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saúde e bem-estar um corpo perfeito pode ser prejudicial a sua saúde

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cultura música como instrumento cultural de transformação

meio ambiente e se as abelhas fossem extintas?

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te tando

atelier de jornalismo impresso

Serra Gaúcha

Universidade de Caxias do Sul

ciência ou preconceito? a recepção aos atletas trans no esporte É um menino! É uma menina! Essas são frases carregadas de êxtase, que surgem ainda no início da gestação, e que podem ditar uma série de comportamentos de uma nova vida. Mas o que é ser um “menino”? O que é ser uma “menina”? Há anos, ativistas e estudiosos lutam para sair da simples polarização criada entre a figura do homem (masculino) e da mulher (feminino). @karinezanardi_

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economia [crônica] esporte

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o futebol moderno está acabando com o torcedor apaixonado Não é pelo escanteio curto, muito menos pelo árbitro de vídeo. É pela cadeira numerada, pelo ingresso caro, pela elitização do esporte.

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Como transformar seu dinheiro em investimento saudável O sonho de muitas pessoas é ter uma vida financeira segura. Por mais que se foque em ganhar dinheiro, se não houver esforço para trocar hábitos e a mentalidade frente a ele, dificilmente conseguirá guardá-lo ou multiplicá-lo.


um, dois:

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te tando Alessandra Rech

Reitor Dr. Evaldo Antônio Kuiava Diretor da Área do Conhecimento de Ciências Socias Me. Fábio Eberhardt Teixeira Coordenador do Curso de Jornalismo Dr. Marcell Bocchese Disciplina Atelier de Jornalismo Impresso Professora Dra. Alessandra Rech Projeto Gráfico Daniel Ribeiro Isadora Martins João Vítor Perozzo Letícia Kreling

A gente, que é da Comunicação, tem como matéria-prima a novidade. Assim, aprendemos desde cedo a nos reinventar um pouco a cada fato que precisamos conhecer para divulgar, a cada foto de capa que precisamos produzir, a cada encontro com o universo do outro que chega até nós - esse que a técnica sugere que denominemos fonte. Bebemos, cotidianamente, de fontes novas, e mesmo que muitos sucumbam à tentação do cômodo e rotineiro, certamente o jornalismo que se perpetua com os anos e as transformações tecnológicas que modificam hábitos e horizontes é este que procura se renovar. Na experiência docente (e já se vão mais de 12 anos!), também os procedimentos rotineiros escapam aos meus modos de fazer. Confesso que não sei dar uma aula igual à outra, e não acredito mesmo que um formato fixo seja muito útil em pleno século XXI, quando a sociedade contratual, aquela das instituições religiosas, da estabilidade no emprego, da família baseada no “até que a morte nos separe” já se mostrou falível. No momento em que escrevo este editorial, tramita no Congresso Federal (espero que até a leitura de vocês essa seja só mais uma vergonha do nosso passado político) a possível queda de registro profissional para radialistas, jornalistas, publicitários, entre outras precarizações que nos escandalizam mas, pelo visto, não nos movem suficientemente ao combate. Este Textando que chega até vocês tem a pretensão de ser novo, das reportagens ao projeto gráfico. Mudamos o layout; ousamos trabalhar em preto e branco as imagens, refletimos sobre objetividade e imparcialidade e substituímos, algumas vezes, o rigor da técnica pelo desejo de resgatar, com um texto mais próximo ao do jornalismo literário, a humanidade que escasseia nas coberturas da mídia hegemônica. Estamos de cara nova, e com marcas dessas experiências que nos obrigam a fazer e repetir, dialogar, propor novamente, algumas vezes até discordar e quase desistir. O nascimento de um impresso costuma ser assim mesmo, um tanto intenso. E certamente o segundo que virá dentro dessa nova concepção já terá agregado muito desse aprendizado para as suas próximas mutações. Somos jornalistas, mas podem nos chamar de seres em metamorfose, muitas vezes xeretas e até vaidosos. Temos um orgulho visceral dos nossos feitos, e isso se explica humildemente pela graça de saber que, impressos ou nas telas, nossos rebentos já nascem com os olhos do mundo postos neles. Nos honra a oportunidade de informar, de provocar e - talvez (como desejava a primeira geração de futuros jornalistas que ingressou na UCS em 1992, eu entre eles) - transformar esse mundo onde, apesar de tantos avanços nefastos, ainda circula a esperança dos que amam o que fazem.

Reportagens Almeri Angonese

Eduarda Eitelven Bucco

Karine Salton Xavier

Raiane Martininghi;

Ana Caroline Tavares

Fábio Bielscki de Matos

Karine Zanardi dos Santos

Raquel da Silva Carvalho

Ana Paula Rossi do Amaral

Fernanda N. Mondadori

Laura Waechter Kirchhof

Tahena Blanco Irigoyen

Bárbara Guidolin Morello

Franciele Pedroso

Manuella de Souza

Tainá Reginato Menegat

Camila Lúcia Borges

Gustavo Colferai

Natália Zucchi

Carolina Freitas da Rosa

Ingrid Raquel Fochezatto

Pedro Facundo Giles

Clayton de Camargo

Jorge Alves Junior

Pietra Pauletti


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economia

@nataliazucchi

a receita do jovem para a vida financeira saudável Uma vida sem dívidas. O dinheiro como meio para alcançar objetivos. Como multiplicá-lo com investimentos legais? Bárbara, Franciele Natália e Taina

gativos, principalmente em situações emergenciais.

O sonho de muitas pessoas é ter uma vida financeira segura, com os boletos em dia e ainda algum dinheiro para investir. E a verdade é que, por mais que se foque em ganhar dinheiro, se não houver esforço para trocar hábitos e a mentalidade frente a ele, dificilmente conseguirá guardá-lo ou multiplicá-lo. A falta de harmonia entre a vida da pessoa e a organização financeira pode desencadear aspectos ne-

Um estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) avaliou que em países onde a educação financeira é propagada desde a infância, a sociedade tem mais capacidade de identificar momentos de risco e consegue formar uma reserva de dinheiro. Nos Estados Unidos, por exemplo, 30% da população está informada nesse sentido. A realidade no Brasil é outra: os brasileiros não têm o hábito de poupar. Segun-

do a última pesquisa feita pela The Global Findex, organizada pelo Banco Mundial, em 2017, apenas 14% dos brasileiros pouparam no período de um ano. Entre os 140 países avaliados, o Brasil ficou com a 74ª posição. Um das justificativas é o fato de ganhar pouco. O levantamento do Banco Mundial também mostrou que existe uma forte relação entre renda e percentual de pessoas que fazem reservas. No ano de 2017, a Confederação Nacional de Dirigentes Lojis-

tas (CNDL) e o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) também realizaram uma pesquisa, apontando que 46% dos jovens brasileiros, entre 25 e 29 anos, encontravam-se inadimplentes. Entre os que têm idade entre 18 e 24 anos, a proporção é de 20% , os dois grupos juntos representam cerca de 12,5 milhões de pessoas. Outra pesquisa nacional encomendada pelo SPC Brasil apontou que o consumidor brasileiro não tem o hábito de poupar dinheiro e, quando polpa, é para consumir ainda mais e não para formar um fundo de reserva. O estudo revela ainda que, entre aqueles que têm o hábito deguardar dinheiro, a maioria tem perfil conservador e prefere investimentos mais seguros como a caderneta de poupança.


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a psicologia do dinheiro Para a psicóloga clínica Bruna Souza, existem diversos fatores socioculturais e também familiares presentes no inconsciente coletivo que influenciam no “modelo financeiro” e na interpretação acerca do dinheiro em si. Isso significa que uma grande parcela de pessoas não desenvolve facilmente a capacidade interna para conquistar ou conservar o seu dinheiro. “O ‘modelo financeiro’ de uma pessoa consiste em uma combinação de seus pensamentos, sentimentos e comportamentos em relação ao dinheiro. Muitos foram ensinados a pensar e agir de determinadas maneiras frente ao dinheiro e isso influencia diretamente na maneira como nos comportamos

com ele. Frente a isso, é de suma importância investir no autoconhecimento e autoanálise para refletir a respeito do que foi aprendido a partir dos pais ou responsáveis quando criança. Conscientizar- se de suas crenças a respeito do dinheiro pode alterar a importância e o significado que você confere a ele”, explica. Conforme a profissional, a intolerância e a frustração também contribuem para que muitas pessoas, independentemente de faixa etária, acabem canalizando as suas emoções em certas manias, como por exemplo, o comprar excessivamente, o que pode levar ao endividamento. “Fazer uma análise

sobre a qualidade dos pensamentos e emoções pode ampliar a saúde emocional que, por sua vez, influencia diretamente nas atitudes e comportamentos, inclusive os que têm relação direta com o dinheiro”, afirma. Outro ponto importante analisado pela psicólo-

“Uma grande parcela de pessoas não desenvolve facilmente a capacidade interna para conquistar ou conservar o seu dinheiro”

ga está na associação que muitas pessoas fazem do dinheiro com o sucesso. “As pessoas que acreditam que sucesso traz satisfação pessoal acabam confundindo e invertendo a ordem do ‘ser, fazer e ter’. Uma pessoa bem sucedida interna e externamente provavelmente não apenas fará sucesso como o manterá, o ampliará e o mais importante de tudo: o usará para se sentir mais satisfeito. O segredo consiste em alterar o pensamento: ‘se eu tiver muito dinheiro, poderei fazer o que eu quiser e serei um sucesso’, para ‘se eu sentir satisfação pessoal com aquilo que sou, poderei fazer o que for necessário para ter o que eu almejo, inclusive o dinheiro”.

a liberdade da vida sem dívidas Enquanto muitos jovens adultos ainda moram com os pais e têm poucas despesas com a casa, outros encaram a independência com força e determinação, sustentando sua vida, sem abrir mão dos sonhos. É a história de Diully Karoline Mello, que aos 22 anos mora com seu gato Rodolfo em um apartamento alugado em Bento Gonçalves e vive com cerca de dois salários mínimos mensais, fruto do seu emprego fixo e de atividades administrativas freelancer. Diully saiu da casa da sua mãe no início de 2018 e passou alguns meses morando com a família do namorado. No mesmo período, a jovem abandonou um emprego no qual não se sentia feliz e começou a trabalhar como secretária

em um consultório médico, quando também optou por trancar a faculdade de Biomedicina. Com tantas mudanças ocorrendo de forma simultânea em sua vida, Diully começou a buscar orientações, através da internet, sobre como economizar, gerar renda e multiplicar seu dinheiro. Ela recebeu indicações de conteúdos em livros, vídeos no Youtube, como o canal Me Poupe, da jornalista Nathalia Arcuri, e aplicativos de finanças. “Não tive educação financeira em casa. Minha mãe sempre estava endividada. Com isso, ao invés de eu seguir o mesmo caminho, sempre tive a clareza que eu não queria passar pelas mesmas situações.

Nunca fiquei no negativo. Em mais de 15 meses morando sozinha, nunca pedi dinheiro emprestado. Não dever é meu primeiro objetivo. Prezo por sempre pagar as coisas em dia”, afirma. Com a mudança para o seu novo lar, Diully pode aplicar, através da mudança de hábitos, o que vinha aprendendo sobre educação financeira. Estruturou um controle financeiro rigoroso através de planilhas e aplicativos, onde separa os gastos básicos e os circunstanciais, categorizando por educação, saúde e cartão de crédito. Diully também criou o hábito de colocar no papel seus objetivos de curto, médio e longo prazo, sinalizando tudo o que gostaria

de realizar ou adquirir. Foi então que pequenas mudanças de comportamento, como deixar a TV ou luzes desligadas, também passaram a ter impacto nas finanças. Essa quantia de dinheiro poupada na conta de luz poderia vir a ser revertida na realização das suas metas. “Uma das coisas que eu quero fazer desde os meus 14 anos é estudar inglês. Eu não tinha acesso, minha mãe não tinha dinheiro. Por isso, será uma grande conquista quando concluir o curso de inglês ainda neste ano. Isso é um reflexo das mudanças que adotei na minha vida em relação ao dinheiro”, destaca, emocionada. Assim como poupar tornou-se fundamental, Diully


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sabia que o segundo passo seria aplicar o dinheiro em investimentos que multiplicariam sua renda, Foi então que ela passou a estudar as opções de investimento em renda fixa, com previsibilidade sobre o valor de retorno do valor investido. Primeiro, ela definiu que precisaria de uma determinada quantia para formar sua reserva de emergência, um montante de dinheiro destinado para cobrir seus gastos mensais por pelo menos seis meses, caso passasse por alguma situação na qual não tivesse mais renda, como perder o emprego ou ficar doente. A metodologia adotada por Diully é confirmada por especialistas de mercado.

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Pedro Pauletti, assessor da Messem Investimentos de Caxias do Sul, vinculada à corretora XP Investimentos, indica primeiro mapear todos os custos durante o mês e guardar o equivalente para construir esse fundo de emergência. Feito isso durante um período de tempo, pode começar a investir. Assim como Diully tem feito, Pedro aconselha começar aos poucos, em uma aplicação de curto prazo, como um CDB (Certificado de Depósito Bancário) de renda fixa. “Conforme você vai ganhando experiência, pode começar a se arriscar mais, se encaminhando para um fundo de renda variável, ou fundo imobiliário e outros que apresen-

tam mais riscos”, explica. Para isso, Diully está colocando parte deste valor na NuConta do banco NuBank e outra no Tesouro Selic, um título público do governo, onde o dinheiro aplicado é emprestado ao estado, que devolve com juros baseados na Taxa Selic. Diully também investe no Tesouro IPCA, outro título público baseado no índice de inflação, com o objetivo de multiplicar seu dinheiro para uma futura viagem. Para fazer as aplicações nos Tesouros, ela utiliza a corretora de investimentos Modal Mais. “Retirei todo meu dinheiro da poupança para aplicar na NuConta, que garante o dobro de rendimento em relação à poupança. Tam-

bém escolhi uma corretora de investimentos confiável ao invés dos bancos tradicionais porque o dinheiro rende mais”, explica. A diferença entre um banco e uma corretora de investimentos, conforme Pauletti explica, é que o banco usa o seu dinheiro para fazer empréstimos com uma taxa de juros altíssima “e quando for devolver para você, a taxa de utilização não chega a ser de 1% ao mês, fazendo com que o banco fature muito mais com o seu dinheiro do que você, enquanto que a assessoria ajuda os clientes a aplicar em fundos que tenham um retorno muito maior, de 7% a 15%”, afirma.

um pouco por vez Mesmo vivendo com cerca de dois salários mínimos, Diully procura separar todo mês o valor de R$ 150 para investir nos seus objetivos. “Nem sempre consigo seguir a meta, dependo dos gastos inesperados do mês, mas o importante é ser persistente. Hoje ainda não invisto em produtos mais rentáveis, como ações de empresas, por me sentir insegura em não ter conhecimento de mercado. Mas acredito que estou no caminho certo. Meu próximo sonho é viajar e em 2020, retornar para a universidade.”

de que você poderia estar gastando em qualquer outra coisa que muitas vezes é até fútil”, salienta. Uma dica valiosa para quem quer investir é definir um valor mínimo, como

uma conta fixa. “Quando sobrar além deste valor, você investe um pouquinho mais e pode ir aumentando o valor mínimo. Com certeza, o resultado será satisfatório”, diz a gerente.

