Revista Textando

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TEXTANDO

Laboratório de Jornalismo Impresso Universidade de Caxias do Sul 2016/2 N° 14

Filhos da cirurgia

Franciele Lorenzett

No Brasil, mais da metade dos nascimentos são cesariana. O projeto Part­­o­­Adequado visa ampliar processo humanizado Página 18

Ação incentiva jovens a seguirem atividades rurais

Caxias do Sul registra mais de 250 estupros em dois anos

Página 8

Página 12

Mecânica e futebol são assuntos de interesse feminino Página 23


Tá na pauta A disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso possibilita a vivência de todos os processos para o desenvolvimento de um jornal. Os alunos envolvidos no Textando 2016/2 tiveram a oportunidade de ampliar suas técnicas na produção textual e imagética do produto. Esta edição busca apresentar um apanhado geral das editorias tradicionalmente trabalhadas neste tipo de mídia. Damos destaque às produções que abordam temáticas do cotidiano, entre elas cidadania, saúde, educação e segurança. A matéria em destaque na capa mostra o atual cenário dos partos no Brasil. A realização de cesáreas ocupa mais da metade deste índice e a Região Sul apresenta o segundo maior número deste tipo de parto no País. Por conta disso, são promovidas medidas governamentais de incentivo aos partos normais. O Textando traz assuntos relevantes com relação à segurança e ao grande número de estupros registrados em Caxias do Sul, nos últimos dois anos. Por outro lado, aborda a questão social de quem já viveu a experiência de estar preso, independentemente do crime, e hoje busca uma nova chance. Relacionado, ainda, ao âmbito social, o jornal retrata a arte que está presente na rotina dos moradores, na forma de lambes que espalham mensagens positivas pela cidade. O Textando apresenta um ponto de vista sobre um projeto que estimula a per-

manência de jovens na zona rural, unindo a herança cultural da região com a especialização acadêmica. Outro caso que preocupa é a educação. Mesmo que a média nacional nessa área tenha melhorado, alunos demonstram dificuldade para acompanhar os conteúdos passados pelos professores, na rede municipal e estadual de ensino. Em outro caso, o Textando mostra que a disciplina de Música, mesmo obrigatória há oito anos nas escolas, ainda tem baixa adesão, principalmente pela falta de profissionais qualificados. Não é só a educação que preocupa. A crise que assombra brasileiros vem elevando o número de desempregados e, infelizmente, a expectativa de melhora está longe de acontecer. Leia no Textando que os casais brasileiros estão optando por diminuír o número de filhos, tornando, assim, o País com uma baixa taxa de natalidade. A saúde ganha destaque nessa edição tratando de um assunto importante: terapias alternativas, aliadas à cura de diversos tipos de doenças. Esta medida tem como foco principal a diminuição do uso excessiv­o de medicamentos. A regressão de vidas passadas é outro método que busca a cura de problemas emocionais e psicológicos. Esse apanhado geral do contexto regional reflete o atual momento em que vivemos. A produção buscou da melhor forma apresentar assuntos de interesse, prezando pela qualidade jornalística.

EDUCAÇÃO

Aprovação automática prejudica a qualidade do ensino Página 4

Rhaysa Santos

Apesar de obrigatório, o ensino de música na educação básica enfrenta dificuldades Página 6

Expediente Reitor Evaldo Antonio Kuiava Diretora do Centro de Ciências Sociais Maria Carolina Rosa Gullo Coordenador do curso de Comunicação Social - Jornalismo Álvaro Benevenutto Jr.

Luizinho Bebber/Divulgação

Professora responsável Marlene Branca Sólio Turma de Laboratório de Jornalismo Impresso 2016/2 Alana Michelli Bof Aline Mapelli Ana Carolina Mosele Vivan Ana Paula Seerig Bruna de Oliveira Marini Bruno Doncatto Bareta Bruno Tomé de Oliveira Cristiane Moro Débora Debon Diego Pereira Franciele Masochi Lorenzett Karina Catuzzo Rodrigues Karine Bergozza Marcio Frizzo Rhaysa Ribeiro dos Santos

Ana Seerig

O projeto Jovem na Zona Rural incentiva estudantes a seguirem no campo Página 8


ECONOMIA

SAÚDE

Dados mostram redução do número de vagas no mercado Página 9

Da cesárea ao natural: a realidade de partos no Brasil Página 18

Márcio Frizzo

Contra o tratamento químico, especialistas buscam a terapia alternativa Página 20

A terapia de regressão como solução para a cura de problemas Página 22

CIDADANIA

Avanços da tecnologia promovem acessibilidade Página 10

COMPORTAMENTO

Diego Pereira

Cristiane Moro

Ressocialização desafia o sistema carcerário brasileiro Página 12

SEGURANÇA

Uma análise das denúncias de estupro no Brasil e em Caxias do Sul Página 14

SAÚDE

Gaúchos lideram o ranking dos casais brasileiros que optam por não ter filhos Página 16

Futebol e mecânica também são assuntos do público feminino Página 23

ARTE

Ana Vivan

Projetos espalham mensagens positivas e poesias nas ruas de Caxias do Sul Página 24


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EDUCAÇÃO

Letras que desmentem números Apesar do crescimento dos índices da educação nacional, as salas de aula mostram um cenário preocupante, no qual os alunos não acompanham os conteúdos passados pelos professores e têm cada vez mais dificuldades Ana Seerig Ana Seerig

Lei de aprovação automática nos três primeiros anos do Ensino Fundamental pode prejudicar o rendimento do aluno em sala de aula e comprometer seu desenvolvimento nos anos seguintes

Ana Seerig apseerig@ucs.br

Quando, no final do ano letivo de 2010, um representante da Secretaria Municipal de Educação de Caxias do Sul (SMED) proibiu a professora de 3º ano (equivalente à antiga 2ª série) Marta (nome fictício) de reprovar oito de seus alunos por não saberem ler e escrever, seu sentimento foi de impotência. “Eles justificam que se os alunos escrevem as primeiras letrinhas, o nome, está ótimo. Mas qual é o teu papel de professor? É ensinar, fazer eles avançarem, aprenderem coisas novas, e não é o que está acontecendo”, afirma a professora com mais de 20 anos de carreira. O olhar cansado e desiludido mostra que, apesar do amor que nutre pela profissão, já não tem esperanças no que faz. Marta ressalta que, mesmo com a estrutura disponível nas escolas municipais, o peso maior ainda está com o professor. Alunos sem referência familiar são casos frequentes. Com isso, a aprovação automática é um agravante, já que as crianças avançam sem saberem o mínimo que deveriam para encarar o ano seguinte. “Nós temos que preparar planos diferentes para uma mesma aula porque cada aluno está num nível. Se hoje estou com uma turma de 2º

ano, tenho alunos com nível de pré. Fico triste de chegar ao fim de carreira e passar por isso, porque na minha cabeça não é assim. Eu sempre tive uma imagem de que ia dar tudo certo, mas há muitas questões sociais que também estão envolvidas”, desabafa. A escola em que Marta trabalha não fica na região mais pobre da cidade e não tem problemas estruturais graves. Possui uma biblioteca recheada de ótimos livros, todos muito bem cuidados. Possui pátio e um ginásio coberto. À primeira vista, os professores não teriam razão para reclamar. Há anos atuando na mesma escola, Marta diz que as mudanças familiares afetam o comportamento das crianças. “Se o dia tem 24 horas e as crianças passam apenas quatro na escola, o que fazem no resto do tempo?” Essa é a grande preocupação da professora. Ao comparar os alunos de hoje com os de uma década atrás, pode-se ver ressurgir o brilho nos olhos de Marta, denunciando o amor que tem pela profissão. “Os alunos chegavam no 3º ano sabendo ler e escrever, nós apenas seguíamos o conteúdo. Agora, eu mal consigo acompanhar o livro. Hoje a gente faz o que dá. Não sou a favor total de reprovação, mas ter que aprovar um aluno que

não é capaz de avançar me deixa indignada. Eu sou muito exigente e tive que baixar meu nível de exigência pra tentar aceitar essa situação. Antes, a gente sabia que aquele aluno tinha grandes chances de ir para uma universidade; hoje não, e isso é o que nos dá um desânimo enorme”, conclui. A professora que recebeu os alunos de Marta em 2011, Andressa (nome fictício), reafirma a boa estrutura da escola e agradece o apoio que sempre teve da coordenação pedagógica, mas reconhece que foi um grande desafio após 30 anos de carreira. “Eu tinha que ter outro tipo de avaliação para os alunos que não sabiam ler e escrever, já que eles não tinham como acompanhar os colegas. A coordenação me ajudou muito em tudo isso, mas era difícil. As crianças percebiam que alguns não sabiam e me perguntava por que eles tinham passado de ano. Os próprios alunos viam que eles não acompanhavam a turma”, relembra Andressa, hoje aposentada. O caso marcou os professores da escola, mas de lá pra cá a situação piorou. Em 2011, o Ministério da Educação (MEC) se mostrou preocupado com os altos índices de reprovação e sugeriu a não retenção dos

alunos até o 3º ano, em consequência, as dificuldades em sala de aula aumentam. Antes de conversar com Marta, a reportagem ouviu as dificuldades de alunos serem abertamente conversadas na sala dos professores. A professora Zelly (nome fictício), do 5º ano (antiga 4ª série) relembra o caso de uma aluna sua do ano passado. “Ela reconhecia que B e A formava “ba”, mas não conseguia identificar a palavra “bala” em um caça-palavras. Como não podemos reter um aluno por dois anos seguidos, ela foi adiante, mas este ano não está vindo às aulas. Ela percebeu que não está no mesmo nível dos colegas, então tem vergonha de vir para a escola.” O QUE DIZ A SMED O caso apresentado no início desta reportagem ocorreu enquanto Edson da Rosa, hoje vereador, era Secretário Municipal da Educação. Ele diz desconhecer que alguém da SMED tenha proibido qualquer professor de reprovar alunos, mas afirma que sempre deu autonomia para os setores pedagógico e administrativo. “Nós seguíamos a resolução da época. Ou seja, do 1º para o 2º ano a aprovação era automática, do 2º para o 3º ano o aluno era aprovado com

progressão, e no 3º ano o aluno podia ser retido. Nós criamos o programa “Mais Alfabetização” para auxiliar os alunos que tinham dificuldades a se tornarem independentes até o 3º ano e toda escola municipal tinha um professor apenas para atender esses alunos”, afirma o ex-secretário. O programa “Mais Alfabetização” ainda existe, porém não é suficiente para sanar as dificuldades dos alunos. No que se refere à aprovação automática nos três primeiros anos do ensino fundamental, a secretária da Educação Marléa Ramos Alves diz que antes de julgar essa resolução é necessário julgar o formato do ensino. “Nós focamos na avaliação, mas na avaliação para reprovar ou aprovar, e não na avaliação da aprendizagem. Com essa proposta de não reprovação, nós temos que avaliar como o aluno vai aprender. Temos que fazer tudo para que ele aprenda. Outro fator é que, quando o professor quer reprovar um aluno, ele tem que justificar tudo muito bem, tem que ter registrado que usou todos os recursos possíveis. Não é que o professor não tenha usado, mas às vezes não fez o registro de tudo. Apesar de que, no município, só o projeto “Mais Alfa” e o fato de ter um professor de apoio, para mim já seria justifi-


cativa”, explica Marléa. Professora formada e com experiência em sala de aula, a secretária defende que a educação precisa ser melhor debatida, tanto nas escolas quanto no contexto nacional. Segundo ela, a política educacional nacional trata o aluno de uma forma medíocre, já que as facilidades para aprovação criadas nos últimos anos dão a impressão de que o aluno não é capaz de aprender e avançar sozinho. “Eu queria uma discussão bem séria a respeito disso, mas o pessoal está muito desmotivado. Eu sempre pergunto aos diretores ‘Por que nossos alunos não estão aprendendo?’. O professor do município não é mal pago, tem uma boa estrutura para trabalhar. Eles (professores) têm problemas em sala de aula? Têm, mas a gente está muito mais perto da estrutura ideal do que o Estado, por exemplo. Mas mesmo assim nosso aluno não aprende. Por quê?”, questiona Marléa. Ainda na busca por uma resposta satisfatória para essa pergunta, a secretária afirma que o adulto mudou, não a criança. Para ela, de algum modo os adultos de hoje, tanto pais quanto professores, já não olham para a criança da mesma forma e, consequentemente, suas atitudes mudaram. “Uma professora uma vez me disse: ‘Estão deixando as crianças fazerem tudo que querem” e eu perguntei ‘Quem?’. Aquilo me incomodou. Em casa, quem é que está com a criança? Os pais. Na escola, quem está com ela? O professor. Então somos nós que estamos deixando fazerem tudo que querem? Não! Me dizem então: ‘Ah, mas não podemos cobrar do aluno’. Claro que podemos, temos apenas que saber como fazer isso”, garante. Outro problema, segundo Marléa, é a falta de conversas sobre educação. Assim como há partidarização das pessoas envolvidas na educação, há também falta de ânimo para buscar argumentos que questionem algumas resoluções ativas. “Por exemplo, a questão da inclusão. Eu pedi para os diretores me trazerem casos positivos e negativos, para que quando eu fosse falar sobre o assunto, pudesse argumentar, dizer porque algo funciona ou não. Mas não veio nada. Eles (diretores) reclamam dizendo: ‘Não dá, não dá’, mas não me dão fatos. Se eu for numa rádio, for na câmara de vereadores e disser ‘Não dá certo’, sou eu, Marléa, falando. Agora se eu for lá e mostrar exemplos da rede municipal toda, o que deu certo e o que não deu, são três mil professores, estarei falando em nome deles, não só no meu. E é isso que está nos faltando, conversar sobre educação, nos unir em torno dela”, desabafa.

