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ENTREVISTA

António Maia Gonçalves

“As sociedades devem ser inclusivas e respeitar a dignidade das pessoas”

HISTÓRIAS DA MINHA TERRA

Caldas da Rainha

Esculpir a partir do barro uma cidade das artes

A VIAGEM DA MINHA VIDA

Joana Carneiro

“Foi o princípio da minha carreira”

SOCIEDADE

Arlindo Oliveira

Inteligência Artificial: E o futuro acontece

INTERNACIONAIS NACIONAIS

GASTRONOMIA E VINHOS DO ALTO ALENTEJO

06 a 08 maio

Partidas: Beja | Faro | Lisboa | Setúbal

13 a 15 maio

Partidas: Aveiro | Braga | Coimbra | Porto |

Viana do Castelo

Desde: 320€

MARAVILHAS DO OESTE COM MARISCADA SALOIA

14 a 16 maio

Partidas: Castelo Branco | Covilhã | Fundão |

Guarda | Viseu

Desde: 325€

CEREJAS DO VALE DO DOURO

31 maio

Partidas: Braga | Porto | Viana do Castelo

01 junho

Partidas: Aveiro | Viseu

Desde: 88€

MÉRIDA CÁCERES

E OLIVENÇA

15 a 18 maio

Partidas: Aveiro | Braga | Coimbra | Porto

02 a 05 outubro

Partidas: Évora | Lisboa | Santarém | Setúbal

Desde: 695€

ESPECIAL GRÉCIA: RODES

Várias datas entre maio e outubro

Partidas: Lisboa ou Porto

Desde: 1.528€

ALTO MINHO E SANTIAGO DE COMPOSTELA

03 a 08 junho

Partidas: Aveiro | Porto | Viseu 10 a 15 junho

Partidas: Beja | Évora | Faro | Lisboa | Setúbal

Desde: 616€

ESPECIAL INATEL: MANTEIGAS E PIÓDÃO 16 a 22 junho

Partidas: Aveiro | Braga | Porto | Viana do Castelo | Viseu 14 a 20 julho

Partidas: Beja | Évora | Faro | Lisboa | Setúbal

Desde: 671€

CIRCUITO AÇORES CENTRAL: FAIAL, S. JORGE E PICO

19 a 23 julho

Partida: Lisboa

Desde: 1.545€

GALIZA E RIBEIRA SACRA COM CRUZEIRO NO RIO SIL 15 a 19 junho

Partidas: Aveiro | Braga | Porto | Viseu 21 a 25 setembro

Partidas: Coimbra | Lisboa | Santarém | Setúbal Desde: 675€

TURISMO RURAL NA TRANQUILIDADE GREGA:

ILHA DE LEMNOS E ATENAS

Várias datas entre junho e setembro

Partida: Lisboa

Desde: 2.202€

VIAGENS DE MARÇO A MAIO 2025 DESDE 395€

CRUZEIRO PELA TURQUIA, GRÉCIA E ITÁLIA

31 agosto a 11 setembro Lisboa 3.624€

INGLATERRA MEDIEVAL E ROBIN DOS BOSQUES

30 junho a 05 julho

Partida: Lisboa

Desde: 2.170€

Viagens

Editorial

Sociedade: Inteligência Artificial: E o futuro acontece

18

A viagem da minha vida: Joana Carneiro

19

Teatro da Trindade: “Sonho de uma noite de verão”

20

Memórias de Júlio Isidro | Passatempos

21 O cais do olhar | Canto dos livros

22

Crónica: Pedro Mesquita

E nove décadas passaram…

AFundação INATEL é uma obra absolutamente notável, singular em múltiplos aspetos, é uma organização única que se afirma na sociedade portuguesa pela sua missão, visão e valores organizacionais distintivos. É meu privilégio presidir aos destinos desta prestigiada instituição, neste ano em que o calendário assinala nove décadas de vida intensa.

Um momento que é uma inspiração para dar todo o sentido à origem da palavra ‘comemorar’ e trazer à memória as melhores recordações, celebrando com alegria em todo o país, aproximando os cerca de 250 mil associados individuais e os 3500 associados coletivos (Centros de Cultura e Desporto).

Neste contexto, levantando um pouco o véu sobre o ambicioso programa que pretendemos realizar este ano, destaco à partida três ações comemorativas que unem as áreas de missão da INATEL, homenageando 90 anos de atividade, designadamente:

Uma fotobiografia documentando as principais iniciativas realizadas ao longo destas nove décadas, nas diversas vertentes de atuação – cultura, desporto, férias e turismo social. Um álbum iminentemente iconográfico para guardar, com o espírito dos

colecionadores, nas nossas bibliotecas pessoais.

Um grande concerto ao vivo, na cidade do Porto, a 13 de junho, dia do aniversário da Fundação INATEL com apresentação de uma banda e um cantor/intérprete, para uma viagem no tempo através das mais significativas peças musicais, que constituem uma autêntica banda sonora de nove décadas de vida. Uma visita guiada por repertórios musicais diversos, desde a música ligeira à filarmónica, passando pela opereta e pela música popular tradicional. Em breve anunciaremos todos os detalhes.

E neste programa de aniversário pretendemos trazer de novo a Lisboa, em data a agendar oportunamente, a Cidade das Tradições, celebrando a missão de salvaguarda do património cultural imaterial e garante de desenvolvimento sustentável.

A Cidade das Tradições é um grande evento festivo da participação e da partilha de conhecimentos entre públicos e artistas, associações culturais e comunidades, envolvidas na missão de preservação e divulgação das artes e práticas culturais tradicionais, nas áreas da música, dança, teatro, cinema, literatura, artes e ofícios e gastronomia tradicional.

Conto consigo, porque este será, seguramente, um ano de festa para todos e com todos!

José Manuel da Costa Soares Presidente da fundação inatel

Coluna DO provedor

Cada vez mais o tema

Sustentabilidade faz parte da ordem do dia e deve começar a ser incluído na agenda de todos, sem exceção.

Também a Fundação INATEL tem um compromisso com o desenvolvimento sustentável nas suas componentes ambientais, económicas e sociais.

É por isso importante o empenho de cada um de nós quando abordamos este tema e convém estar informado acerca do que vai acontecendo pelo mundo.

As Nações Unidas declararam 2025 como o Ano Internacional da Preservação dos Glaciares, destacando a beleza e a fragilidade dos ecossistemas polares e a urgente necessidade de os preservar.

O ano de 2024 ficou marcado por três catástrofes extremas, que foram mais um alerta para os perigos que o planeta corre caso não haja uma mudança generalizada de hábitos e os grandes poluidores mundiais não reequacionem as suas posições quanto às emissões de CO2. As trágicas inundações no Rio Grande do Sul, em Valência (Espanha) e no deserto do Sahara são a prova de que já estamos a viver um drama anunciado. Mas se quisermos, Todos, é possível ainda irmos a tempo de travar o seu avanço.

Ainda assim assistimos, também no ano passado, às escassas expectativas da COP 29, em Baku – poucos países interessados em combater os impactos negativos causados pelas mudanças climáticas e falta de iniciativas e projetos concretos para diminuir os efeitos destas mudanças.

Neste ano virado para a sustentabilidade, há que ter em conta todas as vertentes para a proteção do Planeta. Nunca é demais enumerar algumas das atitudes mais óbvias e importantes a ter em atenção: reduzir o plástico descartável; utilizar meios de transporte mais sustentáveis; escolher os eletrodomésticos mais apropriados e eficientes; promover a economia circular – comprar, reciclar e reparar; apoiar o mais possível as energias renováveis; manter um compromisso diário com a correta escolha dos alimentos…

Todas as boas atitudes serão bem-vindas, mas estas são apenas algumas das simples e modestas mudanças que cada um de nós pode fazer. Mas se Todos o fizéssemos, respeitando sempre o Outro, de certeza que teríamos, no futuro, um mundo melhor.

INATEL recebe CGTP-IN

OSecretário-Geral da CGTP-IN, Tiago Oliveira, acompanhado por Valter Loios e João Coelho da Comissão Executiva da CGTP-IN, reuniram com o presidente da Fundação INATEL, José Manuel da Costa Soares, em fevereiro último na sede da INATEL, em Lisboa.

Este encontro promovido pela Intersindical surgiu para apresentação de cumprimentos entre os novos dirigentes de ambas as organizações e dar a conhecer as prioridades de intervenção assumidas no âmbito do XV Congresso da CGTP-IN e do recente Plenário de Sindicatos, bem como para abordar temas de interesse comum, entre eles, a emblemática Corrida Internacional 1.º de Maio e a representação e participação, por imposição estatutária, da CGTP-IN nos Órgãos Sociais da Fundação INATEL.

INATEL celebra protocolo com

o Município das Caldas da Rainha

AFundação INATEL assinou um protocolo com a Câmara Municipal das Caldas da Rainha, que permitirá aos utentes da INATEL usufruir das termas das Caldas da Rainha, incluindo massagens e tratamentos integrados nos programas turísticos.

A cerimónia, que decorreu em 30 de janeiro último, no Hospital Termal das Caldas da Rainha, contou com a presença do presidente da Fundação INATEL, José Manuel Costa Soares, da administradora,

Dias 20, 21, 22 de março em Lisboa Iniciativa

“Poesia em…”

celebra este ano Ramos Rosa

Àsemelhança dos anos anteriores, a Fundação INATEL dá continuidade ao projeto “Poesia em…” e, em 2025, homenageia, na senda das comemorações do centenário do poeta, António Ramos Rosa, de 20 a 22 de março.

No primeiro dia, quinta-feira, 20, está programada uma visita guiada à exposição Todas as coisas são mesa para o pensamento, com o curador Tomás Cunha Ferreira, pelas 18h, na Fundação Santander – Edifício dos Leões, em Lisboa. Segue-se, às 19h, a tertúlia Ramos Rosa: Vida e Obra, com moderação de Tito Couto e os oradores Claúdia Lucas Chéu, Helena Costa Carvalho, Fernando Pinto do Amaral.

No segundo dia, sexta-feira, 21, pelas 21h, realiza-se um espetáculo de homenagem ao poeta António Ramos Rosa, no Teatro Ibérico, com leitura do Manifesto pela Poesia de Lídia Praça, e participação de Ana Zanatti, Joana Brandão, Iolanda Laranjeiro, Félix Lozano, Rui Baeta, João Vasco, Carlos Barreto, José Anjos, Paulo Moreira, Pedro Monteiro, José Fidalgo. A encenação é de Rui Sérgio. No dia seguinte, sábado, 22, pelas 16h, é lançado o livro de Lídia Praça Espuma das Madrugadas, com leituras de poemas por Ana Zanatti, no Salão Nobre do Teatro da Trindade.

Recorde-se que a Fundação INATEL organiza desde 2014 o evento “Poesia em…”, com o objetivo de comemorar o Dia Mundial da Poesia, a 21 de março. Nesse dia é homenageado um poeta, normalmente numa cidade associada à sua vivência. Esta comemoração é constituída por várias atividades, por um espetáculo multidisciplinar, que é uma fusão entre profissionais do espetáculo e elementos da comunidade e, ainda, uma tertúlia que, de modo informal, fala sobre o poeta homenageado.

Já foram celebrados Natália Correia, Eugénio de Andrade, Manuel da Fonseca, Miguel Torga, Fernando Pessoa, Sophia de Mello Breyner Andresen, José Régio, Bocage, Florbela Espanca e, na 10.º edição do “Poesia em…” e dos 50 anos do 25 de Abril, revisitaram-se os poemas da Liberdade dos autores já homenageados e de outros poetas. A este evento confere-se também contemporaneidade à escrita, através do convite a um autor que escreve um Manifesto à Poesia, como Gonçalo M. Tavares, Maria Andresen, Luís Peixoto, Joel Neto, João Pinto Coelho, Maria Fátima Candeias, Fernando Paulouro, Afonso Cruz, Isabel Rio Novo e Anabela Mota Ribeiro.

Teresa Costa, e do presidente da Câmara Municipal das Caldas da Rainha, Vítor Marques. Este tipo de parceria reforça a oferta da INATEL, proporcionando aos seus associados experiências mais atrativas e diferenciadoras, tanto para os utentes do INATEL Foz do Arelho Hotel, como na realização de pacotes turísticos de saúde e bem-estar. O desconto de 10% para todos os tratamentos termais avulsos também será válido para programas termais e de spa.

Fundação INATEL distinguida pelo município de Óbidos

AFundação INATEL foi distinguida na 5.ª Gala Óbidos + Ativo. A iniciativa, que se realizou no dia 4 de janeiro, foi promovida pelo município de Óbidos com o propósito de reconhecer o mérito desportivo de atletas, associações, entre outras entidades que se destacaram no decorrer do ano 2024.

A gala ficou marcada pela atribuição de distinções a entidades e personalidades locais e nacionais, entre as quais a Fundação INATEL, e ainda pela homenagem feita ao Óbidos Sport Clube, vencedor da Liga INATEL de Leiria na época desportiva 2023/2024.

Para receber o prémio da distinção atribuída pelo município, esteve presente a vice-presidente da Fundação INATEL, Eduarda Marques.

A animação do evento foi protagonizada por músicos e artistas locais e contou com a apresentação de João Manzarra e Cláudia Rocha.

Gala Social INATEL

“Este reconhecimento contribui para perpetuar os valores da fundação”

muito significativo que a Fundação INATEL, uma instituição que valoriza os tempos livres de 250 000 associados individuais e 3500 associados coletivos através dos Centros de Cultura e Desporto (CCD), reconheça proativamente outras pessoas, de outras organizações, que também contribuem diariamente para a inclusão social e para a qualidade de vida dos portugueses”, afirmou Maria do Rosário Palma Ramalho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, na Gala Social, que decorreu em 21 de janeiro, no Teatro da Trindade.

A governante lembrou “a história de filantropia, de ajuda, que coloca as pessoas no centro” da Fundação INATEL que celebra, este ano, nove décadas. Sublinhou a mensagem de que “estas galas e este reconhecimento contribuem para perpetuar os valores da INATEL, promover a qualidade de vida, a longevidade ativa e proativa, o sentido de cidadania e o espírito de solidariedade e inclusão de pessoas de todas as idades”.

No discurso inicial, José Manuel da Costa Soares, presidente da Fundação INA-

TEL, salientou que “esta é a festa em que, publicamente, distinguimos relevantes iniciativas promovidas pela INATEL, por entidades parceiras do nosso universo de cooperação, pessoas, projetos e organizações que partilham o mesmo espírito da

Conselho de administração da Fundação

INATEL com a ministra da tutela, Maria do

Rosário Palma Ramalho (ao centro) e o secretário de Estado do Trabalho, Adriano

Rafael Sousa Moreira

nossa missão” e terminou destacando que a Fundação “sempre valorizou a resiliência como modelo inspirador para a construção de um mundo mais inclusivo e justo”.

Nesta cerimónia, com muitos convidados e associados que encheram a histórica e emblemática sala de espetáculos de Lisboa, também estiveram presentes o secretário de Estado do Trabalho, Adriano Rafael Sousa Moreira e os membros do Conselho de Administração, a vice-presidente, Eduarda Marques, e a administradora, Teresa Costa.

Entre os homenageados da Gala Social, destacaram-se os trabalhadores aposentados, pelo percurso de dedicação; os associados, pelo espírito de amizade e comunidade, os Centros de Cultura e Desporto centenários, como a Tuna Musical de Anta e o Conjunto Dramático 26 de janeiro, os voluntários “Conversa Amiga”, pelo apoio contínuo à comunidade e a Aldeia dos Sonhos 2024: Barranha, em Aguiar da Beira. Recorde-se que o programa “Aldeia dos Sonhos” destina-se a localidades com menos de 100 habitantes, visando contribuir para o desenvolvimento social de comunidades isoladas e de pequena dimensão.

Medalha de Mérito Municipal entregue à INATEL, em Óbidos

AMedalha de Mérito Municipal foi atribuída à Fundação INATEL a 11 de janeiro, na sessão solene do feriado municipal de Óbidos. Com uma ligação antiga ao município de Óbidos, a INATEL desempenha um papel fundamental na dimensão cultural daquele território, designadamente através do Festival Literário Internacional de Óbidos, que coorganiza desde 2018. Com a curadoria do capítulo FOLIA, espaço dedicado às artes e à cultura popular, a Fundação assume também a responsabilidade de toda a programação do palco INATEL, pelo qual já passaram mais de meia centena de talentos.

DIA MUNDIAL DA POESIA

20 a 22 março

PROGRAMAÇÃO

ENTRADA LIVRE

INFORMAÇÕES E RESERVAS:

210 027 150* | cultura@inatel.pt

*Chamada para rede fixa nacional

PARCEIROS

Sujeita à lotação dos espaços

Histórias da minha terra caldas da rainha

Esculpir a partir do bar

Aágua, a sua qualidade, tem sido pródiga para as Caldas da Rainha. Muito rica em enxofre, por causa da natureza vulcânica do solo, permitiu-lhe tornar-se numa importante estância termal. E ajudou a criar uma argila muito abundante e de boa qualidade, que fez da região um dos principais centros de produção de cerâmica do país. Esta, na qual se destacam as famosas criações de Rafael Bordalo Pinheiro, na viragem do século XIX para o século XX, a par de uma vertente mais utilitária, a da louça de cozinha, contém expressões criativas e artísticas que abrangem o humor, a caricatura, o erotismo e o naturalismo.