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Existem diversos tipos de investimentos e corretoras de investimento, algumas plataformas são exclusivamente criadas para investir, como a que Diully utiliza para fazer suas aplicações. Mas para

quem ainda não está familiarizado com as opções, é importante iniciar com a poupança, mesmo que seu rendimento seja muito baixo. “Há quem prefira e se sinta mais seguro com investimentos bancários, por considerar de grande importância seu renome. E a poupança pode ser a porta de entrada para a reserva financeira. O rendimento da poupança é conforme a Taxa Selic e atualmente com a Selic em 5,5% e a Taxa Referencial zerada, o rendimento mensal da poupança é de, aproximadamente, 0,35% ao mês”, afirma a gerente de operações do Banco Itaú, Raquel Saldanha. Ela pontua que não precisa investir metade do seu salário para ver seu dinheiro crescer, basta separar para esse fim uma parte consideravelmente pequena. ‘’É uma quantida-


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a terapia como aliada na saúde financeira Diully não enfrentou sozinha todas essas mudanças. Desde 2017 ela conta com apoio psicológico, essencial para adaptar sua rotina e principalmente sua relação com o dinheiro. “A terapia me trouxe clareza sobre meu futuro profissional e minhas necessidades pessoais. Me fez buscar viver melhor. Ir para a psicóloga também se tornou um investimento”, destaca. O ano de 2017 também foi decisivo para Maísa Cristina Moro, quando iniciou o

acompanhamento psicológico. A estudante do curso Publicidade e Propaganda, natural de Bento Gonçalves, na época com 22 anos, estava inquieta por ainda não ter alcançado sua independência, imaginada anos antes, onde esperava ter sua própria casa e uma vida confortável logo no início da vida adulta. Mas na realidade, Maísa encontrava-se com muitas contas para pagar e sem condições financeiras para realizar seus sonhos. Somando a isso, a jovem con-

vivia com a bulimia. “Cresci presa em padrões de beleza e passei por transtornos alimentares durante 12 anos. Isso me fez gastar muito dinheiro com procedimentos estéticos e comidas, ambos consumidos de forma intensa. Precisei buscar ajuda com psicóloga e também com nutricionista. Foi então que eu percebi que o dinheiro era assim como a comida, servia para suprir as emoções que faltavam. Por isso, a terapia me fez ver o que de fato faz diferença na

minha vida. O que é gasto e o que é investimento. Também passei a ver o dinheiro como calorias. Posso equilibrar calorias em refeições para poder jantar algo que não esteja na minha rotina alimentar com meus amigos, assim como eu também deixo de comprar alguma roupa que não preciso, que seria apenas um prazer imediato, e pago uma viagem no ano. São escolhas que depois de um tempo viram hábitos e que me transformaram”, declara.

“me arrependo de não ter começado antes” Procurando novas formas de ganhar dinheiro enquanto precisava bancar os procedimentos estéticos, Maísa passou a pesquisar na internet sobre gerar renda extra, quando acabou esbarrando no canal no Youtube Me Poupe. Por meio do Canal, ela conheceu o economista Gustavo Cerbasi, autor dos livros Investimentos Inteligentes, Adeus Aposentadoria e Cartas a um Jovem Investidor. Inicialmente, não entendia como as economias fariam com que ela mudasse de vida. Mas com a leitura e também assistindo ao canal do autor no Youtube, passou a entender os termos utilizados e aprendeu o efeito dos juros compostos. “Eu entendi que não adianta apenas focar em ganhar mais. É preciso investir. Na verdade, se não fizer investimento, você apenas trabalha e guarda para perder continuamente pela inflação. Isso porque o dinheiro

bem investido trabalhará por você ao longo do tempo que ele estiver aplicado. Quando olho para trás e lembro que comecei as primeiras experiências de trabalho com 12 anos, me arrependo de não ter começado a poupar e investir antes”, esclarece.

“Na verdade, se não fizer investimento, você apenas trabalha e guarda para perder continuamente pela inflação. Isso porque o dinheiro bem investido trabalhará por você ao longo do tempo que ele estiver aplicado.”

De acordo com a psicóloga Bruna Souza, da mesma forma como há diferentes didáticas para aprender outras línguas com êxito, também existem rotas e estratégias comprovadas para criar rendimentos elevados, ter maior liberdade financeira e se relacionar assertivamente com o dinheiro. “É necessário apenas estar disposto a aprendê-las e aplicá-las. Na maioria dos processos de educação financeira são consideradas as crenças atuais do sujeito com relação ao dinheiro e ofertadas novas formas de perceber e se relacionar com ele, o que torna a relação sujeito–dinheiro, muito mais saudável e assertiva. Os benefícios da educação financeira considerando a saúde psíquica são diversos: controle de impulsos, estabelecer prioridades, não canalizar emoções em compras compulsivas, evitar o estresse e ansiedade por endividamento, entre

outras”, destaca. Através da educação financeira, o primeiro passo tomado pela jovem foi diminuir seus gastos. Logo após, passou a priorizar o pagamento de contas antigas e abrir espaço para os investimentos, como uma “nova conta”. “Aquilo que reconhecemos como um boleto fica muito mais fácil de honrar. O melhor é que essa conta, na verdade, é um investimento no futuro. Lá na frente, você vai usufruir o que está poupando agora sem perder patrimônio”. Foi assim que parte do seu salário passou a sobrar todo o mês. Após seis meses, Maísa já havia criado planilhas com objetivos traçados, meta de reserva de emergência, meta da independência financeira, passou a utilizar aplicativos de controle financeiro e realizou seu primeiro investimento. “Durante minha criação tive dois exemplos distintos. Minha mãe gastando toda sua renda e


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crônica meu pai economizando de forma rígida. Então, quando comecei a estudar sobre educação financeira e investimentos, pensava só lá na frente, queria com 35 anos me aposentar. Isso foi um reflexo da minha criação, inicialmente mais consumista como minha mãe, e no começo do processo de aprender a poupar e investir como meu pai. Hoje priorizo um equilíbrio, o qual aprendi na terapia. Agora penso em me aposentar com 55 anos, 20 anos a mais, mas porque faço escolhas que vão me permitir chegar lá com uma mente saudável”, destaca. Funcionária pública concursada e publicitária freelancer, Maísa hoje tem 24 anos, ainda mora com os pais e está focada em administrar sua renda. Conforme conta, sua estratégia é fazer um planejamento mensal e carimbar seu dinheiro com objetivos, como o carimbo da viagem, o carimbo da academia ou das compras do mês, para que o dinheiro já fique separado e represente uma

Então, quando comecei a estudar sobre educação financeira e investimentos, pensava só lá na frente, queria com 35 anos me aposentar. Isso foi um reflexo da minha criação

pequena meta concluída. Ela já teve seu dinheiro aplicado na NuConta, e hoje aposta no robô de investimentos Warren, onde investe em ações na bolsa de valores, multimercado e renda fixa e no robô de investimentos em criptomoedas Eliot, vinculado a Warren. “Minhas dicas para quem está começando é: se você está endividado no momento, comece a pagar as dívidas com os maiores juros, e procure sempre negociar. Não espere tanto tempo para começar a investir, você pode começar com muito pouco, em algumas corretoras R$ 30 já são suficientes. E sempre alimente os sonhos e seus investimentos. Sem um objetivo, sua meta financeira se distrai muito fácil. Por isso, continue sonhando para se manter engajado”. “Minha maior conquista foi ver a liberdade que tive após administrar bem meu dinheiro. Na verdade, o dinheiro me permitiu colocar minhas virtudes em primeiro lugar. Não preciso pegar um freela para algo em que ultrapasse meus princípios porque tenho uma boa reserva financeira que me permite escolher. Hoje poder viajar é outra conquista, algo que antes para mim era inviável devido ao meu padrão de vida insustentável. Isso tudo me fortaleceu muito. Quando você tem metas e objetivos claros na sua mente, ninguém te derruba”, orgulha-se.

tempestade de inspiração [especial] Gisiele Pimel

O barulho no telhado desperta sensações en-

graçadas. O doce e familiar efeito sonoro natural desde sempre foi capaz de efeitos mágicos. Para dias de insônia? Sons de chuva que relaxam. Para madrugadas de escrita? Sons de chuva que juntam-se às articulações das mãos na construção de cada nova história. Tudo inspiração. O que te inspira? Por vezes sentar na cadeira, em frente à janela que dá para a melhor vista não é suficiente. Levanta, senta, liga o computador, joga palavras na agenda. Tudo na expectativa da construção de uma boa história. Mas, então, como em um estalo, a ideia vem. Procura na rede social dos vídeos ou naquela que entoa apenas sons. Agora vai. Papel e caneta nas mãos, o teclado à disposição. Nos fones de ouvido, trovoadas e ventos fortes são ouvidos. A enérgica tentativa de fugir ao mundo real para construir algo que valha a pena ser lido por outro. A chuva se precipita, a tempestade parece piorar a cada parágrafo, cada linha digitada significa um momento a mais de inspiração guiada por eletrônicos disfarçados de algo natural. O texto termina de se construir. Cada “a” digitado violentamente às duas horas da madrugada, com uma xícara de café e mãos trêmulas. Encerra-se o navegador, a música “ambiente” se vai com o alerta do sistema e ao descansar os fones sobre a mesa descobre que por todo esse tempo, a verdadeira mágica caía dos céus. Uma tempestade eletrizante era regida no céu por roqueiros invisíveis, que davam agudos com suas guitarras de maneira tão forte que luzes saltavam. No momento em que as nuvens descontrolavam-se de seus papéis perfeitos, que o vento mostrava a sua força como um adolescente buscando impressionar, ali concentrava-se toda a mágica, a possibilidade real de criação. Sem eletrônicos, sem fones de ouvidos ou propagandas de fast food, apenas a inspiração de contar uma nova história.


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economia promessa de lucros elevados com baixo investimento atrai pessoas para esquema ilegal no país Uma Pirâmide Financeira é um esquema empresarial onde a renda para os participantes vem da remuneração por indicação de novos membros, e por meio de uma aplicação financeira inicial, com a promessa de altos ganhos. No Brasil, essa prática é considerada ilegal, enquadrada na Lei 1.521/51: “obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos”. Mas porque essa atividade atrai tantas pessoas?

Para o economista Junior Calza, a promessa de lucros elevados, rápidos e com baixo investimento faz com que muitas pessoas se sintam atraídas pelo modelo de negócio. “Os investidores de pirâmide preferem retornos rápidos e grandes, ao invés de retornos recorrentes e sólidos. Além da questão comportamental, a condição mental parte do princípio de quanto mais, melhor”, afirma. De acordo com Calza, a prática enquadra o consumidor a um estágio de irracionalidade para obtenção de um investimen-

to e também considerada injusta por não haver condições de regulamentação para todas as empresas da área.

novos investidores deixam de ser suficientes para pagar os membros mais antigos, causando prejuízo a todos os participantes.

Para entender como funciona uma pirâmide financeira, basta saber que a pessoa no topo é a primeira a vender o bem ou serviço para outras pessoas, que também têm a obrigação de continuar com as vendas, formando vários níveis, ou cadeias, sempre com um novo “degrau”. Entretanto, em algum momento essa cadeia é rompida e os valores dos

Muitas vezes o esquema de pirâmide pode ser mascarado com nomes de modelos comerciais diferentes, como por exemplo o marketing multinível (MLM), baseado na comercialização de produtos e serviços que é totalmente legal no país. Daí a necessidade de analisar corretamente um modelo comercial antes de começar a investir.

@tainarnia


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esporte

@karinezanardi_

a travessia entre ciência e preconceito O caminho enfrentado por atletas transgênero na prática esportiva Ingrid Fochezatto Karine Zanardi dos Santos vO século XXI mostra a cada dia que a complexidade humana não pode ser reduzida a um binômio quando o assunto é expressão, aparência e identidade de gênero. As diferenças e semelhanças encontradas no tema têm causado mudanças em diversas áreas socioculturais ao redor do mundo e, ganharam no esporte um capítulo extra. A discussão é recente: atletas transgênero têm ou não vantagem sobre atletas cisgênero?

No Brasil, o caso da jogadora de vôlei profissional Tiffany Abreu acendeu de vez a polêmica. Ela é a primeira mulher transexual a disputar a Superliga feminina, com respaldo do Comitê Olímpico Internacional (COI). A atleta cumpre os requisitos estabelecidos: para serem elegíveis no esporte, mulheres trans precisam se declarar do gênero feminino (reconhecimento civil) e ficar por, pelo menos, um ano em tratamento hormonal, com nível máximo de 10 nmol/L de testosterona. O índice deve ser mantido antes da estreia em

competições e durante todo período. Tiffany, por exemplo, possui nível de testosterona de 0,2 nmol/L, medida inferior até aos valores de mulheres cis (entre 0,21 e 2,98 nmol/L). Já, homens trans podem participar de competições masculinas sem nenhuma restrição. Obviamente, o uso de medicamentos hormonais leva a uma mudança corporal, mas não existem estudos que apontem a margem de interferência no desempenho esportivo. Para o COI, intervenções anatômicas cirúrgicas (em especial a cirurgia de redesignação sexual) não são

necessárias para a preservação de uma competição justa, ao mesmo tempo em que vai totalmente contra a noção de direitos humanos.


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entenda melhor De acordo com o professor de biomecânica da UCS, Guilherme Brodt, antes da puberdade, indivíduos do sexo masculino e feminino possuem praticamente a mesma concentração de hormônios. Após os 12 anos de idade, em média, esses níveis começam a flutuar, podendo chegar a 42 nmol/L de

testosterona em meninos e 2,4 nmol/L em meninas.

tência podem ser diferentes”, explica Brodt.

Depois da maturação sexual o valor de testosterona se fixa por toda a vida de 7 a 31 nmol/L em homens e 0,3 a 2,9 nmol/L nas meninas. “A concentração de testosterona afeta basicamente duas características, força e velocidade, e com isso explosão e po-

Mulheres atingem a maturação antes que os homens nos sistemas cerebral, hormonal e reprodutivo. Já o sistema osteomuscular se forma ainda na infância. Quando estimulamos o corpo a tratamentos hormonais é possível verificar diferenças

em algumas das características citadas, no entanto, não podem ser levadas em conta no desempenho esportivo. “Não depende da massa óssea ou muscular, mas de técnica, tática, inteligência corporal, coordenação motora, repertório motor, dedicação, entre outros aspectos”, avalia.

a luta por dignidade e respeito Nem o olhar tímido, nem o tom de voz baixo são capazes de mudar seu objetivo. Aos 37 anos, Sabrina Gatelli sabe bem o que quer: quebrar padrões e dar visibilidade às pessoas transexuais. Hoje, ela assume com toda veemência possível que é uma mulher transgênero. Mas para chegar até aqui o caminho foi longo, afinal de contas, Sabrina nem sempre foi Sabrina.

procurou. Ao mesmo tempo, o receio em se abrir para a família. “Eu comecei a dar sinais para minha mãe descobrir porque eu não tinha coragem de contar. Um dia ela achou um macacão feminino com o qual eu fui numa festa. Ela brigou comigo e disse que ia me internar.” Uma semana depois, Sabrina recebeu a visita do tio, já que o pai havia falecido quando ela ainda tinha nove anos.

Mesmo nascendo com o sexo masculino, desde a infância ela se identificava com os estereótipos femininos. Durante a adolescência, participava de categorias de base e praticava aulas de artes marciais, como o taekwondo e o kung fu, junto de outros meninos. Até então ela acreditava ser homossexual. Foi quando a cabeça deu um nó. “Quando eu iniciei a transição, há 20 anos, não tinha a informação que existe hoje, internet e todo este acesso. Então, na verdade, eu nem sabia o que eu era.”

