DIRETOR - FRANCISCO MADELINO JORNAL BIMEStrAL 3.a SÉRIE • 1€ N.0 5• MaIO-JUN 2017
Portugal Um País aberto à diversidade
ÍNDICE
TL maIO-JUN 2017 3
4
Migrações
6
Linhares da Beira
8
Opinião de Jorge Paiva
9 Viajando com livros
10
Casa na árvore
capa
José Frade
16
19
Na mesa com Hugo Dias de Castro
Coluna do Provedor // Musicando
15 Viagens: Bali
18 Notícias
20 Teatro da Trindade
22
Contos do Zambujal
23
Passatempos // Agenda
Editorial
J Fotografia
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Entrevista: Olga Mariano
14
Desporto laboral Inatel
osé Frade nasceu em Arcos, Estremoz, a 30 de julho de 1961. Fotojornalista freelancer, desde 1990, a sua formação inclui o curso de fotografia, no Instituto Português de fotografia, e de fotojornalismo, no Cenjor – Centro Protocolar de Formação Profissional para Jornalistas. Com fotografias publicadas, na imprensa nacional e estrangeira, recebeu vários prémios, nomeadamente, no DN Jovem – Diário de Notícias e no Concurso Internacional Forum Jeunesse – CEE, em 1989. Foi também editor de imagem da revista Tempo Livre, e repórter fotográfico do jornal Tempo Livre, da Fundação Inatel. Tem uma vasta experiência na área cultural, enquanto fotógrafo oficial no Teatro São Luiz, Teatro Maria Matos, Museu do Fado, Museu da Marioneta e Casa Fernando Pessoa. E, ainda, na Companhia de Teatro dos Aloés e Companhia de Teatro de Almada. No curriculum constam diversas exposições individuais, entre outras, Fadistas no Castelo de São Jorge e Avenida da Liberdade – Lisboa (2013), Festival de Teatro Internacional de Almada, Fórum Romeu Correia – Almada (2003), Teatro da Trindade – Lisboa (1993), Casa de Portugal – Paris (1992), Casa do Alentejo – Lisboa (1992). Nas mostras coletivas destacam-se o Primeiro Encontro de Fotografia de Almada, Solar dos Zagalos – Almada (1994), Galeria das Amoreiras, Bairros de Lisboa – Lisboa (1991), Posada de Las Artes Kingman – Quito, Equador (1989), e a Bienal de Barcelona (1985). Tem colaborado em edições literárias, designadamente na capa e interior do livro Pina Bausch: Ensaio Biográfico, de Cláudia Galhós, Dom Quixote (2010); interior do livro Inquisição de Évora, de António Borges Coelho, Editorial Caminho (2002); interior do livro Raiz de Orvalho e Outros Poemas, de Mia Couto, Editorial Caminho (2001); contracapa do livro A Lua dos Astronautas Não é a Minha Lua, de António Cardoso Pinto, Gradiva (1999), e capa do livro Todos os Nomes, de José Saramago, Editorial Caminho (1997). Em obras discográficas é autor da capa e interior do CD Ao Vivo no Chiado, de Cristina Nóbrega (2015); capa e interior do CD Mar Ensemble, de Joana Amendoeira (2008); capa e interior do CD Por Minha Dama, de Ala dos Namorados (1995).
FRANCISCO MADELINO Presidente da fundação inatel
Nós, os Outros ou os Mesmos
O
problema da aceitação do outro, como ele é, pensa e vive, está no centro dos desafios atuais. A ONU, inclusive, na sua Agenda 2030, considera este um dos desafios fundamentais, em que a urbanização dos mundos coloca milhões de homens a viver concentradamente em cidades, compostas por culturas, sentires e religiosidades muito diversas. A Fundação Inatel, nascida da velha FNAT, nos anos 30 do século passado, nos tempos do corporativismo e do fascismo, via na promoção da alegria no trabalho um instrumento da acalmia da confrontação de classes e dos impulsos humanos para a liberdade e a igualdade. A FNAT, com as ligações aos centros de férias para trabalhadores e pensionistas, às sociedades humanistas e recreativas, aos movimentos etnográficos, ao desporto popular, mas, sobretudo, às Casas do Povo, que foram ponto de encontro e embriões de políticas sociais, incluindo a saúde, rapidamente se ligou ao Povo, lhe entrou na alma. Com Abril, foi das poucas instituições que continuou na Democracia, teve direito a artigo constitucional próprio e até foi no seu Estádio que confluiu o primeiro Primeiro de Maio livre. Desde sempre, os seus centros de férias receberam fugitivos de guerras assentes em argumentos étnicos. Dos austríacos, na Segunda Guerra Mundial, aos refugiados de hoje, passando pelos timorenses e outros, sempre esta Fundação disse sim à aceitação do outro como ele é, recebendo com humanismo. Este número do Tempo Livre dedica-se precisamente à promoção da interculturalidade, sendo esta uma grande riqueza para a Humanidade, sendo o diálogo intercultural que permite a convivência entre os vários povos. Promover a cultura popular de que é feita uma Nação não é promulgar a sua hegemonia, muito menos uma escolha privilegiada de um Deus ou uma raça superior. Deve-se fazê-lo, numa prática dinâmica e renovada, intergeracionalmente, se se acredita que um mundo de diferenças é mais humano, mais livre, mais rico e com mais soluções. É esta a missão da Inatel. Usufruam então de mais este número.
Jornal Tempo Livre | email: tl@inatel.pt | Propriedade da Fundação Inatel | Presidente do Conselho de Administração Francisco Madelino Vice-Presidente Inês de Medeiros Vogais Álvaro Carneiro e José Alho Sede da Fundação Calçada de Sant’Ana, 180 – 1169-062 Lisboa Diretor Francisco Madelino Publicidade Tel. 210027000/ publicidade@inatel.pt Impressão Sogapal – Comércio e Indústria de Artes Gráficas, S.A., Estrada de São Marcos, 27 – São Marcos, 2735-521 Agualva-Cacém Tel. 214347100 Dep. Legal 41725/90 Registo de propriedade na ERC 114484 Preço 1 € Tiragem deste número 109.927 exemplares Membro da APCT – Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação | Estatuto editorial publicado em inatel.pt
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“P
ortugal está, cada vez mais, dependente das migrações – em especial, da imigração – para ter maior dinamismo e crescer do ponto de vista demográfico. Sem imigrantes seríamos menos do que somos atualmente [10 milhões e 400 mil habitantes]. Sem imigrantes teríamos menos nascimentos, porque a imigração que chega ao país é fundamentalmente do tipo laboral, em idades ativas, logo mais férteis”, defende Maria João Valente Rosa, demógrafa, da Universidade Nova de Lisboa. As mulheres estrangeiras contribuem com 9% da totalidade de nascimentos em Portugal – cerca de um em cada dez nascimentos tem mãe de nacionalidade estrangeira. Embora, alerta a demógrafa, “não nos possamos esquecer de que a população não deixará de envelhecer, mas sem a imigração estaríamos ainda mais envelhecidos, não só porque nasceriam menos crianças, haveria menos população em idade ativa e, como tal, a proporção de pessoas em idades mais avançadas seria maior”. Num estudo multidisciplinar, apresentado em finais de maio, coordenado por João Peixoto, do Socius – Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações – e ISEG (Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa), foi analisado o papel das migrações na sustentabilidade demográfica, tendo por base o conceito de migrações de substituição e a construção de cenários prospetivos até 2060. Portugal é um dos países com a taxa de fecundidade mais baixa do mundo (à volta de 1,3), o que significa que as mulheres portuguesas estão a ter em média 1,3 filhos em idade fértil, embora fosse necessário que tivessem 2,1 filhos para haver a tal substituição de gerações, segundo os especialistas. Quantas pessoas vindas de fora precisaria o país para compensar o desequilíbrio da falta de nascimentos? “Para que a população em Portugal se mantenha no valor que temos atualmente até 2060, precisaríamos de 47 mil entradas a mais do que saídas por ano. E para que a população em idade ativa (dos 15 aos 64 anos) se mantivesse até 2060, precisaríamos de um saldo migratório de cerca de 75 mil pessoas a mais por ano”, afirma o investigador João Peixoto. Valores altos para o padrão português das últimas décadas. “Nos últimos 20/30 anos quase nunca obtivemos esses números. Portanto, estamos a falar de migrações dificilmente concretizadas.” Daí os alertas deixados neste estudo para que o futuro demográfico em Portugal seja mais sustentável: “É necessário investir noutros tipos de mecanismo que consigam reequilibrar o que as migrações sozinhas não conseguem fazer. Tem de haver políticas que consigam incentivar a fecundidade, políticas para a articulação entre trabalho e família, políticas para a igualdade de género. São necessárias condições para os jovens portugueses constituírem família e acederem à habitação independente.”
Mais recursos humanos Neste estudo, que incluiu economistas, ressalta-se que “a economia portuguesa só conseguirá ter uma base forte se tiver recursos, pessoas que trabalhem”. Ora, se a economia portuguesa não dispõe dos recursos humanos há uma “necessidade urgente de políticas” que caminhem nesse sentido.
DR
Migrações “Nós precisamos de pessoas” Três investigadores explicam ao jornal TL porque é que as migrações devem ser encaradas do ponto de vista do desafio e não do problema. Onde estão as oportunidades para as pessoas e para o país?
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As migrações são “uma parte da solução para o problema demográfico, para o problema económico e para o problema do sistema de Segurança Social, em particular para as pensões de velhice”, reforça João Peixoto. Há 11% de imigrantes na União Europeia (UE), o que corresponde a cerca de 54 milhões de pessoas que nasceram num país diferente do país onde residem (19 milhões nasceram em países da UE e 35 milhões fora deste espaço). Em Portugal, a percentagem é mais baixa – 8%. Por seu turno, a percentagem de pessoas nascidas em Portugal no total da população residente é bastante elevada comparativamente aos outros países da UE – equivale a 22% de emigrantes, ou seja, um em cada cinco portugueses não vive no país. As economias não avançam sem as pessoas. E Portugal é “particularmente carenciado de mão de obra de pessoas qualificadas”, acentua Maria João Valente Rosa. “Quando olhamos para os dados da Pordata sobre, por exemplo, as qualificações dos nossos empregadores, verificamos que 47% têm o secundário ou mais. A média da UE é de 83%. Temos, portanto, apesar dos importantíssimos progressos, ainda um gravíssimo défice de qualificação. Sabemos, aliás, que do ponto de vista económico, as sociedades fazem diferença pelo valor do conhecimento. Por isso, nós precisamos de pessoas e de mão de obra, nomeadamente qualificada para avançarmos.” Muitos portugueses foram para o estrangeiro “depois de um investimento brutal que o país fez na sua formação”. Embora não preconize a fixação das pessoas, “é importante que os fluxos de saída de Portugal deixem de ser tão acentuadamente intensos e que o país reforce os seus fatores de atratividade para quem cá não vive”. Os estudos revelam que sem migrações podemos passar dos atuais 10,4 para 7,8 milhões em 2060. A especialista considera que “é preocupante acharmos que a forma de nos defendermos é fechando-nos, imaginando que somos autossuficientes, pois não o somos, nem o seremos. Um país aberto é um país que está a respirar”.
José Frade/arquivo TL
Dr
Maria João Valente Rosa, João Peixoto e Jorge Malheiros consideram que Portugal precisa de mais pessoas. Estudo publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos defende que os imigrantes são parte da solução
Respeito pelo outro em liberdade
Convivência e interculturalidade Jorge Malheiros, docente do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT) da Universidade de Lisboa, autor do estudo Migrações e Sustentabilidade Demográfica, considera que as migrações representam um “desafio” para o país. “Ao colocar-se em contacto pessoas de culturas e países diferentes, que ocupam os mesmos espaços, há, inevitavelmente, aspetos que têm a ver com menor compreensão, alguma competição por recursos e imagens estereotipadas que se constroem. Isso obriga-nos a trabalhar em prol da integração, convivência e interculturalidade.” Importa saber como é que a população será distribuída com estas pessoas. O que pode mudar na geografia social, no litoral e no interior? “Infelizmente, acho que a geografia do nosso país vai conhecer menos alterações por via da imigração do que se pensa. Durante séculos, temos tido um processo económico e político de concentração da população. As atividades económicas e outras estão concentradas no litoral. Mesmo com muita internet, com todas as vantagens das sociedades em rede, a atração por estes espaços ainda é significativa”, salienta o geógrafo. Considera que fazer alguma redistribuição dos imigrantes pelo interior é importante, mas só valerá a pena se for conjugada com “uma política muito
proactiva de investimento, fazendo uma aposta forte, que vai levar algum tempo, para reequilibrar mais a distribuição da população”. Num horizonte temporal até 2043, o estudo de Jorge Malheiros aponta que, nalguns cenários, em “todas as regiões do país, com eventual exceção nas ilhas, vai haver carência de mão de obra”. E acrescenta: “Em termos absolutos, as maiores necessidades vão estar na região do centro e norte litoral, na região de Lisboa e menos no interior. De acordo com as nossas estimativas, as necessidades continuam a ser desequilibradas, isto é, os imigrantes são mais precisos nas áreas do litoral e menos no interior. Em termos gerais, os imigrantes não vão contribuir para tão grande reequilíbrio da distribuição demográfica do país, a não ser que haja um conjunto de políticas de incentivo.” O investigador conclui que “se não houver uma política que mantenha os serviços abertos, que invista em novas áreas, que garanta uma boa ligação entre as cidades médias e envolventes, que aposte em processos que permitam uma população menos jovem viver no interior, os migrantes, mesmo que se redistribuam, como se tem feito agora com os refugiados, dificilmente vão repovoar o interior. É necessária uma política global que mostre que vale a pena viver no país”.