A importância da cerâmica está presente por toda a cidade através da Rota Bordaliana, criada em 2014, que trouxe para o espaço exterior 18 criações de Bordalo Pinheiro, construídas à escala humana, a mais conhecida das quais será o Zé Povinho. Tem sido também o motor de um grande desenvolvimento no ensino. Para dar uma maior qualificação técnica e artística à tradição da cerâmica, surgiram dois polos de formação: em 1981 o CENCAL, Centro de Formação Profissional para a Indústria Cerâmica, e, em 1989, a ESAD, Escola Superior de Artes e Design. Integrada no Instituto Politécnico de Leiria a ESAD alargou depois os seus cursos às áreas do design, das artes plásticas, da multimédia e do teatro, tendo vindo a ganhar importância no campo do ensino artístico, atraindo cada vez mais jovens e criando, nos tempos escolares, uma maior movimentação urbana. Sobe a procura de casas e quartos para alugar, os lugares públicos agitam-se, há uma migração sazonal que preenche a cidade.

O projeto artístico de Mariana Sampaio Mariana Sampaio, 33 anos, artista, designer e formadora, desde 2017 responsável por um atelier de cerâmica e artes plásticas especializado em peças de autor, o “Mariana Sampaio Studio”, é bem um exemplo das pessoas que vieram para a cidade atraídas por uma formação artística especializada. Ribatejana, da Golegã, vem em 2009 para a ESAD fazer a licenciatura de artes plásticas. Diz: “A ESAD foi uma continuação daquilo que tinha sido feito no secundário, mas já com outra estrutura. E também foi muito importante experimentar as várias áreas das artes plásticas, a serigrafia, a pintura, a escultura. Deixei a cerâmica para o fim.”

Depois da licenciatura faz um mestrado em artes plásticas e durante este, para complementar a perspetiva artística com um conhecimento mais técnico, faz vários cursos de cerâmica e de vidro no CENCAL.

“O que eu senti quando terminei a ESAD é que havia muitas questões técnicas a que eu não conseguia dar resposta. E então aí escolhi fazer formação no CENCAL, uma formação muito intensiva. E foi muito bom porque acabei por complementar aquilo que era o conceito, com a ideia de como é que vamos pôr este conceito em prática. Porque a cerâmica tem as suas limitações, não é plástico. É importantíssimo termos o conhecimento técnico do processo todo, de como é que a peça se comporta, do tipo de

Na zona Oeste, num triângulo com a Foz do Arelho e Óbidos, Caldas da Rainha surge como uma cidade onde a cerâmica tem um papel muito importante no seu dinamismo empresarial e cultural. Foi este o nosso ponto de partida

barro, do tipo de vidrados, das temperaturas. Este casamento entre a técnica e o conceito não existe nem no CENCAL, nem na ESAD. E foi disso que eu senti falta.”

No seu atelier situado na antiga fábrica de moagem da Ceres, trabalha também Cíntia Martins, ceramista, que entra na conversa quando falamos do “Caldas Late Nigth”, uma iniciativa dos alunos da ESAD em cuja organização chegou a estar, e que é uma intervenção cultural que nasce informal, com exposições na casa dos alunos ou projeções nas varandas, visíveis das ruas. Cíntia veio do Porto para estudar artes plásticas na ESAD e a cerâmica tem-na feito permanecer nas Caldas. Do futuro sabe ainda pouco, está a pensar entre o mestrado, entre ir para o CENCAL. Confessa:

“Também não quis, logo após a licenciatura, ir estudar mais porque eu sentia que no trabalho em si, a fazer cerâmica e a trabalhar para artistas, eu ia conseguir aprender mais. Quanto ao futuro, há uma dualidade. Sinto que quero ficar, tenho que ir.”

Retomamos a conversa com Mariana Sampaio. Ela não só gosta de conhecer, de compreender tudo o que gravita em torno da sua arte, como gosta de o partilhar. A partir de 2020 o CENCAL chamou-a para dar formação e além disso criou os seus próprios espaços:

“A aprendizagem que eu tinha a dar formação, porque nós aprendemos sempre muito quando ensinamos, deu-me uma vontade para criar aqui no atelier as minhas próprias formações. Há também uma parte de sensibilização, para que as pessoas conheçam as nossas tradições, para não as deixarmos morrer. Tenho pessoas que fazem formação aqui comigo, que depois de passar uma hora ou duas e estarem a pôr a mão na massa, dizem-me “eu não tinha ideia que isto demorava tanto tempo, eu não tinha ideia que isto dava tanto trabalho.”

Assume que tem o prazer de falar, nós deixamo-nos ir nesta incursão pela olaria na região, uma viagem que vem desde a presença dos romanos, fala-nos de Maria dos Cacos, figura de referência na olaria da região, fala-nos do aparecimento de muitas olarias no século XIX, um século a todos os títulos vibrante em muitas áreas, entusias-

ma-se, entusiasma-nos:

“A cerâmica mistura-se muito com o utilitarismo dos objetos. E não só, e com o artesanato e com a figuração. Em Portugal a cerâmica sempre foi vista muito como uma parte industrial, maioritariamente utilitária. Era a nossa cerâmica de casa. Não havia formação artística em cerâmica. Se nós formos pensar um bocadinho e olharmos para trás, o único ceramista a trabalhar em cerâmica que não tinha só o objetivo de ser utilitário, foi o Bordalo Pinheiro.”

Conta-nos a forma inesperada como se cruzou com Nicole Curcio, artista americana de Portland, no Oregon. Nicole encontrou a sua entrevista num “podcast”, estabeleceram contacto, ficaram amigas, daí nasceu uma colaboração artística: “Fizemos uma fusão de trabalho entre a olaria moderna que ela fazia e a pintura de azulejos. Agora queremos criar um centro comunitário de cerâmica, com o objetivo de dar formação e fazer workshops, de receber residências artísticas nacionais, internacionais, de trazer artistas de outros países para que possam também promover e falar e ensinar um bocadinho sobre a sua arte.”

Esta ideia de um espaço conjunto onde cada artista pode desenvolver o seu trabalho, partilhando técnicas, surge em contramão com aquilo que chama “estigmas anti-

À direita, Fernando Mora Ramos, encenador e diretor do Teatro da

Em baixo, as instalações dos Silos da antiga fábrica de moagem Ceres

Mariana Sampaio, artista, designer e formadora
Nicola Henriques, projeto Silos Contentor Criativo.
Rainha.

ro uma cidade das artes

gos” que isolam os ceramistas: “Esta ideia de que eu tenho que esconder aquilo que estou a fazer é uma ideia muito industrial, não é? É a do segredo industrial, não é? Eu sinto muito isto em relação a colegas meus ceramistas mais antigos. Mas felizmente já está a aparecer cada vez mais uma geração com um pensamento diferente.”

O Silos Contentor Criativo: pensar a cidade como um lugar onde se pode ser feliz Ao falar-nos dessa preocupação refere-nos um projeto vizinho, o Silos Contentor Criativo de Nicola Henriques, que tal como ela tem um espaço alugado no edifício da antiga fábrica de moagem da Ceres nas Caldas da Rainha. Por mero acaso ele telefonou-lhe durante a entrevista e logo ali combinámos encontrarmo-nos para conversar. Era como se estivéssemos a desfiar um novelo.

Nicola Henriques, 51 anos, nasceu em Angola, tal como os seus pais. Quando tinha dois anos regressou, os seus pais, professores de trabalhos manuais, acabaram por se fixar nas Caldas da Rainha. Formou-se em Design de Ambientes e em 2007 um professor entusiasmado pela reconversão

de estruturas da época pós-industrial para as indústrias criativas, contagiou com o seu entusiasmo os seus alunos ao falar-lhes das potencialidades dos espaços desativados da Moagem Ceres: “Quando nós entrámos aqui, vai para 15 anos, a ideia era ser um eixo que contribuísse para a relação da academia com a cidade. Portanto, um terceiro player.”

Ao longo dos anos os espaços do Silos Contentor Criativo deram lugar a exposições, performances, concertos, peças de teatro. A própria ESAD os procura para os seus alunos poderem fazer ali os seus eventos. Têm uma sala multiusos onde está o bar, a área social, e mais dois pisos onde estão instalados 16 ateliers. Diz Nicola: “É um modo de estar, o trabalho colaborativo, o trabalho cooperativo. E o viver e estar no mesmo espaço potencia isso. E, portanto, é preciso criar estas unidades de criação, onde as ideias sejam discutidas, onde haja criação, mas depois também haja esse transfer para o público que nos visita e para o público em geral através da ocupação do espaço público.”

Fala-nos de parcerias com outras cidades, Aveiro, Castelo Branco e Covilhã,

nesta última através da “New Hand Lab”, uma associação local ligada ao têxtil. A mediação permanente e uma ideia própria de espaço e de cidade são centrais no seu discurso. Revela a sua paixão pela escala urbana do território: “Apaixona-me a relação do homem com a cidade, o modo como ela pode, de facto, ser um potenciador da condição humana. Como um aglomerado de pessoas, foco de tantos problemas, mas, como tal, também foco de muitas soluções. Pensar a cidade como um território onde é possível ser feliz.”

O Silos Contentor Criativo é uma associação sem fins lucrativos, integram-na pessoas de várias áreas, designers de ambientes, arquitetos, museologistas. A mais emblemática das suas iniciativas é o “Bazar à Noite” que tem um dos seus pontos principais na Praça da Fruta, onde diariamente se realiza o grande mercado agrícola das Caldas. Explica-nos:

“De maio a agosto, num determinado dia, das 17h às 23h, transformamos um mercado hortofrutícola num mercado de design em que vêm expor não só os nossos criativos, mas criativos do resto do distrito, e até a nível nacional.”

Outro projeto são as “Sessões Ficas”, que partindo do modelo de partilha de portfólio, pretendem também ser um espaço onde os convidados falam de si, do caminho que percorreram, dos seus sonhos, projetos e visões de futuro.

O Centro Cultural e Congressos na rota de um ator

O nosso próximo interlocutor é José Ramalho, ator e fundador e diretor das Marionetas de Lisboa, que entre as suas muitas atividades também já deu o corpo a Rafael Bordalo Pinheiro na Rota Bordaliana. As Caldas da Rainha começaram a ser o horizonte quando em 2007 é desafiado a desenhar a direção técnica do Centro Cultural e Congressos (CCC) da cidade: “Eu vim para assumir a direção técnica do CCC, esse é o meu papel, a gestão dos recursos humanos e técnicos afetos aos eventos e espetáculos daquela casa, nas mais diversas áreas.”

O Centro Cultural e de Congressos está

integrado na Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses e tem relações com entidades como a ESAD, o Teatro da Rainha e também com artistas que usam o espaço de exposições. Diz-nos: “O Centro Cultural contribuiu um bocadinho para a alteração de hábitos culturais e de práticas de consumo do ponto de vista do espectador das Caldas da Rainha e da região. Passou a haver uma oferta cultural de referência na cidade. Este tem sido o trabalho e é a grande mais-valia que estes equipamentos têm. É bom saber que à época foi o maior investimento público no equipamento cultural em Portugal.” Hoje o papel que José Ramalho desempenha no Centro Cultural e o seu trabalho de professor de Animação Sociocultural na ETEO – Escola Técnica Empresarial do Oeste, influenciam o seu olhar sobre os dinamismos culturais das Caldas, que desde 2019, e tendo como referência o artesanato e as artes populares, faz parte da Rede Unesco das Cidades Criativas. Traça-nos um panorama alargado onde se inclui o CENCAL, a ESAD, com a diversidade dos seus cursos artísticos, com a movimentação que cria através do seu corpo académico, professores e alunos, os museus, muitos, alguns particulares, de escultores e pintores, o Museu José Malhoa, que refere ser o primeiro construído em Portugal para ser museu, o Museu da Cerâmica, o Museu Rafael Bordalo Pinheiro, refere a Rota Bordaliana contando-nos a forma peculiar como nasceu esta iniciativa: uma aluna do curso de Turismo da ETEO cria o projeto para avaliação de uma PAP (Prova de Aptidão Profissional) e depois foi agregando parcerias, o Turismo da Região Centro, a Câmara e a Fábrica Bordalo Pinheiro (Grupo Visabeira).

“Há uma pegada cultural significativa na cidade. Olha o “Caldas Late Night”! O Teatro da Rainha que se fundou aqui. A cerâmica, quer de um ponto vista mais contemporâneo, quer da cerâmica tradicional. Depois há aqui muita gente a fazer coisas. Tens aí ilustradores também, o Bruno Mantraste, que já se internacionalizou, o Stereossauro (Tiago Norte, produtor e Dj que com os Beatbombers foi bicampeão mundial de

Cíntia Martins, artista, ceramista
José Ramalho, diretor do Centro Cultural e Congressos
Fotografias: Paulo Livramento

scratch/gira-disquismo). É bom não esquecer que aqui fizeram-se uns encontros de performance muito vanguardistas, onde a Marina Abramovic marcou presença.”

José Ramalho estava a referir-se à quarta edição dos Encontros Internacionais de Arte em Portugal realizada em 1977 e que durante 12 dias agitou, criou turbulência e polémica na cidade.

“Para mim, como profissional, tem sido um acrescento significativo, tem sido uma aprendizagem brutal, é assim uma espécie de pós-graduação em quantidade e velocidade, embora rápida, apesar dos anos serem muitos. Mas é no sentido que é vivida todos os dias e todos os dias tenho de dar resposta. Como profissional continua a ser desafiante. E um desafio que não invalida os meus projetos artísticos”

Teatro da Rainha: quarenta anos de teatro nas Caldas

No corre-corre em que se transformou o nosso périplo terminámos o dia a conversar com Fernando Mora Ramos, encenador e diretor do Teatro da Rainha. Não podíamos deixar de falar com esta estrutura de criação teatral que celebra 40 anos de trabalho intenso. Cento e seis criações, dezenas de digressões nacionais e internacionais, uma atividade de referência nacional. O Teatro da Rainha nasceu a partir de uma reflexão crítica sobre a descentralização teatral na qual Fernando Mora Ramos, através do CENDREV de Évora, participou. A multiplicação de espetáculos em condições precárias, as aldeias e celeiros multiplicavam-se em espaços improvisados onde a

iluminação era mínima, às vezes à luz de candeeiros de petróleo. Diz-nos Mora Ramos: “Eu tinha 10 anos de estrada nessa altura. Era muito mais do que um doutoramento. E estava a dizer, não, isto não pode continuar assim. Porque a certa altura o que se passa é que o teatro não acontece. Porque as condições são tão limitadas que esta surpresa que foi as pessoas poderem ver manifestações deste género em cima de um palco ou noutro sítio qualquer, num ponto onde antes nada do mesmo tipo aconteceu, esse fator de surpresa desapareceu. Portanto, era preciso mesmo fazer teatro. Passámos da dimensão produtivista e acelerada dessa ideia de tocar tudo e todos, para uma ideia de um teatro mais refletido, com um repertório mais selecionado e, nas condições portuguesas, obviamente com menos gente. Dez anos depois, estávamos aqui a descobrir uma espécie de teatro de câmara.”

E o trabalho começou a vingar. Na altura ainda haviam as Casas da Cultura que desenvolviam várias áreas artísticas, teatro, cinema, música, vinham da tradição da animação sociocultural. Três anos depois tinham apoio regular do ministério da Cultura. Hoje são um elemento fundamental na vida cultural da cidade. Tem uma relação com as escolas, com a ESAD, com a autarquia, tem uma relação com a população e com a cidade. Todos os anos, com a Câmara, fazem uma criação de verão, num espaço público, geralmente nos jardins do Parque D. Carlos I, um dos pontos chave da cidade, ligado à sua tradição termal. Já vão na nona edição, são espetá-

culos oferecidos à cidade e com lotações esgotadas. Este ano, nas ruínas da Casa da Cultura, no próprio espaço em que há 50 anos nasceram como companhia teatral, vão fazer “A Noite dos Visitantes” de Peter Weiss, uma peça sobre uma força ocupante e um povo ocupado, saqueado. Acolhem quase todos os anos o exercício final do curso de teatro da ESAD dirigido por Joana Craveiro. O seu departamento

de Públicos desenvolve um trabalho com as escolas secundárias, vão às escolas falar sobre o espetáculo, por vezes entregam o texto da peça, alguns fazem dramatizações, os alunos preparam-se para o espetáculo a que vão assistir. Com a ESAD a relação é mais aprofundada, por vezes os alunos vem ver um ensaio, faz-se um debate. Realizam também uma atividade paralela de poesia, o “Diga 33”, uma iniciativa do poeta Henrique Manuel Bento Fialho de divulgação de poesia, que conta geralmente com os poetas lidos. Por fim, já em jeito de despedida, pedimos-lhe para olhar a cidade: “As Caldas estão num processo de transformação muito profundo neste momento. Há muitos migrantes, trabalhadores sazonais, muita gente da Índia, do Bangladesh. No outro dia diziam-me aí que numa escola primária havia 43 nacionalidades, 43 línguas diferentes. E que eles não sabiam bem como é que iam resolver os problemas. Há uma comunidade brasileira forte aqui, também a ucraniana. Se me perguntares se essas coisas estão entrosadas, não estão. Infelizmente, o trabalho que se faz ao nível da integração, que devia ter uma componente cultural muito forte, ainda não chegou aí. E digo isto de um ponto de vista crítico, acho que se devia trabalhar nessa direção.”