“Foi bem complicado porque eles queriam que eu mudasse. Mas não é

Vieram as festas, os amigos e a identidade pessoal pela qual Sabrina sempre

“O conceito de inclusão se refere à sociedade se adaptar às diferenças e não à gente se adaptar à sociedade. Infelizmente é o que estamos fazendo, nos adaptando ao meio para poder nos integrarmos, e isso deveria ser ao contrário.”

uma questão de escolha, é uma questão do que tu sente. Ali eu me vi de mãos atadas e, no dia seguinte, fugi de casa.” Aos 17 anos, deixou tudo pra trás: treinos, família, estudos. Mas nunca se esqueceu da busca pela essência da pessoa que ela realmente acreditava ser. Ainda menor de idade, acabou trabalhando na rua e teve que se submeter à prostituição. Dois anos depois fez sua primeira cirurgia de implantação de prótese nos seios.vFoi morar em São Paulo, onde admite ter ganho muito dinheiro. Lá, também conheceu as drogas: a cocaína a levou ao crack que, por fim, levou ao tráfico. Foram idas e vindas, até que um problema de saúde da mãe trouxe Sabrina de volta, definitivamente, a Caxias. Aqui, foi presa por tráfico. Mesmo com o contato enfraquecido, a mãe nunca havia fechado as portas para ela. Foi aí que Sabrina entendeu que a decisão de parar de ser usuária precisava partir de si mesma. “Eu cheguei numa fase em que eu parava ou morria.”

A atitude definitiva representou um recomeço. Ela procurou emprego, mas o curso técnico de Enfermagem, iniciado em São Paulo e finalizado em Caxias, não garantiu a ela uma vaga no mercado de trabalho. Mesmo sem pretensões, se inscreveu para realizar a prova do Enem. Na época, ela ainda cumpria pena substitutiva com algumas restrições e prestação de serviço comunitário. Com a média alcançada na prova, se inscreveu no Prouni e passou em segundo lugar para o curso de Educação Física na Universidade de Caxias do Sul. Na hora da matrícula mais um entrave: não seria possível usar seu nome social. Com medo de perder a bolsa de estudos, ela não quis argumentar com a administração acadêmica, aceitou usar o nome de registro e, em 2016, a entrada na faculdade foi a guinada da vida. Foi na Educação Física que se encontrou e deu adeus ao mundo das drogas.


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Sabrina se tornou oficialmente Sabrina No dia 1º de março de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou pessoas trans a mudarem de nome mesmo sem cirurgia ou decisão judicial. Foi quando Sabrina, que até então usava o nome civil*, foi ao cartório e fez a troca da documentação para se tornar definitivamente a pessoa com a qual ela sempre se identificou. A conquista pessoal pode representar um obstáculo na obtenção do diploma: a um semestre de se formar no curso de Educação Física, ela teme por complicações burocráticas e protocolares. Tanto na teoria quanto na prática, o nome (pessoa masculina) com o qual foi matriculada não existe mais.

@karinezanardi_

Ainda no ambiente acadêmico, mais pré-julgamentos: dentre todas as formas de preconceito e violência pelas quais passou, o assédio sexual, muitas vezes por parte de colegas, é o que mais incomoda.“As pessoas confundem muito porque dizer

que é uma pessoa trans ou travesti carrega muitos estereótipos.” Quando o assunto é a inserção no mercado de trabalho fica ainda mais difícil. Arrumar um emprego na área da enfermagem não deu certo. Com a educação física, o mesmo se repete. “Eu tenho currículo em diversas academias de Caxias. Eu já fui dar aula-teste antes de me conhecerem. Quando cheguei no local, o dono olhou pra mim e disse “mas não era menino?” Ali eu já sabia que não ia dar certo”. Mesmo que a musculação seja o que Sabrina ama praticar, foi da água que surgiram novos desafios. Hoje ela é estagiária de natação e atividades recreativas aquáticas na Lacqua e, junto a isso, alia os treinos de canoagem, por meio da Associação Caxiense de Esportes Náuticos - Acen/ UCS. A expectativa é participar da primeira competição em março do próximo ano, com uma equipe mista de canoagem.

falta visibilidade A presença de atletas transgênero no esporte abre uma série de discussões que vão além da percepção de vantagens ou desvantagens. Pessoas trans representam cerca de 1% da população brasileira, o que os torna praticamente inexistentes perante os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A própria transexu-

alidade era tratada como doença mental até pouco tempo atrás. Sem dados mais específicos, fica difícil até mesmo de apostar em ações voltadas à saúde física e mental desse público. Foi o que aconteceu com Sabrina. Quando iniciou a transição hormonal ela não teve acompanhamento médico. Com a informação vindo apenas do boca a boca, se

automedicou e tomou três ampolas de estrógeno por semana. A medida trouxe sequelas, como hipotireoidismo, que afeta o metabolismo até hoje. É a falta de informação que justamente leva aos olhares e opiniões intolerantes. Mesmo assim, ela acredita que a sociedade está caminhando para mudar esses parâmetros. “A visibilidade tem dois la-

dos. Hoje as pessoas não têm medo de expor o que pensam. Até pouco tempo atrás elas se continham um pouco, mas hoje não têm mais medo, até porque se sentem apoiadas pela nossa autoridade maior. Por outro lado, nos últimos cinco anos tivemos muitas questões legislativas voltadas à causa que podem levar a políticas públicas.”


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Até junho de 2018, a transexualidade foi considerada como um transtorno mental pela OMS. Após análises científicas recentes, a nova Classificação Internacional de Doenças (CID) permitiu que questões ligadas à identidade de gênero saíssem do compartimento das doenças mentais e entrassem no de comportamentos sexuais, sendo tratada como incongruência de gênero.

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A CID é uma codificação padronizada de todas as doenças, distúrbios, condições e causas de morte do mundo. Essa norma serve para que países e profissionais da saúde obtenham dados estatísticos e epidemiológicos sobre a situação sanitária e possam planejar programas de acordo com isso. O prazo para que cada país se adapte aos novos padrões da CID vai até 1º de janeiro de 2022.

De acordo com a titular da pasta, Marcia da Cruz, o município segue os critérios adotados por fede-

Identidade de gênero Gênero pelo qual a pessoa se identifica Orientação sexual Atração emocional, afetiva ou sexual por um indivíduo de gênero diferente, gênero semelhante ou ambos Cisgênero Pessoas que possuem identidade de gênero correspondente ao sexo biológico

em Caxias do Sul As competições da Secretaria Municipal do Esporte e Lazer preveem, conforme regulamentos, os naipes masculino e feminino.

saiba mais

rações e confederações de cada modalidade esportiva. O sexo a ser descrito no momento da inscrição leva em conta os documentos originais (RG e certidão de nascimento) apresentados por cada participante.

Transgênero Pessoas que possuem identidade de gênero diferente ao sexo biológico Assexualidade Falta de atração sexual por pessoas dos dois gêneros Fonte: Ministério Público

o que dizem outros especialistas? Que a prática de atividades físicas contribui para o corpo e mente todo mundo já sabe. O esporte pode auxiliar no desenvolvimento físico, cognitivo, emocional e social de um indivíduo. Com pessoas trans isso não é diferente. Mas quando o assunto são equipes ou clubes, como é o caso dos esportes coletivos, surge uma preocupação extra: como aceitar e adequar o convívio para grupos com atletas trans? Para o sexólogo e terapeuta Fernando Baptista, parte da resistência entre colegas de time ocorre devido ao rompimento de

padrões heteronormativos e de gênero. Ele acredita que para os clubes o diálogo se torna ainda mais indispensável, além de uma atenção especial voltada a questões de adaptação, como uso do banheiros e dormitórios. Segundo a psicóloga esportiva Janaina Ramos, categorizar os esportes “para meninos” e “para meninas” é uma barreira antiga a ser rompida. “Pessoas cis podem ter suas vontades reprimidas por esses limites, porém para as trans são paradigmas a mais a serem enfrentados, pois trata-se de identidade.”

Ambos os profissionais concordam que os recentes estudos da área não são suficientes para apontar alguma vantagem aos atletas trans. As pesquisas se embasam apenas em condições anatômicas e biológicas e isso torna inconclusivo qualquer resultado. Nesse sentido, é importante que os discursos, baseados em evidências científicas, não reproduzam uma transfobia camuflada pela justificativa da cisnormatividade. “Cabe aqui um questionamento: o que está em jogo é de fato a suposta vantagem que esses atletas teriam sobre os outros

ou é um argumento que mascara um preconceito ou exclusão com relação a esse público?”, pondera Fernando. “Mais importante que falar sobre, é empoderar a pessoa para que se veja como um ser humano que tem direito de ocupar espaços diversos. Que doença é sermos o país que mais mata LGBTQIA+. A adaptação e a aceitação não tem fórmula mágica, elas acontecem quando o primeiro passo é dado e quando os desafios são enfrentados”, conclui Janaina.


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inclusão, superação e esporte: retrato da Serra Gaúcha

@laurakirchhof

Associações e poder público oferecem atividades voltadas ao lazer e readaptação de pessoas com deficiência

Superação. Esta é a palavra que define aqueles que deixam as deficiências físicas e mentais de lado para seguir em frente. Em alguns casos, as limitações resultam de acidentes, em outras, acompanham o cidadão desde o nascimento.

incentivo ao esporte ocorre por meio da Secretaria de Esporte e Lazer (Smel), que oferta cerca de 10 opções às crianças em idade escolar. A Universidade de Caxias (UCS), em parceria com a Associação L’Aqua e com o Cidef, também disponibiliza práticas esportivas, inclusive em nível competitivo. Já, o Centro Universitário da Serra Gaúcha promove terapia ocupacional aquática.

A fim de promover a ressocialização e evitar a atrofia muscular, municípios da Serra, por meio de associações, oferecem atividades esportivas gratuitas. Em Caxias do Sul, o

Em Bento Gonçalves, a oferta dessas atividades ocorre por meio das associações. O poder público apoia as entidades com destinação de recursos, através de editais de cha-

Carolina Freitas Laura Kirchhof

mamento público, e na cedência de profissionais. Na Associação de Deficientes Físicos de Bento Gonçalves (ADEF/BG), que desenvolve um trabalho com o esporte através do tênis de mesa paraolímpico, o caso de Paulo Pires Rusezyt se destaca. Com uma deficiência que causa perda de força muscular e de mobilidade nos membros superiores e inferiores, ele conta que o bullying o afastou dos esportes na infância e adolescência. Entretanto, na fase adulta, quando se tornou cadeirante, começou a prática de tênis de mesa paraolímpico.

“Foi essencial para minha recuperação, tanto psicológica, quanto física, e após oito meses de atividades consegui voltar a caminhar e realizar tarefas básicas, que antes eu não conseguia fazer. A inclusão no esporte é importante, pois torna-nos parte de algo, parte da sociedade. Ela não ajuda somente o corpo, ajuda também a alma”, expõe. Para a professora da entidade Carla Lizott, os esportes promovem melhora da autoestima, facilitam a integração social, reduzem a agressividade e estimulam a independência e autonomia.


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dança, lazer e integração A Associação Integrada do Desenvolvimento do Down (AIDD) Bento oferece aulas de ginástica e dança, com aulas de zumba e dança de salão, por meio do projeto “Dançar Transforma - Oficinas de Apresentação de Dança”. O público-alvo são pessoas com síndrome de Down, mas também há

usuários com outras deficiências. “As atividades físicas auxiliam no processo de desenvolvimento educacional, social e de saúde do ser humano. Crianças e adolescentes com Síndrome de Down e outras deficiências encontram na prática de exercícios e na dança um grande incentivo

à independência, conhecimento cultural, sentimento de cooperação e amizade”, ressalta a presidente da AIDD, Onivia Soranzo. Na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE/BG), o contato com o esporte é desenvolvido de duas formas. Uma delas é o treinamento de atletismo, com foco na participa-

ção em competições. Outro projeto da entidade é o “Acorda para vida: Arte em movimento”, que trabalha música, dança e ginástica artística. A iniciativa visa à conscientização e à inclusão social, divulgando as potencialidades, habilidades e capacidades das pessoas com deficiência intelectual.

a prática esportiva como conquista da autonomia Em relação à Associação Pró-Autistas Conquistar (APAC), a prática esportiva também é estimulada por meio de atividades preparadas por um profissional de educação física. As atividades são ministradas em pequenos grupos, de dois a três educandos, reunidos por grau de complexidade da deficiên-

cia. São oferecidos exercícios de força e resistência, com aparelhos de ginástica e musculação (esteira, bicicleta ergométrica e halteres); e de mobilidade, por meio de circuitos que trabalham velocidade, agilidade, coordenação motora ampla e lateralidade. O Slackline - esporte de equilíbrio sobre uma fita

elástica esticada entre dois pontos fixos, que permite ao praticante andar e fazer manobras por cima - é praticado em espaços públicos como praças e parques, assim como as caminhadas, regularmente. De acordo com o profissional Tiago Ferreira, o autismo carrega um prejuízo nos movimentos motores:

“As atividades físicas possibilitam um desenvolvimento de habilidades e uma melhora na capacidade motora e também cognitiva. A intenção é trabalhar a autonomia e independência, a socialização, a coordenação, e promover benefícios para a saúde e uma melhor qualidade de vida”, conclui.

atividades aquáticas são destaque em Caxias Em Caxias, a Smel oferta algumas atividades em instituições de ensino específicas. Além disso, elas também são promovidas para o público em geral. “Temos um dia específico para as pessoas com alguma limitação física ou cognitiva irem até o Navegar e praticarem remo, canoagem e vela. A ideia é de inclusão. Temos também, no CIE São Caetano, badminton voleibol, dança e capoeira para pessoa com deficiência”, explica a secretária da Smel, Márcia Rohr da Cruz. Em relação à Associação L’Aqua, a parceria com a UCS existe há cerca de seis anos. Desde então, são ofertadas atividades de esporte, lazer e cultura na Universidade. “Nós temos

alunos de Caxias e região, indicados por médicos, clínicos e também por outros alunos”, explica a supervisora técnica da L’Aqua, Renata Goulart. Para participar das atividades, os alunos precisam realizar uma contribuição mensal de R$ 50. Com isso, o estudante pode praticar: natação, capoeira, badminton, bocha, e, no verão, há também a opção de surf adaptado. Há preparação para atender todas as deficiências. O único pré-requisito é que os alunos tenham idade igual ou superior a cinco anos. Na FSG, o projeto é distinto. Com foco em crianças com traços de autis-

mo ou paralisia cerebral, há um projeto de terapia ocupacional aquática, que é ofertado a crianças de zero a 15 anos. “É um atendimento terapêutico, em que se usa o meio aquático como recurso. A água tem propriedades terapêuticas e as estagiárias trabalham estimulando atividades ocupacionais do paciente”, descreve a coordenadora de Terapia Ocupacional e Programas de Assistência Estudantil, Claudia Colar Scolari. Para realizar a atividade, a criança passa por uma avaliação terapêutica todo início e final de semestre, com custo de R$ 38,00.