“Cada caso é um caso” A educação envolve diferentes profissionais e, apesar de os professores em sala de aula terem a maior responsabilidade do ensino, outros especialistas auxiliam crianças com dificuldades escolares. A psicopedagoga e psicomotricista Taís Branco Aver atende alunos de diferentes faixas etárias e oriundos de redes escolares distintas (municipal, estadual e particular). Quando o assunto é aprovação automática, ela deixa claro, antes de tudo, que não é a favor da retenção. “Eu não sou a favor da reprovação, mas eu também não sou a favor de uma criança avançar sem as mínimas condições. Cada caso é um caso, mas a lei nos deixa amarrados”, afirma. A psicopedagogia leva em conta o emocional da criança e, consequentemente, constrói a proposta de aprendizagem focada no indivíduo. Como as leis se aplicam a todos, no que se refere à educação, elas podem prejudicar a avaliação e desenvolvimento dos alunos. “Muitas vezes a gente percebe que tem um fator emocional prejudicando o desenvolvimento daquela criança, mas a gente sabe que ela tem um potencial para desenvolver. Essa é uma criança que merece uma

aposta. É uma criança que dá o sinal de que, se a demanda emocional for vista, trabalhada e acolhida essa demanda emocional, ela tem boas chances de evoluir no ano seguinte, mesmo que no final deste ano ela não esteja demonstrando toda a aprendizagem que ela precisaria demonstrar. Naquele caso, você observa que dá pra apostar. Há outra situação em que uma criança também não está correspondendo, mas existem outros fatores que interferem nessa não aprendizagem, e aí você entende que, se ela for avançada, correrá o risco de retroceder. Ou seja, a criança se sente pressionada e em algum lugar isso vai estourar”, explica a Taís. Um dos agravantes na educação atual, segundo Taís, é a mudança de oito séries para nove anos. De acordo com ela, a ideia era que a estrutura curricular se mantivesse, porém não é isso que está ocorrendo. Enquanto a pré-escola era uma classe opcional com o objetivo de adaptar a criança à estrutura escolar, o 1º ano já inicia a alfabetização, independentemente de os alunos estarem preparados para isso. “Se aumentou para nove anos na esperança de que o 1º ano fosse o equivalente ao pré, o 2º ano fosse o equivalente à 1ª série, ou seja, a criança poderia ter esse tem-

po até o final do 3º ano, que seria a segunda série. Mas não é isso que acontece na prática. Na prática, estão sendo alfabetizados no 1º ano, que é o pré, antes a fase de conhecer as letras, os números, saber para que servem, dar um sentido para as coisas. Hoje, eu atendo crianças que chegam aqui porque não recortam, não colam, não desenham, porque a escola formal tem a exigência de que a criança chegue dominando todas essas coisas, quando, há um tempo atrás, era a professora do pré que ensinava a usar a tesoura, por exemplo. Não estou dizendo que tem que ser ou o céu ou a terra. Estou dizendo que existe uma aceleração”, esclarece a psicomotricista. Essa aceleração somada à imaturidade emocional de algumas crianças ao chegarem à escola apenas prejudica o amadurecimento e aprendizado delas. As brincadeiras são rapidamente trocadas pelas obrigações e, consequentemente, surgem as dificuldades em sala de aula, as quais tendem a se agravar caso não sejam devidamente sanadas. “O professor que trabalha com essas classes de alfabetização tem que ter jogo de cintura para lidar com aquele que já lê textos e com aquele que ainda está juntando o som das letras, mas isso não quer dizer que toda a turma te-

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nha que ler os textos. Hoje, se tem esse tom da obrigação, apesar de que, se você ler o que está disposto na lei, o 1º ano deveria ser o antigo pré. E a gente se pergunta: Lá no 9º ano, que deveria ser a 8ª série, o que eles vão aprender?”, exemplifica Taís. Com todos os fatores envolvidos na educação atual, do familiar ao legal, Taís não vê perspectiva próxima de mudança. Para ela, é importante, sim, ter atenção na formação do currículo escolar, porém, também é preciso olhar para os alunos e reconhecer sua situação emocional para saber identificar a real situação deles. “Uma coordenadora de uma escola uma vez nos atendeu e disse: ‘Esse aluno é nosso desde o jardim e ele está assim no 3º ano. O que nós estamos fazendo enquanto escola?’ E fica o questionamento: Será que é uma inadequação de trabalho pedagógico ou simplesmente esta criança teve que ser avançada e não teve esse tempo a mais pra construir uma aprendizagem? Não podemos confundir as coisas. Muitas vezes, não foi erro da escola, mas sim falta de um tempo que a criança precisava ter tido e não teve”, sintetiza a psicopedagoga.

Para entender a educação De 8 séries para 9 anos

Aprovação automática

Prova Brasil e Ideb

A Lei 11.274, de 2006, reescreveu o art. 32 da Lei de Diretrizes e Bases (LDB – Lei 9394/1996), o qual originalmente definia o Ensino Fundamental como o período escolar de, no mínimo, 8 anos. Até então, a pré-escola era opcional e os anos escolares eram denominados séries, ou seja, o aluno frequentava da 1ª à 8ª série. A pré-escola servia como primeiro contato das crianças com o ambiente escolar e tinha um caráter mais lúdico, no intuito de promover a socialização e desenvolver atividades psicomotoras como recorte e colagem. Com a mudança da lei, as escolas substituíram o termo “série” por “ano”. Com a obrigação dos nove anos escolares, a pré-escola se tornou obrigatória, a partir dos 6 anos, e recebeu o nome de “1º ano”. Dessa forma, a “1ª série” se tornou “2º ano” e assim sucessivamente, até o 9º ano, antiga 8ª série. Ao contrário do divulgado aos professores no momento inicial, a mudança foi além do nominal e formal e afetou os conteúdos. Hoje as crianças começam a ser alfabetizadas no 1º ano.

A Resolução 7, de 14 de dezembro de 2010, do Conselho Nacional da Educação (CNE), fixa as diretrizes curriculares do Ensino Fundamental de nove anos. No art. 30, sobre os três anos iniciais, o parágrafo 2, inciso III, assegura “a continuidade da aprendizagem, tendo em conta a complexidade do processo de alfabetização e os prejuízos que a repetência pode causar no Ensino Fundamental como um todo e, particularmente, na passagem do primeiro para o segundo ano de escolaridade e deste para o terceiro”. Ou seja, a resolução impõe a aprovação automática com base na justificativa de que a retenção pode ser prejudicial para o aprendizado do aluno.

A Provinha Brasil é uma prova realizada no início e no fim do 2º ano. Ela tem por objetivo avaliar o desenvolvimento da criança, porém não é obrigatória, sendo sua aplicação opção das secretarias de educação. Segundo o MEC, por meio da Provinha Brasil é possível perceber as dificuldades dos alunos e rever a estrutura de ensino para garantir que eles estejam alfabetizados até o fim do 3º ano (proposta do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – Pnaic – instituído pela Portaria 867, de 4 de julho de 2012), caso contrário é feita a reprovação. Já a Prova Brasil é aplicada a alunos de 5º e 9º anos do Ensino Fundamental, com ênfase em língua portuguesa e matemática. As médias de desempenho nas avaliações formam, junto com as taxas de aprovação, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). As tabelas abaixo mostram as metas projetadas e os índices alcançados no Ideb pelo Ensino Fundamental das redes municipal e estadual de Caxias do Sul. Rede Municipal - Caxias do Sul 4ª série/5º ano 2007

4,5

5,1

4,2

4,4

2009

4,8

5,4

4,3

4,9

2011

5,2

5,7

4,6

4,7

2013

5,5

5,7

5,0

4,6

Rede Estadual - Caxias do Sul

Custo do aluno Em novembro de 2015, o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) investiu R$ 2.545,31 por aluno da escola pública. O repasse é feito aos municípios, com base no número de alunos confirmados pelo último censo escolar. O valor de 2015, apresentado no Diário Oficial da União, ficou um pouco abaixo do estipulado em 2014, que era R$ 2.576,36. Porém, de acordo com o Custo Aluno-Qualidade inicial (CAQi), o investimento deveria ser de R$ 3,6 mil por ano.

8ª série/9º ano

4ª série/5º ano

8ª série/9º ano

2007

4,8

5,2

4,1

4,1

2009

5,1

5,5

4,3

4,4

2011

5,5

5,7

4,6

4,2

2013

5,8

5,8

5,0

4,2

Meta projetada Ideb observado

Fonte: Idep (idep.inep.gov.br)


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EDUCAÇÃO

O ensino musical nas escolas Apesar de obrigatório há quase oito anos, o ensino de música na Educação Básica enfrenta dificuldades para ser posto em prática no cotidiano dos colégios caxienses, principalmente devido à falta de professores especializados

Rhaysa Santos rrsantos6@ucs.br

Em 18 de agosto de 2008, a Lei 11.769 foi sancionada pelo governo brasileiro. Ela estabelece a obrigatoriedade do ensino de música nas escolas de Educação Básica. A iniciativa é um enorme progresso para a arte, mas ainda existem diversos pontos negativos envolvidos. Apesar de sancionada em 2008, as escolas somente teriam a obrigação de adaptar seus currículos em 2012. Ou seja, foram quatro anos para planejar a agregação desse novo conteúdo no ambiente escolar, e preparar os professores de maneira adequada para ministrarem as aulas. Porém muitas escolas ainda não se reformularam para o ensino musical, e muitos professores admitem não ter domínio suficiente na área para lecionar. A Associação Brasileira de Educação Musical, a Abem, afirma que a aprovação da lei foi uma grande conquista para a educação musical no País, mas reflete que ainda há desafios para enfrentar. Em Caxias do Sul, não há concurso específico para professores de Música, e muitos alunos ainda não têm contato com a disciplina.

CAXIAS E A LEI 11.769 A Secretaria Municipal de Educação de Caxias do Sul, a Smed, vê a lei de ensino musical nas escolas como um avanço para a área da música e para a educação. Ivan Carlos Schwan, professor e assessor pedagógico da prefeitura, explica que a lei surgiu a partir do movimento “Quero educação musical nas escolas”, que mobilizou diversos setores da sociedade. Mas Schwan chama a atenção para alguns contrapontos na lei. “O texto que alterou inicialmente a lei é bastante ambíguo, pois colocou a música como obrigatoriedade, mas não tornou o ensino de música obrigatório apenas na disciplina de artes”, explica o assessor. Isso quer dizer que todas as disciplinas deveriam trabalhar a musicalidade em sala de aula. Ainda de acordo com ele, essa ambiguidade faz surgir uma série de possibilidades, mas também de problemas. Segundo Schwan, “as redes de ensino de cada município interpretam a lei de diferentes formas e realizam a implementação, de acordo com suas possibilidades e demandas”. Para avaliar a qualidade do ensino musical que as crianças

recebem, a Prefeitura realiza um mapeamento sobre as questões que envolvem a educação musical na rede municipal. “Isso torna possível identificar as principais necessidades, a fim de avaliar e construir propostas para a implementação da música nas escolas”, afirma Schwan. Ainda de acordo com o professor, a Smed busca incentivar o professor de arte – professor responsável pelo ensino musical no momento – a se familiarizar e a se especializar em música. Ele relata que “desde 2010, ocorrem na Smed algumas formações em relação à área da Música, com o objetivo de ampliar os conhecimentos musicais e proporcionar ferramentas para os professores trabalharem em sala de aula”. Por ainda não existir um concurso público específico para Música, a tarefa de ensinar a musicalização recai sobre o professor de artes. “Isso causou, e ainda causa, uma certa dificuldade para esses professores, pois a sua formação inicial foi realizada em outra área”, comenta Schwan. Mas há os que participam de formações continuadas em música, que a rede municipal oferece. Entretanto, existem opiniões diferentes entre

os professores da rede municipal de ensino, explica Schwan.

OBSTÁCULOS PARA OS PROFESSORES Rosana Mocelin é formada em Educação Artística pela UCS desde 1987. Desde então, trabalhou na Comai como instrutora de cerâmica, com oficinas em diversos bairros caxienses e, atualmente, como professora de Artes em escolas municipais. Para Rosana, a lei de ensino musical é muito boa, se forem oferecidas as condições para trabalhar. “O papel aceita tudo, a prática e a realidade são outras”, explica. “Os alunos iriam gostar, mas é necessário um espaço próprio, alguns instrumentos e, principalmente, um profissional adequado para a tarefa”, expõe Rosana, que não tem especializações na área musical. Por isso, ela não trabalha o ensino da Música em sala de aula. Na opinião da professora, deveria existir um professor específico para a área da Música, mas somente se o mesmo tiver boas condições para trabalhar. “O professor precisaria, inicialmente, de um bom espaço físico para trabalhar, que não interfe-

risse nas outras aulas da escola, pois qualquer ruído atrapalha as outras salas”, explica Rosana. Ainda de acordo com a profissional, a maioria das escolas não tem condições para implementar o ensino musical. A professora também faz suas ressalvas sobre a capacitação dos novos professores que estão chegando na rede de ensino. “Às vezes, os professores chegam com uma bagagem teórica muito inferior, se comparada à dos professores mais antigos, embora não haja como generalizar: existem profissionais e ‘profissionais’. Tudo depende do interesse e amor de cada um pelo que faz”, observa Rosana.

INCENTIVO DA UCS Em 2010, a UCS criou um novo curso de graduação para os estudantes­ . O curso de Licenciatura em Música­foi implantado na região e, desde então, Patrícia Porto é a coordenadora do curso. De acordo com a coordenadora, a necessidade do curso surgiu exatamente pela criação da Lei 11.769. “Com a obrigatoriedade do ensino musical nas escolas, a Pró-Reitoria incentivou a criaRhaysa Santos

FOTO Estudar música ativa diversas áreas do cérebro ao mesmo tempo, sendo que a criança está menos condicionada do que o adulto, sendo mais receptiva a novos conteúdos e novas experiências


7 Rhaysa Santos

O cérebro de uma criança que trabalha com música se desenvolve mais do que o de uma criança que não o faz, pois toda a estimulação musical ativa a sua inteligência cognitiva e emocional

ção do curso de licenciatura em Música, visto que não havia curso de formação na área”, explica a coordenadora. O Curso de Música conta com cerca de 150 alunos matriculados, mas, de acordo com Patrícia, apenas alguns deles já trabalham como docentes. Para a coordenadora, a principal dificuldade que os alunos encontram na hora de entrar no mercado de trabalho está nos editais para os concursos de contratação. “Muitas vezes, os concursos não são para a área de Música, o que obriga o professor a atuar de forma polivalente, atendendo outras áreas”, explica. Ainda de acordo com a coordenadora, as vagas para professores de Música dependem também de fatores como a necessidade e possibilidade de cada município. Sobre a qualidade do ensino musical oferecido pelas escolas, Patrícia afirma que é uma situação delicada, já que a área é recente. “Acredito que as escolas estão tentando resolver a situação dentro do que lhes é possível. Nem sempre é o ideal, mas é o que se pode, concretamente falando”, observa.

OS NOVOS PROFISSIONAIS Paola Delazzeri ingressou no curso de Licenciatura em Música da UCS em março de 2011. Amante da música desde os seis anos de idade, já estudou técnica vocal, piano e violão. Hoje, com um diploma em mãos, ela transformou sua paixão em profissão. O curso de Música da UCS conta com quatro estágios obrigatórios em sua grade curricu-

lar. Os três primeiros estágios, a jovem realizou no Instituto de Educação Estadual Padre Cristóvão de Mendoza. “Por ter sido muito bem acolhida no primeiro estágio, decidi realizar o segundo e o terceiro no mesmo local”, conta. O segundo estágio do curso solicita que o acadêmico ministre aulas de música para alunos do Ensino Fundamental. “Ministrei aulas com a temática de Música Senegalesa para alunos do sétimo ano. Essa prática desenvolveu-se em aproximadamente três meses e envolveu inclusive uma apresentação para a comunidade escolar”, explica a profissional. O terceiro estágio envolveu aulas para os alunos do Ensino Médio. Eles aprenderam sobre canto em grupo e a construção da subjetividade por meio do gosto musical de cada aluno. O último estágio obrigatório do curso, Paola realizou na Paróquia da Catedral de Caxias do Sul. Para a professora, a Lei 11.769 é a abertura para uma nova percepção da educação. “Toda vez que se trata de ensino por meio da Arte, estamos diante da possibilidade de contribuir com a formação de indivíduos mais criativos, sensíveis e íntegros”, defende Paola. Baseando-se em seu breve contato com as escolas, a nova professora afirma que há interesse por parte das gestões em trabalhar o ensino musical. “A minha pequena experiência em escolas mostrou-me que a lei ainda é um pouco ‘confusa’ e desestruturada, mas as direções reconhecem a importância da música nas escolas”, explica a musicista.

Rhaysa Santos


EDUCAÇÃO

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O futuro do trabalho na colônia Desde 2013, o projeto Jovem na Zona Rural, da prefeitura de Flores da Cunha, incentiva alunos de algumas ­escolas do município a seguirem as atividades exercidas por suas famílias, com o cultivo da terra na zona rural Bruna de Oliveira Marini bomarini@ucs.br

Desde a década de 70, muitas famílias têm migrado da zona rural para os centros urbanos. Os avanços sociais e tecnológicos permitiram que as pessoas que viviam no campo se mudassem para a cidade, em busca de uma vida melhor. Apesar de ter perdido força, o conhecido êxodo rural ainda ocorre no Brasil, principalmente entre os jovens. Para conscientizar os adolescentes sobre a importância da agricultura, a prefeitura de Flores da Cunha conta com o projeto Jovem na Zona Rural, que incentiva os alunos a continuarem o trabalho dos pais no interior. A parceria entre a Secretaria de Agricultura e Abastecimento e a Secretaria de Educação, Cultura e Desporto está na quarta edição e apresenta resultados positivos. Tudo é pensado para atrair a curiosidade do jovem, pois as possibilidades do mundo atual podem fazer com que muitos deles deixem a agricultura e busquem outros cursos e profissões. A iniciativa é realizada com alunos do 9º ano das escolas municipais Benjamin C­ onstant, Francisco Zilli, Rio Branco, Tiradentes e o 8º ano da Es­ cola Estadual Antônio de Souza Neto. As atividades ocorrem por praticamente um semestre, no turno contrário ao das aulas. Com o auxílio dos professores, são realizados estudos sobre a produção agrícola e a gestão das propriedades rurais.