Regressamos a Lisboa, cerca de cem quilómetros nos separam de casa, o tempo para digerir uma imersão rápida numa terra, as Caldas da Rainha, em que tanto haveria para dizer e descobrir. Joaquim Paulo Nogueira

HOTÉIS

HOTÉIS

Quer procure a serenidade da montanha, a energia do mar ou a harmonia da natureza, a INATEL tem o destino perfeito para si. 15

Praia | Montanha | Natureza | Saúde e Bem-Estar

Praia | Montanha | Natureza | Saúde e Bem-Estar

Saloia com cesto, réplica de 1907, de Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro, filho de Rafael Bordalo Pinheiro, numa entrada do Parque D. Carlos I

HOTELARIA E GASTRONOMIA

Foz do Arelho: Simpatia, Mar e Voltar

Se a imensidão da vista sobre a deslumbrante Lagoa de Óbidos é a primeira imagem que nos fica ao chegarmos ao INATEL Foz do Arelho, a derradeira pode bem vir a ser o acolhimento que nos dedicou a equipa deste hotel onde a história convive com o conforto e a modernização

Quando subimos a encosta do Monte do Facho que nos permite o acesso ao complexo de edifícios que constitui a unidade hoteleira, talvez só o sopro do vento da história nos lembre o antigo palacete de um rico benfeitor da terra, a quem se deve também a construção da escola primária e que a partir de 1940 passou a ser propriedade da FNAT, antecessora da Fundação INATEL.

Graças ao trabalho de recuperação e remodelação o INATEL Foz do Arelho é hoje um moderno equipamento hoteleiro com 95 quartos, com restaurante, sala de reuniões totalmente equipada, wi-fi disponível em todo o hotel, parque infantil, estacionamento privativo, ginásio, uma piscina exterior e um bar panorâmico com esplanada virada para a fascinante vista da Lagoa de Óbidos. Uma requalificação que refletiu também a preocupação da sustentabilidade e da redução do impacto ambiental a nível dos consumos de água e de energia, privilegiando-se a iluminação natural, instalando-se painéis de energia solar e painéis fotovoltaicos.

O hotel está inserido num lugar de veraneio muito propício para a prática de uma grande diversidade de desportos náuticos, os seus areais oferecem inúmeras possibilidades de jogos de praia, o seu passeio marginal na Lagoa de Óbidos e uma ciclovia com cerca de 15 km de extensão desafiam a caminhadas e passeios de bicicleta. São também pontos a assinalar a sua proximidade a duas cidades que integram a Rede Unesco das Cidades Criativas, as Caldas da Rainha, desde 2019 Cidade Criativa do Artesanato e das Artes Populares, e Óbidos, desde 2015 Cidade Criativa da Literatura.

Para conhecermos um pouco melhor a dinâmica do INATEL Foz do Arelho conversámos com Carmo Soares, diretora da unidade hoteleira. Trabalha na Fundação há 27 anos, no INATEL de Entre-os-Rios onde reside. Começou pela receção, percorreu os vários níveis, tornou-se chefe de alojamento e, a partir de 2012, assumiu a direção da unidade de Entre-os-Rios, tare-

fa que acumula com a direção do INATEL Foz. Ter feito parte da equipa ajudou a que a aceitassem bem nas novas funções. Quando lhe pergunto qual é o maior desafio quotidiano, responde de imediato:

“Para mim, o que é mais importante é a equipa estar bem, motivada. Isso é logo meio caminho para que as coisas fluam e corram bem. Todos os dias tento falar com todos os setores.”

Preparar o dia dos namorados

Quando visitámos a unidade aproximava-se o dia dos namorados, e apercebemo-nos de que esta data merecia por parte da equipa uma atenção especial. Explicou: “Organizar o menu, a decoração da sala, os enfeites, os balões, os corações, as rosas. Depois decidir em função do número de reservas se fazemos serviço às mesas, se fazemos buffet. Já temos 30 quartos reservados. E antes falei com a equipa, falo sempre antes de um evento, para saber se está de acordo, se não está, que problemas coloca.”

E se isto acontece nas datas especiais

receitas

do calendário, a equipa também não deixa passar a celebração do aniversário dos seus hóspedes. Estão sempre atentos a isso, quer pela data de nascimento na ficha de associado, quer pela identificação na altura da reserva. O aniversariante recebe também um mimo no quarto, geralmente uma garrafa de espumante e dois flutes para um brinde. Não é de estranhar por isso a sua resposta quando lhe pergunto o que é que distingue uma estadia na Foz do Arelho: “O acolhimento. O sa-

Bacalhau com broa Para 4 pessoas

Ingredientes

Posta de Bacalhau – 800 gr; Batata miúda para assar – 320 gr; Pão de milho grande – ½ pão; Grelos nabo – 300 gr; Sal grosso – q.b. Azeite virgem – 400 ml; Alho – 50 gr; Cebola – 150 gr; Banha de porco – 50 gr; Vinho branco – 100 ml; Colorau – q.b.

Modo de preparação/Confeção

Preparar as postas de bacalhau (200 gr). Lavar as batatas com a casca, colocá-las num tabuleiro, salpicar com sal e levar no forno. Colocar no forno as postas

Carmo Soares: “As pessoas procuram muito a unidade da Foz do Arelho pelo bem-estar, pelo sossego.”

ber bem receber. Junto com a minha equipa estamos sempre com a preocupação de ver se o cliente está bem, se o cliente está a gostar, se o cliente não está a gostar. As pessoas procuram muito a unidade da Foz do Arelho pelo bem-estar, pelo sossego. No verão temos um cliente mais novo, depois temos famílias. Na passagem do ano passado, ficámos com lista de espera. Este ano as pessoas que não conseguiram vir no ano passado já marcaram para este.” Joaquim Paulo Nogueira

de bacalhau com azeite, vinho e alho previamente laminado. Enquanto o bacalhau está no forno ralar o pão de milho, depois de ralado fazer uma pasta com o azeite, cebola, alho, colorau, banha e vinho branco. Quando o bacalhau estiver meio cozinhado retirar do forno e barrar as postas com a pasta. Levar novamente ao forno para tostar. Quando as batatas estiverem assadas retirá-las e dar um murro nas mesmas. Cozer os grelos em água e sal, depois de cozidos colocar numa frigideira e saltear com azeite e alho. Preparar azeite e alho laminado bem quente. Servir o bacalhau com as batatas e os grelos e regar as batatas com azeite e alho.

Pão de Ló

Para 4 pessoas

Ingredientes

100 gr de açúcar; 6 gemas; 2 ovos; 50 gr de farinha

Modo de Preparação/Confeção

Batem-se os ovos com o açúcar numa taça até esbranquiçar. Depois adicionamse as gemas. Bate-se tudo durante 20 minutos. Por fim adiciona-se a farinha peneirada e bate-se novamente. Forrase a forma com papel vegetal e colocase todo o conteúdo, e vai a cozer no forno durante 12 minutos a 180º. No fim desforma-se e está pronto a ser saboreado.

Fotografias: Paulo Livramento

Vidas e Paixões Nancy Vieira

“Sou apaixonada e tenho a mania de compreender as pessoas”

É uma das vozes mais importantes da música cabo-verdiana, muitas vezes referida como a continuadora da inconfundível intérprete de mornas, Cesária Évora

Combinamos encontro no Teatro da Trindade, durante cerca de hora e meia começamos por viajar pelos seus lugares de infância. Às ilhas da Boavista e, na de Santiago, a cidade da Praia: “Quando vejo a Praia transporto-me para esse tempo, como se eu nunca tivesse saído de lá, do tempo da minha infância. Eu acho que isso tem muito a ver também com a minha personalidade e natureza saudosista. Parece que eu gostava, não sei, de ter ficado lá, não só naquele lugar, mas naquele tempo. Às vezes quando nós sonhamos em voltar a um sítio, sonhamos em voltar ao sítio que está imaginariamente na nossa cabeça. Não estou a falar só do lugar, mas do tempo.”

E o que é que esse tempo tinha? “Tinha tudo. A minha infância na Praia, na Ilha de Santiago. Tinha os meus pais jovens, tinha a minha escola primária com os meus amigos, tinha a praia perto, uma pessoa ia na hora de almoço, se tinhas aulas de manhã ia à tarde, podia ir a casa almoçar, dar um mergulho e voltar à escola à tarde.” Assume um lado infantil, orgulha-se dele, diz que a “ajuda a encarar e a enfrentar as responsabilidades da vida adulta.” Entre os dez primeiros anos que viveu na Praia e os quatro últimos em S. Vicente, são catorze anos que ela recorda por junto, como algo maravilhoso. Vem com a família para Lisboa, onde encontra muitos amigos e aquela Lisboa crioula de que hoje tanto se fala. Cresceu num ambiente privilegiado. Os seus pais, que tinham ido para a Guiné lutar pela independência, tiveram papéis políticos importantes, a mãe trabalhou diretamente com Amílcar Cabral e com o Presidente Aristides Pereira, o pai primeiro foi ministro e depois veio para Lisboa como embaixador: “Nunca me senti diferente dos outros adolescentes. A única estranheza ou infelicidade, sentia quando os meninos saiam da escola e iam a caminhar e a brincar a pé, até às suas casas e eu tinha um motorista à porta. Ia para casa triste, sentada no carro. Só não ia mais triste porque os motoristas eram meus amigos.”

Foi educada para a simplicidade da vida, reconhece que nos seus primeiros anos na música, tempos difíceis, a sua vida “teria sido muito mais difícil se não tivesse sido habituada assim.”

Sorri quando começa a contar a forma inesperada como a música surgiu na sua vida: “Um dia estávamos a sair do ISCTE e um amigo, o Carlos, desafiou-me para eu o acompanhar a um concurso de música

na discoteca IF, que ficava ali à Estefânia. Eu vou, começo a cantar umas coisas, e desafiam-me a concorrer, era uma eliminatória e naquele dia faltava uma pessoa.”

Canta “Lua, nha testemunha” do poeta

B. Leza, ganha a eliminatória e depois a final. A discoteca tem o acordo com uma

editora discográfica, e em 1995 sai o seu primeiro álbum, “Nôs Raça”.

Os dados estão lançados, é uma questão de tempo até Nancy, que se formara em sociologia, perceber que tem de largar o trabalho na empresa de estudos de mercado. Da sociologia ficou-lhe, entretanto, a curiosidade pelo comportamento humano: “Sou apaixonada. E tenho uma mania de compreender as pessoas. Tento mesmo entender, tenho muita curiosidade”

“Gente”, o seu último álbum

“Segred”, em 2004, “Luz”, 2007, “Pássaro Cego” que faz com Manuel Paulo em 2009, “Nô Amá”, 2012, “Manhã Florida” de 2018, antecedem “Gente”, o seu mais recente álbum. Lançado o ano passado no B. Leza, o mais importante espaço de apresentação da música de expressão africana em Lisboa. Nele a tradição, com B. Leza, Teófilo Chantre, ou Mário Lúcio, alia-se a novas expressões musicais como a de Remna ou a de Luís Firmino e Henrique Silva dos Acácia Maior. Notória

“Há muito de mim no que eu canto. Escolho as canções, os versos, as histórias, as mensagens com as quais me identifico”

também a participação de músicos como António Zambujo, Amélia Muge, Chulage, os Fogo Fogo, ou Miroca Paris, Fred Martins, Vaiss Dias. Um disco que expressa um pouco a forma como Nancy Vieira nos resume o seu percurso: “Tive a sorte de ir encontrando pessoas, o mais importante são as pessoas. Não é à toa que o disco se chama “Gente”. São as pessoas que acreditam em ti, são as pessoas que te abrem as portas, que ficam felizes porque gostam de te ouvir.”

À semelhança de muitos músicos africanos radicados entre nós, atua muito menos em Portugal do que no estrangeiro, onde as suas digressões esgotam salas: “Canto mais em países que não têm nada a ver com lusofonia, em que as pessoas não entendem uma palavra do que eu falo como por exemplo a Polónia, onde faço bastantes tournées.” Nancy, que também escreveu algumas canções, assume-se como intérprete, é nas escolhas das canções que espelha a sua

identidade: “Há muito de mim no que eu canto. Escolho as canções, os versos, as histórias, as mensagens com as quais me identifico.”

Numa entrevista confessou o sonho de voltar a Cabo Verde. Confronto-a com essa ideia: “É um sonho, viver em Cabo Verde, acordar em Cabo Verde. Cabo Verde tem essa paz de Deus, essa forma de viver. Lá a música é natural. Como se bebe água, como se come, como se tem necessidades físicas, pega-se um instrumento, toca-se, canta-se. Na minha família, todos tocavam e cantavam, meu pai, meus tios, minhas tias, meu avô, primos. Cabo Verde não é uma coisa só, tem morna, tem essa melancolia de um povo, mas para fazer a festa tem o funaná, tem a coladeira e tem gente que adora dançar. E eu como cabo-verdiana tenho esses dois lados também.”

Estamos a terminar, detemo-nos na perda de Vaiss Dias, grande músico cabo-verdiano falecido em janeiro deste ano, seu amigo e parceiro musical desde a primeira hora: “Para mim é a perda de alguém de família. Família de casa. Família de casa e família de música. Deixar de ter o Vaiss é sério. E agora parece que a única homenagem que lhe podemos prestar é continuar. Com toda a garra, com toda a raiva, com toda a força.” Joaquim Paulo Nogueira

Ivone Amaral

Tradições em festa

A Fundação Inatel, reconhecida pela Unesco para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial desde 2010, prossegue na valorização das festas e romarias com sugestões de programas para os dias luminosos de verão

Ruas Floridas

No Redondo cumpre-se uma tradição que remonta ao século XIX na decoração das ruas com a arte minuciosa de imensas flores e variadas figuras executadas em papel colorido. O programa inclui artesanato, produtos regionais, gastronomia, provas de vinhos, exposições, música, entre outras manifestações culturais, trazendo muita animação à vila alentejana que acolhe milhares de visitantes.

A preparação do evento bienal inicia-se com uma antecedência de cerca de dez meses, quando centenas de moradores começam a trabalhar as peças de pormenor em casa, segundo informação na página ‘Ruas Floridas’, as temáticas escolhidas são mantidas em sigilo até ao dia em que os voluntários começam a ornamentar as ruas. Os registos mais antigos sobre a orna-

mentação das festas organizadas pelos populares redondenses remontam a 1838, inicialmente consagradas à padroeira de Redondo, Nossa Senhora de ao Pé da Cruz.

Romaria da Agonia

A romaria de Nossa Senhora da Agonia,

Ruas Floridas do Redondo

Datas: 2/ 5/ 6/ 7 de agosto

Partidas: Lisboa; Setúbal; Leiria; Santarém; Castelo Branco; Covilhã; Fundão; Beja; Faro; Olhão; Tavira

Festas da Agonia

Datas: 14 a 17 de agosto

Partidas: Faro; Beja; Setúbal; Lisboa; Aveiro

Procissão dos Andores: Nossa Senhora da Pena

Datas: 12 a 15 de setembro

Partidas: Évora; Setúbal; Lisboa; Santarém; Leiria

Mais informações: Tel. 210027000 | turismo@inatel.pt | www.inatel.pt

que se realiza entre 12 e 20 de agosto, dia da padroeira dos pescadores, celebra-se no centro histórico de Viana do Castelo, onde milhares de visitantes enchem as ruas da cidade para assistir ao desfile do traje minhoto.

“Se o meu sangue não me engana/ como engana a fantasia/ havemos de ir a Viana”, (poema de Pedro Homem de Mello, imortalizado pela voz de Amália). A vista panorâmica sobre a cidade, a foz do rio Lima e o oceano Atlântico, no miradouro do monte de Santa Luzia, foi destacada pela revista National Geographic, no século passado, como “um dos mais belos panoramas do mundo”.

A história da devoção a Nossa Senhora da Agonia, de acordo com a divulgação no sítio ‘VianaFestas’, remonta a 1751 com a entrada da sua imagem, na capela do Bom Jesus. Em 1783 a Sagrada Congregação dos Ritos concedeu licença para se celebrar todos os anos uma missa solene nesta capela, dia 20 de agosto, data que a cidade de Viana do Castelo elegeu como feriado municipal.