Cidef

(54) 9 9701-4422

FSG

(54) 2101-6000

Smel

(54) 3901-1265

AIDD

(54) 3125-0891

APAE/BG

(54) 3055-7999

ADEF/BG

(54) 3451-4499

APAC

(54) 3453-2581

AS/BG

(54) 3454-4689

ADV/BG

(54) 3452-6006

L’Aqua

projetolaqua.org.br


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esporte alto nível: basquete em cadeiras de rodas No Cidef/UCS a situação não é diferente: a associação está aberta a todos os interessados, independentemente das limitações físicas ou mentais. Desde a fundação, o foco é a reinserção da pessoa com deficiência na sociedade.

“É um motivo para voltar às atividades físicas depois das lesões. Em 1996, quando o Cidef foi fundado, havia apenas o basquete em cadeira de rodas. Com o tempo, as modalidades foram crescendo e outros esportes surgiram”, conta

o coordenador administrativo e técnico do Cidef, Daniel Borges. Para viabilizar o trabalho, a associação conta com auxílio dos estagiários da Universidade, nas áreas de educação física, psicologia, nutrição e fisioterapia.

O destaque do Cidef ainda é o basquete, mas também há atletismo, tênis de mesa, basquete, badminton. Todas as atividades são gratuitas.

crônica

o futebol moderno está acabando com o torcedor apaixonado Carolina Freitas

Torcedor. Aquele que viaja, canta, grita e torce. Aquele que altera toda a rotina, que bagunça as finanças, que tem o humor alterado por um resultado. Aquele que ama, que apoia e está presente nas boas e nas péssimas fases.

Aquele que se empolga com a vitória no último minuto, que chora com a conquista inesperada. Aquele que não contém a emoção em uma vitória sobre o maior rival. Aquele que herda o amor pelo esporte de algum ente querido. Aquele que alimenta essa paixão desde a infância, que conheceu seus melhores amigos na arquibancada. Aquele que vive o futebol com toda intensidade que ele merece! É esse cara, é a rotina desse cara, é o programa de final de semana desse cara, que é alterado graças ao futebol moderno.tÉ pelo distanciamento promovido pelo futebol moderno. É pelo torcedor apaixonado que está cada dia mais distante do estádio. É pela criança que não crescerá aprendendo a amar o esporte.

Não é pelo escanteio curto, muito menos pelo árbitro de vídeo. É pela cadeira numerada, pelo ingresso caro, pela elitização do esporte.

Aquela criança que foi feliz nos anos 60, 70, 80 ou 90 ao ver seus grandes ídolos a poucos metros de distância. Pelé, Romário, Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo Fenômeno. Todos esses puderam ser observados pelo olhar esperançoso de pequenos sonhadores. Desde os primórdios, o futebol é conhecido por atrair multidões. Ingresso barato, isso sempre levou aquele apaixonado ao estádio, o fez apresentar o esporte aos seus filhos, afilhados, netos. Todos movidos pelo mesmo sentimento. Todos repelidos pela modernização do esporte. Por isso e por tantos outros “atributos”: todo meu desprezo ao futebol moderno!


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cultura

a música que produz sonhos em Caxias Afinal, de onde vêm o funk e o hip hop, manifestações culturais (ainda) tão discriminadas? Fernanda, Karine Raquel e Tahena A música é movimento. Se dificilmente deixa alguém parado, ela também nunca fica estagnada no tempo. Os sons, os passos, os ritmos, as batidas... se reinventam e dão início a novos estilos e gêneros musicais, com alcance dos mais diversos públicos. Foi assim com o funk e o hip hop: dois movimentos culturais que chegaram ao Brasil por meio das periferias e, hoje, estão espalhados pelo país de inúmeras formas. Ao contrário do que muita gente pensa, os ritmos frenéticos e de batidas pesadas não nasceram aqui. Ambos sofreram influência de movimentos oriundos dos Estados Unidos. No caso do funk foi o Miami Bass, proveniente da Flórida, com sua batida mais acelerada e músicas erotizadas, o responsável pela emergência do gênero no Brasil.

Já a vertente do hip hop é Nova Iorque. O movimento surgiu como um produto popular no subúrbio da cidade, entre as comunidades caribenhas, afro-americanas e latino-americanas, na década de 1970. Rapidamente se espalhou pelo mundo. Não demorou a chegar ao Brasil: nos anos 1980, o hip hop ganhou espaço e tomou conta das ruas de São Paulo, mais propriamente por meio da dança e de artistas que se apresentavam a céu aberto, para quem quisesse contribuir. Ali nascia a “cultura de rua”. Os ritmos se popularizaram ao longo dos anos e sofreram ainda mais mudanças. Os setores da indústria cultural, principalmente a fonográfica, descobriram o potencial mercadológico da música e a transformaram em produto. Aliás, esse é um processo que comumente ocorre com as manifestações culturais populares, passando a ditar parâmetros de produção, baseados em critérios midiáticos e de mercado.

@fer_mondadori

A apropriação de outras músicas e técnicas para a formação de um novo ritmo, recortado e mixado chegou ao país pouco antes de 1980, no Rio de

Janeiro, dando origem ao chamado “funk carioca”.

o “som da periferia” assume novas facetas Antes mesmo de invadir o subúrbio carioca, os bailes funks eram realizados na Zona Sul, área nobre da cidade. Somente a partir da popularização do gênero é que os “bailes da pesada” começaram a ecoar em co-

munidades e nas pistas de dança. O crescimento no número de locais dispostos a receber shows deu ao funk nova identidade: as letras passaram a retratar a realidade das periferias e servir como crítica social.

“Existem diversos tipos de funk carioca e, consequentemente, distintas ideologias relacionadas a cada um desses estilos. De forma geral, podemos dizer que o funk é um manifesto musical contra a

desigualdade econômica, social e racial”, destaca Patrícia Porto, Doutora em Letras e professora da UCS de História da Música Brasileira.


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Daí em diante, foi fácil para o “som de preto e favelado” se espalhar e dar espaço para o surgimento de uma leva de artistas, em especial os MCs, e canções conhecidas até hoje: MC Marcinho e “Glamurosa”; Sapão e “Vou desafiar você”; Bonde do Tigrão e “Cerol na mão”; Tati Quebra Barraco e “Boladona”; entre outros. Atualmente, é perceptível que o funk

brasileiro contemporâneo conserva pouco das raízes de suas primeiras versões. A música acompanhou a evolução social e com o gênero do funk não foi diferente: o comportamento artístico de cada um dos estilos existentes foi fundamental para a multiculturalidade e descentralização do funkeiros. Hoje, as letras adotaram conotações extras, que envolvem temas

como violência, sexualidade, liberdade, empoderamento, problemas sociais, consumismo e muito mais. “Obviamente, a ampliação dos subgêneros, como o funk proibido, de facção, sensual, consciente, raiz, gospel e ostentação, nos leva a uma maior variedade de motivações ideológicas”, explica Patrícia.

@fer_mondadori

A consolidação do gênero no Brasil se deve, em grande parte, à figura do DJ Marlboro e o lançamento do disco Funk Brasil, em 1989. Foi o artista quem introduziu a bateria eletrônica e deu novo viés, totalmente nacional, às produções. A virada dos anos 2000 continuou trazendo mudanças: os “bondes” e as artistas mulheres tornaram-se o novo sucesso.

jornal textando

cultura de movimento e elementos O rap é um dos elementos do movimento hip hop e também sofreu com o crescimento da indústria musical no país. Hoje, acredita-se que existam mais de 80 subcategorias do gênero. A ação de articular ritmo e poesia ganhou outras perspectivas e deu origem a novas formas de calcular o tempo e a batida de cada uma das melodias. Com tantas ramificações, a divisão do rap foi categorizada em quatro grandes seções: por período histórico; por região; por ritmo, temas e elementos; e por novos estilos que nasceram do gênero. No Brasil, destacam-se, cada um com suas caracterís-

ticas, o rapcore, o gangsta, o freestyle, o underground, o rap gospel e o pop rap. Funk e rap assumiram tantas semelhanças que até se misturam: o “Rap do Solitário” e o “Rap do Silva” são músicas encaixadas em um gênero, mas que carregam nome de outro. Ambas, mesmo após anos de lançamento, ainda estão na boca do povo e é difícil encontrar alguém que não se recorde ao menos de um trecho das canções. Os gêneros estão espalhados por cada cantinho desse país, cheios de personalidade e peculiaridades compatíveis com o perfil de cada artista, mas sempre se reinventando.

Dicionário musical

Ritmo Elemento de repetição regular e cadenciada do som Estilo Referência ao modo próprio da expressão artística, levando em consideração características pessoais Gênero Categoria musical que compartilha elementos em comum: estrutura da música, instrumentação, texto, formas e estilos Hip Hop Movimento cultural que integra o Rap (ritmo e poesia), o break(dança) e o graffiti (artes plásticas). Também está atrelado à figura do DJ. Funk Manifestação sociocultural. Gênero musical desenvolvido com sentido político, a fim de dar visibilidade à figuras sociais marginalizadas.


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música que ressignifica

@tahenairigoyen

Cultura, educação, livros e escola ou crocodilagem, tretas e drogas. Foi escutando Racionais MC’s e Mano Brown — nomes emblemáticos da cena hip hop brasileira — que um jovem de Caxias do Sul se tornou hipnotizado pela música. Morador da comunidade pobre do Beltrão de Queiroz, Jankiel Francisco Cláudio conheceu o hip hop por meio de um paulista que se mudou para a cidade em busca de uma vida melhor. Na época, ele havia sido expulso de algumas escolas e decidiu abandonar os estudos. “Eu entendia que a escola não servia para nada, que não era para mim”, conta. Motivado pelas letras de Mano Brown, Jankiel escolheu tomar consciência de sua realidade. “Como eu vou falar de cultura, se eu não bebo disso, como eu vou falar de escola, se eu estou distante?”, observa. “As músicas foram importantes porque eu comecei a ressignificar minha identidade, mesmo não entendendo algumas palavras”.

blicas e pós-graduado em Gestão de Pessoas. Mas antes de chegar a isso, atuou no setor de Recursos Humanos da Marcopolo, fazendo endomarketing e “trabalhando camuflado”, sem contar a ninguém que era MC. Até que apareceu no jornal com o Poetas e foi “descoberto” pelo diretor do setor, que ofereceu ajuda da empresa.

Foram as palavras, especificamente “contundente” e “reivindicar” (ou a falta de entendimento sobre elas), que levaram o rapaz a voltar a estudar. Nessa época, tudo mudou e o caderno de escola que antes sempre estava em branco foi preenchido pela primeira vez com rimas. O Jankiel se torna Chiquinho Divilas, e, em 1997, o Beltrão de Queiroz ganha um grupo de rap, o Poetas Divilas.

O rapper aproveitou a oportunidade para conseguir cadernos escolares para a comunidade carente. “Todos os anos, eu comecei a ganhar os cadernos e isso é o quê? É o mesmo rap que me ressignificou lá atrás”. Engajado, passou, em 2009, a auxiliar em um projeto social voltado à educação de jovens da periferia chamado Mais Educação, participação pela qual recebia R$ 300 mensais. A quantia foi o que o ajudou a “segurar as pontas” quando foi desligado da empresa em 2013. Após tentar, por um ano, conseguir emprego, ele percebeu que não

Chiquinho concluiu o ensino fundamental, engatou o ensino médio e nunca mais parou, nem de estudar, nem de rimar. Hoje é formado em Relações Pú-

seria tão fácil. Foi quando seu primo teve a ideia de fazer um currículo cultural e levar nas escolas. Assim surgiu a Divilas Produções. “Reescrever a história deles, através da música e da dança” é o propósito da produtora, que encabeça vários projetos. É o caso das oficinas semanais de hip hop no Centro de Referência Especializado de

“É encantador, o carinho que rola é verdadeiro, ler a rima ou o poema das crianças pode ser um incentivo, um combustível que eles não recebem em casa”

Assistência Social (CREAS), em Farroupilha, direcionado para o Serviço de Proteção Social a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assistida (LA). Em 2016, Chiquinho também participou de um projeto com o Pop Rua em Caxias do Sul, coordenando oficinas de hip hop para pessoas em situação de rua. Talvez o seu projeto mais conhecido na cidade seja o Cultura Hip Hop, que leva a arte da rima a estudantes de instituições de ensino da periferia. As ações trabalham com liderança, respeito, proatividade e empoderamento. O rapper reforça que é necessário ocupar esses espaços e ser uma referência para os jovens. “É encantador, o carinho que rola é verdadeiro, ler a rima ou o poema das crianças pode ser um incentivo, um combustível que eles não recebem em casa”, destaca.


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Para Chiquinho, é necessário também criar alternativas para que o jovem “não vá para as drogas”. “Prefiro que ele não vá para esse mundo, para não ser mais um número nesse contador de violência, e o hip hop pode dimi-

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nuir esse contador sendo bem aplicado”, ressalta. O slogan do grupo Poetas Divilas é “O estudo é a cura”, pensamento que se deve à crença de que o movimento possa ser inserido como uma alternativa pedagógica em busca da cidadania

Chiquinho faz, ainda, uma crítica ao Estado por não investir mais em educação. De acordo com ele, nas comunidades pobres, a ociosidade proveniente da evasão escolar pode levar os jovens à criminalidade. “O que está faltan-

do para investir nas escolas? Como as crianças vão aprender em escolas com o telhado caindo e chão de terra batida? O Estado precisa entender que quanto mais investir em cultura, mais isso retorna com segurança, com saúde”.

dança passou a trabalhar em projetos sociais, mas sentia que o fato deles contemplarem jovens até os 15 anos e 11 meses era um problema. Por quê? “Quando chegam aos 16 anos, os adolescentes experimentam uma pressão grande para ajudar em casa. E, na rua, entram em contato com o tráfico, que é uma forma rápida de conseguir dinheiro.” O depoimento é de Kamila Bazzo, psicóloga e namorada do Geovani. Junto às amigas Fran e Priscila Minuzzo, o casal criou a Fluência

Casa Hip Hop, no bairro Colina do Sol.

quando tudo começa a fluir Pensar no coletivo é o que inspira artistas de rap que frequentemente promovem intervenções culturais pela cidade. Mano Natu, Coletivo ZN, Slam das Manas, Batalha da Moeda, Banda Teto, Trip54… Falta espaço para citar todos. E é nesse cenário efervescente que surgem também pessoas com vontade de transformar.

@fer_mondadori

Arte-educador em projetos sociais há 10 anos, Geovani de Gregori tinha um sonho. A infância e juventude vividas no bairro Cruzeiro, em Caxias do Sul,

assistindo aos videoclipes na MTV e frequentando projetos, o colocaram em contato com a cultura hip hop, ainda muito incipiente naquela época. “A gente se reunia na praça do bairro pra dançar e fazia ‘gato’ pra conseguir ligar o rádio. Rádio, aliás, era uma coisa rara. Um amigo só do grupo o tinha”, relembra sobre as reuniões, vistas como baderna pela vizinhança. “Se pensava que hip hop era coisa de vagabundo. Tinha que fazer Senai pra ser alguém na vida.” Logo depois, o “sor” de

Inaugurada em agosto de 2019 (Chiquinho inclusive estava lá), a Fluência funciona em um pavilhão fabril que foi totalmente reformado em apenas sete meses. Tudo no projeto foi feito voluntariamente: das cadeiras doadas ao painel grafitado no dia da inauguração, do tapete na sala do administrativo ao trabalho da arquiteta Mônica Nicolao. Para funcionar, depende do apoio de parceiros e de doações. A ideia é um start, uma vez que o grupo ainda não tem como oferecer todos os elementos do hip hop. Por enquanto, turmas de cerca de 30 jovens participam de aulas de break duas vezes por semana, depois de passarem por uma audição (eles vêm dos projetos onde Geovani dá aula) e por um processo de matrícula junto às famílias. “Queremos dar um espaço de qualificação para aqueles que têm interesse na dança, mas, dentro desses projetos, já não têm mais como evoluir. Além disso, a Casa será um incentivo à escola, à criação de vínculos, ao respeito e ao bom comportamento”, explicam. Outro objetivo é mostrar exemplos. “Muitos dos jovens já dizem ‘eu quero ser sor’. Eles veem que é possível trabalhar com isso”, salienta Geovani.


