo Flamengo, que agora é S.E.R Caxias, foi fundado em 1935. Com glórias e derrotas, o clube segue com cerca de 28 mil torcedores. O Esporte Clube Juventude, com cerca de 75 mil torcedores, foi fundado em 1913. Seu primeiro título nacional foi em 1994, quando derrotou o ­Goiás­ Esporte Clube. O time conquistou o Campeonato Brasileiro da Série B. Hoje, está na série D do Campeonato Brasileiro, e o Juventude na Série B. Esses números contêm muitas histórias, como a de Pedro Luiz Zanchin, 54, pai de Romeu Corlatti Zanchin, 6, e Everton Corlatti Sant Ana, 44, pai de Murilo Benfica Sant Ana, 7 e de Luiza Benfica Sant Ana, 13. Pedro conta que “Essa paixão pelo

time do Caxias surgiu por influência do meu irmão, e por morar tão perto do estádio a curiosidade aumentava”. Uma curiosidade que virou paixão pelo time e que passou para seu filho Romeu. “Sou torcedor desde bebê, adoro a cor do time.” Romeu ainda comenta “É importante apoiar o clube da cidade”. Os dois adoram assistir aos jogos juntos e contam com a companhia da cadelinha, Piti. A rivalidade entre os times não é um problema para as famílias, afinal, Pedro garante que eles até assistem a alguns jogos juntos. Chana Corlatti, esposa de Pedro, é prima de Everton, faz a ligação entre as famílias e não se importa de ouvir o choro ou a alegria nos momentos de jogos. “É

importante haver os dois times para valorizar a cidade” alerta Zanchin. Everton completa: “Tem que ser saudável, com respeito mútuo a relação entre times e torcedores.” Sant Ana também assiste aos jogos com seus filhos. “Sempre os incentivei a torcer pelo time.” O time que já conquistou o coração dos filhos Murilo e Luiza é o Juventude. Além de gostarem do clube, os dois adoram o mascote do time. “Torcer pelo mesmo time é bom porque passamos mais tempos juntos”, lembram os jovens. Esse é um dos maiores sentimentos que os clubes passam, o de união. Mesmo sendo rivais, as histórias entre os torcedores é a mesma: a união, a descontração e a alegria de deixar uma parte da sua história para as próximas gerações. Esse amor, e essa admiração pelo time que passa de pai para filho é um presente, tanto para os torcedores do Ju quanto do Caxias. E esse amor é algo que está presente em canções das torcidas, como, por exemplo, a do Caxias “Sempre vou lembrar daquele dia, que aprendi com meu pai amar a S.E.R Caxias.”

“EU ACHO QUE É MUITO IMPORTANTE QUE AS PESSOAS APOIEM O TIME DA CIDADE” ( ROMEU )

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COMPORTAMENTO

Bullying é violência

Violência escolar é uma das maiores causas de suicídio entre crianças e adolescentes. Como combater o bullying, na medida em que o mundo se torna mais complexo e desafiador?

Foto: Divulgação

Marília Alves

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maioria das pessoas está familiarizada com o termo bullying (de origem inglesa) utilizado para denominar agressões físicas ou psicológicas nas relações interpessoais, motivadas por um desejo consciente e deliberado de uma das partes de expor o semelhante a situações de tensão e maus-tratos. Bullying não é, nem pode ser considerado, uma brincadeira de criança. Em nenhuma situação, esse tipo de atitude pode ser considerado irrelevante aos olhos dos pais. Por ser um ato entre crianças ou adolescestes, não significa que o autor não esteja intencionado a ofender ou agredir a vítima. Esse tipo de violência não está limitada somente no ambiente escolar, pois pode ocorrer em diversos contextos, onde há relações interpessoais, como dentro de casa, ou no trabalho, por exemplo. Alguns consideram o bullying uma brincadeirinha de mau-gosto, que não prejudica, sadia quando disparada por meio de uma piada. Por isso, não prejudicaria a vítima. Assim, comediantes, por exemplo, transformam o próprio talento em instrumento de proliferação de ódio, ofensa e desrespeito. Até mesmo o mundo dos adultos é assombrado pelo “mobbing” (corresponde ao bullying ou assédio moral entre adultos).

Bulliyng escolar No ambiente escolar, quando o tema são os tipos de bullying logo vem em mente as violências consideradas explícitas, por exemplo, ferimentos, agressões físicas, roubos etc. Porém, existem outras manifestações agressivas tão prejudiciais quanto as explícitas. Essa ideia de que violência é somente física está totalmente equivocada, pois existem formas sutis de violência escolar que, na maioria das vezes, é entendida como com-

“O BULLYING ESTÁ RELACIONADO COM A BAIXA AUTOESTIMA E TRANSTORNOS DEPRESSIVOS” portamento próprio da infância e que os adultos não devem interferir ou se importar. Esses discursos são eventuais tentativas de camuflar o fenômeno conhecido como bullying, que, consequentemente, modifica o desenvolvimento da vida escolar. Conforme a psicopedagoga Margarete Pretto Danieli, esse tipo de violência gera diversos agravantes que dificultam o processo educacional do aluno, resultando em déficit de aprendizagem, desmotivação para os estudos, absentismo, evasão e reprovação escolar, sem contar os danos emocionais e psicológicos.

Para Margarete, a função do professor também é observar o comportamento do aluno em sala de aula, assim ele consegue detectar um caso de bullying. Uma das maiores preocupações da psicopedagoga é o rumo da educação brasileira, que, segundo ela, sofre com a desvalorização tanto dos alunos, quanto à classe dos professores. “Quem sai perdendo é a sociedade que tem que aprender a combater problemas como esse sem nenhum apoio do poder público.” O bullying escolar é um problema social que deve ser combatido de forma coletiva, com o auxílio da família e do regimento interno escolar. “Geralmente a vítima tem medo e sofre calada”, salienta Margarete. Há duas formas de ajudar a vítima a combater o bullying; a primeira é denunciando o agressor para o professor e para os pais. Outra maneira é através da inclusão, pois grande parte das vítimas, além de se sentir inferior, é introspectiva e tem dificuldades de se relacionar com colegas, afirma Margarete.