Dr
Hoje, os povos europeus têm medo do desemprego, do terrorismo, da globalização, e até dos imigrantes. Maria João Valente Rosa reforça que “os imigrantes constituem um fator de enriquecimento das sociedades em geral, e de Portugal em particular. A riqueza das sociedades tem a ver com as pessoas, e as pessoas são todas diversas, de origens distintas, o que é um fator de enriquecimento humano. As sociedades fechadas sobre si próprias, alheias ao outro, são sociedades condenadas”. Se olharmos para a história da evolução da humanidade, o Homem começou por ser nómada. A busca do melhor, a necessidade de experimentar e conhecer o diferente, a vontade de ir mais longe não são contranatura. E Portugal está habituado a conviver com as migrações desde sempre. Os romanos e os árabes, por exemplo, estiveram no nosso território. É com este argumento que a investigadora considera que “as migrações são naturais, quase como o ar que respiramos”. O respeito pelo outro em liberdade é muito importante. “Quando achamos que as nossas características culturais são superiores às dos outros é o bem-estar social que fica em perigo”, diz Maria João Valente Rosa. E quando os outros põem em causa os nossos valores? A investigadora responde: “ A via é a integração social dessas pessoas, evitando a todo o custo a sua segregação ou guetização. No espaço público é preciso existir um esforço grande para a integração dessas pessoas. Temos de saber conviver com a diversidade, embora com o limite de esta não colidir com os direitos e deveres fundamentais da civilização. É difícil encontrar o equilíbrio sobre até onde aceitar as especificidades do outro, mas o difícil não significa impossível e o espaço público não deve abrir mão do respeito pelo cumprimento desses princípios civilizacionais. Não é com medo do outro que o problema se resolve. Aliás, o medo do outro poderá estar, ele mesmo, na origem dos conflitos que a todo o custo as nossas sociedades desejam evitar.”
Sílvia Júlio
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N Reportagem Linhares da Beira Caminhando, devagar, por esta aldeia medieval, descobre-se o passado que conta outras histórias que compõem a História e a identidade do país. Há janelas que se abrem para outros tempos. Há ali pessoas, poucas, que nos desvendam mundos de outrora
Fotos: Beatriz Maduro
a meia-encosta da vertente nordeste da Serra da Estrela, já bem perto de Linhares da Beira, freguesia do concelho de Celorico da Beira, os rebanhos parecem saudar os visitantes no cenário bucólico de montanha. Entramos na aldeia e estacionamos noutro tempo, bem recuado da memória, mesmo em frente da unidade hoteleira Inatel, junto à igreja que dá nome ao Largo da Misericórdia. Henrique Cardoso, 72 anos, carrega por ali acima uma pequena geleira onde leva o jantar. Encontramo-lo logo depois do almoço, no centro de dia, e já vai apetrechado para a sua casa, frente ao castelo. Conta que, assim, já não tem de voltar mais tarde para baixo. A idade vai pesando, apesar de ser o mais novo do centro de dia. Facilmente conversa com os forasteiros, entrando nas histórias que ouviu dos seus antepassados. “Nasci além, naquela casa, onde é hoje o centro de dia. Já foi hospital e casa da roda. Era ali que se abandonavam as crianças. Punham-nas na casa da roda e, a partir daí, nunca mais as viam. A minha mãe, que Deus tem, morreu com 96 anos e meio, contava-nos as histórias de lá”, recorda. A antiga hospedaria, depois hospital da Misericórdia, era um apoio para pobres, peregrinos e doentes que por ali passassem. Dali nasceu a lenda da D. Lopa inscrita numa placa, no chão. Há muito tempo, diz-se, vivia ali uma viúva com uma criada, que teria um pacto com o diabo, tendo sido salva por Santo António. Prosseguimos o percurso, não com medo de almas perdidas, mas com vontade de encontrar outras histórias, do passado e presente, e ver as outras pedras do caminho. Em frente à atual junta de freguesia, que já foi cadeia, ergue-se o pelourinho. Noutras eras julgavam-se ali os ditos criminosos. Os chamados homens bons de Linhares reuniam-se no forum para tomar
as decisões administrativas, legislativas e judiciais.
História construída com pedras Vale a pena olhar também por ali as janelas manuelinas, que nos abrem para o património desta aldeia com história. A vista das casas de granito fortalecem a vontade de seguir até ao castelo. Entretanto, vemos um casal de brasileiros sentados na esplanada a beber um café. Vieram do Estado de São Paulo, depois de lerem na internet informação sobre as Aldeias Históricas: “Saímos agora de Almeida, também já fomos a Sortelha, que achámos muito linda, e agora viemos a Linhares”, dizem-nos Maria de Lurdes e Evandro Macedo, de 64 e 66 anos, respetivamente. Ela, que tem ascendência portuguesa, está “apaixonada por Portugal e pela sua História”. Ele conta que a insegurança que se vive no Brasil leva-o a pensar a “vir morar para aqui”. Logo uma senhora, sentada numa das mesas da esplanada, retorque: “Há para aí muitas casas à venda!” Mais à frente, sentados num banco de pedra, com vista para o castelo, está a família Mimoso. O senhor mais velho, de boina na cabeça, comenta: “Nasci aqui em Linhares e agora estou cá outra vez. Já estive em Angola, na França e já fui à América, como diz o ditado”, conta divertido José Mimoso, de 74 anos. Perguntamos-lhe se tem sentido alguma evolução
na sua aldeia desde que é considerada histórica. “Evoluiu pouco ou nada”, responde. “Estas casas foram recuperadas, meteram luz e telefone no chão e as ruas têm limpeza – é o que temos cá de melhor. O resto…” José é interrompido por Dulce Mimoso, de 60 anos, que também regressou ao lugar onde nasceu: “Por ser aldeia histórica não deixam construir como a gente quer. Os jovens acabam por ir para outros lados e não constroem na nossa terra.” E acrescenta que, apesar de gostar muito de ter voltado, “é uma aldeia que está monótona, porque as pessoas novas vão trabalhar para fora. Muitas vêm à noite para cá, outras ficam na Guarda… O que falta aqui é trabalho para os jovens se manterem. Não é fazer disto um museu”. Margarida Francisco, funcionária do município de Celorico da Beira, estava, naquele dia, no posto de turismo de Linhares da Beira. E fala sobre esse tal museu que surpreende muitos turistas estrangeiros. “Nota-se um aumento significativo da vinda do mercado holandês, que procura as raízes. Quanto mais rústico, melhor. E não está à espera de levar um ‘choque’ tão grande, porque a aldeia parece mesmo um museu. A ideia que todos têm é que estão em recriações históricas. Até perguntam: ‘Mas estavam à nossa espera? Porque é que está tudo assim?’ É um regresso ao passado. Eu faço visitas guiadas ao centro histórico. Explico
Museu a
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que o quotidiano é muito simples, que se vive da agricultura e a população é envelhecida…” Os visitantes sublinham, no entanto, a limpeza das ruas de Linhares da Beira. “Passam muitas vezes rebanhos por aí e não há dejetos de animais. Se há algum turista mais descuidado e deita alguma coisa para o chão, alguém apanha. Está sempre tudo limpo.” Um detalhe que não deixa ninguém indiferente, em especial, a quem vem do centro da Europa.
“A capital do parapente” Luís Mimoso, 40 anos, presidente da junta de freguesia de Linhares, salienta que a limpeza é um ponto de honra. “Os turistas
dizem-nos que as ruas estão muito limpas – tentamos mantê-las assim”, enfatiza, com orgulho. Segundo o autarca, 25 mil a 30 mil pessoas visitaram a aldeia nos últimos anos. Porém, os dados mais recentes do posto de turismo, também sublinhados por Luís Mimoso, apontam para 27, 28 mil pessoas. Na freguesia de Linhares da Beira habitam cerca de 200 pessoas. Dez são crianças. A desertificação não é uma novidade. O restauro dos edifícios na aldeia histórica ajuda a encher os olhos, mas, na opinião do responsável pela junta, “poderia haver muito mais”. Na rua da Cadeia, por exemplo, há várias casas abandonadas em ruínas. Micas de Jesus Martins, 78 anos, que saiu de Lisboa para viver em Linhares, conta: “Há aqui muitas casas neste estado [aponta para a degradação]. Os donos não vendem nem arranjam. E as pessoas vêm aqui e veem esta vergonha. Se isto fosse em Lisboa estava cheio de drogados, infelizmente. Eu até sinto medo por estar aqui. No outro dia estendi ali a roupa e caiu-me uma pedra”, queixa-se. O presidente da junta fala “nos processos morosos” que envolvem estes e outros casos. “Por vezes”, continua, “as pessoas desistem com tanta papelada, por falta de tempo e conhecimento. Preferem ir para as outras aldeias vizinhas e construir lá por causa das burocracias que existem em Linhares da Beira por ser uma aldeia histórica.” Luís Mimoso salienta, no entanto, que o
desenvolvimento e a divulgação da aldeia advêm, sobretudo, do turismo e do parapente. “Linhares da Beira é considerada um dos melhores sítios para aprender a voar no parapente – é a capital do parapente. De dois em dois anos temos provas mundiais. Têm saído daqui pilotos que têm batido recordes a nível nacional da escola de Linhares da Beira. Esta aldeia é muito falada mundialmente, graças ao parapente.” E faz um convite, com vários argumentos, para todos a conhecerem: “É um autêntico museu ao ar livre, tem uma vista muito bonita, respira-se ar puro em relação a muitas outras zonas do país. Temos muitas coisas para oferecer ao turista de natureza. Temos, ainda, a calçada romana, janelas manuelinas, um castelo formidável, duas igrejas [com obra atribuída a Grão Vasco, mas encontram-se fechadas, abrindo com marcação prévia], o pelourinho, as casas muito antigas, a Casa do Judeu, os solares. Ter tido solares significa que Linhares já foi sede de concelho, que já foi muito importante – e é.” Para quem gosta de visitar estas terras por ocasião das festas, há uma no domingo a seguir ao feriado de Corpo de Deus. E no terceiro fim de semana de agosto celebra-se a festa de Santa Eufémia (que noutros lugares é festejada a meados de setembro). Aqui é antecipada para receber os emigrantes. E eles ajudam a dar outra vida à terra no “querido mês de agosto”, como diz a cantiga popular. Sílvia Júlio
ao ar livre
Inatel Linhares da Beira Hotel Rural Inaugurado a 4 de setembro de 2009, é constituído por dois solares, habitações antigas de famílias abastadas. O Solar Corte Real foi construído na segunda metade do século XVII (com características barrocas) e o Solar Brandão e Melo (com influência neoclássica do século XIX). “Houve o cuidado de manter a traça dos antigos solares, dando-lhe o conforto atual”, informa Ana Martins, 39 anos, diretora há cinco desta unidade hoteleira. O hotel tem 26 quartos, bar, piscina, campo de ténis e “um grande jardim para usufruir”, sublinha. Além do mercado nacional, também o europeu procura cada vez mais conhecer a rede das Aldeias Históricas e o turismo de natureza. Doutras latitudes, também os brasileiros e chineses parecem estar a descobrir o interior do país. Ser considerada “capital do parapente” traz a Linhares da Beira mais gente no verão. No inverno, a proximidade da serra da Estrela é um chamariz para muitas famílias. Em qualquer altura do ano, outros locais podem ser visitados a partir dali: Celorico da Beira, Fornos de Algodres, Gouveia e Seia. Para dar energia ao passeio, Ana Martins sugere os pratos típicos da região, como “cabrito, borrego”, e uma sobremesa de “requeijão com doce de abóbora”. O queijo da serra é imperdível para os apreciadores. Inatel Linhares da Beira Hotel Rural Largo da Misericórdia Tel: 271 776 081 E-mail: inatel.linhares@inatel.pt
Opinião
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TURISMO DE NATUREZA E CONSERVAÇÃO A Organização das Nações Unidas declarou 2017 como o Ano Internacional do Turismo Sustentável para o Desenvolvimento Por Jorge Paiva
É
relevante para a Conservação da Natureza um turismo de natureza, não só para a dar a conhecer, como também para educar e demonstrar que sem a Natureza a Humanidade não sobreviverá. Porém, esse turismo tem de ter regras muito específicas e duras, para não se destruir a Natureza, como está a acontecer em algumas Reservas do Globo, que até são Património Mundial. Normalmente, às empresas turísticas interessa o maior lucro possível e esquecem-se que não podem destruir o “filão da mina de ouro”, neste caso a Natureza. Era o que estava a acontecer nas Reservas do Serengeti (Quénia e Tanzânia), onde os guias turísticos, para conseguirem avultadas gorjetas de turistas pouco escrupulosos, aproximavam as viaturas dos animais em acção predatória (particularmente leões e chitas), acabando por afugentar as presas, tendo como resultado a morte à fome desses predadores. Foi o que aconteceu no Algarve com a orla litoral verde de pinhal (pinheiro-manso), com 5-10 km de largura e que foi praticamente destruída pela densa construção de empreendimentos turísticos (restam alguns pinheiros-mansos nos jardins e nos campos de golf). Conheço Parques Nacionais estrangeiros em que não só o número de turistas é limitado, como também os circuitos são