Procissão de Senhora da Pena

A procissão de Nossa Senhora da Pena realiza-se anualmente nas freguesias de

Mouçós e Lamares, na margem esquerda do rio Corgo. A maior romaria do concelho de Vila Real, de acordo com a informação da união das freguesias de Mouçós e Lamares, tem cerca de 20 andores representativos de figuras religiosas, com destaque para o andor de Senhora da Pena que pode atingir mais de 22 metros de altura, transportado pelos ombros de uma centena de pessoas no percurso de um quilómetro.

A organização da festa é rotativamente assumida por onze aldeias da freguesia de Mouçós e Lamares, nomeadamente, Abobeleira, Alvites, Cigarrosa, Lagares, Jorjais, Lage, Magarelos, Pena de Amigo, Sanguinhedo, Sequeiros, Varge, este ano a responsável pela organização do evento. Bandas de música, fanfarra e grupos musicais completam o programa de 14 de setembro, dia da procissão dos andores.

A capela de Nossa Senhora da Pena, datada do século XVIII, é de origem barroca e faz conjunto com um cruzeiro e um fontanário da mesma época. Trata-se de um santuário mariano, considerado um dos mais importantes da região, cuja origem está descrita na lenda do grande rochedo “pena”, onde terá aparecido Nossa Senhora para solicitar a construção de uma capela naquele local.

No sentido dos ponteiros do relógio: Procissão de Senhora da Pena em Mouçós e Lamares; A romaria de Nossa Senhora da Agonia, Viana do Castelo; Ruas Floridas, Redondo

Entrevista António Maia Gonçalves

“Se um médico não tiver esperança, perde qualidades”

Na primeira entrevista, após a nomeação para coordenador nacional do Plano de Ação do Envelhecimento Ativo e Saudável, o médico António Maia Gonçalves afirma ao jornal Tempo Livre que quer ajudar a promover a longevidade dos portugueses, com qualidade de vida. Aponta o caminho para o reforço dos cuidados de saúde primários, para a necessidade do apoio às famílias e para um quotidiano com bons hábitos

Apraia está diante dos nossos olhos. Virados para o mar, vemos pessoas de todas as idades que correm ou caminham, sozinhas e acompanhadas, pelo passeio marítimo, em Oeiras. Maia Gonçalves, 59 anos, diz-se satisfeito ao ver cada vez mais adeptos do exercício físico. Um hábito que leva mais longe, a muitos anos vividos com mais saúde. Especialista em medicina interna e intensiva, doutorado em bioética, é atualmente coordenador da Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente e do Serviço de Medicina Interna na Casa de Saúde da Boavista, no Porto. Lida diariamente com situações-limite. Continua a surpreender-se com o “milagre da vida” e a “superação humana”. Realça que a sua postura é a de “serviço” e que o maior protagonismo a que aspira, no percurso profissional, “é o de conseguir que o doente siga as indicações terapêuticas e melhore”. Cuida de pessoas há mais de 30 anos, segue quatro gerações de famílias, enfatiza que o respeito e a confiança são fundamentais na relação entre todos: médico, doente e família. Indica que se deve apostar mais nos cuidados primários de saúde e na ajuda que pode ser prestada às famílias, para que possam estar mais próximas da vida dos idosos. Porque as (boas) memórias dão mais ânimo a todos: “Se as famílias forem apoiadas têm outra disponibilidade para poderem estar presentes.”

Tem um percurso profissional longo, com créditos firmados, o reconhecimento dos doentes e dos pares. Esteve 30 anos no Serviço Nacional de Saúde. Conhece o setor público e privado. Como recebeu este convite para coordenador nacional do Plano de Ação do Envelhecimento Ativo e Saudável? É honroso sempre que nos pedem para fazer um serviço, até porque confiam em

nós e nas nossas capacidades. Claro que implica tempo, um bem escasso na vida dos médicos. Mas faço com muito gosto, pelos doentes e pelas pessoas em geral. Quando a tutela me falou nesta possibilidade, achei que tinha de arranjar maneira de conciliar isto no meu horário para conseguir cumprir as expetativas. Claro que é um serviço infindo. Temos de ter a ideia de que a década de 20 foi eleita pela ONU como a do Envelhecimento Ativo e Saudável e, em 2021, na Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia foi tido esse fim. O Plano Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável, criado há dois anos, é muito oportuno. Nos últimos 150 anos, em cada cinco décadas, a população mundial duplicou, e nos últimos anos a natalidade diminuiu. A natalidade vai continuar a diminuir, consequentemente, a população mundial vai parar de aumentar, e assistir-se-á a uma inversão da pirâmide demográfica. Neste momento, Portugal é o segundo ou terceiro com maior percentagem acima dos 65 anos…

“Nascemos com pernas para andar, para nos mexermos física e intelectualmente. Se promovermos o movimento, vamos ter saúde. Senão, ficamos velhinhos”

De acordo com os Censos de 2021, 23,4% da população portuguesa apresentava 65 ou mais anos. Os dados mostram que Portugal é o segundo país da União Europeia com maior índice de envelhecimento e o quarto do mundo com maior proporção de idosos… Temos a ideia de que daqui 20, 30 anos vamos ser mais de 50% de idosos. Portanto, a longevidade tem de ser uma coisa boa. Os cabelos brancos têm de ser uma vitória. Quem me disse isto foi o dr. Rocha Melo, um neurocirurgião do Porto que já tinha alguma idade: “Olha, não estou para ficar aqui velhinho, os cabelos brancos são uma vitória, não vais fazer de mim doente.” E nunca foi doente; ele foi um homem interessante, de cultura, grande médico. Quer com este exemplo reforçar a ideia de que a cultura rejuvenesce? Exatamente. Era um paradoxo haver condições socioeconómicas e sanitárias para prolongar a vida e depois sermos tratados, nos últimos 10/20 anos, como senis e incapazes. Temos de ter a perspetiva de cuidar de nós próprios e dos nossos. A pior coisa numa sociedade é o desamparo social. Temos de ter o sentido de solidariedade. Neste contexto, é muito mais do que isso – é a dignidade humana. Costumo dizer que a parte cerebral é como um músculo. Temos de fazer ginástica para ter músculo, ter atividade para conseguirmos manter a parte cognitiva íntegra e sermos úteis. Claro que é diferente ter 20 ou 80 anos, mas tem de haver lugar para todos. As sociedades devem ser inclusivas e, obviamente, respeitar a dignidade das pessoas. Nessa perspetiva, é uma obrigação quase cívica fazermos esta longevidade com atividade, com saúde e qualidade de vida para todos. Que contributo pode dar ainda mais a Fundação INATEL, com a missão de servir no bem-estar das pessoas, em diferentes idades, em áreas complementares, nomeadamente

no Desporto e na Cultura, para este desígnio de prolongar a longevidade com saúde e qualidade de vida?

A INATEL personifica tudo isso. Por um lado, tem atividade hoteleira e, neste contexto de envelhecimento saudável, o programa de turismo sénior é um sucesso enorme, porque há épocas baixas e os rendimentos em idades avançadas são menores. Por outro, é muito importante o aspeto das academias da Fundação INATEL, em que há atividade formativa na área musical e, também, a possibilidade de assistir a espetáculos. A INATEL tem uma função social muito importante.

Conseguir fazer da fundação uma pedra fundamental na ajuda nesta área do envelhecimento saudável é uma possibilidade que eu gostaria muito de realizar. É claro que a INATEL não é só para este grupo etário mas, de certa forma, o leque de atividades que desenvolve é muito completo e personifica uma área muito importante no envelhecimento saudável. De certeza que vamos conseguir objetivar protocolos interessantes para ambas as partes, sobretudo para as pessoas. Que estratégia é necessária para uma longevidade ativa e saudável no país? Temos um problema de estruturação

do Serviço Nacional de Saúde (SNS). A base do serviço é sobretudo hospitalar. O que devia ter sido consagrado eram os cuidados primários – isso não foi culturalmente instituído. Há que, obviamente, ter um investimento muito maior de cuidados primários, porque serão seguramente a grande porta das pessoas mais seniores para o serviço de saúde. Depois, temos de ter a ideia de que, cada vez mais com este envelhecimento da população, os cuidados devem ser o mais possível no domicílio das pessoas. Têm sido feitos muitos progressos; há muitos hospitais, muitas unidades de internamento domiciliárias, vai o médico a casa e o enfermeiro administra a medicação… Há aqui uma revolução de mentalidades que é obrigatória e passa muito por cuidados domiciliários. É fundamental protagonizar os cuidados primários. A porta de entrada no serviço de saúde tem de ser a Medicina Geral e Familiar (MGF). Depois, os cuidados integrados, com o apoio sobretudo no domicílio, são uma revolução obrigatória, senão não há possibilidade nenhuma de responder às solicitações de uma população cada vez mais envelhecida. Se formos 50% de idosos daqui a 25 anos, o que não é nada irrealista, é impossível conseguirmos ter cuidados hospitalares para coisas que se possam tratar no domicílio. Tem de se garantir apoio domiciliário. Está o país preparado para essa revolução de mentalidades? Há um caminho enorme a percorrer; mas, da minha parte, o meu contributo é sobretudo que esta longevidade tenha qualidade de vida. Não invejo a tarefa dos meus colegas, que terão de fazer o resto – é uma tarefa hercúlea, infinda, mas é obrigatória. Este programa é um sintoma de que há esta preocupação. Temos de nos adequar. Não tenho dúvida nenhuma de que a próxima década vai ser ainda mais intensa, porque muito melhor do que tratar as complicações que podem surgir com a idade é evitá-las, garantir que as pessoas tenham uma qualidade de vida saudável, que tenham atividade… Nascemos com pernas para andar, para nos mexermos física e intelectualmente. Se promovermos o movimento, vamos ter saúde. Senão, ficamos velhinhos. Eu não queria ser velhinho tão cedo. Como se faz a prevenção ao longo da vida?

que se faz desporto tem de se fazer previamente uma consulta médica para avaliar as capacidades, nomeadamente cardíacas. Tem de discutir com o médico se tem condições, qual o desporto mais adequado, se tiver, por exemplo, uma lesão na coluna… De acordo com o estado de saúde de cada um há seguramente atividade física.

A esperança média de vida está a aumentar em Portugal (78,05 anos para os homens e 83,52 anos para as mulheres, segundo o Instituto Nacional de Estatística). O Eurostat publicou dados que revelam que no nosso país as pessoas mais velhas vivem mais tempo com limitações e incapacidades. Há alguns indicadores, como as demências, que fazem soar campainhas. O que estes dados nos dizem sobre o país que somos neste momento?

António Maia Gonçalves, coordenador nacional do Plano de Ação do Envelhecimento Ativo e Saudável, fotografado na unidade hoteleira, em Oeiras

Lembro-me que quando estava na faculdade, corria todos os dias. Não via ninguém, agora vemos muita gente a correr. Estamos aqui em frente à INATEL e vemos as pessoas de manhã, durante a semana, a fazer desporto. Houve, de facto, uma mudança de mentalidades, que tem de ser ainda melhor. A saúde tem muito a ver com o estilo de vida. É importante ter sempre esse estilo de vida – não é só quando chegamos a uma idade mais avançada. Temos de criar hábitos de vida para um envelhecimento saudável. Não é chegar aos 55/70 anos e fazer desporto… Se fizermos desde miúdos, com regularidade e gosto, vamos ter muito mais saúde quando chegarmos cá. A perspetiva de longevidade é esta: o caminho começa muito mais cedo – não quando atingimos uma idade mais sénior. As pessoas que nunca fizeram desporto e que estão a ler esta entrevista poderão pensar que “agora já é tarde” e perguntar-se-ão “será que ainda vamos a tempo”?

Claro que vão a tempo. Sempre

Um dos grandes problemas da longevidade tem a ver com a parte da demência, a perda de capacidades cognitivas. Antigamente falava-se em demência senil. Hoje em dia, não. Indiscutivelmente, um quotidiano saudável é o que nos permite obviar qualquer patologia degenerativa do sistema nervoso central. Temos a certeza absoluta que uma das coisas fundamentais para a progressão da doença ser mais lenta é manter uma excelente qualidade de vida ao doente, com mais atividade possível. Não é assumirmos a fatalidade de que há uma doença e não fazemos nada. Isso implica uma outra estrutura… Com a longevidade, seguramente, a demência vai ser um dos problemas mais relevantes. Em 30 anos, as coisas mudaram muito e para melhor – e nos próximos 15 vão mudar ainda mais. Na área da demência vai haver muita coisa nova, há investigação farmacológica em curso. A demência impacta bastante a vida das pessoas e da família. É quase um dever cívico garantirmos que as pessoas doentes terão todo o apoio possível. Mas a minha perspetiva é a de que as pessoas não fiquem doentes, que tenham uma vida saudável, ativa. A atividade cognitiva e a estimulação são atividades fundamentais para evitarmos a progressão rápida de qualquer demência. Quando temos uma pessoa em processo de demência e não fazemos nada, por melhores que sejam os medicamentos, a doença progride a uma velocidade furiosa. Quando as pessoas têm capacidade e atividade, vão às universidades seniores e fazem desporto, não se entregam à doença e estão bem mais tempo. Portanto, a medicação, per si, faz pouco. É muito importante o quotidiano das pessoas. Nestes casos, como é que acompanha os doentes e as famílias?

Sou muito pragmático. Eu digo: se tem pernas é para andar; tento motivar para as coisas boas. É normal que as pessoas se sintam fragilizadas e devemos tentar dar uma mensagem positiva, com realismo e pragmatismo. Não se pode enganar os familiares. Temos de saber os apoios que há e muitas vezes os médicos não sabem. Quando temos apoio do serviço social é importante. Quando as pessoas têm um familiar que precisa de apoio permanente, não é fácil conseguirem resolver o assunto. O estatuto do cuidador informal foi importante. Acho que há esta preocupação porque cada vez mais temos doentes com estes problemas. Tem de haver uma estratégia muito objetiva. Vai havendo nos centros de

fotogrfias: Isabel Santiago

dia, nas universidades seniores. Mas tem de se ter uma perspetiva mais global e, sobretudo, haver facilidade de acesso à informação dos serviços disponíveis em cada área. Uma espécie de radar social a nível autárquico, sobretudo das freguesias, destes idosos. Temos de ter a ideia de que nem todos têm capacidade para garantir o mínimo. E esses sem capacidade de ter o mínimo têm de ser apoiados pela sociedade. Muitas vezes há apoios, serviços e as pessoas não têm essa noção de tudo o que podem ter… É falta de literacia?

A literacia também implica disponibilidade de informação. Tem de haver maneira de as pessoas perceberem que se acederem ao site da Segurança Social têm lá uma série de situações. A informação também tem de estar disponibilizada de uma maneira mais fácil de aceder. Se morar numa aldeia qualquer do interior, onde pode recorrer se tiver o pai num processo de demência e grande limitação? Tem de haver disponibilidade e facilidade de apoio a essa informação. A diversidade é muito grande no país. Temos de ter essa capacidade de permitir às pessoas nessas situações terem apoio.

O poder local tem aqui um papel importante para cumprir.

Uma estrutura de apoio à longevidade e envelhecimento saudável depende também, de certa forma, de um radar social para as pessoas poderem aceder, quando não estão assim tão bem. É

“A atividade cognitiva e a estimulação são atividades fundamentais para evitarmos a progressão rápida de qualquer demência”

impossível fazer o que quer que seja sem o apoio autárquico, porque a diversidade é muito grande, quer em termos de densidade quer em termos culturais. É diferente estar em Lisboa ou numa aldeia nos confins do interior. Com os hospitais longe, por exemplo… Em termos de saúde, temos de protagonizar os cuidados primários. A MGF é uma especialidade médica com muito valor, mas têm de lhe dar meios. Por exemplo, fazer umas análises. Se calhar não é fácil fazer no interior, mas se tivermos ali um conjunto de química seca, com uma picadinha no dedo, consegue ver-se o açúcar, o colesterol, o fígado e os rins. Assim, um médico de família já pode conseguir resolver uma série de problemas. Temos de agilizar a capacidade da MGF. Depois tem de haver literacia e apoio. As pessoas têm muita oportunidade e apoio que não usam – e isso tem de ser divulgado. Vão-se fazendo as coisas de forma menos una, não há um fio condutor de tudo, e as pessoas têm muita dificuldade em aceder à informação. Acho que há essa preocupação neste momento, mas há que torná-la prática. Tem de haver uma rede fácil de aceder para as pessoas

conseguirem perceber isso. E é um facto que muitas pessoas mais velhas nem sabem usar o telemóvel, o que dificulta essa busca pela informação. Se houver alguém que os apoie… Se calhar, as Unidades de Saúde Familiar (USF) têm de ter algum apoio desta parte de serviço social. Precisamos de tornar as USF multidisciplinares e mais ambiciosas, com muito maior responsabilidade. Serem elas o centro de tudo isto. Mas a saúde não é tudo na qualidade de vida e na longevidade. A saúde é muito importante, mas ter a possibilidade deste quotidiano, de haver, além do turismo sénior, alguma academia, em termos musicais e digitalização… Uma pessoa que não consiga aceder a um computador, telemóvel tem de ter formação e não é difícil conseguir isso… Eu gosto muito da parte musical, porque estimula novas áreas do sistema nervoso central. Sei que gosta de ópera e tocar piano. Gosto muito de ouvir música. A música é, objetivamente, uma área cognitiva diferente. Estimula novas conexões. Tenho assistido a algumas pessoas que começam o estudo da música mais tarde na vida, e isso tem repercussão objetiva. Um senhor que tinha dificuldades no relacionamento, alguma timidez, com os filhos fora, ir às aulas de piano, três vezes por semana, mudou-lhe a vida. Já fui assistir a um espetáculo dele na escola. A música permite às pessoas relacionarem-se de maneira diferente. Ouvir música é bom, estimula as emoções. Procurar alguma literacia nesta área musical, mesmo que este início seja mais tarde na vida, tem sempre benefício.