Traumas psicológicos É difícil encarar esse tipo de violência; crianças e jovens enfrentam dificuldades psicológicas por consequência das agressões escolares Quando a vítima desenvolve algum tipo de angústia, pode acarretar desde o suicídio até o assassinato. Segundo a psicóloga Flavia Sbardelotto, a criança ou adolescente não

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possui psiquicamente muitas, defesas para lidar com grandes angustias. Ela destaca que as vítimas de bullying apresentam determinados transtornos depressivos e baixa autoestima, que provavelmente irá impactar psiquicamente na vida adulta. A violência escolar afeta a criança e o adolescente de tal forma que pode criar novos quadros de transtornos psíquicos e comportamentais que, se não tratados, se tornam irreversíveis. O bullying não é prejudicial apenas para a vítima, mas para o próprio autor da agressão, pois, na maioria das ocorrências, o agressor também possui problemas psíquicos. Além disso, o autor do bullying tem mais chances de se envolver com comportamentos ilícitos, como o uso de drogas e criminalidade, afirma a psicóloga. Segundo Sbardelotto, “o maior impacto do bullying está relacionado com a baixa autoestima, transtornos depressivos e ansiosos. Nessas situações, a vítima pode chegar a cometer agressões graves e até mesmo homicídio contra o agressor ou outras pessoas, como forma de solucionar suas angústias”. Por isso vale ressaltar a importância do papel da escola e dos pais no acompanhamento da rotina de jovens e de crianças.


COMPORTAMENTO

DEPRESSÃO E BULLYING

ESTRESSORES CRÔNICOS

FATORES DE PROTEÇÃO

O mundo se transformou, evoluiu e trouxe consigo uma série de problemas em que veem se agravando, na medida que o tempo passa. Desde a infância, as pessoas são estimuladas e influenciadas a serem “perfeitas” em basicamente tudo, além de serem obrigadas a dominar um esporte e pertencer a determinada tribo. Mas, se por algum motivo, seu comportamento for diferente do esperado, provavelmente, será alvo de bullying. Dados divulgados pela BBC Brasil, apontam que, de 1980 até 2015, a taxa de suícidios entre jovens de 15 a 29 anos aumentou 27% no País. Segundo o Mapa da Violência 2014, na última década o número de suicídios aumentou 40% entre crianças e adolescentes de 10 a 14 anos. A adolescência é uma fase marcada pela instabilidade emocional e pelas atitudes impulsivas, associadas à violência escolar, que podem causar sérios danos psíquicos, distúrbios depressivos e, consequentemente, o suicídio. Porém, nem todos que sofrem bullying ficam deprimidos, isso vai depender da capacidade de resiliência de cada jovem, segundo o psiquiatra Gustavo Bolognesi. Um dos fatores de risco para o desenvolvimento de problemas de comportamento em adolescentes está relacionado com as condições sociais e famíliares. Os conflitos interparentais frequentes estimulam os estressores e o acúmulo de riscos. Nesse caso, o bom relacionamento dos pais com seus filhos pode ser considerado fator de proteção para o cumprimento das tarefas de desenvolvimento dos adolescentes.

São considerados estressores todas as experiências ou os estímulos do próprio ambiente, que promovam estresses. Detectadas como ameaças ou desafios para o indíviduo, seja de natureza física, seja psicológica.Estudos revelam que os estressores estão propensos a afetar a saúde, principalmente quando são estressores crônicos, extremamente prejudiciais ou considerados incontroláveis.De acordo com estudo publicado no journal Of Clinical Endocrinology & Metabolism, os estressores crônicos estão frequentemente associados com o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. No campo da psicologia, geralmente classificam em três diferentes categorias de estressores: crises, catástrofes ou acontecimentos importantes e perturbações diárias. Segundo análise do psiquiatra Gustavo Bolognesi, nossa cabeça funciona como um elástico, tudo que faz o elástico se esticar chama-se estressor, e tudo que o protege denominam-­ se fatores protetores. O bullying é um estressor crônico, por exemplo: a pessoa sofre constantemente uma agressão, esticando cada vez mais seu elástico, ou seja, se compromete psiquicamente. Essa situação pode causar problemas como transtorno de ansiedade e depressão.Os adolescentes costumam agir inconsequentemente por impulso, muitas vezes, sem forças para suportar atos de violência repetitivos, intencionais e deliberados. Em escala mundial, o bullying é, de fato, uma das principais causas de suicídio impulsivo entre os jovens. No Brasil, suicídio é a quarta maior causa de morte de jovens.

Existem pessoas que estão sempre dispostas a ajudar os outros nos momentos mais difíceis. O papel da figura significativa é justamente esse: ajudar as vítimas de bullying a enfrentarem e superarem esse tipo de violência. De acordo com a revista Psicologia da Educação, as vítimas constituem como figuras significativas as pes­soas­ que fazem parte de seu ambiente familiar: mãe, pai e irmãos. Predominantemente, a mãe é a figura a quem as vítimas recorrem em busca de ajuda para lidar com esse fenômeno denominado bullying. As figuras significativas devem demonstrar empatia e compre­ ensão, além de dar suporte às vítimas de violência escolar. Assim, o aluno encontrará condições para superar a situação. Os fatores de proteção atuam como redutores das possíveis disfunções consideradas como consequências da presença da vulnerabilidade ou das experiências de vida estressantes. Eles são extremamente importantes para combater estressores oriundos da violência escolar. Denomina-se fator de proteção todo apoio psicológico, seja da família, ou seja da escola. Além disso, a vítima pode desenvolver atividades que promovam a redução do estresse. Na maioria das vezes, crianças e jovens não sabem como reagir, por isso, para enfrentar esse problema é preciso contar com as figuras significativas e com os fatores de proteção, em outras palavras, é fundamental contar com o apoio da família, dos amigos e da escola.

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RESILIÊNCIA A resiliência permite que os indivíduos mais resistentes aprendam a lidar com o estresse, tornando-os capazes de suportar as experiências mais traumáticas. De acordo com pesquisas realizadas pelo especialista em psicopedagogia infantil, Haim Grunspun, a resiliência está relacionada à possibilidade de enfrentar fatores de risco e de aproveitar os fatores protetores, tornando o indivíduo resiliente. Portanto, a resiliência está associada a fatores protetores para crianças em situação de risco. Para enfrentar o bullying, por exemplo, a criança considerada resiliente adquire forças suficientes para enfrentar a adversidade intensa por um longo período de tempo. Na medida em que a criança ou o adulto lança mão de seus recursos positivos, para enfrentar as adversidades, a resiliência pode ser considerada fator de proteção para a adaptação do indivíduo. Os estudos de Grunspun comprovaram que crianças podem superar dificuldades e se tornarem resilientes, porém não são invulneráveis.