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Por falar em emprego, gerar vagas remuneradas para outros educadores a longo prazo é outra preocupação deles. “Geração de renda na comunidade é super importante. E levar todo

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esse espaço de qualificação para o bairro também, porque os jovens sentem que podem pertencer e ser protagonistas dessa história. É o espaço deles”, enfatiza Kamila. O cuidado com isso faz

todo sentido, já que Kamila é responsável pela parte de escuta, suporte e acompanhamento psicossocial. Fran atua no administrativo, Geovani é professor e Priscila cuida das mídias sociais. São quatro amigos

que, a muitas mãos, conseguiram tornar realidade um grande sonho. Para a alegria de muitos outros sonhos.

uma nova maneira de ouvir e sentir o funk Além do hip hop, o funk começou a balançar Caxias faz tempo. Em 2007, segundo uma matéria de Carlinhos Santos veiculada no Pioneiro, “o caxiense MC Di Dog General cantava para 25, 30 pessoas”. No ano da reportagem, Diogo Kervald integrava a nova geração, que trazia nomes como É o Mano da ZL, MC Galvão e MC Daddy Tiro Certo, todos com idade entre 21 e 27 anos na época. Em entrevista ao jornal, O MC Jão declarou: “de uns oito anos para cá (2015), o funk evolui de uma forma crescente. Há o lado positivo, mas também o lado negativo disso: ainda não se pode viver dele. Ainda se dá mais espaço para os artistas nacionais,

mas também falta pensar de forma coletiva por aqui”. Hoje, o funk deixou de ter só um estilo de batida, porque a tecnologia possibilita inovar em tudo. O grupo Syon, de Caxias, é formado por um pianista/ compositor, baterista/percussionista e um DJ/produtor musical, que percorre a Serra Gaúcha realizando performances. Os meninos Henrique Moré, Gabriel Castilhos e Liruan Corteletti criam ao vivo novas versões de “músicas do mundo’’, por meio de elementos sonoros e remixes, tendo como principal enfoque o funk brasileiro.

acrescentar algo diferente ao gênero. Na sua essência, a principal hierarquia é a batida e a voz e, com isso, eles encontraram um espaço para complementar o gênero e incluir outros instrumentos e efeitos musicais, levando ao público uma nova maneira de

“Já aconteceu de ter pai da aniversariante que não gostava nada de funk”

Gabriel conta que a ideia surgiu com o intuito de

ouvir e sentir o funk. Assim, perceberam que poderiam explorar outros estilos, como música eletrônica, pop, samba, salsa, entre outros. O trio é residente no Zero54, onde faz apresentações de quinta a sábado, e também participa de eventos particulares. Há dois formatos de apresentações: o club, com uma proposta mais balada em clima de festa; e o de formaturas, casamentos e ocasiões sociais, Henrique relata ainda sentir uma cultura preconceituosa na região. “O pessoal é muito fechado para o novo”, afirma. Mas isso nunca foi motivo para desânimo e, sim, um impulso para mudar esse pensamento.

e quanto ao mercado? Quem também vivencia essa realidade é o DJ Rodrigo Salvador e o saxofonista Ismael Morais, fundadores do Eletrosax. Formado em 2013, o grupo caxiense conta ainda com dois violinistas que se revezam na função, Vinicius Cavion e Mateus Frigheto. A proposta? Levar às festas uma experiência de se ouvir instrumentos clássicos junto à música eletrônica e, se o momento pedir, pop e funk. Nascido de uma brincadeira, o Ele-

trosax surgiu em uma festa Garoto e Garota de uma escola em Caxias do Sul.

dia que se via um sax em uma festa de música majoritariamente eletrônica.

A ideia dos organizadores era inspirada no desfile anual da grife de lingeries norte-americana Victoria’s Secret: as modelos circulam pela passarela interagindo com os músicos que, por sua vez, respondem a essa interação e, ainda, trocam muita energia. No caso do GG, acreditava-se que ter um artista no palco traria um toque diferente. Até porque não era todo

O grupo, que já abriu para shows de Simone e Simaria, Wesley Safadão e Jorge e Mateus, é muito procurado também para casamentos, formaturas, eventos empresariais e festas de 15 anos. E é aí que reside um dos motivos para a resistência: “já aconteceu de ter pai da aniversariante que não gostava nada de funk. A gente teve que adaptar, era um am-

biente familiar”, relata Salvador. Eles explicam que, quando fecham um show, ele tem característica de eletrônico. “É o que sempre tocamos. Passamos a incluir no repertório um funk mais popular, como Anitta, por exemplo, e inserir esse gênero é bom, mas tem que cuidar porque tem muita discriminação, embora tenha gente que gosta. E isso pode nos bloquear em outros meios”, avalia Ismael.


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os desafios para 2020 Os Caldeus - povo que viveu no litoral do Golfo Pérsico e foi precursor da Astrologia - atribuíam um planeta regente para cada ano, tendo como base um ciclo maior de 36 anos. Em 2017 iniciou-se a regência do planeta Saturno, o Senhor do Karma e do Tempo, então ganhamos um Rei que exige disciplina, foco e determinação para que possamos crescer e nos tornar melhores. As previsões são de Denise Guterres Rosa Wolman. Segundo a astróloga, se não usarmos essas energias poderemos colher o lado negativo: falta, restrição, perdas... Mas, dentro desse período de 36 anos, a cada ano temos um novo regente, que empresta sua energia (de sombra e de luz) para que possamos executar a tarefa à qual nos propomos. No ano de 2020, o regente será o Sol, o mesmo do signo de Leão, com seu simbolismo de vitalidade; senso de individualidade, energia criativa, eu interior irradiante (sintonia da alma), valores essenciais, representando o impulso para ser e criar, a necessidade de ser reconhecido e de expressar-se. Se mal direcionado, pode significar excesso de egocentrismo. O Sol ilumina tudo, irá mostrar tanto o Ser Desperto quanto o ser perdido e sem rumo.

O que esperar para cada signo Áries: terá que aprender as energias do coração, do sentimento, ser feliz, criativo, divertir-se;

Touro: terá que cuidar da família, da ancestralidade, formar um lar, rever traumas de infância;

Gêmeos: terá que colocar em ordem seus pensamentos, ensinar, aprender, fazer pequenas viagens, cuidar dos irmãos;

Câncer: terá que aprender a lidar com a matéria, com o concreto, a segurança;

Leão: terá que trabalhar da sua aparência, do ego, da personalidade, do corpo físico, da vitalidade;

Virgem: terá necessidade de isolamento para entender seu interior, poderá ter que lidar com privações, penas, inimigos ocultos, conspirações, segredos íntimos, enfermidades crônicas, prestar serviço com sacrifício, trabalhar a energia do inconsciente;

Libra: terá que trabalhar as amizades, os protetores, companheiros, os mestres, as oportunidades, os empreendimentos humanitários, o altruísmo, a vida em comunidade, os planejamentos e esperanças; Sagitário: terá que envolver-se com a espiritualidade, com os estudos superiores, as longas viagens, filosofias, a lei e a ordem, a moral, cunhados, países estrangeiros; Aquário: terá que voltar-se para o outro, o matrimônio e o cônjuge, os sócios e as associações, as relações sociais, os contratos, compromissos, processos legais, para rivais e inimigos declarados; Peixes: terá que cuidar da saúde, da capacidade de servir e trabalhar, do emprego e dos empregados, de enfermidades e predisposições mórbidas, da higiene, alimentação e dieta. Capricórnio: terá que desenvolver a capacidade de transmutação, melhoramento espiritual, iniciação, evolução do estado de consciência, libertação das paixões, a regeneração, o instinto sexual, as heranças, fortunas adquiridas sem dificuldade; Escorpião: terá que lidar com autoridades, com a missão pública e social, a profissão, as ambições, a imagem pública, o papel a desempenhar, o parente que exerce maior influência na sua vida;


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agenda

programe-se para 2020 estreias em cartaz janeiro

junho

2 – Frozen 2

4 — Mulher-Maravilha 1984 e As Crônicas de Nárnia: A Cadeira de Prata

16 – O Grito 30 – João e Maria: Caçadores de Bruxas 2

julho 2 — Minions 2

fevereiro

9 — Uma Noite de Crime 5 e Scarface

6 – Aves de Rapina 13 – Sonic – O Filme

setembro 17 — Os Croods 2

março 20 — Um Lugar Silencioso 2

novembro

26 – Mulan

26 — Os Eternos 19 — Animais Fantásticos e Onde Habitam 3

abril 2 — X-Men: Os Novos Mutantes

dezembro

30 — Viúva Negra

18 — Avatar 2 25 — Sing 2

maio 7 – Legalmente Loira 3 e 220 Volts – O Filme 22 – Velozes & Furiosos 9 22 – Godzila vs Kong

novas temporadas

anotaí

American Crime Story

Ordovás Sunset

Cara Gente Branca

Com estreia no dia 5 de janeiro, a iniciativa gratuita anima os domingos do verão, das 16h às 19h, no pátio do Centro Cultural. É uma oportunidade de conhecer o espaço e, ainda, aproveitar o fim da tarde com lazer e descontração.

Dark Elite Gatunas GLOW

Piquenique Cultural

Good Girls

A próxima edição do evento anual ocorre das 14h às 21h do dia 15 de fevereiro, na Tem Gente Teatrando. Bazar, música, gastronomia e muita arte: tudo com entrada gratuita.

Grace and Frankie Lucifer Outlander

Teatro para Todos

Sex Education

De março a agosto, o projeto movimenta a sede da Tem Gente Teatrando com a temporada de um espetáculo e uma oficina gratuita por mês. Mais informações você encontra no site e nas redes do grupo.

Station 19 The Handmaid’s Tale


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cultura


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comportamento

@jorge_alves_junior_comunicacao

a solidão mora nas ruas Sob olhares de indiferença na próspera Caxias do Sul, cada vez mais pessoas vivem sem teto Ana Caroline, Jorge e Karine Imagine-se só, completamente desassistido, em todos os sentidos da sua vida. Sem casa, família, emprego, nada de churrasco aos domingos, sem amigos para visitar, nenhuma comemoração, aniversário, promoção, nada. Nem planos para o futuro, nada de casamento dos sonhos, nem crianças correndo pelo jardim. O flerte e cinema de mão dadas, talvez apenas no imaginário. Nenhum projeto, nenhum objetivo. A ordem do dia é sobreviver, resistir ao frio, fome, chuva ou até mesmo calor. Na rua não existe palavra amiga, apoio. O

o sonho de um lugar para morar que se recebe é desprezo social e pena, quando muito. A nova inquisição é imposta, escrita nos olhares de cada cidadão e cidadã de uma das cidades mais prósperas do Estado. As pessoas em situação de rua vivem em uma selva, tudo tão perto e tão longe ao mesmo tempo. E por trás do olhar sério e por vezes até ameaçador, revela-se um escudo protetor, fragilidade, medo e desconfiança fazem parte do cotidiano nas ruas de Caxias do Sul.

Adair José Ferreira, 39 anos, é frequentador do Centro Pop. Muito simpático, porém tímido, foi o único entre os presentes que se dispôs a contar sua história. Traz no rosto as marcas de quem carrega uma vida de sofrimentos e batalhas. Adair, sentado na escada, esperando que a unidade de atendimento abrisse, começou a contar a sua vida com os olhos brilhando, mas, ao tocar no assunto que traz à tona um passado de dor e sofrimento, seu semblante muda e um ar de tristeza se faz presente em sua face. Conta que é natural de Soledade, mas cresceu

em Porto Alegre, em 2011 veio para Caxias do Sul, relata com a voz embargada que não tem mais família: “terminou minha família”, se emociona. Morando na rua desde os sete anos de idade, hoje com 39, se acha velho, mas agradece a Deus por estar no lugar em que se encontra, onde tem assistência. Confessa que não é fácil viver na rua, principalmente durante tantos anos, como costuma dizer:” o mundão não é um lugar seguro de se viver”. Relata que está cansado. “O cara passa fome, frio, sono, tudo, não encontra serviço, você


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comportamento quer trabalhar, mas o preconceito das pessoas impede que você consiga uma oportunidade”. Saiu cedo de casa para ajudar a família: a mãe e a irmã, e acabou não retornando mais, chegou a ter contato com eles, mas todos faleceram. Preferiu não entrar em detalhes, visivelmente esse é um assunto que não gosta de comentar. Em meio à conversa, conta que a irmã que faleceu era mais nova, e a responsabilidade de cuidar dela tinha sido delegada a ele. “ Mas não pude cuidar”, comentou. Segun-

do Adair, acabou tendo outros problemas que impossibilitaram de cumprir o papel. “Muitas barreiras para passar”, afirmou. Durante muito tempo esteve na capital Porto Alegre, não sabe explicar quanto tempo, chegando em Caxias do Sul em 2011, logo encontrou o Centro Pop. Questionado sobre o que faz quando não está no Centro Pop, respondeu que estava na casa São Francisco, logo em seguida, comenta que alguns dias atrás, estava dormindo na rua, e que estava chovendo, se encontrava

sujo, e com muito frio, em virtude disso não conseguia dormir, não se sentia bem em estar na rua. “Chega um tempo em que a pessoa vai ficando velha e não pode mais ficar na rua”. Essa é uma grande preocupação, que lhe tira o “sono”. Explica que teve problemas de saúde e, nesse período, ficou na Casa São Francisco. Um dos conselhos de Adair é que não se deve estar fazendo coisa errada na rua. Era usuário de crack e cocaína usava bastante, conta que agora não usa mais.

A partir desse momento várias oportunidades boas surgiram, e agora o maior objetivo é ter um lugar para morar. Conta que um cidadão que se sensibilizou, doou um espaço para Adair, agora ele precisa conseguir os materiais de construção para a casa. Visivelmente ele se altera em uma empolgação quase que alucinada, comenta que agora esse é o seu objetivo maior: “Chega de ficar na rua, não aguento mais, desabafa, é hora de mudar essa realidade”.

nas ruas é preciso estar atento Em Caxias do Sul, Ernani Sousa da Rosa Junior (foto), 20 anos, em situação de rua segundo informações da educadora, assistente social e também gerente do centro Pop, Rosângela Cardoso Alixandrio (falecida poucos dias depois dessa entrevista). Ernani já passou pelo Centro Pop e também por outras instituições, mas acabou não ficando em nenhuma, por não se adaptar às regras. Ernani circula de um local para outro, sem rumo: “Nas ruas é preciso estar atento, você não sabe do que as pessoas são capazes, a rua é perigosa”. Saiu de casa com 15, alistou-se no exército com 17 e possui carteira de trabalho. Com 15 para 16 anos, sofreu um acidente na rótula do joelho e por isso não serviu o quartel. Ficou triste porque ali ele teria uma oportunidade na vida. Contou que a mãe é prostituta e que ele na “guerra” teria uma oportunidade. O pai, desde cedo já avisava: “quando você se tornar maior de idade vai trabalhar e procurar a tua

família de sangue”. Pressupõe pelos relatos que ele tenha sido adotado. Acabou procurando a mãe e foi quando descobriu que ela trabalhava na noite de Caxias do Sul. Ernani demonstra claros sinais de confusão mental, muitas falas da sua história são desconexas.