A PROBLEMÁTICA Desde que a administração atual assumiu o governo municipal, em 2013, houve a preocupação de buscar alternativas para manter o jovem no interior. A secretária de Educação, Ana Paula Zamboni Webber, explica que a necessidade surgiu quando se observou que, em outras localidades, a divisão de terras já era realizada. Porém, em Flores da Cunha, muitos estudantes não ­pos­s­uíam incentivos para permanecer na colônia. “O problema é a sucessão rural, porque o jovem sai para estudar e acaba tendo a sua colocação profissional na

zona urbana”, afirma. Segundo a secretária, é necessário que esses alunos tenham algum estudo no Ensino Fundamental, para que se possa trabalhar com temas voltados à vivência deles na zona rural. O secretário de Agricultura, Jones Piroli, destaca que o êxodo não é um problema que ocorre apenas em Flores da Cunha, mas em todo o Brasil. “O objetivo desse projeto é mostrar que existe a viabilidade de um negócio na continuidade da propriedade e que existem vantagens em morar no interior”, diz. A expectativa das secretarias é de que os alunos tenham uma aprendizagem significativa voltada para o que eles vivem no dia a dia. O projeto concede aos jovens uma formação mais completa e uma visão ampla do futuro. A participação nas atividades e a vivência familiar podem despertar o interesse dos adolescentes em permanecerem na zona rural.

O DECORRER Flores da Cunha é destaque na produção de uva, vinho e hortifrutigranjeiros. A cidade, com pouco mais de 27 mil habitantes, é cercada de localidades que geram bons frutos, literalmente. Além de consolidar a economia, o interior do município é repleto de belezas que atraem turistas de todo o estado e até de outras regiões do País. Para dar sequência ao excelente trabalho dos agricultores, é preciso aproximar os jovens da lida do campo. Com o propósito de manter os mais novos nesse meio, surgiu o projeto Jovem na Zona Rural. A proposta prepara o aluno para a sua futura escolha profissional e apresenta um panorama da agricultura em geral. Ao longo dos encontros, os especialistas discorrem sobre as profissões ligadas ao ramo, sobre os problemas encontrados no setor e também sobre as vantagens de permanecer no campo. As propriedades visitadas pelos estudantes se destacam quando o assunto é lucratividade. Com produtos 100% orgânicos, que não precisam de herbicidas, possuem valor agregado

e mão de obra familiar. Em síntese: se produz menos com mais qualidade. Assim fica mais fácil perceber que é possível viver bem no interior. Apesar dos problemas que acometem os agricultores, como a chuva excessiva ou a falta dela, o granizo e a geada, por exemplo, existem muitos fatores que contribuem para levar a vida na zona rural. A tecnologia também contribuiu para melhorar a qualidade do solo e dos produtos oferecidos. Os avanços agrícolas permitem que dia após dia os agricultores possam aprimorar o cultivo de alimentos que vão para a mesa dos consumidores. Após as experiências vivenciadas, os alunos apresentam suas criações e lançam um minijornal relatando como foi o aprendizado. Estimular o jovem a permanecer no meio rural é uma forma de assegurar o futuro da agricultura. A iniciativa faz com que muitos alunos repensem a profissão e analisem com clareza a oportunidade de prosseguir com a labuta da família.

A escolha que rendeu frutos Desde pequena, a jovem Morgana Molon, de 25 anos, moradora do distrito de Otávio Rocha, em Flores da Cunha, acompanhava de perto a lida dos pais no campo. Com o passar do tempo, desenvolveu gosto pelo trabalho. “Meus pais sempre me incentivaram a fazer o que eu mais gostasse e acabei optando por continuar na agricultura”, diz. Formada em agronomia, Morgana optou por estudar para qualificar ainda mais o trabalho da família. A vivência diária no campo, as andaças de trator com o pai e os serviços que desempenha com total dedicação foram fatores decisivos na escolha de seu futuro. ­A­t­ualmente, ela tem um viveiro de mudas de videira e auxilia os pais no cuidado das parreiras.

Para a jovem, a atuação na agricultura é um processo de aprendizagem diário. “É uma área que vive em evolução. Toda hora é lançada uma nova tecnologia que ajuda a melhorar a produção de maneira mais eficiente, e isso me fascina”, comemora. Se pudesse deixar um recado para os estudantes que ainda não sabem o que fazer no futuro, Morgana diria que se a agricultura é o que eles realmente gostam, eles devem investir: “Não há nada melhor do que trabalhar no que se gosta. Se você faz o que gosta, com certeza isso trará um bom retornos.” Mais informações sobre o projeto Jovem na Zona Rural podem ser obtidas pelo ­telefone (54) 32921722 e pelo site <www.floresdacunha.rs.gov.br> Luizinho Bebber/Divulgação

A vivência diária e o incentivo dos pais fizeram com que Morgana cursasse agronomia e seguisse na agricultura


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ECONOMIA

Menos vagas, mais desemprego Desemprego cresce desde abril de 2015 e projeções não indicam melhora no cenário. Dados do Ministério­do Trabalho e Emprego mostram diminuição de 4,14% na quantidade de empregados com carteira assinada no País grau completo. “Os trabalhadores dizem que estão desempregados, sem dinheiro. Por isso O agravamento da crise eco­ não se qualificam e dizem que nô­­ mica­fez fevereiro registrar a quando voltarem a trabalhar irão maior queda do emprego formal estudar, mas nem sempre isso em 25 anos. Segundo dados di- acontece”, argumenta. Para tentar solucionar esse vulgados pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados impasse, o governo federal­lan(Caged), do Ministério do Tra- çou uma nova etapa do Probalho, o País fechou 104.582 grama Nacional de Acesso ao postos de trabalho com carteira Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), que vai oferecer assinada no mês. O número leva em conta a dois milhões de vagas em 2016: ­­­ diferença entre demissões e serão 372 mil para cursos técnicontratações, e é o maior para cos e 1.627 milhão para cursos­ fevereiro desde 1992, quando de qualificação profissional. De começou a pesquisa. Apenas­ acordo com o Ministério da Edunos últimos 12 meses, o País cação (MEC) um dos destaques eliminou 1.706.985 postos dessa etapa do programa é o de trabalho, o que equivale à fortalecimento do Pronatec e da diminuição­de 4,14% na quanti- Educação de Jovens e Adultos dade de empregados com car- (EJA). A ideia é que os jovens e adultos que interromperam seus teira assinada no País. Nas cidades da Serra gaú- estudos tenham a oportunidade cha também há uma retração de participar do programa, tendo nas vagas. O coordenador da seus conhecimentos oriundos do agência de Bento Gonçalves da trabalho e de experiências anteFundação Gaúcha do Trabalho riores valorizados e aproveitados e Ação Social/Sistema Nacio- ao longo dos cursos. Os trabalhadores que atualnal de Emprego (FGTAS/Sine), mente estão desempregados reAlexandre Maso, afirma que o número de requisições do segu- velam grande preocupação com ro desemprego começou a cres- a falta de vagas. É o caso de cer a partir de abril de 2015, Rodrigo de Lima, 24 anos, que quando a situação financeira do está desempregado há 3 meses. país começou a se agravar e as Ele e outros dois colegas foram empresas começaram a demitir demitidos da pequena metalúrseus empregados. O objetivo do gica na qual trabalhavam devido­ Sine é captar vagas de emprego à diminuição da demanda de e recolocar os trabalhadores no mão de obra. Lima conta que mercado de trabalho. Porém, o estudou até a oitava série e que número de vagas oferecidas é está apreensivo para se recolocada vez menor, e a demanda car no mercado, pois somente por emprego é crescente. No sua namorada está trabalhando mês de fevereiro, o Sine captou no momento e o salário dela 116 vagas de emprego. Foram não é suficiente para pagar toencaminhadas aos empregado- das as despesas. A diretora da Assessoria res 502 pessoas para entrevista Técnica em Recursos Humaem todas as vagas. Entretanto, nos (Asterh), Lisiane Vanni­de somente 16 foram efetivadas. Miranda­ , que atua há 31 anos no Maso afirma que, nos últimos meses, houve um gran- mercado, afirma que há pessoas de aumento de demissões de disponíveis na área operacional, pessoas que ocupavam cargos técnica e de gestão. Existem gerenciais em organizações. pessoas muito qualificadas hoje “Gestores com vários anos de fora do mercado de trabalho, empresa foram demitidos. As pois, em função do desaqueciempresas estão mais exigen- mento da economia, as empretes e, além de pedirem maior sas tiveram que optar por uma qualificação, estão reduzindo os economia de redução de custos e com isso acabaram enxugando salários”, revela. Ainda segundo Maso, devido funções mais estratégicas e com à crise, as empresas procuram salários mais significativos nas pessoas mais estudadas para empresas, segundo a diretora. exercer funções mais simples. “Estávamos com um crescente Mas, infelizmente, muitos traba- aumento do número de vagas lhadores que procuram as opor- nos últimos cinco anos. Com tunidades não têm o primeiro o boom da economia, todas as

Marcio Frizzo mfrizzo7@ucs.br

empresas estavam contratando mais. Entretanto, no ano passado teve essa desaceleração. Percebemos uma diminuição das contratações, mas a partir da metade do ano passado a situação se agravou”, afirma. Os trabalhadores que estão baixando sua solicitação salarial estão conseguindo se recolocar mais rapidamente no mercado. Quanto maior a escolaridade e mais qualificado o candidato­ , maiores são as chances de contratação. Neste momento, a maior parte das vagas disponíveis são na área comercial e de exportação. Os setores vinícola, de turismo e serviços foram os menos afetados pela crise.

EM CAXIAS DO SUL De acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego/ Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), no mês de fevereiro foram abertos 501 postos de trabalho em Caxias­do Sul, um acréscimo de 0,32% sobre o total de empregos formais. O setor de Serviços foi o que mais abriu postos de trabalho, com 497 novos vínculos, seguido pelo setor do Comércio, com 164 postos abertos. No ano, foram abertos 1.049 postos de trabalho, um acréscimo de 0,67%. Nos últimos 12 meses, o setor da Agropecuária foi o que mais gerou empregos,

com 125 novos postos, seguido pelo de Administração Pública, com 35 vagas criadas. O setor que teve maior crescimento relativo foi o da Administração Pública com 11,71%, seguido pela Agropecuária, com 5,58%. Em fevereiro, o setor que mais fechou postos de trabalho foi o da Indústria de Transformação, com 331 vínculos encerrados. Nos últimos 12 meses, foram fechados 14.465 postos de trabalho em Caxias do Sul, um decréscimo de 8,36%. O setor que mais fechou postos de trabalho no período foi a Indústria de Transformação, com 11.750 desligamentos. Marcio Frizzo

Agência do FGTAS/Sine Bento Gonçalves registra cerca de 50 encaminhamentos de seguro-desemprego por dia

Primeira experiência profissional A menor aprendiz Ane Caroline da Cruz, 16 anos, do curso Aprendizagem Profissional Comercial em Serviços de Vendas do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), atualmente cursa o terceiro ano do Ensino Médio. Ela explica que decidiu fazer o curso de vendas já pensando em estagiar e adquirir expe-

riência profissional na área. O curso é gratuito e dividido em duas etapas: são seis meses de aulas teóricas e seis meses de estágio em uma empresa conveniada. Segundo Ane Caroline, o estágio está sendo muito proveitoso. Ela explica que está aprendendo bastante. “Aprendi a atender o público com confian-

ça, fazer um bom atendimento telefônico e arquivar documentos corretamente, estou gostando muito”, ressalta. Contudo, a aprendiz lamenta a falta de oportunidades para menores de idade no mercado de trabalho, sem considerar que, na realidade, menores de idade deveriam estar na escola.


CIDADANIA

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Nos alcances de todo o mundo Acessibilidade é um tema com discussão acirrada no Brasil e no mundo, mas pode melhorar cada vez mais, com os avanços de tecnologias que possibilitem a criação de aparelhos facilitadores da mobilidade de pessoas deficientes Karina Catuzzo kcrodrigues@ucs.br

Embarcar em um ônibus ou subir e descer escadas parecem ações simples. De fato são. Porém, se tornam muito difíceis para pessoas com necessidades especiais. Por isso, é necessária a construção de rampas de acesso, sinais sonoros, capacitação de funcionários, entre outras formas de auxílio para essas pessoas movimentarem-se e, até mesmo, comunicarem-­se. Para termos mobilidade e liberdade de ir e vir, é preciso termos acessibilidade, que, segundo o Decreto 5.296, de 2 de dezembro de 2004, está relacionada a fornecer condição para utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação, por pessoa com deficiência e mobilidade reduzida. Acessibilidade também significa a extensão do uso desses meios a todas as parcelas da população. Segundo a Organização das Nações Unidas, mais de 10% da população mundial, ou seja, 650 milhões, têm algum tipo

de deficiência. Os últimos dados oficiais sobre pessoas com deficiência no Brasil se encontram no censo demográfico do IBGE de 2010. Esses dados são considerados preliminares, já que o censo não é realizado em todas as residências, mas somente em uma parte delas. Segundo os dados, mais de 45 milhões de pessoas no Brasil possuem um tipo de deficiência. Esse número chega a mais de dois milhões no Rio Grande do Sul. Já em Caxias do Sul, 23% dos moradores possuem alguma deficiência, sendo a maior parte delas visual. Em Caxias do Sul, órgãos municipais e entidades auxiliam as pessoas com necessidades especiais nas mais diversos situações, desde problemas urbanos até os particulares. Para conhecer melhor essas pessoa­ s com deficiência, conhecidas como PcDs e com o objetivo de protegê-las e atendê-las, a Coordenadoria de Acessibilidade quer concluir um mapea­ mento iniciado em fevereiro deste ano, que resultará num banco de dados em que constarão as regiões onde residem, o local de trabalho e o tipo de deficiência, entre outras informações. O WebPcD é um softwa­­­ r­e desenvolvido por um técnico da Prefeitura de Caxias do

Sul, que mapeia os dados dos deficientes. A ideia é que entidades governamentais e não governamentais possam aderir ao mapa, incluindo faculdades, escolas, secretarias municipais, Fundação de Assistência Social, Unidades Básicas de Saúde, Defensoria Pública, Ministério Público, entre outros. Nos primeiros 20 dias, o WebPcD recebeu mais de 260 cadastros. Todavia, os levantamentos enviados pelas entidades ainda não estavam concluídos. A coordenadora da Coordenadoria de Acessibilidade de Caxias, Rosa do Carmo Fonseca­ , afirma que o projeto de mapear os PcDs teve início formal, mas sem adesão. “Durante reunião do Conselho Municipal de Deficientes, foi solicitado às entidades o preenchimento dos dados das pessoas com deficiên­cia que frequentavam o local. Depois de preenchido, o formulário deveria ser devolvido ao Conselho. Mas, essa ação não deu certo. Então, o presidente do Conselho, juntamente com o secretário e a coordenadoria resolveram, durante reunião, estudar uma nova forma para que os dados fossem disponibilizados, surgindo, assim, o desenvolvimento dessa plataforma batizada de WebPcD”, explica. A partir dos dados do soft­­ w­­are­, a Prefeitura acredita que

pode desenvolver políticas públicas mais efetivas para um público sobre o qual pouco se sabe estatisticamente, ajudando a identificar as regiões da cidade com demandas específicas. Segundo Rosa, até o final deste ano, a Coordenadoria estima que já estejam mapeados de 80 a 90% dos deficientes do município. Em Caxias do Sul, além da Coordenadoria de Acessibilidade e do Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência, outras entidades auxiliam os PcDs e realizam campanhas, como a Associação Regional dos Deficientes Físicos, A/rampa, o Conselho Integrado das Pessoas com Deficiência (Cidef) e a Sociedade dos Surdos e Instituto da Audiovisão (Inav). Mas não são somente órgãos públicos e entidades assistenciais que apoiam uma cidade acessível para todos. Caxias do Sul conta com empresas privadas que se tornam exemplo de inclusão. Em agosto de 2015, Intral S/A Indústria de Materiais Elétricos e Supermercados Andrezza receberam o selo Empresa Inclusiva. Idealizado pela Câmara de Vereadores, ele busca reconhecer empresas que apoiem a inclusão de pessoas com deficiência entre os seus empregados. Estefani Alves/Divulgação