COMPORTAMENTO

A vida em rede e a saúde mental Com o acesso facilitado à internet, o vício digital e os vários benefícios do aprendizado online são tema de recorrentes discussões para encontrar o equilíbrio e fugir dos possíveis problemas da era digital

Foto: Freepik

Carina Santos e Tatiana Cruz

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nviar uma mensagem, realizar uma ligação, estudar para uma prova e até candidatar-se para uma oportunidade de emprego: tudo isso podeser feito pela internet, reduzindo deslocamentos. Ao mesmo tempo que o uso da tecnologia tem diversos pontos positivos, há que se pensar no isolamento social em que muitas pessoas vivem, para manter distância de situações que não conseguem resolver na “vida real”. Para falar sobre o vício digital e também sobre a internet, como meio de aprendizagem, o Textando procurou Rossane Frizzo de Godoy, coordenadora do curso de Psicologia, da Universidade de Caxias do Sul, e Carla Beatris Valentini, professora no curso de Pedagogia da UCS.

“O USO INDISCRIMINADO DAS TECNOLOGIAS PODE OCASIONAR DEPENDÊNCIA PSICOLÓGICA”

Quais os conflitos mais comuns que o uso das tecnologias virtuais têm causado na vida das pessoas? Rossane: A internet trouxe muitas contribuições e avanços à humanidade. No entanto, o uso indiscriminado das tecnologias pode ocasionar dependência psicológica, que inclui um desejo irresistível de estar sempre conectado. Algumas pessoas apresentam incapacidade de controlar seu uso e grande irritação, quando não conectadas. Em alguns casos, a obsessão pela vida virtual é tão grande, que chegam a deixar a vida pessoal, concreta, em

segundo plano. Como consequências disso, pode-se observar: baixo rendimento escolar em crianças e adolescentes; dificuldades de ter relacionamentos importantes, como casamento e convívio com a família, devido ao uso abusivo da redes sociais; negligência parental; Problemas de concentração no trabalho; prejuízos financeiros em razão de compras indiscriminadas pela internet; alterações de sono e de alimentação e problemas de autoestima, frente às postagens de mensagens, fotos, etc. a autoestima relaciona-se diretamente ao número de curtidas. Você acredita que o celular na sala de aula tem contribuído ou prejudicado o aprendizado do aluno?

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Carla: ​ A tecnologia e o celular não são nem bons nem maus em essência. Penso que precisamos ultrapassar a discussão da tecnologia como salvadora ou culpada dos sucessos ou fracassos educacionais. ​Nesse sentido, o que vejo como importante pensar não é usar ou não o celular na sala de aula, mas a concepção de ensino e aprendizagem que o professor traz e como alia os recursos da vida e da

“A OBSESSÃO PELA VIDA VIRTUAL É TÃO GRANDE, QUE CHEGAM A DEIXAR A VIDA PESSOAL” tecnologia digital na sala de aula. Podemos inserir o celular e as tecnologias de forma positiva nos processos educacionais, mas a qualidade disso depende do professor e de sua concepção de educação e aprendizagem.


COMPORTAMENTO Existe alguma patologia que as tecnologias causam na população? Qual? Rossane: Alguns estudos apontam para o desenvolvimento. O que tem aparecido como consenso é “uso pa-

“NÃO É O DISPOSITIVO QUE GARANTE QUE O ESTUDANTE NÃO IRÁ COPIAR OU TRANSCREVER O CONTEÚDO”

tológico de internet”. As pesquisas são consideradas insuficientes para a criação de um diagnóstico nosológico específico. Há alguns anos, não era comum o uso do celular em sala de aula; nada para além de atender um telefonema ou enviar um SMS. Você, como professora, lida de que forma com essa nova realidade?

gias com uma boa saúde mental e social? Rossane: O que vai distinguir o uso patológico do uso saudável é a intensidade. Usar com moderação e manter relacionamentos saudáveis, conviver com pessoas, realizar atividades físicas são aspectos sempre importantes para se ter uma boa saúde.

É possível criar alternativas para aliar tecnologia e aprendizado de forma efetiva? Carla: ​ Sim, criar alternativas passa pela compreensão do que significa

“O MUNDO VIRTUAL É MUITO RICO, MAS, EM EXCESSO, PROBLEMAS PODEM APARECER”

Você recomenda o uso de ambientes virtuais que promovem estudos individuais, ou os cursos presenciais ainda são estatisticamente mais efetivos? Carla: Vejo como interessante o uso de ambientes virtuais de aprendizagem, diferentes aplicativos e recursos digitais, mas esse uso não pode ser descontextualizado do currículo e da área de conhecimento. Todas as áreas podem fazer uso desses recursos, se houver um propósito e se souberem como articulá-los de forma dinâmica e inserida no contexto da cultura digital. Temos também que pensar

a cultura digital em nossa vida e na educação. Compreender esses princípios e o papel da escola e do professor é fundamental para inserir as tecnologias com qualidade e para além do uso mecânico. Penso que o fundamental é que a tecnologia seja utilizada no sentido crítico e emancipatório. Para isso, uma das alternativas é a formação inicial e continuada

sivo dele, os problemas começam a aparecer. Portanto, use com moderação. O que você tem a dizer sobre professores que não permitem o uso de aparelhos eletrônicos para a rea­lização de pesquisas escolares, exigindo apenas bibliografia física? Carla: ​Penso que, como educadores, precisamos considerar e compreen­ der o momento social e histórico que estamos vivendo. Quando um professor impede o uso da internet, podemos fazer um paralelo com um professor que, remetendo ao período da história em que o livro começou a circular, impediu o estudante de o usar, confiando somente no livro manuscrito. Não é o suporte do texto que garante a qualidade do conteúdo. Também não é o dispositivo (físico ou digital) que garante que o estudante não irá copiar ou simplesmente transcrever o conteúdo. O que faz o aluno apropriar-se das informa ções e construir conhecimento não é

Foto: Freepik Carla: ​Vejo que o celular pode contribuir muito com as atividades de sala de aula, mas não o tempo todo, é claro. Utilizo e peço para meus alunos acessarem conteúdos e aplicativos em sala de aula, articulando essa ação à proposta de aprendizado de cada aula. Isso ocorre em muitos momentos, mas não em todos. Vejo que o bom senso deve sempre prevalecer. Como conciliar o uso das tecnolo-

no desenvolvimento da autonomia e autoria para utilizar esses ambientes. Existem casos em que a pessoa precisa realizar algum tipo de tratamento por conta do excesso de tecnologia? Rossane: Sim. Quando a pessoa sente dependência muito grande e prejuízo em seus relacionamentos “reais”, é a hora de buscar ajuda psicológica.

do professor. Isso não significa nem se reduz a simples cursos de uso instrumental das tecnologias. O que você gostaria de deixar referente a esse tema? Rossane: A questão mais importante é que as pessoas não negligenciem seus relacionamentos. O mundo virtual pode ser extremamente rico. No entanto, quando se faz um uso abu-

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o instrumento utilizado, mas a forma como o professor organiza sua aula e provoca ou questiona. As tarefas de pesquisa, que propõem simples busca a um tema definido pelo professor são redutoras da capacidade do estudante, instigam-no a copiar e colar. Não contribuem para desenvolver habilidades importantes para o cidadão do século XXI.