indicados pela administração desses Parques e, muitas vezes, não são sempre os mesmos. Além disso, os guias ou são funcionários dos respectivos Parques ou são guias habilitados com cursos ministrados por pessoal desses Parques. Já visitei Reservas que são disso exemplo como uma bem próximo de nós, o Parque Nacional Doñana (Espanha) e outras bem longe, como os Parques das Galápagos (Equador). Nas Galápagos até há ilhas que não podem sequer receber visitas de turistas. Das que recebem turistas, estes só podem visitá-las acompanhados por guias encartados com cursos ministrados pelo Parque, percorrendo trilhos determinados, não podendo sair desses trilhos, nem podendo molestar os animais, nem podendo colher qualquer organismo, vivo ou morto. Quando os animais estão em época de reprodução ou de cio, a administração do Parque não permite visitas às zonas habitadas por eles. Assim, é a administração do Parque que indica às empresas turísticas os locais a que podem levar os turistas. Não são os guias turísticos ou as respectivas empresas a escolher as ilhas e os trilhos a percorrer. Por outro lado, o guia tem de ir sempre munido com o documento comprovativo passado pelo Parque, depois de habilitado com o referido curso para guia da natureza. Esses guias são não só muito competentes,
como também extremamente cuidadosos, não permitindo qualquer abuso aos turistas. Também testemunhei isto no Parque Nacional das Seychelles. Nós ainda não estamos suficientemente educados para aceitar regras dessas. Basta perguntarmos se as autarquias e os agentes de turismo aceitavam um número limitado de turistas na área da Torre (Serra da Estrela) ou nas Matas de Albergaria e Bouça da Mó (Gerês). Em algumas Reservas que conheço, não é permitida a entrada a qualquer veículo motorizado, como, por exemplo, uma na vizinha Espanha, o Parque Nacional de Ordessa e Monte Perdido. Trata-se de um Parque com uma área enorme (15.608 ha e 19.679 ha de zona periférica de protecção). Nos 15.608 ha não é permitido acampar nem a utilização de qualquer veículo. Aceitavam-se regras destas em Portugal? A Humanidade vive, actualmente, numa sociedade de economia de mercado, cuja preocupação predominante é produzir cada vez mais, com maior rapidez e o mais barato possível, de modo a conseguir-se o máximo lucro e, desta maneira, é um risco indicarem-se os sítios onde existam espécies raras ou em vias de extinção, pois numa sociedade assim, o que é raro é mais caro e mais apetecível. É exemplo disso o que aconteceu com as populações de rinocerontes no Quénia. Apesar da proibição de caçar e estarem “protegidos” em Reservas, passaram de 20.000 indivíduos para 350 entre 1970 e 1983. Apesar das duras penas e elevadas coimas que existem no Quénia para quem mate um rinoceronte, a população de rinocerontes quenianos pouco aumentou num espaço de 20 anos (1983-2000), existindo actualmente no Quénia apenas cerca de 430 indivíduos e em Reservas muito vigiadas. Na província do Niassa, norte de Moçambique, em 2015, foram dizimados, com utilização de helicópteros, mais de 2.000 rinocerontes, por traficantes chineses. Não somos contra o turismo de natureza, mas é fundamental fazê-lo com as devidas regras. Em Portugal não temos ainda guias habilitados para tal, nem condições nas nossas Reservas para que regras duras possam ser cumpridas. Além disso, as nossas leis para a Protecção da Natureza são ainda muito brandas e praticamente ineficazes. Infelizmente, tenho assistido a muito mau comportamento de turistas de natureza, não só em Portugal [basta observar a quantidade de plásticos e de fraldas descartáveis que ficam nas bermas das estradas para a Torre (Serra da Estrela), após 2-3 dias de neve; dos cumes da serra da Peneda (Parque Nacional da Peneda-Gerês) já eu retirei duas cadeiras de plástico que alguém tinha retirado de um dos cafés ou restaurantes do Santuário da Peneda, situado a uma altitude 800m mais baixa], como também no estrangeiro, pois em 2004, estando em Ainaro (Timor-Leste), no dia seguinte (23.01.2004) a um jantar-churrasco promovido por um grupo de membros de ONG, não timorenses, muitos deles trajando camisolas com frases alusivas à protecção do Ambiente, o local estava pejado de lixo sólido, particularmente de latas vazias de refrigerantes. Actualmente, as vias que levam ao “altar do Mundo” (Himalaias ± 8000 m de altitude) estão pejadas de lixo deixada por alpinistas nada escrupulosos. Turismo de natureza sim, mas limitado, com guias bem preparados, com regras específicas, claras e muito duras. [O autor escreve de acordo com a antiga ortografia]
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Viajando com livros
Garrett no Ribatejo Santarém o seu património construído e natural e algumas das suas notáveis figuras políticas, sociais e intelectuais avultam, com insistência, na obra de Garrett Por António Valdemar
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esde as Viagens na Minha Terra, ao Frei Luís de Sousa, até ao Alfageme de Santarém e ao Romanceiro. Esta presença viva da cidade e da própria região continuam a ser objeto de curiosidade e de reflexão, mesmo sem que haja qualquer efeméride a comemorar. Uma das questões fundamentais assinaladas por Garrett reside na defesa e valorização do património de Santarém em particular e do Ribatejo, em geral. As características diferenciais da região, em face de outras regiões do País ficaram pormenorizadas no decurso das Viagens na Minha Terra. Se é a geografia que faz o homem, também é o homem que faz a geografia. Garrett evidenciou a originalidade do meio físico, a borda de água, a charneca, a lezíria, os costumes locais, as singularidades das várias populações. Reconheceu o papel do homem na modificação do ambiente, o esforço da sua vontade e inteligência para transformar e, por vezes, contrariar as condições naturais. Garrett revelou uma tal abrangência que se aproxima das recentes definições da UNESCO, do Conselho da Europa e outras organizações internacionais. Nas Viagens na Minha Terra chamou a atenção para os atentados aos monumentos. Contudo, não se limitou às conceções tradicionais. Fez questão de referir que se deve lutar por um conceito mais alargado de património considerando também património a intervenção direta na paisagem e na cultura. Na primeira metade do século XIX, Garrett já tinha esta visão de conjunto. Repare-se nestas observações contidas nas Viagens na Minha Terra: «Santarém é um livro de pedra, a capital do gótico com arquitectura notável e, noutro passo, mas com a mesma pertinência: Estragado como os outros, profanado como todos, o olival de Santarém é ainda um monumento». Restituiu na criação literária a autonomia e força telúrica do Ribatejo, o fluido que dimana das nuvens, o impulso dos ventos, o curso do Tejo, o cheiro dos campos, que fazem parte do ar que se respira, do sangue que circula nas veias e que o escritor projeta na escrita. Depara-se uma relação direta com a terra, uma aliança da Geografia com a História e a Antropologia, associada à herança rural, às tradições ancestrais, aos sentimentos comuns, a todos os vínculos de memória coletiva. Perante os diversos setores da criação erudita e popular, Garrett, nas Viagens na Minha Terra e no Romanceiro, confere-lhes a mesma relevância, sem estabelecer compartimentos estanques entre artes maiores e artes menores, quando ainda se fazia sentir essa clivagem. A própria UNESCO demorou a esclare-
cer estes conceitos. Tentou definir patri- herdámos e somos portadores. Esta linha de orientação foi preconizada mónio agrupando-o em três categorias: por Garrett na primeira metade do sécumonumentos, conjuntos e lugares. Por lo XIX. Encontra-se nas Viagens na Minha monumentos entendia obras arquitetóTerra. Outro dos exemplos é o romance de nicas de escultura ou de pintura, monuSanta Iria. Ultrapassou o âmbito do patrimentais, elementos ou estruturas de camónio edificado, do saber erudito e livresráter arqueológico que tinham um valor co, antecipando-se a muitas diretrizes reuniversal excecional sob o ponto de vista centes, que passaram a integrar no todo o da História da Arte, da Ciência; por conpatrimónio etnográfico, literário e musical juntos, designava grupos de construções e a própria paisagem. isoladas ou agrupadas, cuja arquitetura Com Garrett desencadeou-se um moviunidade e integração na paisagem lhes dê mento de opinião, dirigido aos responsáum valor universal excecional, sob o ponveis do País, desde o chefe do Estado, os to de vista histórico, estético, etnológico membros do Governo e da hierarquia reou antropológico; finalmente, por lugaligiosa, até aos autarcas e aos párocos das res, definia obras conjuntas do homem e pequenas localidades de todas as regiões. da Natureza, assim como zonas incluindo Apesar do aproveitamento, do suporte lugares arqueológicos, que tenham um valor universal excecional, sob o ponto de ideológico a diversos setores políticos do vista histórico, estético, etnológico ou an- salazarismo, a obra de Garrett e, sobretudo, a de Ramalho seu discípulo e contitropológico. Esta posição da UNESCO possuía, con- nuador representam o início, – nem semtudo, uma visão muito redutora da histó- pre bem compreendido e realizado –, da ria do homem, selecionando do todo com- reabilitação e classificação do património. É certo que, por diversas circunstâncias, plexo social e cultural que é a história dos umas de caráter científico e homens, apenas alguns técnico, outras de natureza considerados de valor política, não tem sido pospela geração de então. “Garrett ao sível em Santarém articular Encerra também uma condenar, com as necessidades e interesses conceção erudita das locais com a história e o quoartes, inspira-se em criveemência, o térios estéticos. Faltava tidiano. Torna-se urgente a desrespeito a esta definição a comvalorização de todos os seus preensão de que a ação perante a História, espaços envolventes. Havehumana é complexa e que sensibilizar a populaa Arte e a Paisagem rá integrada e que todo o ção para a preservação dos material que chegou aos assumiu um sentido valores culturais, contribuir nossos dias testemunha a revitalização do meio de intervenção, de para essa complexa antropofísico e social; melhorar a logia cultural e social do pedagogia cultural qualidade de vida, proceder nosso passado. Não conao ordenamento do tráfego, e cívica que, em templava, ainda, o patrirecuperar e revitalizar o pamónio escrito e oral. trimónio. O núcleo histórico muitos aspetos, Todavia, em 1976, requer frequente recolha de não perdeu reuniu-se em Nairobi lixo, condições de higiene e a Conferência Geral da salubridade. atualidade” UNESCO e elaborou o A maioria dos imóveis de documento relativo à caráter habitacional apreparticipação e contribuição das massas po- senta sinais de degradação. Assiste-se à depulares na vida cultural. Depois de salientar molição desses imóveis, mediante pressões a génese sociológica da cultura, recomen- do mercado para o aumento da área edifida aos seus estados membros que devem cada e as dificuldades técnicas e financeiras proteger, salvaguardar e reabilitar todas as que a recuperação implica. formas de expressão cultural, tais como as Repetem-se hoje muitas situações assilínguas nacionais ou regionais, os dialetos, naladas nas Viagens na Minha Terra. Garrett as artes e tradições populares, passadas e ao condenar, com veemência, o desrespeipresentes, assim como as culturas rurais e to perante a História, a Arte e a Paisagem de trabalho, (...) já que a qualidade do meio assumiu um sentido de intervenção, de natural se torna indispensável para o desen- pedagogia cultural e cívica que, em muivolvimento da pessoa humana. tos aspetos, não perdeu atualidade. Esta visão do património cultural já não Pela amplitude de visão, desassombro e é só erudita e inspirada em critérios esté- coragem das afirmações, as Viagens na Miticos – mas alargou-se – à herança cultu- nha Terra podem considerar-se o primeiro ral popular, incluindo o património oral. manifesto escrito, entre nós, para salvaDeste ponto de vista, tudo é património guardar o que constitui motivo de identicultural a partir do momento em que nos ficação e orgulho de uma cidade, de uma testemunha e informa da cultura que nós região e do próprio País.
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Casa na árvore
Para satisfazer o desejo dos que o acompanhavam, um eremita, no sul da Índia, deixa-se morder por uma cobra-capelo. A serpente venenosa crava-lhe os dentes com toda a força. Porém, o eremita permanece impassível e quem morre em agonia é a serpente Por Susana Neves
A ÁRVORE QUE AJUDOU AS PESSOAS A
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ara satisfazer o desejo dos que o acompanhavam, um eremita, no sul da Índia, deixa-se morder por uma cobra-capelo. A serpente venenosa crava-lhe os dentes com toda a força. Porém, o eremita permanece impassível e quem morre em agonia é a serpente. Este acontecimento prodigioso é testemunhado por A. Sada, membro correspondente da Academia Internacional de Geografia Botânica, e por ele é descrito na revista “Le Monde des Plantes”, de 1 de Setembro de 1892. Director desta publicação mensal francesa, A. Sada conta como ao questionar o anacoreta sobre a razão da sua extraordinária imunidade ele se justifica dizendo simplesmente que comia “pão de Mélia” (Melia azedarach L. e Melia azadirachta L.), por vezes, combinado com outras espécies amargas. Depois de o acompanhar durante todo o dia, A. Sada confirma a veracidade das suas palavras e constata que os médicos naturalistas indianos tinham razão: «Para quem o ama, o Vembu (Melia azedarach L., e Melia azadirachta L. e outras plantas amargas) torna-se doce como a cana de açúcar. Quem se habitua, desde o final da infância, a comer Vembu, dispõe de um antídoto contra todos os venenos, fica isento de todos os males da terra, e goza de hábitos saudáveis».