Acessibilidade é o direito de ir e vir a todos os lugares e de todas as pessoas que possuem deficiência, seja física, mental, visual , auditiva ou múltipla

ENSINO ACESSÍVEL Dentre os possíveis lugares acessíveis a todos, estão as escolas e universidades, públicas e privadas. Para desenvolver ações que favoreçam a inclusão de acadêmicos em condições especiais de aprendizagem, a Universidade de Caxias do Sul, UCS, possui o Programa de Integração e Mediação do Acadêmico (Pima). Criado em 2007, o trabalho, além de realizar o acolhimento de estudantes com necessidades especiais, também acolhe, escuta e discute com professores, estratégias pedagógicas que visam a facilitar a inclusão e garantir a acessibilidade de portadores das mais diferentes necessidades. A partir da escuta feita com acadêmicos, professores e, em alguns casos, familiares, o Pima realiza orientações e encaminhamentos, auxiliando, assim, a acessibilidade dos estudantes PcDs. Atualmente, o programa é direcionado especialmente ao Ensino Superior, mas, se solicitado, assessora também o Ensino Médio da UCS. Segundo a Assistente Social do Pima, Margareth Lucia Paese Capra, “a Universidade investe gradativamente em melhorias na estrutura. A maioria dos blocos tem acesso a cadeirantes e, em alguns lugares, já existe o piso tátil, facilitando o acesso de pessoas com deficiência visual. As adequações são providenciadas de acordo com as necessidades e singularidades apresentadas a cada semestre”, salienta. Outra opção, que engloba a acessibilidade e é oferecida pela UCS para qualquer pessoa que tenha interesse, é o curso de Libras, por meio do Programa de Língua Brasileira de Sinais, Plibras. O curso tem como objetivo oferecer ao aluno uma aprendizagem com competências comunicativa, linguística e tradutória. Dividido por níveis – básico, intermediário avançado e conversação –, o curso tem aulas ministradas tanto por professores surdos como por ouvintes com formação na área. No Bairro Kayser, está outro exemplo de acessibilidade, a Escola Municipal Luciano Corsetti­, uma das maiores do município. Com 1.300 alunos matriculados, é considerada, também, a mais completa em termos de acessibilidade. As últimas obras rea­


11 Jorge Salomão/Divulgação

Escola Municipal Luciano Corsetti é uma das maiores da cidade e recebeu, recentemente, melhorias na estrutura, como rampas, facilitando a locomoção de alunos e visitantes com deficiência lizadas na instituição incluem instalação de elevador, rampas de acesso, readequação das portas, reorganização do espaço interno e substituição dos pisos interno e externo. A escola atende um aluno cadeirante e as melhorias também possibilitam que outras pessoas, como familiares de alunos que tenham deficiência, e até mesmo estudantes com fratura de pé ou perna, tenham livre acesso e circulação na instituição. Das 86 escolas de Ensino Fundamental da rede municipal de Caxias do Sul, 77 estão adaptadas em algum nível para receber PCDs.

CIDADES-EXEMPLO Justamente por Caxias do Sul não ser um modelo de cidade acessível, a Coordenadoria de Acessibilidade vem trabalhando muito para isso. O Órgão, que desenvolve políticas públicas e ações relacionadas à acessibilidade aos PcDs, também visa à promoção e equiparação de oportunidades para essas pessoas dentro da cidade. Para a coordenadora da Coordenadoria de Acessibilidade, “a cidade vem melhorando cada vez mais. Eu vejo que as pessoas estão mais conscientes nesse assunto, o transporte coletivo e os órgãos públicos se adaptaram. Não vai ser de um dia para outro, mas Caxias tem todo potencial para se tornar exemplo de acessibilidade no País”, declara. Enquanto a cidade trabalha para melhorar, algumas cidades brasileiras já se destacam. É o caso de Uberlândia, em Minas

Gerais. Com pouco mais de 600 mil habitantes, a cidade está entre as 100 mais acessíveis do mundo, conforme a Organização das Nações Unidas (ONU). Em 2000, a Prefeitura criou o Núcleo de Acessibilidade. A partir daí todas as obras de uso coletivo de Uberlândia passaram a ser vistoriadas. Nenhuma sai do papel sem projeto de acessibilidade, garantindo a todos os moradores o direito de ir e vir. Com isso, a cidade passou a ter 100% do transporte público acessível: 405 ônibus com elevadores, 50 vans adaptadas para transporte porta a porta em áreas de difícil acesso, terminais de ônibus adaptados com rampas ou elevadores e sinais sonoros para deficientes visuais, 500 rampas de acesso nas calçadas e 300 novas vagas de estacionamento para idosos e PcDs. Com essa mudança, mais de 70 mil pessoas foram beneficiadas e se criaram novas opções em educação e lazer, a partir da adaptação de escolas e de espaços culturais. Estima-se que cerca de 10 mil pessoas com deficiência foram inseridas no mercado de trabalho do município, devido à facilitação da mobilidade pela cidade e pelas adaptações de empresas para receber esses profissionais. Uberlândia foi pauta de importantes publicações sobre acessibilidade no Brasil, como a revista da Confederação Nacional e Transportes, a Revista Reação, além de destaque no caderno de boas práticas em acessibilidade do Ministério das

Cidades, nos quesitos “Transporte Público” e “Inovação Tecnológica”, tornando-se alvo de convites para congressos e palestras sobre o assun­to. A capital mineira, Belo Horizonte, também aceitou a ideia de mudar e sediou, em agosto de 2015, o Seminário Internacional de Acessibilidade na Mobilidade Urbana, com apresentações das experiências de países como Portugal e Reino Unido, considerados modelos de assecilbilidade no mundo. Outra cidade que merece destaque é a paulista Socorro, localizada no Circuito das Águas. O município, que já é destaque no turismo aventureiro, investiu em acessibilidade, adaptando diversos pontos turísticos, logradouros públicos e cerca de dez atividades de aventuras. A maioria dos hotéis e das pousadas da cidade possuem apartamentos acessíveis. Todo trabalho desenvolvido em prol dos PcDs tornou Socorro um dos dez Destinos de Referência em Segmentos Turísticos do Ministério do Turismo, sendo reconhecida internacionalmente, em 2014, com o Prêmio Rainha Sofia de Acessibilidade, oferecido pelo Conselho Real para Deficiência, do governo espanhol. Mundialmente, quatro cidades são reconhecidas como as mais acessíveis: Seattle e Las Vegas, nos Estados Unidos; Montreal, no Canadá e Londres, no Reino Unido. Todas são referência em acessibilidade, tanto no aspecto da mobilidade, principalmente nos meios de transporte, quanto no da inclusão.

Você sabia? – A Lei Federal 8.213/91 – O Decreto Federal­­ ­­5.296/04 e a Norma Brasilei­­­ estabelece leis de cotas para ra 9050/04 são alguns dos deficientes. De 100 a 200 pregados, a empresa deve dipositivos que garantem a em­ promoção da acessibilidade às con­tratar 2 por cento de PcDs; de 201 a 500, 3 por cento; de pes­­soas com deficiência. – As pessoas deficientes 501 a 1000, 4 por cento e de e comprovadamente carentes 1001 em diante, 5 por cento. – O art. 1º da Lei 7.405/85 economicamente têm direito ao Passe Livre no transporte torna obrigatória a colocação, municipal, interestadual e in- de forma visível, do “Símbolo Inter­nacional de Acesso” (imatermunicipal. – O Decreto Municipal gem abaixo) em todos os loso, 15.880/12 dá às pessoas com cais que possibilitam aces­ deficiência o direito a uma cre- circulação e utilização por pesdencial para uso nas vagas do soas com deficiência em todos Estacionamento Rotativo Re- os serviços que forem postos à gulamentado (ERR) e demais sua disposição ou que possibilitem o seu uso. espaços reservados às PcDs. – A terminologia correta, – É assegurado às PcDs, aos idosos e às gestantes o de acordo com a lei vigente, direito à prioridade de atendi- é pessoa com deficiência. A mento em todos os locais de expressão “portador de necesatendimento público e de uso sidades especiais” está incorcoletivo, como bancos, hospi- reta, pois a deficiência não é tais, comércio, centro de cultu- algo que se carregue. ra e outros. – É obrigatória a apresentação de cardápios em Braille em todos os restaurantes, bares e similares. – A tecnologia, como por exemplo, alguns aplicativos de celular, e-mail, chat, entre outros, é uma excelente ferramenta para a comunicação e informação dos surdos. – Além da Coordenado­ ria de Acessibilidade, existem mais de 10 entidades que aten­ dem pessoas com defi­ ciências em Caxias do Sul. Fonte: Coordenadoria de Acessibilidade


CIDADANIA

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Ressocialização, o desafio das penitenciárias brasileiras Lei de Execução Penal tem dois eixos: punir e ressocializar. Falha no segundo ponto contribui com a reincidência Cristiane Moro

Cristiane Moro C1@ucs.br

A situação carcerária é uma das mais complexas questões da realidade social brasileira. De acordo com o Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen), em seu relatório mais recente, publicado em 2014, são cerca de 607 mil apenados, frente à capacidade para pouco mais de 376 mil. O número coloca o Brasil na 4º posição entre os países com maior número de presos do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, da China e Rússia, respectivamente. A Lei da Execução penal tem dois eixos: punir e ressocializar. Para a professora de Direito da Universidade de Caxias do Sul Giovana Cenci Zir, há uma falha do Estado no segundo aspecto, o que contribui com a reincidência após o cumprimento da pena. “O Estado deveria dar ao preso alternativas, como cursos profissionalizantes, para que quando ele retornasse ao convívio social tivesse meios para se sustentar, o que o manteria longe do crime”, diz. Bento Gonçalves possui uma das 1420 penitenciárias brasileiras de caráter estadual. Nela, estão 213 apenados, sendo 199

*População prisional: 607.731

Bento Gonçalves possui uma das 1.420 penitenciárias brasileiras de caráter estadual. A unidade abriga 213 apenados, sendo 199 homens e 14 mulheres homens e 14 mulheres. Conforme o setor administrativo do local, cerca de 48% dos presos do regime fechado retornam ao crime meses após a liberdade. A falha no processo de res-

socialização, durante o período de reclusão, parece contribuir com o índice. Acesso ao ensino, trabalho, à cultura e ao esporte figuram entre as metas do estado no processo. No entanto, não

Cenário

*Deficit de vagas: 231.062 *Desde 2000, a população prisional cresceu 7% ao ano *A média é de 300 presos para cada cem mil habitantes *Ao todo, são 1.424 unidades prisionais *Quatro desses estabelecimentos são penitenciárias federais, as demais unidades são estaduais *31% dos presos tem idade entre 18 a 24 anos *Dois a cada três presos são negros *53% (cerca de oito a cada dez presos) têm ensino fundamental incompleto *O tráfico de drogas é o crime de maior incidência (27%), seguido do roubo (21%), homicídio (14%) e latrocínio (3%). Fonte: Infopen/2014

são percebidas na prática. A diretora da Escola Penitenciária de Bento Gonçalves, Isabel Longhi, aponta que a rotina dos apenados não contribui para a reintegração deles fora do presídio. “O que oferecemos é formação no Ensino Fundamental, que é obrigatória. Isso conseguimos oferecer em dois turnos, o que é um diferencial. Mas não significa dizer que todos têm acesso ao ensino. É preciso realizar uma prova e também ter comportamento adequado, o que já restringe a participação de muitos. Do total de presos, hoje cerca de 30 estão estudando”, conta. Desde março, os apenados não possuem mais sala de aula, devido a uma reforma na unidade. “As atividades são entregues nas celas pelos professores. Depois de algum tempo, passamos para recolher. Percebemos o descontento deles, porque era o único momento do dia que eles podiam esquecer um pouco da realidade na qual estão. Por meio do ensino, da interação com os colegas e professores em sala de aula, eles

ainda conseguiam imaginar um futuro”, observa. Além do ensino, a unidade disponibiliza aulas de artesanato, cujos materiais são fornecidos pela família dos apenados ou por instituições parceiras. “Mas eles não praticam esportes, não tem outra ocupação. A rotina se resume a cela e duas horas de banho de sol por dia. Isso quando o tempo colabora. Como vão ter esperança de uma nova realidade lá fora?”, questiona Isabel. Para a assistente social da unidade, Larisse Favretto, a realidade carcerária, aliada ao cenário que os espera fora do presídio, não contribui para o reestabelecimento deles na sociedade. “O processo de reinserção social vai além do desejo do apenado. Ao deixar o cárcere se depara novamente com uma realidade de exclusão social. O cárcere acaba por estigmatizar ainda mais o sujeito que, antes da prisão, não acessou de maneira adequada a educação, o que precariza ainda mais a sua vinculação ao mundo do trabalho.



SEGURANÇA

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Dois anos somam 255 estupros Os dados de Caxias do Sul são referentes ao período de 2014 e 2015. A maioria dos casos envolve menores de idade. Na mídia e nas redes sociais, o tema referente a denúncias de violência sexual tem ganhado espaço

Alana Bof ambof@ucs.br

hashtag, apesar de ter recebido amplo apoio, também foi por muitos ofendida e chegou até mesmo a receber ameaças. Para a antropóloga Beatriz Kanaan, esse pensamento está intimamente relacionado com o machismo e a cultura do estupro, ainda presentes nos dias de hoje. “Se a mulher está vestida de forma tida como provocante, isso é considerado um atenuante para o agressor. Se ela tiver vários parceiros, beber demais ou voltar muito tarde para casa, também.” Ela explica que “as práticas e os sentidos envolvidos no estupro remetem a uma representação de que as mulheres são ‘de ninguém’, que elas ‘não se cuidam’ de homens violentos e, por isso, se tornam passíveis de ser objetos se­xuais e tomadas à força”. Beatriz complementa dizendo que ainda existe o pensamento de que satisfazer o desejo sexual do homem é uma das funções da mulher. Nesse cenário, a vontade feminina fica em segundo plano. “Em pesquisas antropológicas, pode-se ouvir as vozes dos envolvidos em estupros. Os homens frequentemente dizem que a vítima dizia que não queria, mas que ele sabia que não era verdade, ‘no fun-

Nos últimos anos, um tema considerado tabu aparece com cada vez mais frequência e motiva debates na mídia, no cinema e nas redes sociais: o estupro. No Brasil, a temática ganhou destaque especialmente em 2014, quando o Instituto de Pesquisa e Estatística (Ipea) divulgou que 65% dos brasileiros acreditavam que mulheres que usam roupas curtas merecem ser atacadas. O dado gerou grande alvoroço nas redes sociais. A campanha de maior força iniciou com a jornalista Nana Queiroz, que utilizou a hashtag #nãomereçoserestuprada. Alguns dias depois, o Ipea publicou uma errata afirmando ter invertido os dados. A informação correta seria que, para 70% dos brasileiros, o tipo de roupa das mulheres não justifica os ataques que possam sofrer. Ainda assim, o debate sobre o tema, especialmente no meio online, mostrou que a culpabilização das vítimas, quando se trata de crime de estupro, ainda é muito frequente na sociedade brasileira. A própria jornalista que iniciou a campanha com a

do ela queria’. Isso evidencia o masculino como sujeito da sexu­­­a­­lidade e o feminino como objeto dessa sexualidade”, explica a antropóloga.