SAÚDE

Dilemas da adolescência

Insegurança, aceitação, pressão. Tudo isso faz parte do cotidiano do jovem atualmente. E na busca de encontrarem um lugar no mundo, alguns se perdem no caminho que deveriam seguir

Felipe viu a melhor fase da sua vida ser perdida por causa das drogas. Foto: Pexels.

Alana Rodrigues

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ndependência, amigos e novas descobertas são termos comumente associados à adolescência. Para muitos, essa fase é lembrada como a melhor época de todas; entretanto, para outros, é um período traumático, que pode acarretar consequências para toda a vida. Geralmente, é entre os 13 e os 17 anos de idade, que uma pessoa toma grande parte de suas decisões de vida. A escolha de uma profissão ou de uma faculdade, entrar em um relacionamento... Além disso, pesam as preocupações com a aparência, com o ser aceito e com problemas familiares. Muitos adolescentes não conseguem lidar com a pressão imposta

tanto por familiares quanto por amigos, e buscam a solução nas drogas, nos distúrbios alimentares, no abandono da escola, entre outras formas de fuga.

colar e abandonar os estudos. “Apesar de meus pais me amarem, eles nunca foram presentes na minha vida escolar. Quando eu rodei e decidi sair, eles concordaram”, diz.

O escape das drogas A combinação de liberdade, abandono da escola e más influências foi quase fatal para Felipe (nome fictício). Agora, com 18 anos, arrependido, ele olha para trás e enxerga um menino sem apoio, que se deixou levar pelas amizades da época. Livre da cocaína, há mais de seis meses, entrou para uma Igreja evangélica e pretende, em breve, poder ajudar outros garotos que se perderam pelo caminho. A entrada nesse mundo aconteceu aos 16 anos, após repetir o ano es-

“EU NUNCA FUI TRAFICANTE, MAS ÀS VEZES FAZIA ALGUNS SERVIÇOS PARA ELES. EM TROCA, GANHAVA ALGUMA COISA”

Com tempo livre sobrando, começou a frequentar as ruas de seu bairro, na zona sul de Caxias do Sul. Conheceu amigos novos, entre eles o álcool e o cigarro. Alguns meses depois, se en-

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volveu com drogas mais pesadas e chegar ao tráfico foi rápido. “Eu nunca fui traficante, mas às vezes fazia alguns serviços pra eles. Em troca, ganhava alguma coisa. Ali tive meu primeiro contato com a cocaína”, diz. Inicialmente, Felipe não acreditava que fosse se viciar, já que usava apenas em festas e com os amigos. Mas o hábito tornou-se regular e, quando percebeu, não ficava um dia sem drogar-se. “Aquilo para mim era o ‘auge’; sempre cercado de amigos, de mulheres e de droga. Todo mundo me conhecia e eu conhecia todo mundo. Achava que aquilo é que era vida.” Ele acordou para a realidade apenas quando experimentou o crack. Após esse episódio, buscou ajuda dos pais. “Por estarem sempre fora, eles não tinham percebido o que estava acontecendo. Quando


SAÚDE

O bem-estar que a comida proporcionava trouxe muito mais que satisfação a Sabrina: o bullying e, por consequência, a bulimia. Foto: Pexels.

confessei para eles, foi um choque”, conta. Sabendo da situação do filho, os pais entraram em contato com o pastor da Igreja que frequentam. Com ele, conseguiram ajuda especializada, e Felipe começou o tratamento. “O início foi difícil. Meus ‘amigos’ sumiram todos, a desintoxicação foi horrível, mas hoje, graças a Deus, estou limpo”, diz. O número de adolescentes que já usaram drogas ilícitas cresceu de 7,3% em 2012, para 9% em 2016, segundo dados do IBGE, e a estatística tende a aumentar. Portanto, o apoio e o interesse dos pais, na vida dos seus filhos, são imprescindíveis.“Não culpo meus pais pelas minhas escolhas, mas acho que se eu tivesse tido um pouco mais de apoio, quando era mais novo, talvez isso não tivesse acontecido. Mas agora tenho eles do meu lado e sei que estou no caminho certo”, finaliza.

Consequências do bullyi ng Gorda, baleia, rolha de poço. Foram tantos os adjetivos ouvidos pela estudante Sabrina Vieira durante os anos de escola que até hoje ela sente um aperto no coração ao ouvir qualquer um deles, mesmo quando não dirigidos a si. Ela era vítima recorren-

te de bullying dos colegas, por ter estado acima do peso durante toda a adolescência. “Quando eu era mais nova, não tinha muita importância, mas com a chegada da adolescência, aquilo conseguiu me atingir mais”, desabafa. Como resultado das agressões, Sabrina tornou-se mais fechada e trocou os poucos amigos que tinha por amigos virtuais. Foi um deles, inclusive, que abordou o tema da bulimia, pela primeira vez. “Eu havia reclamado várias vezes da minha aparência e esse ‘amigo’ me sugeriu que ‘colocar para fora’ era algo que poderia ajudar. Inicialmente, eu fiquei apavorada com a ideia, mas depois ela não me pareceu tão ruim.” Sabrina começou comprando laxantes. Percebendo o resultado, começou a forçar o vômito após as refeições. Em curto espaço de tempo, perdeu 18 kg. Mas, juntamente com a perda de peso, apareceram outros sintomas que ela não previa. Além de problemas no sistema digestivo, o hábito trouxe ansiedade. Devido às mudanças físicas e de comportamento os pais de Sabrina começaram a estranhar e decidiram levá-la a um psicólogo. Com a ajuda de um profissional, descobriram o que a filha estava fazendo.

“A recuperação é muito mais difícil do que se imagina”, conta a jovem. Ela teve duas recaídas, mas está longe do antigo comportamento de cinco anos passados. Agora, com 21 anos, sente segurança em relação ao seu corpo e não mudaria nada nele. Ela entende que adolescência é um período complicado, mas defende que os jovens precisam saber e ter noção do que suas atitudes podem causar.

“QUANDO EU ERA MAIS NOVA, NÃO TINHA IMPORTÂNCIA, MAS COM O INÍCIO ADOLESCÊNCIA AQUILO CONSEGUIU ME ATINGIR”

“Hoje eu sei, mas a Sabrina de 16 anos, não sabia. E assim como eu, outras meninas também passam por essa situação. Por isso, é importante que todos tenham consciência de que esse é um período difícil, mas passa, e não devemos nos deixar levar pela pressão de outras pessoas”, aconselha.