REZAR Mesmo prescrita isoladamente, a Melia azedarach L., entre nós conhecida por Amargoseira ou Cinamomo, é uma árvore importante na farmacopeia asiática (sobretudo, na Índia, Paquistão, China e Japão) e também em algumas regiões de África, onde as suas bagas são misturadas com a água da chuva para eliminar vermes do estômago. Na Índia, as folhas
tratam as queimaduras dos pés ou servem como emplastros para curar feridas expostas. Quando não utilizadas medicinalmente, as folhas, bagas, flores, casca e raiz da Melia azedarach (do persa azad-dhirakt = árvore nobre, livre) podem envenenar pessoas e animais. No entanto, são imunes à sua toxicidade, várias espécies de pássaros: os que ajudam a polinizar as suas flores brancas e lilases, muito perfumadas, e os que comendo o fruto, semelhante a uma pérola de cor creme, contribuem para disseminar a semente. O conhecimento desta imunidade electiva ao veneno é milenar, a ele se referindo simbolicamente o filósofo chinês Wang Fu (82 a.C. – 167 d.C.) ao explicar que se as folhas da Mélia repelem os dragões ao mesmo tempo atraem a Fénix, ave prodigiosa. Baptizada de Melia, por Lineu, em 1753, por o botânico encontrar nas suas folhas uma grande parecença com as do freixo (em grego, freixo diz-se melia), esta espécie, da família das Meliaceae, é também um repelente de insectos. Nas Filipinas, os cafeeiros e o cânhamo-de-manila são plantados à sombra das Mélias para não serem atacados por pulgões. Na agricultura tradicional asiática era costume aspergir as plantações com uma decocção das folhas e frutos, e com
as folhas se protegiam os frutos secos armazenados. Mas a sacralidade da Mélia, “Árvore Santa”, “Árvore Paraíso”, vai ainda mais longe. É que as suas sementes ajudaram as pessoas a rezar. Fáceis de furar, os caroços onde se escondem as sementes, foram usados como contas de rosários, no contexto do budismo mas também do catolicismo. Na Europa, sobretudo na Grécia, a Mélia era plantada junto aos mosteiros para os monges fazerem os seus rosários, e por isso também se designa de “Árvore do rosário” e “Conteira”. Tendo sido uma das 42 espécies arbóreas plantadas nos jardins suspensos da Babilónia, considerados uma das sete maravilhas do mundo antigo, a Mélia, “filha das montanhas”, atravessou vários continentes e serviu muitos propósitos. Com o óleo das suas sementes alumiaram-se os japoneses, os índios norte-americanos produziram sabão, os aborígenes do Norte de Queensland pescaram os peixes com o veneno das suas folhas. Em algumas aldeias da China, quando nascia uma menina plantavam-se muitas Mélias, para que não faltasse madeira para fazer o serviço de mesa do dia do casamento.
[A autora escreve de acordo com a antiga ortografia]
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Entrevista Olga Mariano, dirigente da Associação Letras Nómadas
“A minha bandeira é a educação” Foi fundadora da Amucip (Associação para o Desenvolvimento das Mulheres Ciganas Portuguesas), mediadora municipal num gabinete de ação social e preside à Letras Nómadas, uma associação de investigação e dinamização das comunidades ciganas. Diz que é “uma mulher cigana igual a todas as outras”. Que não se desviou um milímetro da sua tradição. Esta viúva, que se veste de negro e com lenço na cabeça, não descarta a ideia de, aos 67 anos, ir para a universidade estudar Serviço Social
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oi difícil agendar a entrevista com Olga Mariano, porque vive diariamente aquilo que chama de “nomadismo social”. Ora estava por Alfândega da Fé, ora em Viseu, ora aqui, ora ali. Tem andado pelo país fora a sensibilizar e a formar pessoas sobre a cultura cigana para “todos darmos as mãos”. A sua missão é facilitar as relações entre ciganos e não ciganos, salientando a mensagem de que os estudos são um instrumento para o futuro. No mês em que se celebram o Dia Mundial da Criança e o Dia de Portugal, damos-lhe a conhecer o pensamento, as palavras e a ação de uma mulher que não se cansa de repetir, em qualquer ponto do país, esteja com quem estiver, que tem esperança nos meninos e meninas de amanhã. Que oportunidades de futuro têm hoje as crianças ciganas? Se tiverem instrução a nível curricular, as oportunidades serão maiores. Além do mais, hoje também se sabe quais são os direitos. E se, eventualmente, se sentirem lesados ou discriminados, podem recorrer para, com sabedoria, tentar a igualdade de oportunidades. E já sentem essa igualdade de oportunidades? Por agora, não. Até porque a igualdade de oportunidades só se faz havendo exatamente essa tal ‘igualdade’... A igualdade de oportunidades aparece supostamente quando, por exemplo, duas pessoas concorrem a determinado emprego em pé de igualdade. Sabemos que há sempre preferência por aquele que não é cigano, mesmo se o curriculum
for igual. Nós, os ciganos, somos sempre preteridos, mas podemos recorrer aos direitos humanos para requerer essa igualdade... Sente que os ciganos têm essa noção de que podem lutar pelos seus direitos? Hoje, mais. Já recorrem aos dirigentes associativos alertando para determinadas situações discriminatórias, como o SOS Racismo. Há pouco tempo, num café, em Elvas, aumentou-se o preço de uma bebida para os ciganos não voltarem lá mais. Um rapaz foi ao café, pediu uma bebida e pagou mais do que o preço normal; a seguir foi outro, que não tem ar de cigano, pediu a mesma bebida e pagou muito menos. Pediu o recibo para poder justificar a participação da desigualdade. Eram os dois ciganos, mas pensava-se que um não era. Ainda há muito a fazer... Foi feita a participação ao SOS Racismo, mas são situações que levam o seu tempo para se corrigirem. Tem conhecimento de situações de desigualdade e discriminação na escola? Não podemos estar a julgar todo corpo docente de uma escola pela má ação de uma professora ou auxiliar educativa, mas há um episódio de uma professora, por exemplo, que pôs fora da sala de aula um rapaz cigano só porque sabia mais Inglês do que as outras crianças. Ele respondia sempre e a professora dizia-lhe: “Ou tu continuas a fazer desenhos no papel e deixas-te estar calado ou ponho-te fora da sala de aula, porque tu já sabes…” Tenho situações destas. Há sempre discriminação, umas vezes porque sabe de mais, outras porque sabe de menos, outras, ainda, porque faz demasiadas
perguntas e não se pode perguntar e incomodar. Basta ouvir a professora e é o suficiente. Não tem sido muito fácil. Claro que há outras professoras que têm crianças ciganas e gostam de as ter por lá. Mas a discriminação está latente, onde haja ciganos. O que aconteceu com essa criança que sabia demasiado Inglês e que a professora lhe disse para estar calada? O que os pais fizeram? Houve uma reunião com a direção da escola e falou-se dessa situação. O rapazinho já nem queria ir à escola. Achava que não valia a pena ir porque a professora lhe dizia que já sabia tudo e que se deixasse estar calado. Ele passou de ano e já não está com essa professora. De uma forma geral, nos estabelecimentos de ensino, como é que as crianças de etnia cigana se sentem olhadas, quer pelos professores, quer pelos colegas, quer pelos auxiliares de educação? Os meninos ciganos que andam hoje na escola são crianças que estão muito abertas ao outro e socializam com muita facilidade. Hoje em dia, a igreja evangélica tem dado algumas oportunidades a essas crianças a terem uma visão diferente do outro. Não estão tão fechadas nos seus bairros sociais, saem mais. É preciso é que os outros estejam abertos a isso. E a escola é um centro de sociabilização. Há palavras de Nelson Mandela que continuam a fazer eco: “A educação é o grande motor do desenvolvimento pessoal. É através dela que a filha de um camponês se torna médica, que o filho de um mineiro pode chegar a chefe de mina,
que um filho de trabalhadores rurais pode chegar a presidente de uma grande nação.” É possível garantir que todos os meninos e meninas completem o ensino primário e secundário com “resultados de aprendizagem relevantes e eficazes”, como se lê num dos Objetivos da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável? Eu não sou uma sombra do Nelson Mandela, mas também costumo dizer uma frase: “Eu posso ser tudo o que quiser sem deixar de ser quem sou.” A educação é um instrumento para a vida. Eventualmente, até poderá ser, nos próximos anos, pouco ativo a nível de emprego. Mas se não servir a nível profissional, certamente que a nível pessoal será um grande instrumento. E eu insisto, insisto, insisto para que seja uma realidade nas comunidades ciganas, começando pelo jardim de infância, passando pela primária, secundário e, porque não?, chegar ao ensino superior. Quantas pessoas ciganas frequentam o ensino superior? O projeto – de que sou uma das partes – chamado Opré Chavalé, na língua romani, que quer dizer Erguei-vos, jovens ciganos, foi pensado de uma forma diferente pela associação Letras Nómadas. É de pequenino que se torce o pepino – assim o dizem. É em pequenino que temos de investir, mas a Letras Nómadas pensou que tinha de ser ao contrário, através dos exemplos dos mais velhos para os mais pequeninos os seguirem. Convidámos uma Organização Não Governamental (ONG), a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, para ser nossa parceira. Com esse projeto candidatámo-
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Beatriz Maduro
-nos a fundos da Noruega. Em Portugal estava representado pela Gulbenkian. O projeto foi aceite. Houve alunos ciganos, homens e mulheres, que conseguiram ingressar no ensino superior. O projeto foi considerado uma boa prática e houve uma aposta da parte dos nossos governantes. E virou programa nacional. Hoje temos 25 alunos neste programa, treze mulheres e doze homens. As mulheres também aqui estão em maioria. E quem são as mulheres ciganas, as mães dessas crianças e jovens, até porque a educação passa, sobretudo, por elas? Sim. Nós, as mulheres ciganas, somos as educadoras. Houve um trabalho, anteriormente à decisão dos pais, de conquista com mediadoras. O projeto, a nível nacional, com mediadoras mulheres, casadas, fez toda a diferença. Elas iam falar com os pais, com as mães… Mostravam as faculdades às mães para verem que não era um bicho papão. Temos encontros dos alunos quatro vezes por ano, onde convivem, onde há um plano formativo, e as mães podem vir ver, os irmãos também podem ali estar… Isto é de cigano para cigano. Não afastamos as meninas ciganas da sua tradição, da sua cultura e do respeito. É tudo dentro da lei cigana. Aqui não há desvios absolutamente nenhuns. Assim, olhamos para o outro e vemos que há mais ciganos iguais a nós. E isso também ajuda. Os pais veem que, afinal de contas, há outras meninas e meninos iguaizinhos aos filhos. Não é “sina” de cigana ter baixos níveis de escolaridade, casar cedo e dedicar-se à venda ambulante... A venda ambulante é tão digna e séria
“Temos de desbravar muito caminho de um lado e de outro, mas também temos muita esperança de que vamos chegar lá, para que, um dia mais tarde, no tempo dos meus netos, já não tenhamos mediadores ou facilitadores”
como outra profissão qualquer. Nem todos podemos ser doutores. Mas quem quer seguir este caminho de mais sabedoria, mais conhecimento, mais valorização, mais autonomia a nível profissional, nós damos a mão, através de bolsas de estudo. Estamos a falar de famílias com graves necessidades, que têm de ter apoio para comprar livros, fotocópias, materiais. Temos vários cursos superiores – Psicologia, Sociologia, Náutica, Serviço Social, Educação Social – no ISPA, ISCSP, ISCTE, nas universidades de Coimbra, Braga, Algarve… Esta igualdade de oportunidades que estamos a dar a estes jovens ciganos vai fazer toda a diferença na vida deles. É um primeiro passo, depois eles buscam o seu futuro. Que estereótipos ainda persistem sobre a comunidade cigana? Que não trabalhamos, que não estudamos, que não queremos fazer absolutamente nada senão maldades, que não deveríamos estar em determinados sítios da malha urbana... Que os ciganos deveriam estar todos em bairros sociais – quanto mais longe da malha urbana, melhor. Ou ainda, “cuidado que vem aí o cigano, vê lá se ele não te rouba nada”. Quando trabalhamos por conta de outrem temos de mostrar por a+b que somos melhores do que os não ciganos para podermos ser avaliados. Eu não tive razão de queixa – estive a trabalhar quatro anos no gabinete de ação social da Câmara do Seixal e não tenho nada a apontar. Mas soube que outras trabalhadoras municipais nem sequer tinham sítio para pendurar a mala. Quando se fala em mudança de mentalidades não pode ser só de uma parte, tem de ser sempre das duas. Uma ponte não se faz só de uma margem, senão vai abaixo. Isso remete para outra questão... Sente que também há desconfiança dos próprios ciganos em relação aos não ciganos? Claro que sim. Somos seres humanos com todos os defeitos e qualidades. Somos iguaizinhos – só que temos uma cultura diferente. Às vezes, as culturas desconhecidas trazem-nos desconfiança. Temos uma cultura de respeito pelas pessoas mais velhas, pelas crianças, pelas mulheres – isso faz parte das nossas tradições e às vezes o outro não tem essa tradição… Daí a nossa desconfiança, até porque temos um passado de perseguições e de condenações que nos fizeram desconfiados por natureza. E da vossa parte há estereótipos. Claro que haverá quem seja assim e quem não seja assim. O grande mal é meter-se tudo no mesmo saco. Há pouco falava na ponte... Para nos conhecermos melhor, como unir as margens? Devemos respeitar-nos uns aos outros enquanto seres humanos. Depois, temos que sociabilizar na malha urbana, para podermos estar mais convosco. Quando vamos a uma entrevista de emprego, que não nos pretiram. Somos preteridos só porque somos ciganos. Somos todos portugueses... Esta aproximação tem de ser de parte a parte. Todos somos humanos, todos temos qualidades e defeitos, independentemente de raça e cultura. Mas eu tenho esperança. Se não tivesse esperança, não lutava tanto como luto. Eu acredito. E é por acreditar que foram desenvolvidos projetos para empoderar as mulheres e as crianças na Amucip e na Letras Nómadas… Tem sido um trabalho feito em prol das mulheres e das crianças. É dar