PEDOFILIA O tema pedofilia, relacionado ao estupro, também ganha espaço no debate público. A temática é abordada no longa-metragem vencedor do Oscar de melhor filme em 2016, nomeado Spotlight – segredos revelados. O filme é baseado em uma história verídica e tem como enredo uma equipe de jornalistas, de uma cidade americana, que descobre uma ampla rede de pedofilia envolvendo padres da igreja católica. São evidenciadas as dificuldades de produção da reportagem, além da demora e do medo das vítimas em denunciar os abusos. Conforme explica o site do Ministério Público Federal voltado às crianças, a pedofilia “é uma das doenças classificadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) entre os transtornos da preferência sexual. [...] Pedófilos são pessoas adultas que têm preferência sexual por crianças”. Manter relações se­­­­ xuais com crianças menores de

14 anos é crime, que se insere na lei sobre estupro de vulnerável. No entanto, nem todos os estupros envolvendo crianças são praticados por pedófilos. Conforme o delegado Joigler Paduano, da Delegacia de Proteção à Infância e à Juventude de Caxias do Sul, existe uma diferença entre o perfil de pedófilos e de abusadores. Segundo ele, o pedófilo pode ter qualquer criança como alvo e costuma atraí-la buscando conquistar a confiança dela. Já o abusador costuma ter uma vítima específica e usa a violência e a ameaça como artifícios para atingir seu objetivo.

AS ESTATÍSTICAS Conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2015, no ano de 2014 foram registrados 47.646 estupros no Brasil (incluindo estupro de vulnerável). No Rio Grande do Sul, foram 2.722 registros. Desses, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do estado, 1.107 foram praticados contra mulheres com 18 anos ou mais. No entanto, o mesmo anuário considera que apenas 35% dos crimes sexuais são notificados. Ou seja, o número real de esAlana Bof

Denúncias de estupro em Caxias do Sul 2014

2015 9

20 44

56

38 52 24 1 Meninas menores de 14 anos

2

9

Meninos adolescentes (entre 14 e 17 anos) Mulheres (18 anos ou mais)

Meninos menores de 14 anos

Meninas adolescentes (entre 14 e 17 anos)

tupros no Brasil pode ter chegado a mais de 136 mil casos em 2014. Em Caxias do Sul, segundo dados da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, no caso de crianças (menores de 14 anos), foram registradas 68 ocorrências de estupro em 2014 e 65 em 2015. O delegado Joigler Paduano lembra que, nesse tipo de caso (estupro de vulnerável), o crime independe do consentimento da vítima. Ou seja, mesmo que o ato sexual ou libidinoso seja consentido, e mesmo que praticado por dois menores de idade, continua sendo crime. Já no caso de estupro de adolescente (maiores de 14 anos), a delegacia caxiense registrou 53 denúncias em 2014 e 40 em 2015. Segundo o delegado, a maioria dos casos de estupro de menores de idade costuma envolver pessoas próximas à vítima. Cerca de 70% são praticados no âmbito familiar por pai, avô, irmão ou tio da criança. Na Delegacia Especializada no atendimento à Mulher de Caxias do Sul, o estuprador descrito na maioria das ocorrências costuma ser um desconhecido. Os dados indicam o registro de 20 denúncias em 2014 e 9 em 2015. A delegada Carla Zanetti diz que não há um estudo específico que analise se a prática do crime realmente diminuiu ou se caiu apenas o número de denúncias. “Eu quero acreditar que houve queda real na prática do crime, mas nós sabemos que ainda há muitas pessoas que ficam constrangidas em denunciar”, explica. A psicóloga Andréia Toscan afirma que é comum as vítimas se sentirem parcialmente responsáveis nesse tipo de crime. Muitas têm medo de denunciar, pois recebem ameaças. No caso de crianças, algumas nem sabem discernir o que é certo e errado. A psicóloga trabalha no Programa de Atendimento às Vitimas de Violência Sexual (Pravivis), setor do Hospital Geral que presta atendimento médico e psicológico a pessoas vítimas de crimes sexuais. Segundo ela, são muitos os traumas e sintomas causados por esse tipo de violência, dentre eles depressão,


15 mudanças comportamentais, baixa autoestima e comportamento autodestrutivo, com o uso excessivo de ál­co­­ol ou drogas. Para a antropóloga Beatriz, o preconceito da própria sociedade é um dos fatores que desmotiva a vítima a denunciar. “A denúncia e a comprovação de estupro não são fáceis no Brasil. Estudos demonstram que os crimes de violência se­ xual são os mais subnotificados. Atos violentos cometidos por desconhecidos ou por familiares põem as vítimas diante do medo e da vergonha.” No entanto, ela acrescenta que grupos organizados estão começando a alterar esse cenário. “Pode-se afirmar que o estupro ainda é um fato de abordagem bastante difícil. Porém, se antigamente as mulheres calavam-se por vergonha ou sentimento de culpa, há certa mudança, principalmente com o crescimento dos grupos feministas”, destaca Beatriz.

VIROU NOTÍCIA Nos últimos anos, alguns casos envolvendo a temática do estupro ganharam repercussão na mídia caxiense. Em 2014, um professor foi acusado pelo Ministério Público de cometer estupro de vulnerável contra 12 alunos estudantes do quinto ano de uma escola pública. Ele molestava as vítimas e, quando elas tentavam se afastar, fazia ameaças. O professor já respondia a outro processo pelo mesmo tipo de crime. Em outro caso, um homem

de 54 anos foi acusado de estuprar a própria filha, na época adolescente, durante 12 anos, mantendo-a em cárcere privado. O caso iniciou na cidade de Vacaria e o acusado fugiu para Caxias, onde foi preso em 2015. A menina, que completou 25 anos em 2016, engravidou do próprio pai durante o período em que foi abusada e hoje tem uma filha/irmã de 4 anos com problemas genéticos. Em 2015, uma mulher que havia desaparecido foi encontrada em um matagal do bairro Cinquentenário. Os policiais flagraram o estuprador, um homem de 38 anos, empunhando uma faca enquanto abusava da vítima. Ele já tinha passagem na polícia pelo mesmo tipo de crime e cumpria prisão domiciliar. Em outra situação, que ganhou repercussão nacional em 2014, o caxiense Gustavo Guerra, na época com 20 anos, publicou vídeos no Youtube onde afirmava ser nazista e a favor da legalização do estupro. Entre as declarações mais chocantes estava a de que mulheres que defendem o feminismo desejam ser estupradas por serem feias e que as mulheres que usam roupas curtas merecem ser violentadas. Acusado judicialmente por crime de ódio, o réu foi absolvido no início de 2016, pois foi diagnosticado como portador de transtornos psiquiátricos graves. A decisão judicial determinou tratamento ambulatorial por no mínimo um ano. O canal que ele mantinha no youtube e

sua página no Facebook foram bloqueados. Apesar disso, uma página de “humor” intitulada Eu vi o vídeo de Gustavo Guerra e virei estuprador continua no ar. Outro caso que ganhou considerável repercussão, esse de abrangência nacional, teve como cenário a Câmara dos Deputados. Em 2014, o deputado Jair Bolsonaro (PP), envolvido em diversas polêmicas, declarou, durante uma discussão com a deputada Maria do Rosário (PT), que só não a estuprava porque ela “não merecia”. Processsado, Bolsonaro foi condenado em primeira instância por danos morais.

APOIO ÀS VÍTIMAS Em contrapartida, nas próprias redes sociais existem páginas que visam a incentivar as pessoas vítimas de violência sexual a contarem o que lhes aconteceu e perceberem que não estão sozinhas. Um exemplo disso é a página do Face­book Eu tinha um professor que... que divulga histórias sobre assédios ocorridos dentro de instituições de ensino. Um dos relatos publicados é de uma moça de 19 anos que, após beber em uma festa da turma e ficar inconsciente, foi estuprada pelo professor de química do cursinho pré-vestibular onde estudava. O caso aconteceu no Rio Grande do Sul. Além do modo online, em Caxias, o Hospital Geral desenvolve Pravivis. Contato pelo fone (54) 3218-7200.

Alana Bof

Taxas de estupro no Brasil (cada 100 mil habitantes) 2014 55 50 45 40 35 30 25 20 15 10

5

No Brasil, o estupro consumado ou tentado é considerado crime hediondo previsto na Lei 12.015/2009. *Estupro Segundo o art. 213, o crime de estupro consiste em constranger alguém (do sexo feminino ou masculino) “mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. A pena pode ir de 6 a 10 anos de reclusão, podendo chegar a 30 anos, se a violência resultar em morte. Mesmo no casamento, se um dos cônjuges é obrigado pelo outro à prática sexual contra a sua vontade também é

considerado estupro. O estupro é qualificado quando a vítima é menor de 18 anos e maior de 14 e a pena vai de 8 a 12 anos de reclusão. *Estupro de vulnerável Inserido no art. 217-A da mesma lei, é classificado como estupro de vulnerável o estupro praticado contra menores de 14 anos ou contra qualquer pessoa portadora de alguma deficiência mental. Nesses casos, o crime independe do consentimento da vítima. A pena pode ir de 8 a 12 anos e também pode chegar a 30 anos, em caso de morte provocada pelo ataque. *Gravidez Em ambos os casos, a pena

pode ser aumentada, se o crime resultar em gravidez, e a vítima é legalmente autorizada a fazer um aborto. No entanto, um polêmico projeto de lei de autoria do deputado Eduardo Cunha (PMDB) busca alterar essa situação. Segundo o projeto, o aborto somente deve ser autorizado, se houver um exame de corpo de delito comprovando o estupro, além do comunicado à polícia. Além disso, mesmo nesses casos, induzir ou orientar a gestante ao aborto também se tornaria crime. O texto já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e deve ir para votação na Câmara e no Senado.

Espírito Santo

O que diz a legislação

Rio Grande do Sul

Roraima

0

Roraima é o estado com o maior índice de estupros do Brasil e Espírito Santo com o menor. O Rio Grande do Sul está em 14º lugar nesse ranking

ONDE DENUNCIAR Quando a vítima tiver 18 anos ou mais, as denúncias de crime de estupro ou outro tipo de violência sexual devem ser feitas na Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher, localizada na Rua Dr. Montaury, 1.387, Bairro Centro. O telefone para contato é (54) 32209280. A denúncia pode ser feita até seis meses após a ocorrência do crime. Já quando a vítima for menor de 18 anos, as denúncias po-

dem ser feitas na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, localizada na Rua Marques do Herval, 1.178, também no Centro. O telefone do local é (54) 3221-5400. No caso de pedofilia, o crime somente prescreve 20 anos após a vítima ter completado 18 anos. Além disso, o Disque Denúncia, número 181, é um telefone disponível 24h, todos os dias da semana para denúncias de qualquer tipo, inclusive abusos contra crianças, mulheres e idosos. A ligação é gratuita.


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SAÚDE

Nosso futuro será mais velho A redução no número de filhos dos casais brasileiros resultará, a longo prazo, no envelhecimento da população. No país, as próximas décadas serão marcadas pela redução da natalidade e por uma população mais experiente Karine Bergozza

A Região Sul possui o maior número de famílas compostas por casais sem filhos, o percentual já ultrapassa os 23%, e a tendência é que esse número aumente ainda mais nos próximos anos

Karine Bergozza Kbergozza@ucs.br

Há alguns anos, as famílias brasileiras optam por menor número de filhos ou por não tê-los. Essa redução na taxa de natalidade acaba refletindo no envelhecimento da população. Para se ter uma ideia, em uma década o número de casais sem filhos aumentou 33%, de acordo com dados da Síntese de Indicadores Sociais (SIS, 2014) elaborada pelo IBGE, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 2013. Isso significa que um a cada cinco casais brasileiros não tem filhos. Enquanto no Brasil esse fenômeno é recente, nos países europeus ele teve início há cerca de dois séculos. Conforme o professor de sociologia do Centro de Ciências Humanas e da Educação da UCS Carlos Roberto Winckler, a tendência à redução no número de filhos

começou com a passagem do período pré-capitalista, feudal, para uma sociedade capitalista, industrial. Essas transformações desencadearam o surgimento de famílias assalariadas, trabalhadores fabris, e a diminuição da taxa de mortalidade. Paralelamente, houve dificuldade em sustentar um grande número de filhos. Para Winckler, as mudanças tecnológicas na estrutura do emprego e o controle da natalidade, associado ao fato de a sociedade ter se tornado laica, bem como o papel da mulher e as mudanças comportamentais da sociedade, contribuíram para a redução no número de filhos. “Há uma tendência demográfica a ter menos filhos. Muitas vezes, existem mitos de que, na Região Nordeste, os casais têm muitos, mas isso é uma ilusão: não tem nada comprovado cientificamente. No Nordeste, a taxa é de 2.1, no Rio Grande do Sul não chega a 2.0”, constata o

professor. Ele defende que essa diferença não é exorbitante, e o envelhecimento populacional da Região Sul gera problemas que necessitarão de redefinição das políticas públicas e da Previdência Social, além da ausência de mão de obra qualificada. Claro, problemas de longo prazo, mas que já precisam ser vistos com outros olhos.

PRESENTES DE DEUS A sociedade atual vive de forma muito diferente daquela em que viveu dona Luizinha Finger. Com 88 anos, a florense contabiliza 15 filhos, 20 netos e três bisnetos. Ter uma família dessas, sem dúvida, exige muito fôlego. Apesar de viver em uma região com forte influência da colonização italiana, onde os casais tinham muitos filhos para ter mão de obra para a lavoura, essa não foi a razão que levou Luizinha a ter tantos herdeiros.

Como morava com os pais, para ela o número ideal era três filhos, mas um acidente a faria repensar. Justamente seu terceiro filho sofreu uma queda muito grave e teve que ser hospitalizado. Na cidade vizinha, Caxias do Sul, ele foi diagnosticado com traumatismo craniano, e teve que ser encaminhado para a UTI. Nesse momento, Luizinha entrou em desespero. Ela que sempre foi uma mulher religiosa, apegou-se ainda mais e rezou incansavelmente para que o Sagrado Coração de Jesus atendesse suas preces e trouxesse seu filho de volta. Suas orações foram atendidas e a criança se recuperou. Era chegada a hora de cumprir a promessa que havia feito: “Eu rezava constantemente e dizia que não queria perder esse filho e se ele fosse salvo eu aceitaria todos os filhos que Deus me mandasse”, lembra Luizinha, que assim o fez.

Como na época a Igreja não permitia o uso de métodos contraceptivos, ela decidiu não utilizar qualquer método. Resultado: Deus lhe destinou 15 filhos. Um deles faleceu pouco depois do nascimento e outro teve paralisia infantil. Mas nada disso desmotivou Luizinha. Para ela, que diz adorar ser matriarca de uma família tão grande, filhos são verdadeiras alegrias.

GERAÇÕES

Um dos filhos de Luizinha não seguiu o exemplo da mãe. Na verdade, as futuras gerações de sua família tiveram na faixa de um a três filhos. Mas, Marcelino Finger e a esposa Silvete optaram por viver sem herdeiros: “Nós nunca pensamos muito sobre esse assunto. Quando tentamos ter um filho não deu certo, acabamos aceitando, sem insistir nisso”, conta Marcelino, mais conhecido como Ino.


17 Para Silvete, foi um pouco complicado no início até a aceitação, mas depois ela e o marido conseguiram lidar muito bem com a situação e a carência deu lugar à alegria das grandes reuniões familiares e à participação direta na vida de muitos sobrinhos e afilhados. O casal acredita que a preocupação com os problemas atuais acaba interferindo na diminuição do número de filhos. “Quem tem um filho deve dar carinho, amor e condições para criá-lo e educá-lo da melhor forma possível. Não adianta ter pelo simples fato de dizer que tem”, argumenta Silvete. A adoção nunca foi uma das opções do casal. Ino conta que soube de algumas experiências negativas com a adoção e resolveu não arriscar. Pode-se dizer que como sua mãe, Luizinha, aceitou a vontade de Deus e teve todos os filhos que Ele lhe mandou, Ino também aceitou o fato de não tê-los: “Deus não nos deu, não era para ter”.