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PREENCHER O VAZIO Busca por aceitação e vazio interior. Esses são dois dos principais motivos que levam os jovens a tomarem medidas desesperadas durante a adolescência. O psicólogo Eduardo Azevedo credita isso à falta de tempo e acúmulo de tarefas que nos cercam atualmente. “Todo ser humano tem que fazer um movimento exterior para se relacionar com outras pessoas, aprender é um movimento inte­ rior, para calar e refletir. É esse movimento interior que falta ao jovem. Ele não consegue se reconhecer e acaba preenchendo o vazio de forma inadequada”, diz Azevedo. Para evitar que os adolescentes assumam posições que lhes façam mal de alguma forma, o profissional afirma que é necessário que se faça um trabalho desde criança com eles. Eles devem aprender que precisam de tempo para si, para que saibam preencher esse vazio de forma adequada.


SAÚDE

Automedicação é caso de saúde pública O uso irracional de medicamentos, que traz consequencias graves, resultou em mais de 300 mil casos de intoxicação no Brasil entre 2002 e 2012, matando pelo menos 853 pessoas no País

Foto: Kimberly Salomão

Kimberly Salomão

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uem nunca tomou algum remédio sem prescrição médica? A automedicação, vista como alívio imediato de alguns sintomas, pode trazer consequências graves. O uso indevido de medicamentos é considerado um problema de saúde pública no Brasil. Conforme dados do Sistema Nacional de Informação Tóxico-Farmacológica (Sinitox), entre 2002 e 2012 foram registrados 304,6 mil casos de intoxicação no País. A medicação indevida também causou a morte de 853 pessoas, sendo 86 no Rio Grande do Sul. No estado, os dados são do Plantão de Emergência do Centro de Informação Toxicológica (CIT-RS), que atendeu 22,7 mil casos, classificados como “exposição humana a agentes com potencial tóxico”. A intoxicação por medicamentos equivale a 30% desse total. Além disso, conforme o CIT, os medicamentos são os maiores causadores de intoxicação em crianças abaixo dos cinco anos. Segundo o último relatório do Centro, publicado em 2014, o número total de exposição humana a medicamentos foi

superior a 10 mil. Os quatro maiores causadores de intoxicação, conforme o relatório, são os benzodiazepínicos, conhecidos por tratarem ansiedade, convulsões e epilepsia, com 1.952 casos; os antidepressivos com 1.636 casos; o clonazepam, medicação faixa preta que trata distúrbios epilépticos, transtornos de ansiedade, bipolaridade e síndromes psicóticas, com 1.026 casos; e os analgésicos, com 885 casos só em 2014, no Rio Grande do Sul. Os números variam de um estado para outro. A partir disso, o Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico (ICTQ), entrevistou 1.480 pessoas, em doze capitais, e traçou um mapa da automedicação no Brasil. Entre os entrevistados, 76,6.% dos homens e 75,5% das mulheres se automedicam. Além disso, 76,6% consomem medicamentos por indicação da família e/ou de amigos. A porcentagem de pessoas que praticam a automedicação é muito maior na faixa etária dos 16 aos 24 anos (90,1%), do que na dos 56 anos ou mais (51,8%). Parte dos entrevistados, 54,4%, tem o hábito de carregar medicamentos na bolsa ou carteira, e apenas 16,5% declararam consumir analgésicos semanalmente. Os riscos de a automedicação mas-

carar problemas de saúde e da própria combinação de substâncias, são grandes. Conforme Janaina Negri, farmacêutica da Secretaria Municipal da Saúde de Caxias do Sul (SMS), a automedicação é a utilização de medicamentos por conta própria, para tratamentos de saúde “percebidos” pelo usuário. “Intoxicação e mascaramento de problemas são os principais riscos relacionados à automedicação e ao uso indiscriminado de

“NESSES CASOS, A DESCONTINUIDADE DO USO DO MEDICAMENTO DEVERÁ SER ACOMPANHADA PELO PRESCRITOR” (JANAINA) medicamentos”, afirma. Janaina também explica que o organismo pode ficar dependente do medicamento após muitas doses; e que a dependência está relacionada ao mecanismo de ação do medicamento no organismo. Dependendo do remédio, mesmo em doses adequadas

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para o tratamento, pode ocorrer dependência. A farmacêutica recomenda que quando uma pessoa percebe sintomas ou reações físicas e/ou psicológicas, ou seja, diferentes do normal, deve procurar auxílio de um profissional da saúde, antes de utilizar qualquer medicamento por conta própria. Assim, o médico poderá orientar ou até mesmo encaminhar para outro profissional da saúde, dependendo da gravidade dos sintomas. A CIT também faz recomendações. Por meio do seu site, exemplifica que os medicamentos devem ser comprados somente quando prescritos por médico, e que o paciente deve verificar se o comprado corresponde ao receitado. Outro cuidado importante é a verificação do prazo de validade. Em Caxias do Sul, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) promove, anualmente, a Semana do uso Racional de Medicamentos. Nos dias escolhidos, geralmente entre 4 e 11 de maio, são realizadas atividades relacionadas ao uso de medicamentos. Em 2017, a secretaria promoveu atividades educativas nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e nas farmácias do município, além de distribuir fôlderes explicativos.


VIOLIÊNCIA

Os golpes “na praça” e suas artimanhas Estelionato tornou-se prática criminosa comum na atualidade. Em Caxias do Sul, o protagonismo fica com o chamado “golpe do bilhete premiado”, fazendo crescer as estatísticas negativas

O “golpe do bilhete” é apenas uma das mais variadas modalidades de estelionato aplicadas nos dias de hoje. / Foto: Luiz Schmitz

Pablo Ribeiro

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ra uma manhã como qualquer outra na vida de dona Maria Rosa (nome fictício), de 79 anos. Após realizar alguns afazeres no Centro de Caxias do Sul, a idosa se dirigiu até uma parada de ônibus na Rua Vinte de Setembro, para esperar o coletivo e voltar para casa. Uma mulher se aproxima e afirma ter um bilhete de loteria premiado no valor de R$ 1 milhão. Como se não conhecesse a cidade, pede ajuda para a idosa. Outro homem se aproxima e oferece ajuda à mulher que, de imediato, promete uma recompensa de R$ 100 mil para cada um pela ajuda, mediante uma “garantia”. A idosa é induzida a sacar R$ 5 mil e entregar à mulher. Efetivado o pagamento, tanto a mulher quanto o homem fogem com o dinheiro da vítima. Não existia bilhete premiado. Eram dois estelionatários que aplicaram um dos golpes mais comuns e mais crescentes em Caxias do Sul: o do

“bilhete premiado”. A história descrita aconteceu na manhã do dia 14 de agosto de 2017. Foi apenas mais um caso entre os muitos já registrados nesse ano. O número concreto dos casos, porém, é difícil de calcular, porque muitas das vítimas sentem vergonha ao perceber que foram enganadas e não registram boletim de ocorrência em uma delegacia de polícia. O medo de serem taxadas como “gananciosas” também faz com que muitas vítimas deixem o caso esquecido.