Tem uma experiência rica como médico; lida, em especial, com casos entre a vida e a morte. O que a vida lhe tem ensinado sobre a morte? E a morte sobre a vida? É uma pergunta difícil. Sou católico e, para mim, a vida é um milagre. Temos de conseguir aproveitar tudo o que pudermos, realizarmo-nos como pessoas. O homem é um animal social – este aspeto relacional é fundamental. O médico é um privilegiado, um espectador de vidas. Vejo gente com coragem fantástica. Lembro-me de um senhor que tinha o pai com um tumor e estava difícil a cirurgia. O filho queria hipotecar a casa para colocar o pai no privado. As pessoas têm uma generosidade inacreditável. Há doentes que vejo e sigo há muito tempo. É gente com uma dignidade imensa. Para mim ser médico é esse privilégio, é ver que a vida humana tem um valor infindo. É importante dar valor a estarmos vivos, a coisas simples, como ver o mar e sol e, a coisas grandes, como ver estes exemplos de dignidade e dimensão afetiva. É mágico! É um milagre!

E o outro lado, o da morte, o que lhe traz de aprendizagem?

Para os crentes, há uma certa transcendência na morte. É sempre um momento duro para quem fica. Se tivermos esta dimensão de transcendência, conseguimos geri-la melhor. Do ponto de vista médico, é sempre duro ver alguém partir. Quando o doente tem uma vida longa e família, poder partir junto dos seus é a melhor coisa. Quando não se tem essa possibilidade, nem de ter uma vida longa nem de poder partir junto dos seus, tem de se dar o apoio possível.

Tempos livres de um médico

Nos dias mais descontraídos, nas horas que não são cronometradas, António Maia Gonçalves gosta de estar rodeado da família e dos amigos. O teatro e a música têm lugar de destaque nas preferências culturais. Sempre que possível, viaja para assistir a espetáculos de ópera: “São viagens curtas; nós, médicos, temos pouca disponibilidade, mas dá para fugir um fim de semana. Lembro-me de ir a Viena com o meu filho, foi um fim de semana fantástico!”

Lê todos os dias à noite. O pai, o general Manuel Maia Gonçalves, dava-lhe todos os meses um livro. Dizia-lhe amiúde: “Se não leres, ficas burro.” Agora tem um doente que, mensalmente, lhe oferece uma obra literária. “Vou lendo o que me dão, porque não temos muito tempo. Não uso óculos, mas ponho sempre um foco grande atrás para ler. Faz-me bem ler. Se estiver a ler um livro mais pesado troco por um autor mais ligeiro. Gosto de tudo.”

Para além do “desporto” para o intelecto, aprecia dar trabalho aos músculos numa caminhada de uma hora, três vezes por semana. Sempre que vem à capital (diz estar “emigrado” no Porto), o mar, o sol e a luz da avenida Marginal, a caminho de Lisboa ou de Cascais, são pequenos luxos que o ajudam a sentir-se ainda mais privilegiado por tudo o que o perímetro do olhar alcança, especialmente, em dias soalheiros.

Há episódios da infância e juventude que recorda, com graça, e ajudam a compreender o homem por detrás do médico, que nasceu em Moçambique há 59 anos. Viajar pelo mundo com a família porque o pai foi militar, ter sido interno do Colégio Militar, dos 10 aos 18 anos, e os “assaltos à copa pelo desafio” ajudam a contar excertos da sua história de vida. Quisemos saber mais sobre esta ocorrência. “Durante várias semanas fizemos o assalto à copa sem nunca termos sido apanhados. Só o fomos porque o fio de um caiu lá e ele não deu por isso. Fazíamos aquilo com muito carinho, não desarrumávamos nada. Era um chouriço, uma bolachinha, isto, aquilo e aqueloutro. Era pelo gozo.” Quando eram “apanhados”, perdiam pontos. Os pais eram chamados e podiam incorrer na pena de não irem passar o fim de semana a casa ou, até, serem expulsos: “Havia ali regras muito clarinhas. Mas eu gostava. Na juventude, se as regras forem muito clarinhas, funciona muito melhor.”

O caminho para ele foi sendo aclarado e seguiu medicina, porque “tratar, cuidar, poder ajudar é um privilégio único”. S.J.

Do ponto de vista médico, a morte nem sempre é um inimigo. Quando uma pessoa tem uma doença grave generalizada, já com uma invasão metastática por todo o lado, às vezes, partir com conforto é muito bom. Que se perceba que a minha perspetiva de médico é sempre cuidar.

Trata-se da chamada terapia de conforto e da importância da ética na tomada de decisões, é isso?

A ética na prática médica é fundamental – com os anos vamos tendo mais. Também temos maior responsabilidade nas decisões. Precisamos de ter estes conceitos muito bem refletidos. O que é certo fazer com cada doente não é aquilo que o médico pensa, é aquilo que o doente quer para ele. Respeito integralmente a vontade dos doentes, mesmo que às vezes a família não concorde.

Há uma espécie de entusiasmo sereno ao falar dos seus doentes. Mas talvez seja mais duro a falar com os familiares…

Temos de ser verdadeiros com as pessoas, temos de dizer a verdade nua e crua. Tenho uma senhora com 97 anos internada com uma pneumonia. As filhas perguntavam-me porque é que ela não ia para o corredor fazer fisioterapia. Disse-lhes: “A mãe vai morrer.” Digo as coisas com muita frontalidade. É importante que percebam que, se há mais filhos, eles têm de lá ir para estar com a mãe e se despedirem nestes momentos finais. Digo com toda a franqueza aos familiares. À senhora não digo isso de maneira nenhuma. Se eu ainda tenho esperança? Tenho. Até mudei os antibióticos ontem, pus mais corticoide. A probabilidade é muito grande de as coisas correrem mal e as filhas têm de ter a noção exata disso… Mas eu tenho sempre esperança. Se um médico não tiver esperança e não acreditar em milagres, perde qualidades. Se a gente não tivesse esperança nem acreditasse em milagres nem havia cuidados intensivos.

O que o fascina na vida humana? Acho que as pessoas que se superam têm algo de especial. É fantástico! O amor por um pai, o amor pelos outros é uma coisa mágica. Conheço pessoas que fazem pelos pais coisas inacreditáveis. Por isso fico muito perturbado quando vejo alguém que não o faz. Quem faz pelos seus também faz pelos outros. Costumo dizer que quem não faz pelos seus não faz por ninguém. Vejo de tudo. Vejo pessoas que pararam a vida para cuidar dos pais. Não há nada que se compare à missão que se tem de fazer, e isso é admirável. Depois há coisas simples, os gestos de esperarem... Às vezes os filhos estão fora, e o doente diz: “Ó sotor, eu não posso morrer sem o meu filho chegar.” E eles sobrevivem e esperam. Há qualquer coisa na natureza humana que se supera a si própria. A generosidade e a gratidão são as coisas que mais me impressionam na capacidade de amar.

Como surgiu a escolha pela medicina? Havia histórias do meu bisavô médico, a minha avó falava com muita paixão de que fazia isto e aquilo… Ele era pneumologista, morreu cedo, com uma tuberculose, penso que não chegou aos 40 anos. Tudo isso ficou-me na ideia. Não há nada comparável a salvar uma vida. Podermos cuidar, ajudar e garantir que a pessoa tenha toda a dignidade não tem preço. Sílvia Júlio

Arquivo Histórico

Da «grande cidade» à permanente expansão: o INATEL (1975-2008)

São os novos tempos a surgir. É a modernização e transformação de uma instituição que não pode estagnar (Baptista Fernandes, Tempo Livre, 8 (6/1991): 16-7)

Em 1 de maio de 1974, é difundido um comunicado da Junta de Salvação Nacional na Emissora Nacional, declarando que «[…] não faz parte do Programa do Movimento das Forças Armadas Portuguesas a extinção da FNAT, encarando-se, contudo, a sua reestruturação e saneamento.»

Um ano mais tarde, sobre os robustos alicerces da FNAT, é criado o INATEL – Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres dos Trabalhadores (decreto-lei 184/75, 3/5).

Prevalecendo a democracia parlamentar sobre o modelo socialista de inspiração soviética, que animara as fações mais radicais da sociedade portuguesa no período pós-revolucionário, malogrado o 25 de novembro de 1975, o país entra em fase de estabilização e normalização, que no INATEL se estende até finais de 1979, com a publicação dos novos Estatutos (decreto-lei 519-J2/79, 29/12).

O INATEL, mais uma vez revelando uma notável capacidade de adaptação aos tempos, ao invés das suas congéneres mais próximas, que se extinguem por esta altura – a espanhola Obra Sindical Educación y Descanso e a italiana ENAL (Ente Nazionale Assistenza Lavoratori), herdeira da Opera Nazionale Dopolavoro, findas em 1977 e 1978, respetivamente – não só lhes sobrevém, como se reinventa. Beneficiando da relativa paz social decorrente da estabilização da vida política nacional, o INATEL leva a efeito uma série de importantes reformas e de obras de modernização e de ampliação dos seus equipamentos, muito degradados por anos de desinvestimento e pela sua utilização por parte dos retornados das ex-colónias.

A adesão de Portugal à Comunidade Europeia em 1/1/1986, seguida das primeiras remessas dos fundos de coesão, propiciará a modernização do país. O período de relativa abastança decorrente destes fundos, faz-se sentir também no INATEL, sobretudo durante a década de 1990, nas Direções de Garcez Palha e Eduardo Graça, corpori-

Visita à CM de Santa Maria da Feira, aquando da inauguração do Centro de Férias da Feira, 27/6/1981: Francisco Pinto Balsemão (PM), à esquerda, Nascimento Rodrigues (ministro do Trabalho), à direita, Aurélio Pinheiro (presidente da CMF), Queirós Martins (secretário de Estado do Trabalho) e Ruy Seabra (presidente do INATEL) / Óscar Coelho da Silva – AF\OCS 28614

V Ciclo de Teatro do Trabalhador, Trindade, 29/5/1988: entrega de diplomas; (da esquerda para a direita): Fernando Augusto (Setor de Teatro), Luís Bettencourt (presidente do INATEL) e Alcides Gouveia (vice-presidente) / Óscar Coelho da Silva –AF\OCS 33056

Parapente, 1999 José Frade

Centro de Férias de Entre-os-Rios, 28/8/1985: vista do Ed. Antigo / Óscar Coelho da Silva – AF\OCS 30947

zada através de novos equipamentos e da modernização dos já existentes, bem assim como na informatização dos serviços e correspondente agilização dos processos administrativos.

A modernização e de abertura do INATEL à sociedade portuguesa, necessidade identificada por Baptista Fernandes em 1991 na revista Tempo Livre, manifesta-se a diversos níveis, desde logo no desporto, com a introdução em 1992 de modalidades radicais, como o parapente ou a espeleologia, através do «Desporto Aventura», programa orientado para a captação de público mais jovem – ou, na cultura, de iniciativas de fôlego como o I Congresso Internacional de Folclore (Lisboa, 11-14/9/1991).

O novo milénio traz consigo novos desafios ao país e, concomitantemente, ao próprio INATEL. Portugal aderira à moeda única, que passa a vigorar em 1/1/1999, obrigando a administração pública a uma série de transformações nos domínios administrativo e financeiro. A nível global, o ataque às Torres Gémeas em 11/9/2001 – contraponto negro da globalização, a anunciada panaceia para todos males da humanidade – assinala o início de uma nova era ainda indistinta – a «pós-contemporaneidade» – obrigando os países e os povos a esforços de adaptação ao nível dos seus hábitos e procedimentos. No contexto mais restrito da portugalidade, encerra-se em definitivo a era colonialista, o crepúsculo do Império, com a devolução de Macau à China (20/12/1999) e a libertação e subsequente independência de Timor Leste (20/5/2002). Era o fim de um mundo e a génese de um outro. Na cerimónia de posse de Alarcão Troni como presidente da Direção do INATEL, em 26/2/2003, Bagão Félix, ministro do Trabalho, enuncia de forma clara a tónica do caminho a trilhar: uma «gestão dialogante e humanista». Do seu mandato à frente do INATEL, subjaz a transição do Instituto Público – «[…] pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira» –, para uma Fundação – «[…] pessoa coletiva de direito privado e utilidade pública, dotada de personalidade jurídica» – deixando de integrar a administração central do Estado. Trata-se de um processo de uma enorme complexidade jurídica e financeira, que Alarcão Troni conduz diligentemente ao longo do seu mandato, e que culmina na publicação do decreto-lei 106/2008 de extinção do INATEL e a criação da Fundação INATEL, sem nunca descurar o interesse dos trabalhadores, que procurou deixar na melhor situação possível. José Baptista de Sousa

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Sociedade Arlindo Oliveira

Inteligência artificial: E o futuro acontece

Professor catedrático do Instituto Superior Técnico, doutorado pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, presidente do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, em Lisboa, professor convidado da Universidade da Ciência e Tecnologia de Macau, presidente do comité de acompanhamento da Agenda Nacional de Inteligência Artificial, considera que “na área da inteligência artificial, o futuro é feito de incógnitas”

Arlindo Oliveira, autor de centenas de artigos científicos e cinco livros traduzidos em diversas línguas, publicou recentemente A Inteligência Artificial Generativa (Fundação Francisco Manuel dos Santos), um ensaio que nos interpela e desafia a pensar: “As máquinas serão um dia capazes de ser inteligentes, de pensar e até de sentir, tal como o ser humano?” No filme 2001: Odisseia no Espaço (de Stanley Kubrick, 1968; adaptação do livro de Arthur C. Clarke), estamos no início do século XXI e a Discovery viaja no espaço. A bordo da nave espacial viajam navegadores, astronautas e Hal, um supercomputador que rivaliza com a mente humana. O que recorda deste filme?

Na altura, fiquei muito impressionado. O filme estava tecnicamente muito bem realizado e o Hal era, de facto, aquela ideia de inteligência artificial concretizada de uma maneira muito bem feita. É um filme muito marcante e interessante. Marcoume no sentido de concretização do que eu via que iria ser a inteligência artificial. Naquela altura em que vi o filme, já tinha comprado e programado um computador. Pouco depois, em 1982, entrei no Instituto Superior Técnico.

Durante a juventude teve interesse pela leitura de ficção científica?

Era um grande amante de ficção científica. E ainda sou. Tenho uma grande coleção de livros e continuo a ler ficção científica, mas agora o tempo é curto.

Numa recente palestra, no Instituto Superior Técnico, afirmou: “O cérebro é um computador universal. Se soubermos computação, podemos programar numa máquina todo e qualquer comportamento inteligente que os seres humanos possam ter. E isso é fascinante.” É este fascínio que o move na sua carreira ao longo da vida?

É muita curiosidade. De facto, é esta curiosidade de perceber como é que as coisas funcionam e como é que a inteligência se desenvolve. Daqui a não muitos anos poderia reformar-me e provavelmente será com pena. Preside o comité de acompanhamento especializado, para a execução da Agenda Nacional de Inteligência Artificial, que contempla o desenvolvimento e lançamento do primeiro grande modelo de linguagem português, Amália. Nesta fase que informação nos pode adiantar? Está aberta uma consulta pública, e tem

havido reuniões sobre a discussão da Agenda. Relativamente ao Amália, o plano mantém-se. Aliás, como se viu o entusiasmo dos media, com uma visão muito negativa sobre isto, até com insinuações de falta de propriedade... Estou à vontade para falar porque não tenho qualquer interesse financeiro, naturalmente. Mas, achei a posição dos media muito agressiva. O Governo está a proceder, cumprindo todos os passos

“Devemos tentar usar a inteligência artificial para o bem, sermos todos esclarecidos e percebermos quando podemos estar a ser manipulados ou desinformados”

legais no mais estrito cumprimento da legalidade. Lamentavelmente demora tempo. Portanto, essa é uma das infelicidades do nosso sistema ocidental, a burocracia é muito pesada para os governantes e para nós. Quando diz que os media foram muito agressivos, o que gostaria de salientar?