oportunidade às mulheres para conciliarem a sua vida familiar e profissional, estando mais estáveis e com mais abertura, para elas serem mais mulheres – não serem só mães, filhas, sogras e avós. Estamos no bom caminho. Se não estivéssemos não teríamos até casais ciganos na universidade. Temos jovens desde os 18 aos 36 anos. É gente casada a estudar, e com filhos já grandes. Isto é a tal esperança de que estava a falar. Às vezes damos um passo em frente e outro atrás. Temos de desbravar muito caminho de um lado e de outro, mas também temos muita esperança de que vamos chegar lá, para que, um dia mais tarde, no tempo dos meus netos, já não tenhamos mediadores ou facilitadores, porque já vamos ter professoras e professores ciganos, empresários, psicólogos, sociólogos... É esta a nossa esperança. Temos de ter alguém que aposte e acredite como nós. Temos de trabalhar em conjunto. É dessa forma que se fazem as pontes. Só em rede é que poderemos ter mais projetos e derrubar estereótipos de parte a parte. Se uma mulher mais velha quiser estudar e que, eventualmente, nunca tenha ido à escola, pode ser ajudada pelas vossas associações? Claro que sim. Nós informamos, encaminhamos. Temos parcerias. Se a mulher não tiver o quarto ano, obtém o quarto ano; se tiver o quarto ano pode passar a ter o sexto; se tiver o sexto pode ter o nono; se tiver o nono, pode passar a ter o décimo segundo ano… Em todas as localidades há sempre quem apoie. Temos sempre uma palavra para informar onde se podem dirigir. Da parte da comunidade cigana sente resistência à educação escolar? Em algumas situações, por que razão há pais que não querem tanto que as crianças prossigam os estudos? Há pais que não querem tanto… É um caminho que se faz caminhando. Todos os meninos e meninas fazem o primeiro ciclo. Depois, entre o segundo e o terceiro vão-se perdendo alguns. Principalmente, as meninas. Agora, esperamos que, com estes novos exemplos, as coisas comecem a andar mais para a frente. Mas porque é que acontecem essas resistências, até porque as escolas estão cada vez mais abertas? Primeiro, há sempre aquela frase que os pais e as mães dizem quando os filhos querem estudar mais: “Ó filha, estudar para quê?” A gente sabe que é verdade. Porque é que vamos estudar se depois não há emprego? A maioria chega a um consenso que, afinal de contas, não vale a pena tirar uma licenciatura, que depois ninguém nos dá emprego porque somos ciganos. Sem dúvida que isto é um facto. Depois, morar em bairros sociais… Existe muita pobreza – e quando falo em pobreza não refiro só pobreza financeira… O que estamos a fazer é desbravar. Claro que não vamos com muita sede ao pote. Tem de ser devagar. Têm sido 500 anos de muitas perseguições, muitos estereótipos, muita discriminação, muito racismo. Temos de ir devagar para não assustar as pessoas. Mas vamos lá chegar. A Olga Mariano apresenta-se como uma mulher-árvore. E os frutos da sua árvore já estão aí com meninas e meninos ciganos indo mais longe nos seus estudos… É o meu orgulho. A minha bandeira é a educação. É para isso que luto todos os dias, e não é pouco. E mais feliz fico por saber que vai haver quem siga estes passos. É esta a luta. Sílvia Júlio
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Desporto Laboral Inatel
“Picar o ponto” pela saúde das organizações e dos trabalhadores
A Fundação Inatel tem um papel ativo no desporto, faz parte da missão Inatel o aproveitamento dos tempos livres dos trabalhadores. O projeto Desporto Laboral, criado em 2013, traz o desporto e o aproveitamento desse tempo num contexto de trabalho. A hora de almoço é passada numa aula de yoga, de pilates ou de chi kung
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epois de um ano à experiência no edifício principal da Fundação Inatel, o projeto ganhou asas e está atualmente ativo na Secretaria Geral do Ministério das Finanças, que engloba outros Ministérios, na ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho e REN – Redes Energéticas Nacionais. Para além da missão, “é recuperar a história da FNAT, onde havia os antigos saraus para trabalhadores, recuperar o que era feito há anos e replicar num conceito mais moderno e atrativo, numa realidade atual, numa altura em que se fala cada vez mais dos benefícios do exercício físico”, explicou João Ribeiro, pioneiro do projeto e diretor do departamento do desporto da Fundação Inatel. Em 1935, a ginástica era uma área em que a FNAT estava avançada para a época, no contexto do nosso país. Promovia a sua prática pelos trabalhadores, e pela primeira vez em Portugal, ginástica feminina para
operárias e empregadas de várias fábricas e empresas. Em julho de 1940, a FNAT já tinha em atividade classes femininas de
ginástica em várias empresas da região de lisboa, com cerca de 400 praticantes. Na SGMF, são elas e eles que se mexem
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Circuito Nacional de BTT Inatel com novas etapas
na hora de almoço, com uma sala própria, com opção de aulas de yoga, pilates e chi kung, desde maio de 2015, de terça a sexta-feira. Os benefícios são para ambas as partes, para as organizações e para quem pratica, como explica Francisco, um “guru” do yoga, aluno desde o primeiro dia do projeto: “É um investimento que a própria organização faz em termos de responsabilidade social, motiva-nos na maior interação com os colegas (muitos deles não se conhecem e só trocam emails) e vamos da parte da tarde com outro estímulo para o trabalho. Ajudamos mais os outros, e os outros ajudam-nos mais.” E há relações, há laços que se criam numa aula e que perduram, como é o caso da Graça, aposentada mas continua a vir às aulas. A professora Susana, professora de yoga, acompanha a turma há dois anos e fala orgulhosa de quem, desde o primeiro instante se mostrou interessada e motivada para fazer parte. “Senti uma abertura enorme da parte das pessoas, e há quem faça as duas atividades (yoga e pilates) e querem sempre mais qualquer coisa”. Quem leva o pilates até à SGMF é a professora Elsa. Compara as diferentes atividades e destaca o lado mais milenar do yoga, como filosofia de vida e mais meditativo, enquanto o pilates é mais recente, 50 anos, e baseia-se não só no yoga como também em diferentes exercícios de dança. Usa diferentes acessórios, como banda; soft bola e o tapete, acessórios que enriquecem e desafiam os alunos. O mesmo acontece com o yoga quando a Susana leva para a aula cintos e blocos. “Usamos quando já se tem a consciência do corpo, o que faz com que se exige mais dele”, palavras das professoras. “Noto as pessoas mais calmas. Eu digo para deixarem os relatórios lá atrás, para terem os primeiros momentos e depois começamos a aula», Elsa tem regras básicas para o início da aula, e só assim é que quem pratica vive e sente o pilates. Lurdes, aluna há um ano, começou a praticar por recomendação médica e confirma que é preciso “desligar o ship do trabalho por completo. O pilates tem que se sentir, temos que estar concentrados”, conta. Florbela é a mais nova “aquisição” nas aulas da Elsa, desde março, e teve conhecimento através de uma divulgação de desporto laboral. Confessa que com esta opção, desporto laboral, “praticamos mais exercício físico e vamos mais relaxados, a parte da tarde corre melhor!”, e acrescenta que “deveria ser obrigatório” em todas as organizações. É o “picar o ponto” na saúde, na produtividade e é conhecer com quem trocamos emails todos os dias. Maria João Costa
Depois de Oliveira do Hospital e Sines, pedala para norte
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Fundação Inatel tem uma ligação importante com o desporto e com a natureza, sendo o BTT (Bicicletas Todo-o-Terreno) uma das atividades desportivas que melhor os une. O Circuito Nacional de BTT Inatel nasce da ligação da Fundação com o turismo, a natureza e a cultura, e é a partir deste circuito que se cria uma rede de eventos que de outra forma estariam isolados. Francisco Madelino, presidente da Fundação Inatel, explica que o circuito existe em “associação com os municípios e associações locais que já estejam a fazer este tipo de provas, e fazer provas que permitem usufruir da paisagem envolvente e ao mesmo tempo por os nossos CCD a atuar” como aconteceu em Sines, na prova 2.ª Maratona BTT da cidade de Sines com a Trupe Euterpe de Portalegre. Com a primeira etapa em Oliveira do Hospital, na Maratona BTT Lazer ARCC, onde estiveram cerca de 200 participantes, passando por Sines com 300 apaixonados pelo desporto, o circuito de BTT irá percorrer o norte e sul do país até outubro. Dia 2 de julho será em Entre-osRios, numa parceria com CIM Tâmega e Vale do Sousa, na prova CIM Tâmega e Vale do Sousa/Inatel. Em agosto será no dia 26, em São Pedro do Sul, com a organização de Termas Hóquei clube. Outubro será o mês do Estrela Bike Race, uma organização da Inatel, nos dias 6,7 e 8 com passagem por Piódão, Manteigas e Linhares da Beira. Monsanto marcará o fim do primeiro Circuito Nacional de BTT da Fundação Inatel.
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Bali
Um lugar para nos maravilhar
Partimos para um dos destinos mais procurados da Indonésia. Sobrevoamos as águas do oceano Índico. Vamos ao encontro da cultura asiática. Na Ilha dos Deuses encontram-se templos de quietude e deslumbramento
BALI, A ILHA DOS DEUSES Partida de Lisboa: 15 a 24 de agosto Informações: Tel. 211155779 | turismo@inatel.pt | www.inatel.pt
C
hegamos a Denpasar, capital de Bali. Começa uma grande aventura para os sentidos. A primeira paragem é no sudoeste da ilha. Nas praias de Kuta e Seminyak há tempo para apreciar uma multidão multicultural de estilo descontraído. Tempo para passear à beira mar. Tempo para contemplar o esplendor do pôr do sol. Na manhã seguinte visitamos Taman Ayun. Templo real familiar construído em 1634 para honrar os antepassados da dinastia Raja de Mengwi, e outros deuses hinduístas. Destacam-se os “merus” (templos) de cinco, sete, nove e onze camadas, símbolos da montanha e do universo e, ainda, o enorme fosso que rodeia o templo, uma representação do mundo dos oceanos. Continuamos até Belimbing. Região com terraços de arroz, plantações de café e cacau, e típicas aldeias balinesas. Um extenso manto verdejante estende-se sobre as encostas da montanha de Batakuru. Um novo dia. Logo pela manhã aguarda-nos uma caminhada para percorrer os campos de arroz e descobrir as árvores
tropicais desta região (cacau, durião, mangostão, noz-moscada, salak). Respiramos o ar da montanha. Sentimos a energia deste cenário tranquilo onde reinam a beleza e o vigor da natureza. Depois vamos até Pupuan, um terraço de arroz rodeado por pomares e plantações de café. No percurso, passagem por uma área de floresta tropical e quedas de água. Avistam-se alguns templos junto à estrada. Continuamos até ao lago Beratan para ver o templo flutuante de Ulun Danu, local sereno de culto hinduísta que protege a ilha dos maus espíritos.
Revigorar e purificar Ubud é uma pequena cidade tradicional. Ali, diversas oficinas de artesanato e galerias de arte partilham o território com templos e arrozais. É um maravilhoso recanto verde. O coração artístico e artesanal da ilha alcançou celebridade turística com o filme Comer, Orar, Amar, protagonizado por Julia Roberts, baseado no livro de Elizabeth Gilbert sobre a sua experiência pessoal: “Explorar a arte do prazer na Itália, a arte da devoção na Índia, e, na Indonésia, a arte de equilibrar as
duas coisas.” Em Bali, a autora exercitou o equilíbrio entre o prazer mundano e a transcendência divina. Neste lugar, um dos seus pensamentos, “melhor viver o seu próprio destino de forma imperfeita do que viver a imitação da vida de outra pessoa com perfeição”, tem um significado mais profundo. Visitamos o mercado de Ubud. Apreciamos uma vasta coleção de artesanato típico balinês. E observamos as pessoas, os frutos, as flores. Deixamo-nos atrair pelos aromas e sabores. O outro lado da vida. O que pode ser visto com simplicidade. Seguimos viagem por cenários de grande beleza até chegar a Kintamani. A vista do vulcão Batur, com o lago homónimo na sua base, faz parte do programa. Também a visita ao templo de Tirta Empul. Um lugar de culto hinduísta cujas nascentes, consideradas sagradas, são muito procuradas pelos balineses para purificar a mente e o espírito. Continuamos o nosso caminho até Nusa Dua. É um enclave paradisíaco. Situadas na ponta sul de Bali, as praias de Nusa Dua são perfeitas para relaxar e renovar as energias. Teresa Joel
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Na mesa com
Hugo Dias de Castro
“N DR
atural de Guimarães, com apenas 14 anos cheguei à capital para estudar na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril. O sonho de ser cozinheiro tornou-se realidade e o que aprendi em criança, ao lado da minha avó materna, nas manhãs de domingo passadas entre as panelas de ferro e o forno a lenha, onde a avó assava o cabrito, a mão de borrego, a pica no chão ou o sarrabulho estiveram na origem desta paixão pela gastronomia portuguesa. Na Casa de Pasto, em Lisboa, há um regresso às origens e um grande respeito pela qualidade e sazonalidade dos produtos nacionais.”
Mão de Borrego solta à avó Sãozinha Para a mão 2 Mãos de borrego; 2 dentes de alho descascado; 1 folha de louro; 100 gr de pão ralado; 10 gr de sal; 10 gr de pimentão; 5 gr de pimenta preta moída; azeite q.b. Triturar o alho, louro, pão ralado, sal,
Arlindo Camacho
pimentão, pimenta e juntar azeite até criar uma pasta homogénea. Cobrir as mãos de borrego com esta pasta e levar ao forno a 140º durante 3h30. Guarnição 1 kg de batata nova; 500 gr de sal grosso; 500 gr de cebola; 50 ml de azeite; 5 gr de sal fino; 10 gr de salsa. Assar a batatas cobertas com sal grosso. Numa frigideira alourar as cebolas em meia-lua com azeite e sal fino, quando cozidas juntar as batatas previamente descascadas e o molho de assar a carne. Finalizar regando a carne com o molho e salsa picada.