Idosos são maior alvo Sobre o perfil das vítimas do “golpe do bilhete premiado”, considerando casos registrados no 1º Distrito Policial (1º DP), delegacia responsável pelas investigações, percebe-se que as vítimas são mulheres, com idades entre 53 e 80 anos. Pela boa-fé, os idosos acabam sendo as “presas” mais fáceis para os estelionatários. Maria Finatto de Oliveira, 60 anos, moradora do Bairro São Caetano, em Caxias do Sul, quase foi vítima de um

golpe. Ela retornava do trabalho para sua residência, quando foi abordada por uma mulher que afirmou ter um bilhete premiado e lhe pediu ajuda. Na sequência, um outro senhor se aproximou e ofereceu auxílio. “O homem realizou uma ligação e

O MEDO DE SEREM TAXADAS COMO “GANANCIOSAS” FAZ COM QUE MUITAS VÍTIMAS DEIXEM O CASO ESQUECIDO

conferiu se os números realmente estavam premiados. Eu conferi junto e sim, estava premiado. O senhor disse que o prêmio era de R$ 3 milhões, mas eu não me interessei. Eu apenas orientei ela a pegar um ônibus e se dirigir até uma agência da Caixa Econômica Federal. Ela foi embora junto com o homem e eu, apenas mais tarde, me conscientizei

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que se tratava de um golpe”, confessa a mulher que, por sorte não foi vítima. O “golpe do bilhete” é apenas uma das mais variadas modalidades de estelionato aplicadas nos dias de hoje. Conforme o secretário municipal de Segurança Pública e Proteção Social de Caxias do Sul, José Francisco Mallmann, impressiona como este golpe continua a fazer vítimas em pleno século XXI. “As pessoas mais humildes e mais simples são as que caem nesse golpe. Os estelionatários querem obter vantagens indevidas em tudo, mediante qualquer artifício para enganar as pessoas”, diz o secretário.

Outros golpistas Outras práticas de estelionato vêm crescendo, principalmente em Caxias do Sul. Uma delas é a da falsa identidade. O secretário Mallmann explica que criminosos vêm se passando por fiscais da prefeitura e, frente a alguma irregularidade nos estabelecimentos que visitam, cobram multas, e o dinheiro vai


VIOLIÊNCIA para a conta dos estelionatários. “Há pouco tempo, um homem entrava no comércio central e apresentava uma carteira de agente público. Ele verificava o alvará de funcionamento dos estabelecimentos, etc. O mais interessante é que fazia um agendamento prévio das visitas, sendo que os fiscais da Secretaria de Urbanismo jamais procedem assim, pois a fiscalização correta deve ser surpresa. Mallmann revela que seria um golpe . Carlos Roberto da Silva, 58 anos, entrou para as estatísticas como vítima do crime cibernético. Disposto a passar férias na praia de Arroio do Silva (SC), Silva pesquisou apartamentos para alugar, em um site não confiável. Entrou em contato com o possível “proprietário”, que exigiu uma quantia em dinheiro como adiantamento. “O rapaz me pediu 500 reais antecipados e, como não desconfiei, fiz a transferência”, diz Silva. Para sua surpresa, quando chegou à praia não encontrou apartamento algum. “No momento me desesperei e me culpei por ter sido tão ingênuo. Registrei a ocorrência e aprendi a lição”, finaliza Silva. Além do crime cibernático, outra prática recorrente é o golpe do falso sequestro, crime que pode ter graves consequências na vida de quem passa pela situação. Luciana Modena, 42 anos, conheceu

“O IMPORTANTE É QUE AS PESSOAS DENUNCIEM. AS AUTORIDADES DEVEM SABER O QUE ACONTECE” (MALLMANN)

essa modalidade de crime em 2011, quando sua mãe foi vítima do golpe. Ela conta que a mãe, de 79 anos, estava sozinha em casa, quando recebeu uma ligação na qual criminosos afirmavam que tinham sequestrado seu filho Ricardo Modena, 30 anos. “Minha mãe vive à base de remédios e sofre de pressão alta. No momento, ela não teve tempo de raciocinar, pois me disse que, ao fundo, se ouvia uma voz parecida com a do meu irmão, que clamava por socorro e chamava por ela”, conta Luciana. O caso tinha chance de ser verídico, pois, segundo Luciana, os criminosos eram “verdadeiros atores”. A mãe de Luciana e Ricardo não se deu conta de que o filho estava há duas semanas trabalhando em Joinvile (SC) e havia feito contato horas antes da ligação. Os criminosos pediram que a idosa transferisse uma quantia em dinheiro para uma conta bancária. Ela afirmou aos estelionatários que possuía apenas 20 mil reais na poupança. Após a transferência, ligou para o número de celular do filho e constatou o golpe. “Nesse caso, esses bandidos tiveram sorte em ligar para uma residência onde uma idosa morava sozinha e não tinha o auxílio de ninguém. Eu

entendo que ela deve ter recebido ameaças, caso ligasse para alguém e, por isso, não manteve contato comigo. Após isso, minha mãe teve mais problemas de pressão. Ela ficou muito abalada psicologicamente”, finaliza Luciana. De acordo com o secretário, quando a pessoa não registra a ocorrência, seja qual for a modalidade de estelionato do qual foi vítima, dificulta o

COMO ACONTECE O GOLPE DO BILHETE

OUTRA PRÁTICA DE ESTELIONATO É O GOLPE DO FALSO SEQUESTRO, UM CRIME QUE PODE TER GRAVES CONSEQUÊNCIAS

trabalho da polícia, o que acaba contribuindo para que o crime cresça. “As pessoas foram ingênuas e se sentem envergonhadas por caírem em um golpe. Porém, precisam fazer o registro para que as investigações possam ocorrer e os criminosos possam ser presos. O importante é que as pessoas denunciem, até mesmo por telefone. É preciso que as autoridades saibam do que acontece”, aconselha o secretário. Para denunciar um crime de estelionato basta a vítima registrar a ocorrência na sede da Central de Polícia, localizada na Rua Irmão Miguel Dario, 1.061, no Bairro Jardim América, ou através do site da Delegacia Online: <https://www.delegaciaonline.rs.gov. br/>. O 190 do Centro Integrado de Operações Especiais (Ciosp) também possui plantão 24h para atender diversos casos, inclusive os de prática de estelionato.