“Chega um tempo em que a pessoa vai ficando velha e não pode mais ficar na rua”.

Segundo ele, após encontrar a mãe, o conselho que lhe foi dado por ela é que procurasse o seu pai biológico, e que o mesmo é muito rico. Segundo a informação que lhe foi passada, seu pai biológico é um deputado estadual por Caxias e o suposto nome seria “Alex Garcia.” Em seguida, relata que não tem certeza, não se lembra.

Ernani conta que esses são os primeiros dois anos que vive em situação de rua na cidade. Antes, morava na capital, não conseguia emprego e o clima lá era muito violento. Acabou indo morar na casa de uma madrasta, em uma favela de Porto Alegre. Por ser um estranho, Ernani afirma que foi expulso pelos controladores do narcotráfico, e com isso teve que partir.

Decidiu vir para morar com a sua mãe. Algumas pessoas em situação de rua, como Ernani, apresentam sinais de algum problema mental. Talvez para alguns deles, o peso e a realidade das ruas não seja algo com que possam lidar. E muitos acabam perdendo-se de si mesmos, em meio à selva de pedra em que se encontram.

Em Caxias do Sul, conforme o relatório de informações sociais da Secretaria Especial do Desenvolvimento Social, em julho de 2019 houve o registro de 572 famílias em situação de rua, anexadas no Cadastro Único (CadÚnico). A maior parte desses indivíduos não fica na cidade por muitos dias. O Centro POP, vinculado ao município, oferece assistência para casos de passagem. Já a Casa São Francisco de Assis e Casa Carlos Miguel podem ser usadas por um período maior. Existem também pessoas que usam o CP, mas não necessariamente moram nas ruas. No local são disponibilizados materiais de higiene pessoal, como toalha de banho, sabonete, escova de dente, barbeador. Também é fornecida alimentação, podem lavar e secar suas roupas, tomar banho e conviver.


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saúde e bem-estar

@fabiobielscki

saiba como a pressa pode prejudicar sua saúde Medicamentos, dietas milagrosas e exercícios de alta intensidade podem ser alternativas para quem busca resultados mais “eficazes”. Fabio, Pedro Pietra e Raiane Você já deve ter ouvido falar em dietas milagrosas que prometem emagrecimento rápido, não é mesmo? Mas, será que resultados rápidos são saudáveis? A prática de atividades físicas no Brasil tem aumentado de forma gradativa nos últimos anos, seja por recomendação médica ou até mesmo pela procura de um estilo de vida mais saudável. Segundo pesquisa divulgada em 2017, pela Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças crônicas por In-

quérito Telefônico (Vigitel), elaborada pelo Ministério da Saúde, a quantidade de atletas aumentou 194% entre os anos de 2006 a 2017. Uma das alternativas para quem busca resultados rápidos tem sido o crossfit, que tem como característica o dinamismo e a alta intensidade. De acordo com Anderson Rech, professor de Educação Física da Universidade de Caxias do Sul, essa atividade pode ter um bom custo-benefício se comparada com as demais. “Geralmente atingimos em exercícios de alta intensidade mais

benefícios do que em exercícios com baixa intensidade, por exemplo. Alguns trabalhos científicos já mostraram que, três vezes na semana, durante 20 minutos, praticando exercícios de altíssima intensidade, se consegue alcançar benefícios muito semelhantes aos de quem treina a mesma quantidade três vezes na semana, praticando exercícios de baixa/moderada intensidade por uma hora”, comenta Anderson. Ele ainda salienta que essa alta intensidade deve ser controlada e bem dosada pelo profissional de educação física, pois

cada corpo tem um limite e uma resistência diferente. Rech alerta que, apesar da vantagem de exercícios que exigem bastante fisicamente, a estratégia para quem nunca fez nenhum tipo de atividade é iniciar com modalidades mais tranquilas para conseguir se adaptar a intensidade. O profissional de Educação Física com especialização na modalidade crossfit, Lucas Araújo, ressalta que “o exercício praticado sempre será adaptado conforme a condição do aluno”. Isso acaba facilitando o desempenho do praticante.


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saúde e bem-estar cuidados necessários para iniciar um exercício de alta performance O crossfit e as atividades de alta intensidade são grandes aliados na busca por resultados rápidos, mas será que eles fazem bem para a saúde? Conforme o educador físico Diego Barbosa, resultados rápidos podem prejudicar, e muito, a saúde. Da mesma forma que a massa de gordura demorou para aumentar, a sua perda não pode e nem deve ser rápida. “O processo, a readaptação e a correção do vício alimentar que fez com que a pessoa aumentasse de peso não é um processo rápido. Se feito o processo de maneira errada, pode acarretar no desaceleramento do metabolismo, dificultando ainda mais o processo de emagrecimento”, ressalta Barbosa.

A base sempre deve ser uma dieta equilibrada e saudável. Alimentos pouco processados, naturais, e em alguns momentos de densidade energética mais

“No balanço entre benefícios e prejuízos dos esteroides, podese dizer que a eventual melhora de estética perde, de longe, para os prejuízos à saúde.”

Apesar de dispormos atualmente de profissionais que podem ajudar nos cuidados com o corpo, mantendo uma boa saúde e qualidade de vida, infelizmente, existem atalhos não recomendados. “No balanço entre benefícios e prejuízos dos esteroides, pode-se dizer que a eventual melhora de estética perde, de longe, para os prejuízos à saúde. A indicação médica para uso de anabolizantes só existe em casos diferenciados, como deficiências clínicas dos níveis de testosterona, quadros de caquexia (perda de peso e atrofia muscular) ou doenças graves e desgastes físicos severos após cirurgias de grande porte. O uso de esteróides pode causar problemas como a queda de libido, agressividade, disfunção da glândula tireóide e problemas hepáticos. No caso das mulheres, a voz pode ficar mais grossa e também afetar a fertilidade”, acrescenta Diane. Assim como a boa alimentação e o acompanhamento nutricional auxiliam em resultados eficazes,

é importante o acompanhamento de um médico antes de iniciar atividades mais intensas. “Antes de tudo, a pessoa deve passar por uma avaliação médica e ver se está tudo ok, posteriormente deve haver a liberação de um cardiologista. Após ter os exames em mãos, o aluno passa por uma avaliação do profissional de educação física que fará a ele alguns questionamentos sobre o histórico de doenças na família e, a partir disso, se inicia os treinamentos ”, ressalta o educador.

O esporte pode trazer inúmeros benefícios, desde que seja praticado de maneira correta, aliado a uma alimentação balanceada. “O exercício de alta intensidade tem demonstrado benefícios bem importantes de composição corporal, ajudando a melhorar a qualidade de vida e também capacidade funcional, que é a aptidão em realizar tarefas do dia a dia com um melhor desempenho, segurança e cuidados”, acrescenta Anderson Rech.

@fabiobielscki

É interessante ressaltar que o “corpo ideal” tem um processo único, e que leva tempo para acontecer. A nutricionista Diane Benini, especialista em Nutrição Esportiva e Treinamento Físico, comenta sobre o uso da alimentação para procurar uma melhor qualidade de vida, e claro, como consequência, ganhos musculares aparentes. “Quem pratica exercícios físicos com regularidade e visa desempenho, deve sempre levar em consideração a ingestão alimentar. Lembrando que cada um responde de um jeito, tanto no que diz respeito à alimentação, quanto no que se refere às respostas do organismo em relação aos exercícios em questão.

elevada ajudam no bom desempenho”, cita a nutricionista.

O estudante de Relações Públicas Felipe Luciano buscou resultados rápidos por meio de um programa de emagrecimento. Os exercícios de alta intensidade ajudaram Felipe a chegar em seu objetivo: a perda de peso. “É muito bom fazer, mas você tem que seguir todas as orientações passadas pelos profissionais. No meu caso, devido a alta intensidade da prática do exercício e por nunca ter praticado nada parecido, tive algumas complicações depois que terminei o programa. Mesmo com acompanhamento, a minha saúde ficou em segundo plano, e por fim, acabei parando no hospital por desnutrição”.


gastronomia 1 porção

receita de hambúrguer harmonizado com cerveja pilsen

@buarqueburguer

hambúrguer

acompanhamento

• Pão brioche (tipo de pão de massa leve)

Para acompanhar este burguer, sugerimos a cerveja pilsen. Ela tem como características dulçor, baixo amargor e um sutil aroma de cereais. É uma bebida clara, leve e pode ser encontrada em qualquer lugar do mundo, tornando-se acessível a todos. A leveza da bebida e o sabor marcante do hambúrguer formam um excelente contraste.

• 180 gramas de blend (bife com mistura de várias carnes) • Cheddar • Fatias de bacon • Cebola roxa • Folhas de alface americana • Maionese de manjericão

montagem No pão, passe a maionese de manjericão e insira as folhas de alface americana. Em seguida, coloque o bife, cheddar, bacon e as fatias de cebola roxa. Para finalizar, acrescente mais maionese e sirva.

toque de chef Segundo o chef Pablo Breu Selli, de Garibaldi/RS, essa combinação de ingredientes tem uma grande aceitação por ser mais tradicional e remeter ao xis burguer americano.


10 porções

tiramisù harmonizado com vinho marsala ingredientes • 3 ovos • 250g de biscoito tipo champagne • 80 ml de licor Amaretto • 250ml de café expresso • 150g de açúcar de confeiteiro • 0,5 un de baunilha em fava • 200g creme de leite • 1 kg de cream cheese • 25g de chocolate em pó

modo de preparo

@vicaleksa

Junte o café expresso com o licor. Bata as gemas com o açúcar refinado em banho maria, até ficar clara e fofa. Bata o creamcheese e junte a gemada. Para montar: Numa terrine iniciar a montagem com o creme, biscoito embebido no café, tendo no mínimo duas camadas de cada, terminando sempre com creme. Levar a geladeira por 4 horas. Servir polvilhado com chocolate. Harmonização: vinho marsala


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meio ambiente

@ gustavo.colferai.3

agricultores buscam soluções orgânicas em meio a prejuízos Uso de defensivos orgânicos geram resultados na qualidade e na produção, mas ainda causam discordâncias no meio rural Ana Paula, Clayton, Eduarda e Gustavo Duas denominações para se referir a um mesmo conceito comprovam a existência de correntes bem distintas em relação ao uso de produtos químicos na agricultura brasileira. De um lado, o termo “defensivo agrícola” parece minimizar os possíveis impactos negativos causados pelo uso do também chamado “agrotóxico”. No ano passado, a adoção definitiva da expressão eufemizada “defensivo” chegou a entrar em discussão na Câmara dos Deputados,

por meio do projeto de lei 6299/2002. Além dessa alteração, o documento ainda propunha a liberação de licenças temporárias e a proibição apenas de substâncias que apresentem “risco inaceitável”. A demanda por políticas que facilitem o uso desses químicos comprova como agricultores brasileiros continuam defendendo a inviabilidade da produção sem agrotóxicos. Em julho deste ano, o setor obteve mais uma conquista junto ao Governo, com a liberação de outros 51 pesticidas, totalizando 290 novos

químicos desde o primeiro dia do ano, mas as pesquisas que comprovam seus riscos continuam sendo divulgadas no País. O último relatório apresentado pelo Ministério da Saúde, por exemplo, apontou mais de 4 mil casos de intoxicação aguda por agrotóxico em 2017, resultando em 148 mortes. Há alguns anos, os pais do consultor rural e tecnólogo especialista em agricultura orgânica Vitor Baldasso fizeram parte dessa estatística. “Meus pais conheceram, no auge da atividade rural, a revolução verde,

quando se trouxe ao Brasil soluções tecnológicas para a agricultura, na década de 70. Eles produziram muito, mas perderam o mais importante: a saúde. Meu pai e minha mãe faleceram os dois com 57 anos, com câncer. Fomos vítimas desse processo evolutivo que defende rendimentos em cima de tecnologias, com o uso de agrotóxicos e químicos”, conta. Baldasso tinha 18 anos quando os pais morreram e também sofreu as consequências desses aditivos, com alergias que afetam, sobretudo, as vias respiratórias.


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O acontecimento despertou o consultor para a necessidade de implantar um serviço que fosse na contramão do uso dos agrotóxicos na região da Serra Gaúcha. Atualmente, Baldasso mantém uma empresa de consultoria rural em Carlos Barbosa, a Vitabal, que há cinco anos promove produtos de uso orgânico e o manejo correto de substâncias químicas. “Não sou totalmente contra o agrotóxico, só sou realista. Ajudo todos os tipos de produtores, empresas agrícolas e cantinas, os que têm produção 100% ecológica, com certificação, ou os querem dimi-

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nuir o agrotóxico, tirar o herbicida, aplicar somente o necessário, dentro das normas”, explica. Após a morte dos pais, Baldasso precisou assumir a fazenda da família e realizar um processo de transição, com insumos mais sustentáveis para o plantio. Em 2014, abriu a consultoria para oferecer manejos alternativos para outros agricultores. Por mais que os cuidados com a aplicação dos defensivos agrícolas tenham evoluído em relação ao tempo de seus pais, ele explica que ainda encontra erros. “Estamos no campo e vemos muita coisa, ainda há quem use acima do

permitido, faça misturas”, afirma, explicando que, na preocupação com a temperatura instável da Serra Gaúcha, produtores acabam exagerando nas aplicações. “Na safra da uva, foco da nossa região, pode dar um tempo horrível, de chuvisqueiro, neblina, aí o agricultor, na preocupação, cria um coquetel de ‘n’ produtos, coloca coisa que não é para o momento”, explica. Baldasso fica preocupado com a quantia de agrotóxicos utilizados na região. A Serra Gaúcha, segundo o consultor, tem um clima diferenciado, que alterna muito entre frio e calor em curto espaço de tempo, sobretudo no inverno, além de chuvas e

ventos fortes, o que requer um controle maior na plantação. Ao comparar com outras regiões, Baldasso vê uma utilização exagerada na Serra. “Pela experiência prática no campo, conhecendo o que é aplicado nas parreiras por aqui, quantidade, tipo de produto e considerando os tamanhos de área produzida, você vai calculando e o susto é grande”. Pelos seus estudos, ele afirma que a Serra pode estar consumindo quase de 12 a 15 litros por ano de substâncias químicas per capita, o que seria quase o triplo da média nacional, de 5 litros por ano divididos pelo número de habitantes.

@geneibucco

O último relatório apresentado pelo Ministério da Saúde, por exemplo, apontou mais de 4 mil casos de intoxicação aguda por agrotóxico em 2017, resultando em 148 mortes.

Para o engenheiro agrônomo Antônio Romagna, em comparação com o restante do Brasil, a utilização dos agrotóxicos na Serra Gaúcha não chega a 0,01%. “O maior uso de agrotóxicos é na lavoura da soja, do milho, da cana e do algodão”, afirma. Formado pela Universidade Federal de Santa Maria, Romagna explica que os principais agrotóxicos utilizados na região são os fungicidas, devido às condições de umidade e calor, que favorecem

o surgimento de fungos. “Existe também a aplicação de herbicidas e dos inseticidas quando há algum ataque de inseto, mas para culturas perenes, no caso da uva, que trabalhamos mais por aqui, o foco é no fungicida”. Ele complementa que a utilização desses produtos é feita de forma preventiva, com base na época do ano. Isso porque, após o início da penetração do fungo na planta, as perdas já começam a ser sentidas pelos produtores.