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Alertas da Deco
Viajar de carro na Europa “E
ste verão, eu e a minha mulher vamos fazer uma viagem de carro por vários países da Europa. Estamos animados, mas com alguma preocupação quanto à nossa saúde. Podem aconselhar-nos? “
Antes de viajar
, solicitem o Cartão Europeu de Seguro de Doença (CESD) no serviço de Segurança Social onde estão inscritos ou na Loja do Cidadão. Como se trata de um casal, peçam um cartão para cada elemento, algum tempo antes da viagem. Em caso de atraso, é emitido um certificado provisório. O CESD dá acesso aos cuidados médicos nas mesmas condições do que os residentes do país de acolhimento: medicamentos, tratamentos, urgências, taxas moderadoras ou outras despesas em caso de acidente ou doença. É válido nos países da União Europeia, e na Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça. Ninguém vos negará assistência médica se não tiver cartão, mas pode ter de pagá-la. Guardem todos os comprovativos das despesas para pedir o reembolso à Segurança Social ou, por exemplo, à ADSE, conforme o regime em que esteja inscrito, quando regressar a Portugal. A medicação é outra questão importante. Se tomarem medicamentos sujeitos a receita, deverão levá-la e não é aconselhável exceder as quantidades necessárias para a viagem, pois pode levantar suspeitas. Como poucos países da União Europeia pagam a totalidade das despesas de tratamento, convém recorrer à assistência em viagem do seguro automóvel. No caso de doença ou acidente no estrangeiro, paga despesas médicas e farmacêuticas, despesas suplementares de deslocação, estada ou repatriamento. Poderá também contratar um seguro de viagem, mas convém verificar antes se não está já protegido. A maioria dos pacotes turísticos com transporte e alojamento incluem seguro de viagem. Certifique-se de que o seu cartão de crédito não tem associada uma cobertura deste tipo. Viajando de automóvel, não se esqueça dos documentos: carta de condução, livrete ou certificado de matrícula e carta verde. A carta de condução emitida em Portugal é reconhecida apenas nos países da União Europeia. As autoridades nacionais de cada país, como as embaixadas ou postos consulares em Portugal, podem informar os viajantes sobre se o documento português é suficiente para conduzir no seu território. Alguns países podem também exigir-lhe o livrete e a carta verde. Esta é indispensável aos automobilistas que pretendem sair de Portugal de carro. Este documento constitui uma prova de seguro reconhecida em 44 países. Votos de boas férias!
Conferência Erradicar a Pobreza
“Combate é responsabilidade de Todos”
POPular – Inatel na Rua
Em Aveiro, Évora, Lisboa, Santarém e Setúbal
A
segunda edição do POPular decorre em Setúbal e Évora, de 13 a 15 de julho, em Santarém e Lisboa, de 20 a 22 de julho, e em Aveiro, de 27 a 29 de julho. Do teatro à dança, da música à etnografia, o POPular – Inatel na Rua conta com a participação dos Centros de Cultura e Desporto (CCD). Esta iniciativa, organizada pela Fundação Inatel, com a parceria das câmaras municipais locais, pretende divulgar as práticas culturais tradicionais apoiadas pela fundação, no cumprimento da sua missão e enquanto entidade consultora da Unesco para a salvaguarda do património cultural imaterial.
Há Música no Trindade
U
ma programação com grandes vozes e instrumentistas começa dia 23 de junho, em Lisboa, no Teatro da Trindade, onde se apresentam artistas portugueses, e também do Brasil e de Cabo Verde. Sobem ao palco do Trindade, até ao final do ano, Tatanka, 23 de junho, Yamandu Costa, 24 de junho, José Manuel Neto, 7 e 8 de julho, Dead Combo, 27 e 28 de julho, Salvador Sobral, 6 e 7 de outubro, Vitorino com os pianos de João Paulo Esteves da Silva e Filipe Raposo, 13 e 14 de outubro, Frankie Chavez, 27 e 28 de outubro, e Mário Laginha e Tcheka, 15 e 16 de dezembro.
Conferências do Trindade
“V
ota MaisMenos” é o mote para Miguel Januário desenvolver na conferência do Trindade, dia 19 de julho, pelas 18h30, no salão nobre do teatro, com entrada livre. Licenciado em design de comunicação pela FBAUP, Miguel Januário tem-se destacado na área da street art e graffiti, com um projeto de intervenção que desenvolve desde 2005 e que rapidamente se tornou uma referência nos círculos portugueses de intervenção urbana. O projeto MaisMenos é a sua vertente mais visível e é através desta identidade que reivindica e intervém na paisagem urbana.
O
ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, José António Vieira da Silva, afirmou durante a conferência “Erradicar a Pobreza”, realizada no passado dia 11 de abril, no salão nobre da Fundação Inatel, no âmbito do Desafio 2030 – Uma Agenda para o Desenvolvimento Sustentável, que o combate consistente contra a pobreza passa pelo reforço do Estado social, solidariedade entre gerações e educação. Vieira da Silva começou a sua intervenção, dizendo que “é um objetivo perseguido há muitos anos, por muitas gerações, que se situa mais no plano da utopia do que na concretização”. Que os 17 Objetivos para Transformar o Mundo são de “natureza global”, realçando que “Portugal é demasiado desigual, com demasiada pobreza – a pobreza é sempre demasiada. As desigualdades geram pobreza”. A pobreza, disse, tem de ser vista sob a perspetiva económica (pobreza dos países), educativa (diferentes acessos à educação) ou regional (assimetrias regionais). Acentuou a necessidade do reforço do Estado social, da solidariedade entre gerações e do investimento na educação para a redução da pobreza. Considerou que o combate à pobreza não cabe apenas à sociedade civil. “O Estado não deve fazer tudo, porque sou favorável a parcerias, mas políticas de combate à pobreza são função do Estado.” Depois, sublinhou a necessidade de se recuperar o
“valor” da solidariedade entre gerações e de se investir na educação e formação: “Um jovem que conclua o 9.º ano de escolaridade tem 50% de probabilidades de os seus pais terem menos estudos. Isto é o retrato de uma sociedade que é profundamente assimétrica.” O ministro fechou a conferência recordando que o “combate à pobreza é uma responsabilidade de todos”, sendo “uma exigência de civilização”. O tema foi também discutido por Carlos Farinha Rodrigues, coordenador científico do Observatório das Desigualdades do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, e Edmundo Martinho, vice-presidente da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Carlos Daniel Nascimento, gestor de respostas sociais da associação Cultural Moinho da Juventude, contou o trabalho que é feito para combater a pobreza na Cova da Moura, Amadora. As batucadeiras do bairro (grupo formado por mulheres de Cabo Verde) levaram sons populares africanos, dando uma nota musical ao evento organizado pela Inatel.
Aldeia dos Sonhos
Habitantes de Rio de Onor rumaram a Lisboa para concretizar um sonho
H
á oportunidades que se agarram com “unhas e dentes”, e a oportunidade de provar um pastel de belém em Lisboa, é para agarrar, trincar e pedir por mais. Mais pastéis e mais iniciativas como esta. José Carlos Valente, presidente da junta de freguesia, que acompanhou os 42 habitantes de Rio de Onor a Lisboa, aldeia vencedora do programa Aldeia dos Sonhos da Fundação Inatel, enalteceu iniciativas como esta que “deviam ser seguidas por outro tipo de instituições também, tendo em conta que para muitas pessoas só com estas iniciativas é que têm a oportunidade de conhecer o nosso país”.
O presidente da Fundação Inatel, Francisco Madelino, falou de uma parte de Portugal, que faz parte da construção do país e que até então tinham visto “os monumentos e cidades, apenas de uma forma mítica de olhar para a tv”, e que a partir de agora podem afirmar “já estive ali”. A aldeia ficou encerrada para as pessoas poderem realizar os seus sonhos. Para conhecerem o Oceanário, o local mais desejado por todos, mas a Torre de Belém, a Assembleia da República, os Pastéis de Belém e o Estádio do Benfica, também fizeram a delícia de muitos. Foram três dias (31 de março, 1 e 3 abril) entre Rio de Onor e Lisboa, três que não se vão repetir para muitos e que encheram a mala de recordações, fotografias guardadas na memória e palavras que se repetiram em “obrigado”, é o que se diz quando não se consegue explicar a importância de um sonho realizado. E voltar, sim, Rio de Onor espera sempre por eles, e é a Rio de Onor que eles pertencem.
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Musicando Por Luís rei
Coluna DO provedor
Ciclo Mundos II – das lendas vivas aos experimentalistas
Manuel Camacho
O Ciclo Mundos regressa ao Teatro da Trindade Inatel já no próximo mês de Junho com as verdadeiras lendas vivas das chamadas músicas do mundo. Diva global Natacha Altas, que inaugura esta segunda temporada do Ciclo Mundos no dia de Santo António (13 de Junho), é uma verdadeira diva global que ao longo da sua carreira artística de cerca de três décadas sempre soube conciliar a raiz da música árabe, uma intensidade vocal que venera a malograda egípcia Umm Kulthum (que Amália tanto admirava), com a modernidade das electrónicas multiculturais britânicas dos anos 90. Quem cresceu culturalmente a ouvir a rádio XFM sentiu a presença desta angloegípcia no dub solarengo de Jah Wobble’s Invaders of The Earth e dos Transglobal Underground no marcante álbum “Dream of 100 Nations”, ou no tabla’n’bass dos anglo-indianos Nitin Sawhney e Talvin Singh. Ao longo do seu percurso, Natacha Atlas tem cantado muitas canções de muitas culturas. Em 2007, exibiu classe e charme no Festival Med de Loulé com um espectáculo mais acústico que sempre soube integrar no universo dos melismas árabes, as orquestrações luxuriantes de bollywood, o tropicalismo brasileiro, a canção pop francesa interpretada por Françoise Hardy, ou o jazz de Nina Simone. Dez anos depois, Natacha Atlas apresenta no Teatro da Trindade Inatel o etno jazz magrebino que partilha com o trompetista, compositor e produtor franco-libanês Ibrahim Maalouf e do alaudista tunisino Smadj registado no álbum de 2015 “Myrian Road”. Natacha Atlas promete um espectáculo intimista com livre-trânsito para o improviso.
O artista completo A 28 de Junho é a vez de Mário Lúcio. Artista plástico, poeta, romancista, cantautor, arranjador, guitarrista e fundador de uma das maiores instituições da música cabo-verdiana (a Simentera), é um verdadeiro atlas em movimento da música mestiça e das origens dos variadíssimos sons criados no arquipélago de Cabo Verde, por africanos de várias etnias que criaram toda a riqueza melódica e rítmica.
Denis Rouvre
após “Kreol”, que aborda as raízes e as irmandades transcontinentais do funaná. Música celebratória e arma de protesto dos “badius” de Santiago que imortalizou Codé di Dona e que o regime colonial tentou silenciar entre os anos 60 e início dos 70. Mais do que um concerto, um espectáculo de Mário Lúcio é uma viagem no tempo, bem documentada, às origens da crioulização.