A prática mais antiga e comum de estelionato, o “golpe do bilhete” acontece, por vezes, da mesma maneira, por isso é importante que as pessoas prestem atenção no desenrolar dos fatos para que, efetivamente, se constate um golpe. Abaixo, confira como a abordagem entre estelionatário e vítima ocorre: • costumeiramente, o golpe envolve três pessoas: a vítima, o estelionatário e um cúmplice; • a vítima é abordada pelo estelionatário que afirma ter um bilhete de loteria premiado e que necessita de ajuda para resgatar o prêmio; • para induzir a vítima a ajudar o golpista, outra pessoa aparece. É o cúmplice que promete ajudar. O estelionatário oferece uma grande recompensa, ou seja, parte do valor do bilhete premiado, para quem o ajudar; • a vítima, por vezes, pela boa-fé resolve ajudar. O golpista, porém, avisa à vítima e ao cúmplice que precisa de uma quantia em dinheiro como forma de “garantia” que os dois não fujam com todo o dinheiro correspondente ao prêmio; • após a vítima entregar a quantia solicitada pelo golpista, tanto o estelionatário como o cúmplice fogem com o dinheiro.

Secretário José Mallmann reforça a necessidade de registrar a ocorrência, para que a polícia possa levantar dados. / Foto: UGEIRM/Divulgação

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EDUCAÇÃO

Corte de verbas ao CNPq preocupam Principal agência brasileira de fomento à pesquisa anunciou suspensão dopagamento de bolsas a partir de setembro. Além de debate, o fato provocou a articulação entre a comunidade científica Jennifer Bauer Eme

O

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) atingiu seu teto orçamentário em agosto deste ano (2017), o que provocou a suspensão do pagamento de bolsas e projetos financiados pela Instituição. Estima-se que 90 mil bolsistas e 20 mil pesquisadores sejam prejudicados a partir de setembro. A única medida possível para reverter a situação é a ampliação orçamentária por parte da União. Segundo o CNPq, o orçamento aprovado pelo Congresso e mais o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico previam R$ 1,3 bilhão e R$ 400 milhões respectivamente; entretanto, 44% desses valores foram contingenciados. Do fundo, o CNPq recebeu menos do que 56%: até determinada data o valor pago foi R$ 62 milhões, o que provocou o

segundo dados do CNPq, a entidade havia pago menos de 45% das bolsas de doutorado, em relação às vagas disponibilizadas nessa modalidade em 2015. Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, o secretário de políticas e programas de desenvolvimento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inova-

DECLARAÇÃO DO PRESIDENTE DO CNPq PREOCUPOU BOLSISTAS E PROFISIONAIS DA ÁREA DA CIÊNCIA ções e Comunicação (MCTIC), Jailson de Andrade, declarou que não haveria atraso de pagamentos nem cortes de bolsas oferecidas pelo CNPq. “O MCTIC está focado em manter as bolsas; só pensa nisso. Bolsas são pes­soas, e qualquer atraso que ocor-

tes, causando desmotivação. “Nossa grande preocupação é mostrar para a sociedade que a ciência é um valor, assim como saúde e educação”, reforça Borges.

Impacto na UCS A Universidade de Caxias do Sul conta, atualmente, com 86 bolsas de pesquisa fomentadas pelo CNPq e, segundo o coordenador de Pesquisa da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, Guilherme Holsbach Costa, o número aumentou neste ano, quando as bolsas voltadas para estudantes do Ensino Médio subiram de 20 para 25. Porém, o cenário esperado para 2018 não é otimista, considerando a crise política e econômica pela qual o País passa, é possível que aconteçam cortes no incentivo ao desenvolvimento da ciência. A diminuição no número de bolsas pode atingir principalmente a pós-­ graduação, o que, segundo Costa, prejudicaria um dos principais obje-

acontecesse. “Todas as Universidades e Institutos de Ciência e Tecnologia do País estão mobilizados de forma organizada, para reverter a precária situação em relação ao fomento público da pesquisa científica”, complementa Costa. O maior desafio das instituições de ensino, que contam com apoio de fomento público para a ciência, é continuar desenvolvendo pesquisas, incentivando mais acadêmicos na produção de conhecimento.

PÓS-GRADUAÇÃO DA UCS PODE SER A PRINCIPAL AFETADA COM A REDUÇÃO DE BOLSAS DO CNPq EM 2018

Para Costa, uma das saídas é tornar o investimento de iniciativa privada uma matriz de recursos no campo científico. “Esperamos que, em um futuro mais distante, uma crise do setor público, como a que enfrentamos, não mais nos afete de forma tão significativa. Entretanto, no atual momento, o fomento público ainda é bastante relevante para o bom andamento dos nossos trabalhos.”

DIA C DA CIÊNCIA

déficit de R$ 505 milhões em agosto. Nos últimos três anos, os valores destinados ao incentivo à pesquisa e desenvolvimento tecnológico se mantiveram semelhantes, chegando à casa dos R$ 1,3 bilhão. No primeiro semestre de 2017, foram investidos R$ 471,9 milhões. Mesmo que a cifra se repita no segundo semestre, estima-se que a queda será de, aproximadamente, 38%. O corte de verbas é outro sinal de que a ciência não tem prioridade do governo federal, pois até julho (2017)

ra é um desastre para o estudante ou para o cientista.” No final de setembro, em palestra ao Núcleo de Estudos Avançados do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), o presidente do CNPq, Mario Neto Borges, garantiu o pagamento das bolsas previstas até o final de 2017, seguindo o que o secretário Jailson de Andrade já havia afirmado. Mesmo assim, o cenário de corte de recursos para a área é preocupante. Sem incentivo, a pesquisa é colocada em segundo plano pelos estudan-

tivos da Universidade: a formação de profissionais de alto nível, mestres e doutores. O fato compromete a produção de conhecimento, o desenvolvimento de pesquisas e avanços tecnológicos, por exemplo, gerando impacto para toda a sociedade. A notícia da possível suspensão de pagamentos, por parte do CNPq, deixou a Pró-Reitoria em alerta. A Universidade começou uma articulação com outras instituições para monitorar os acontecimentos e pensar em soluções, caso algum atraso

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No dia 25 de outubro (2017), 65 univesidades, centros e instituições de ensino se reuniram para divulgar a importância do incentivo à ciência e pesquisa no País. O evento “Dia C da Ciência” é uma iniciativa nacional do Colégio de Pró-Reitores de Pesquisa, Pós-­ Graduação e Inovação das Instituições Federais de Ensino e do Fórum de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (Foprop). A edição de 2017 contou com programações específicas em cada uma das instituições participantes, que organizaram seminários, palestras, programas de rádio e TV, além de publicações virtuais com o objetivo de discutir a situação do desenvolvimento de pesquisa no País. Este ano, o envento ganhou destaque, depois que o presidente do CNPq anunciou que o órgão sofreria um corte de verbas e poderia não arcar com suas contas a partir de agosto.