O ONTEM E O HOJE De alguns anos para cá, não é somente a opção do casal que tem interferido na hora de ter filhos ou não. Diversos fatores sociais, políticos, econômicos e até mesmo culturais pesam muito antes de tomar uma decisão. “Vários fatores têm contribuído para a redução do número de filhos. Os mais importantes, no meu ponto de vista, têm sido a conquista da independência econômica e a escolarização das mulheres. As mulheres têm priorizado a carreira profissional, como estratégia de libertação da dominação masculina”, argumenta a pesquisadora do Observatório do Trabalho Ramone Mincato. Antigamente, algumas pregações religiosas eram seguidas à risca pela maioria das mulheres. Hoje, esse processo se tornou, de certa forma, ultrapassado. “A religião contribui significativamente para reproduzir e assegurar a dominação masculina, colocando a mulher como serva de seus senhores, ou seja,

constituindo-a sujeito sem direitos (objetos), a quem cabia servir e atender as demandas masculinas, fossem sexuais ou não, sem qualquer reclamação e sem prazer. As práticas sexuais não eram aceitas fora do casamento e deviam limitar-se à procriação”, explica Ramone. Mesmo com o passar dos anos, essa ideia ainda se faz presente no cotidiano de muitas pessoas: “Acho que é em virtude do papel desempenhado pela religião, que ainda permanece no imaginário social das pessoas mais velhas a ideia de sexo como sinônimo de pecado, o sexo pecaminoso”, opina a pesquisadora. No século XIX, a luta pela igualdade entre os sexos e por direitos iguais ganhou força com os movimentos feministas. Foi dado o primeiro passo para as mudanças no papel social e familiar da mulher. “Não tenho dúvidas de que o advento da pílula contraceptiva foi fundamental para o movimento de libertação das mulheres, que certamente não terminou e que ainda tem muitas lutas para serem feitas”, defende Ramone. Outro fator que deve ser levado em consideração, quando se fala na redução das famílias, é o crescente uso da vasectomia, método contraceptivo masculino, cujo número de procedimentos realizados pelo SUS passou de 7.700 para 34 mil em uma década. Isso significa que houve um aumento de 300%. Além disso, hoje existem muitas configurações familiares aceitas pela sociedade. Em uma pesquisa realizada pelo IBGE em 2010, os casais homoafetivos brasileiros totalizavam 60 mil. Juntamente com a aceitação e popularização desses novos moldes, também há o problema da natalidade, já que, se os casais do mesmo sexo desejarem ter um filho, terão que recorrer à adoção ou, em alguns casos, à inseminação artificial, opções que exigem maiores investimentos econômicos e paciência para enfrentar os processos burocráticos.

15 a 49 anos Brancas até 49 anos Negras até 49 anos Mais escolarizadas Menos escolarizadas

Este infográfico demostra que a redução da taxa de fecundidade das brasileiras, em 2013, está associada a diversos fatores sociais. O acesso das mulheres à educação e, até mesmo, a cor da pele acabam interferindo neste processo. Fonte: geledes.org.br

Casais sem filhos no Brasil

Fonte: geledes.org.br

Filhos do coração Enquanto alguns casais optam por não ter filhos, outros mantêm esse desejo vivo, mesmo tendo que enfrentar muitas dificuldades para transformar esse sonho em realidade. Hoje, existem tratamentos, inseminação artificial e, é claro, adoção, com a qual é possível praticar um ato de amor e ajudar uma criança a se sentir amada e acolhida. Essa foi a escolha de Salete Maria Suzin, de 53 anos. A vendedora queria muito ser mãe e já havia engravidado várias vezes, mas sempre perdia o bebê. Então, ela reuniu vontade e solidariedade e decidiu adotar uma criança. Mas, o que deveria ser simples, sem maiores problemas, se transformou em uma novela marcada pelo excesso de burocracia. “Eu ficava muito ansiosa pela demora e, ao mesmo tempo, revoltada por existirem tantas crianças abandonadas e eu não poder fazer nada para ajudar”, desabafa Salete. Além disso, o processo de adoção exige muito investimento por parte do casal disposto a adotar. Eles tiveram que contratar um advogado para acelerar o processo, mas, ao mesmo tempo, nunca tinham certeza se iriam conseguir. Salete e Gilmar passavam os dias acompanhados pela insegurança e a dúvida sobre se realmente conseguiriam

adotar um filho. A situação somente tomou um rumo diferente dois anos depois. Foi quando uma freira que sabia da vontade do casal ter um filho avisou Salete de que a mãe de uma criança recém-nascida não tinha condições para criála e teria que encaminhá-la para adoção. A mãe biológica e a futura mãe de criação, ou melhor, de coração, como ela prefere ser chamada, conversaram e acertaram que Salete passaria a cuidar da menina. A partir desse momento, houve um período de adaptação com a família e após foi concedido um termo de guarda provisória – mesmo assim, o medo de que a menina poderia ser retirada do casal perdurou por cerca de dois anos. De acordo com Salete, foram momentos muitos difíceis. As assistentes sociais faziam muitas visitas domiciliares sem avisar, e eles tinham que estar sempre em estado de alerta. Mas, após esse longo período turbulento, a família conseguiu o termo de adoção definitiva, e a menina Suélen tornou-se legalmente filha do casal. Se não fosse todo o desgaste que passou, a vendedora conta que teria tentado adotar outra criança e acredita que muitas outras famílias teriam vontade de fazer o mesmo. “É muita, muita burocracia. Às vezes, um casal quer adotar uma criança, mas não consegue pagar um advogado para agilizar o pro-

cesso. Mesmo tendo todas as condições psicológicas de dar amor e carinho para alguém, eles acabam desistindo. Teria que ter um advogado do Estado para auxiliar no processo e continuar havendo investigações, para saber se os pais realmente têm condições de adotar, mas esse processo deveria ser mais rápido e menos desgastante”, explica Salete. Muitos casais têm medo de adotar uma criança por conhecerem histórias tristes com a adoção, mas Salete defende que para ela tudo valeu a pena: “Eu acho que 50% das características comportamentais das pessoas são herdadas dos pais, mas os outros 50% dependem da educação, do amor e do respeito em família”. A convivência com a filha Suélen nunca passou por maiores problemas: “Nós sempre falamos a verdade para ela; nunca escondemos o fato de ser adotada e também não falamos mal da mãe dela – muito pelo contrário. O diálogo sempre foi aberto e franco entre nós”. Salete também conta que quando Suélen completou quinze anos, teve a oportunidade de entrar em contato com a mãe biológica, mas não quis. “Hoje Suélen está com 20 anos e sempre soube, desde pequena, que é nossa filha do coração. Ela nasceu do coração”, finaliza Salete.


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SAÚDE

A nação de filhos da cirurgia Em uma nação com taxa de natalidade de 14,16, para cada mil brasileiros, mais da metade nasce por meio de cesáriana, boa parte realizada pelo sistema privado de saúde, o que computa 74,16% Franciele Lorenzett

A Região Sul ocupa a segunda colocação no Brasil, com o maior número de cesarianas realizadas, ficando atrás apenas da Região Sudeste. Ao todo este tipo de parto acumula um índice de 61,8% Aline Mapelli amapelli@ucs.br Franciele Lorenzett fmlorenzett@ucs.br

Receber um recém-nascido na família pode se tornar um dilema na hora de definir o tipo de parto a realizar. O Brasil é o país onde mais são feitas cesarianas, segundo pesquisa da Organização Mundial da­Saúde (OMS), em pa­­­í­se­s como México e Argentina, que registram índices de 35% a 56%. De acordo com a pesquisa, Es­­t­a­dos Unidos, China e Canadá seguem na segunda posição. Esses dados alarmantes surgem por diversos fatores, entre eles o medo da dor. “Grande parte das pacientes se omite com relação ao parto normal em função da dor”, como explica o professor, na Universidade de Caxias do Sul, José Mauro Madi, que atua na Unidade de Ensino Médico de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Geral. “Medo gera tensão, tensão gera dor e assim é um ciclo que não termina”, ele destaca. Madi afirma que, em grande parte das vezes, as gestantes buscam primeiramente um parto

cesariano. Segundo o profissional, o parto normal tem todas as ­ vantagens possíveis, e a cesariana deve ser feita quando realmente existe indicação ou quando as pacientes se negam a fazer parto normal. As cesarianas são geralmente realizadas quando existe comprometimento da vida da mãe ou da criança e quando é possível visualizar que, de alguma forma, na hora do nascimento, esses riscos possam ocorrer. O receio do parto natural é superado pelas mães experientes, principalmente por perceberem que o procedimento não oferece risco à vida da criança, proporcionando até melhor recuperação. “Se a paciente já tem uma cesariana, ao menos no Hospital Geral (HG), a gente insiste em um parto normal com o consentimento da parturiente. Por isso, temos cerca de 46% desse tipo de parto após a paciente já ter feito uma cesariana”, completa. Madi salienta que não ­exi­­s­te um tipo de parto padrão pa­ ra todas as gestantes. Deve ser feita uma avaliação indivi­ du­­­­­alizada, respeitando, sempre, a vontade da paciente. Saber

onde ela está inserida, em que tipo de comunidade e que tipo de sistema de saúde lhe é oferecido colaboram para a realização desse diagnóstico. Essa análise garante a humanização do parto. “Fica muito fácil dizer parto normal para todo mundo, mas ninguém pergunta para a gestante. Não é bem assim a realidade. A teoria na prática é outra”, ratifica. Quando o assunto é o desejo das gestantes, podemos encontrar opiniões diversas. Não é à toa que tantas formas e técnicas de parto existem. Há mães que optam por ter os filhos em casa, acompanhadas de uma parteira, à moda antiga, ou mesmo desejam realizar o parto dentro da água, acreditando que será uma forma mais natural de o bebê fazer a transição do útero ao mundo externo, entre tantos outros métodos alternativos. O motivo que faz muitas mães optarem pelo parto cirúrgico ao invés do natural, mesmo quando em condições ideais para a concepção natural, é o receio de possíveis complicações que possam surgir ao longo das várias horas de trabalho de parto. Este é o caso de ­Daisa Bonatto,

a técnica em enfermagem, que aos 35 anos, espera a chegada do segundo bebê. A menina é esperada para julho e o procedimento será o parto cesariano, o mesmo escolhido em 2013 para chegada do primogênito Carlos. “Sou contra sentir dor. Não queria sofrer e nem deixar o bebê sofrer, em caso de ser necessário usar instrumentos como o fórceps ou esperar ter a dilatação necessária”, explica. Em sua primeira gestação, o parto durou cerca de meia hora, no entanto a gestante teve oportunidade de sentir as dores, já que o bebê rompeu a bolsa antes do previsto. A experiência reafirmou o desejo da mãe de realizar outra cesariana para garantir o seu bem-estar e o do bebê; “Meu conselho para as futuras mães é que, sempre, em primeiro lugar, está a saúde do bebê, por isso, quando planejar seu parto tenha certeza de que será acompanhada por uma equipe médica de confiança. O ginecologista é fundamental nessa hora, além de procurar um hospital com boas referências, e que garanta que você poderá ser atendida no que for necessário”, aconselha.

Outro motivo que leva muitas mães a desejarem um atendimento privado e, consequentemente, um parto cesariano são os receios quanto à falta de cuidados e descaso da equipe obstétrica. Não exclusiva dos partos naturais, a violência obstétrica deixa muitas mães preocupadas em ter seu bebê nas mãos de médicos desconhecidos, principalmente se for um parto natural, que pode levar muitas horas. A gaúcha Inês Brandão da Silva, 48 anos, teve seu único filho, aos 18 anos, quando ainda residia no interior do Paraná. Dadas as circunstâncias humil­ des de sua origem, a jovem não realizou um atendimento detalhado com um médico de confiança. Quando chegou a hora de o bebê nascer, ela se dirigiu ao hospital e contou com o atendimento do Sistema Único de Saúde. O parto, que levou cerca de 8h para ser concretizado, é relatado com muitos momentos de dor e angústia. Por ser jovem e de estrutura pequena, Inês não tinha a dilatação neces­ sária para o bebê de quase três quilos e meio vir ao mundo de forma natural. Depois de longas


19 horas de dor, com as contrações e a falta de dilatação, a jovem pediu inúmeras vezes à equipe médica que fosse realizada a cirurgia cesáreo. No entanto, a resposta da equipe era sempre a mesma: o bebê deveria nascer apenas de parto natural. Inês recorda que nem a equipe de enfermeiros ou o médico responsável tiveram qualquer postura para humanização do parto. Em diversos momentos, a equipe simplesmente a examinava sem qualquer tipo de precaução com o possível constrangimento, entrando e saindo do quarto onde a futura mãe estava exposta em trabalho de parto. Foram raras as vezes em que o médico esteve presente no local para prestar ­ auxílio, deixando apenas a cargo das enfermeiras o andamento do parto, presente apenas nos momentos mais críticos. Ao fim de muitas horas de estímulos ineficientes, a equipe médica se convenceu de que deveria intervir para agilizar o nascimento. Diante da falta de dilatação e estrutura da mãe, o médico, sem consultar a gestante, realizou episiotomia, que é o corte cirúrgico realizado na região do períneo, a partir da vagina, a fim de ampliar o espaço e permitir que o bebê nacesse. O procedimento, muito comum na década de 80, foi o que permitiu a finalização do parto. Conforme dados da Pesquisa Nascer no Brasil, realizada pela organização Oswaldo Cruz, em parceria com o Ministério da Saúde em 2014, tal procedimento é realizado em cerca de 53,5% dos partos normais no País, embora a Organização Mundial da Saúde recomende que esse número não seja superior a 10%. Não foi apenas a realização da episiotomia não informada que causou lembranças desagradáveis à jovem; sem consultá-la, o médico também realizou a ligação das trompas, impedindo que ela pudesse gerar mais filhos no futuro. O procedimento, feito às escondidas, foi realizado a pedido de um familiar que acompanhava a gestante, contrariando o seu desejo. Atualmente, principalmente por conta das lutas feministas, diversos médicos já abandonaram o uso da antiga técnica de episiotomia, contando com a modernização da medicina que apresenta outras alternativas, apesar do número ainda ser alto. No entanto, não é apenas na prática da episotomia que o Brasil está desajustado em relação aos dados da Organização Mundial da Saúde. Atualmente, no Brasil, 55,3% dos partos são cesárianos, sendo que a OMS recomenda que este número não seja superior a 15%.

Aline Mapelli

Fonte: Ministério da Saúde

Preparação para o parto

Quando o assunto é a preparação para o parto, diversas mães buscam atividades e rotinas que possam oferecer uma melhor qualidade de vida durante a gestação. Entre as atividades disponíveis, está o Yoga, que traz muitos benefícios, sendo especialmente colaborativo com as mães que desejam ter seus filhos de forma natural. A atividade de baixo impacto possui recomendação médica, pois permite que as futuras mães mantenham a prática de uma atividade física ao longo de toda a gestação, sem impor riscos à saúde. Além disso, essa técnica trabalha o fortalecimento do corpo, colaborando com a diminuição das dores normalmente

sentidas nas pernas e na coluna, como explica a instrutora de Yoga Cinthia Pretz, 29 anos, que atua nesse ramo há quatro anos e ministra aulas para gestantes, desde 2015, quando ela própria vivenciou a experiência da gravidez. O Yoga auxilia na preparação do corpo, trabalhando a elasticidade, técnicas de relaxamento e respiração. “Respirar é algo muito importante não somente para quem está grávida, mas para todos. No caso das gestantes, essas técnicas certamente promovem um benefício mais efetivo”, salienta a instrutora. Além disso, Cinthia explica que o Yoga auxilia no controle hormonal e emocional das

gestantes. Como ela mesma vivenciou, o equilíbrio promovido pelas técnicas busca alinhar corpo e mente, além do que, durante as sessões, a instrutora e as gestantes compartilham um momento para troca de ideias e experiências. “Esses benefícios são tanto para gestantes quanto para qualquer pessoa, pois o Yoga é muito mais do que fazer posições. Ele trabalha de forma completa envolvendo técnicas de medicinas naturais, técnicas de respiração, meditação, entre outras”, explica Cinthia. Esse grupo de técnicas tem se destacado como colaborador para recuperações rápidas após o parto, seja cesárea ou natural. “Independentemente da forma

de parto que a pessoa escolher, o Yoga vai ajudar, pois é diferente quando a mãe pratica uma atividade física na gestação”, afirma. Cinthia, que sempre desejou o parto natural, precisou recorrer à cesariana, em função de uma complicação na gravidez. Por ter trabalhado o corpo ao longo dos nove meses, sua recuperação demorou dois meses a menos do que geralmente é necessário. No caso do parto normal, esse tempo de espera pode ser um mês. Independentemente da escolha do parto, Cinthia garante que o Yoga é benéfico para todas as gestantes, colaborando para a sintonia entre o corpo e a mente da mãe, com o seu bebê.