Um anúncio que poderia ter sido recebido com alguma satisfação ou, pelo menos, com indiferença, foi muito atacado pelos media. Como se o Governo estivesse a favorecer uma empresa, que até nem era verdade, porque as componentes técnicas são de Institutos de investigação e não tirarão daqui qualquer vantagem relevante financeira, uma vez que os custos são essencialmente de computação e gastos com pessoas para trabalhar. E o que vê de positivo neste projeto?

O Amália, em particular, acho interessante. Os modelos estão cada vez mais complexos, e a sua capacidade para trabalhar diversas linguagens cada vez mais interessantes. E, como se sabe, podemos falar em Português como a maioria dos grandes modelos de linguagem. Mas, apesar de tudo, são treinados com dados mundiais. E os dados em Português de Portugal são uma fração pequeníssima. Portanto, estes modelos têm muito mais sensibilidade em questões de linguagem do Inglês e questões culturais brasileiras, porque muitos destes modelos falam em Português do Brasil. Para haver um modelo em Português continental, provavelmente baseado nos modelos que foram desenvolvidos para as línguas europeias, parece-me que faz todo o sentido se quisermos que a utilização destes modelos se divulgue e que as pessoas interajam com eles de uma maneira natural da língua e no contexto das questões particulares a Portugal. E que valorizem a língua portuguesa. Sim, que valorizem a língua e preservem as nossas questões culturais. Porque, por exemplo, se perguntar ao ChatGPT quais são os maiores escritores da língua portuguesa provavelmente vão sair escritores brasileiros… Quer fazer essa pergunta agora? Seria interessante.

A resposta do ChatGPT é curiosa: Luís de Camões, Machado de Assis, Fernando Pessoa, José Saramago e Clarice Lispector. Por acaso, pensei que fosse pior. Muito recentemente Elon Musk anunciou o lançamento da inteligência artificial Grok-3. Qual a diferença entre este robô de conversação e o ChatGPT?

É muito parecido. Os mais comuns são os robôs de conversação como o ChatGPT, mas agora estão a começar a aparecer estes robôs que raciocinam (‘raciocínio’ talvez seja uma expressão forte), mas além da conversa que fazemos, têm capacidade de criticar o seu próprio output [processamento interno realizado por um computador] e evoluir.

Na sua mensagem de presidente do INESC, diz: “As futuras gerações merecem que façamos, hoje, o melhor que for possível para que o mundo de amanhã seja mais estável, tolerante, inclusivo e sustentável”. Com a inteligência artificial está a formar-se uma nova sociedade, que futuro imagina para as próximas gerações?

Trabalho nesta área há muito tempo. E sou um otimista. Continuo a entender que a inteligência artificial pode beneficiar muito, substituindo ou complementando humanos em tarefas aborrecidas e repetitivas. Temos a robótica onde é difícil arranjar pessoas. Na web podemos ter sistemas a procurar conhecimento e resolver alguns problemas da humanidade, no ambiente, nos materiais, etc. Posto isto, também reconheço que a inteligência artificial tem sido sistematicamente instrumentada por grandes empresas com fins essencialmente comerciais.

O lado negativo… Há uma manipulação dos mecanismos democráticos que é preocupante. Deixamme particularmente preocupado os riscos da desinformação, a manipulação da informação, a criação de bolhas. Enfim, não necessariamente a inteligência artificial generativa, mas todos os mecanismos preocupantes, em particular, a concentração do poder económico das grandes empresas que concentram a maior parte do poder e que são super estatais. E, em muitos casos, não são alinhadas com os interesses dos cidadãos e dos países. Vejo com preocupação, mas reconheço que não é possível parar este comboio.

O que podemos fazer?

Devemos tentar usar a inteligência artificial para o bem, sermos todos esclarecidos e percebermos quando podemos estar a ser manipulados ou desinformados, minimizando os riscos e as componentes negativas.

As ações da Agenda Nacional de Inteligência Artificial estão orientadas em três eixos de atuação, um deles é o talento. Como estamos posicionados a esse nível?

Nós até criamos o talento e temos boas universidades que criam jovens talentosos. Temos seguramente talento em Portugal, mas temos uma dificuldade: não somos competitivos em termos salariais, nem em termos fiscais. As pessoas com competências obtêm salários elevados noutros países, sobre os quais pagam menos impostos, especialmente quando já não são assim tão jovens. Neste momento, estamos a perder muitas pessoas para o estrangeiro. E não estamos a conseguir atrair os estrangeiros com a mesma intensidade. A meu ver, esse é o maior desafio de Portugal na questão do talento. Não temos condições, de facto, para reter todos os melhores talentos, perdemos muitos, e também não conseguimos atrair os talentos estrangeiros com os salários que conseguimos pagar em Portugal. No seu ensaio destaca que “na componente legislativa, a União Europeia está claramente no pelotão da frente”, já foram aprovados os Regulamentos da Inteligência Artificial, dos Serviços

Digitais, dos Mercados Digitais e (há mais tempo) o Regulamento Geral de Proteção de Dados.

Sim, está no pelotão da frente… Não sei é se está exatamente a ir na direção certa. Estive em Paris, na Cimeira de Ação sobre Inteligência Artificial [10 e 11 de fevereiro] e o foco da Europa era quase exclusivamente na regulação, com um foco quase inexistente na componente de inovação, parecendo que os americanos e os chineses inovam e nós regulamos. Em novembro de 2022, a empresa norteamericana OpenAI fez o lançamento do ChatGPT. No início de 2024, como refere no livro A Inteligência Artificial Generativa, já tinha mais de 150 milhões de utilizadores. Podemos definir o ChatGPT como uma janela de conversa pronta a dialogar connosco como se de um ser humano muito competente se tratasse?

Exatamente, complementando apenas com duas características marcantes: tem um conhecimento enciclopédico de uma vastidão de temas, mas, às vezes, fala de coisas que não sabe ou inventa. Quando refere que “a capacidade de modelos de linguagem para gerar listas de referências, livros, artigos ou obras de arte convincentes mas inexistentes, exige que estes sistemas sejam utilizados com grande cautela”, considera que implica criar diferentes modelos de ensino? Sim, acho que vai ter impacto significativo no ensino. Obriga-nos a mudar a forma de ensinar e também a forma de avaliar. Talvez não faça sentido ensinar exatamente da mesma maneira e pedir exatamente as mesmas coisas, como ensaios, relatórios, análises. Por outro lado, temos de adaptar a avaliação num estado de coisas onde a qualidade da escrita é muito acessível, portanto, deixa de ser um critério. E também não queremos que os alunos dependam completamente destas ferramentas, mas que aprendam os conceitos que são essenciais. Conceitos que temos de definir e não são assim tão óbvios.

E onde se situam a criatividade e o pensamento crítico? Temos de ensinar de maneira que o pensamento crítico não desapareça, pelo contrário, que se fortaleça nesta situação onde é tão fácil obter informação e tão difícil ter a certeza de que é correta. É fundamental ter espírito crítico para conseguir usar da melhor maneira as tecnologias que existem. Segundo dados recentes, o ChatGPT tem 400 milhões de utilizadores por semana. Todos os meus alunos usam o ChatGPT e duvido que o Técnico seja único nesse aspeto. Entre os jovens está francamente divulgado, nas gerações avançadas provavelmente não tanto. Os portugueses, em geral, adotam com entusiasmo as novas tecnologias. E também adotaram esta. Noto também que é mais fácil usar o ChatGPT do que o Excel, ou até o Word. Portanto, desse ponto de vista, é uma tecnologia muito mais acessível. Basta saber escrever no computador e não é preciso rigorosamente mais nada. No seu livro, diz: “Num futuro não muito distante é bastante provável que tenhamos sistemas de inteligência artificial capazes de, tal como nós, processar grandes volumes de dados para raciocinar (…) não sabemos ainda se algum dia terão características que hoje não associamos a máquinas, como consciência, senciência, emoções e livrearbítrio.” Isso poderá acontecer? Os últimos modelos da DeepSeek, OpenAI e Google já começam a exibir

uma capacidade de raciocínio que não estava procedente nos modelos de apenas há um ano. Esta capacidade de raciocínio, a meu ver, está no caminho para dotar estes sistemas dessas capacidades mais avançadas de que falei. A única pergunta é quanto desse caminho ainda tem de ser percorrido. Acho que isso vai inevitavelmente acontecer. Não há um acordo sobre o que é a consciência ou de onde pode vir o livre-arbítrio em sistemas determinísticos. É uma questão muito polémica, mas será clarificada. Não acho que haja uma limitação inerente à espécie humana de não poder perceber isso. E um dia quando perceber, vamos provavelmente decidir dotar carros autónomos de livre-arbítrio para poderem tomar decisões avalizadas. Estou convencido de que será inevitável ir nessa direção. Embora, possa acontecer que por decisões políticas, ou sociais, decidamos parar o desenvolvimento da tecnologia. Há pouco tempo li que o físico britânico Stephen Hawking identificou quatro perigos existenciais para a Humanidade: guerra nuclear; aquecimento global; armas biológicas; inteligência artificial. Não estou a ver que consigamos ter um acordo global de todos os países e de todas as instituições do mundo em parar o desenvolvimento da tecnologia. Portanto, acho que vamos ter de viver com uma tecnologia que vai nessa direção. E depois veremos quais são as consequências.

Nasceu em Angola. Qual é a sua relação com África?

Nasci em Angola, mas vim ainda criança e não tenho grandes memórias. Depois estive em Moçambique algum tempo. Dizer que é minha casa, não é de certeza. Mas, tenho um fascínio por África. Voltei lá várias vezes, acho que é um continente muito único.

Viveu também na Suíça, Estados Unidos, Japão e China (Macau). Onde se sente verdadeiramente em casa?

Em Portugal senti-me sempre em casa. Vivi muito tempo nos Estados Unidos e houve várias décadas em que me sentia em casa, em particular, na Califórnia. Além de estudar e viver, voltei lá muitas vezes. Lembro-me, claramente, que durante décadas era mais um cidadão da Califórnia do que de Lisboa. Mas, essa sensação foi-se alterando com o tempo, porque tenho vivido aqui as últimas décadas. A casa agora é seguramente mais Lisboa do que os Estados Unidos. Mas, devo acrescentar que sinto a Ásia, em particular dois lugares que conheço melhor, Macau e Tóquio, onde nem sequer domino a linguagem (embora em Macau esteja tudo escrito em Português), mas são sítios onde gosto muito de estar, onde não há esta agressividade dos media que vemos tanto em Portugal e nos Estados Unidos. É professor convidado da UCT de Macau. Como olha para o continente asiático? Tenho uma atração muito especial pela Ásia, onde gosto muito de estar e as pessoas são gentis. Ainda não está fora de questão vir a terminar a minha carreira para os lados da Ásia. A maior parte de nós não sabe o que se passa na China ou o que é a Ásia, em geral. E é muito interessante, pese embora os problemas de regimes autoritários. Essas questões existem. Mas, apesar de tudo, vejo a Ásia a evoluir numa direção que considero positiva. E, pelo contrário, vejo a Europa e os Estados Unidos a evoluir numa direção que considero negativa. Mas, claramente, é muito melhor viver em Portugal do que na China. A minha casa é Portugal. Teresa Joel

À conversa com… Violeta Amélia Magalhães

“É bom discutirmos a língua”

Linguista, doutoranda em Ciências da Linguagem (Centro de Linguística da Universidade do Porto), 27 anos, defende que o projeto Amália pode “tornar a discussão sobre o Português mais quotidiana” e com mais pessoas “a trabalhar a língua portuguesa”.

No seu artigo publicado no Público (6 de janeiro), diz: “Projetos como o Amália terão, pelo menos, uma vantagem: aumentam a visibilidade do Português como língua de ciência…”

E mantenho. Parece-me que a língua portuguesa tem particularidades que lhe dão um certo contexto que permite que tenha mais visibilidade. O Português tem tantos falantes de variedades tão diferentes e, no entanto, tem pouco poder político. Isso terá que ver com condicionantes geográficas, históricas e políticas que não me cabe a mim avaliar, mas certamente terão impacto. O que acho é que pode ser feito mais. E esses projetos, do ponto de vista linguístico, trazem realmente essa possibilidade de termos mais pessoas a trabalhar a língua portuguesa.

Que aspetos gostaria de destacar? Em primeiro lugar, para o cidadão comum pode trazer oportunidade de vir a trabalhar com a língua portuguesa; todas as pessoas que se interessam por essa língua, e as novas gerações que continuarão a interessar-se, poderão ter mais oportunidades de trabalho. Porque vai ser preciso haver mais linguistas, mais engenheiros, e reunir mais material para analisar. Portanto, diria que em várias vertentes há mais possibilidade de trabalho e que traz um aspeto muito importante, que é a própria convivência da língua portuguesa nas suas várias variedades. Para a sociedade em geral, tem esse lado positivo de abranger mais contextos e tornar a discussão sobre o Português mais quotidiana. Inevitavelmente acho que terá bons resultados. Como linguista diria que é bom discutirmos a língua.

Arlindo Oliveira, no ensaio, explica que “os modelos de linguagem podem ajudar a redigir textos, nomeadamente relatórios, artigos, e até criar conteúdo literário.” O que pensa sobre esta assistência na escrita?

No que diz respeito à escrita científica depende da área que estejamos a falar. Já me aconteceu, por curiosidade, ir ver artigos na área da engenharia ou de medicina. A verdade é que aquela escrita é muito focada em transmitir um determinado tipo de informação. E a dimensão mais interpretativa da linguagem, acho que não é tão prevalecente. Admito que para esses casos, de facto, possa ajudar muito o apoio de escrita que esse tipo de ferramentas pode dar. E essas ferramentas têm sido muito e cada vez mais utilizadas pelos jovens. Mas, da experiência que tenho como professora da Escola Superior de Educação, no Porto, os estudantes na sua maioria não têm conhecimento sobre como devem dar as instruções na pesquisa. Isso, para mim, é relevante. Não sei se será o fim da escrita, é uma ferramenta. Mas, noto com os estudantes, sobretudo, que quanto menos prática e menos proficiência na escrita se tem, mais esse tipo de ferramentas pode ser nocivo.

A conclusão do projeto do grande modelo de linguagem, Amália, está prevista para 2026. Considera profícua toda esta interação entre a engenharia informática e a linguística?

A interação vai existindo, por exemplo, no Centro de Linguística da Universidade do Porto, onde pertenço, há alguma proximidade entre o laboratório do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência e um grupo de Semântica. Agora, o que não existe muito em Portugal para que essa relação não seja tão profícua, é o facto de haver pouca linguística computacional, que exige da parte do linguista uma série de competências técnicas de computação que pouca gente tem.

Temos acesso a muita informática e a profissionais excelentes que sabem imenso de gramática, e que nos formam de um modo profundo a vários níveis, mas há poucos linguistas que saibam programar. Acredito que da mesma forma que essas ferramentas como o ChatGPT e outras se instalam, é uma questão de esperarmos pelas gerações crescerem um pouco. Como agora estou a fazer um curso de computação, acredito que para as pessoas mais novas será algo bastante mais comum. T.J.

A VIAGEM DA MINHA VIDA Joana Carneiro

“Foi o princípio da minha carreira”

A reconhecida maestrina viajou até Macau para o primeiro concerto, em 1999. A presença da família, no território que ainda era português, teve um significado particular. Ver, também, ali, na Ásia, pedaços de Portugal foi marcante para uma jovem de 22 anos. O que viu, viveu e sentiu foi um “abrir de olhos”

Último Festival Internacional de Música sob a égide de Portugal naquela província ultramarina. Macau estava prestes a passar para a soberania chinesa (esteve na administração portuguesa de 1557 a 1999). Joana Carneiro ia dirigir, pela primeira vez, uma orquestra com músicos que não falavam Português nem Inglês. Havia a barreira linguística. Mas a música é uma linguagem universal que convoca para uma espécie de entendimento globalizado. A expressão e a sensibilidade são pontes que ajudam a chegar ao outro. “Foi um grande exemplo do poder da música e de como aquilo que nos une, como músicos, é uma linguagem internacional. A linguagem verbal é importante no processo de ensaios, mas, mais do que isso, é essencial o que expressamos com o nosso corpo, os nossos instrumentos, e esse foi um momento musicalmente muito interessante para mim, foi uma aprendizagem”, realça. Sempre que era necessário transmitir alguma situação específica ao conjunto dos músicos, recorria ao concertina (chefe dos primeiros-violinos) que conhecia a língua de Shakespeare. Aprendeu, naquela circunstância, a importância da “economia das palavras, uma forma de expressão muito económica” que vai direta ao que importa: “Estamos a falar da minha primeira experiência profissional. Não era a artista mais confiante para dizer assim tantas coisas naquele ambiente. E recordo esse momento com muita ternura e alegria muito grande.”