Para saber mais, acesse: <http:// www.diacdaciencia.org/>.


EDUCAÇÃO

O diploma na formação do jornalista contemporâneo A exigência de diploma continua sem obrigatoriedade, mesmo com um jornalismo totalmente ligado às redes sociais e cada vez mais associado às chamadas fake news Denise Costa

A

o não informar ou passar informações incompletas, os veículos de comunicação favorecem a proliferação das chamadas fake news e dos “fatos alternativos”. Parece coerente destacar que, ao mesmo tempo, o jornalista profissional está “dispensado” da obrigatoriedade do diploma. A proliferação cada vez maior de falsas notícias e a legislação que garante que um jornalista não necessita de formação acadêmica, são duas questões totalmente interligadas. A norma e a lei, e não propriamente uma ética da comunicação, têm representado as principais, senão as únicas, saídas para gerir as relações entre mídia e sociedade. Geralmente, as profissões mais apreciadas pela sociedade são as utilizadas para o bem comum, como a odontologia, que lida com a saúde bucal; o direito que rege as leis para uma sociedade organizada; ou até mesmo a nutrição que cuida da alimentação. O jornalismo, por sua vez, tem a enorme responsabilidade de informar o cidadão sobre os acontecimentos diários acerca do mundo. A Lei 33/2009, estabelece que o diploma de Jornalismo como requisito

Formação ética para obtenção do registro profissional não é obrigatório, discussão que permanece atual e divide opiniões. Mesmo em tempos de internet, quando qualquer pessoa pode ser um divulgador de informações, a atividade jornalística continua fundamental. O jornalista que passou pelo curso é provocado a pensar o jornalismo éti-

“AS PESSOAS CONFUNDEM MUITO O QUE É JORNALÍSTICO E O QUE ESTÁ APENAS NA REDE HOJE EM DIA” (MARISTELA)

ca e tecnicamente, compreendendo com mais consciência as consequências do seu trabalho. Evidentemente, um jornalista com formação específica estará muito mais preparado do que um simples produtor de conteúdo para apurar, questionar, investigar e publicar informações. Mas por que o diploma é tão impor-

Quem defende o diploma considera que a formação garante reconhecimento profissional. Foto: Lucimara Pezente tante? Em conversa com a jornalista Maristela Deves, do jornal Pioneiro (RBS), percebe-se que o profissional portador do diploma consegue entender melhor as questões técnicas e humanísticas da área: “O diploma é importante porque a faculdade vai te dar uma base, não só na questão de escrita mas também na parte da psicologia, sociologia, ética e de assuntos que, entrando no mercado de tra-

Jornalismo atual versus diploma balho sem formação, tu não vais ter.”

Os ensinamentos recebidos na faculdade pelos jornalistas tem grande importância na hora de exercer a profissão. O jornalismo muda a cada dia, fazendo com que as pessoas confundam a notícia rápida de redes e blogs com notícias aprofundadas e investigadas de sites de veículos. A partir disso, percebe-se pouca preparação por parte do chamado cidadão-repórter, que faz a produção rápida de textos, com o intuito apenas de proliferar uma notícia. O cidadão-repórter tem compromisso com a entrega do fato/”notícia”, enquanto o jornalista tem compromisso profissional e ético com a investigação, produção e distribuição/entrega de seu trabalho. Jornalismo e sociedade caminham juntos, ele, com a obrigação primeira de servir e ela, com a obrigação de exigir um bom serviço. Cumpridos estes dois requisitos, ganham ambos: o

jornalista e a sociedade. Atualmente, deparamos-nos com um “despreparo” do consumidor de notícias frente o que lhe é mostrado. “Muitas vezes, ele não consegue avaliar o que é ou não notícia, replicando fatos absolutamente falsos. Mas esses mesmos blogs e sites não têm compromisso de seguir a questão ética e as regras como um verdadeiro jornalista. Acho que as pessoas se confundem em relação a isso. Talvez haja um despreparo em relação ao saber o que é notícia ou não”, destaca Maristela. Com a internet como fonte de informação instantânea, há uma difícil fiscalização do que é jornalístico ou não em blogs e sites. O que se percebe é que as pessoas pedem cada vez mais um jornalismo ‘da verdade’, com raízes mais éticas. O coordenador e assessor de comunicação da Sindipetro da Serra gaúcha, André Paulo Costamilan, afirma que as mídias digitais evoluem rapidamente, possibilitando ao cidadão divulgar opiniões e informações sem critérios, compromisso e responsabilidade com a verdade, além dos boatos que são vistos diariamente: ”Podemos perceber que o jornalismo e o jornalista têm, como grande desafio, distinguir-se do cidadão-repórter: destacarem-se pela responsabilidade de divulgar informações precisas, éticas e equilibradas.” O repórter precisa estar cada vez mais preparado para apresentar o texto final perfeito. Costamilan acredita que a dificuldade do jornalismo contemporâneo está na questão da “briga” pela rapidez na divulgação de informações com o cidadão-repórter: “O

cidadão posta uma foto de acidente muito mais rápido que qualquer empresa de comunicação. Contudo, não há responsabilidade com a divulgação ética e legal. O bom jornalismo divulgará esse mesmo fato com ética e base na lei. Aí também entra a questão do diploma. A formação específica passa por esses aspectos le-

Importância do diploma gais”, afirma. Esta atividade não pode deixar de ser reconhecida como uma profissão de valor. O jornalista com formação específica conhece a história da profissão, entende a atividade e pode aliar a prática ao aprendizado da sala de aula. A não obrigatoriedade do diploma pode, sim, estar muito ligada a esta geração fake news, segundo a qual tudo pode ser considerado jornalismo. A importância de um diploma para um profisisonal mais ético e transparente, dentro dos veículos que informam a sociedade, é grande e, mesmo com a não obrigatoriedade, é importante uma base de estudos para que a informação ande junto com as plataformas, de modo que tudo isso seja ético. O debate sobre a exigência do diploma em jornalismo atravessou as últimas décadas e ainda está presente intensamente, mostrando que a brigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo parece ser adequada, útil e proveitosa, não só para os jornalistas, mas para toda a sociedade.


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