Os experimentalistas
Cada disco que Mário Lúcio edita a solo tem toda uma história que urge ser contada. “Badyo” (ou vadio) de 2008 aborda segundo o autor «o habitante de Santiago. A primeira ilha a ser habitada no Arquipélago de Cabo Verde. Mas, “vadio” era todo o negro que recusava a condição de escravo; e, livre, não reconhecia o controlo das instituições sociais dominantes. Ele é o mandinga, o mandjaco, o pepel, o bantu, o congo, o fula, o yoruba, o wolof vindos de África como escravos e que, entre outras plantações, semearam o gérmen do nosso ritmo: batuko, tabanka, funaná, coladera, colá, etc». Em “Kreol” (2010) percorreu sete países, três continentes, 92 482 quilómetros para contar a história da crioulização, dedicada ao Oceano Atlântico, património da humanidade. Aí convocou uma série de nomes enormes de África, Américas e Europa: Ralph Thamar e Mario Canonge (Martinica), Toumani Diabaté e Zoumana Tereta (Mali), Pablo Milanés (Cuba), Teresa Salgueiro e Pedro Jóia (Portugal), Milton Nascimento (Brasil), Harry Belafonte (Estados Unidos) e Cesária Évora (com quem canta o clássico “Mar Azul”), entre outros, numa obra enorme, bela e tranquila, que miscigena «a bossa nova, a salsa e o son cubano, o blues, o swing, o rap, o calypso, a rumba, a morna e a coladera». No Teatro da Trindade Inatel, Mário Lúcio apresenta “Funanight”. Um novo disco acabado de editar, sete anos
Após as férias de Verão, o Ciclo Mundos apresenta no Trindade a 12 de Outubro a cantora, compositora e actriz libanesa e parisiense Yasmine Hamdan que vem apresentar o novo disco “Al Jamilat” (“The Beautiful Ones”), que irá certamente figurar na lista dos álbuns de músicas do mundo mais relevantes de 2017. Mais uma obra visionária que mistura a canção em língua árabe, com indie folk pastoral e de câmara (com luxuriantes arranjos de cordas), dream pop planante a evocar paisagens bucólicas islandesas dos Múm e linhas gordas de baixo com muito dub (sobretudo no tema-título “Al Jamilat”). A 12 de Dezembro reúnem-se no Trindade dois monstros da improvisação que, à semelhança do que aconteceu com Toumani Diabaté e Kayhan Kalhor apresentam no Ciclo Mundos um espectáculo conjunto sem terem ainda gravado um disco com o registo desse encontro. Iva Bittova, compositora e improvisadora avant-garde checa que deslumbrou o público do FMM Sines de 2008 com um espectáculo sem freios de muitas vozes (yodels, canto gutural, etc) sem amplificação e violino, une-se ao guitarrista sardo Paolo Angeli. Instrumentista e construtor peculiar de um cordofone preparado de 18 cordas, híbrido entre guitarra, barítono, violoncelo e bateria que o mesmo público do FMM de Sines também recebeu em 2015. Um concerto que unirá certamente o rigor da clássica contemporânea, a ousadia do free jazz e olhares muito peculiares por tradições da música dos Balcãs e do Mediterrâneo. [O autor escreve de acordo com a antiga ortografia]
provedor.inatel@inatel.pt
N
um típico dia de fim de Primavera, entre o fresco e o morno (por vezes até quente de mais para a época), sentei-me calmamente com a firme intenção de escrever a coluna para o “Tempo Livre”… ‘tempo livre’ repeti, e por associação “saltou” a palavra mágica “liberdade”. Para além de ser uma palavra como qualquer outra deste léxico harmonioso chamado ‘língua portuguesa’, qual é, afinal, o conceito de LIBERDADE? Temos o conceito literário, trazido por poetas e prosadores desde os tempos mais remotos até aos nossos dias. Temos o conceito sociopolítico, atravessando um longo caminho desde os primórdios, passando pela escravatura e chegando até às democracias do nosso tempo. Caminho difícil e imperfeito porque grandes e profundos são os “iatos” nesta caminhada, que em pleno século XXI ainda não cumpriram o desiderato da Liberdade e, porventura, ainda estão longe de o atingir. No entanto, para mim, que tinha vinte e poucos anos em Abril de 74, a primeira imagem que me ocorre quando penso em Liberdade é o dia 1 de Maio de 1974 – todos, mesmo todos, na rua de forma mais ou menos irresponsável, mas felizes como nunca a caminho do estádio da FNAT, batizado nesse dia como Estádio 1.º de Maio, hoje naturalmente património desta Fundação. Pois é, uma mesma palavra, dependendo das circunstâncias e do momento, pode trazer as mais variadas leituras, sensações e/ou sentimentos. Passados 43 anos, muitos foram os acontecimentos e as mudanças vividas neste Portugal à beira mar plantado. Acredito que estamos vivendo uma verdadeira democracia; mas ainda assim apeteceme dizer: – Que Saudades daquela Liberdade!
20 TL MAIO-JUN 2017
Trindade
Beatriz Maduro
A que cheira Virginia Woolf?
“I
sto pode passar assim? Vai ter cortes, não vai?”, sim, isto pode passar assim, sem filtros. Alexandra Lencastre estava de cor-de-rosa. O terço também era cor-de-rosa. Ainda longe da Martha, a personagem em Quem tem medo de Virginia Woolf, mas já nervosa mesmo depois de semanas de atuações. Sentou-se como se estivesse em casa. E estávamos. A sala de George e Martha é a casa deles, da Alexandra e do Diogo até ao próximo dia 11 de junho, com morada no Teatro da Trindade Inatel. O Diogo Infante entrou mas ainda não se sentia o Old Spice. Estava pronto para a entrevista e para não ser elogiado. “Hoje vai ser diferente Alexandra”. Será que foi, será que não houve espaço nem tempo para elogios? Tínhamos 30 minutos, depois a Alexandra tinha que encaracolar o cabelo da Martha. “Há espectadores que dizem que o nosso cheiro chega à plateia, o que não acontece em cinema e televisão”, conta Alexandra depois de confessarem que usam um perfume diferente para cada personagem em palco, funciona como um acessório e “ajuda a pensar que ajuda” durante a atuação. Alexandra ofereceu um Old Spice ao Diogo, um daqueles perfumes antigos que “todos os homens de barba usam”, ele ofereceu Jour d’Hermès, “é intenso, embora floral, e pode ser enjoativo mas ajuda definir a personagem. Não está relacionado com a pesquisa, mas como um adereço
que se calhar ninguém nota mas que para nós é importante”. E quem nota, quem sente, quem vive a peça, será que está preparado para o Quem tem medo de Virginia Woolf”? Diogo não hesitou, “acho que o público vem a pensar que vem assistir a um dramalhão e riem-se…Tem piada, é um humor negro e corrosivo, estas são situações limite e acho que há pessoas que se revêm e conseguem identificar este imaginário, ou conseguem imaginar-se … a peça tem muitas vertentes, e para além de dar uns valentes murros no estômago, também provoca valentes gargalhadas e algumas de profundo incómodo”. O público espera ver apenas Alexandra Lencastre e Diogo Infante em palco e são surpreendidos com o texto. Riem após o palavrão, após uma investida atrevida da Martha. Riem. Reagem. Participam. Estão ali bem perto do palco. Um palco de estreia para o Diogo, mas já pisado pela Alexandra que, depois de encontrar uma posição mais formal, quis agradecer: “Só tinha atuado aqui uma vez e tenho que agradecer à Inês de Medeiros e à Inatel, que é responsável por uma das vertentes que é a ocupação dos tempos livres, e de facto, se os tempos livres dos portugueses forem passados no teatro é uma maravilha; e nós estamos a sentir que através destas salas e destas propostas, que são arrojadas e ousadas, mas que o público está a voltar, a vir ao teatro em massa.” Diogo não ficou por menos, “devo confessar, em primeira mão, que este é o meu teatro preferido para representar, de Lis-
boa, e olha que já representei em muitos; a relação da plateia com o público, a acústica – já não há salas assim – nem o D. Maria tem esta acústica, o São Luiz muito menos, e portanto a possibilidade de hoje representar, apenas com o nosso instrumento de trabalho, projetá-lo e sem microfone, é de facto ímpar. E gostava de voltar para o ano”. E já está convidado. Pode ir como ator, como encenador, como diretor de atores, pode ir com o “pack completo”, como acabou por acontecer com a peça Quem tem medo de Virginia Woolf após um problema de saúde de João Perry. “Encenar é pôr em cena, é honrar e tentar fazer jus ao espírito do texto, à sua capacidade de ao longo de décadas e de gerações nos comover, entreter que é isso que os clássicos fazem (…) e trabalhar com a Alexandra e com os jovens atores, Lia Carvalho e José Pimentão, foi uma experiência fantástica e inusitada, eu não estava à espera, e talvez por isso tenha saboreado tão intensamente”. “Eu não queria (abraçar a Martha). Tenho sempre medo”. Medo, Alexandra? “O medo vem das coisas más, das más experiências, mas o Diogo inspira-me muita confiança, é uma âncora, e depois é maravilhoso, porque de facto, aquilo que ele fez é único e mais ninguém conseguiria fazer o que ele fez num espaço tão curto de tempo, ter dado a volta sobre si próprio, e deixar só por uns momentos de pensar num todo e nos outros, e dedicar-se a ele e ao seu George, e faze-lo de uma forma brilhante. O Diogo é uma pessoa abençoada e nós por trabalharmos com ele também”.
“A Alexandra nunca quer, mas eu não desisto facilmente, e quando a Alexandra diz, invariavelmente, que tem medo, que não quer e que não pode, e que não vai fazer nada, eu não largo osso”. “Alexandra, estás nervosa?”. Está sempre nervosa, após 30 anos de carreira. “Fico sempre nervosa. E ele diz “usa isso”. Dói-me a barriga, e ele diz “usa isso”. E é preciso usar todas as armas para ser a Martha. “É uma personagem tóxica. Só uma pessoa tão generosa e também desequilibrada como o George a consegue aturar. Eles no fundo estão bem um para o outro”. Diogo interrompe, não concorda que a Martha seja a má e o George o mau. “Eles são vítimas das suas circunstâncias (…) e tens muitos homens que aturam Marthas. Mulheres amarguradas, mulheres que de uma forma ou de outra criaram universos paralelos, e há homens que efetivamente gostam de viver nessa sombra, nesse parasitismo, é a maneira que eles sentem de ocuparem um espaço”. E acrescenta, “a Alexandra é dura com a sua Martha porque não se revê naturalmente na personagem, as personagens não são nem boas nem más, há razões para os comportamentos delas (…) o George acomodou-se sim, e ele aceitou este jogo, aceitou esta vida, ele acha que a merece, ele defende-a, defende o universo caótico e desequilibrado”. Lia Andrade e José Pimentão também estão em cena, são o casal convidado para uma noite em casa de George e Martha e trabalhar com eles tem sido “enervante” nas palavras do diretor. “Eles são bons e são novos e giros, e temos que olhar para eles todos os dias e pensar “fogo, já fomos assim”. São fantásticos. Talentosos, generosos e disponibilizaram-se rapidamente para integrar as diretrizes que lhes fui lançando”. E não deixam cair a bola, a bola que Diogo Infante “leva” todos os dias para o palco enquanto diretor e encenador, e que todos usam enquanto atores, a bola que deixa o público focado e preso à cadeira a cada murro no estômago. No fim, a bola cai e o público aplaude de pé. Merecem sempre as palmas? “Nem sempre. Há dias que nem por isso. Esforçamo-nos sempre por merecer as palmas. Umas vezes elas são mais calorosas – a verdade é que têm sido sempre calorosas neste espetáculo – mas nós temos uma perceção diferente do que fazemos que é forçosamente diferente da do público. E também depende de quem cá esta. Por exemplo, o Diogo adora saber quem está porque isso provoca nele adrenalina, eu fico de rastos.” Nada que o terço não resolva, apesar de ter quebrado durante a entrevista. Mas talvez seja bom presságio para o futuro, que Alexandra imagina a dois. “Já temos uma coisa, nada em concreto, mas temos muita vontade de voltar a trabalhar juntos, já estou a morrer de inveja porque ele (Diogo) vai ter coisas com outras atrizes.” “É provável que nos venhamos a cruzar em breve em televisão também, e vai ser divertido” acrescentou Diogo. Porque eles querem mais. Querem continuar juntos no palco. Querem continuar, apesar de tentarem o contrário, a trocar palavras de elogio sincero, e olhares cúmplices de um subtexto que é só deles. Acabou. Eles saíram. Tal Martha e George a subir as escadas para o quarto depois de uma noite de espezinhares, revelações e agressões. Juntos porque só assim é que é possível fazer acontecer, dentro e fora do palco. Maria João Costa
TL maIO-JUN 2017 21
“Saúde de qualidade” é o tema da próxima conferência, que se realiza dia 29 de junho, em Coimbra. A iniciativa, organizada pela Fundação Inatel, está inserida no ciclo de debates temáticos “Desafio 2030 – Uma Agenda para o Desenvolvimento Sustentável”. Neste debate vai ser discutido o Objetivo 3, que visa garantir o acesso à saúde de qualidade e promover o bem-estar para todos, em todas as idades.
VER
OUVIR
O factor humano
Cinema Alien: Covenant, de Ridley Scott (EUA, 2017) Com: Michael Fassbender, James Franco, Katherine Waterston. Em cartaz. Os fans da saga de culto podem ficar descansados: depois da acusação de pretensiosismo a Prometheus, Scott regressa às origens e não só recupera o espírito inicial da trilogia como ousa dar uma “lição de filosofia” à volta da origem (e do futuro) da humanidade. Excelente é a prestação de Katherine Waterson, na pele de “herdeira” da comandante Ripley. I Am Not Your Negro, de Raoul Peck (EUA, 2016) Documentário. Em cartaz. Portentoso retrato histórico do povo afro-americano com destaque para o período do esclavagismo, o abolicionismo, a segregação racial e as lutas pelos direitos cívicos igualitários que haveriam de ficar marcadas indelevelmente pelos assassinatos de Martin Luther King, Medgar Evers e Malcolm X. Um emocionante apelo à fraternidade – proclama a crítica. Piratas das Caraíbas: Homens Mortos Não Contam Histórias, de Joachim Rønning, Espen Sandberg (EUA, 2017)
Com: Johnny Depp, Geoffrey Rush, Javier Bardem, Keira Knightley, Orlando Bloom. Em cartaz. O regresso das aventuras do mítico pirata – e anti-herói assumido – Jack Sparrow (desta vez perseguido por um temível capitão Salazar…) promete não defraudar expectativas e dar um novo fôlego, a começar pela trepidante atmosfera e o toque de burlesco. Em “tom disneyano”, já se vê. Para todos! United States of Love, de Tomasz Wasilewski (Polónia, 2016) Com: Julia Kijowska, Magdalena Cielecka, Dorota Kolak. Estreia 1 junho. Sensível e tocante olhar sobre a condição feminina (e o feminismo) na Polónia póscomunista: “quatro mulheres, aparentemente felizes, decidem que chegou a altura de mudar de vida e satisfazer os seus desejos”. Cleópatra, de Joseph L. Mankiewicz (EUA/Reino Unido/Suíça, 1963) 4h11’ Com: Elizabeth Taylor, Richard Burton, Rex Harrison, Rody MacDowall. Exibição 10 junho, 16h, no CCB. Porventura a mais colossal, atribulada e dispendiosa
Quando o Verão é sinónimo de festivais… (mais de 44 milhões dólares, à época) super-produção hollywoodense de todos os tempos que quase arrasou a tesouraria da ‘major ’ 20th Century Fox. Um apogeu do filme clássico (em tom shakespeariano), centrado nos jogos de sedução e poder da rainha do Nilo para salvar o Egipto da tentação expansionista do Império Romano. Fabulosos são os cenários. Magnífico é o trio Burton-Taylor-Harrison. Vencedor de quatro óscares. No ecrã gigante do grande auditório do Centro Cultural de Belém.