Parto normal em ascensão

Como medida para reduzir os partos cirúrgicos desnecessários na saúde suplementar, foi elaborado o projeto Parto Adequado pelo governo federal. Estão envolvidos 42 hospitais e mais de 34 operadoras de planos de saúde em todo o Brasil. Dos participantes, oito hospitais estão entre os 30

maiores em volume de partos do país e 12 entre os 100 maiores. O número de partos normais entre os hospitais que integram o projeto esteve em ascensão. Antes, eram registrados 22% de partos normais. Em um ano de projeto, iniciado em outubro de 2014, o índice aumentou nove pontos percentuais, segundo

a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Com isso, registrou-se a redução de 155 para 46, em cada 1.000 nascidos vivos, nas UTIs. As instituições participantes aderiram voluntariamente ao Parto Adequado. Por meio da mudança cultural dos cesáreos, a meta é que o modelo do

projeto se espalhe por todo o País, mas que, também, impacte na América Latina e no mundo. As ações para diminuir os partos cirúrgicos foram desenvolvidas pela ANS, pelo Institute for Healthcare Improvement (IHI) e pelo Hospital Israelita Albert Einstein, com apoio do Ministério da Saúde.


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SAÚDE

Busca por terapias alternativas Apesar de ainda haver resistência em relação à eficácia de tratamentos alternativos, o interesse pela medicina complementar cresce, tanto entre especialistas quanto entre pacientes, que buscam eliminar o excesso de remédios

Bruno Bareta bdbareta@ucs.br Bruno de Oliveira btoliveira1@ucs.br

Hoje em dia, se trabalha cada vez mais. Na correria diária, as pessoas estão cada vez mais preocupadas com cumprir suas obrigações e acabam deixando a saúde de lado. Como resultado, alimentam-se mal, não praticam exercícios físicos regularmente e também não se preocupam com as consequências disso, pois não acreditam que esse comportamento acarreta problemas mais sérios. Quando os problemas aparecem, no entanto, as pessoas acabam procurando médicos que não buscam tratar a real causa do problema, que pode ter origem no estresse, na angústia, na depressão, entre tantas outras. A chamada medicina “ocidental” busca apenas aliviar o sintoma imediatamente. Se a pessoa está com dor de cabeça, toma um remédio para tal problema e a dor passa. Já outros tipos de tratamento buscam encontrar o real motivo dessa dor de cabeça, por exemplo.

Nos Estados Unidos, ainda em 2001, o epidemiologista da Escola de Medicina de Harvard, Ronald Kessler, concluiu que a medicina alternativa cresceu a partir da metade do último século. De acordo com ele, cerca de 50% das gerações nascidas entre as décadas de 40 e 60 passaram a utilizar algum tipo de terapia alternativa. Muitos cansaram de ingerir remédios, e cada vez mais buscam tratamentos considerados “alternativos” no Brasil, porém muito tradicionais em países como a China, por exemplo. Além de os pacientes buscarem novos métodos, os próprios médicos e profissionais das áreas “tradicionais” se especializam neles. O fisioterapeuta Gilson Rocha Weber é um deles. Quando estava se graduando em Fisioterapia, Gilson se interessou pela acupuntura, único curso reconhecido como especialização em sua área, na ocasião. Inicialmente, o interesse surgiu da vontade de ajudar pacientes a tratarem dores que, às vezes, a Fisioterapia não conseguia resolver. Como na época nada existia sobre o assunto na grade curricular, como ocorre hoje

em dia em algumas faculdades, Gilson teve que buscar a especialização por conta própria. Segundo o fisioterapeuta, a acupuntura pode auxiliar em aspectos que a fisioterapia não alcança. “A acupuntura consegue fazer com que o organismo procure se reestabelecer e trabalhar com a sua harmonização; sendo assim, reduzimos o uso de medicação e o período de recuperação, por meio do reequilíbrio energético do próprio organismo”, aponta Gilson. Enquanto na China a acupuntura é uma técnica que data de cerca de 5 mil anos, no Brasil é vista como uma terapia complementar, pois, segundo Gilson, não substitui o tratamento médico, mas é trabalhada em conjunto com o tratamento convencional. O fisioterapeuta, que fez cursos de especialização em acupuntura no país oriental, aponta que a procura por consultas aumentou muito, devido ao fato de as pessoas quererem fugir dos excessos da indústria farmacêutica. “Hoje em dia, as pessoas têm mais conhecimento, mais acesso à informação. Quando se tem uma doença, se toma um remédio para a doença. Esse remédio tem efeito co-

lateral, fazendo com que a pessoa precise buscar outro médico pra tratar essa nova enfermidade. O médico então receita outro medicamento, e isso acaba virando uma bola de neve. Tenho pacientes que chegam aqui tomando 5, 6 remédios e, muitas vezes, não sabem nem por que estão tomando essas medicações”, critica ele. Ainda segundo Gilson, a OMS realizou estudos e constatou que a técnica produziu efeitos no mínimo iguais ou até mais significativos e mais eficazes do que a medicina tradicional, em relação a certas doenças, como nos casos de enxaqueca e no combate aos efeitos colaterais da quimioterapia, entre outros.

PREVENIR DOENÇAS Outro que buscou se especializar em uma terapia não tradicional foi o médico Claudio Rhein. O pediatra conta que não estava mais satisfeito com o modelo tradicional de medicina, um modelo químico. Devido ao resultado dessa insatisfação, procurou a homeopatia, que busca ver o paciente como um todo e promover saúde, ao contrário da medicina química, que segundo Bruno Bareta

ele apenas trata a doença. Assim como Gilson, o médico acredita que “o objetivo da medicina tradicional não é a saúde, é a doença. Se o seu objetivo fosse cuidar da saúde, buscaria prevenir a doença evitando que ela acontecesse. A pessoa precisa ficar doente para depois os médicos fazerem alguma coisa. Por que não fazer algo antes, para o paciente não adoecer? É uma medicina quebra-galho”, reprova ele. No caso da homeo­ patia, os remédios receitados não têm efeito colateral. Muito criticada, a homeopatia sofreu mais um ataque recentemente. Segundo um estudo divulgado pelo Conselho Nacional de Saúde e Pesquisa Médica da Austrália, não existem provas científicas de que a terapia seja mais eficaz do que a administração de placebos aos pacientes, por exemplo (o placebo é um remédio que não possui efeitos químicos ativos, e produz resultados graças aos efeitos psicológicos no paciente em questão). Para Rhein, esta perseguição contra a técnica não é novidade. “Há 250 anos se critica a homeopatia. Se ela não funcionasse, por que se preocupam tanto com ela? Ninguém a procuraria se não tivesse resultados. A indústria farmacêutica perdeu cerca de 35% do seu faturamento para as medicinas alternativas, então não me surpreenderia se esse fosse um estudo encomendado por esta mesma indústria”, explica o homeopata.

A VISÃO TRADICIONAL

Tratamento de acupuntura é aplicado para dores musculares e articulações e pode ajudar com problemas como sinusite, gastrite e rinite

Quem trabalha com a medicina considerada tradicional acredita que essas terapias servem como um complemento. Para o médico psiquiatra Issam Jomaa, elas auxiliam se administradas com os tratamentos médicos. “Não acredito que elas sejam resolutivas por si. A acupuntura, por exemplo, é muito eficaz em certos casos, como para tratar uma dor crônica, como uma artrose. Depende muito da doença. Ela já não seria eficaz para quem tem uma doença orgânica, como uma infecção, assim como a homeopatia também não”, ressalta Jomaa.


21 “Essas terapias não atrapalham, e podem ajudar até certo grau, potencializando os resultados obtidos pelos tratamentos tradicionais”, completa ele. O profissional alerta, porém, que, no caso de um médico homeopata, deve haver o discernimento de saber que determinadas condições mais graves devem ser analisadas mais a fundo, pois antes de qualquer coisa são médicos por formação. “Se o paciente é diagnosticado com câncer, por exemplo, e resolve se tratar apenas com homeopatia e não realiza o tratamento adequado, pode acabar tendo sua condição agravada rapidamente”. Cabe ao médico, então, indicar ao paciente que busque o tratamento convencional, “que até pode ser aliado com a homeopatia ou com outro tratamento alternativo, para que se obtenha os resultados necessários, que não podem ser alcançados pela homeopatia por si”, adverte o psiquiatra.

Bruno Bareta

O fisioterapeuta e acupunturista Gilson Rocha Weber utiliza a acupuntura como método de tratamento complementar à fisioterapia convencional

Se persistirem os sintomas, o médico deve ser consultado Ao mesmo tempo em que as pessoas começam a buscar um tratamento alternativo, ou ainda preferem permanecer no tratamento convencional, outras pessoas sequer chegam a visitar um médico. Sentindo dores comuns ou possíveis sintomas, apelam para a automedicação. Conforme relatam especialistas, as pessoas estão cada vez mais tomando remédios, o que pode acarretar danos gravíssimos. A automedicação é uma prática comum entre os brasileiros. De acordo com dados de 2014, do Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ), 76,7% dos homens e 75,1% das mulheres tomam remédios sem recomendação médica ou farmacêutica. O que muitos podem não saber é que existe a possibilidade de o comportamento trazer uma grande dor de cabeça posterior. A farmacêutica do Hospital Geral, Rosangela Cavagnoli, aponta que a automedicação pode levar ao uso incorreto dos remédios, tendo como conse­ quência reações alérgicas, ineficácia no tratamento, ocultação de sintomas ou ainda intoxicação medicamentosa – apontada pela profissional como a mais recorrente no País. Os números mais recentes;

de 2012, do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sintox), mostram que 27.008 pessoas foram intoxicadas por remédios, com muitos casos de automedicação incorreta engrossando a estatística. Rosangela­ também lembra que alguns grupos de pacientes podem ter riscos aumentados: crianças, grávidas e

idosos. Mesmo assim, o uso irresponsável dos medicamentos, feito por qualquer pessoa, pode também levar à morte. O Sintox aponta que, em 2012, 101 pessoas faleceram devido à intoxicação por remédios. Entretanto, a farmacêutica alerta que os prejuízos variam conforme alguns fatores, como as características e o histórico

do paciente e as especificidades do medicamento. Isso não quer dizer que você não possa se automedicar. A profissional cita que a Organização Mundial de Saúde acredita que “um certo nível de automedicação é aceitável, desde que ocorra de forma responsável”. Assim, Rosangela indica que se o usuário não souber utilizar o

medicamento, um profissional deve ser contatado, seja um farmacêutico ou um médico. Para Rosangela, “o ideal é que cada pessoa já tenha uma orientação prévia de um profissional da saúde habilitado sobre qual medicamento ela pode utilizar em situações corriqueiras, bem como sobre a sua correta utilização”. Bruno Tomé

Apesar de prática comum, a automedicação é perigosa, podendo esconder o sintoma de doenças ou acarretar outros problemas de saúde e levar à morte


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SAÚDE

A regressão além da religião Terapia alternativa é cada vez mais procurada para auxiliar a cura física, mental, espiritual e, em alguns casos, ­psíquica. A técnica utiliza a leitura de um mantra de relaxamento e meditação profunda para acessar as informações

Débora Debon ddebon@ucs.br

É inegável a preocupação de grande parte das pessoas com a busca constante da felicidade plena. Entretanto, isso nem sempre foi uma prioridade. As gerações mais recentes demonstram grande necessidade de querer resolver seus problemas. Para isso, uma alternativa, que cresce como forma de compreender a missão de cada um e o porquê de termos de enfrentar determinadas situações em nossa vida, é a regressão terapêutica. Independentemente de religião, ela está associada ao espiritualismo, ou seja, à crença em Deus e na alma. A técnica é aplicada por terapeutas holísticos, psicoterapeutas reencarnacionistas, psicólogos e psiquiatras. Durante o processo, a pessoa fica consciente e, ao terminar, lembra absolutamente de tudo o que aconteceu. Com o tempo, a sintonia vai sendo cortada para desbloquear algo que possa ter acontecido em outra vida e ainda esteja muito presente hoje, como fobias, síndrome do pânico e depressão. Conforme a terapeuta holística e proprietária do Centro Holístico Namastê,

em Flores da Cunha, Sharlene de Andrade, a regressão é a ferramenta que mais auxilia no processo de cura física, mental e emocional. “A principal característica é que a regressão terapêutica não é induzida, diferentemente da Terapia de Vidas Passadas, que utiliza a hipnose. É uma meditação um pouco mais profunda, em que a pessoa entra em um estado de relaxamento maior e, consciente, por meio da leitura de um mantra, começa a visualizar lugares e pessoas em uma vida passada. As coisas que o paciente vê são mostradas pelo mentor espiritual dela, de acordo com a maturidade que ela tem naquele momento para entender”, explica Sharlene. Foi buscando a cura para a depressão que a professora Catia Bertin acabou fazendo a regressão, indicada por três terapeutas a que recorreu. “Estava em um momento que o fundo do poço era a minha vida. Eu havia perdido um noivado de nove anos; estava saindo de um tratamento contra um câncer de pele e quase falido um negócio que tinha adquirido um ano antes. A regressão foi a última alternativa e com ela obtive as respostas do porquê eu tinha que passar

por tudo aquilo”, conta. Uma das leis que regem a espiritualidade é a do esquecimento, que explica que quando reencarnamos, viemos para esta vida com tudo o que ficou para trás apagado da nossa memória. Sharlene salienta que essas informações não ficam gravadas no inconsciente, mas sim no chamado DNA espiritual. “Nosso espírito não lembra mais daquilo, porém ele reconhece as sensações parecidas e as pessoas envolvidas. Isso explica, por exemplo, por que às vezes olhamos uma pessoa e sentimos empatia direta ou antipatia, sem ao menos conhecê-la. No DNA espiritual, está toda a nossa história. Isso fica no campo áurico, não no corpo físico. Para onde a gente for e por quantas vidas a gente passar, vamos ter sempre isso junto”, comenta. Catia, que já fez a regressão duas vezes, conta que principalmente na primeira vez sentiu dores físicas e sensações afloradas como tristeza, raiva e sofrimento, além de muito medo. “Eu via cenas passando na minha cabeça, conseguia visualizar tudo. Não houve dúvidas de que tudo aquilo aconteceu comigo em outro momento. As regressões trouxeram as resDébora Debon

postas que eu precisava para compreender meus sofrimentos e aceitá-los, sabendo que seriam passageiros, mas que eram meus e nada mudaria isso. Eu apenas teria condições de amenizá-los até que passassem de uma vez por todas”, finaliza.

CURAS A regressão terapêutica, holística, reuniu a espiritualidade e, de certa forma, a Psicologia e a Psiquiatria. Entretanto, a Psicologia ainda possui um olhar diferenciado, já que os seus estudos colocam que tudo começa a partir do nascimento. “Não se explicam certas coisas como uma criança muito pequena ter um dom absurdo para algumas coisas, por exemplo. É um espírito que já tem aquilo aprendido de outras vidas”, esclarece Sharlene. Conforme a terapeuta, muitas situações traumáticas também podem ser entendidas por meio da terapia. É o caso de uma pessoa que tem muito medo de altura, mas nunca esteve em uma situação tensa, em um lugar alto. Se isso estiver relacionado a outra vida, na regressão a pessoa volta ao momento em que aquilo se tornou um trauma, revive e desbloqueia, cortando a sintonia. Contudo, não é recomendado que se faça a regressão sem que haja um objetivo. “Não orientamos que se faça regressão somente por curiosidade, porque aí a gente coloca a espiritualidade a trabalho de algo que é supérfluo. A motivação pode estar relacionada ao trabalho, a relacionamentos, conflitos e até situações que se repetem de tempos em tempos. A regressão nos dá um presente no final, que é uma conversa com nosso mentor, que nos orienta sobre o que fazer com aquelas informações no auxílio da nossa evolução.”