Esta viagem ao sudeste asiático foi, igualmente, marcante por ter o pai e a mãe presentes no momento inaugural da carreira, um percurso respeitado e valorizado dentro e fora das fronteiras portuguesas. No tempo em que esteve em Macau, durante o seu “primeiro contrato profissional”, teve, também, a oportunidade de ser apresentada a familiares do lado paterno, de ascendência chinesa: “Ter conhecido alguma da família do meu pai foi muito importante”, revela. Portugal “para lá das fronteiras”

Saber quem somos, de onde vimos e para onde vamos, agrega valor à vida nos diferentes planos. Joana é a terceira entre nove filhos de Maria do Rosário e Roberto Carneiro (ambos antigos políticos e professores universitários). Uma família numerosa que lhe incutiu uma certa forma de ser e estar em distintos meios, em qualquer geografia, com pessoas únicas, que lhe despertavam a curiosidade e o espanto. A noção de abertura a quem está do lado de lá, que é diferente, e mantendo a estrutura arreigada

em sólidos valores, faz parte de quem gosta de se encontrar com outros seres humanos, aqui ou na China – podemos dizê-lo.

O pai tem raízes naquela zona do continente asiático. A cultura ancestral era vivida em casa, através dos relatos, da gastronomia e de outras tradições, como os festejos do Ano Novo Chinês. No entanto, nada se compara a estar, com os pés firmes, no lugar que sempre ouviu falar e que conhecia dos livros e dos vídeos.

“Nunca tinha estado na Ásia e foi com muito entusiasmo que vi o impacto da cultura portuguesa no território macaense, na arquitetura, nos nomes das ruas, na comida, no dia a dia das pessoas a tantos quilómetros de distância. Conheci um bocadinho de Portugal fora do país. Eu já tinha saído muitas vezes de cá. Mas nunca tinha visto o país tão marcado fora de Portugal”, conta.

“Por um lado, foi um sentimento de orgulho, no sentido em que Portugal teve na sua História pessoas exploradoras, que seguiram os seus sonhos. Por outro, foi das primeiras vezes que vi como a cultura, a arte e o sentimento de um povo se podem misturar tão bem com o sentimento de outros. E isso talvez seja a maior aprendizagem que se tem na vida, quando se viaja muito. Por ter vivido nos Estados Unidos muito tempo, saber que há povos, como os portugueses, que ousaram explorar, ver o

oioioi

“Nunca tinha estado na Ásia e foi com muito entusiasmo que vi o impacto da cultura portuguesa no território macaense, na arquitetura, nos nomes das ruas, na comida, no dia a dia das pessoas a tantos quilómetros de distância”

que havia para lá das fronteiras, que conseguiram juntar-se a outros e se encontraram na sua cultura, na sua maneira de ser e conviver de uma forma muito bonita, é muito interessante. O que me faz sentido nas viagens é o abrir-me os olhos. Portugal não está fechado, está muito para lá das fronteiras”, acrescenta.

Abertura de espírito

Aquela viagem trouxe-lhe mais saberes do que sabores. A gastronomia, que é também uma forma de conhecer outros povos, não foi uma novidade. A confeção de pratos chineses era – e continua a ser – habitual na família Carneiro: “A minha avó cozinhava muita comida chinesa e a minha mãe também aprendeu. O que foi uma surpresa para mim foi encontrar lá tanta comida portuguesa. Vi restaurantes e pastelarias portuguesas, com pastéis de nata – em 1999, não havia pastéis de nata fora de Portugal como agora. Encontrei uns pontos da cultura portuguesa muito vincados, não eram misturados. Era a feijoada e os pastéis de nata iguais aos de cá”, lembra. Entretanto, ao longo do percurso profissional, a maestrina nutriu-se de todos os lugares onde esteve e das pessoas com quem interagiu, dirigindo, com a sua arte e batuta, muitas orquestras em muitos pontos do globo. “Quando estamos a trabalhar com um grupo, temos de ter abertura de espírito, ao mesmo tempo que temos de estar certos da nossa convicção, daquilo que acreditamos, dos nossos valores musicais. É o espelho do que é o deslumbramento da viagem, de conhecer outras culturas – é isso que depois se transporta para a música”, afirma.

Transportar quem somos Macau foi a viagem que assinalou o ponto de partida para o caminho que segui-

ria. Porém, há outra, ainda, que a ajudou a formar quem é hoje. Em 1998, foi viver sozinha para Chicago, nos Estados Unidos. Encontrou “uma mistura de culturas, uma abertura muito grande, uma terra de oportunidades em que todos, trabalhando, poderiam chegar a um grau de sucesso”. Na universidade, por exemplo, cedo entendeu que só interessava “o que se ia provar dali para a frente”. Sentiu um ambiente positivo, de ensinamento entre pessoas de todo o mundo e “a oportunidade para se chegar onde se queria, trabalhando para isso”. Apercebeu-se da eficácia e da eficiência na entrega do trabalho dos norte-americanos. Todas estas vivências são levadas para o palco ou para as reuniões do Conselho de Estado. Um dia, escutou umas certas palavras de um docente: “Nós transportamos quem somos para todo o lado. Disse-me um professor norte-americano: temos de ser exatamente iguais no pódio e fora dele. No pódio temos de ser os mesmos que somos no dia a dia. Sou uma pessoa muito expressiva, sensível, e transporto quem sou para tudo o que eu faço.”

Quando Joana Carneiro concedeu esta entrevista ao jornal Tempo Livre, tinha acabado de aterrar em Lisboa há parcas horas. Vinha de Londres, onde na véspera tinha tido o último espetáculo de uma ópera. Em duas semanas, foi e voltou cerca de uma dezena de vezes. Talvez por isso, quando lhe perguntámos sobre aquela viagem que mais gostaria de realizar, respondeu: “A minha viagem de sonho é pegar no carro com a minha família e viajar por Portugal. Quero conhecer cada vez mais o país… O meu sonho é visitar todos os anos os Açores. Sinto-me muito bem lá, o meu pai viveu os primeiros 16 anos na ilha Terceira e eu também me sinto herdeira da cultura que o meu pai transporta do arquipélago açoriano.” Sílvia Júlio

Vasco

teatro da Trindade inatel Regresso de “Sonho de uma Noite de Verão”

“Serviço público é reagir à vontade do público”

O musical que esteve em cena quatro meses, com sessões esgotadas e mais de 40 mil espectadores, volta a subir ao palco de 5 de março a 4 de maio. Diogo Infante é o encenador da peça e revela o sonho que tem para o teatro português

Por que razão sentiu que valeria a pena revisitar Sonho de uma Noite de Verão, no Teatro da Trindade?

Foi um enorme sucesso!

Rapidamente percebi que os quatro meses eram curtos para a procura do espetáculo. Sondámos logo o elenco relativamente à sua disponibilidade para o podermos repor na temporada seguinte. Nem todos os atores puderam ficar, mas creio que será refrescante ter novas caras, novas vozes, que vêm injetar uma nova energia. Há uma frase curiosa de Shakespeare: “Até de muito doce a gente enjoa; e toma horror ao que era coisa boa.” Não se corre o risco de o público enjoar? Durante a primeira temporada houve pessoas que vieram duas e três vezes. A um mês da estreia vendemos 4000 bilhetes. Se o doce enjoa, as pessoas têm um apetite para as guloseimas, e este espetáculo é verdadeiramente delicioso. As reações que tivemos foram incríveis, o que nos faz sentir que vale a pena. Serviço público é isto, é reagir à vontade do público, é poder aproveitar um potencial de fruição de uma oferta cultural que é uma provocação… Shakespeare proporciona essa provocação...

Shakespeare proporciona um espaço de liberdade criativa. Já tanto foi feito. Esta solução não é nova, mas é, sobretudo, fresca. Usar o cancioneiro português num espetáculo, de uma forma fluída e integrada, pareceu-me uma boa provocação. Os temas são sobejamente conhecidos e, às vezes, quase que ouvimos trautear na plateia. Mas o mais importante é passar às novas gerações um clássico intemporal, uma obra-prima da literatura de Shakespeare. Desta forma cativante, podemos proporcionar às várias gerações de público uma noite memorável num teatro icónico da cidade. Este é um dos textos mais representados do mundo. O que o cativou neste, em particular? O que esta peça significa para si, enquanto encenador?

Este espetáculo apela a um imaginário que, acho, todos temos de forma inata, sobretudo numa fase precoce da vida e, com o crescimento e a própria vida, se vai diluindo. Tem a ver com a nossa capacidade de fantasiar, sonhar. Esta ideia de um reino mágico, um mundo paralelo é algo que para as crianças é muito acessível. Nós, adultos, vamos perdendo

um pouco essa capacidade. Shakespeare inspira-se em contos e reinventa-os, torna-os altamente atrativos. Esta ideia de que possa existir um mundo paralelo ao nosso, onde há uma espécie de dimensão quântica, em que os nossos sonhos e o nosso imaginário fantástico coabitam é algo muito apetecível. Esta é, provavelmente, uma das peças de maior sucesso universal em todos os tempos. O Sonho de uma Noite de Verão é daquelas histórias incontornáveis. Porque foi feita tantas vezes, dá-se uma espécie de licença para a ousadia. Foi a isso que me atrevi. Nesse arrojo criou um ponto de contacto entre Shakespeare e o cancioneiro português?

Isso criou um efeito-surpresa. É um impacto muito empático. As pessoas saem daqui com uma sensação de bem-estar. Acho que é altamente terapêutico! Há um apelo ao nosso imaginário coletivo, ao nosso imaginário musical, a uma memória ancestral. Mesmo que não sejam temas da nossa época, trazemos isso no nosso ADN. Mexe com a nossa identidade. Na busca do cancioneiro português para este espetáculo, o que aprendeu sobre a nossa identidade?

Que somos muito criativos. Temos esta capacidade incrível de fazer muito com pouco, e o nosso cancioneiro reflete muito da nossa História e da nossa evolução enquanto povo. Eu estava, sobretudo, à procura de pontes e pontos de contacto com o texto de Shakespeare. Usei algumas palavras como referência para ir à procura de temas. Fui para o Spotify e pesquisei “sonho”, “amor” “noite” e “magia”. Ouvi muitas horas no carro temas até à exaustão, comecei a visualização e mergulhei na história

como se fosse ator intérprete das personagens. Punha o tema, fechava os olhos e visualizava. Quando chegámos ao primeiro dia de ensaios já estava tudo muito delineado.

Quão desafiante é esta encenação?

Vim para este espetáculo muito preparado. Não deixo muitas coisas ao acaso. Não há espaço para se viajar na maionese, como se costuma dizer. Buchas nem pensar. Enquanto comandante do barco, tenho de definir um caminho. Depois, toda a gente é bem-vinda a dar contributos, mas não pode pôr aquele caminho em causa, porque senão seria altamente desestabilizador. Há um pragmatismo… Estamos a falar de muitas sensibilidades e, se não formos firmes, não inspiramos confiança.

Porque é que sente a necessidade de encenar no seu percurso profissional?

“O mais importante é passar às novas gerações um clássico intemporal, uma obra-prima da literatura de Shakespeare”

Ficha Técnica e Artística

De William Shakespeare

Tradução Augusto Sobral

Encenação Diogo Infante

Direção musical Artur Guimarães

Com Ana Cloe, António Melo, Artur Guimarães, Carlos Malvarez, Catarina Alves, Cristóvão Campos, Flávio Gil, Inês Pires Tavares, Jorge Mourato, JP Costa, Mariana Lencastre, Miguel Raposo, Raquel Tillo, Ricardo Lima, Ricardo Raposo, Sara Campina

Cenografia Fernando Ribeiro

Figurinos Dino Alves

Movimento JP Costa

Desenho de luz Cristina Piedade

Cenário virtual João Alves e Bruno Caetano

Assistência de encenação Flávio Gil Fotografia cartaz Pedro Macedo –

Framed Photos

Produção Teatro da Trindade INATEL

SALA CARMEN DOLORES

De 5 de março a 4 de maio

Quarta a sábado 21h00

Domingo 16h30

CONVERSA COM O PÚBLICO

30 de março/ domingo após o espetáculo

Comecei a encenar por necessidade, porque não me revia em muitas encenações em que participava como ator. Muito cedo percebi que tinha em mim opiniões, uma voz e senti necessidade de a expressar. Senti que podia e devia mexer-me, começar a tentar fazer os meus próprios espetáculos aqui no Teatro da Trindade. As primeiras encenações que fiz foram na Sala Estúdio. Felizmente tive oportunidade de me expressar e encontrar um espaço. Mais do que encenador, fui também produtor, o que me deu uma consciência de toda a parte da produção que está inerente a um espetáculo, porque não basta sonhar um espetáculo. É preciso torná-lo viável e rentável. A grande questão é chegar ao grande público. É fazer um teatro de qualidade em que o público sinta “Uau, isto é bom!” É aí que o teatro pode ser terapêutico, como referiu?

Se o espetáculo for bom, se nos provocar sensações, emoções, se conseguirmos sair dele diferentes… Quando um espetáculo nos faz pensar na vida, na sociedade, no país, seja uma comédia, musical ou drama, então é terapêutico, porque é um espaço de reflexão, introspeção. Estamos em contacto com as nossas emoções, em que recebemos e transmitimos coisas, porque choramos, rimos, sentimos medo, ansiedade. É a coisa mais terapêutica que se pode fazer, porque é estar em contacto com a essência humana naquele espaço e momento. Esse é o papel da arte, em geral. É a capacidade de devolvermos às pessoas, individualmente, não diria respostas, mas desafios, para que possam encontrar em si as soluções – se é que as há.

“O que interessa mesmo não é a noite em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado”, escreveu Shakespeare em Sonho de uma Noite de Verão. Revê-se nestas palavras? Revejo-me nelas porque sou um sonhador. Sonhar é esta capacidade de nos projetarmos no futuro próximo, o desejo e a ambição de fazer qualquer coisa que não é fácil, que está fora do nosso alcance imediato, mover montanhas, mobilizar pessoas, convencer políticos e levá-los a acreditar em nós, nessa visão, nesse sonho. Sinto que há muitos anos faço isso. Acalento o sonho de tornar relevante o teatro em Portugal; fazer um teatro que, efetivamente, toca as pessoas. Sílvia Júlio

Filipe Ferreira

CARLOS PAREDES UMA GUITARRA, MEMÓRIA PERPÉTUA MEMÓRIAS DE JÚLIO ISIDRO

“Quando eu morrer, morre a guitarra também. O meu pai dizia que quando morresse, queria que lhe partissem a guitarra e a enterrassem com ele. Eu desejaria fazer o mesmo… se eu tiver de morrer”

Palavras de Carlos Paredes que… não morreu.

Os acordes da sua guitarra de Coimbra, reinventados por si numa ruptura respeitosa pela obra do excepcional guitarrista que foi seu pai Artur Paredes, estão na memória colectiva deste povo que não o pode esquecer.

O mestre da guitarra de Coimbra com afinação de Coimbra, aprendeu violino mas deixou-se apaixonar pelo instrumento que já tinha ouvido do avô e do pai.

Dizia também: “Em jovem inventei uma forma de tocar própria, diferente do meu pai.”

Esse jovem tranquilo e tímido estava a construir uma partitura de vida que, passados cem anos sobre o seu nascimento, lhe dão o justo reconhecimento da eternidade.

Só neste país que esquece os seus valores, é que se pode imaginar que o enorme artista que rompeu fronteiras com a sua arte, tenha tido como profissão arquivista de radiografias no Hospital de S. José?!

Este senhor que viajava de eléctrico para casa, que quase pedia desculpa quando

Palavras cruzadas

alguém o abordava na rua para o elogiar, que numa noite dava um concerto numa sociedade recreativa da Baixa da Banheira (eu estava lá) e no dia seguinte partia para uma apresentação na Ópera de Frankfurt, tinha uma relação apaixonada com a guitarra como se fosse parte integrante do seu corpo.

Uma vez que a perdeu num voo de avião, confessou a um amigo que caso a não encontrasse sentiria o impulso de pôr termo à vida.

“Verdes Anos” de Paulo Rocha de 1962 é considerado o filme que marca o chamado cinema novo português e a banda sonora é de Carlos Paredes que se sensibilizou com o tema, já que se sentia solidário com

os jovens que demandavam a grande cidade para ganhar outra vida, fossem empregadas domésticas, marçanos ou ajudantes de mecânicos em oficinas.

O tema “Verdes Anos” continua a ser a inspiração de tantos guitarristas.

Em 1967 publicou o seu primeiro álbum “Guitarra portuguesa” e o país acordou para a sonoridade da sua história e do seu tempo.

Momento marcante da nossa música é o lançamento do álbum de 1971 “Movimento perpétuo” que por sorte do destino, estive envolvido. Enquanto colaborador da editora Valentim de Carvalho fui designado para entregar em mão exemplares da obra, em casa de alguns convidados espe-

HORIZONTAIS:

1- Sinal, que se coloca diante de uma nota, para indicar, que deve ser elevada meio tom. 2- Cu; Denunciante. 3Estrados; Espécie de tanque em que se espremem ou se reduzem a líquido certos frutos. 4- Instituto da Mobilidade e dos Transportes (sigla); Agrupamento Complementar de Empresas (sigla); Redução de grande, que entra como primeiro elemento em palavras compostas (inv.). 5- Nome feminino; Rio italiano, que desagua no Mar Adriático, cerca de 50 km a Sul de Veneza. 6Imbecil; Designação oficial de Angola (sigla); Caule. 7- Balanços. 8- Nacos; Forma feminina da segunda pessoa do singular do pronome possessivo. 9- Naturezas. 10- Sufixo designativo de qualidade ou agente; Um dos deuses da trindade egípcia. 11- Figura bíblica,

ciais, lembro-me de Natália Correia e Ary dos Santos, entre outros.