Quando questionado sobre a possibilidade de uma agricultura livre de agrotóxicos, o Agrônomo cita o exemplo dos parreirais, principal cultura da Serra Gaúcha. Segundo ele, há algumas variedades de uvas comuns que apresentam maior resistência a doenças, as quais poderiam ser produzidas com a utilização de defensivos orgânicos. “Já as (uvas) viníferas são mais sensíveis. Elas não têm essa capacidade de combater o fungo”.

Nas variedades comuns denominadas Concord e Bordô, por exemplo, Romagna explica que há a presença de uma camada de pelos na parte inferior de suas folhas, o que inviabiliza a penetração do fungo. “Mas falando de uma forma vinífera, seria inviável para o produtor se sustentar. Hipoteticamente, numa produção de 10 mil kg por hectare, talvez (ele) fosse colher 500 kg. Ele não vai ter lucro e vai acabar desistindo da atividade”, avalia.


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defensivos garantem produção Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Caxias do Sul, Rudimar Menegotto, o uso dos defensivos agrícolas é necessário, pois não utilizar um produto para proteger o plantio é correr o risco de perdê-lo, principalmente pelo clima úmido que favorece fungos e pragas. Menegotto afirma que seria vantajoso para o agricultor não utilizar os químicos. “Até porque não usar é custo menor para o agricultor, mas hoje praticamente é impossível produzir sem usar uma proteção”. O sindicalista acredita ser possível trabalhar cada vez mais com produtos sem agressividade. “As novidades estão vindo, mas ainda é uma necessidade o uso dos agrotóxicos.” Para o engenheiro agrônomo Antônio Romagna,

quase a totalidade dos agricultores da região utilizam agrotóxicos em suas produções, mas a prática não deve ser motivo de alarme. Segundo ele, a utilização desses produtos eficaz que as empresas vêm trabalhando para garantir uma maior produção de alimentos, que supram as demandas atuais. Mas o agrônomo afirma que há uma série de critérios de aplicação que são seguidos pelos agricultores. “Eu trabalhei por anos em uma cooperativa e, de uma maneira geral, essas empresas apresentam um quadro técnico, com agrônomos e técnicos agrícolas que passam essas informações aos produtores associados. E quando a aplicação é feita de uma forma correta, o risco de intoxicação é mui-

aplicações erradas trazem consequências As críticas aos agrotóxicos não são apenas pelos riscos ao produtor, mas também como a própria planta é afetada quando a aplicação do defensivo é errada. O consultor rural Vitor Baldasso afirma que as substâncias químicas não respeitam o ciclo natural da natureza. “Pegue uma parreira como exemplo: o produtor foca na quantidade, em produzir bastante, aí começa com uma aplicação forte demais, com um Adubo 2000-20 (fertilizante). Só que o produtor às vezes não entende que a planta é um ser vivo. Anualmente, a planta recebe uma quantidade forte demais, e esse nutriente já está em excesso no

solo. A planta acaba não aguentando mais”, afirma, complementando com uma analogia com a saúde do ser humano: “É como se uma pessoa comer no seu período de desenvolvimento apenas churrasco e cerveja, mas no período de descanso, ela fica passando fome. Vai desenvolver assim uma série de doenças. Com a planta é igual, ela não estará saudável para produzir”, explica. “O adubo orgânico alimenta a planta gradativamente todos os dias do ciclo da vida dela, seja da etapa vegetativa ao fruto, maturando ou descansando. Se você está em equilíbrio, você está saudável. Quando você está saudável, você vai produzir”, afirma.

to, muito baixo”, esclarece. Dessa forma, quem decide qual produto deverá ser utilizado e quando ele poderá ser aplicado são os profissionais da área, que acompanham determinada plantação. A aplicação dos fungicidas é feita desde o início da plantação, quando começa a mudança de cor, até uns 40 dias antes da colheita. “Quem aplica é quem tem o maior contato com o produto, esse que corre o risco maior. Mas ele se protegendo com Equipamento de Proteção Individual esse risco, praticamente, desaparece”, afirma. Outro cuidado necessário na aplicação é o tempo de carência. De acordo com o agrônomo, antes de um produto ser aprovado pelos órgãos governamentais,

ele passa por testes que comprovam a dosagem correta que deve ser aplicada, para quais culturas ele é recomendado e qual o seu tempo de carência: “No momento que ele (o produtor) aplicou, quanto tempo esse produto vai levar para desaparecer, para que a pessoa consiga consumir esse alimento? Cinco, sete, 10, 15 dias? Se o produtor respeitar esse tempo de carência, quem for consumir não terá nenhum problema. O alimento terá um resíduo mínimo que o próprio organismo elimina”, afirma. Além disso, as empresas fabricantes de agrotóxicos devem fornecer informações relacionadas aos cuidados que devem ser tomados durante a aplicação, transporte e armazenamento, por exemplo.

prejuízos comprovados Mesmo com a garantia do uso correto de agrotóxicos por parte de produtores locais, uma investigação recente do Ministério Público (MP) do Rio Grande do Sul tem comprovado os prejuízos que os agrotóxicos estão provocando. Entre outubro de 2018 e março deste ano, pelo menos 400 milhões de abelhas morreram em diversos municípios gaúchos, incluindo Bento Gonçalves. No Inquérito Civil sobre o caso, 43 amostras apresentaram 90% de agrotóxicos – principalmente os inseticidas à base de finpronil. Em relação a esse fato, Antônio Romagna opina que a mortandade das abelhas acontece, geralmente, em grandes lavou-

ras, como a da soja. “Eles aplicam esse inseticida de avião ou de trator. Então se tem alguma colmeia próxima, em um dia de vento esse produto pode ser carregado até elas. ”, garante. Na Estação Experimental do IFRS Campus Bento, o uso de agrotóxicos fica restrito aos fungicidas. Mesmo assim, o agrônomo garante que são tomadas uma série de precauções para evitar o contágio das abelhas. “A gente faz a aplicação no início da floração, quando 90% dos botões estão fechados, ou quando termina a floração. Também aplicamos em horas que sabemos que não há abelhas, de manhã cedo ou mais à tarde”.


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soluções orgânicas O consultor rural Vitor Baldasso, através da sua empresa, a Vittabal, tem trabalhado com agricultores que querem alcançar uma classe de consumidores cada vez mais exigentes, que exigem produtos mais saudáveis. “Conversamos com o produtores sobre qual a intenção deles, avaliamos a propriedade e disponibilizamos todos os produtos para suprir a demanda, desde fungicidas, herbicidas, adubação para corrigir o PH do solo e fornecer os nutrientes para a planta”, explica Baldasso, que garante que todos são registrados no Brasil, com garantia de não ter impactos danosos à natureza. E é possível o produtor rural ter lucro enquanto ajuda a natureza, algo que o consultor faz questão de salientar. Não é que a fruta, a verdura ou o grão fiquem mais baratos, já que os preços do mercado são tabelados, mas o custo de produção reduz ao longo do tempo, uma vez que diminui a aplicação do uso de químicos, em sua maioria importados, segundo Baldasso. Como os insumos utilizados são natu-

rais, retirados da natureza, têm absorção 100% natural, sem impactos. “(O processo) é lento e gradativo, mas não vai se perder em uma intempérie. O que investe na propriedade fica constante em todo o ciclo vegetativo da planta, coisas que o químico não faz”, explica Baldasso. Os resultados têm sido satisfatórios para os produtores. Baldasso garante que, em média, todos os trabalhos que acompanha já resultaram em aumento de produtividade em até 30%, custo de produção reduzido a até a 50% e redução de até 80% no uso de agrotóxicos. “Nossos produtos não são mais caros que os químicos, alguns deles têm o custo até menor”, salienta Baldasso. Um dos seus cases de sucesso é da soja, não tão comum na Serra Gaúcha, mas uma referência cada vez maior no Brasil, tanto em produção, como em uso de agrotóxicos e sementes transgênicas. Um produtor de Vista Alegre do Prata passou a usar produtos naturais no plantio. “Essas tecnologias fortalecem raízes, absorvem

mais o sol e a planta não fica doente. Esse produtor com quem trabalho faz um tratamento de fungicida e um de inseticida por safra, enquanto os outros produtores fazem quatro tratamentos de fungicida e dois de inseticida. De cara, nós reduzimos o custo de produção em 50%, e o resultado aumentou em 10 sacas a mais por hectare”, afirma. Entre os produtos orgânicos revendidos por Baldasso estão os adubos foliares. Para as parreiras, por exemplo, fortalece raiz, caule e folhas, tudo sendo desenvolvido através da fotossíntese. O ingrediente desses produtos são rochas extraídas de profundidades, junto com mamona. “Uma tecnologia produzida em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, cria nanopartículas para degradar os materiais e unir tudo em um só. A aplicação é bem simples, e tem dado um ótimo resultado”, salienta. Mesmo que seus resultados sejam positivos, Baldasso encontra resistência de grande parte dos agricultores da região em conhecer suas técnicas.

“90% dos produtores são céticos, a maioria creio que por ideias conservadoras, de gente que formou sua cultura há muito tempo no campo”, explica. Porém, o consultor também

Essas tecnologias fortalecem raízes, absorvem mais o sol e a planta não fica doente

crê em um forte lobby na venda dos defensivos agrícolas: “Há também quem coloque medo de que o agricultor vai perder a safra se deixar de usar tais produtos”. O caminho é ir apresentando seu trabalho aos poucos: “Uma das propostas para conseguir implementar é provocar, fazer um teste em um pedaço da propriedade, para aos poucos começar uma transição, diminuir ou até quem sabe deixar de usar defensivos potencialmente tóxicos”.

@gustavo.colferai.3


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a introdução dos orgânicos A utilização de defensivos orgânicos já é uma realidade no IFRS. Há três anos, a equipe responsável pelos plantios da instituição, com a fiscalização do engenheiro agrônomo Antônio Romagna, tem cultivado um parreiral de uva comum à base de cinzas, folhas de figo e fungos – que auxiliam na prevenção de doenças. “Existem vários produtos, hoje, que estão fazendo esse controle. Alguns à base de fungos que não fazem mal à saúde. São fungos que controlam fungos. Já as cinzas, utilizamos com uma pe-

quena dose de sulfato de cobre, para controlar essas doenças”, explica. Para o agrônomo, a utilização restrita a defensores orgânicos ainda não é uma alternativa viável para a agricultura, pois não dariam conta de atender o mercado global. Entretanto, ele acredita que, com o avanço de pesquisas no setor, seja possível avançar na elaboração de orgânicos à base de fungos, os quais se caracterizam como uma forma eficaz de se trabalhar na prevenção de doenças.

Com 3,7 mil mudas em sua estufa, produz até 400 quilos ao mês quando a safra está no seu forte. “ A

produção aumentou porque hoje você não perde, mantém ela constante o ano todo. Antes, produzia bonito, mas de repente parava, não vinha florada, não vinha nada”, avalia Contini. “Hoje tenho mudas de dois anos com excelente produção. Antes, em dois anos, a muda já estava morta”, detalha. O produtor explica que usava herbicidas e fungicidas, já que o morango tem bastante insetos. Hoje, usa um inseticida que tem como base extrato de alho. Os fungicidas químicos deram lugar aos bacilos vivos e os produtos à base de rochas vendidos por Baldasso. Desde que passou a utilizar esse tipo de defensivo, não precisou mais de agrotóxicos. “Estou construindo uma nova estufa, porque não tenho morangos o suficiente. Já cheguei a vender 1,4 mil bandejas de um quilo em um mês”, conta. Contini percebe a resistência de outros agriculto-

como vai ser? extremamente tóxico

extremamente tóxico Causa corrosão da pele. Nos olhos, causa opacidade da córnea reversível em 7 dias ou não, além de oferecer persistente irritação na área.

Fatal se ingerido, em contato com a pele ou inalado.

altamento tóxico Idem. A diferença para o pior grau está na quantidade de exposição vao produto.

moderadamente tóxico

Causa irritação severa na pele. Nos olhos, não causa opacidade da córnea, apenas irritação reversível em 7 dias.

Causa intoxicação se ingerido, em contato com a pele ou inalado.

pouco tóxico Nocivo se ingerido, em contato com a pele ou inalado.

medianamente tóxico Causa irritação moderada na pele. Nos olhos, não causa opacidade da córnea, apenas irritação reversível em 72 horas.

pouco tóxico Pode causar irritação leve na pele. Nos olhos, uma causa da córnea, apenas irritação reversível em 24 horas.

res a entrar na produção sustentável é a maior necessidade de cuidados. “A aplicação é mais trabalhosa, tem de cuidar o horário, o clima. Os bacilos, que são fungos vivos, se forem aplicados no frio, morrem antes de chegar, assim como em um calor de 30 graus. E tem o manejo também, tirar a folha doente, a fruta estragada”, detalha. Já com o agrotóxico, o processo é mais simples, mas com re-

improvável de causar dano agudo Pode ser perigoso se ingerido, em contato com a pele ou inalado.

não classificado Sem riscos ou recomendações.

sultados diferentes. “Se for aplicar o químico, é só passar em cima da fruta estragada, ela seca ali na planta e deu, não vai vir fungo. Mas aí está envenenando todo o pé”, explica. Apesar de um esforço necessário para um cultivo mais saudável, o agricultor garante o retorno. “É mais mão de obra, mas garante uma qualidade de vida maior”, finaliza.

@ _dudabucco

No início, Contini utilizava químicos e garante que o tratamento tem um impacto diferente. “O químico acaba com a muda. Ele elimina o fungo, mas a planta seca e um tempo depois morre. Aí tem que plantar a muda de novo”, explica o produtor. Hoje, com defensivos orgânicos, o agricultor notou um aumento na produção e na qualidade. Enquanto outros produtores da região estão tendo como resultados 400 gramas por muda de morango ao ano, Contini produz 800 gramas, e a expectativa é chegar a um quilo por muda ao ano.

como era?

altamente tóxico

qualidade e produtividade Um dos agricultores testou as ideias do consultor Vitor Baldasso, se tornou seu maior incentivador em espalhar a proposta de plantio consciente. Marciano Contini produz morangos em Coronel Pilar há três anos.

classificação dos agrotóxicos


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crítica

o colapso da polinização

o planeta pede socorro

Ana Paula, Clayton, Eduarda e Gustavo

O consumo e descarte excessivo de lixo, especialmente o plástico, agravam a poluição e colocam em risco a vida humana na Terra

E se as abelhas fossem extintas? As consequências seriam sentidas diretamente na produção de alimentos. Sem as abelhas, o ser humano teria que inventar tecnologias revolucionárias para substituir o processo de polinização. Nos últimos anos, houve o desaparecimento de comunidades inteiras de abelhas no mundo, principalmente na América do Norte e na Europa. O fenômeno ficou conhecido como “desordem de colapso das colônias”, devido à rapidez com que o desaparecimento é registrado. Antes, isso parecia distante da realidade brasileira. Neste ano, já não é. Em janeiro, cerca de 50 milhões de abelhas morreram em Santa Catarina. De outubro de 2018 até março deste ano, ao menos 500 milhões desses insetos desapareceram na pequena cidade de Mata, na região central do Rio Grande do Sul. Também foram registradas mortandades em Santiago, Jaguari, São José das Missões, Campo Novo e Cruz Alta. Em ambos os casos, governo e instituições investiram em estudos para entender os fatores que levam ao extermínio das abelhas. As pesquisas, entretanto, tiveram como base uma teoria sólida: os agrotóxicos causam o sumiço de milhares de abelhas. E os resultados comprovaram: em análise feita pela UFRGS, por meio de parceria com uma empresa privada, das 37 amostras disponíveis, 60% foram mortas pelo fipronil, um inseticida utilizado nas lavouras de soja. Em Santa Catarina, testes feitos com recursos do Ministério Público trouxeram as mesmas conclusões.