Réparer les vivants, de Katell Quillévéré (França/Bélgica, 2016) Com: Tahar Rahim, Emmanuelle Seigner, Anne Dorval. Estreia 22 junho. Um melodrama carregado de humanismo centrado no processo de transplante do coração de um jovem adolescente cerebralmente morto na sequência de um acidente para uma mulher cinquentenária a quem foi diagnosticado insuficiência cardíaca.
Joaquim Diabinho [O autor escreve de acordo com a antiga ortografia]
O
verão está a chegar e com ele os festivais de música. Com cerca de mais de duas centenas de festivais, irei dar aos leitores uma visão eclética do que se irá passar por terras lusas, com a ressalva de que há música para todos os gostos entre as várias centenas de artistas nacionais e internacionais que irão circular pelos palcos portugueses. Iniciamos as festividades em Guimarães com o North Music Festival calendarizado para 2 e 3 de junho. Terá entre outros nomes, os conhecidos do grande público Skunk Anansie, banda de rock britânica formada no início dos anos 90 e que fez parte do movimento rock alternativo. Com uma qualidade irrepreensível, e ainda por terras nortenhas, o NOS Primavera Sound regressa ao Parque da Cidade do Porto entre 8 e 10 de junho. Aqui o destaque vai para Bon Iver, banda norteamericana de folk liderada por Justin Vernon que desde 2007 nos brinda com uma sonoridade delicada e introspetiva, característica vincada da identidade da banda. Parte integrante da história do jazz, o pianista e compositor norte-americano Herbie Hancock regressa a Portugal para o Festival MIMO. Herbie Hanckock colaborou nos anos 60 com o histórico quinteto de Miles Davis e integrou as correntes artísticas do jazz fusão e o electrofunk. É bastante conhecido pelo uso do piano elétrico Fender Rodhes cujo
timbre é inconfundível. Com entrada gratuita decorre de 21 a 23 de julho em Amarante. O MEO Marés Vivas, que acontecerá de 14 a 16 de julho em Vila Nova de Gaia, terá a presença da banda de Hard Rock alemã, os Scorpions, fundada em meados dos anos 60. Ainda parte integrante do cartaz deste festival, teremos Sting, reconhecido pela sua brilhante carreira a solo e enquanto cantor e baixista na mítica banda de rock da década de 80, The Police. Para os amantes do ska teremos os venerados Skatalites no Festival Musa Cascais de 29 de junho a 1 de julho. Banda de origem jamaicana com início de atividade nos anos 60, os Skatalites são considerados os fundadores do ska – género musical que deriva da música popular jamaicana. Em terras mouras a atenção vai para o irreverente Argelino Rachid Taha, que se apresenta no MED Loulé que acontecerá de 29 de junho a 2 de julho. Conhecido do público português pela sua passagem no Festival de Músicas do Mundo, em Sines, em 2007 e 2013 – a sua versão do tema “Rock de Casbah”, dos The Clash vingou na memória coletiva de quem assistiu às performances. A sonoridade de Rachid é contagiante caracterizando-se por uma fusão entre o rock e o rai (género musical popular da Argélia). Com a sua voz rouca canta muitas vezes em árabe e conta-nos histórias da dificuldade de integração dos imigrantes em França; histórias sofridas de racismo e descriminação. Os festivais portugueses estão na senda do panorama musical internacional. Com um público cada vez mais diversificado e um convívio cada vez mais intergeracional, estas iniciativas arrastam milhares – um escape ao quotidiano, uma comemoração em torno de uma arte sublime… a música!
Susana Cruz
22 TL MAIO-JUN 2017
Os contos do zambujal
ACABA MAL quarto de uma cama só, mas das largas. Desta vez não levou a mesma senhora que anteriormente o acompanhara como senhora dele. Repetiu então as instruções, ela deveria preencher a ficha da recepção com os elementos constantes do cartão subtraído a Graciana. Correu tudo na perfeição. Assim continuou a acontecer, quinzena após quinzena, e na véspera de nova viagem, Aniceto, com ar contristado, disse a Graciana: “Bem gostava eu de te levar comigo mas o meu trabalho é nos ditos dias úteis, quando as lojas estão a funcionar e nesses dias também tu, querida, estás ocupada no teu emprego. Mas uma noite destas vamos jantar fora.” Com o decorrer do tempo, Graciana começou a receber correspondência dos hotéis em que Aniceto a registava como presente. Nada de especial; publicidade, anúncio de eventos, mais surpreendente foi que duas unidades hoteleiras a felicitaram no dia do seu aniversário. “Que amáveis! Inclui na ficha da recepção o teu nome e a nossa morada e eles têm esta gentileza. Um dia vais lá comigo.” Disse-o sem intenção. A intenção era continuar no que ele considerava uma desforra de tantos anos sem se divertir e prosseguir os divertimentos. E em cada viagem de trabalho levava por companhia uma senhora que não era a dele mas tomava a identidade da senhora
que era a dele. Graciana estranhou um pouco receber correspondência de hotéis onde jamais pusera os pés mas Aniceto explicava: “É o marketing. Só demonstra competência e boa organização.” Até que chegou o inolvidável dia em que Graciana recebeu de um hotel, não um envelope com publicidade ou parabéns pelo aniversário, mas uma pequena caixa de cartão com o nome dela em letras grandes no rótulo. “Um presente?” – comentou, sorrindo. Abriu a encomenda com uma faca de cozinha e, então, sim, saltou-lhe à vista um envelope, igualmente dirigido à Excelentíssima Senhora Dona Graciana Sílvia Tavares Bempostinha. Apressou-se a ler e leu: “Temos orgulho na rapidez com que devolvemos aos nossos estimados clientes quaisquer objectos ou valores que tenham esquecido no quarto que ocuparam no nosso hotel. Aqui estamos, Dona Graciana, a enviar duas peças que deixou esquecidas quando nos deu a honra da sua hospedagem com o seu esposo, senhor Aniceto Felício Bempostinha. E volte sempre.” Confusa, meteu as mãos até ao fundo da caixa, de onde recolheu as duas peças de vestuário – um sutiã e umas cuequinhas. [O autor escreve de acordo com a antiga ortografia]
José Alves
A
niceto Felício Bempostinha sempre tinha sido um marido de fidelidade exemplar. Obrigatoriamente. Trabalhava na mesma empresa de sua mulher, Graciana Sílvia Tavares Bempostinha, secretária tão próxima que bastava estender os braços para acariciarem as mãos. Casal mais unido era impossível de encontrar. Dormiam juntos, seguiam para a empresa juntos, almoçavam juntos e juntos regressavam ao lar para juntos jantarem e verem o mesmo programa de televisão. Não se sabe se tão constante proximidade enfastiava Aniceto Bempostinha ou mesmo sua dilecta esposa, Graciana. O que se sabe é que, num inesperado momento, ele foi nomeado inspector das sucursais da empresa e, semana sim, semana não, dizia adeus e viajava pelo país Portugal. Um dia depois da nomeação ocorreu um episódio doméstico que viria a reflectir-se no comportamento, até então impecável, de Aniceto Felício Bempostinha. Aconteceu que Graciana revolvia a casa em busca do cartão de identidade, perdera-lhe o tino depois de o consultar para preencher documentos. Inexplicável: Aniceto viu o cartão assomado debaixo do sofá e, em vez de o devolver à consorte, escondeu-o no seu próprio bolso. Não há provas de que teria já em mente as diabruras que cometeu depois. Certo Graciana estranhou é que, logo à segunda viagem pelo interior do um pouco receber País, ele se fez acompanhar correspondência de por senhora que não era a dele, convencendo-a a hotéis onde jamais identificar-se como Graciana pusera os pés mas na recepção do hotel. E ela, Aniceto explicava: cúmplice, assim procedeu. De regresso ao lar, foi “É o marketing. Aniceto recebido com o Só demonstra entusiasmo de quem não competência e boa estava habituada a passar três dias sem o marido organização” presente. E ele, divertido com a sua aventura, acariciou a legítima, mas pensou que a vida teria mais encanto com tais quebras na rotina. Haveria de repetir noutra viagem, noutra terra, noutro hotel, com outra senhora que não fosse a dele. Não demorou. Na semana seguinte recebeu instruções para visitar as filiais da empresa na região centro, encargo que requeria três dias de ausência do domicílio. Informou-se quanto a hotéis na região, telefonou para o que lhe parecia mais atraente e discreto; reservou alojamento para casal com a recomendação acessória de que preferia
Mário Zambujal
TL maIO-JUN 2017 23
Passatempos
agenda inatel
Palavras cruzadas POR josé lattas 1
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ATIVIDADES CULTURAIS E DESPORTIVAS
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Covilhã
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Concerto de Viola Beiroa, com o CCD Associação Recreativa e Cultural Viola Beiroa, 10 de junho, no Auditório da Ponte Martir-in-colo, às 21h30 horas.
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Porto
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Entre-os-Rios
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VERTICAIS: 1-Farmacêuticos. 2-Larga!; Lago italiano a NE de Milão; Prata (s.q.). 3-Sede de
concelho, do Distrito de Beja; Acostumado (fem.). 4-Menciona; Césio (s.q.); Rio que banha a cidade de Leiria. 5-Auxiliava; Fazenda. 6-Canapés; Uma das cidades mais célebres da Antiguidade, localizada no Egipto Antigo. 7-Sufixo que traduz a ideia de ocupação, ofício ou emprego; Avalia. 8-Sufixo, que designa diminuição; Cidade e município do Estado de Minas Gerais, no Brasil. 9-Enxergam; Uma das ilhas gregas do grupo das Jónicas. 10-Encarregados de presidir e dirigir a oração do povo entre os maometanos; Abreviatura que, na matemática antiga, designava o cubo; Preposição. 11-Cerce; Deplorável.
Soluções: 1-BASCAS; EMIR. 2-OLEICO; LIME. 3-TARTUFO; RÃS. 4-I; PADARIAS. 5-CIA; IS; PM; P. 6-AS; CA; PA; AE. 7-RÉUS; TÉNIAS. 8-IOS; PESETAS. 9-O; ALABAMA; I. 10-SADINA; ACEM. 11-GASOSO; AMO.
Horizontais: 1-Naturais do País Basco (fem.); Título dos chefes de algumas tribos ou estados muçulmanos. 2-Diz-se correntemente, de um dos mais importantes ácidos gordos; Corrija. 3-Comédia em cinco actos e em verso, de Molière; Manducos. 4-Lugar onde se fabrica ou vende pão (pl.). 5-Agência federal de investigação norteamericana; Silício (s.q.) (inv); Primeiroministro (abrev.). 6-Arsénio (s.q.); Cálcio (s.q.); Protactínio (s.q.); Auto-estrada (abrev.). 7-Malfeitores; Bicha-solitária (pl.). 8-Ilha pertencente ao Arquipélago das Ciclades, localizada entre Naxos e Santorino; Moeda espanhola antes da adesão ao euro (pl.). 9-Um dos estados meridionais, dos Estados Unidos da América. 10-Natural ou habitante da Região do Sado (fem.); Parte do bovino, entre o lombo e o cachaço. 11-Vaporoso; Desejo.
em Santana. O programa, que envolve os diversos Centros de Cultura e Desporto da Fundação Inatel, no Funchal, inclui palestras e mesas redondas, e atuações de grupos de folclore e de cantares. A iniciativa permitirá que cada CCD apresente as suas atividades, produtos, gastronomia, artesanato, convidando à participação da população em geral.
Sudoku POR Jorge Barata dos Santos Problema n.0 3 Prencha a grelha com os algarismos de 1 a 9 sem que nenhum deles se repita em cada linha, coluna ou quadrado.
Soluções:
Circuito nacional de BTT Inatel, em parceria com CIM Tâmega e Vale do Sousa, dia 2 de julho.
Évora
“Viola Amarantina Renascida”, exposição patente na Galeria Inatel, de 16 de junho a 2 julho, de terça a sexta-feira, das 10h00 às 20h00. Aos fins de semana das 11h00 às 20h00. No dia 16 de junho, data da inauguração da mostra, há Conversa Concerto com Eduardo Costa no Páteo da Fundação Inatel, pelas 19h00. Eduardo Costa dedicase à viola amarantina desde a criação do “Propagode, Associação Cultural e Musical”, em 2011. Para além dos trabalhos desta coletividade, onde tem promovido o ensino da viola amarantina a jovens e adultos, a nível individual possui o projeto “Viola Amarantina – Apaixona-te de Novo”.
Funchal
Encontro de CCD da Região Autónoma da Madeira, dia 17 de junho, entre as 10h00 e as 17h00, no Parque Temático da Madeira,
Exposição de Pintura e Desenho, mostra de trabalhos dos alunos da Academia Inatel, patente ao público de 8 de junho a 31 de julho, na Rua do Bonjardim, 501, de segunda a sexta-feira, das 9h00 às 18h00. Apresentação da peça de teatro “O Casamento”, de Nikolai Gógol, pelos alunos da Academia Inatel, dia 30 de junho, na Rua do Bonjardim, 501.
Viseu
“É tempo de Teatro”, um espetáculo que se realiza a 18 de junho, pelas 15 horas, no Auditório Mirita Casimiro, antecedido de uma palestra “Dois dedos de conversa. É tempo de Teatro”, por Jorge Fraga, professor da Escola Superior de Educação de Viseu. Promovido pela Fundação Inatel, com o apoio dos CCD TEM – Teatro Experimental de Mortágua, NACO – Núcleo Juvenil de Animação Cultural de Oliveirinha, e Orfeão de Viseu – Grupo de Teatro. Entrada livre (sujeita à lotação da sala). Reservas: viseu.inatel@inatel.pt. | Tel. 232 423 762