A apresentação decorreu no grupo de teatro 1º Acto, em Algés, com a nata da cultura portuguesa e muitos jornalistas.

No uso da palavra, aconteceu de repente uma troca muito viva de argumentos entre Natália e Ary com as vozes já acima dos decibéis do convívio harmónico.

Apercebendo-se disso, Carlos Paredes começou a tocar com os acordes enérgicos que tirava do instrumento e pacificou, ou emudeceu, a discussão.

Sabendo que eu tinha estado envolvido no lançamento, cruzou-se comigo mais tarde e com um vigoroso aperto de mão, disse-me: “Ó amigo, muito obrigado por ser meu amigo!”

Senti-me tão minúsculo perante a grandeza de um homem que dizia que a guitarra era mais importante do que ele, como se o instrumento tocasse por si próprio.

Como acompanhantes de Carlos Paredes, recordo Fernando Alvim, Carlos Alberto Moniz e a sua parceira de sempre antes e durante os onze anos de doença que o incapacitaram, Luísa Amaro. É esta talentosíssima instrumentista que nas comemorações dos cem anos de Carlos Paredes, disse a propósito: “Sem pessoas como o Carlos paredes, o mundo ficaria de repente, muito mais pequeno.”

[O autor escreve de acordo com a antiga ortografia]

masculina; Plural de adjectivo, na forma feminina (inv.).

VERTICAIS:

1- Plantas da família das Cucurbitácias da Índia; Preposição. 2- Congreguemos; Indício. 3- Confirmar. 4- Primeiro elemento do apelido de um político, militar e pensador chinês (1893-1976); Perigosos. 5- Abala; Sigla invertida de uma agência de segurança norte-americana. 6- Letras que indicam o código de país, dos Países Baixos; Cordilheira da Europa Central, acima das planícies da Eslováquia, da Hungria e do planalto da Transilvânia. 7- Segurai com gavinhas (inv.); Avalies. 8- Defesa contra aeronaves (abrev.); Concórdia; Zombas. 9- Intermediário; Repete. 10Rio da Suíça, que banha Berna; Inculto. 11- Ricaça; Antimónio (s.q.).

Soluções: (Todas as letras nas HORIZONTAIS)

9-CARACTÉRES. 10-OR; I; OSIRIS. 11-MOISÉS; BOAS.

POR josé lattas 1-SUSTENIDO; B. 2-ANUS; LACRAU. 3-BASES; LAGAR. 4-IMT; ACE; ÂRG. 5-NOÉMIA; PO; U. 6-ASNO; RPA; PE. 7-S; TRAPÉZIOS. 8-FATIAS; TUA.

O cais do olhar

CINEMA DE COMBATE, SIM, MAS CINEMA

CANTO DOS LIVROS

“Ler é ir ao encontro de algo que vai existir” (Italo Calvino). As sugestões das nossas editoras parceiras, E-primatur e Sítio do Livro, permitem a descoberta dos encontros que a leitura traz a cada momento O amor nos tempos de… preconceito, opressão, ganância, raiva, desesperança. Escolhemos para reflexão obras de cineastas comprometidos com a mudança social que fazem do amor ao cinema uma solução possível

À Chegada, de Juan Sebastián Vásquez, Alejandro Rojas | Espanha / 2022

•Diego e Elena decidem trocar Barcelona pelos EUA, mas as suas vidas mudarão para sempre, à chegada à zona de imigração no aeroporto de Nova Iorque. Inspirado em experiências pessoais, este thriller kafkiano, com um ritmo tão implacável quanto impecavelmente constante na tensão e desconforto crescentes, é uma exposição perturbadora da vulnerabilidade permanente da população migrante. Numa bela evocação ao intemporal Doze Homens em Fúria, este drama de interrogatório conta com interpretações e diálogos extraordinários e uma espantosa economia de recursos para um máximo efeito dramático, ao colocar-nos frente ao puro exercício abusivo de poder, densificado pelo absurdo, o medo, a dúvida.

Ler Lolita em Teerão, de Eran Riklis | Itália, Israel / 2024

•História de resistência intelectual, baseada no best-seller de memórias de Azar Nafisi, destemida professora de literatura no pós-revolução do Irão dos anos 80, que desafia a moralidade islâmica ao criar secretamente, com as suas alunas, um grupo de leitura de clássicos da literatura ocidental. Cientes do radicalismo emergente no país, da injustiça, violência e opressão dos novos códigos de conduta impostos às mulheres, estas jovens – elenco de atrizes inesquecíveis – descobrem nas heroínas de Nabokov, Scott Fitzgerald, Henry James e Jane Austen um abrigo para se libertarem do hijab e saírem da prisão política de que são reféns.

Cão Preto, de Guan Hu | China / 2024 •Na paisagem árida, quase lunar, do deserto de Gobi, por onde galopam cães errantes em vastos espaços vazios, Guan Hu procura o equivalente estético de um meio decadente, por onde também deambulam as pessoas isoladas, perdidas, desoladas, que as cidades da China moderna, em rápida mudança e abandono, deixaram para trás. Lang, um rude e taciturno ex-condenado, é mantido em isolamento com um cão preto raivoso, depois de ter sido mordido. Entre os dois nasce uma inesperada amizade, íntima e emocional, que os ajudará a abandonar a hostilidade e a singrar num mundo também ele hostil a ambos. Filmado em cinemascope, com composições de uma beleza e poesia deslumbrantes, intensificadas pelo som de Pink Floyd, este conto social de redenção aproxima-nos das almas presas na armadilha do progresso veloz e impiedoso.

As Novas Aventuras de Robinson Crusoe, de Daniel Defoe

Páginas 304 | PVP 17,90 euros

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•Publicado pela primeira vez em língua portuguesa, o segundo volume das aventuras do náufrago mais conhecido do mundo. Menos conhecido que o primeiro, este volume lê-se como um grande livro de viagens e aventuras acompanhando o herói, depois de resgatado após longo tempo na ilha, numa missão diplomática que atravessa a Rússia e procura chegar à China.

As Prescrições do Doutor Marigold – Ficção Curta Completa 1857-1868, de Charles Dickens e outros Páginas 436 | PVP 25,90 euros

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Voss, de Patrick White Páginas 492 | PVP 23,90 euros (Associados: desconto 30%)

•O romance do prémio Nobel australiano, considerado por muitos como um dos maiores romancistas de língua inglesa do século XX, acompanha uma expedição para mapear o interior da Oceania. Em dois planos, seguimos a aventura trágica do explorador alemão (personagem verídica) e a viagem de autodescoberta da jovem mulher, cujo coração foi tocado pelo explorador antes de partir. Um romance brilhante no jogo de linguagem e navegação pela psique das personagens.

O que é o Cinema?, de André Bazin Páginas 440 | PVP 23,90 euros (Associados: desconto 10%)

A Savana e a Montanha, de Paulo Carneiro | Portugal, Uruguai / 2024 •É com a força da ficção, e do western em particular, contra a ameaça iminente da Savannah Resources e da sua mina de lítio a céu aberto, que a luta de uma aldeia ganha dimensão poética, teatral, irónica, lúdica – e assim foi, os índios de Covas do Barroso entraram em duelo com os cowboys da Savana. Face à extensão trágica deste drama real, o realizador recusa o indulgente ou o acusatório, faz uma encenação deste conflito com a criatividade que encontrou no próprio povo, personagem coletiva, e deixa os moradores-atores brincarem com a história enquanto expressão comunitária, entre o carnavalesco, a farsa e a canção de protesto, e uma forma, também ela resistente, de fazer cinema.

Diamante bruto, de Agathe Riedinger | França / 2024 •Obra que nos presenteia com um estudo de personagem feminina complexa, interrogando mitos e valores patriarcais veiculados por redes sociais e reality shows, como a exploração do corpo, a competição e o assédio. Riedinger convida-nos a um exercício de empatia por Liane, 19 anos, pouco amável, mas com necessidade extrema de ser amada, talentosa na apresentação erotizada que faz de si mesma, buscando nessas formas de entretenimento oportunidade para ser reconhecida, validada. Na sua mente juvenil, ser adorada por multidões é um ofício e o meio para adquirir estatuto social. Enquanto persona ambivalente, acaba por invocar a questão primordial: uma mulher só é mulher se suscitar desejo, ou, contrariamente, é a mulher que encarna uma demanda usando a beleza como arma para ser ouvida, ser visível?

THAT’S NOT ALL FOLKS! The Day the Earth Blew Up: A Looney Tunes Movie, de Peter Browngardt | EUA, Canadá, Reino Unido / 2024 •Pela primeira vez, a icónica série Looney Tunes ganha um filme totalmente animado em 2D no grande ecrã. Este é um momento histórico na animação, que assinala o retorno da dupla cómica Porky Pig e Daffy Duck, esse fenómeno cultural universal, em formato de longametragem. Sofia Tomaz

•Primeiro volume daquela que poderá ser a edição mais completa a reunir os contos e novelas do grande escritor vitoriano, e os contos redigidos em colaboração com outros escritores que o próprio Dickens editava. Esta obra revela os motivos pelos quais Charles Dickens continua a ser um dos escritores mais vendidos do mundo, ao mostrar os textos que na sua época mais chegavam aos leitores publicados em dezenas de jornais e revistas.

•Considerada uma obra fundamental sobre a teoria cinematográfica publicada no século XX. O conjunto de ensaios de um dos maiores críticos franceses fala da génese, dos clássicos, das teorias e técnicas, das linguagens e das escolas, apresentando ao leitor/espectador uma miríade de formas para ver e pensar um filme. Edição profusamente ilustrada com fotogramas de época. Teresa Joel

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Cada Caminho tem a sua História: com um Batimento de Emoção – Caminho Português de Santiago, de João José Barroso Henriques Páginas 116 | PVP 13,00 euros •Um momento de pausa, proporcionado por uma mudança profissional num período em que a sociedade atravessava a maior pandemia dos últimos cem anos, levou o autor a abraçar a aventura de fazer o Caminho de Lisboa a Santiago de Compostela. Num registo entre a crónica de viagem e o relato pessoal, o autor mostra que o Caminho, apesar de ter um fim definido, tem a sua verdadeira importância nos desafios, nos momentos simples que acalentam o coração e na aproximação à mãe natureza que fazem acreditar

num poder superior e numa sensação de transcendência que inspira pensamentos profundos e reflexões.

As Regiões Vitivinícolas Portuguesas e Alguns dos seus Vinhos: A Arte da Prova e o Segredo do Uso (2.ª edição), de Ceferino Carrera

Páginas 680 | PVP 27,00 euros •A produção literária sobre o vinho é em Portugal tão variada e valiosa quanto diferenciadas são as castas, as regiões demarcadas e as sub-regiões que enlaçam concelhos e distritos, criando o mapa vinícola do País.

O que é um vinho do Porto Vintage? Que sabemos das exigências dos caminhos e saberes da sua produção, antes que chegue ao nosso palatino?

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Crónica

O quê?

Quem? Quando? Onde? Como? Porquê?

Fevereiro de 1999 – Desci a escada do avião sob um calor abrasador, e uma humidade que nunca tinha sentido na pele.

À chegada a Timor, misturou-se a curiosidade do repórter, com o desconforto da incerteza e algum receio, confesso. Ainda no aeroporto, aproximou-se de mim um militar indonésio. Pediu-me o passaporte, e desapareceu com ele. Nos longos minutos que se seguiram, até me devolver o documento, fiquei sem chão.

Ainda em sobressalto, no meio de uma multidão de jovens, um ancião veio falar comigo, em português. Num sussurro, aquele homem com rugas vincadas no rosto e nas mãos, deu-me as boas-vindas. Depois de um abraço, como se nos conhecêssemos há muito, deixou-me de boca aberta ao tirar do bolso uma velha cigarreira com a bandeira de Portugal cravada na parte de cima. Contou-me que a guardava consigo, escondida, há longos anos. Era um símbolo da resistência de todo um povo, silenciado, amordaçado, sequestrado na sua própria casa, desde a invasão das forças indonésias, em 1975.

Dois dias antes, em Jacarta, tive a oportunidade – juntamente com outros jornalistas portugueses – de visitar Xanana Gusmão, que se encontrava em prisão domiciliária.

Nas palavras e nos gestos, o líder histórico da resistência timorense já pressentia que os ventos da história estavam a mudar. E soltou uma frase que jamais esquecerei: “Uma barraca com uma bandeira já é um país… e pronto.”

Na despedida, Xanana ofereceu-me uma fotografia, de quando já estava preso, na Indonésia. Na imagem, aparece de pé e braço erguido. A mão está cerrada, exceto dois dedos de uma mão, que libertou em forma de V. E no verso escreveu: “O grito da vitória que você tem o dever de transmitir ao mundo”. Ainda a guardo.

O que se seguiu, está registado nas notícias: A coragem dos timorenses que exigiram a independência, no referendo de 30 de agosto; o rasto de destruição e morte deixado pelas milícias integracionistas; a transição para a paz garantida

pela ONU… e a independência, que seria hasteada a 20 de maio de 2002. O parto foi muito difícil, mas tive a felicidade, enquanto jornalista da Rádio Renascença, de transmitir ao mundo “o grito da vitória”, do povo timorense.

Sempre me disseram que é este o papel dos jornalistas: Ver e ouvir as pessoas, sem preconceitos. Fazer perguntas, validar os factos e dar a notícia. Contar tudo com imparcialidade, com o máximo rigor possível e sem adjetivar. Só assim se constrói a história dos dias que passam.

Quando cheguei à Rádio Renascença, em setembro de 1989, ainda não havia computadores e muito menos Internet. Também não existiam telemóveis, as entrevistas eram gravadas em cassetes e os sons das notícias alinhados em bobinas. Os textos que lia ao microfone eram escritos à máquina, ou à mão quando o tempo apertava.

Nas “Presidências Abertas” de Mário Soares – então Presidente da República – os jornalistas formavam fila à porta de um café para enviar as notícias, através de um telefone fixo. Depois chegou a Internet. Com as novas tecnologias as notícias entram-nos pelo telemóvel, pelo computador e por centenas de canais de televisão disponíveis, de todo o mundo. Já não é preciso ter pilhas para ouvir rádio, nem

Sempre me disseram que é este o papel dos jornalistas: Ver e ouvir as pessoas, sem preconceitos. Fazer perguntas, validar os factos e dar a notícia. Contar tudo com imparcialidade, com o máximo rigor possível e sem adjetivar

folhear um jornal, de papel, para ler as suas notícias. Os sites das rádios, das TV e dos jornais – todos eles – apresentam vídeos, sons e textos.

Todos temos acesso a tudo, ao mesmo tempo e em qualquer latitude. Mas este “admirável mundo novo” é, sobretudo, inquietante. Com as redações vazias, e orçamentos limitados, os jornalistas lutam contra o tempo para validarem, e contextualizarem, as notícias. É trabalho que demora, quando a informação já escorre das redes sociais… sem escrutínio, sem contraditório e sem intermediários.

E os políticos também já sabem disso. É, cada vez mais, pelas suas contas no X, Instagram, Tiktok ou do Facebook, que anunciam medidas e fazem promessas. Falam diretamente às pessoas, sem passar pelo crivo dos jornalistas. É popular e escapam, assim, à maçada das perguntas incómodas.

Mas será prudente, para eles próprios –os políticos – dispensarem os jornalistas? Na era da Inteligência Artificial, aquele texto, aquela imagem, aquela voz, serão mesmo verdadeiros?

Há vídeos, e mais vídeos, libertados em rede, onde nos aparecem líderes políticos de todo o mundo – também de Portugal – a cantar, a dançar, ou a defender ideias que, manifestamente, não defendem. Até começa por ser divertido, mas rapidamente soa o alarme: Estamos a vê-los, e a ouvi-los, mas não são eles. É a ficção que ultrapassa a realidade à velocidade do som, e da luz. É a ficção que coloca em dúvida tudo aquilo em que acreditamos. Todos nós já tropeçamos, na Internet, em notícias falsas ou imagens descontextualizadas, que os “polígrafos” – trabalhados pelos jornalistas – facilmente desmentem. Mas é impossível ir a todas… e há quem já não se importe, sequer. O papel dos jornalistas é, no mínimo, validar seis perguntas-chave antes de dar uma notícia: O quê? Quem? Quando? Onde? Como? Porquê?

Repórter principal, e jornalista da Rádio Renascença, desde 1989. Em agosto de 2024 foi condecorado com a Ordem de Timor-Leste, pelo Presidente, e Nobel da Paz, José Ramos-Horta.

PEDRO MESQUITA

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