ATENDIMENTOS

A terapeuta holística Sharlene de Andrade trabalha com a regressão terapêutica há dois anos, em Flores da Cunha

Sharlene conta que, em média, atende três pessoas por semana. Mas, apesar da grande procura, ainda há certo receio. “A pessoa não vai ficar presa em outra vida, isso não tem como acontecer porque você vai voltar para o seu corpo fí-

sico uma hora ou outra. Você fica num estado de desdobramento, acima da matéria. Não voltar não existe; o que existe é permanecer na sintonia. E é por isso que vale a escolha do terapeuta, porque ele precisa ter o conhecimento para entender que a regressão deve ser encerrada no momento em que você estiver numa sintonia boa”, explica. Um dos casos que recorda é o de uma paciente que viajou para Salvador e sentia uma emoção muito forte nos lugares que visitava, além de um desejo de não deixar aquela cidade. Na regressão, descobriu que fora uma escrava em outra vida e que morava naquele lugar. Com esses exemplos, Sharlene acredita que as pessoas estão se abrindo para a terapia de regressão porque é uma maneira de acelerar os processos de cura. “A nossa vida é como se fosse uma cadeira. A cadeira tem quatro pernas e a nossa vida tem quatro pilares: o mental, o espiritual, o físico e o emocional. Se você não estiver bem em um desses pilares, a cadeira vai ficar em desequilíbrio ou pode até cair. A gente precisa manter essa nossa cadeira de pé. Para isso, a espiritualidade é muito ampla. Não é religião, é a essência, o coração, o que tu falas, o que tu faz, as tuas crenças”, finaliza.

Dicas Livros - 20 Casos de regressão (Mauro Kwitko) - Terapia de regressão: perguntas e respostas (Mauro Kwitko) - Tratando fobia, pânico e depressão com terapia de regressão (Mauro Kwitko) - Psicoterapia reencarnacionista: a terapia da reforma íntima (Mauro Kwitko)

Filmes - Minha vida em outra vida (2000) - As duas idas de Audrey Rose (1977)


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COMPORTAMENTO

Mulheres buscam o seu espaço Mecânica e futebol também são assuntos de interesse do público feminino. Confira como as mulheres vão ao encontro dessas atividades em Caxias do Sul e, por consequência, encaram o ainda existente preconceito de gênero Diego Pereira dlpereira@ucs.br

No passado, muitas atividades eram preconceituosamente consideradas masculinas pela sociedade. Hoje, apesar de estarmos em outra época, encontramos, ainda, alguns resquícios de preconceito de gênero. Contudo, cada vez mais, as mulheres brigam pelo seu espaço. Carro, trânsito e mecânica por muito tempo foram considerados assuntos de entendimento apenas dos homens. Mas a sociedade evoluiu, e, hoje, as mulheres são independentes quando o assunto é a direção. Com o objetivo de incentivar a manutenção preventiva e mostrar onde estão os principais sistemas e as funções do veículo, há mais de sete anos surgiu em Caxias do Sul a Mecânica de Batom, curso que ocorre na Secretaria Municipal de Trânsito, Transporte e Mobilidade. A origem do curso foi técnica, sendo ministrado pelo Senai. Contudo, com adaptações sendo realizadas e a inclusão de novas ideias, a oficina chegou ao atual modelo. “Trabalhando sempre com o objetivo de prevenção e incentivando a leitura do manual do veículo – algo que poucas pessoas fazem – e posteriormente com a parte prática, com a troca de pneus, que também envolve a segurança individual, pois, dependendo do local, há um potencial risco de acidente”, explica o fiscal de trânsito Carlos Beraldo, que ministra as aulas. A Mecânica de Batom ocorre uma vez por mês, de março a dezembro. Há também edições especiais nas empresas que procuram a secretaria. Cada edição conta com quatro horas de duração, dependendo da interação do público participante. Apesar de a oficina ser novidade, Caxias não é pioneira no curso. Há outras cidades do País, como o Rio de Janeir­ o, que também contam com o projeto. Em 2015, em Caxias, 305 mulheres participaram do projeto, em 10 edições na Secretaria e três em empresas. Participar da Mecânica de Batom não tem custo, basta as interessadas procurarem a secretaria. São 50 vagas por edição. “O retorno das participantes é totalmente positivo. Com elas pedindo por

um módulo mais avançado e por aulas mais longas”, conta Beraldo. Para a massoterapeuta Geneci Garcia, 49 anos, participar da oficina vai além de adquirir novos conhecimentos e tirar algumas dúvidas. Ela também estava participando da aula para buscar mais segurança, já que pretende tirar a carteira de motorista. Geneci foi uma das 18 participantes da Mecânica no dia 12 de abril. “A aula está tendo um conteúdo muito bom, muito explicativo”, afirmou. Durante a aula prática no pátio da Secretaria de Transportes, Ivonete Andreazza, 52 anos, foi a voluntária para a troca de pneu. Com carteira de habilitação há 25 anos, ela afirma que foi a primeira vez que trocou um pneu. “É importante. Muitas vezes tu passa por boba, em um posto, ou em uma emergência. Tu tens que esperar por familiares ou estranho te ajudar. Saber nunca é demais”, ensina. Ivonete revela que nunca sofreu preconceito por ser mulher e dirigir. Geneci também acredita que não terá esse problema. “Não, com certeza não”, afirma. A Secretaria de Trânsito conta com outras atividades que abrangem os dois públicos. Uma delas é o Condutor Cidadão, em que em nove dos Centros de Formação de Condutores da cidade, por meio de seus fiscais de trânsito, orientam e informam os futuros condutores. O PREFERIDO FUTSAL A Secretaria Municipal de Esporte e Lazer (Smel), em Caxias do Sul, tem diversas atividades para os públicos masculino e feminino. Neste ano, de fevereiro a março, a pasta organizou o primeiro campeonato municipal feminino, que teve a participação de, em média, 150 atletas divididas em seis equipes. A coordenadora de Esporte Comunitário da Smel, Rosmar­ i Dalla Vecchia, explica que o campeonato feminino não ocorreu nos outros anos por falta de procura. “As meninas acham mais fácil se reunir para jogar futsal do que futebol, até pelo próprio clima da região”, obser­­ va. Parece contraditório, mas no chamado país do futebol, a modalidade feminina não decola. O

que se ouve a cada olimpíada, em relação ao esporte feminino e outros esportes, é que a situação irá mudar, mas não passam de promessas vazias que nunca se concretizam. A coordenadora acredita que faltam incentivos e patrocínios. “Quase não se vê na tevê”, observa. Ex-árbitra de futsal da Federação Gaúcha de Futsal, por

24 anos, Rosmari afirma que nunca presenciou uma jogadora sofrendo preconceito por jogar futebol. Ela acredita que sempre vai ter quem afirme que não é esporte para mulher, mas hoje o preconceito é menor. O coordenador dos Jogos Escolares e do Esporte de Alto Rendimento da pasta, Mauro da Silva também afirma que o preconceito dimi-

nuiu, mas ainda ocorre bastante. “Hoje é mais aceito, mas ainda tem”, ressalta. Além do campeonato feminino, a Smel organiza o futebol e o futsal dos jogos escolares e o futsal interdistrital, que é realizado nos distritos e em áreas administrativas de Caxias do Sul e comemora o mês do agricultor em julho. Diego Pereira

Entre os aprendizados da Mecânica de Batom está a troca de pneu, que também engloba a segurança individual

Paixão não é unanimidade Já questionava Skank em seus versos: “Quem não sonhou­em ser um jogador de futebol?” Pergunte a um menino­sobre o futuro e você provavelmente irá escutar dele que, quando crescer, quer ser jogador de futebol. No entanto, essa nunca foi a rea­l­­i­­­­­dade do estudante de Administração, da Faculdade da Serra Gaúcha, Evandro Rocha, 26 anos, que não se identifica com o esporte da paixão nacional. Se na infância o estudante­ tentou gostar do esporte e hoje ainda o pratica com os amigos, na fase adulta nunca conseguiu se identificar com a forma como o futebol é tratado em nosso País.

“Não me identifico com a idolatria aos jogadores­ , salários completamente­fora da realidade; são tratados como heróis­ nacionais, quando­a maioria mal completou o Ensino­Médio e sequer sabe falar corretamente­ nosso idioma em frente às câmeras, ao passo que os verdadeiros heróis desse País passam a vida quase ou completamente no anonimato”, afirma. O futuro administrador­ressalta que as paixões fazem parte do ser humano, e no esporte­não poderia ser diferente. Mas, enfatiza que há, sempre, uma tênue linha que separa a paixão saudável do fanatismo. Por não se identificar com o esporte, Rocha afirma que

já escutou piadinhas, mas que não se sentiu ofendido. “A grande maioria dos meus amigos já sabe de longa data e não parece­fazer diferença para eles”, explica. “Eles sabem que eu jogo futebol regularmente­. Então creio que entendem­que não tenho nada contra o esporte­em si, mas sim contra os comportamentos que estão associados a ele e presentes em tantas pessoas em nossa sociedade”, completa. Convide o estudante de administração para jogar uma partida de futebol, mas não perca seu tempo tentando convidá-lo para assistir a qual­ q­ue­­­r­­­­­­­­ jogo.


ARTE

Poesia invade as ruas de Caxias Intervenções urbanas em forma de lambe-lambe espalham mensagens e poesias nas áreas centrais da cidade e a comunidade identifica-se com os conteúdos publicados , como forma de aliviar a tensão da correria do dia a dia Ana Carolina Mosele Vivan

Ana Carolina Mosele Vivan acmvivan@ucs.br

É só andar pelas ruas dos grandes centros urbanos para perceber que existe poesia espalhada pelas cidades. Em Caxias do Sul, não é diferente. Em meio aos prédios e à correria diária, é possível encontrar as mais variadas mensagens - normalmente, positivas. É no formato de lambe-lambe, um típico cartaz com conteúdo artístico colado em espaços públicos, como muros e postes, que elas chegam até a população como reflexão. Um dos primeiros projetos a surgir em Caxias do Sul foi o Somosinstantes. As intervenções urbanas chamavam a atenção da assistente administrativa Betina Scholl e da publicitária Giulia Andreazza. A vontade de fazer as coisas acontecerem e de ser a mudança que o mundo precisa estimularam ainda mais a criação do projeto. “Nos questionamos sobre o que poderíamos fazer para mudar o mundo ao nosso redor. E foi a partir disso que surgiu o Somosinstantes”, conta Betina. Depois do Somosinstantes, as gurias começaram a ver a vida mais coletivamente. “Passamos a entender que a rua, a cidade e os muros são das pessoas. Não é meu, não é do governo. É de todos nós. E nós temos que ocupar esses espaços que nos pertencem”, reflete. Além disso, elas também passaram a perceber, com maior sensibilidade, como cada ação do dia a dia se reflete na sociedade. “Se for uma ação com intenção positiva, mesmo que pareça imperceptível, vai influenciar positivamente todos ao nosso redor”, friza. Nas ruas, é fácil encontrar os cartazes do Somosinstantes, que sempre abordam mensagens positivas. Em Caxias, os lambes estão predominantemente na área central. Já existem cartazes do projeto colados em Porto Alegre, Florianópolis, São Paulo, Caruaru e em Dublin. É bem comum cruzar com fotos dos cartazes espalhados nas redes sociais. “Podemos ver que as pessoas realmente se identificam com a mensagem colada e isso faz com que elas queiram compartilhar. Algumas pessoas nos param na rua, per-

Nas ruas centrais de Caxias do Sul, é fácil encontrar lambe-lambes com mensagens e poesias colados com o objetivo de levar reflexão para a comunidade guntam sobre a ideia, sobre os cartazes, elogiam”, conta. O Somosinstantes serviu de inspiração para o Poetiza Caxias, um grupo de poetas que também espalha lambes pela cidade. Rodolfo Cezar Rodrigues Figueira, técnico em manutenção de celulares e poeta nas horas vagas, já escrevia poesias. Ao passar de ônibus por uma parede de uma casa velha e ver que ela ganhara vida com as mensagens, pensou: “Preciso fazer isto, quero sair do ‘mundo virtual’, e levar todo o amor que coloco na escrita, para o ‘mundo real’.” Depois do primeiro dia de colagem, Rodolfo sentiu uma felicidade muito grande, porque descobriu que aquele pequeno gesto poderia mudar a vida de muitos na cidade. “Afinal, eu, como leitor, adorava esbarrar em alguma poesia por aí. Agora estando por trás de um projeto parecido, fazendo com que outras pessoas sintam o que senti, é incrível”, orgulha-se. Inspirado no poeta Sergio Vaz, o almoxarife Rodrigo Palauro, que também integra o Poetiza Caxias, acredita que o maior desafio foi colocar a ideia em prática. “Percebemos que não é fácil, mas é compensador. A reação das pessoas é ótima.

Quando estamos na rua colando, as pessoas param para falar com a gente e pedem para não pararmos. Algumas até pedem se podem pegar algum lambe”, explica. Nas ruas de Caxias, as poesias estão espalhadas nas áreas centrais, como a Estação Férrea e a Praça Dante Aliguieri. “A melhor parte é ver que uma poesia no poste da rua pode até mudar o teu dia ou te fazer pensar”, reflete Palauro. O contato com a comunidade também é motivo de orgulho para Figueira. “É sensacional deparar-se com tantas fotografias de pessoas que esbarraram em algum lambe e tiveram, mesmo que por alguns minutos, um sorriso no rosto. Encontramos pessoas que nos param e dizem: ‘Então são

vocês que trazem coisas bonitas para todos os caxienses? Parabéns’”, finaliza Figueira. Também fundamentado na poesia, o De orelha a orelha, criado pela jornalista Fernanda Zanol, surgiu, primeiramente, no Facebook. Ao ver outras ideias de poesia urbana e lambes pelo Brasil inteiro pelas redes sociais, percebeu o quão incrível era a ideia. “Sempre pensei que aquela frase ou poesia colada em um muro da cidade podia ser uma pausa no dia a dia corrido de alguém, um momento para dar um sorriso. Foi então que pensei que também queria transformar meus textos em lambes”, relembra. Depois do projeto, Fernanda está mais empenhada na produção de coisas novas e regu-

larmente sai para colar novos lambes pelas ruas, porque eles caem ou, às vezes, infelizmente as pessoas arrancam. Além da área central de Caxias, hoje já tem lambes do De orelha a orelha colados em outras cidades, como Farroupilha, Porto Alegre, Novo Hamburgo, Pelotas e no Sergipe. E a ideia de Fernanda é expandir o projeto e levar sua poesia e textos para mais lugares. “A reação das pessoas é a melhor possível e tem gente do Brasil inteiro seguindo, curtindo e compartilhando as fotos dos lambes. Isso tudo dá mais vontade ainda de continuar com o projeto porque eu percebi que as pessoas realmente gostam do que eu escrevo e se identificam de alguma forma”, orgulha-se.

Não é crime! Colar lambes não é crime. Segundo a Constituição Federal, todo o cidadão tem o direito de se manifestar e protestar livremente. E os lambes são uma forma pacífica e poética de expressão. Espaços públicos, como

postes, pontes, lixeiras e paredes de locais abandonados e degradados podem receber os lambes para trazer cor ao cinza das cidades. Em espaços privados, como muros e portões, é preciso pedir autorização ao dono ou responsável.

A proibição fica para os espaços que têm sinalização de trânsito ou informações úteis à comunidade. Vitrinas, fachadas de casas, lojas ou espaços públicos, bancos 24 horas e aquele muro recém-pintado também são locais proibidos.


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