Qual o papel do cidadão enquanto consumidor? Além da cobrança por fiscalizações mais rigorosas quanto à utilização correta dos agrotóxicos, as pessoas devem se encaminhar, também, para uma mudança de hábitos. É possível encontrar diversos produtores que vêm investindo em práticas orgânicas. Além de benefícios para saúde, consumir produtos livres de agrotóxicos gera uma teia de valorização e incentivo para que, cada vez mais, se invista em estudos e práticas capazes de livrar a comunidade do perigoso universo dos químicos.

@caaaams_

Em países como Vietnã, Uruguai e África do Sul, o fipronil foi proibido por ser letal para as abelhas. O cenário comprova como o uso inadequado dos agrotóxicos é, sim, uma realidade no país. E os prejuízos que a prática têm gerado aos seres humanos e a todo ecossistema parecem cada vez mais irreversíveis.

Almeri, Camila e Manuella O plástico é feito do insumo do petróleo e está no planeta há mais de 100 anos. Após a Segunda Guerra Mundial, sua produção já aumentou em 20 vezes. Tudo isso devido ao processo de polimeri-

zação, que reúne moléculas e forma um produto extremamente durável e com um preço favorável ao mercado. Poliéster, PVC, náilon, teflon e silicone são alguns dos polímeros criados pela indústria petroquímica para diferentes


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utilidades. De brinquedos a construções civis, cientistas calculam que a humanidade já produziu plástico o equivalente a 25 vezes o peso de todos os seres vivos na Terra. Toda a durabilidade e resistência deste produto vira problema após o descarte. Segundo estudo feito pela National Geographic, mais de 40% do plástico consumido é utilizado apenas uma vez e 35% são descartados após 20 minutos de uso. O pior de tudo é que na maioria das vezes o lixo vai parar nos oceanos, onde plástico e plâncton são confundidos e animais marinhos sofrem extrema ameaça. Quando o destino do plástico é o mar, sua dissolubilidade são micropartículas como grãos de areia espalhados por toda parte. Esses microplásticos são um ímã de toxinas, que agarram substâncias químicas como agrotóxicos e dejetos industriais.

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O que estamos querendo dizer é que mais de 70% dos peixes existentes já ingeriram plástico e os di-

Desde a década de 80 é crime ambiental descartar embalagens plásticas no meio ambiente, porém, as multas aplicadas e pagas são muito poucas.

versos venenos embutidos nele. Ou seja, ao se alimentar de um ser marinho, as pessoas entram em contato com disruptores endócrinos que interferem na produção hormonal e podem acarretar doenças como obesidade e até

mesmo câncer. Com isso, o Fórum Econômico Mundial de Davos alerta que a quantidade de plástico no mar poderá ultrapassar a população de peixes. A humanidade ainda não percebeu que o canudo faz diferença, sim, e que tudo o que oferecemos à natureza, retorna para nós de alguma forma. As micropartículas dos cremes esfoliantes, a purpurina usada no Carnaval, as 1,5 milhão de sacolinhas plásticas distribuídas por hora no Brasil, tudo isso tem impacto sobre o meio ambiente e é feito de um material que pode durar séculos e nunca desaparecer. A solução para isso? Reciclagem e consumo consciente. Entretanto, assim como qualquer assunto burocrático no Brasil, essas questões carregam obstáculos para serem realizadas. Desde a década de 80 é crime ambiental descartar embalagens plásticas no

oceanos são os mais atingidos Um material tão presente em nossa vida diária se tornou uma das maiores pragas ambientais do planeta. Você é cercado deles em praticamente todos os lugares: em casa, no trabalho, no supermercado, na rua, etc. Já imaginou do que estamos falando? Sim, estamos falando do plástico, e sobre os problemas com a sua produção desenfreada que está afetando drasticamente nossos oceanos. 71% do planeta é coberto por água, sendo três quartos da superfície terrestre ocupada por oceanos. Os oceanos são importantes para a conservação

da vida, e é dessa água toda é que muitos garantem seu sustento, através de energia, comércio, alimentos, transporte de pessoas e de produtos e também o turismo. É de se esperar, então, que esses oceanos sejam preservados. Infelizmente, a situação é urgente e muito preocupante. Cerca de 40% são fortemente afetados por atividades humanas, incluindo poluição, perda de habitats costeiros e pesca predatória. Além de contaminar, ameaçam a vida de animais e liberam gases que promovem o efeito estufa, prejudicando nossa qualidade de vida.

De acordo com a ONU, estima-se que sejam despejados 8 milhões de toneladas de plástico a cada ano nos oceanos. E esse problema ambiental está cada vez mais preocupante, uma das instituições mais importantes em relação à implementação da economia circular na sociedade, a Ellen MacArthur Foundation, declara que se nada for feito até 2050 a quantidade de plástico pode ser maior do que a de peixes.

meio ambiente, porém, as multas aplicadas e pagas são muito poucas. Desde a tragédia de Mariana, por exemplo, empresas envolvidas em desastres ambientais quitaram só 3,4% de R$ 785 milhões em multas. Além disso, a lei que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos diz que cabe às prefeituras a destinação, coleta seletiva e compostagem do lixo, e ao setor privado, a transformação do que foi coletado em novos produtos. Mas como a teoria é diferente da prática, a situação dos municípios brasileiros em relação à reciclagem e a relação entre público e privado não é boa. Segundo o IBGE, 66% das cidades não tem Plano de Resíduos Sólidos e 85% dos brasileiros não têm acesso à coleta seletiva. Por isso, é importante que cada um faça a sua parte, mas também é necessário que o governo tenha parte nisso.

reciclagem na região Caxias do Sul pode ser considerada uma cidade privilegiada ao se tratar de coleta seletiva e reciclagem de lixo. A Codeca, empresa responsável pelo recolhimento e destinação dos resíduos orgânicos e secos da cidade, recolhe em média, por dia, 450 toneladas de lixo, sendo uma média de 360 toneladas de resíduos orgânicos e aproximadamente 90 toneladas de material sólido. Estima-se que cada morador de Caxias do Sul produz em média 1 kg de lixo por dia. Das 450 toneladas recolhidas, 20% des-


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sa quantia (90 toneladas) é encaminhada para 13 associações de catadores conveniadas ao município. Se o lixo não estiver contaminado, por exemplo, plástico misturado com resíduos de comida, ele é separado e vendido para empresas de reciclagem. A Codeca conta com 19 caminhões para coleta seletiva e 24 para coleta orgânica. Esses caminhões são responsáveis pelo recolhimento do lixo depositado em 1.390 pares de containers espalhados pela cidade. De acordo com os responsáveis pela Codeca, o lixo orgânico recolhido é transportado para o aterro sanitário Rincão das Flores, em Vila Seca. Numa área de 275 hectares, os representantes explicam que o aterro foi preparado para garantir proteção ambiental de acordo com as exigências dos órgãos licenciadores. Para evitar a contaminação do solo, as células de depósito de lixo são constituídas de camadas de argila compactada e membranas de polietileno de alta densidade (PEAD), que garantem a preservação do solo e do meio ambiente. Todo o chorume (líquido orgânico resultante da decomposição do lixo) é canalizado, tratado e descontaminado. Após passar por três etapas de tratamento: lagoas facultativas, biológico e físico-químico, o efluente é utilizado para irrigação de área demarcada e licenciada no aterro, através de um sistema de aspersores, similar ao utilizado na agricultura. A destinação final dos gases gerados pelo aterro é a queima (o metano proveniente da decomposição

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do lixo orgânico é transformado em gás carbônico, 21 vezes menos poluente à camada de ozônio que o metano). Além dessas tradicionais coletas existe a coleta de materiais especiais como móveis, eletrônicos, óleos e materiais perigosos. Móveis, eletrodomésticos, equipamentos de telefonia e informática podem ser trazidos ao Ecoponto (localizado junto à Codeca), que encaminha para doação (móveis e eletrodomésticos ainda em bom estado de uso). Os demais equipamentos de telefonia e informática são encaminhados para entidades parceiras, como a Ambe, que gerencia resíduos eletroeletrônicos para descontaminação. Pilhas, pneus, baterias e lâmpadas atendem a po-

lítica de logística reversa, isto é: os produtos usados são devolvidos ao local de compra, sem cobrança de custos, obedecendo à lei federal nº 12.305/2010

A destinação final dos gases gerados pelo aterro é a queima (o metano proveniente da decomposição do lixo orgânico é transformado em gás carbônico, 21 vezes menos poluente à camada de ozônio que o metano)

(instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada). O óleo de cozinha usado deve ser descartado em garrafas pet, diretamente entre os resíduos seletivos. As associações de catadores receberão este material e farão o encaminhamento para uma usina que produzirá biodiesel. Também é aconselhada a reutilização para fabricação de sabão.

a moda se reiventa O plástico está por todo canto, e por esse mesmo motivo foram necessários alguns anos para que o ser humano percebesse que o volume produzido no planeta é insustentável. Não temos mais como reciclar toda essa quantidade e o impacto negativo é enorme. O descarte do plástico pode até ser feito adequadamente, mas é bem provável que ele nunca seja reciclado. Essa quantidade que não é reciclada permanece no planeta, sendo que uma parte fica nos aterros sanitários ou lixões, e muitas vezes carregado para longe pelo vento. A outra parte, geralmente pequenos pedaços, entram em esgotos, fazendo com que esse plástico vá parar em rios e mares. Mas o que estamos fa-

zendo para salvar esses oceanos? Já estava na hora de agir quando a Adidas transformou esse sonho distante em realidade. A ideia para o ecotênis surgiu em 2015, quando uma multinacional alemã ajudou o grupo ambientalista Parley for the Oceans a desenvolver o calçado reciclado. A Adidas adotou o projeto e começou a desenvolver esses tênis com plástico retirado dos oceanos, e quatro anos depois o projeto finalmente se concretizou. O tênis do futuro, como é chamado pela marca, teve seu lançamento com apenas 200 unidades, fazendo parte de um programa piloto. O Futurecraft Loop, como é seu nome oficial, é produzido com fios e filamentos recuperados e reciclados de lixo

plástico marinho e redes de pesca ilegais encontrados nos oceanos. Somente nesse ano a Adidas produzirá 11 milhões de pares de calçados nesse projeto. E depois que os tênis estiverem velhos e inutilizáveis? É aí que fica mais interessante, por serem 100% recicláveis: quando os tênis não servirem mais para uso eles poderão ser devolvidos a Adidas para serem lavados, moídos em grânulos e dissolvidos em materiais para gerar um novo par.


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meio ambiente moda sustentável O Slow Fashion vem garantindo seu espaço na moda, mas você sabe o que é isso e de onde surgiu? O “slow fashion” foi criado em 2008 pela inglesa Kate Fletcher, consultora e professora de design sustentável do britânico Centre for Sustainable Fashion. Inspirado no slow food,

Cerca de 100 Até 2050

8

276

5

como a relação à nossa alimentação, o movimento slow fashion é uma versão similar que foi implantada na moda para o consumo de roupa sustentável, incentivando a termos mais consciência dos produtos que vestimos. De um lado o fast fashion, que visa produção em massa, globalizado, se-

milhões de animais marinhos morrem todos os anos devido à poluição por plástico

99% de aves marinhas terão plásticos em seus estômagos

milhões de toneladas de plástico são jogadas nos oceanos todo ano (mundialmente)

pedaços de plástico encontrados por pesquisadores dentro de uma ave marinha, pesando 15% do peso da ave

gue tendências, mão de obra e produto de baixo custo e ocultação do ciclo de vida útil do produto, e do outro o slow fashion, que é totalmente o contrário. O conceito do slow fashion é de que as roupas tenham um propósito para serem produzidas e usadas, com qualidade e durabilidade, respeitando o meio ambiente.

mente você não usa todas as peças do seu guarda-roupa, e esse conceito de armário cápsula calcula que apenas 37 itens são usados durante uma estação, sendo combinações de roupas entre si. Analisando dessa forma, você usa poucas peças, mas aquelas de boa qualidade, duráveis e com bom acabamento.

Mas como praticar o slow fashion? Além das lojas de slow fashion, aqui no Brasil existem muitos brechós online que vendem roupas usadas e proporcionam melhor aproveitamento das peças, e você pode encontrar por meio de aplicativos ou pelo Instagram.

A prática do slow fashion preza pela diversidade, auxilia na economia local, promove consciência socioambiental, contribui para a confiança entre produtores e consumidores, tem preços compatíveis com os custos de mão de obra sustentável, e mantém sua produção entre pequena e média escalas. Essas peças conseguem unir tendência, personalidade, identificação da peça com o estilo do público-alvo, de forma que sejam roupas atuais, atemporais e com muita criatividade.

Mas você deve estar se perguntando “para adotar os conceitos do slow fashion, vou ter menos roupas e consequentemente menos looks?”. Por isso existe o conceito do armário cápsula. Provavel-

trilhões de pedaços de plástico flutuando no mar

Para começar a ajudar o meio ambiente

100

mil toneladas de canudos são encontrados no mar anualmente

Sempre que possível recusar descartáveis Ter sempre uma garrafa ou copo e talheres na mochila Uma caneca no trabalho

136kg

de lixo plástico é produzido por ano

Escova de dente de bambu Sacola de pano/ caixa de papelão para compras

@ jumassenz

Xampu em barra (inclusive é mais natural)

500

milhões de plásticos descartáveis são consumidos por dia nos EUA

1,5

milhões de sacolas plásticas são distribuídas por hora no mundo

720

milhões de copos plásticos descartáveis são descartados por dia no Brasil

Fazer compras a granel e levar seus próprios potes No mercado, optar pelos vidros, latas e caixas, e por embalagens em grandes quantidades Para mulheres: usar absorvente de pano/coletor menstrual Pedir sem sachês e talheres Recusar sempre que possível papéis térmicos (de NF, extratos, recibos, ingressos...) Não utilizar cosméticos esfoliantes/pasta de dente com microplástico (a maioria tem, ler rótulo)



x

te tando p.21

cultura

2020 chega com muitas expectativas Desde 2017, Saturno vem sendo o planeta regente. Isso nos exige disciplina, foco e determinação para que possamos crescer e nos tornar melhores. Além de muitas comemorações, 2020 chega com muitas expectativas. Confira uma previsão geral para o céu do próximo ano, juntamente com o que você pode esperar para o seu signo.

p.22 @ gustavo.colferai.3

agenda cultural Saiba de tudo que vai rolar na TV e no Cinema durante o próximo ano

uso indiscriminado de agrotóxicos ainda é barreira para a produção sustentável páginas 30, 31, 32, 33 e 34

Em setembro deste ano, o setor agrícola liberou junto ao Governo, outros 63 pesticidas, totalizando 325 novos químicos desde o primeiro dia do ano. Seus riscos continuam sendo divulgados no País, porém, a demanda por políticas que facilitem o uso desses químicos comprova como agricultores brasileiros continuam defendendo a inviabilidade da produção sem agrotóxicos.

atelier de jornalismo impresso

Serra Gaúcha

Universidade de Caxias do Sul


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